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TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL ACÓRDÃO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 54-77. 2013.6.12.0030 - CLASSE 32— BONITO - MATO GROSSO DO SUL Relatora: Ministra Luciana Lóssio Agravante: Leonel Lemos de Souza Brito e outros Advogados: Ary Raghiant Neto - OAB: 5449/MS e outros Agravado: Ministério Público Eleitoral ELEIÇÕES 2012. ELEIÇÃO SUPLEMENTAR. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). SUPOSTO ABUSO DO PODER ECONÔMICO. PROVAS COLHIDAS EM PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL. VIOLAÇÃO AO ART. 105-A DA LEI N° 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. Conforme delineado na decisão agravada, no julgamento do REspe n° 545-881MG, da relatoria do e. Mm. João Otávio de Noronha, foi reafirmada, por maioria, a constitucionalidade do ad. 105-A da Lei n° 9.504/97, admitindo-se, contudo, a realização de atos de investigação pelo Ministério Público, desde que não se utilizasse do inquérito civil exclusivamente com fins eleitorais. Evolução da jurisprudência com ressalva do meu ponto de vista. A instauração de Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE) é lícita e não ofende o ad. 105-A da Lei 9.504/97 (AgR-REspe n° 131483, ReI. Min. Herman Benjamin, DJede 11.3.2016). Há diferença essencial entre o inquérito civil e o PPE, especialmente em relação à sede normativa, à forma de arquivamento, ao prazo de duração e ao objeto de cada um desses procedimentos investigativos. O poder investigativo do Ministério Público materializado por meio das PPEs deverá observar os mesmos parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE n° 5937-27 como destacado anteriormente.

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TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 54-77. 2013.6.12.0030 - CLASSE 32— BONITO - MATO GROSSO DO SUL

Relatora: Ministra Luciana Lóssio Agravante: Leonel Lemos de Souza Brito e outros Advogados: Ary Raghiant Neto - OAB: 5449/MS e outros Agravado: Ministério Público Eleitoral

ELEIÇÕES 2012. ELEIÇÃO SUPLEMENTAR. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). SUPOSTO ABUSO DO PODER ECONÔMICO. PROVAS COLHIDAS EM PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL. VIOLAÇÃO AO ART. 105-A DA LEI N° 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

Conforme delineado na decisão agravada, no julgamento do REspe n° 545-881MG, da relatoria do e. Mm. João Otávio de Noronha, foi reafirmada, por maioria, a constitucionalidade do ad. 105-A da Lei n° 9.504/97, admitindo-se, contudo, a realização de atos de investigação pelo Ministério Público, desde que não se utilizasse do inquérito civil exclusivamente com fins eleitorais. Evolução da jurisprudência com ressalva do meu ponto de vista.

A instauração de Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE) é lícita e não ofende o ad. 105-A da Lei 9.504/97 (AgR-REspe n° 131483, ReI. Min. Herman Benjamin, DJede 11.3.2016).

Há diferença essencial entre o inquérito civil e o PPE, especialmente em relação à sede normativa, à forma de arquivamento, ao prazo de duração e ao objeto de cada um desses procedimentos investigativos.

O poder investigativo do Ministério Público materializado por meio das PPEs deverá observar os mesmos parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE n° 5937-27 como destacado anteriormente.

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5. Agravo regimental desprovido.

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por

unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto

da relatora.

Brasília, 20 de abril de 2017.

MINÍ LSSIO - RELATORA

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RELATÓRIO

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Senhor

Presidente, cuida-se de agravo regimental interposto por Leonel Lemos de

Souza Brito e outro em face da decisão monocrática pela qual dei provimento

ao recurso especial eleitoral interposto pelo Ministério Público Eleitoral para

reconhecer a licitude das provas colhidas em PPE, determinando o retorno dos

autos ao Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul (TRE/MS), a fim de

dar continuidade ao julgamento, ultrapassada a preliminar de nulidade de

prova colhida.

Eis a ementa do acórdão regional:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ALEGADO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PROVAS PRODUZIDAS EM SEDE DE INQUÉRITO CIVIL (PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO) DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 105-A DA LEI N° 9.504/97. INADMISSIBILIDADE. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS NÃO SUBMETIDOS AO CONTRADITÓRIO. ILEGITIMIDADE DAS DEMAIS PROVAS POR DERIVAÇÃO. RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE EM QUALQUER GRAU. ERROR IN JUDICANDO. EFEITO EXPANSIVO DO RECURSO. CONTEMPLAÇÃO DA PARTE QUE NÃO RECORREU. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. PROVI MENTO. RECURSO MINISTERIAL QUE PRETENDIA AMPLIAÇÃO DAS PENALIDADES, JULGADO PREJUDICADO.

Nos exatos termos do art. 105-A da Lei n° 9.504/97, não são aplicáveis, na seara eleitoral, os procedimentos previstos na Lei da Ação Civil Pública, sendo, pois, ilegal a utilização dos elementos produzidos em sede de inquérito civil, sob a égide do Ministério Público, para instruir representação eleitoral, mormente quando as provas produzidas no procedimento preparatório deixaram de ser submetidas adequadamente ao princípio da ampla defesa e contraditório.

Tratando-se de matéria de ordem pública, que comporta pronunciamento de ofício, pode ser reconhecida a ilegalidade da prova em qualquer grau de jurisdição e, por conseguinte, ser declarada a pertinente nulidade, que se estende às demais provas dela derivadas.

Tendo sido a condenação baseada em provas ilegítimas, produzidas no inquérito civil e, posteriormente, nos testemunhos contaminados, incidindo em error in judicando, por faltar pressuposto fático para fundamentar a decisão, impõe-se a improcedência da ação de investigação judicial eleitoral, a qual atinge, por força do efeito

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expansivo do recurso e da nulidade das provas, a parte que não recorreu.

Recurso conhecido e provido para reformar a sentença e julgar improcedente a ação ante a ilegitimidade das provas produzidas, com determinação de desentranhamento do inquérito civil.

Reformada, pois, a sentença, nega-se seguimento ao recurso ministerial ante a sua prejudicialidade por pretender a ampliação das penalidades. (Fis. 253-254)

Embargos de declaração rejeitados às fis. 272-279.

No recurso especial, o Ministério Público Eleitoral alegou

inexistência de violação ao ad. 105-A da Lei no 9.504/97, por entender que tal

dispositivo legal não proíbe a utilização do PPE para a apuração de ilícitos

eleitorais, porquanto, de outro modo, não seria viável ao Ministério Público o

desempenho de suas funções institucionais na esfera eleitoral.

Sustentou que o acórdão regional diverge do entendimento

firmado em outros tribunais eleitorais, no sentido de que o ad. 105-A da

Lei n° 9.504/97 não impede a utilização do procedimento preparatório pelo

Ministério Público para o ajuizamento das ações cíveis-eleitorais, haja vista a

previsão constitucional dos instrumentos de atuação ministerial para a

proteção dos direitos difusos e coletivos.

Pontuou também que, em juízo, foram produzidas provas

independentes do procedimento eleitoral prévio, capazes de, por si só,

subsidiar o julgamento de procedência da representação.

Contrarrazões às fis. 318-328.

A Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pelo provimento do

recurso especial (fis. 332-336).

Na decisão de fis. 338-345, dei provimento ao recurso especial

para - com ressalva do meu posicionamento, mas em conformidade com o

atual entendimento desta Corte Superior - reconhecer a licitude das provas

colhidas em procedimento preparatório conduzido pelo Ministério Público,

determinando o retorno dos autos ao TRE/MS, para a continuidade do

julgamento, ultrapassada a preliminar de nulidade da prova colhida. —r

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No presente regimental (fls. 347-354), os agravantes apontam

que a posição atual do TSE sobre o tema é aquela externada no julgamento

unânime do REsp no 838-77, decidido em 10.11.2015, de minha relatoria, com

a seguinte conclusão: "a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público

Eleitoral para produção de provas e posterior aproveitamento em AIJE ofende

o disposto no ad. 105-A da Lei n° 9504197 e ocasiona a nulidade das provas

obtidas".

Acrescentam que a decisão agravada foi em sentido

diametralmente oposto ao acórdão citado. Ademais, ressaltam que a matéria é

controversa no âmbito desta Corte, merecendo, por tal razão, manifestação do

plenário.

Requerem o provimento do regimental para fins de ser

confirmada a decisão do tribunal regional.

Sem contrarrazões (certidão à fI. 364).

É o relatório.

VOTO

A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora): Senhor

Presidente, reproduzo a fundamentação da decisão agravada:

Na origem, o Ministério Público Eleitoral propôs ação de investigação judicial em desfavor de Leonel Lemos de Souza Brito, Luisa Aparecida Cavalheiro de Lima, Josmail Rodrigues e Cleyton Biagi de Oliveira, por suposto abuso de poder econômico (art. 22, caput, da LC n° 64/90) nas eleições suplementares de Bonito/MS, ocorridas em fevereiro de 2013.

Na sentença, a ação foi julgada procedente para decretar a inelegibilidade de Cleyton Biagi de Oliveira e cassar os diplomas de prefeito e vice-prefeita, respectivamente, dos requeridos Leonel Lemos de Souza Brito e Luisa Aparecida Cavalheiro de Lima (fI. 145). Em sede de recurso eleitoral, o TRE/MS reformou a sentença para julgar improcedente a AIJE, considerando ilegal a instrução realizada pelo Ministério Público Eleitoral em procedimento preparatório,

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.1 2.0030/MS

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à luz do que dispõe o ad. 105-A da Lei n° 9.504/97 e, por consequência, considerou nulas as provas produzidas em juízo.

O ponto central a ser analisado neste especial diz respeito à incidência ou não do ad. 105-A da Lei n° 9.504/97 a justificar a declaração de nulidade de toda prova produzida em procedimento preparatório eleitoral, com fundamento na ilegalidade.

Inicialmente, cumpre lembrar que a constitucionalidade do referido dispositivo legal está submetida ao Supremo Tribunal Federal, na ADI n° 4.3591DF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, e ainda pendente de julgamento.

Este Tribunal Superior Eleitoral, analisando o dispositivo em referência, nas eleições de 2010, posicionou-se pela constitucionalidade do artigo, concluindo ser ilegal o inquérito civil público instaurado para a colheita de elementos para subsidiar as ações eleitorais e, por consequência, reconheceu a ilicitude de toda prova daí derivada. E o que se colhe da ementa do acórdão no RO n° 4746-42/AM, redator para acórdão o Ministro Marco Aurélio, DJe de 6.3.2014:

INQUÉRITO - INSTAURAÇÃO - MINISTÉRIO PÚBLICO - TEOR DO DISPOSTO NO ART. 105-A DA LEI N° 9.504/1 997. Tem-se a impossibilidade de o Ministério Público instaurar, no respectivo âmbito, inquérito voltado a levantar dados para instruir a representação eleitoral.

Tal entendimento foi confirmado no julgamento de outros casos que o sucederam, até que, ao analisar o pleito eleitoral de 2012, esta Corte confirmou a constitucionalidade do dispositivo, esclarecendo, entretanto, a viabilidade da prova alcançada fora do procedimento investigatório tratado na Lei da Ação Civil Pública. E o que se nota da ementa do acórdão no AgR-REspe n° 898-42/RN, de relatoria da Ministra Laurita Vaz, DJe de 16.9.2014:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO, POLÍTICO/AUTORIDADE E CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. PREFEITO. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. PROVA ILÍCITA. ART. 105-A DA LEI N° 9.504/97. DEMAIS PROVAS. ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS.

O ad. 105-A da Lei n° 9.504/97 estabelece que, para a instrução de ações eleitorais, o Ministério Público não pode lançar mão, exclusivamente, de meios probantes obtidos no bojo de inquérito civil público.

Ilícitas as provas obtidas no inquérito civil público e sendo essas o alicerce inicial para ambas as AIJEs, inarredável o reconhecimento da ilicitude por derivação quanto aos demais meios probantes, ante a aplicação da Teoria dos Frutos da Arvore Envenenada.

Agravos regimentais desprovidos. (Grifei)

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É esse o entendimento ao qual me filio, especialmente por compreender que, estando pendente de julgamento ação na qual se discute a constitucionalidade do art. 105-A da Lei n° 9.504/97, sem deferimento de qualquer medida liminar pela suspensão de sua eficácia, cabe a esta Corte Eleitoral a aplicação do dispositivo questionado com apoio no princípio da presunção de constitucionalidade da lei. Não obstante, recentemente (8.9.2015), ao julgar o REspe n° 545-88/MG, da relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, este Tribunal evoluiu para considerar a licitude da prova colhida em inquérito civil público no âmbito da Justiça Eleitoral, bem como daquelas daí derivadas, com supedâneo em diferentes fundamentos invocados pelos membros da Corte.

No referido julgado, com a ressalva do meu posicionamento, aderi à conclusão da maioria, no sentido de admitir a prova derivada de inquérito civil público. Eis a ementa do acórdão citado:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, § 10, DA LEI 9.504/97. PRELIMINARES REJEITADAS. ART. 105-A DA LEI 9.504/97. APLICABILIDADE ÀS AÇÕES ELEITORAIS. MÉRITO. PROGRAMA SOCIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI PRÉVIA. MULTA. DESPROVIMENTO.

Consoante o art. 301, §§ 11 a 31, do CPC, a coisa julgada configura-se quando se reproduz ação - assim entendida como a que possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido - já decidida por sentença transitada em julgado, o que não ocorreu na espécie, notadamente porque o objeto da presente ação é distinto da AIME 10-28/MG.

A interpretação do art. 105-A da Lei 9.504/97 pretendida pelo recorrente - no sentido de que as provas produzidas em inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público Eleitoral seriam ilícitas - não merece prosperar, nos termos da diversidade de fundamentos adotados pelos membros desta Corte Superior, a saber: 2.1. Sem aderitrar a questão atinente à constitucionalidade do art. 105-A da Lei 9.504/97, ressalte-se que: i) da leitura do dispositivo ou da justificativa parlamentar de sua criação não há como se retirar a conclusão de que são ilícitas as provas colhidas naquele procedimento; ii) a declaração de ilicitude somente porque obtidas as provas em inquérito civil significa blindar da apreciação da Justiça Eleitoral condutas em desacordo com a legislação de regência e impossibilitar o Ministério Público de exercer o seu munus constitucional; iii) o inquérito civil não se restringe à ação civil pública, tratando-se de procedimento administrativo por excelência do Parquet e que pode embasar outras ações judiciais (Ministros João Otávio de Noronha, Luciana Lóssio e Dias Toffoli).

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2.2. Ao art. 105-A da Lei 9.504/97 deve ser dada interpretação conforme a Constituição Federal para que se reconheça, no que tange ao inquérito civil público, a impossibilidade de sua instauração para apuração apenas de ilícitos eleitorais, sem prejuízo de: i) ser adotado o Procedimento Preparatório Eleitoral já previsto pelo Procurador-Geral da República ou ii) serem aproveitados para a propositura de ações eleitorais elementos que estejam contidos em inquéritos civis públicos que tenham sido devidamente instaurados, para os fins previstos na Constituição e na Lei 7.347/85 (Ministros Henrique Neves e Gilmar Mendes)

2.3. O art. 105-A da Lei 9.504/97 é inconstitucional, pois: i) o art. 127 da CF/88 atribuiu expressamente ao Parquet a prerrogativa de tutela de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais individuais indisponíveis, de modo que a defesa da higidez da competição eleitoral e dos bens jurídicos salvaguardados pelo ordenamento jurídico eleitoral se situa no espectro constitucional de suas atribuições; iii) houve evidente abuso do exercício do poder de legislar ao se afastar, em matéria eleitoral, os procedimentos da Lei 7.34711985 sob a justificativa de que estes poderiam vir a prejudicar a campanha eleitoral e a atuação política de candidatos (Ministros Luiz Fux e Maria Thereza de Assis Moura).

Inexiste, no caso dos autos, violação aos arts. 275, 1 e II, do Código Eleitoral, 93, IX, da CF/88 e 165 e 458, li, do CPC, pois: a) a Corte Regional manifestou-se expressa e fundarnentadamente acerca das provas em tese derivadas do inquérito civil público; b) é indevida inovação de teses em sede de embargos de declaração; c) não se admitem os embargos por suposta omissão quanto ao exame de matéria contida somente no parecer do Ministério Público.

A doação de manilhas a famílias carentes, sem previsão no respectivo programa social em lei prévia, configura conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97, sendo irrelevante o fato de as doações supostamente atenderem ao comando do art. 33, II e IX, da CF/88. Manutenção da multa imposta ao recorrente.

Recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

Esse é o entendimento que tem prevalecido nesta Corte desde então, e que vem sendo invocado, inclusive, em decisões monocráticas.

Ê esse também o caso destes autos, tendo em vista que, no acórdão recorrido, o Regional extinguiu o feito, julgando integralmente improcedente a AIJE fundada em provas originárias de inquérito civil público em sede eleitoral.

Do exposto, e com ressalva do meu entendimento, dou provimento ao recurso especial, com base no art. 36, § 70, do RITSE, para, reconhecendo a licitude das provas colhidas em procedimento preparatório eleitoral, determinar o retorno dos autos ao TRE/MS

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para continuidade do julgamento, ultrapassada a preliminar de nulidade da prova colhida. (Fls.340-345)

Como se vê, o objeto da discussão posta nos autos diz

respeito à incidência e à interpretação do art. 105-A da Lei n° 9.504/97, para

fins de se aferir a validade ou não da prova produzida em investigação

preliminar conduzida pelo Ministério Público.

Conforme salientei na decisão agravada, a jurisprudência mais

recente desta Corte Superior é no sentido de se admitir a instauração de

PPE pelo Ministério Público, para fundamentar posterior ação eleitoral.

Retifico apenas alguns erros materiais lançados na decisão

monocrática. Primeiro: houve a indicação de que a sentença condenou Leonel

e Luisa. Ocorre, porém, que o juiz primevo retificou o dispositivo, a fim de que

a condenação fosse em desfavor de Leonel e Josmail. Tal correção constou do

acórdão regional, in verbis:

O édito condenatório decretou a inelegibilidade de CLEYTON e cassou os diplomas de LEONEL BRITO e JOSMAIL RODRIGUES, respectivamente prefeito e vice-prefeito eleitos, após retificação do juízo eleitoral, através de embargos de declaração, que reconheceu a ocorrência de erro material e retirou o nome de LUISA como vice-prefeita, por ter renunciado à candidatura na véspera da eleição. (FI. 235)

Segundo: a ADI que cuida do tema é a ADI n° 4352.

Terceiro: mencionei que "este Tribunal evoluiu para considerar

a licitude da prova colhida em inquérito civil público no âmbito da Justiça

Eleitoral, bem como daquelas daí derivadas". Contudo, a jurisprudência do

TSE é, de fato, diametralmente oposta. A utilização do inquérito civil no âmbito

eleitoral foi proscrita ante a incidência do art. 105-A da Lei n° 9.504/97. Logo,

mantém-se atual o quanto assentado no RO n° 4746-42/AM:

INQUÉRITO - INSTAURAÇÃO - MINISTÉRIO PÚBLICO - TEOR DO DISPOSTO NO ART. 105-A DA LEI N° 9.504/1997. Tem-se a impossibilidade de o Ministério Público instaurar, no respectivo âmbito, inquérito voltado a levantar dados para instruir a representação eleitoral.

(RO n° 4746-42/AM, ReI. Mm. Dias Toffoli, Red. para acórdão Mm. Marco Aurélio, DJe de 6.3.20 14)

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.12.0030/MS

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A jurisprudência do TSE, nos pleitos de 2012 e 2014, admitiu

somente a investigação prévia ministerial a partir do PPE, na linha do já citado

REspe no 545-88/MG, da relatoria do Ministro João Otávio de Noronha,

DJe de 8.9.2015.

Tal posicionamento foi reiterado no REspe no 485-39/SE,

Rei. Mm. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 12.2.2016:

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2012. AIJES E AIME. CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DISTRIBUIÇÃO DE DINHEIRO PARA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS E PARA PAGAMENTO DE DESPESAS COM FUNERAL. CONDUTA VEDADA E ABUSO DOS PODERES POLÍTICO E ECONÔMICO. JUNTADA DAS NOTAS TAQUIGRÁF1CAS. PREQUESTIONAMENTO AUSENTE. FUNDAMENTOS DA DIVERGÊNCIA DECLARADOS NO ACÓRDÃO. INQUÉRITO CIVIL INEXISTENTE. VIOLAÇÃO AO ART. 105-A DA LEI N° 9.504/97 AFASTADO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ATENDIMENTO. OMISSÃO QUANTO À ILICITUDE DA PROVA. AFASTAMENTO. SANEAMENTO IRRELEVANTE PARA ALTERAR O RESULTADO DO JULGAMENTO. OMISSÃO AFASTADA. INDEVIDA MITIGAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME VEDADO. LITISPENDÊNCIA. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO INDISCRIMINADA DE BENS EM PERÍODO CRÍTICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. EVIDÊNCIA DO DOLO. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. DISTRIBUIÇÃO DE DINHEIRO PARA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS E PARA PAGAMENTO DE DESPESAS COM FUNERAL. CONDUTA VEDADA. ANÁLISE DA OCORRÊNCIA DE EXCEÇÃO LEGAL PREVISTA NO § 10 DO ART. 73 DA LEI N° 9.504/97 QUE IMPLICA O REEXAME VEDADO. CONFIGURAÇÃO SIMULTÂNEA DO ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO COM GRAVIDADE REGISTRADA NO ACÓRDÃO. AFASTAMENTO QUE IMPLICA O REEXAME. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS DESPROVIDOS.

O Tribunal a quo apenas foi instado quanto à suposta omissão pela não juntada das notas taquigráficas. Não enfrentou a alegação de violação ao disposto nos arts. 50, LIV e LV, e 93, IX, da CF; 131 do CPC e 31, § 1, da Res.-TSE n° 23.172/90, não se fazendo presente o necessário prequestionamento. Não foi omisso o acórdão se o voto vencedor e o vencido foram juntados por escrito.

Na hipótese, não houve instauração de inquérito civil ou procedimento de que trata a Lei n° 7.347/85. Violação ao art. 105-A da Lei n° 9.504/97 afastada.

Litisconsórcio passivo necessário não negado pelo acórdão. Não apontada no recurso violação ao disposto no § 10 do ad. 73 da Lei n° 9.504/97. Agente público responsável que, in casu, confunde-se com o beneficiário.

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.12.0030/MS

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Irrelevante o reconhecimento da omissão quanto à ilicitude das provas derivadas de depoimento falso, porque serviriam apenas para afastar o reconhecimento da captação ilícita de sufrágio, mas permaneceria íntegro o julgado quanto ao reconhecimento da conduta vedada e ao abuso dos poderes político e econômico, porque baseados em provas cuja origem é diversa e não questionada.

O julgador não está obrigado a se manifestar acerca de todos os argumentos trazidos pelas partes, mas apenas os suficientes para fundamentar a decisão. Precedentes.

A alegação de mitigação da distribuição do ônus da prova demandaria o reexame de provas, vedado pelo disposto na Súmula 7/STJ.

O acórdão afastou a alegação de litispendência com os autos n° 586-76 pela falta de identidade das ações, e o recurso não traz alegação de violação ao disposto no art. 301, §§ 10, 20 e 30, do CPC, mas apenas ao art. 267, V, do mesmo dispositivo.

Alegação afastada.

A evidência do dolo, consistente no especial fim de agir, foi constatada pelo acórdão, ante a distribuição indiscriminada de bens em período crítico e sem a observância dos critérios legais. Inteligência do art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Precedentes.

Reconhecimento de que a distribuição de dinheiro para a aquisição de medicamentos e para o pagamento de despesas com funeral foi baseado em lei municipal, bem como de que esta prevê programa social que constitui hipótese apta à subsunção na exceção legal do § 10 do art. 73 da Lei n° 9.504/97 demanda a análise de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 7/STJ.

O acórdão consignou motivadamente a gravidade dos fatos como aptos a alterar a legitimidade e o equilíbrio do pleito e a configurar o abuso dos poderes político e econômico. A inversão deste entendimento, in casu, exigiria o reexame de fatos e provas, vedado nesta Corte.

Recursos especiais de AGRIPINO ANDELINO SANTOS e RODRIGO LOBO RAMOS desprovidos. (Grifei)

Para ressalvar meu entendimento, lancei voto-vista no

REspe no 640-36/1VIG, em que apontei pela legalidade da utilização do PPE.

Transcrevo alguns trechos do mencionado voto:

Percebo que o ordenamento jurídico muniu o Ministério Público com instrumentos para realização de investigação preliminar dos ilícitos antes do ajuizamento da ação judicial competente. Tais instrumentos estão dispersos na Constituição Federal e em normas infraconstitucionais.

A partir do suporte constitucional e legal, o Ministério Público, especialmente através do Conselho Nacional do Ministério Público, edita atos para regulamentar o exercício de sua atividade r

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.12.0030/MS

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investigativa. Nesse cenário, destaca-se a Resolução CNMP de no 23, de 17.09.2007, que normatizou o procedimento geral para o inquérito civil público e para o procedimento preparatório.

Art. 2° O inquérito civil poderá ser instaurado: - de ofício;

II - em face de requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade, desde que forneça, por qualquer meio legalmente permitido, informações sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização;

III - por designação do Procurador-Geral de Justiça, do Conselho Superior do Ministério Público, Câmaras de Coordenação e Revisão e demais órgãos superiores da Instituição, nos casos cabíveis.

[...]

§ 4° O Ministério Público, de posse de informações previstas nos artigos 60 e 70 da Lei n° 7.347/85 que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos mencionados no artigo 10 desta Resolução, poderá complementá-las antes de instaurar o inquérito civil, visando apurar elementos para identificação dos investigados ou do objeto, instaurando procedimento preparatório.

§ 51 O procedimento preparatório deverá ser autuado com numeração sequencial à do inquérito civil e registrado em sistema próprio, mantendo-se a numeração quando de eventual conversão.

§ 60 O procedimento preparatório deverá ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual prazo, uma única vez, em caso de motivo justificável.

§ 70 Vencido este prazo, o membro do Ministério Público promoverá seu arquivamento, ajuizará a respectiva ação civil pública ou o converterá em inquérito civil.

Esse procedimento preparatório era utilizado para diversos fins pelo Ministério Público, inclusive para investigação eleitoral.

Posteriormente, a Portaria do Procurador-Geral da República no 499, de 21.08.2014, regulamentou de forma geral o Procedimento Preparatório Eleitoral, consoante artigo 11:

Art. 10 Instituir, no âmbito do Ministério Público Eleitoral, o Procedimento Preparatório Eleitoral - PPE, de natureza facultativa, administrativa e unilateral, o qual será instaurado para colher subsídios necessários à atuação do Ministério Público Eleitoral perante a Justiça Eleitoral para a propositura de medidas cabíveis em relação às infrações eleitorais de natureza não criminal.

Parágrafo único. O Procedimento Preparatório Eleitoral não é condição de procedibilidade para o ajuizamento das ações a cargo do Ministério Público Eleitoral.

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.12.0030/MS

13

Entendo que não há vedação legal a que o Ministério Público Eleitoral utilize-se de Procedimento Preparatório Eleitoral ou procedimento equivalente para realização de investigações preliminares de supostas infrações eleitorais.

No caso, consoante moldura fática delineada no acórdão regional, houve instauração de procedimento preparatório eleitoral e ficou assentado que as pessoas previamente ouvidas pelo Ministério Público Eleitoral prestaram, posteriormente, depoimento em juízo sob o crivo do contraditório. Confira-se trecho do relatório (fI. 659):

Procurador Regional Eleitoral se manifestou pela licitude das gravações ambientais, ausência de nulidade no Procedimento Preparatório Eleitoral n° MPMG-0515.12.00171-1 e pela não concessão do efeito suspensivo pedido no bojo do segundo recurso (e não por meio de ação cautelar).

Nessa situação, a prova produzida é lícita, não havendo se falar em afronta ao art. 105-A da Lei n° 9.504/97.

Portanto, para os pleitos de 2012 e 2014, restou consolidado o

posicionamento no sentido de ser admissível a atividade investigativa do

ministério público na seara eleitoral por meio do PPE.

Percebo que, realizada a correção indicada acima, a decisão

agravada não está em conflito com o acórdão paradigma, da minha lavra,

indicado pelo agravante - REspe n° 838-77, DJe de 7.12.2015.

Como explanado na decisão recorrida e complementado no

presente acórdão, a posição prevalecente nesta Corte é no sentido de que:

"a instauração de procedimento preparatório eleitoral (PPE) é lícita

e não ofende o art. 105-A da Lei 9.504/97" (AgR-REspe n° 131483,

Rei. Min. Herman Benjamin, DJede 11.3.2016).

O mesmo entendimento foi consignado nos embargos de

declaração ao REspe no 838-77:

ELEIÇÕES 2012. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVAS. IMPRESTABILIDADE. INQUÉRITO CIVIL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO.

1. Os embargos de declaração somente são cabíveis para sanar omissão, contradição ou obscuridade, não se prestando para rediscutir o que já decidido pelo Tribunal.

2. Conforme fixado no acórdão embargado, "a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público Eleitoral para produção de

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.1 2.0030/MS

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provas e posterior aproveitamento em AIJE ofende o disposto no art. 105-A da Lei n° 9.504/97 e ocasiona a nulidade das provas obtidas". Precedentes.

Evolução da jurisprudência do TSE, com a ressalva do ponto de vista da relatora, quanto à possibilidade de o Ministério Público Eleitoral realizar atos de investigação no Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE), desde que não se utilize do inquérito civil exclusivamente com fins eleitorais.

Embargos rejeitados. (ED-AgR-REspe n° 838-77, de minha relatoria, DJe de 16.8.2016)

Examino a questão relativa à diferença entre PPE e o inquérito civil.

Ocorre que o Tribunal Regional tratou o PPE como se fosse

inquérito civil e, por isso, entendeu que tal modalidade investigativa também

estivesse proscrita pelo art. 105-A da Lei n° 9.504/97.

Extraio do acórdão do Tribunal Regional os seguintes trechos:

Acrescente-se que as provas produzidas no procedimento preparatório deixaram de ser submetidas adequadamente ao contraditório, especialmente os depoimentos e testemunhos. Por ser matéria de ordem pública, que comporta pronunciamento de ofício, e escorado na jurisprudência tornada dominante no TSE, entendo ilegal a instrução realizada pelo MINISTERIO PUBLICO ELEITORAL, e declaro nulas as provas constantes às fls. 8/61. E ... ] Determina-se, ainda, o desentranhamento do inquérito civil (procedimento preparatório) de fis. 8/61, que deve ser entregue ao MINISTÉRIO PUBLICO ELEITORAL da 30a Zona Eleitoral. (FIs. 237-238) (grifos no original)

Ao examinar o tema com mais vigor, percebo a existência de

diferenças essenciais entre um procedimento e outro, de modo a caracterizar

perfeitamente cada modalidade investigativa.

lnicialmente, verifico a existência de sede normativa diversa.

Isso porque o inquérito civil está disciplinado nos arts. 80 e 90 da Lei n° 7347/85, ao passo que o PPE encontra-se normatizado por portarias e

resoluções aprovadas no âmbito do Ministério Público.

A interpretação literal do art. 105-A da Lei n° 9.504/97 conduz

à proibição da utilização do inquérito civil no âmbito das eleições. Em sentido —r

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.12.0030/MS 15

diverso, não há como se extrair proibição do uso de PPE nas investigações

eleitorais do MPE, mormente porque tal procedimento não se encontra previsto

na Lei n° 7347/85.

Após a instauração de um inquérito civil - se o promotor que

conduz a investigação convencer-se que não há elementos para fundamentar

uma ação judicial -, o pedido de arquivamento será submetido ao Conselho

Superior do Ministério Público ou à Câmara de Coordenação e Revisão do

Ministério Público.

Por seu turno, instaurado o PPE, se o promotor eleitoral

entender que não há elementos para fundamentar a ação eleitoral correlata, irá

promover o arquivamento perante o Procurador Regional Eleitoral ou

Procurador Geral Eleitoral, conforme o caso. Ou seja, o arquivamento do PPE

envolverá ministérios públicos diversos: o estadual e o federal.

O inquérito civil tem como objeto servir de base para o

ajuizamento de ação civil pública, já os procedimentos preparatórios buscam a

coleta de informações para ajuizamento de outros tipos de ações, como as

eleitorais.

O referido inquérito envolve a apuração de elementos fáticos

mais densos e complexos, por isso tem o prazo de 1 ano para seu

encerramento1, ao passo que o PPE refere-se a investigações curtas e

rápidas, tanto é verdade que a regulamentação inicial indicava o prazo

de 90 (noventa) dias para a final ização2, enquanto a mais recente prevê

60 (sessenta) dias3.

1 Resolução CNMP n° 23, de 17.9.2007 Art. 90 O inquérito civil deverá ser concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas vezes forem necessárias, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, dando-se ciência ao Conselho Superior do Ministério Público, à Câmara de Coordenação e Revisão ou á Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. 2 Resolução CNMP n° 23, de 17.9.2007 Art. 2°

[.. .] § 60 O procedimento preparatório deverá ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual prazo, uma única vez, em caso de motivo justificável. Portaria PGR/MPF n°692, de 19.8.2016.

Art. 60 O Procedimento Preparatório Eleitoral terá prazo de duração de 60 (sessenta) dias, permitidas, por igual período, prorrogações sucessivas, devidamente fundamentadas, quando houver necessidade de dar continuidade à investigação iniciada.

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.12.0030/MS

íE

Portanto, mencionados procedimentos possuem elementos

caracterizadores distintos e disciplina legal diversa.

A seguir, exibo a nova portaria regulamentadora do PPE.

Trata-se da Portaria PGR/MPF n° 692, de 19.8.2016, da qual extraio os

seguintes trechos:

Art. 40 - A instauração do Procedimento Preparatório Eleitoral deverá ser comunicada por escrito à Procuradoria Regional Eleitoral respectiva ou à Procuradoria-Geral Eleitoral, sem prejuízo da publicidade prevista no art. 50 desta portaria.

Art. 50 - Aplica-se ao Procedimento Preparatório Eleitoral o princípio da publicidade dos atos, excepcionando-se os casos em que haja sigilo legal ou em que a publicidade possa acarretar prejuízo às investigações, casos em que a decretação do sigilo deverá ser motivada. § lO - A publicidade consistirá:

- na publicação da portaria de instauração do Procedimento Preparatório Eleitoral na imprensa oficial;

II - na expedição de certidão, a pedido do investigado, de seu advogado, procurador ou representante legal, do Poder Judiciário, de outro ramo do Ministério Público ou de terceiro diretamente interessado;

III - na concessão de vista dos autos, mediante requerimento fundamentado e por deferimento do órgão encarregado do Procedimento Preparatório Eleitoral, ressalvadas as hipóteses de sigilo legal ou judicialmente decretado;

IV - na extração de cópias, mediante requerimento fundamentado e por deferimento do órgão encarregado do Procedimento Preparatório Eleitoral, às expensas do requerente e somente às pessoas referidas no inciso II, ressalvadas as hipóteses de sigilo legal ou judicialmente decretado.

[.. Art. 80 - Se, ao final da instrução, o órgão responsável pela condução do Procedimento Preparatório Eleitoral entender não comprovado ou inexistente o fato noticiado, não constituir o fato infração eleitoral, estar provado que o investigado não concorreu para a infração ou não existir prova de tal contribuição, deverá arquivar o referido procedimento, encaminhando-o para a homologação a ser feita:

- pelo Procurador-Geral Eleitoral, nos casos em que o arquivamento tenha sido promovido pelo Procurador Regional Eleitoral, por seu substituto ou auxiliar;

II - pelo Procurador Regional Eleitoral do respectivo estado, nos casos em que o arquivamento tenha sido promovido pelo Promotor Eleitoral.

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.1 2.0030/MS 17

§ l - No caso de não acolhimento das razões de arquivamento, a autoridade revisora designará membro distinto para a realização da atuação cabível.

§ 2° - Nos casos em que a abertura do Procedimento Preparatório Eleitoral se der por representação, o interessado será cientificado formalmente da promoção de arquivamento e da faculdade de apresentar razões e documentos que serão juntados aos autos para nova apreciação do órgão superior do Ministério Público Eleitoral.

Destaco que a nova regulamentação do PPE trouxe maior

transparência e controle sobre o mencionado procedimento, o que apraz o

Regime Democrático. Contudo, omitiu-se em alguns pontos essenciais.

Repito que meu posicionamento é no sentido de se aplicar

uma interpretação extensiva à norma do art. 105-A da Lei no 9504-97, a fim de

inadmitir poderes investigatórios ao Ministério Público. Isso porque a

Constituição Federal estabelece competências para cada um dos órgãos

públicos, havendo implícita indicação no sentido de que a concentração de

poder é perniciosa para o Estado Democrático de Direito.

Assim, como se adotou a tese do Check and Balance para os Três Poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário -, também

houve adoção do sistema de partilha de atribuições e de mútuo controle entre

os órgãos públicos. Por isso, há órgãos para investigar, órgãos destinados ao

ajuizamento das ações, órgãos para a realização da defesa individual das

partes e órgãos vocacionados a proferir julgamentos.

É salutar para a democracia que determinado controle seja

exercido de órgão para outro órgão. Os poderes investigatórios exercidos pelo

Ministério Público no âmbito de um PPE não devem ser manejados de forma

absoluta, a partir de métodos e critérios livremente definidos por normas internas desta própria instituição estatal.

Não se trata aqui de cercear a independência e a liberdade

funcional da instituição e de seus membros, mas assegurar que estes estejam

submetidos a alguma forma de controle ou de dever de esclarecimento não

só sobre sua atividade-fim, como também sobre o exercício de sua

atividade-meio. Afinal, a Constituição Federal supõe publicidade e

transparência nas atividades dos órgãos públicos, só obstada em casos

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AgR-REspe n° 54-77.2013.6.12.0030/MS 18

excepcionais, nos quais a divulgação da providência possa resultar prejuízo à coletividade.

Nessa linha de entendimento, ao Ministério Público cabe a

atribuição precípua de ajuizar as ações penais ou cíveis. Entre essas

atribuições não há a promoção de investigações, já que tais expedientes são atribuidos a outros órgãos públicos.

Não coaduna com o Regime Democrático de Direito a

interpretação segundo a qual o Ministério Público poderia promover atos de

investigação e escolher, da forma que melhor lhe aprouver, os fatos ou

episódios que seriam investigados. Tal forma de agir contrasta com a ideia de

partilha de atribuições, bem como conflita com o primado da desconcentração de poder.

Porém, tendo em vista a opção da jurisprudência do TSE pela

admissibilidade da utilização do PPE pelo Ministério Público, e como forma de

compatibilizar tal situação ao Regime Democrático, proponho que esta mesma

Corte estabeleça balizas para a mencionada atividade investigatória a ser aplicadas a partir do pleito que se avizinha.

E assim o faço, propondo a esta Corte a orientação construída

no precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário n° 5937-27/MG, ocasião em que o pretório

excelso reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover, por

autoridade própria, investigação de natureza penal, mas ressaltou que essa

investigação deverá observar alguns parâmetros. A tese fixada pela Corte foi a seguinte:

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei n° 8906/94, artigo 70, notadamente os incisos 1, II, III, Xl, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade - sempre presente no Estado democrático de Direito - do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante n° 14), praticados pelos membros dessa instituição.

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AgR-REspe no 54-77.2013.6.12.0030/MS

19

Os parâmetros definidos no mencionado RE, para que a

investigação conduzida diretamente pelo MP seja legitima, são os seguintes:

Devem ser respeitados os direitos e garantias fundamentais dos investigados;

Os atos investigatórios devem ser necessariamente documentados e praticados por membro do Ministério Público;

Devem ser observadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, ou seja, determinadas diligências somente podem ser autorizadas pelo Poder Judiciário nos casos em que a Constituição federal assim exigir (ex: interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário etc);

Devem ser respeitadas as prerrogativas profissionais asseguradas por lei aos advogados;

Deve ser assegurada a garantia prevista na súmula vinculante n° 14 do STF: "E direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de policia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa"

A investigação deve ser realizada dentro de prazo razoável; Os atos de investigação conduzidos pelo MP estão sujeitos ao

permanente controle do Poder Judiciário.

Entendo que o objeto jurídico protegido por ocasião do

RE n° 593727 - a liberdade de ir e vir do cidadão - tem relevância equivalente

ao objeto jurídico da investigação eleitoral - a liberdade do exercício do

sufrágio.

Assim, entendo que o poder investigativo do Ministério Público

materializado por meio das PPE5 deverá observar os mesmos parâmetros

fixados pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE n° 5937-27 como

destacado anteriormente.

No caso em exame, a discussão refere-se a eleições

suplementares de Bonito/MS, ocorridas em fevereiro de 2013, razão pela qual

deve ser mantida a decisão agravada.

Por fim, reconheço que houve a perda parcial do objeto da

ação, no que se refere à cassação da chapa vencedora, mas permanece

hígido o interesse em discutir a eventual inelegibilidade.

Ante o exposto, nego provimento ao Agravo Regimental.

É como voto.

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AgR-REspe n° 54-77.2013.6.12.0030/MS 20

EXTRATO DA ATA

AgR-REspe n° 54-77.2013.6.1 2.0030/MS. Relatora: Ministra

Luciana Lóssio. Agravante: Leonel Lemos de Souza Brito e outros (Advogados:

Ary Raghiant Neto - OAB: 5449/MS e outros). Agravado: Ministério Público

Eleitoral.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao

agravo regimental, nos termos do voto da relatora.

Presidência do Ministro Luiz Fux. Presentes as Ministras Rosa

Weber e Luciana Lóssio, os Ministros Edson Fachin, Herman Benjamin,

Napoleão Nunes Maia Filho e Admar Gonzaga, e o Vice-Procurador-Geral

Eleitoral, Nicolao Dm0.

SESSÃO DE 20.4.2017.