Acórdão Insolvência Transnacional OGX

9
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 0064658-77.2013.8.19.0000 AGRAVANTES: OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S/A., OGX PETRÓLEO E GÁS S/A., OGX INTERNATIONAL GMBH e OGX ÁUSTRIA GMBH HSBC CTVM S/A. RELATOR: DESEMBARGADOR GILBERTO CAMPISTA GUARINO DECISÃO Vistos, etc... 01. Tem-se agravo de instrumento da decisão de fls. 233/242 (paginação dos autos do processo originário), proferida pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, que, nos autos do procedimento de recuperação judicial de empresas, deferiu o processamento do requerimento da OGX PETÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S/A e da OGX PETRÓLEO E GÁS S/A, que têm sedes no Brasil, rejeitando, contudo, o pedido da OGX INTERNATIONAL GMBH e OGX ÁUSTRIA GMBH HSBC CTVM S/A., ambas sediadas na República da Áustria. 02. Em suas Razões (fls. 02 a 32), alegam os recorrentes que as sociedades estrangeiras são integral e diretamente controladas pela OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S/A, foram criadas “(...) com o primordial objetivo de atuarem, no âmbito internacional, como longa manus de suas coligadas brasileiras (...)” (Sic), não exercem atividades operacionais relevantes, nem autônomas, além de responderem solidariamente pelas dívidas e recebimento de receitas no exterior. 03. Asseveram que todas as sociedades do GRUPO OGX são geridas e administradas de forma orgânica pelo mesmo corpo de executivos, todos residentes e domiciliados no Brasil, sendo este país, inquestionavelmente, o principal centro de negócios das 04 (quatro) agravantes.

description

Crimes contra o Mercado de Capitais

Transcript of Acórdão Insolvência Transnacional OGX

  • TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    DCIMA QUARTA CMARA CVEL

    AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0064658-77.2013.8.19.0000

    AGRAVANTES: OGX PETRLEO E GS PARTICIPAES S/A., OGX PETRLEO E GS

    S/A., OGX INTERNATIONAL GMBH e OGX USTRIA GMBH HSBC CTVM S/A.

    RELATOR: DESEMBARGADOR GILBERTO CAMPISTA GUARINO

    DECISO

    Vistos, etc...

    01. Tem-se agravo de instrumento da deciso de fls. 233/242

    (paginao dos autos do processo originrio), proferida pelo MM. Juiz de

    Direito da 4 Vara Empresarial da Comarca da Capital, que, nos autos do

    procedimento de recuperao judicial de empresas, deferiu o

    processamento do requerimento da OGX PETLEO E GS

    PARTICIPAES S/A e da OGX PETRLEO E GS S/A, que tm sedes

    no Brasil, rejeitando, contudo, o pedido da OGX INTERNATIONAL GMBH

    e OGX USTRIA GMBH HSBC CTVM S/A., ambas sediadas na

    Repblica da ustria.

    02. Em suas Razes (fls. 02 a 32), alegam os recorrentes que

    as sociedades estrangeiras so integral e diretamente controladas pela

    OGX PETRLEO E GS PARTICIPAES S/A, foram criadas (...) com

    o primordial objetivo de atuarem, no mbito internacional, como longa

    manus de suas coligadas brasileiras (...) (Sic), no exercem atividades

    operacionais relevantes, nem autnomas, alm de responderem

    solidariamente pelas dvidas e recebimento de receitas no exterior.

    03. Asseveram que todas as sociedades do GRUPO OGX

    so geridas e administradas de forma orgnica pelo mesmo corpo de

    executivos, todos residentes e domiciliados no Brasil, sendo este pas,

    inquestionavelmente, o principal centro de negcios das 04 (quatro)

    agravantes.

  • 04. Destacam que os fatores que detonaram a crise das

    empresas nacionais, com o atual insucesso das atividades nelas

    concentradas, implicam, tambm, na insolvncia das subsidirias

    estrangeiras, que, sendo meros veculos de financiamento das atividades

    de explorao de petrleo e gs, no titularizam recursos prprios para

    subsistirem e honrarem, sozinhas, a principal dvida do grupo econmico,

    que equivalente cifra aproximada de R$ 8.000.000.000,00 (oito bilhes

    de reais) e decorre de duas emisses de bonds (ttulos de dvida), com

    vencimentos em 2018 e 2022, cada.

    05. A seguir, afianam ser necessrio o procedimento nico e

    conjunto, com fulcro nos arts. 3 e 47 da Lei n. 11.101/2005, c/c art. 88,

    III, do Cdigo de Processo Civil, colimando a submisso dos credores

    nacionais e internacionais a um plano comum de recuperao do GRUPO

    OGX, com vista salvao do conglomerado.

    06. E salientam, com base em estudo sobre o art. 240, 1,

    da Lei de Insolvncia da ustria (Insolvenzordnung IO), (...) os efeitos

    do processo de insolvncia estrangeiro sero reconhecidos na ustria se

    o centro de principal interesse do devedor (COMI) estiver localizado nesse

    estado estrangeiro e o processo estrangeiro for em essncia

    comparvel a processos austracos (especificamente, os credores

    austracos teriam tratamento igual aos credores domsticos) (Sic).

    07. Assim, advogam a tese segundo a qual da manuteno

    da interlocutria atacada decorre o processamento da recuperao das

    empresas austracas em Tribunal estrangeiro, em procedimento paralelo

    ao instaurado no Brasil para as sediadas aqui, o que, em termos prticos,

    acarretaria o risco de cobrana dos bonds, tanto das empresas

    estrangeiras, quanto das nacionais, bem como prejuzo no soerguimento

    do GRUPO OGX, que ficaria impedido de encetar operaes no mbito

  • internacional, alm de sob ameaa de constrio de seus ativos, por

    deciso do Tribunal Austraco.

    08. Por derradeiro, asseveram que, acaso no reformada a

    interlocutria atacada, a recuperao judicial prosseguir apenas com

    relao a parte do GRUPO OGX, contrariando o que a jurisprudncia

    internacional denomina de universalismo da jurisdio, quando enfrenta

    a questo da insolvncia transnacional, comum e crescente na era da

    globalizao dos mercados.

    09. Assim, querem a concesso de efeito suspensivo ativo (o

    que se depreende de fls. 24) e, por fim, o provimento do recurso, para que

    seja determinado o processamento conjunto da recuperao judicial das

    empresas austracas e brasileiras.

    10. s fls. 37 usque 52, por deciso monocrtica da lavra do

    e. Desembargador Reinaldo Pinto Alberto Filho, integrante da colenda 4

    Cmara Cvel, foi negado seguimento ao recurso, na forma do art. 557, do

    Cdigo de Processo Civil, ao asserto de sua manifesta improcedncia.

    11. s fls. 90 a 92, tendo-se em vista informao sobre a

    existncia de outro instrumental (processo n. 0064637-

    04.2013.8.19.0000), interposto por empresa terceira interessada

    (ACCIONA INFRAESTRUTURAS S/A.), nos autos do procedimento de

    recuperao judicial do grupo de sociedades OSX BRASIL S/A., OSX

    CONSTRUO NAVAL S/A. e OSX SERVIOS OPERACIONAIS LTDA.,

    distribudo a esta colenda 14 Cmara Cvel, foi reconhecida a preveno,

    tocando a este Relator a presidncia do presente, ocorrendo declnio de

    competncia.

    12. Proferida a deciso de fls. 100 a 102, da lavra do e.

    Desembargador Edson Scisinio Dias, aos 29/11/2013 (sexta-feira),

    aparecendo no andamento processual s 19:40h e deferindo o efeito

    suspensivo ativo ao recurso.

  • 13. Na qualidade de relator do feito, que no trivial e (frise-

    se) cujos autos s me vieram conclusos aos 02/12/2013, sustei, s fls.

    106, a eficcia da ltima deciso, registrando que nenhuma petio

    requisitando urgncia fora protocolada na sexta-feira, at porque

    (relembre-se) os autos no me haviam sido conclusos.

    14. Passo, assim, reapreciao do requerimento de

    concesso do efeito suspensivo, por conta da nulidade do julgamento

    monocrtico de fls. 37 a 52, que ocorreu cerca de 01 (uma) hora e 40

    (quarenta) minutos aps o despacho proferido por mim nos autos do

    agravo de instrumento de n. 0064637-04.2013.8.19.0000 er

    imediatamente lanado no sistema, com assinatura digital.

    15. Trata-se de caso excepcionalssima, veiculando matria

    em que jejuna a jurisprudncia ptria, na qual a rejeio do pedido de

    recuperao judicial conjunta de empresas nacionais e estrangeiras no

    se afigura, em primeira aproximao, sustentvel, to somente com base

    na falta de previso legal e decorrente ausncia de jurisdio.

    16. Insta, de plano, frisar que no se pode por em segundo

    plano a finalidade do procedimento em tela que, em razo das agruras da

    crise da empresa, busca salv-la da decretao de falncia, viabilizando a

    (...) superao da situao de crise econmico-financeira do devedor, a

    fim de permitir a manuteno da fonte produtora, do emprego dos

    trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a

    preservao da empresa, sua funo social e o estmulo atividade

    econmica., conforme art. 47 da Lei n. 11.101/2005.

    17. A respeito do tema, pronuncia-se SERGIO CAMPINHO,

    em Falncia e Recuperao de Empresa: O Novo Regime da Insolvncia

    Empresarial (Rio de Janeiro: Renovar, 2009, 4 ed. revista e atualizada,

    p. 12):

  • O processo de recuperao judicial visa, no seu mago, a uma nica

    finalidade: a aprovao por parte do devedor e seus credores de uma

    proposta destinada a viabilizar a empresa por aquele at ento realizada. O

    estado de crise-econmico financeira vai se revelar, assim, transitrio e

    supervel pela vontade dos credores, a qual conduzir ao objetivo do

    procedimento, qual seja, a recuperao da empresa. A atuao do juiz

    ficar restrita verificao das disposies legais aplicveis ao plano. um

    guardio de sua legalidade. Fica-lhe obstado, pois, interferir no seu

    contedo, de domnio exclusivo das partes. A exigncia de chancela do

    acordo por autoridade judicial representa uma medida de poltica judiciria.

    18. Com efeito, a mpar situao controvertida deve ser

    analisada a partir da premissa de preservao do GRUPO OGX, que, sem

    sombra de dvidas, promoveu a mais extensa campanha privada nacional

    exploratria de petrleo e gs, com atividade que produz impactos no

    desenvolvimento econmico e social brasileiro, alm de gerar um sem

    nmero de empregos.

    19. Na hiptese dos autos, indiscutvel que a OGX

    PETRLEO E GS PARTICIPAES S/A. a sociedade holding e no

    operacional que controla a OGX PETRLEO E GS S/A., titularizando

    99,99% do seu capital social, alm de tambm controlar, direta e

    integralmente, a OGX INTERNATIONAL GMBH e a OGX USTRIA

    GMBH HSBC CTVM S/A., conforme demonstram os inmeros

    documentos que inegram o instrumento de agravo.

    20. As duas empresas estrangeiras subsidirias, excludas do

    procedimento de recuperao judicial, apenas operam em funo da

    controladora, servindo como veculos das sociedades brasileiras para a

    emisso de dvidas e recebimento de receitas no exterior, com vistas ao

    financiamento das atividades de explorao e produo de petrleo e gs

    natural no Brasil.

  • 21. Tem-se, portanto, sociedades empresrias estrangeiras

    que constituem a estrutura de financiamento de sua controladora nacional,

    formando um grupo econmico nico, em prol de uma nica atividade

    empresarial, o que no nada incomum na era da globalizao de

    mercados, mais ainda quando se pondera a prpria atividade explorada,

    que intensifica as relaes jurdicas transfronteirias.

    22. A dvida decorrente das 02 (duas) emisses de bonds,

    que ser objeto da recuperao judicial, est, na realidade, assegurada

    pela OGX PETRLEO E GS PARTICIPAES S/A., que formada por

    um corpo de executivos, todos brasileiros e domiciliados no Brasil, e que

    aqui concentra seus negcios, o que tona necessria a observncia do

    art. 3, da Lei n. 11.101/2005, assim redigido:

    competente para homologar o plano de recuperao extrajudicial, deferir

    a recuperao judicial ou decretar a falncia o juzo do local do principal

    estabelecimento do devedor ou da filial da empresa que tenha sede fora do

    Brasil.

    23. Afigura-se, portanto, vivel a submisso dos credores

    nacionais e internacionais a um plano comum de recuperao do GRUPO

    OGX, evitando-se a eventual constrio de ativos no exterior, imposta a

    requerimento de administrador judicial das sociedades austracas, bem

    como a visceral impossibilidade de realizao de operaes no mbito

    internacional, com o que ficaria definitivamente frustrada toda e qualquer

    possibilidade de soerguimento das recorrentes.

    24. Saliente-se, como j mencionado no item 06 (acima), que

    a legislao austraca sobre insolvncia admite o reconhecimento dos

    efeitos do processo de insolvncia estrangeiro, quando o centro de

    principal interesse do devedor (COMI) est localizado no Estado

    estrangeiro e o processo for, em essncia, comparvel ao austraco, o

  • que, a par do estudo de viabilidade anexado por linha aos autos, mostra-

    se como sendo o caso.

    25. Sob tais aspectos, no se est erigindo o Estado Juiz

    condio de legislador positivo. A ausncia de previso normativa quanto

    aplicao do instituto da recuperao judicial alm dos limites territoriais

    (o que uma pesada falha legislativa), se no o autoriza, por outro lado,

    no o veda. Lacunas legislativas so decididas de acordo com a analogia,

    os costumes e os princpios gerais de direito, conforme prev o art. 4 da

    Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro, de aplicao cautelosa

    e excepcional, em situaes que demandem cautela e sejam, por igual,

    excepcionais.

    26. na equidade que deve predominar a finalidade do

    instituto sobre sua letra, buscando adequar a lei s novas circunstncias,

    a fim de que o rgo jurisdicional acompanhe as vicissitudes da realidade

    concreta, que, como j asseverava Manoel Igncio Carvalho de

    Mendona, em seu Curso de Direito das Obrigaes, caminha sempre

    frente da lei, que capta a vontade jurdica da nao (legalidade).

    27. Neste sentido, veja-se o comentrio de MARIA HELENA

    DINIZ, em Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro Interpretada

    (So Paulo: Saraiva, 2013, 18 ed. rev. e atual., p. 158-159):

    Desempenha, ainda, a equidade funo de grande importncia

    na interpretao das normas. Nesse funo interpretativa, a

    equidade pode significar: 1) o predomnio da finalidade da lei

    sobre sua letra; ou 2) a preferncia, dentre as vrias

    interpretaes possveis de uma norma, pela mais benigna e

    humana. Ambas as significaes no precisam ser autorizadas

    legalmente.

    Em sua funo interpretativa, na busca do sentido da norma,

    a equidade aparece na aplicao do mtodo histrico-evolutivo,

    que preconiza a adequao da lei s novas circunstncias, e do

  • mtodo teleolgico, que requer a valorao da lei (LINDB, art.

    5), a fim de que o rgo jurisdicional possa acompanhar as

    vicissitudes da realidade concreta.

    Pela equidade ponderam-se, compreendem-se e estimam-se

    os resultados prticos que a aplicao da norma produziria em

    determinadas situaes fticas. Se o resultado prtico concorda

    com as valoraes que inspiraram a norma, em que se funda, tal

    norma dever ser aplicada. Se, ao contrrio, a norma aplicvel a

    um caso singular produzir efeitos que viriam a contradizer as

    valoraes, conforme as quais se modela a ordem jurdica,

    ento, indubitavelmente, tal norma no deve ser aplicada a esse

    caso concreto.

    28. Destaque-se que a Lei de Recuperao Judicial,

    Extrajudicial e Falncia do Empresrio e da Sociedade Empresria ,

    atualmente, alvo de acirrado debate, no que concerne necessidade de

    reforma, a fim de que, dentre as alteraes, passe a tratar da denominada

    insolvncia transnacional, seguindo o rumo das tendncias legislativas

    internacionais, calcadas na cooperao e no dilogo entre os Juzes e

    Tribunais de diferentes Estados.

    29. Assim, ponderando as alegaes produzidas, bem como o

    fato de que a empresa no interessa apenas ao seu titular (empresrio),

    mas a diversos outros atores do palco econmico -trabalhadores,

    investidores, fornecedores, instituies de crdito, Estado, e, em suma,

    agentes econmicos em geral-, restauro a eficcia da deciso de fls. 100

    a 102, pelos fundamentos aqui expostos, deferido o efeito suspensivo

    ativo, revogo a interlocutria que rejeitou o pedido de recuperao judicial

    das sociedades empresrias austracas e determino o processamento

    conjunto da recuperao judicial das agravantes.

    30. Oficie-se, de ordem, com o teor da presente, dispensadas,

    neste caso, as informaes.

    31. Em seguida, douta Procuradoria de Justia.

  • 32. Tudo cumprido, conclusos para julgamento do agravo.

    Rio de Janeiro, 03 de dezembro de 2013.

    Desembargador GILBERTO GUARINO

    Relator

    2013-12-03T15:44:24-0200GAB. DES GILBERTO CAMPISTA GUARINO