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Cultura, a visão dos antropólogos – Adam Kuper (versão em espanhol, p. 19-40 e 261-284) Resenha de Roberta Bivar Campos - Adam Kuper tem trabalhos sobre a África e Jamaica. E tb. sobre a antropologia britânica (livro: Antropólogos e Antropologia – crítica a produção antropológica, em especial aos antropólogos de orientação estrutural e cultural-funcionalista). Cultura, a visão dos antropólogos – trata-se de um desdobramento do último capítulo do primeiro livro onde já estão colocadas suas ideias sobre o desenvolvimento recente da antropologia a partir de 1970, quando os antropólogos, em face do processo de descolonização, se viram forçados a repensar a natureza de seu objeto de estudo. - trata da antropologia americana – David Schenider, Clifford Geertz e Marshal Sahlins: herdeiros intelectuais, segundo Kuper, de Talcott Parsons. - trata do desenvolvimento e usos da ideia de cultura, particularmente na antropologia norte-americana. 1ª parte do livro: são dois capítulos sobre a genealogia do conceito de cultura 1º capítulo: intelectuais franceses, alemães, ingleses 2º capítulo: desdobramento mais recente do conceito via a tradução parsoniana que influenciou vários antropólogos. 2ª parte do livro: Experimentos (3 capítulos) de Geertz, Scheneider e Sahlins (carreiras, ideias e contribuições) A introdução e os capítulos 6 e 7 – situam o livro em um debate maior sobre os limites e impasses que a teoria antropológica enfrenta na atualidade, e que tem como foco a crítica ao conceito de “cultura”. Seu alvo são as vertentes teóricas que privilegiam a função cognitiva, mental e representacional da cultura.

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Cultura, a visão dos antropólogos – Adam Kuper

(versão em espanhol, p. 19-40 e 261-284)

Resenha de Roberta Bivar Campos

- Adam Kuper tem trabalhos sobre a África e Jamaica. E tb. sobre a antropologia britânica (livro: Antropólogos e Antropologia – crítica a produção antropológica, em especial aos antropólogos de orientação estrutural e cultural-funcionalista).

Cultura, a visão dos antropólogos – trata-se de um desdobramento do último capítulo do primeiro livro onde já estão colocadas suas ideias sobre o desenvolvimento recente da antropologia a partir de 1970, quando os antropólogos, em face do processo de descolonização, se viram forçados a repensar a natureza de seu objeto de estudo.

- trata da antropologia americana – David Schenider, Clifford Geertz e Marshal Sahlins: herdeiros intelectuais, segundo Kuper, de Talcott Parsons.

- trata do desenvolvimento e usos da ideia de cultura, particularmente na antropologia norte-americana.

1ª parte do livro: são dois capítulos sobre a genealogia do conceito de cultura

1º capítulo: intelectuais franceses, alemães, ingleses

2º capítulo: desdobramento mais recente do conceito via a tradução parsoniana que influenciou vários antropólogos.

2ª parte do livro: Experimentos (3 capítulos) de Geertz, Scheneider e Sahlins (carreiras, ideias e contribuições)

A introdução e os capítulos 6 e 7 – situam o livro em um debate maior sobre os limites e impasses que a teoria antropológica enfrenta na atualidade, e que tem como foco a crítica ao conceito de “cultura”.

Seu alvo são as vertentes teóricas que privilegiam a função cognitiva, mental e representacional da cultura.

Kuper – preocupado com a banalização e vulgarização do conceito, e culpa em grande medida os estudos culturais e o multiculturalismo por tal efeito perverso.

A cultura, por estar em todas as partes, teria perdido seu potencial analítico e explicativo.

“Cultura” também pode servir para oprimir e subjugar. Assim como “raça”, por mecanismos diferenciados este termo também fixa a diferença.

Kuper – é fiel às tradições britânicas, privilegiando as relações sociais, o jogo de interesses econômicos e políticos.

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Prefácio – p. 11-8

p.11

Tema: a tradição moderna particular entre “El longo e sinuoso” discurso internacional sobre a cultura

Robert Lowie (1917) – a cultura “é, em verdade, o ‘solo’ e exclusivo tema da etnologia, assim como a consciência é o tema da psicologia, a vida da biologia e a eletricidade conforma um ramo da física”.

- depois da Segunda Guerra Mundial, as ciências sociais desfrutaram na América de um momento de prosperidade e influência sem precedentes. As diversas disciplinas se especializaram e se ortogou a antropologia uma licença especial para operar no campo da cultura.

- em 1948: Stuart Chase observava que o “conceito de cultura dos antropólogos e sociólogos está “legando” refinando definições”.

p.12

- poucos antropólogos proclamariam que a noção de cultura se pode comparar em “importância explicativa” com a gravidade ou a evolução. Todavia se contemplam a si mesmos como especialistas no estudo da cultura, mas tem que aceitar que já não gozam de uma posição privilegiada na abarrotada e heterogênea galeria de especialistas culturais.

- os antropólogos americanos modernos tem feito uso sistemático das teorias sobre a cultura em uma grande variedade de estudos etnográficos e acredito que seus experimentos conformam a mais satisfatória e intrigante prova que se tem submetido o valor – se não a validez mesma – das ditas teorias. (...) o núcleo deste livro é uma evaluação do que tem sido o projeto central da antropologia americana desde a guerra.

p.13

- pese todos os protestos que se têm levantado em sentido contrário, as dificuldades aumentam quando a cultura deixa de ser algo que se tem que interpretar, descrever, talvez até explicar, para converter-se em uma fonte de explicações por si mesma. Isto não significa que alguma forma de explicação cultural não pode ser útil por si só, mas supõe que a apelação a cultura unicamente pode oferecer uma explicação parcial de porque a gente pensa e atua como o “hace”, ou de quais as causas que os levam a alterar suas maneiras e costumes. Não se pode prescindir das forças econômicas e sociais, das instituições sociais nem dos processos biológicos e tampouco se pode os assimilar a sistemas de conhecimentos e crenças. Eu vou acabar sugerindo que este

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é o obstáculo definitivo no caminho da teoria cultural, naturalmente sempre que mantenha suas pretensões atuais.

- se pode objetar razoavelmente que eu tenha prejuízos contra muitas formas de teorias da cultura antes de começar com este projeto. Sou um membro a tempo completo de um “partido” europeu de antropólogos que sempre tem sentido incomodo com a ideia de fazer da cultura seu objeto exclusivo, para não falar na tendência a atribuir-lhe poder explicativo.

- sou um liberal, no sentido europeu mais que no americano, um homem moderado, um humanista um tanto insípido. (...) moderadamente materialista e com certas convicções, algo fraco talvez sobre a universalidade dos direitos humanos, apresento resistências ao idealismo e ao relativismo da teoria moderna da cultura e sinto uma simpatia moderada pelos movimentos sociais assentados sobre o nacionalismo, a identidade étnica ou a religião, precisamente os movimentos mais inclinados a invocar a cultura para motivar sua ação política.

- depois que começou este livro se deu conta que estas “dúvidas teóricas e estas preocupações políticas estavam profundamente arraigadas em meu fundo de liberal sul africano”.

p.14

- sobre uma palestra que um amigo antropólogo foi convidado a dar na Universidade de El Cabo sobre como um antropólogo poderia contribuir para os debates acerca dos temas raça, cultura e história na África do Sul.

- histórico do Adam Kuper e suas percepções sobre o apartheid.

(...) o apartheid se baseava na teoria antropológica. Seu arquiteto intelectual era W.W.M. Eiselen, professor de etnologia.

p.15

- Kuper detalha a relação entre os teóricos do apartheid e as escolas antropológicas.

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INTRODUÇÃO: GUERRAS DE CULTURA (p. 19 – 40)

p.19

- os acadêmicos americanos tem travado guerras de cultura (se bem que é certo que sem demasiadas baixas). Os políticos urgem a uma revolução cultural. Aparentemente, se necessita uma mudança cultural sísmica para resolver os problemas da pobreza, as drogas, os abusos, os crimes, a falta de legitimidade e a competitividade industrial. Se fala e se fala sobre as diferenças culturais entre os sexos e gerações, entre as equipes de futebol ou entre as agências de publicidade.

“quando falha uma fusão entre empresas, se explica dizendo que suas culturas não eram compatíveis. A beleza de tudo isto e que todo mundo entende.”

p.20

- “Hoje, todo o mundo está na cultura”. Para os antropólogos, houve um tempo em que a cultura foi um termo técnico, próprio da arte da disciplina. Agora os nativos o contestam falando de cultura. “A cultura, o vocábulo mesmo ou algum equivalente local, está nos lábios de todo o mundo”, assinalou Sahlins.

- (...) estas antigas vítimas podem inclusive desenvolver discursos críticos sobre a cultura. Gerd Bauman tem mostrado que, em Southall, um subúrbio multiétnico do oeste de Londres, as pessoas “questionam o que os termos “cultura” e “comunidade” significam para começar. Os próprios vocábulos se transformam em pivôs para a construção de uma cultura de Southall”.

p.21

- Talvez o futuro de todo o mundo dependa da cultura. Em 1993, em um ensaio apocalíptico publicado em Foreing Affairs, Samuel Huntington anunciava que uma nova fase na qual, “as causas fundamentais de conflito” deixariam de ser econômicas ou ideológicas. “as grandes divisões da humanidade e a fonte dominante de conflito serão culturais”.

- (...) as “principais diferenças entre civilizações enquanto o desenvolvimento econômico e político se enraízam claramente em suas distintas culturas” e “a cultura e as identidades culturais (...) estão modelando os padrões de coesão, desintegração e conflito no mundo posterior a Guerra Fria. (...) neste mundo novo, a política local é a política da etnicidade, a política global e as políticas das civilizações. O choque de civilizações substitui a rivalidade entre as potências”.

- cultura é simplesmente entendida como uma maneira de falar sobre as identidades coletivas.

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p.22

- o status também está em jogo. Muita gente acredita que as culturas se pode medir as culturas umas em relação as outras, e estas pessoas se sentem inclinadas a evaluar sua própria cultura por cima das dos outros.

- “pese aos multiculturalistas” insiste Roger Kimball, “a eleição a que nos enfrentamos hoje em dia não é entre uma cultura ocidental “repressora” e um paraíso multicultural, senão entre cultura e barbárie. A civilização não é um dom, é uma realização, um frágil realização que se deve apoiar e defender ante aqueles que a assediam, dentro e fora.” Huntington sugere que o choque de civilizações no mundo que surgiu depois da Guerra Fria no é mais do que uma etapa ‘hacia’ o clímax de um combate por vir, “o maior choque, o ‘choque real’ global, entre civilização e barbárie”.

- enquanto os patriotas da civilização ocidental proclamam a elevada posição da grande tradição, os multiculturalistas celebram a diversidade da América e se convertem em paladinos dos marginais, das minorias, dos dissidentes, dos colonizados. Se denuncia como opressiva a cultura do establishment. As culturas minoritárias conferem poder aos fracos: são autenticas, falam a pessoas reais, mantém a variedade e a possibilidade de escolha, nutrem os dissidentes.

Usos do termo cultura:

Cultura para os progressistas – a cultura como tema de estudo tem substituído a sociedade enquanto objeto geral de investigação.

Conservadores – ainda que rechacem estes argumentos (dos progressistas), estão de acordo que a cultura estabelece os padrões públicos e determina o destino nacional. E, quando se encontram pessoas de diferentes nações e grupos étnicos, suas culturas se confrontam como totalidades.

- também se utiliza o termo cultura em um sentido distinto, para referir-se a belas artes de que desfrutam apenas alguns afortunados.

p.23

- esta não é apenas uma questão pessoal. O bem estar de toda a nação está em questão quando se ameaçam a arte e a erudição. Para Mattew Arnold, a verdadeira luta de classes não se estabelece entre ricos e pobres, senão entre os guardiães da cultura e aqueles que são chamados filisteus, que tenderiam a riqueza por amo (mestre).

- a cultura pode representar um instrumento de dominação.

Bourdieu – argumentou que, no seio da elite, o valor da alta cultura reside precisamente no fato de que a capacidade para julgar obras de arte, para fazer distinções, confere “distinção” por si mesma. A cultura é o dom do gosto educado que separa a dama ou o cavaleiro do “advenedizo” (arrivista?).

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Marxistas – a cultura ocupa seu lugar na mais ampla guerra de classes. A alta cultura encobre as extorsões dos ricos. O substituto da cultura de massas confunde os pobres. Apenas as tradições da cultura popular podem contrariar a corrupção midiática.

- ainda recentemente se tem produzido um chamativo florescimento no que diz respeito a presença do conceito de cultura, esta claro que este tipo de raciocínio não é novo. Todos eles frutificaram no curso de uma eclosão similar da teorização sobre a cultura entre os anos 20 e 50. (...) então, como agora, os autores mais reflexivos citavam seus predecessores nos séculos XVIII e XIX, reconhecendo que os discursos sobre a cultura tendem a cair em categorias bem estabelecidas.

p.24

- frequentemente se identificam uma teoria da cultura francesa, outra alemã e outra inglesa. De forma alternativa, e igualmente vaga, se distingue um discurso ilustrado de um romântico e de outro clássico. São etiquetas improvisadas, pré-fabricadas, para construções complexas que estão sujeitas a uma variedade de transformações estruturais, vindo periodicamente reduzidas a peças para remonta-las de acordo com novos padrões, adapta-las, anunciar sua morte, revive-las, rebatiza-las...

- inclusive os pensadores mais imaginativos e originais podem se localizar em uma ou outra destas tradições centrais, tendo em conta que cada uma delas especifica uma conceituação de cultura e a aplica no marco de uma teoria da historia particular.

Tradição francesa - se representa a civilização como uma conquista distintivamente humana, progressiva e acumulativa. Os seres humanos são parecidos, ao menos potencialmente. Todos são capazes de ser civilizados, já que isso depende apenas do exclusivo dom humano da razão. Sem duvida, a civilização, tem chegado mais longe, tem progredido mais na França, mas em princípio, pode ser desfrutada pelos selvagens, bárbaros e outros europeus, ainda que talvez não em igual medida.

(...) este credo secular se formulou na França durante a segunda metade do século XVIII, em oposição ao que os filósofos contemplam como forças reacionárias e irracionais, representadas, sobretudo pela Igreja Católica e o antigo regime.

Tradição Alemã – oposição ideológica a tradição francesa.

Com frequência, os intelectuais alemães eram ministros das igrejas protestantes que se sentiram provocados para lançar-se a favor da tradição nacional diante da civilização cosmopolita, dos valores espirituais ante o materialismo, das artes e artesanatos frente a ciência e a tecnologia, do gênio individual e a expressão de um mesmo contra a rigidez da burocracia, das emoções – incluindo as mais obscuras forças que se aninham em nosso interior – frente a seca razão. Em breve, da Kultur contra a Civilization.

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- a diferença do conhecimento cientifico, a sabedoria da cultura é subjetiva.

- no tempo que a civilização material estava apertando seu punho de ferro a todas e a cada uma das sociedades europeias, as nações individuais lutavam para sustentar uma cultura espiritual, expressada antes que nada na linguagem e na arte. Seguro que a autentica kultur do povo alemão seria preferível a artificial civilization de uma elite francófona, cosmopolita e materialista. Em qualquer caso, as diferenças culturais eram naturais. Não havia uma natureza humana comum.

- estas duas tradições de pensamento sobre a cultura se desenvolveram em mutua oposição dialética. O progresso humano era um tema central dos pensadores da Ilustração, enquanto que seus oponentes se interessavam no destino particular de uma nação. Desde a perspectiva ilustrada, a civilização estava comprometida em uma luta titânica por superar as resistências e tradições culturais, com suas superstições, seus pré-juízos irracionais e suas temerosas lealdades a governantes cínicos.

- o cosmopolitismo corrompia a linguagem, enquanto que o racionalismo perturbava a fé religiosa. Juntos, minavam os valores espirituais dos quais dependia a comunidade orgânica.

- estas ideologias contrastadas podiam alimentar a retórica nacionalista e atiçar emoções populares em tempos de guerra, mais inclusive em sua forma mais envenenada não eram meros discursos nacionais. Houve intelectuais franceses que simpatizaram com os contrailustrados, ainda que apenas porque defendiam a religião contra a insidiosa subversão da razão.

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- na Alemanha, por sua vez, existia uma larga tradição de pensamento ilustrado, que nunca se vio completamente submersa, ainda que a vezes adotara formas estranhas, quase irreconhecíveis.

- a primeira guerra mundial se livrou depois das bandeiras rivais da civilização ocidental e a kultur alemã, mas, a mesma sombra da competição, os irmãos Thomas e Henrich Mann optaram pelos distintos bandos – o alemão e o francês – em um célebre debate sobre cultura e civilização.

- em ambas as tradições, a cultura ou a civilização se identificam como valores primordiais. Tem-se sugerido que estes conceitos se difundiram durante o século XVIII devido a que a religião estava perdendo peso entre muitos intelectuais. Forneciam uma fonte alternativa e laica de valores e significados. Contudo, cada uma das tradições manifestava afinidades com uma atitude cristã especifica. A ideia de uma civilização recorda as pretensões universalistas da Igreja Católica. Comte e Saint-Simon tomaram os rituais católicos para criar uma religião do positivismo. Seu dogma central era o progresso, que equivalia a uma salvação laica neste mundo.

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- as noções alemãs de bildung – “formação”, “educação” – e kultur, expressadas de maneira característica em uma linguagem espiritual, se combinaram com as necessidades da alma individual, valorando a virtude interior acima das aparências externas; pessimistas respeito ao progresso secular, estavam imbuídas com os valores da Reforma e Thomas Mann sugeriu que esta havia imunizado aos alemães contra as ideias da Revolução Francesa.

Tradição Inglesa – guardavam distância destas polêmicas continentais. John Stuart Mill havia tratado de reunir as tradições francesa e alemã em seus famosos ensaios sobre Bentahm e Coleridge, mas os ingleses tinham suas próprias e especificas preocupações.

- industrialização transformava a Inglaterra – os intelectuais passaram a refletir sobre uma crise espiritual, uma luta definitória entre o que Shelley chamava Poesia e Mammon. A tecnologia e o materialismo da civilização moderna representavam o inimigo. Contra ele, os intelectuais liberais, invocaram os valores culturais eternos, destilados da grande tradição europeia da arte e da filosofia.

- ao adquirir cultura interiorizávamos a “historia do espírito humano”. A pose da cultura havia separado os eleitos dos bárbaros iletrados.

- a grande pergunta da época era se a cultura de uma elite educada podia apontar de alguma maneira os valores espirituais da sociedade.

- dado que a cultura se transmitia através do sistema educativo e se expressava em sua forma mais poderosa na arte, estes eram os campos cruciais que um intelectual comprometido deveria intentar melhorar. E já que a fortuna de uma nação dependia da condição de sua cultura, esta se constituía em uma arena decisiva para a ação política.

Argumentações modernas – não tem contribuído exatamente para recapitular as controvérsias anteriores. O contexto contemporâneo deixa sua marca. Cada geração moderniza a linguagem do debate, adaptando-o a terminologia cientifica em uso em cada momento: evolucionismo no final do século XIX, organicismo no início do século XX, a relatividade durante os anos vinte... Hoje, tropos extraídos da genética competem com o jargão da teoria literária contemporânea.

- os discursos sobre a cultura não são inventados livremente: fazem referencia a tradições culturais particulares que tem persistido durante gerações, expandindo-se desde a Europa através de todo o mundo, impondo concepções da natureza humana e da história, assim como provocando toda uma serie de debates recorrentes.

- as novas formulações podem se dispor em uma larga genealogia, mas estão vinculadas as necessidades do momento.

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- ao ir cristalizando as ciências sociais, as escolas de pensamento rivais continuavam se nutrindo destas perspectivas clássicas. No século XIX, temas centrais da cosmovisão ilustrada ou da ideologia francesa ressurgiram no positivismo, no socialismo e no utilitarismo.

- a curto prazo a cultura suporia uma barreira para a modernização (ou para a industrialização ou para a globalização), mas, ao final, a civilização moderna acabaria por pisotear as tradições locais, menos eficientes. Se invocava a cultura quando era necessário explicar porque as pessoas se agarravam a metas irracionais e a estratégias autodestrutivas.

p.29

- a cultura era o último recurso explicativo que dava conta das condutas aparentemente irracionais. A cultura também permitia compreender o decepcionante resultado de muitas reformas políticas. A tradição era o refugio dos ignorantes e dos tímidos ou o recurso dos ricos e poderosos, ciumentos de qualquer desafio a seus privilégios estabelecidos.

- de outro ponto de vista, se podia respeitar ou mesmo celebrar as resistências das culturas locais a globalização. Esta era a perspectiva dos herdeiros da contrailustração. Tampouco a tradição romântica ou alemã era estática. Sofreu suas próprias transformações, ainda que sempre exibindo uma afinidade seletiva com o idealismo, o relativismo, o historicismo, o estilo hermenêutico de analise e o que hoje chamamos de política identitária.

- Com a publicação de A origem das espécies e A origem dos homens (Charles Darwin), se teria que encarar a possibilidade de que os universais e as diferenças humanas se poderiam explicar em termos biológicos. A cultura poderia seguir as leis naturais. No entanto, a teoria darwinista não teria porque converter em obsoletas as ideias clássicas. A teoria de uma origem comum dos seres humanos na fazia senão reafirmar a fé ilustrada em uma humanidade unitária: se poderia continuar celebrando a civilização como uma característica humana definitória. Os seres humanos estavam adiantados diante dos grandes símios, assim como as raças superiores – ou civilizações superiores – o estavam a respeito das raças inferiores e suas respectivas civilizações.

p.30

- alguns seguidores de Darwin se apontaram a causa da contrailustração. As diferenças culturais podiam ser expressões de diferenças raciais mais fundamentais. A pureza racial podia ser um imperativo político, ligado inextricavelmente a defesa da identidade cultural. A historia podia ter escrito com sangue, sendo seu tema a luta pela sobrevivência entre as raças.

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- o desafio de uma teoria biológica sobre o progresso humano e sobre as diferneças entre os humanos provocou o desenvolvimento do que em certa maneira era uma nova concepção de cultura.

- era a cultura que separava os seres humanos dos demais animais, assim como fazia cada nação em relação ao resto das nações. Já não se herdava biologicamente, senão que se aprendia, se adquiria ou inclusive se tomava emprestada.

- Christopher Herbert – defendeu que também esta noção de cultura tem sua origem em uma controvérsia religiosa. Ela associa com a revitalização evangélica que teve lugar no Reino Unido no principio do século XIX, um fenômeno que propagou uma concepção de pecado original que descreve como “o mito de um estado de [domínio do] desejo humano, sem [ver-se submetido a] governo algum”. A ideia de cultura oferecia a esperança compensatória de uma salvação laica: a cultura era nossa defesa contra a natureza humana. Os seres humanos se elevariam de sua condição graças as leis.

p.31

- crítica a Darwim – em Berlim, 1880

- Rudolf Virchow – era hostil ao determinismo racial e ao nacionalismo cultural. As raças eram categorias instáveis com fronteiras cambiantes, enquanto que a mescla racial estava enormemente extendida. (...) as diferenças culturais não era um signo da diferença racial. Raça, cultura, língua e nacionalidade não coincidiam necessariamente e, de fato, no geral, não o faziam.

- Adolf Bastian – tentou demonstrar que, assim como as raças, as culturas eram híbridas. (...) as diferenças culturais arrancavam das provas a que se viam submetidas os grupos por parte dos entornos naturais locais, assim como o contato com distintas populações.

p.32

- se as culturas eram abertas, sincréticas e instáveis, resultava óbvio que não podia expressar identidades essenciais e imutáveis, nem caracteres raciais subjacentes.

- acima de tudo, a escola de Berlim insistiu que a cultura atuava de uma forma muito distinta das forças biológicas, podendo inclusive fazer caso omisso a elas.

Franz Boas – um estudante de Virchow e Bastian, introduziu este enfoque na antropologia americana. X Morgan

Os boasianos eram céticos enquanto a existência de leis universais da evolução. Também repudiavam as explicações raciais da diferença, uma questão de importância política duradoura nos Estados Unidos. A tese boasiana fundamental defendia que era a cultura que nos fazia como somos, não a biologia. (...) a raça, assim como o sexo ou

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a idade, são construções culturais, não condições naturais imutáveis. A implicação principal é que podemos nos transformar em algo melhor do que somos agora.

- esta era uma ideia poderosamente atrativa na America do sec. XX, ainda que a alternativa, a compreensão racial da diferença cultural, continuava sendo uma importante rival.

p.33

- foram os pais fundadores da sociologia europeia que desenvolveram estas ideias (a cultura como ciência coletiva e oposta a psique individual), sendo por sua vez, Parsons quem introduziu na sociologia americana tradicionalmente empirista e utilitarista.

- Parsons – insistia que um maior progresso requeria uma divisão do trabalho mais eficiente, tanto nas ciências sociais qto em qlq outra empresa moderna.

p.34

- nos anos 50 cultura passa a ser passível de ser cientificamente estudado e os antropólogos seu especialista

- antes de estudar cientificamente, os antropólogos precisariam entrar em acordo sobre o que esta palavra significa.

- cultura: discurso simbólico coletivo. Versava sobre conhecimento, crenças e valores.

p.35

- outro problema: como empreender o estudo da cultura

Geertz: interpretação - compreensão

Levi-Strauss: códigos, símbolos – vínculo com a linguística

Ver p.38

Crítica aos pós-estruturalistas