Acordao Stf Cheque Devolvido

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  Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 659.294 - RS (2004/0086131-4)  RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Elias Bittencourt da Silva, ora recorrido, ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra Banco Itaú S/A, ora recorrente, objetivando ser ressarcido pelos danos a que foi submetido em razão da devolução de cheques por insuficiência de fundos, decorrente do cancelamento, sem prévia comunicação, do limite de crédito que possuía junto ao Banco-réu. O  juízo sentenciante julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o Banco a pagar ao autor a importância equivalente "a 05 (cinco) vezes o valor dos cheques devolvidos em face do cancelamento do limite, relacionados à fl. 25, com correção monetária, pelo IGP-M, a contar da data do ajuizamento da ação, acrescida de juros legais (6% a.a.), a partir da citação" (fl. 176).  A instituição financeira apelou ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que deu parcial provimento ao apelo, mantendo, contudo, o quantum indenizatório arbitrado na r. sentença. O v. acórdão porta a seguinte ementa, transcrita no que aqui interessa: " RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. DANO MATERIAL. CHEQUES. DEVOLUÇÃO INDEVIDA. INSCRIÇÃO SPC. LIMITE DE CRÉDITO. COMUNICAÇÃO DE CANCELAMENTO.  AUS ÊNC IA DE PROVAS. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. 1 - Responde a instituição bancária pelos danos ocasionados ao correntista, sendo esses resultado da devolução de cheques por insuficiência de fundos, em virtude de unilateral e incomunicado cancelamento do limite de crédito. Cancelamento de limite que não poderia ser feito sem a prévia comunicação do correntista. Ausência de provas de que teria sido cancelado o limite de crédito e feita a prévia comu nicação ao correntista art. 333, II, do CPC. Responsabilidade do banco. Configuração do ilícito civil, colorindo a figura do dano moral, que se reconhece pelo só fato da devolução indevida dos cheques. Valor da indenização. Análise do caso concreto. 2 Indenização. Montante. Valor da indenização. Critérios de fixação da indenização. O valor da indenização pelo dano moral não constitui instrumento de enriquecimento da parte lesada, senão que tem o condão de propiciar retribuição pelo malefício Documento: 2680025 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 6

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 Superior Tribunal de Justiça 

RECURSO ESPECIAL Nº 659.294 - RS (2004/0086131-4) 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA:  Elias Bittencourt 

da Silva, ora recorrido, ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais

contra Banco Itaú S/A, ora recorrente, objetivando ser ressarcido pelos danos a que

foi submetido em razão da devolução de cheques por insuficiência de fundos,

decorrente do cancelamento, sem prévia comunicação, do limite de crédito que

possuía junto ao Banco-réu.

O   juízo sentenciante julgou parcialmente procedente o pedido e

condenou o Banco a pagar ao autor a importância equivalente "a 05 (cinco) vezes  o 

valor dos cheques devolvidos  em  face do cancelamento do  limite, relacionados à fl.

25, com  correção monetária, pelo IGP-M, a contar da data do  ajuizamento  da ação,

acrescida de juros legais (6% a.a.), a partir da citação"  (fl. 176).

A instituição financeira apelou ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul, que deu parcial provimento ao apelo, mantendo, contudo, o

quantum indenizatório arbitrado na r. sentença.

O v. acórdão porta a seguinte ementa, transcrita no que aqui interessa:

" RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. DANO MATERIAL. CHEQUES. DEVOLUÇÃO INDEVIDA. INSCRIÇÃO  SPC. LIMITE DE CRÉDITO. COMUNICAÇÃO DE CANCELAMENTO. AUSÊNCIA DE PROVAS. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO.CRITÉRIOS  DE FIXAÇÃO.

1 -  Responde a instituição bancária pelos danos ocasionados ao correntista, sendo esses resultado da devolução de 

cheques por insuficiência de fundos,em 

virtude de unilateral e incomunicado cancelamento do  limite  de crédito. Cancelamento de limite  que não poderia  ser  feito  sem  a prévia comunicação do correntista. Ausência de provas de que teria sido cancelado o  limite  de crédito e feita a prévia comunicação ao correntista – art. 333, II, do CPC. Responsabilidade do banco. Configuração do ilícito civil,colorindo a figura do dano  moral, que se reconhece pelo só fato da devolução indevida dos cheques. Valor da indenização. Análise do caso concreto.

2 – Indenização. Montante. Valor da indenização.Critérios de fixação da indenização. O valor da indenização pelo dano 

moral  não constitui instrumento de enriquecimento da parte lesada,senão que  tem  o condão de propiciar retribuição pelo malefício 

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causado ao ofendido, além  de constituir sanção e alerta ao ofensor,para que não mais  repita o ato ilícito. Nesse caso, correto apresenta-se o montante indenizatório fixado  em  sentença.

(...)

Apelo provido  em  parte"  (fl. 263).Daí o recurso especial em exame, fundamentado nas alíneas "a" e "c"

do permissivo constitucional, em que o Banco aponta ofensa ao artigo 3º do CDC,

afirmando a inaplicabilidade do referido diploma às operações de empréstimos e

outras análogas.

Sustenta ofensa ao artigo 51 do mesmo diploma legal, ressaltando que

"a concessão de crédito é  uma  faculdade, bem como  o cancelamento do  limite  de 

crédito, também  é  uma  faculdade da instituição financeira"  (fl. 282) e que "as condições de um  contrato  têm  que  ser  equivalente às partes, e se o correntista não 

precisa avisar  com  antecedência  mínima  de 30 dias que não pretende continuar a 

utilizar  o  limite de crédito, não é abusiva a mesma  faculdade ao credor"  (fl. 283).

Aduz violação dos artigos 159 e 160 do Código Civil de 1916.

Assevera a inexistência dos pressupostos para a indenização pretendida. Alega a

excludente prevista no citado art. 160, ao entendimento de que "o não acolhimento 

de cheques, quando não presente fundos  em  suficiência na conta corrente,representa o exercício de  um  direito, por parte do credor"  (fl. 283). Argumenta que

os danos morais não foram demonstrados pelo autor-recorrido.

Veicula, por fim, divergência pretoriana, pleiteando a redução da verba

indenizatória.

Apresentadas as contra-razões, o recurso especial foi inadmitido na

origem, ascendendo os autos a esta Corte, por força do Ag n. 573.674/RS, por mim

provido, DJ de 14/04/2004.Era o de importante a relatar.

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 659.294 - RS (2004/0086131-4) 

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. CANCELAMENTO DE

LIMITE CRÉDITO E DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUES.INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. QUANTUM  INDENIZATÓRIOEXCESSIVO. REDUÇÃO.

A  jurisprudência deste Pretório está consolidada nosentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por danomoral, prevalece a responsabilização do agente por força do simplesfato da violação.

"O valor da indenização por dano  moral  não pode escapar ao controle do Superior Tribunal de Justiça"  (REsp n.

53.321/RJ, Min. Nilson Naves). Redução da condenação a patamaresrazoáveis, considerando as peculiaridades da espécie.

Recurso especial parcialmente conhecido e, nessaextensão, provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): 

1. O Banco-recorrente aponta ofensa ao artigo 3º do CDC, afirmando ainaplicabilidade do referido diploma às operações de empréstimos e outras

análogas.

Sustenta ofensa ao artigo 51 do mesmo diploma legal, ressaltando que

"a concessão de crédito é  uma  faculdade, bem como  o cancelamento do  limite  de 

crédito, também  é  uma  faculdade da instituição financeira"  (fl. 282) e que "as 

condições de um  contrato  têm  que  ser  equivalente às partes, e se o correntista não 

precisa avisar  com  antecedência  mínima  de 30 dias que não pretende continuar a 

utilizar  o  limite de crédito, não é abusiva a mesma  faculdade ao credor"  (fl. 283).

Aduz violação do artigo 159 Código Civil de 1916. Assevera a

inexistência dos pressupostos para a indenização pretendida. Alega, ainda, a

excludente prevista no art. 160 do mesmo diploma legal, ao entendimento de que "o 

não acolhimento de cheques, quando não presente fundos  em  suficiência na conta 

corrente, representa o exercício de  um  direito, por parte do credor"  (fl. 283).

Argumenta que os danos morais não foram demonstrados pelo autor-recorrido.

Veicula, por fim, divergência pretoriana, pleiteando a redução da verba

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 Superior Tribunal de Justiça 

indenizatória.

2. Inicialmente, ressalto que a questão da aplicação do Código de

Defesa do Consumidor aos contratos bancários já se encontra pacificada, a teor do

enunciado n. 297 da Súmula do STJ, que dispõe: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".  

3. No que toca ao artigo 51 do CDC, o Tribunal a quo  afirmou a

existência de cláusula contratual especificando "claramente que o Itaubanco enviará 

ao Cliente  com  antecedência  mínima  de 10 dias o aviso de vencimento antecipado 

se o cliente deixar de, no  prazo  mencionado no aviso, substituir o devedor solidário 

(cláusula 9.2 e 9.2.1 -  fl. 82 dos autos). Não há prova nos autos tenha o autor sido 

expressamente notificado do descumprimento de obrigação assumida  com  terceiro" (fl. 267). Contudo, verifica-se que o recorrente não infirmou tal fundamento,

autônomo e suficiente à manutenção do v. acórdão recorrido, convocando, portanto,

o óbice inserto no verbete n. 283 da Súmula do STF.

Ademais, para a desconstituição do entendimento lançado no aresto

hostilizado quanto à abusividade da cláusula que permite o cancelamento

automático do limite do cheque especial, indispensável a exegese de cláusulas

contratuais, o que é vedado em sede de recurso especial, à luz do disposto noenunciado n. 5 da Súmula deste Tribunal.

4. Quanto às matérias insertas nos artigos 159 e 160 do Código Civil, o

aresto hostilizado concluiu pela responsabilização civil do Banco-recorrente,

amparando-se nos seguintes pressupostos fáticos, insuscetíveis de alteração na via

eleita:

"O procedimento, julgo, foi contrário ao direito, cabendo ao banco  indenizar  o dano causado. Tem  incidência o artigo 159 do C.

Civil.No caso, presente está o nexo causal. A culpa do réu se 

faz  presente pelo cancelamento de  limite  de cheque especial  sem prévia comunicação ao cliente, o que resultou na devolução indevida dos cheques emitidos pelo autor.

Outrossim, o réu não comprovou a assertiva de que o limite  disponível na conta-corrente havia sido cancelado, contando  com ciência do autor. Não resta afastada a responsabilidade. Não resta excluído o ilícito.

O réu não se desincumbiu do ônus previsto no art. 333, II,do CPC.  O dano cujo ressarcimento é procurado pelo autor é simplesmente  moral. Não  tem  outra conotação.

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Sustenta Wilson de Melo da Silva  ( in O Dano  Moral  e sua Reparação, nº 224, páginas 501/504), que:  'O patrimônio moraldecorre dos bens da alma e os danos que dele se originam,singelamente, danos da alma, para usar a expressão do evangelista

São Mateus, lembrada por Fischer e reproduzida por Aguiar Dias. Osalicerces sobre que se firmam as danos morais são puramenteespirituais'.

O dano puramente  moral  configura-se pelo fato poderoso e necessário à sua causação.

A propósito, vejo oportuno citar aresto do qual fui relator: DANO MORAL. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO

QUANTUM  INDENIZATÓRIO. PROTESTO DE TÍTULOJÁ LIQUIDADO PELO SACADO. ARBITRAMENTOJUDICIAL. PARÂMETROS.

Na ausência de critérios legais predeterminados

na fixação do quantum, na indenização por dano moralpuro, caberá ao  julgador o arbitramento, à vista dascircunstâncias do fato, da razoabilidade, tendo comopadrão a sensibilidade do homo medius . Apelodesprovido (Apelação Cível n.º 598128056, julgada em13.8.98).

A indenização pelo dano  moral tem o condão de reparar o malefício causado à  vítima  e de infligir ao causador sanção e alerta para que não volte a repetir o ato.

Assim, atento às circunstâncias do caso concreto, julgo   justo e razoável  o montante fixado a título de reparação pelo dano moral, apresentando-se consentâneo  com  a realidade. Vai mantido." (fls. 268/269).

Dessa forma, o acolhimento da alegação referente à inexistência dos

pressupostos ensejadores da responsabilização civil do Banco, como pretendido,

demandaria necessariamente o reexame do conjunto fático-probatório da causa,

tarefa, como cediço, inexeqüível na via eleita, a teor do enunciado n. 7 da Súmula

desta Corte.Outrossim, ausente o indispensável prequestionamento acerca da

assertiva de que o recorrente teria agido em exercício regular de direito, sendo que

eventual omissão do acórdão recorrido sobre esse tema sequer despertou a parte

para o manejo de embargos de declaração. Aplicáveis, dessarte, os verbetes ns.

282 e 356 da Súmula do Pretório Excelso.

5. Quanto à argumentação de que a recorrida não comprovou a

existência de dano moral, a  jurisprudência deste Pretório "está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano  moral  prevalece a 

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orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples  fato 

da violação, de  modo  a tornar-se desnecessária a prova do  prejuízo em  concreto ."

(REsp n. 196.024/MG, por mim relatado, DJ de 02/08/1999). Aplicável, na

hipótese, o verbete n. 83 da Súmula deste Tribunal.6. Contudo, merece prosperar o inconformismo no que toca à verba

indenizatória.

De fato, o montante equivalente "a 05 (cinco) vezes  o valor dos 

cheques devolvidos  em  face do cancelamento do  limite, relacionados à fl. 25"  (fl.

176), arbitrado pelos juízos ordinários, revela-se excessivo, em vista das

peculiaridades da espécie e dos padrões de ressarcimento pelos quais esta Quarta

Turma tem se orientado. Assim, reduzo o valor da reparação moral para R$7.000,00 (sete mil reais), corrigidos a partir desta data.

7. Isso posto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa

extensão, dou-lhe provimento.

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