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251 ARTIGO DE REVISÃO Acta Med Port 2006; 19: 251-256 TECIDO ADIPOSO E ADIPOCINAS JOANA V. COSTA, JOÃO S. DUARTE Serviço de Endocrinologia. Hospital Egas Moniz. Lisboa. Recebido para publicação: 13 de Setembro de 2005 R E S U M O S U M M A R Y O tecido adiposo é um órgão que desempenha, entre outras, funções endócrinas. As adipocinas por ele produzidas têm acções diversas, podendo-se agrupá-las de acordo com a sua principal função em adipocinas com função imunológica, cardiovascular, metabólica e endócrina. Dentro do primeiro grupo incluem-se a interleucina 6, o factor de necrose tumoral α e os factores do complemento B, C3 e D (adipsina). A adipsina foi uma das primeiras proteínas produzida pelos adipocitos a ser identificada. Estas moléculas têm funções bem definidas nos estádios inflamatórios. É conhecida a forte associação entre obesidade e o risco cardiovascular e evidenciada pela melhoria dos factores de risco associada à perda ponderal. No grupo das adipocinas com função predominantemente cardiovascular, destacam-se as moléculas do eixo renina- angiotensina e o inibidor de activação do plasminogénio -PAI-1. As moléculas com função metabólica são aquelas que desempenham ou se supõe que desempenham um papel na homeostasia energética. O tecido adiposo está sobretudo envolvido no metabolismo dos lípidos e glícidos. As adipocinas envolvidas nesses processos são os ácidos gordos livres (AGL), a adiponectina, a resistina, o AGRP (agouti related,petide) e a visfatina. O paradigma da função endócrina do tecido adiposo é a leptina. A sua produção é quase exclusiva do tecido adiposo e desempenha um papel fundamental na regulação dos depósitos energéticos e da fertilidade. Para além da produção de leptina, o adipocito tem um papel importante no metabolismo das hormonas esteroides, predominantemente de interconversão. Apesar do recente aumento dos conhecimentos relativos a estas moléculas, às suas funções e relação com outros sistemas, são necessários mais estudos para esclarecer mecanismos e aplicações aplicações práticas. Só dessa forma será possível encontrar formas eficazes de corrigir a disfunção metabólica associada à obesidade e reduzir a morbilidade e a mortalidade associadas a esta patologia. Palavras-chave: tecido adiposo, adipocinas, adiponectina, resistina, leptina, interleucinas ADIPOSE TISSUE AND ADIPOKINES Adipose tissue is an organ with an endocrine function among others. Adipokines there produced have several roles and can be, according to their main function, grouped in our groups: immunologic, cardiovascular, metabolic and endocrine adipokines. Interleukin-6, tumour necrosis factor α and complement factors B, C3 and D (adipsin) and are within the first group. Adipsin was the one of the first adipokines identified. Ali this molecules have well defined roles in inflammation.

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TECIDO ADIPOSO E ADIPOCINAS

JOANA V. COSTA, JOÃO S. DUARTEServiço de Endocrinologia. Hospital Egas Moniz. Lisboa.

Recebido para publicação: 13 de Setembro de 2005

R E S U M O

S U M M A R Y

O tecido adiposo é um órgão que desempenha, entre outras, funções endócrinas. Asadipocinas por ele produzidas têm acções diversas, podendo-se agrupá-las de acordocom a sua principal função em adipocinas com função imunológica, cardiovascular,metabólica e endócrina.Dentro do primeiro grupo incluem-se a interleucina 6, o factor de necrose tumoral α e osfactores do complemento B, C3 e D (adipsina). A adipsina foi uma das primeiras proteínasproduzida pelos adipocitos a ser identificada. Estas moléculas têm funções bem definidasnos estádios inflamatórios.É conhecida a forte associação entre obesidade e o risco cardiovascular e evidenciadapela melhoria dos factores de risco associada à perda ponderal. No grupo das adipocinascom função predominantemente cardiovascular, destacam-se as moléculas do eixo renina-angiotensina e o inibidor de activação do plasminogénio -PAI-1.As moléculas com função metabólica são aquelas que desempenham ou se supõe quedesempenham um papel na homeostasia energética. O tecido adiposo está sobretudoenvolvido no metabolismo dos lípidos e glícidos. As adipocinas envolvidas nessesprocessos são os ácidos gordos livres (AGL), a adiponectina, a resistina, o AGRP(agouti related,petide) e a visfatina.O paradigma da função endócrina do tecido adiposo é a leptina. A sua produção équase exclusiva do tecido adiposo e desempenha um papel fundamental na regulaçãodos depósitos energéticos e da fertilidade. Para além da produção de leptina, o adipocitotem um papel importante no metabolismo das hormonas esteroides, predominantementede interconversão.Apesar do recente aumento dos conhecimentos relativos a estas moléculas, às suasfunções e relação com outros sistemas, são necessários mais estudos para esclarecermecanismos e aplicações aplicações práticas. Só dessa forma será possível encontrarformas eficazes de corrigir a disfunção metabólica associada à obesidade e reduzir amorbilidade e a mortalidade associadas a esta patologia.

Palavras-chave: tecido adiposo, adipocinas, adiponectina, resistina, leptina, interleucinas

ADIPOSE TISSUE AND ADIPOKINESAdipose tissue is an organ with an endocrine function among others. Adipokines thereproduced have several roles and can be, according to their main function, grouped inour groups: immunologic, cardiovascular, metabolic and endocrine adipokines.Interleukin-6, tumour necrosis factor α and complement factors B, C3 and D (adipsin)and are within the first group. Adipsin was the one of the first adipokines identified. Alithis molecules have well defined roles in inflammation.

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It is well known the association between obesity and cardiovascular risk, which isdemonstrated by the improvement of cardiovascular risk factors associated with weightloss. Among the adipokines with cardiovascular main function the renin - angiotensinaxis molecules and plasminogen activator inhibitor - I will be highlighted.Metabolic function is attributed to molecules taught to have a role in energyhomeostasis. Adipose tissue is mainly involved in lipid and glucose metabolism. Freefatty acids, adiponectin, resistin, agouti related peptide and visfatin are moleculesinvolved in those metabolic pathways.Leptin is the paradigm of the adipose tissue endocrine function. It is a1most exclusivelyproduced by the adipocyte and it has a central role in energy storage regulation andfertility. Steroid inter-conversion also occurs in adipose tissue.Altough knowledge regarding these molecules, their function and relations with othersystems has increased lately; more studies are necessary in order to c1arify mechanismsand clinical applications. Only that way it will be possible to effectively correct theobesity associated metabolic dysfunction and decrease the morbility and mortalityobesity related.

Key words: Adipose tissue, adipokines, resistin, leptin, interleukins

INTRODUÇÃO

O tecido adiposo é um órgão com várias funções:isolamento térmico, barreira física ao trauma, armaze-namento energético e secreção de proteínas e péptidosbioactivos com acção local e à distância1-3.

A capacidade de armazenamento energético é virtu-almente ilimitada. Resulta do aumento das reservas decada adipocito (favorecimento da lipogénese relativa-mente à lipólise) e da replicação e diferenciação de pré--adipocitos. A ausência de limite, representa vantagemadaptativa a curto prazo, e desvantagem a longo prazo,traduzida em disfunção endócrina/metabólica1,4

Como órgão secretor, o tecido adiposo apresentavárias particularidades. Encontra-se disperso pelo or-ganismo, em depósitos sem ligação física entre si, cujaactividade secretória é regulada por mecanismoshumorais e hormonais, não totalmente esclarecidos.Nesses depósitos individuais, encontram-se vários ti-pos celulares (macrófagos, f ibroblastos, pré--adipocitos e adipocitos) com actividade secretóriavariável. As adipocinas, ou produtos segregados pelotecido adiposo, são também produzidas por outrostecidos, sendo difícil determinar a contribuição do te-cido adiposo para os níveis de adipocinas circulantes.Os mecanismos moleculares de síntese e exocitose nãoestão ainda totalmente esclarecidos2,5-7.

As adipocinas desempenham um papel importantena homeostasia energética, sensibilidade à insulina,resposta imunológica e doença vascular1,2,4,8. Podempor isso ser agrupadas, para comodidade de exposi-ção, de acordo com a principal função, em adipocinascom função imunológica, cardiovascular, metabólica eendócrina1.

Adipocinas com Função Imunológica

A interleucina 6 (IL-6), o factor de necrose tumorala (TNF-α) e os factores do complemento B, C3 e D(adipsina) são adipocinas com função imunológica.São produzidas pelos adipócitos em resposta a estí-mulos infecciosos ou inflamatórios. Embora algumasdestas moléculas tenham sobretudo acção autócrinaou parácrina, algumas contribuem significativamentepara a inflamação sistémica7.

O TNF-α é uma citoquina pró-inflamatória, produ-zido pelo tecido muscular, adiposo e linfoide. Diminuia resposta à insulina através da diminuição da expres-são à superfície celular dos transportadores de glico-se (GLUT-4), fosforilação do substrato 1 dos recepto-res de insulina (IRS-l) e fosforilação específica do re-ceptor da insulina 1,2,5. É também proposta uma acçãoreguladora da massa de tecido adiposo, através da di-minuição da diferenciação dos pré- adipocitos e induza apoptose (in vitro) e da indução da lipólise (in vitroe in vivo). Está associado à Insulino-Resistência,

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observando-se valores elevados na obesidade que di-minuem com a perda de peso 1,8.

Pensa-se que o TNF-α produzido pelos adipocitostenha uma acção autócrina ou parácrina, o que é su-portado pelo facto de estratégias terapêuticas anti-TNF-α serem ineficazes no tratamento das alteraçõesdo metabolismo da glicose.

A produção de TNF-α pelos adipocitos respondepouco à estimulação imune, o que suporta a hipótesede uma função metabólica1.

A IL-6 é uma citoquina imuno-moduladora com ac-ção pró-inflamatória e endócrina. O tecido adiposo (pre-ferencialmente a gordura visceral) é a principal fontede IL-6 circulante nos estados não inflamatórios1,2.Também ocorre secreção de IL-6 a nível to hipotálamoonde se pensa que desempenha um papel na regulaçãodo apetite e no gasto energético. Tal como ao TNF-α,é-Ihe atribuído um papel no metabolismo dos lípidos eda glucose. Inibe a lipoproteína lipase, induz a lipólisee aumenta a captação de glucose. Os seus níveis es-tão aumentados na obesidade (tanto os séricos comoos do tecido adiposo) e diminuem com a perda de peso.É também marcador de Insulino-Resistência1,7.

As moléculas de complemento, foram das primei-ras proteínas produzidas pelo adipocito identificadas(adipsina ou factor D). No tecido adiposo, há produ-ção de factor B, factor C3 e factor D. A presença dosfactores B e D é necessária à síntese de factor C3a, apartir de C3. O factor C3a é posteriormente clivado emASP (acylation stimulating protein) 1,8. Esta proteínaintervém na síntese e armazenamento de triglicerídeos(TG). A sua deficiência (em ratos) está associada àdiminuição da gordura corporal e aumento da sensibi-lidade à insulina1,9. Os níveis de adipsina encontram--se diminuídos na caquexia, jejum e lipodistrofia e au-mentam com ingestão alimentar, concomitantementecom os níveis de ASP1.

Adipocinas com Função Cardiovascular

Há uma forte associação entre obesidade e o riscocardiovascular, dependente sobretudo da gorduravisceral 1,4,7,8. A relação causa-efeito é evidenciadapela redução do risco cardiovascular associada à per-da de peso e que se traduz na clínica pela reduçãoTensão Arterial, das LDL e do colesterol total.

No grupo das moléculas com função cardiovascu-lar serão destacadas as do eixo renina-angiotensina e

o inibidor de activação do plasminogénio - PAI-l.

O PAI-l é uma proteína anti-fibrinolítica produzidasobretudo pelo fígado, mas também pelo tecidoadiposo, que é a sua principal fonte na obesidade1,3.A sua produção é estimulada pela insulina e peloscorticoides e a sua expressão regulada pelos PPAR-³(peroxisome proliferator-activated receptor) - facto-res de transcrição ligando-dependentes da super--família das hormonas nucleares, que desempenhamum papel na adipogénese, no metabolismo da glucosee dos lípidos. Tem sido referida a diminuição dos ní-veis de PAI-1 associado à ut i l ização detiazolidinedionas (TZD), e aumento com utilização deoutros activadores destes receptores1,7. Os níveis dePAI-1 correlacionam-se com a gordura visceral (obesi-dade central). Esta molécula está envolvida napatogénese da doença cardiovascular (DCV). É umpromotor da aterogénese, através do aumento da de-posição de plaquetas e fibrina na placa ateromatosaem formação7. O aumento os seus níveis está associa-do a enfarte agudo do miocárdio e trombose venosaprofunda 1.

São produzidos pelo tecido adiposo todos os com-ponentes do eixo renina-angiotensina. Os adipocitosexpressam receptores da angiotensina II (AT -II). Asua activação promove a diferenciação do pré--adipocito e induz a lipogénese, o que sugere um pa-pel do eixo na regulação do metabolismo e do pesocorporal. A produção de angiotensinogénio no tecidoadiposo é regulada pelo status nutricional. São co-nhecidas as funções de regulação do tónus vascular eo equilíbrio electrolítico deste eixo1,4,7. Trabalhos re-centes demonstram acção directa da aldosterona naredução da termogénese, aumento da Insulino--Resistência, aumento da produção de leptina e dacitoquina pró-inflamatória proteína quimoatraente demonócitos 1 (MCP-l)10. Foi igualmente demonstrada aactivação da proliferação endotelial pela AT-II e redu-ção dos marcadores inflamatórios associada a estraté-gias terapêut icas que inibam o eixo renina--angiotensina. O aumento da secreção de AT-II que seobserva na obesidade contribui para a angiogénese,hipertensão e aterogénese7.

Adipocinas com Função Metabólica

As moléculas com função metabólica são aquelasque desempenham ou se supõe que desempenham um

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papel na homeostasia energética. O tecido adiposoestá sobretudo envolvido no metabolismo dos lípidose glícidos.

Com a ingesta verifica-se o aumento da captaçãodos nutrientes da circulação para os tecidos, particu-larmente para os tecidos insulino-sensíveis. Nos perí-odos de jejum o movimento das moléculas energéticasfaz-se no sentido oposto1. Na obesidade, esse fluxoenergético bidireccional encontra-se alterado, devidoà disfunção endócrina do tecido adiposo e à diminui-ção da eficácia dos mecanismos endócrinos no tecidoadiposo, figado e músculo 1,4.

Há evidência crescente de que há comunicação en-tre os tecidos insulino-sensíveis. É atribuído ao teci-do adiposo um papel regulador do metabolismoenergético nesses tecidos. A Insulino-Resistência notecido adiposo, está associada à Insulino-Resistênciaa nível muscular. Também nas síndromes de deficiên-cia de tecido adiposo (lipodistrofias adquiridas oucongénitas) se observa Insulino-Resistência1,4,8,9.Esse papel regulador é evidenciado quando se consi-deram a metformina, as TZD e os corticoides, subs-tâncias que influenciam a sensibilidade à insulina eque têm acção a nível do tecido adiposo, fígado e mús-culo1.

Neste grupo incluem-se os ácidos gordos livres(AGL) a adiponectina, a resistina, o AGRP ( agoutirelated petide) e a visfatina.

Os AGL têm origem na dieta, cl ivagem detriglicerídeos armazenados e síntese hepática. Sãotransportadores de e fonte energética, influenciam asíntese de insulina e a sua acção1,11,12. Os AGL ini-bem a secreção de insulina pela célula ² pancreática,limitam a captação de glucose induzida pela insulina,provavelmente através da diminuição dos mecanismosde sinal e transdução. Nas situações de Insulino--Resistência há limitação da lipogénese, o que conduzao aumento dos AGL circulantes. Por outro lado emsituações de aumento dos AGL (por aumento daingestão ou lipólise maciça associada à obesidade)ocorre Insulino-Resistência1,8,11,12.

Os AGL e seus metabolitos são provavelmenteligandos dos PPAR-α e ³. Os PPAR-α tem maior ex-pressão hepática. Os seus ligandos específicos sãoos fibratos e os AGL e induzem a captação hepática deAGL e a sua depuração da circulação. Os PPAR-³ temmaior expressão no tecido adiposo e músculo. Os seus

ligandos específicos são as TZD, derivados do ácidolinoleico e prostaglandina J, que promovem aadipogénese, aumentam a sensibilidade à insulina ediminuem os AGL circulantes. Uma vez que os PPARinfluenciam o metabolismo dos AGL e que os seusmetabolitos são seus activadores, é evidente que agordura alimentar influencia o metabolismo lipidico eglucidico, através dos AGL1. A alteração da quantida-de e qualidade da gordura alimentar influencia ahomeostasia da glucose e lípidos1,9,11.

A adiponectina é uma proteína de produção espe-cífica pelos adipocitos. A sua produção depende doestado nutricional. Os seus níveis encontram-se dimi-nuídos na obesidade e Insulino-Resistência1,4,7,8,11.Tem função anti-aterogénica e regula a homeostasiados lípidos e da glucose. Potencia acção da insulina anível hepático, e reduz a produção de glucose hepáti-ca. Induz a oxidação de gorduras, diminuindo os TG anível hepático e muscular1,9,13. Tem uma acção anti--inflamatória, resultante da diminuição da produção einibição da acção do TNF-α, diminuição da produçãoda IL-6, com consequente indução da produção da IL--l0 e antagonista da IL-l2,7. Estudos com ratos revelamreversão da Insulino-Resistência com a administraçãode adiponectina, em situações de lipodistrofia e obe-sidade1,9,13. Este facto pode fazer pensar num papelfarmacológico da adiponectina como suplemento outerapêutica de substituição. As TZD aumentam aadiponectina - outro mecanismo de responsável peloaumento da sensibilidade à insulina associado à utili-zação destes fármacos1,4,10.

A resistina foi inicialmente descoberta no lavadobronco-alveolar de ratos. O seu nome foi escolhidopelo facto de induzir nos mesmos animais Insulino--Resistência. Actualmente sabe-se que a sua expres-são em adipócitos humanos é reduzida e elevada emmonócitos e macrófagos2,13. Níveis elevados (em mo-delos animais) estão associados a Insulino-Resistênciae à inibição da diferenciação de pré-adipocitos,atribuindo-se-lhe assim um papel de retro-controlo ne-gativo na formação de adipocitos4. No homem não sereconhece efeito directo na homeostasia da glucoseno adipócito2,13. É sugerido um papel na Insulino--Resistência no homem mediado pela inflamação13. Autilização de TZD diminui os seus níveis1,4,10.

O AGRP é uma proteína que no homem, existe notecido adiposo (sub-cutâneo e visceral) e em menor

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quantidade nos ovários, coração, testículos, prepúcio.No rato estão bem estabelecidas funções na determi-nação da cor da pelagem e peso corporal. Antagonizaa acção da α-MSH (hormona estimulante dos αmelanócitos), através da ligação aos receptores damelanocortina tipo 4, reguladores do apetite e do me-tabolismo, existentes no hipotálamo e tecido adiposo1.A activação destes receptores no tecido adiposo po-derá regular a proliferação e diferenciação de préadipocitos.

Apesar de não demonstrada relação entre os seusníveis e o Índice Massa Corporal (IMC). Observou-seaumento da sua expressão em adipocitos de diabéti-cos tipo 2 e durante o tratamento com dexametasona14.

A visfatina é produzida primariamente pelo tecidoadiposo visceral. É idêntica ao factor de estimulaçãode colónias de células pré-B, uma citoquina que seencontra aumentada no lavado bronco-alveolar demodelos animais de lesão pulmonar aguda e nosneutrófilos de doentes sépticos. A visfatina tem umaacção insulino-mimética in vitro e in vivo, através daligação e activação do receptor da insulina2.

Adipocinas com Função Endócrina

O paradigma da função endócrina do tecidoadiposo é a leptina, fundamental na regulação dosdepósitos energéticos e fertilidade1,3,9,15. Para alémda produção de leptina, o adipocito tem um papel im-portante no metabolismo das hormonas esteroides,predominantemente de interconversão 1,16.

A leptina é um péptido de produção quase exclusi-va pelo tecido adiposo1,3,13. A sua produção é regula-da pelas alterações induzidas pela insulina noadipocito e os seus níveis correlacionam-se com amassa de tecido adiposo9,15,17. A sua ligação a recep-tores hipotalâmicos, transmitem informação relativa àmassa de tecido adiposo e depósitos energéticos exis-tentes. Desempenha um papel central na fertilidade,inf luenciando a l iber tação de GnRH egonadotrofinas13. Tem uma acção reguladora da imu-nidade e resposta inflamatória (acção pró-inflamatóriae moduladora imunológica)2,13.

A ligação da leptina aos receptores hipotalâmicosdetermina a libertação de neuropéptidos anorexigenos(CRH, α-MSH e CART- cocaine amphetarnine relatedtranscript) e a redução da AGRP e do neuropeptidoY1,13,15.

A resposta eferente desencadeada (sobretudo atra-vés do sistema simpático) determina redução do up--take energético, por um lado, e aumento do gastoenergético por outro. Uma das suas acções periféricasmais importantes, é a redução da síntese e secreção deinsulina, estabelecendo-se assim um eixo adipo--insular17.

Na obesidade, os níveis circulantes elevados nãoinduzem a resposta esperada de diminuição da ingestãoe aumento do dispêndio energético. A resistência àacção da leptina é demonstrável pela ausência de efei-to da administração de leptina exógena. Pensa-se queo defeito esteja dependente da limitação do seu trans-porte a nível da barreira hemato-encefálica1,15. A re-sistência à acção da leptina poderá conduzir à inter-rupção do eixo adipo-insular, hiperinsulinismo e dia-betes mellitus tipo 2 associada à obesidade17.

A leptina não um é factor de saciedade, tem sobre-tudo como função a adaptação a situações de baixadisponibilidade energética. No homem a mutação dogene da leptina ou do seu receptor, está associado àobesidade hiperfágica e infertilidade1,15. O seu papelno tratamento da obesidade fica reservado às raras si-tuações de mutação do seu gene ou do seu receptor15.

São bem conhecidos os efeitos endócrinos doscorticoides em níveis supra-fisiológicos. No tecidoadiposo ocorre conversão de cortisona em cortisol,reacção mediada pela 11-β hidroxiesteroide desidro-genase tipo 1. Pensa-se que a sua contribuição paraos níveis circulantes de corticoides seja significativae esteja dependente dos níveis circulantes decort isona3,16. A act ividade desta enzima estádesregulada na obesidade, o que pode indiciar umpapel da interconversão de corticoides no tecidoadiposo no Sindroma Metabólico1.

O tecido adiposo intervém no metabolismo dosesteroides sexuais em duas vias bioquímicas: A da 17-β hidroxiesteroide oxireductase, que cataliza a con-versão de androstenediona em testosterona e a deesterona em estradiol; e o da aromatase P450--dependente que catal iza a conversão deandrostenediona em esterona e de testosterona emestradiol. Estas vias contribuem significativamentepara os níveis de esteroides sexuais na mulher (sobre-tudo na pós menopausa). Pensa-se que o aumento damassa gorda aumente a interconversão de esteroidessexuais, conduzindo à masculinização na mulher efeminização no homem1.

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CONCLUSÃO

Nos últimos anos houve um aumento notório dosconhecimentos das moléculas segregadas pelo tecidoadiposo, funções por elas desempenhadas e a relaçãocomplexa com outros sistemas envolvidos na regulaçãoenergética e metabolismo (sobretudo lipídico eglucídico). São no entanto necessários mais estudospara esclarecer mecanismos de acção e determinar apli-cações práticas, nomeadamente na disfunção metabóli-ca associada à obesidade. Actualmente não existem in-dicações para dosear os produtos segregados pelo te-cido adiposo. Há evidência de que a normalizaçãoponderal atingida através de programas alimentares oude exercício conduz à correcção da disfunção metabóli-ca. O desafio é o de identificar formas de o fazer deforma mais eficaz numa proporção maior de obesos.

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