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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – BIGUAÇU ADOÇÃO EM RELAÇÕES HOMOAFETIVAS NO DIREITO BRASILEIRO GISELLE ALEXANDRE Biguaçu, junho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – BIGUAÇU

ADOÇÃO EM RELAÇÕES HOMOAFETIVAS NO DIREITO BRASILEIRO

GISELLE ALEXANDRE

Biguaçu, junho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – BIGUAÇU

ADOÇÃO EM RELAÇÕES HOMOAFETIVAS NO DIREITO BRASILEIRO

GISELLE ALEXANDRE

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Cláudio Andrei Cathcart

Biguaçu, junho de 2008

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AGRADECIMENTO

A Deus, acima de tudo, pelas oportunidades e conquistas, e por estar sempre presente na minha vida, por toda força e coragem que me deu para enfrentar todas as dificuldades. Ao meu Orientador, Professor Claudio Andrei Cathcart, por todo o auxílio, apoio e dedicação na elaboração deste trabalho. Ao meu namorado Valcir pelo carinho e paciência, e pelos momentos que deixei de lhe dar atenção para que este trabalho pudesse ser realizado. Aos meus irmãos, Juliana e Guilherme, que acompanharam minha trajetória e torceram por mim. Aos meus pais queridos, Antônio e Lúcia, por todo o apoio e compreensão que tiveram comigo ao longo dessa jornada, contribuindo para a realização de um sonho. Aos meus amigos, pelo apoio incondicional, principalmente nos momentos mais difíceis. Enfim, a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a produção deste trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso à minha família, em especial aos meus pais, Antônio e Lúcia, que em muito contribuíram para a conclusão do mesmo. Dedico ainda ao meu namorado, aos meus amigos, ao meu afilhado, aos meus irmãos, aos meus avós e padrinhos, e à minha avó Laura, que onde quer que esteja, sei que está torcendo por mim. Mas a dedicatória maior vai a todas as crianças e adolescentes que aguardam por uma família que lhes dê amor e afeto, pois acredito na adoção como uma maneira de suprir tal necessidade.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, junho de 2008

Giselle Alexandre Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Giselle Alexandre, sob o título

Adoção em Relações Homoafetivas no Direito Brasileiro, foi submetida em 16 de

junho de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

Professor Claudio Andrei Cathcart (Presidente da Banca), Professor MSc. Renato

Heusi de Almeida, Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica (Membro

Avaliador), e aprovada com a nota 9,5 (nove e meio).

Biguaçu, junho de 2008

Professor Claudio Andrei Cathcart Orientador e Presidente da Banca

Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Adoção

[...] ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém

estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo

ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para a sua família, na condição de

filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.1

Homossexualidade

Homossexual é o indivíduo cuja inclinação sexual é voltada para uma pessoa do

mesmo gênero, o homem que se sente atraído por outro homem e a mulher que

se sente atraída por outra mulher. É alguém que não nega sua formação

morfológica, entretanto seu interesse e sua atividade sexual são voltados,

direcionados exclusivamente para quem tem o mesmo sexo que o seu.2

Família

[...] espaço de afetividade, destinado a realizar os anseios de felicidade de cada

um. Os elos de convivência, que levam ao enlaçamento de vidas e ao

embaralhamento de patrimônios, fazem surgir comprometimentos mútuos e

responsabilidades recíprocas.3

Criança

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. 5. vol. p. 423. 2 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 21. 3 DIAS, Maria Berenice. Era uma vez, in PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, Ética e Família e o novo Código civil brasileiro: anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em Belo Horizonte, de 24 a 27 de setembro de 2003. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 18.

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[...] pessoa até doze anos de idade incompletos.4

Adolescente

[...] pessoa entre doze e dezoito anos de idade.5

4 BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Código Civil.18. ed. São Paulo: 2003. p. 723. 5 BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Código Civil.18. ed. São Paulo: 2003. p. 723.

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... X

ABSTRACT ...................................................................................... XI

INTRODUÇÃO .................................................................................. 1

CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 3

ASPECTOS GERAIS SOBRE A ADOÇÃO........................................ 3 1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DESTACADA DA ADOÇÃO...................................3 1.1.1 NO MUNDO ......................................................................................................3 1.1.2 NO BRASIL ....................................................................................................10 1.2 CONCEITUAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DA ADOÇÃO .........................20 1.2.1 CONCEITUAÇÃO .............................................................................................20 1.2.2 NATUREZA JURÍDICA ......................................................................................22

CAPÍTULO 2 ................................................................................... 24

DO PROCESSO DE ADOÇÃO NO BRASIL ................................... 24 2.1 REQUISITOS DA ADOÇÃO E ASPECTOS PROCESSUAIS ........................24 2.1.1 REQUISITOS PARA A ADOÇÃO .........................................................................24 2.1.2 ASPECTOS PROCESSUAIS DA ADOÇÃO ............................................................28 2.2 FAMÍLIA: CONCEITUAÇÃO, CONCEPÇÃO MODERNA E SUA ATUAL FUNÇÃO...............................................................................................................37 2.2.1 CONCEITUAÇÃO DE FAMÍLIA ..........................................................................38 2.2.2 CONCEPÇÃO MODERNA DE FAMÍLIA ................................................................40 2.2.3 FUNÇÃO ATUAL DA FAMÍLIA ...........................................................................44

CAPÍTULO 3 ................................................................................... 48

A RELAÇÃO HOMOAFETIVA E A POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO ......................................................................................................... 48

3.1 O RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO HOMOAFETIVA NO DIREITO BRASILEIRO........................................................................................................48 3.1.1 CONCEITOS DE HOMOSSEXUALIDADE ..............................................................48 3.1.2 BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA HOMOSSEXUALIDADE NO MUNDO E NO BRASIL

..............................................................................................................................51 3.1.3 A RELAÇÃO HOMOAFETIVA NO DIREITO BRASILEIRO .......................................56 3.2 ADOÇÃO NA RELAÇÃO HOMOAFETIVA: ASPECTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS ...............................................................................................61 3.2.1 ASPECTOS DESFAVORÁVEIS ...........................................................................61 3.2.2 ASPECTOS FAVORÁVEIS .................................................................................67

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3.3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL .....................................................................73

CONCLUSÃO....................................................................................78

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS.........................................81

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RESUMO

Tema gerador de grande polêmica, tanto no âmbito social

quanto jurídico, é a adoção por homossexuais. A lacuna deixada pela lei divide

opiniões, e a sociedade resiste em ver um menor sendo criado num lar

homoafetivo, por acreditar que essa convivência possa acarretar danos

psicológicos ao adotado, e também influenciar sua opção sexual. Não obstante os

posicionamentos contrários, a presente monografia procurou demonstrar a

viabilidade da adoção homoafetiva, visando o melhor interesse da criança. Dessa

forma, aborda a possibilidade de adoção por casais homoafetivos. Foram

destacados aspectos gerais da adoção: evolução histórica, conceituação,

natureza jurídica, requisitos e aspectos processuais. Seguindo o foco da

pesquisa, são abordados assuntos relacionados à família: conceituação, nova

concepção e atual função. Restringindo o tema, adentrou-se nos conceitos de

homossexualidade, historicidade e situação diante da legislação brasileira. Por

fim, trata-se dos aspectos favoráveis e desfavoráveis da adoção por casal

homoafetivo, sendo colacionadas jurisprudências nesse sentido.

Palavras chave: Adoção. Homoafetivo. Melhor interesse da

criança.

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ABSTRACT

Generating subject of great controversy, much in the social

scope how much legal, it is the adoption will be homosexuals. The gap left will be

the law you it divides opinions, and the society resists in seeing the minor being

bred in homoaffective home, will be believing that this conviviality can you cause

psychological damages you the adopted one, and also you influence its sexual

option. Despite the contrary positionings, the present monograph looked will be

you demonstrate the viability of the homoaffective adoption, aiming at optimum

interest of the child. Of this form, it approaches the possibility of adoption will be

homoaffective couples. General aspects of the adoption had been detached:

historical evolution, conceptualization, legal nature, procedural requirements and

aspects. Following the focus of the research, they ploughs boarded subjects

related you the family: conceptualization, new conception and current function.

Restricting the subject, it was entered in the concepts of homosexual, history and

situation ahead of the Brazilian legislation. Finally, one is about the favorable and

favorable aspects of the adoption will be homoaffective couple, being compared

jurisprudences in this direction.

Keywords: Adoption. Homoaffective. Better interest of the

child.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a possibilidade de

adoção por casais homoafetivos no direito brasileiro.

O seu objetivo é demonstrar a polêmica existente em torno

do assunto, destacando posicionamentos contrários e favoráveis, fundamentados

na lei, na doutrina e na jurisprudência, buscando esclarecer que o bem estar da

criança e do adolescente deve ser considerado em todos os casos.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando dos

aspectos gerais da adoção. Inicialmente, apontam-se os pontos principais da

história da adoção no mundo e no Brasil. Após, são definidos o conceito e a

natureza jurídica da adoção.

No Capítulo 2, tratando do processo de adoção no Brasil,

sendo apresentados os seguintes tópicos: requisitos da adoção e aspectos

processuais; a conceituação de família, sua atual concepção e função.

No Capítulo 3, será abordada a possibilidade de adoção por

casais homoafetivos. A priori, serão elencados aspectos da relação homoafetiva

no direito brasileiro, tratando de alguns conceitos de homossexualidade, bem

como dos principais pontos da evolução história da homossexualidade no mundo

e no Brasil, assim como da sua atual situação perante o direito pátrio. A posteriori,

será dos aspectos contrários e favoráveis da adoção homoafetiva. Ao final, serão

colacionadas jurisprudências no intuito de demonstrar a evolução do judiciário

brasileiro diante do tema.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com a

Conclusão, na qual são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos

da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a adoção

homoafetiva no direito brasileiro.

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Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses: a análise da adoção por casais homoafetivos deve ser pautar em todos

os argumentos colacionados e que tratam da matéria, todos eles pautados na lei,

na doutrina e na jurisprudência, tendo em vista as lacunas existentes na

legislação brasileira quanto ao tema em questão; e por fim, resguardar o interesse

do menor, respeitando o direito que a lei lhe confere.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Dedutivo, e, o Relatório dos Resultados

expresso na presente Monografia é composto na base lógica Dedutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

ASPECTOS GERAIS SOBRE A ADOÇÃO

Neste capítulo, serão tratados dos aspectos gerais sobre a

adoção, fazendo-se um estudo destacado de sua evolução história no mundo e

no Brasil, e a sua conceituação e natureza jurídica.

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DESTACADA DA ADOÇÃO

A adoção teve uma evolução história bastante particular,

como forma de constituir vínculo de filiação. Na Antigüidade, o instituto da adoção

era utilizado como forma de perpetuar o culto doméstico. Nos dias atuais, a

filiação jurídica adotiva é uma filiação puramente jurídica, baseando-se na

presunção de uma realidade afetiva, e não biológica.6 Dessa forma, serão

destacados os aspectos mais importantes da evolução histórica da adoção no

mundo e no Brasil.

1.1.1 No mundo

Surge a adoção na mais remota Antigüidade, e embora

quase tenha desaparecido, mantém-se até os dias atuais. Teria como berço a

Índia, sendo após repassada aos egípcios, persas, hebreus, gregos e romanos,

da mesma forma que as crenças religiosas. 7

Na Antigüidade, a religião era o mais poderoso laço de união

dos membros de uma família, e esta era vista muito mais como uma associação

religiosa, do que uma associação natural propriamente dita. E essa mesma

religião ditava regras, que deveriam ser seguidas pelas famílias, as quais

6 CARBONNIER, Jean. Droit civil 2: la família. 20. ed. Paris: Presses Universitaires, 1999. p. 337, apud VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. p. 297. 7 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 39.

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participavam de cultos para aceitação de seus membros dentro dessa religião. Os

laços baseados em sentimentos naturais, não tinham relevância.8 Segundo Fustel

de Coulanges, assim surgiu a adoção:

A necessidade de perpetuar o culto doméstico foi o princípio do direito de adoção entre os antigos. Essa religião, que obrigava o homem a se casar, que facultava o divórcio em casos de esterilidade, substituindo o marido por algum parente nos casos de impotência ou de morte prematura, oferece, como último recurso à família, um meio de escapar à desgraça tão temida de sua extinção; esse recurso consistia no direito de adotar um filho.9

A adoção era vista como uma forma de dar continuidade à

religião doméstica, através da continuidade das oferendas fúnebres e como forma

de salvação do lar. Só se permitia a adoção a quem não tinha filhos, e apenas

como meio de prevenir a extinção de algum culto. O adotado passava por um

culto religioso da sua nova família, através de cerimônia sagrada, como acontecia

quando do nascimento de um filho natural, renunciando ao culto da família

anterior. Era assim que ele era introduzido em sua nova religião doméstica, para

ser aceito como membro da nova família. Adotado em um novo lar, ele nunca

mais poderia voltar à família na qual nascera. Era uma renúncia ao culto da

família em que havia nascido.10

As crenças primitivas impuseram, assim, a necessidade de deixar um filho, para não permitir a extinção do culto doméstico, base sobre a qual se assentava a família. Pelo fogo sagrado e por meio de orações, sacrifícios e oferendas veneravam-se os deuses domésticos e os ancestrais que “viviam em suas tumbas preparando-se para a outra vida.” Ao mesmo tempo que assegurava posteridade a quem não tinha descendência, permitindo a continuidade da família ameaçada de extinção, fez

8 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 45-46. 9 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 58. 10 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 59-60.

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cessar o costume ultrajante à dignidade conjugal, que admitia a substituição do marido infértil por um parente ou outro homem.11

O instituto da adoção surge com o código de Hamurabi

(artigos 185 a 193), na Babilônia, entre 1728 e 1686 a.C., com o nome de mârûtu,

e classificada em três espécies: adoção com instituição de herdeiro; adoção sem

instituição de herdeiro; e adoção provisória. Nas duas primeiras, era obrigatória a

educação do adotando, e o instituto assumia a nome de tarbitu.12

O Código de Manu, datado aproximadamente de 1500 a.C.,

também legislou a respeito desse instituto, permitindo àqueles que não tinham

filhos biológicos a possibilidade de adotar para que o culto doméstico aos

antepassados não cessassem.13

Manu enaltecia a maternidade de forma vigorosa, afirmando que essa era a função da mulher na terra. Se estéril fosse o homem, ou não conseguisse gerar filho homem, a primogenitura podia ser obtida com a coabitação sexual da mulher, devidamente autorizada pelo marido, com o irmão deste ou outro parente.14

Entre os hebreus era possível encontrar uma espécie de

adoção, conhecida como levirato. Os textos bíblicos também mencionam vários

casos de adoção, como o de Jacó, que adotou Efraim e Manasses.15 Os egípcios

e os hebreus não tinham nenhuma codificação a respeito da adoção, existindo

apenas registros sobre esse instituto:

Os egípcios e os hebreus não regulamentaram a adoção, havendo apenas assentamentos neste sentido, como o caso de Moisés, adotado pela filha do faraó, em decorrência de ter sido

11 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 39-40. 12 SZNICK, Valdir. Adoção. 2. ed. ampl. São Paulo: Leud, 1993. p. 7. 13 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: doutrina e prática. 1. ed. 6. tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 15. 14 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 186. 15 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: doutrina e prática. p. 15-16.

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abandonado a contragosto por sua mãe biológica, sendo tal tipo de adoção muito recorrente na Antigüidade.16

Entre os gregos a adoção era permitida mesmo que o casal

tivesse filhos, e poderiam ser adotados tanto homens quanto mulheres. No

entanto, as mulheres não podiam adotar, pois o direito de ser adotante era

conferido somente aos homens.17

Na sociedade grega a adoção tinha como característica fundamental o rompimento total do adotado com a família de origem, nem mesmo podendo prestar funerais ao pai biológico, havendo uma clara distinção entre o filho adotivo e o filho natural. Os gregos permitiam que fossem adotados tanto homens como mulheres, embora só os homens possuíssem o direito de serem adotantes, e apenas os cidadãos pudessem adotar e serem adotados.18

Em Esparta, o Estado tomava para si as crianças de baixa

idade, com o intuito de prepará-las militarmente e, por esse motivo, é muito difícil

que tenha existido o instituto da adoção nesse local. As crianças que não

servissem para fins militares, eram lançadas logo após o nascimento do alto do

Monte Tarjeto, costume esse completamente incompatível com a adoção. Entre

os espartanos existia uma espécie de legitimação, que não pode ser confundida

com a adoção em si. Existiam duas classes de adoção: a adoção entre vivos e a

testamentária. 19

Em Roma, o instituto da adoção teve seu momento de maior

significado, acompanhando assim as transformações da família romana. 20 Os

romanos tinham a adoção como um meio de perpetuar o nome daqueles que não

16 PINTO, Flávia Ferreira. Adoção por homossexuais. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 25 jan. 2006. 17 SZNICK, Valdir. Adoção. p. 9. 18 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: doutrina e prática. p. 16. 19 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 41. 20 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 42.

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tinham filhos e de manter o culto dos deuses domésticos.21 A adoção já tinha seus

resquícios na Lei das XII Tábuas, considerada a mais antiga legislação escrita

romana.22

O Direito Romano conheceu duas espécies de adoção: a

adrogatio (ad-rogação)23 e a adoptio (adoção)24. Tarcísio José Martins Costa

explica como se apresentaram esses dois institutos dentro da sociedade romana

da época:

A ad-rogação ocorria quando um pater familiae era adotado por outro pater familiae, ou seja, o adotado, pessoa que não estava submetida a nenhum pátrio poder, portanto, sujeito de direitos (sui

júris), ingressava na família do adotante, tornando-se incapaz de direitos (alieni juris). Assim, um chefe de família, o ad-rogado, entrava na família de outro, o ad-rogante, extinguindo-se a família do primeiro. Era considerado um ato extremamente grave e importante, uma vez que implicava na submissão não só de um sujeito de direitos, mas na extinção de uma família e do respectivo culto doméstico. Por ingressar grandemente à religião e ao Estado, cujos pilares se assentavam na família romana, a ad-

rogação exigia prévia investigação dos pontífices, sendo a decisão favorável submetida aos comícios. Ato solene, o magistrado, que presidia os comícios, dirigia sucessivamente três rogações: ao ad-

rogante, ao ad-rogado e ao povo. Daí o nome adrogatio.25

Esses dois institutos exigiam o cumprimento de certos

requisitos, que deveriam ser seguidos:

Tanto na adrogatio, quanto na adoptio exigia-se certa idade do adotante – 60 anos no mínimo – não ter filhos naturais e ser 18 anos mais velho que o adotado; o adotado assumia o nome do

21 CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 5. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 404. 22 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 186. 23 LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de expressões latinas. São Paulo: Atlas, 2000. p. 29. 24 LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de expressões latinas. p. 29. 25 V. MOREIRA, José Carlos Alves. História do direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. I. p. 303; CÍSNEROS, José Garcés. La adopción. Revista Cubana de Derecho, Habana, 1988, año XII, n. 34, p. 81/81, apud COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 42-43.

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adotante. Requeria o consentimento do interessado (adotante e adotado, ou do titular do pátrio poder).26

Mais tarde, os romanos regulamentaram a adoção,

passando a desdobrar-se em Adoção Plena (Adoptio Plena) e Adoção Menos

Plena (Adoptio Minus Plena). Nesta não havia o pátrio poder, mas os direitos

sucessórios permaneciam e, por isso, exigia-se a presença de um Juiz.27 Os laços

de parentesco do adotado com a família natural permaneciam, e continuava

submetido ao pátrio poder do pai biológico, gerando a expectativa sucessória.

Ocorria sempre que um filho era dado em adoção a um estranho. Na adoção

plena, o adotante era um ascendente que não tinha o pátrio poder sobre o

adotado. Nas duas modalidades eram conservados os direitos sucessórios do

adotado em relação à família natural.28

Em Roma, reconhecia-se, ainda, uma terceira forma, a adoção testamentária, que foi o modo escolhido por Júlio César para adotar o sobrinho-neto Otávio (adoptio per testamentum).29

Na Idade Média, o instituto teve uma expressiva diminuição,

pois a Igreja Católica via na adoção uma afronta direta aos seus interesses

econômicos, já que se alguém não tivesse filhos, deixaria seu patrimônio para a

Igreja. Porém, se tivesse algum filho adotivo, esse processo seria quebrado.

Assim, o instituto não foi contemplado no Direito Canônico.30

Na Idade Moderna, a adoção surge novamente, junto à

legislação da Revolução Francesa, e mais tarde, ela é incluída no Código de

Napoleão (1804). Nesse diploma, vislumbra-se a modalidade da adoção romana

26 SZNICK, Valdir. Adoção. p. 12. 27 SZNICK, Valdir. Adoção. p. 12. 28 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 6. p. 299. 29 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 43. 30 VERONESE, Josiane Rose Petry. Adoção internacional e Mercosul: aspectos jurídicos e sociais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 16-17.

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minus plena. Posteriormente, na França, a Lei Francesa de 1923 amplia a

adoção, aproximando-a da adoptio plena. 31

Foi somente depois da Revolução Francesa que a adoção, como ato jurídico que estabelece o parentesco civil entre duas pessoas, ressurgiu e passou a ser admitida em quase todas as legislações.32 [...] Com maior ou menor amplitude, a adoção é admitida por quase todas as legislações modernas, acentuando-se o sentimento humanitário e o bem-estar do menor como preocupações atuais dominantes.33

Entre os germanos, a evolução do instituto da adoção deu-

se em três períodos distintos: um referente ao período primitivo, onde não se

constituíam vínculos de parentesco entre o adotante e o adotado, e buscava-se

na adoção a perpetuação do chefe da família, para levar adiante as campanhas

bélicas; o segundo, baseado no Direito Romano, que teve duas fases, uma sob a

influência de Justiniano (Escola de Bolonha), e posteriormente, uma outra fase,

sob a influência do Código da Prússia (1794); por fim, o terceiro período, que vai

desde o Código de 1794 até os dias atuais.34

No direito francês, a adoção praticamente desapareceu da

maior parte de seu território, apresentando características do Direito romano e

germânico, atingindo o ápice de sua decadência a partir do Século XIV,

ressurgindo mais tarde com a Revolução Francesa (1789).35

31 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 299. 32 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 44. 33 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 299. 34 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 45-46. 35 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 46.

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No direito português, existia um instituto semelhante à

adoção, chamado de perfilatio, o qual possuía forte caráter patrimonial, criando

laços de família e direitos sucessórios.36

Do culto aos deuses de família e de suprir carências para os casais sem filhos, para uma visão equivocada de que se trata de um instrumento caritativo ou que tem a possibilidade de resolver genericamente problemas sociais de uma nação, este foi o verdadeiro trajeto do instituto da adoção.37

Resume-se, assim, de forma breve, a trajetória do instituto

da Adoção no Mundo, desde a Antigüidade até os dias atuais. Esse instituto

passou por vários povos, até chegar ao Brasil. A seguir, será feito um breve

esboço da evolução histórica da adoção no Brasil.

1.1.2 No Brasil

No Brasil, vigoraram as Ordenações Filipinas até 1916,

enquanto o Brasil ainda era colônia de Portugal, mas não trataram quase nada a

respeito da adoção, embora aqui fossem expedidas as cartas de perfilhamento.38

Foi criado no Rio de Janeiro, em 1808, o Tribunal de Paço, pois as cartas de

perfilhamento eram expedidas em Portugal pelos Desembargadores de Paço.

Porém, em 1828 esse Tribunal foi extinto, e a Lei de 22 de setembro de 1828,

conferiu aos juízes de primeira instância essa atribuição.39 O Código Civil de 1916

(CC/1916) reativou o instituto da adoção, inicialmente com formato semelhante ao

romano, sofrendo algumas alterações ao longo do tempo.40

Inicialmente, o CC/1916 só permitia a adoção aos maiores

de cinqüenta anos, em perfeito gozo de sua capacidade civil, sendo que estes

deveriam ser pelo menos dezoito anos mais velhos que os filhos adotivos, e não

36 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: doutrina e prática. p. 16. 37 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: doutrina e prática. p. 17. 38 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código civil comentado: direito de família, relações de parentesco, direito patrimonial: arts. 1591 a 1693. v. XVI. São Paulo: Atlas, 2003. p. 146-147. 39 SZNICK, Valdir. Adoção. p. 25. 40 PINTO, Flávia Ferreira. Adoção por homossexuais. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 25 jan. 2006.

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poderiam ter prole legítima. Pela adoção, o pátrio poder era transferido ao

adotante. A revogação ocorreria nos casos de acordo entre as partes e nos casos

em que a lei permitisse a deserção.41 O artigo 370 previa que ninguém poderia

ser adotado por duas pessoas que não fossem marido e mulher, a fim de evitar os

inconvenientes que esta situação poderia trazer.42

A adoção se dava através de escritura pública, sendo que

não era permitido adotar na dependência de termo ou condição. O filho adotivo

era equiparado ao legítimo, mas na concorrência da herança, este é quem tinha

preferência. Assim explica Arnold Wald:

No sistema primitivo do Código Civil, o filho adotivo era equiparado ao legítimo, mas concorrendo, à herança, o adotado com o filho legítimo superveniente, o primeiro recebia a metade da cota atribuída ao segundo.43

Mais tarde, surge a Lei n. 3.133, de 8 de maio de 1957,

reformulando o instituto da adoção, e dando ao mesmo uma nova aplicação e

atendendo de maneira mais eficaz à sua função social.44

A Lei n. 3.133, de 8 de maio de 1957. Essa lei alterou o Código Civil no capítulo referente à adoção. Reduziu de cinqüenta para trinta anos a idade mínima do adotante, mas impôs que sendo casado não podia adotar senão decorridos cinco anos do casamento. Reduziu de dezoito para dezesseis anos a idade mínima entre adotante e adotado.45 Com relação ao adotando, passou a haver a existência explícita do seu consentimento, se maior, e da do representante legal, em se tratando de incapaz ou nascituro. [...] Marcante inovação foi a possibilidade prevista na lei de o adotado poder acrescentar ao

41 WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 157. 42 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 192. 43 WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 157. 44 WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 157. 45 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 195.

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nome dos pais de sangue os do adotante; ou ainda usar somente os do adotante, excluindo os apelidos dos pais de sangue.46

Em 2 de junho de 1965, surgiu a Lei n. 4.655, chamada de

legitimação adotiva, que tinha como objetivo equiparar o filho adotivo ao natural.47

Ela permitia a adoção dos infantes expostos, ou seja, daqueles aos quais os pais

haviam dado em adoção por escrito, ou fossem desconhecidos. Assim descreve

Rui Ribeiro de Magalhães:

[...] Por ela podiam ser adotados os infantes expostos, cujos pais fossem desconhecidos ou houvessem declarado por escrito que ele podia ser dado em adoção; os menores abandonados com até sete anos de idade, cujos pais tivessem sido destituídos do pátrio poder; órfão da mesma idade não reclamado por qualquer parente por mais de um ano; o filho natural reconhecido apenas pela mãe e impossibilitada de prover sua criação.48

Alguns anos mais tarde, em 10 de outubro de 1979, surge a

Lei n. 6.697, chamada de o Código de Menores, extinguindo a legitimação

adotiva.49 Foi considerado um importante marco no instituto da adoção, vindo a

preceder o atual Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com o advento do

então Código de Menores, surgem três espécies de adoção no Brasil: a do

Código Civil, para a adoção de pessoas de qualquer idade; a simples, para

menores em situação irregular; e a plena, que concedia ao adotado a condição de

filho legítimo, perdendo qualquer vínculo com a família biológica, salvo nos casos

de impedimentos matrimoniais.50

A adoção plena poderia ser aplicada nos casos de menores

de até sete anos de idade que estivessem em situação irregular, e àqueles que

46 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 45. 47 PINTO, Flávia Ferreira. Adoção por homossexuais. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 25 jan. 2006. 48 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 196. 49 WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 159. 50 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 198-200.

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mesmo com idade superior a sete anos, já estivessem sob a guarda dos

adotantes.51

A Lei n. 6.697/79 revogou expressamente a Lei n. 4.655/65,

conforme segue:

Esta lei revogou expressamente a Lei n. 4.655/1965, e a odiosa distinção patrimonial que se fazia naquela não subsistiu, de sorte que o plenamente adotado possuía os mesmos direitos sucessórios da prole superveniente, se com ela concorresse à herança dos ascendentes.52

Percebe-se, assim, que o CC/1916 não foi revogado, foi

apenas alterado, especialmente nos assuntos relativos a efeitos patrimoniais,

devido às modificações trazidas pelas Leis n. 4.655/65 e n. 6.697/79.53 No que diz

respeito aos direitos sucessórios, a Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 (artigo 227, § 6°) vedou qualquer distinção entre filhos legítimos,

legitimados, ilegítimos e adotivos, igualando todos os filhos.54 Dessa maneira, o

legislador constituinte afastou a discriminação que existia entre os filhos, tendo

todos eles os seus direitos igualados55, conforme estabelecido no § 6° do artigo

227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88):

Art. 227. [...]

§ 6° - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

A extinção da adoção, de acordo com o CC/1916, efetuava-

se de duas maneiras: por ato bilateral de ambas as partes ou nos casos de

deserção. A extinção bilateral se dava por escritura pública, através de resilição

51 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 200. 52 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 201. 53 BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial. p. 13-152. 54 PINTO, Flávia Ferreira. Adoção por homossexuais. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 25 jan. 2006. 55 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 49.

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bilateral da relação jurídica. Já a extinção nos casos de deserção se daria por

meio de ação judicial, em que deveria ser provada uma das hipóteses que

ensejaram a deserção. Apenas o pai ou o filho adotivo tinha legitimidade para

interpor essa ação, sendo que a dissolução da adoção somente poderia ser

decretada por sentença.56

Existia, ainda, a possibilidade de o adotado menor ou

interdito desfazer a adoção no ano imediato ao em que atingisse a maioridade ou

em que a incapacidade deixasse de existir.57 Importante registrar que como não

havia no ordenamento uma separação do adotado com a sua família biológica, ou

seja, os pais adotivos tinham que partilhar o filho com a família biológica, acabou

surgindo uma modalidade de adoção que ainda hoje constitui crime (crime de

falsidade ideológica): a “adoção à brasileira”. Nessa modalidade, os pais

registravam o filho adotivo como se fosse natural.58

Em 13 de julho de 1990, surge a Lei n. 8.069, denominada

Estatuto da Criança e do Adolescente (também conhecida como ECA), que

revogou expressamente a Lei n. 6.697/79 (Código do Menor).59 O ECA

regulamentava a adoção de menores de 18 anos, e em algumas exceções os

menores de 21, sendo que os maiores de 18 e que não se enquadrassem nesses

casos excepcionais, não poderiam ser adotados por ninguém.60

Tendo sido revogado o Código de Menores, mudaram

também os requisitos para a adoção. Foi proibida a adoção por procuração. O

limite de idade do adotante foi estabelecido em 21 anos, independentemente de

56 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 305-307. 57 MARMITT, Arnaldo. Adoção. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 186. 58 PINTO, Flávia Ferreira. Adoção por homossexuais. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 25 jan. 2006. 59 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil: direito de família. 2. ed., rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. vol. 2. p. 256. 60 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 203.

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seu estado civil. A estabilidade financeira e emocional do menor passou a ser

tratada de forma mais prioritária.61

A lei subordinou o deferimento da adoção a dois requisitos subjetivos que deveriam ser levados em conta pelo juiz no curso do processo de adoção. Não se deferia o pedido de adoção se ele não apresentasse reais vantagens ao adotado e não se fundasse em motivo legítimo. Cabia ao juiz, mediante prudente arbítrio, utilizando-se do concurso de profissionais de outras áreas que prestassem serviços junto ao Juízo da Infância e da Juventude, aquilatar das vantagens da adoção para o adotado.62

Pela Lei n. 8.069/90 (ECA), restou proibida a adoção entre

irmãos, ascendente e descendente.63

Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil.

§ 1° Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

§ 2° A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

§ 3° O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotando.

§ 4° Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.

§ 5° A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após a inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.

Uma das exigências do instituto era que os pais ou

representantes legais do menor fossem ouvidos, salvo nos casos de pais

61 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 204. 62 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 204. 63 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. 27. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. 6. vol. p. 383.

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desconhecidos ou destituídos do poder familiar. Os menores que contassem com

mais de 12 anos de idade, também deveriam ser ouvidos.64

Foi mantida a proibição da adoção pelo tutor ou curador, não

podendo adotar enquanto não prestassem contas de sua administração.

Permaneceu também o estágio de convivência familiar, embora não mais com

tempo pré-estabelecido, dependendo de decisão judicial, que fixaria esse prazo.65

A adoção na Lei n. 8.069/90 (ECA) é considerada

irrevogável, desvinculando o adotado de sua família natural para sempre. Tanto é

que no caso de morte dos adotantes, o pátrio poder (hoje conhecido como poder

familiar) não seria restabelecido pelos pais naturais do adotado (artigo 49 do

ECA).66

A norma dispõe sobre a exigência de um cadastro de

crianças e adolescentes em condições de serem adotados, em cada comarca ou

foro regional, e um outro de pessoas interessadas em adotar (artigo 50 do ECA).67

Tornou-se essencial a presença do Ministério Público,

Curador de Menores, com o objetivo de zelar pelos requisitos legais da adoção e

analisar as reais vantagens para o adotado.68

No campo pessoal, o adotando é inserido completamente na

família do adotante, pondo fim à filiação biológica ou natural. As novas regras

refletiram também no campo patrimonial, onde o adotado passa a ter os mesmos

direitos do filho biológico (artigo 41 do ECA). Em relação aos alimentos, também

foi igualada a condição de filho ao adotado.69

O vínculo da adoção passou a ser constituído por sentença

judicial, produzindo seus efeitos após o trânsito em julgado. Assim, a adoção por

64 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 319-320. 65 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. p. 204-205. 66 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil: direito de família. p. 257. 67 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 37. 68 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. p. 384. 69 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil: direito de família. p. 259.

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meio de escritura pública, anteriormente utilizada, deixou de fazer parte desse

instituto.70 Assim explica Arnaldo Marmitt:

Cumpre-se a sentença de adoção com a expedição de mandado judicial para o cartório competente, para sua inscrição no registro civil, mediante cancelamento do primeiro registro e lavratura do novo, sem qualquer menção à origem do ato. Para preservação de direitos permite-se a extração e o fornecimento de certidões, a critério da autoridade judiciária, e na medida em que o deferir.71

A Lei n. 8.069/90 (ECA) trouxe profundas modificações ao

instituto da adoção, dando a largada para uma visão mais social, protegendo

integralmente o menor e o adolescente:

A moderna orientação, tanto do Direito do Menor como do Direito de Família, considera a adoção como uma instituição de proteção e integração familiar da infância, que tem por finalidade dar uma família a uma criança que não a tem. Conforme exsurge das conceituações de Direito Positivo mais atualizado, os novos sistemas legais têm destacado o caráter protecional e social da instituição, organizada no interesse da criança e do adolescente.72

Em 2002, surge o novo Código Civil brasileiro (Lei n.

10.406/2002)73, revogando o CC/1916. O Instituto da adoção, no Código Civil de

2002 (CC/2002), vem disciplinado nos artigos 1.618 a 1.629.

No Código Civil de 2002, não se cogita mais de adoção simples ou plena, posto revogadas as disposições substantivas do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil de 1916, salvante a adoção por estrangeiro, [...] No mais, agora existe apenas uma figura: a adoção irrestrita; que obedece essencialmente aos contornos da anterioridade tratada como adoção plena, inclusive sendo possível constituí-la apenas em processo judicial (e não mais por escritura pública, como antes previa o Código Civil de 1916), seja qual for a idade do adotando

70 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 72. 71 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 116. 72 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 54-55. 73 BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial. p. 171-409.

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(quando maior, regido pelo Código Civil, a adoção não era feita judicialmente).74

Importante ressaltar as palavras de Alex Ribeiro, ao advertir

sobre as modalidades de adoção, ou seja, deixa de existir a adoção plena,

passando a existir apenas a adoção irrestrita. Hoje, a adoção só é possível

através de processo judicial, em todo e qualquer caso.75

O CC/2002 alterou alguns dispositivos do ECA, referentes à

adoção, apresentando-se algumas questões relativas à competência:

Como o Código Civil de 2002 preocupa-se, de forma global, com a adoção de menores e maiores, resta a questão da competência, pois os procedimentos relativos a menores serão processados pelos juízos da infância e da juventude, onde houver, e a adoção de maiores de 18 anos deverá ter seu curso nas varas de família. Alguns dos dispositivos do ECA são substituídos pelo Código Civil, como vimos, mas, sem síntese, toda a base de direito material e de direito procedimental descrita nessa lei continua aplicável. Na ausência de outra norma regulamentadora, também deve ser aplicado o ECA analogicamente, no que for compatível, com relação à adoção por maiores.76

No entanto, o ECA só pode ser aplicado quando não

conflitar com a normas constantes no novo CC/2002, não podendo existir

divergências entre elas. Inclusive, alguns dispositivos do CC/2002 repetem aquilo

que já foi expresso no ECA. O CC/2002 condicionou a capacidade de adotar à

maioridade civil, sendo esta de 18 anos (artigo 1.618). Porém, manteve a

diferença de 16 anos entre adotante e adotado (artigo 1.619), conforme já

expresso no CC/1919, com o escopo de imitar a família biológica.77

74 RIBEIRO, Alex Sandro. A adoção no novo código civil. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3302>. Acesso em: 25 jan. 2006. 75 RIBEIRO, Alex Sandro. A adoção no novo código civil. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3302>. Acesso em: 25 jan. 2006. 76 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 328. 77 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 328.

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O CC/2002 não trouxe modificações profundas sobre a

adoção de crianças e adolescentes, já previstas no ECA.78 Wilson Donizeti

Liberati apresentou as principais características e efeitos da adoção atualmente:

Hoje, todas as adoções revestem-se das principais características e efeitos: a) são judiciais; b) definidas por sentença constitutiva; c) assistidas pelo Poder Público; d) protegidas pela irrevogabilidade do vínculo a partir da publicação da sentença constitutiva; e) mantêm-se os vínculos de parentesco entre o adotado e os adotantes, entre o adotante e os descendentes do adotado e entre o adotado e todos os parentes do adotante, com todas as obrigações resultantes dessa relação, como o dever de alimentos, direitos sucessórios, direito de visita, etc.; f) manutenção do vínculo consangüíneo do adotado com os pais e parentes naturais (biológicos) para efeito de impedimentos matrimoniais; g) revogabilidade do consentimento dos pais biológicos ou responsáveis até a publicação da sentença constitutiva de adoção; h) que sejam realizadas no interesse da criança e do adolescente.79

Também no ano de 2002, instituiu-se, oficialmente, o Dia da

Adoção (Lei n. 10.447/2002). O projeto de lei foi sancionado pelo Presidente

Fernando Henrique Cardoso, nascendo assim, oficialmente, o Dia Nacional da

Adoção, sendo este o dia 25 de maio.80

E para findar a evolução legislativa da adoção no Brasil,

cumpre mencionar o Projeto n. 6.960, de 2002, que sugere a modificação de 300

artigos do Código Civil atual. Essas alterações pertencentes ao projeto têm como

fundamento o fato de o legislador considerar lacunosa e confusa nossa atual

codificação. Dentre os pontos importantes dentro da adoção, cabe destacar que

ele acrescenta parágrafos aos artigos 1.618, 1.623 e 1.626, por exemplo,

buscando assim, acabar com as lacunas e confusões existentes.81

78 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 33. 79 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 35. 80 BRASIL. Lei 10.447, de 9 de maio de 2002. Institui o Dia Nacional da Adoção. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002L10447.htm>. Acesso em: 25 de nov. 2005. 81 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 330-332.

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Assim, cumprida a análise da historicidade do instituto da

adoção, é possível estabelecer o seu conceito e natureza jurídica no direito pátrio.

1. 2 CONCEITUAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DA ADOÇÃO

A palavra adoção tem sua origem no latim, adoptio, cujo

significado é “dar seu próprio nome a, pôr um nome em; tendo, em linguagem

mais popular, o sentido de acolher alguém.” Em italiano, temos a palavra

adozione, em francês, adoption, em espanhol, adopción, em alemão Einkindung,

em inglês, adoption, e assim por diante.82

Mister se faz buscar o conceito no âmbito jurídico, tendo

como liame a legislação atual. Após, então, será possível adentrar na natureza

jurídica da adoção.

1. 2.1 Conceituação

Vários foram os juristas que definiram a adoção. Dessa

maneira, serão apresentadas algumas dessas definições e, finalmente, definir-se-

á uma delas para ser seguida como conceito operacional desse estudo.

Orlando Gomes assim define a adoção:

Adoção é o ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural da procriação, o vínculo de filiação. Trata-se de ficção legal, que permite a constituição, entre duas pessoas, do laço de parentesco do primeiro grau na linha

reta.83 (Grifo no original)

Conceitua Maria Helena Diniz:

A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para a sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. [...] É uma ficção

82 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 17. 83 GOMES, Orlando. Direito de família. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 369.

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legal que possibilita que se constitua entre o adotante e o adotado um laço de parentesco de 1° grau na linha reta.84

Arnold Wald também conceitua a adoção como uma ficção

jurídica que cria o parentesco civil. Trata-se de ato jurídico e bilateral, “que gera

laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste

naturalmente.”85

Nas palavras de Antônio Chaves:

[...] ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos da Lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vínculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeitos limitados e sem total desligamento do adotando da sua família de sangue.86

Marmitt desenvolveu um conceito diversificado de adoção:

“É, portanto, um instituto jurídico-protetivo através do qual o adotante outorga o

estado de filho ao adotado, gerando efeitos pessoais e sucessórios idênticos aos

da filiação consangüínea.”87

Num contexto acerca da conceituação e finalidade da

adoção, João Seabra, apud Liberati, assim afirma:

[...] “podemos definir a adoção como inserção num ambiente familiar, de forma definitiva e com a aquisição de vínculo jurídico próprio da filiação, segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram ou são desconhecidos, ou, não sendo esse o caso, não podem ou não querem assumir o desempenho das suas funções parentais, ou são pela autoridade competente, considerados indignos para tal”.88 (Aspas no original)

84 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. 5. vol. p. 423. 85 WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 154. 86 CHAVES, Antônio. Adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 23. 87 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 8-9. 88 DINIZ, João Seabra. Adoção. Notas para uma visão global, in Abandono e Adoção – Contribuições para uma cultura da Adoção I, p. 67, apud LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 19-20.

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Tendo sido apresentados os principais conceitos, servirá de

base a essa pesquisa aquele desenvolvido pela doutrinadora Maria Helena

Diniz89. Assim, definido o conceito de adoção, cabe agora estabelecer sua

natureza jurídica.

1. 2.2 Natureza jurídica

A definição acerca da natureza jurídica da adoção sempre

gerou divergências no mundo jurídico. A dificuldade em delimitar a natureza

jurídica da adoção no direito pátrio está na origem do ato, e na sua natureza.90

O CC/1916 classificava a natureza jurídica da adoção como

negocial, tendo em vista a exigência da legalização através de escritura pública e

do consenso que deveria existir entre as partes. Já o ECA e o CC/2002, devido à

exigência de sentença judicial e da intervenção do Estado, apresentam um ato

jurídico sem caráter contratual.91 Dessa forma, apresentam-se duas correntes

quando se fala em natureza jurídica da adoção: a privatista e a publicista.92

A corrente privatista defende a idéia de que a adoção é um

negócio jurídico de natureza contratual, sendo também conhecida como corrente

contratualista. Entendem a adoção como sendo um ato bilateral, produzindo seus

efeitos a partir do mútuo consentimento das partes.93 Alguns doutrinadores

adeptos da corrente contratualista: Pontes de Miranda, Caio Mário da Silva

Pereira, Carvalho Santos, Clóvis Bevilacqua, Orlando Gomes e Sílvio

Rodrigues.94

Em contrapartida, com a criação do ECA (1990), a adoção

passa a ser considerada como uma instituição, que tem sua natureza jurídica na

constituição do vínculo de paternidade e filiação, vínculo este irrevogável, que se

89 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 423. 90 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 300. 91 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 300. 92 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: doutrina e prática. p. 17-18. 93 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 21. 94 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: doutrina e prática. p. 17-18.

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dá através de sentença judicial. Desaparece o vínculo biológico ou natural e surge

o vínculo adotivo. 95 Dentre os seguidores da corrente publicista, pode-se citar os

juristas: Jones de Figueiredo Alves e José Lázaro Alfredo Guimarães.96 Nesse

sentido, Liberati conclui:

Assim, não há como discordar desses ilustres professores quando analisam a adoção como um instituto de ordem pública, cuja autoridade e importância do interesse juridicamente tutelado prevalecem sobre a vontade e manifestação dos interessados, vez que o novo ordenamento legal impõe uma condição de validade para o ato: a sentença judicial. Nela, o juiz não imporá decisum

apenas homologatório ao acordo das partes, mas atuará como Poder do Estado. Na realidade a sentença firmada pelo juiz tem caráter constitutivo, resolvendo ou não a mudança do vínculo de paternidade e filiação.97 (Grifo no original)

O caráter institucional da adoção pode ser percebido nas

palavras de Arnaldo Marmitt, que ressalta a importância do caráter humanitário da

adoção:

No atual estágio evolutivo a adoção é instituto essencialmente assistencial. Visa dar proteção ao dotado, familiarizando-o no lar de uma nova família, adaptando-o a uma novel ambiência familiar e igualizando-o em tudo a um filho legítimo do adotante, com todas as implicações humanas, legais e sociais pertinentes. A adoção caracteriza-se atualmente como instituto de solidariedade social, com singular conteúdo humano, impregnado que está de altruísmo, de carinho e de apoiamento.98

Este estudo segue a corrente moderna que defende a

adoção como uma instituição de ordem pública, e não como um mero contrato

que depende apenas da anuência das partes, mas também de sentença judicial.

Assim, especificada a natureza jurídica da adoção, resta agora esclarecer os

requisitos e os aspectos processuais da adoção no direito pátrio.

95 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 22-23. 96 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: doutrina e prática. p. 18-19. 97 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 23-24. 98 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 10.

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CAPÍTULO 2

DO PROCESSO DE ADOÇÃO NO BRASIL

Após um estudo geral sobre o instituto da adoção, resta

agora explicar todo o processo que a lei brasileira determina para se chegar a

uma sentença que defira ou não a adoção, bem como todos os requisitos exigidos

para tanto. Neste capítulo, tratar-se-á dos requisitos e dos aspectos processuais

da adoção no direito pátrio. Far-se-á, ainda, um breve estudo acerca da

concepção moderna de família, seu conceito e sua atual função.

2.1 REQUISITOS DA ADOÇÃO E ASPECTOS PROCESSUAIS

Inicialmente, cumpre destacar que é imprescindível o

cumprimento de alguns requisitos para que se possa ingressar com uma ação de

adoção. Estes requisitos estão previstos no atual Código Civil (Lei n. 10.406/2002)

e no Estatuto da Criança e do adolescente, conhecido como ECA (Lei n.

8.069/90).

2.1.1 Requisitos para a adoção

Conforme já exposto, tendo a adoção cunho social e caráter

humanitário, não poderá ela ser efetivada se não oferecer real benefício ao

menor. Assim preconiza o CC/2002:

Art. 1.625. Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando.

Neste sentido, Maria Helena Diniz ensina a respeito do

requisito do efetivo benefício ao adotando, previsto do CC/2002:

[...] apenas será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando (CC, art. 1.625), visto que não há adoção intuito

personae, pois o juiz é quem terá o poder-dever de optar pela família substitutiva adeqüada e não os pais da criança a ser

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adotada, e muito menos os adotantes. O Poder Judiciário é que analisará a conveniência ou não, para o adotando, e os motivos em que se funda a pretensão dos adotantes, ouvindo, sempre que possível, o adotando, levando em conta o parecer do Ministério Público. O juiz deverá agir com prudência, verificando se os adotantes têm condições morais e econômicas de proporcionar um pleno e saudável desenvolvimento físico e mental do adotando.99

Num primeiro momento, o CC/2002 tentou estabelecer quais

pessoas poderiam adotar. Assim, associou a maioridade civil a esta capacidade,

sendo que só as pessoas maiores de 18 anos podem adotar, independentemente

de seu estado civil (artigo 1.618).100

O CC/2002 não dispõe nada a respeito da adoção pleiteada

por irmãos ou ascendentes do adotando. Nesse sentido, Venosa entende que

deve ser mantida a proibição prevista no ECA, vedando a adoção pelos

ascendentes ou pelos irmãos do adotado (artigo 42, § 1°)101, sendo que já existe

um vínculo biológico e natural entre eles.102

Conforme o CC/2002, a adoção poderá ser efetivada pelo

maior de 18 anos (artigo 1.618), isoladamente, ou pelo casal, no caso de

matrimônio ou união estável, desde que um deles já tenha completado 18 anos,

devendo ser comprovada também a sua estabilidade familiar (artigo 1.618,

parágrafo único).

Com relação à idade, o CC/2002 ainda estabelece uma

diferença mínima de idade entre o adotante o adotado, sendo que o adotante

deverá ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado.103

99 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. 5. vol. p. 504. 100 Artigo 1.618. Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar. 101 Artigo 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. § 1° Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. 102 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 315. 103 Art. 1619. O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado.

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O tutor e o curador poderão adotar o pupilo ou o curatelado,

mas somente após prestarem contas de sua administração e saldarem seus

débitos (artigo 1.620, CC/2002):

Art. 1.620. Enquanto não der contas de sua administração e não saldar o débito, não poderá o tutor ou o curador adotar o pupilo ou curatelado.

O CC/2002, em seu artigo 1.622, proíbe que alguém seja

adotado por mais de uma pessoa. Porém, ainda no mesmo artigo, há uma única

exceção: é o caso da adoção realizada por duas pessoas que sejam marido e

mulher ou que vivam em união estável:

Art. 1.622. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável.

Maria Helena Diniz destaca os efeitos de uma adoção

cumulativa, ou seja, realizada por mais de uma pessoa:

Se, porventura, alguém vier a ser adotado por duas pessoas (adoção cumulativa) que não sejam marido e mulher, prevalecerá tão-somente a primeira adoção, sendo considerada nula a segunda, caso contrário ter-se-ia a situação absurda de um indivíduo com dois pais ou duas mães.104

Ainda nesse sentido, o parágrafo único do artigo 1.622 do

CC/2002, prevê a possibilidade de adoção conjunta pelos divorciados e

judicialmente separados desde que acordem sobre a guarda e o regime de

visitas, e que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da

sociedade conjugal. Alex Sandro Ribeiro define essa possibilidade de adoção

conjunta:

Em relação aos cônjuges ou companheiros, eis a única hipótese em que se permite a adoção por mais de uma pessoa. O mesmo casamento também autoriza a adoção conjunta, embora iniciado o estágio de convivência na constância da sociedade conjugal, venham ulteriormente se divorciar ou se separar judicialmente os

104 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 425.

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cônjuges, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas.105

Existe, ainda, a possibilidade de um dos cônjuges ou

companheiros adotar o filho do outro, sendo mantidos os vínculos de filiação e de

parentesco (artigo 1.626, parágrafo único, CC/2002). Assim ensina Maria Helena

Diniz:

Se um dos cônjuges ou conviventes adotar o filho do outro, os vínculos de adoção entre o adotado e o cônjuge ou companheiro e de parentesco entre os respectivos parentes (CC, art. 1.626) serão mantidos. Ter-se-á, aqui, uma adoção unilateral.106

O CC/2002 atribui ao adotado a situação de filho legítimo,

situação esta já prevista na CFRB/88 (artigo 227, § 6°), excluindo assim todos os

seus vínculos com os pais e parentes consangüíneos, exceto quanto aos

impedimentos para o casamento (artigo 1.626, caput).

Depende a adoção do consentimento dos pais ou

representantes legais de quem se deseja adotar, sendo que este também deve

consentir com a adoção, se já tiver completado 12 anos de idade (artigo 1.621,

CC/2002). No caso de pais desconhecidos ou que tenham sido destituídos do

poder familiar, será dispensado o consentimento destes (artigo 1.621, § 1°,

CC/2002). Porém, tal consentimento é revogável até a publicação da sentença

que constituir a adoção (artigo 1.621, § 2°, CC/2002). Também é dispensado o

consentimento do representante legal do menor, no caso de infante exposto ou de

órfãos que não forem procurados por parentes há mais de um ano, desde que

provado este fato.107

A possibilidade de revogação do consentimento foi, sem

dúvida, uma inovação trazida pelo CC/2002. Essa inovação permite o

105 RIBEIRO, Alex Sandro. A adoção no novo código civil. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3302>. Acesso em: 25 jan. 2006. 106 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 426. 107 RIBEIRO, Alex Sandro. A adoção no novo código civil. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3302>. Acesso em: 25 jan. 2006.

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desfazimento da adoção antes do trânsito em julgado da sentença, conforme

explica Wilson Donizeti Liberati:

A revogabilidade do consentimento dos pais ou representante legal da criança ou adolescente foi uma inovação na nova lei. O novo Código Civil contemplou essa obrigação no caput do art. 1.621. Inova, porém, o novo Código, no § 2° do citado artigo quando determina que o consentimento previsto no caput é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção. Pela norma, surge a possibilidade de desfazimento da adoção antes do trânsito em julgado da sentença.108 (Grifo no original)

Para finalizar, o CC/2002 deixou de disciplinar a adoção por

estrangeiros. Ele apenas estabeleceu, em seu artigo 1.629, que a adoção por

estrangeiros obedecerá aos casos e condições estabelecidos em lei, ou seja, as

disposições constantes no ECA e nas Convenções Internacionais que estiverem

integradas à nossa legislação.109 A seguir, será tratado sobre os aspectos

processuais da adoção.

2.1.2 Aspectos processuais da adoção

O CC/2002 estabelece, em seu artigo 1.623, que a adoção

será realizada através de processo judicial.110 No entanto, a competência para

apreciação dos pedidos de adoção da criança ou adolescente é da Justiça da

Infância e da Juventude ou do juiz que exerce essa função, de acordo com a lei

de Organização Judiciária do local (artigos 146 e 148, III, do ECA). Essa

competência possui natureza absoluta, sendo assim inderrogável.111

Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o Juiz que exerce essa função, na forma da Lei de Organização Judiciária local.

108 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 38. 109 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 39. 110 Artigo 1.623. A adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste Código. 111 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 256.

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Nos casos de adoção de maiores de 18 anos, a competência

é da Vara da Família, onde o magistrado irá analisar se os requisitos legais foram

cumpridos e se a adoção é conveniente para o adotado.112 E, tendo em vista o

relevante interesse público no processo de adoção, é indispensável a assistência

do Ministério Público113, tanto na adoção de menores de idade, quanto na adoção

de maiores de 18 anos (artigo 1.623, parágrafo único, do CC/2002).114

De acordo com o artigo 147 do ECA, a competência quanto

ao local para ingresso do pedido de adoção será determinada: pelo domicílio dos

pais ou responsáveis e pelo lugar onde se encontra o adotando, na falta dos pais

ou responsáveis.115

O ECA deixou de estabelecer um rito específico para o

processo de adoção. Porém, caso restem configuradas as situações previstas no

artigo 166 do ECA, o procedimento seguirá a jurisdição voluntária, sendo regido

pelos artigos 164 a 170 do ECA, procedimento este que serve também para os

casos de guarda e de tutela.116 Assim preconiza o artigo 166 do ECA:

Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do pátrio poder, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório em petição assinada pelos próprios requerentes.

Parágrafo único. Na hipótese de concordância dos pais, eles serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações.

Entretanto, há ainda a possibilidade de a jurisdição seguir o

procedimento contencioso, quando se tratar de adoção contraditória, isto é,

112 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 429. 113 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 318. 114 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 429. 115 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 256. 116 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 260.

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quando uma das partes apresentar algum tipo de resistência. Neste caso, seguirá

o rito ordinário.117

Nesse sentido, constitui-se em pressuposto básico ao

processo de adoção a destituição do pátrio poder, cujo procedimento deverá

seguir o disposto na Seção II, Capítulo III, Título IV do ECA. A ação será intentada

pelo Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse (aqueles que

preencham os requisitos para a adoção: os maiores de 18 anos,

independentemente do estado civil, mantida a diferença de 16 anos entre

adotante e adotado, e desde que não sejam ascendentes ou irmãos;

companheiros que desejam adotar conjuntamente, desde que provada a

estabilidade familiar; o tutor ou curador, após prestar contas de sua

administração)118, devidamente representado por um advogado. Importante

observar que existe a possibilidade de cumulação dos pedidos de destituição do

pátrio poder com o de adoção.119

No caso de cumulação da destituição do pátrio poder-dever com adoção, nenhuma incompatibilidade existe entre os pedidos, o juízo competente será o da Vara da Infância e da Juventude e o procedimento a seguir o previsto no art. 155 e seguintes do ECA, correspondente ao procedimento ordinário do Código de Processo Civil e , com ele, o que oferece a mais ampla possibilidade de defesa possível.120 (Grifo no original)

Para dar início ao processo propriamente dito, a peça inicial

deverá conter o pedido do autor e seus fundamentos jurídicos, devendo ser

observados os requisitos dos artigos 156 e 165 do ECA e 282 do Código de

Processo Civil. Ainda quanto à petição, esta deverá ser instruída com os

117 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 162. 118 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 5° vol. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 486-488. 119 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 263. 120 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 259.

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documentos indispensáveis à propositura da ação, ou seja, aqueles que servem

de base ao pedido (artigo 283, do CPC).121

De forma didática e sucinta importa relacionar a principal documentação que a boa instrução do feito reclama, e que impende seja anexada já de início, se possível, ou no decorrer da tramitação da causa: a) certidão de nascimento, comprovadora da idade superior a 21 anos, se o requerente for solteiro; b) certidão de casamento, se o postulante for um casal; c) certidão de óbito, se o requerente for viúvo ou viúva; d) certidão de reconhecimento judicial de concubinato, se o requerente for concubino, podendo a prova também ser produzida no decorrer da demanda, por outras modalidades, inclusive a testemunhal; e) certidão da sentença de separação judicial ou de divórcio, se o requerente for separado ou divorciado; f) certidão comprovadora de que o estágio de convivência iniciou na constância da sociedade conjugal, e convenção relativa à guarda e ao regime de visitas; g) folha de antecedentes e prova de idoneidade moral; h) atestado de residência; i) prova de idoneidade financeira, calcada na declaração de renda do adotante ou outro escrito hábil; j) prova da prestação de contas de sua administração e de ter saldado o seu alcance, quando o requerente for tutor ou curador do adotando; k) atestado médico no sentido de que o adotante não sofre de moléstia contagiosa; l) certidão de nascimento do adotando, se possível, e declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendas do menor; m) prova de habilitação do adotante estrangeiro, conforme leis de sua pátria, e comprovação do estudo psicossocial feito por agência especializada e credenciada no seu país de origem; n) prova do consentimento dos pais ou representantes legais do adotando; o) atestado de óbito dos genitores, para o pedido poder ser feito diretamente em cartório, e assinado pelos próprios requerentes;

121 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 257.

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p) prova da destituição do pátrio poder, através de certidão da sentença irrecorrível, também para que a pretensão possa ser formulada em cartório, e firmada pelos postulantes.122

Importante destacar que, independentemente do

procedimento a ser seguido, o pedido deverá ser feito por meio de petição,

subscrita por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB). O Código de Processo Civil assim estabelece:

Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do juiz.

Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.

Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso.

Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica.

Após a análise do conjunto probatório, cabe ao juiz decidir

através de sentença fundamentada, demonstrando as vantagens, benefícios e

interesses em prol do menor, e a própria legitimidade da pretensão.123

A sentença concessiva da adoção tem caráter constitutivo,

devendo ser inscrita no registro civil, mediante mandado do qual não se fornecerá

122 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 85-86. 123 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 176.

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certidão. Através da inscrição, será consignado o nome dos adotantes como pais,

e bem assim o nome de seus ascendentes, com o objetivo de criar um parentesco

natural. O mandado judicial cancelará o registro original do adotando e será

arquivado. Não poderá constar nenhuma informação sobre a origem do ato nas

certidões do registro e, se o magistrado entender conveniente, poderá fornecer

uma certidão para a salvaguarda de direitos. Na sentença será conferido ao

adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação

do prenome.124

Os efeitos da adoção serão produzidos após o trânsito em

julgado da sentença, salvo na hipótese de adoção nuncupativa125 ou post mortem

(artigo 42, § 5°, do ECA)126, onde terá efeito retroativo à data do óbito.127 A

adoção post mortem será permitida somente na condição de que à época do

falecimento do adotante o procedimento de adoção já estivesse em andamento,

através de requerimento do próprio adotante.128

Porém, segundo o entendimento do doutrinador Arnaldo

Marmitt, é possível dizer que a sentença possui caráter constitutivo e

desconstitutivo ao mesmo tempo:

A sentença final é, ao mesmo tempo, constitutiva e desconstitutiva. Faz nascer um novo estado civil para o adotando, e desfaz o estado civil que anteriormente titulava. Constitui um registro e desconstitui outro. Em outros termos, faz com que seja lavrado um outro assentamento, onde constem os nomes dos pais e avós adotivos, inclusive com alteração do prenome, se

124 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 429. 125 “Adota nuncupativamente quem no exercício pleno de sua capacidade de decidir, mediante qualquer forma, declara ser pai de uma criança socialmente reconhecida como seu filho”, in DAHER, Marlusse Pestana. Adoção nuncupativa . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2371>. Acesso em: 06 mar. 2008. 126 Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. § 5º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença. 127 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 266. 128 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 513.

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requerido, e simultaneamente faz com que seja cancelada a certidão de nascimento original do adotando.129

A adoção só irá consumar-se com o assento da sentença

constitutiva, sendo necessário, para isso, a averbação no registro de nascimento

do adotado (artigo 10, III do CC/2002; artigos 29, § 1°, “e”, e 105 da Lei n.

6.015/73), quando deverá ser apresentada a petição acompanhada da decisão

judicial.130

Da sentença que concede ou não a adoção é cabível

recurso de apelação, no prazo de dez dias, tendo sido adotado o sistema recursal

do Código de Processo Civil, com algumas adaptações (artigo 198 do ECA).

Assim, Tarcísio José Martins Costa apresenta algumas especificações referentes

aos recursos:

Assim, os recursos: a) serão interpostos independentemente de preparo, no prazo de 10 dias; b) terão preferência de julgamento, dispensando revisor; c) a apelação, que subirá após despacho fundamentado de reforma ou manutenção da sentença, proferido no prazo de cinco dias, será recebida no efeito devolutivo; d) quando interposta contra sentença que deferir a adoção por estrangeiro, será também conferido efeito suspensivo e, a juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.131

Ainda existe a possibilidade de o magistrado reformar sua

sentença (juízo de retratação)132, com base no artigo 198, VII, do ECA133. A

reforma da decisão ou sentença poderá ocorrer caso o magistrado se convença 129 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 59-60. 130 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 429. 131 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. p. 266. 132 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 61. 133 Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude fica adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e suas alterações posteriores, com as seguintes adaptações: [...] VII - antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso de apelação, ou do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão, no prazo de cinco dias.

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das razões do recorrente ou do equívoco do prolator, antes do trânsito em julgado

da sentença. Tal procedimento tem como objetivo abreviar o término da causa e

evitar a remessa dos autos à instância superior.134 Neste sentido, antes da

aplicação de qualquer medida por parte do magistrado, é cabível a análise do

Código de Processo Civil, que estabelece:

Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:

I - para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo;

II - por meio de embargos de declaração.

Entretanto, essas regras tornam-se inaplicáveis após o

trânsito em julgado da sentença. Isso se justifica tendo em vista que, pelo ECA, a

sentença é constitutiva e irrevogável, fazendo coisa julgada material. Após seu

trânsito em julgado, a sentença só pode ser desconstituída através de ação

rescisória135, nos termos do artigo 485 do Código de Processo Civil:

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;

III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV - ofender a coisa julgada;

V - violar literal disposição de lei;

Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;

Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;

134 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 60. 135 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 61.

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VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;

IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.

§ 1o Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.

§ 2o É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.

A adoção ainda pode ser considerada inexistente, nula ou

anulável. Apontam-se como casos de inexistência da adoção: falta de

consentimento do adotado e do adotante; falta de objeto; e falta de processo

judicial com a intervenção do Ministério Público. Poderá tornar-se judicialmente

nula, a adoção, quando violadas as prescrições legais do artigo 166, V e VI, do

CC/2002. Será nula quando o adotante não tiver mais de 18 anos, e não existir a

diferença de pelo menos dezesseis anos de idade entre adotante e adotado;

quando duas pessoas que não são casadas adotarem a mesma pessoa; quando

o tutor ou curador não prestou contas; e quando houver vício resultante de

simulação.136

Já os casos de anulabilidade da adoção são: falta de

assistência do representante legal ao consentimento do adotado relativamente

incapaz; ausência de anuência da pessoa sob cuja guarda esteja o menor ou

interdito; consentimento manifestado apenas pelo adotado relativamente incapaz;

vícios de erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo ou fraude contra credores; e

falta de consentimento do cônjuge do adotante ou adotado.137

É claro, também, que a adoção, como qualquer outro ato ou negócio jurídico, fica sujeita a nulidades ou anulabilidades, dentro das regras gerais. Nessas ações, geralmente serão interessados o adotante e o adotado, embora possa haver interesses de terceiros para essas ações, parentes, sucessores e legatários. O

136 CHAVES, Antônio. Adoção. p. 380-381, apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 435. 137 CHAVES, Antônio. Adoção. p. 380-381, apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 435-436.

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prazo prescricional para a ação decorrente de anulabilidade é de 10 anos (artigo 205 do Código Civil atual). O negócio nulo não prescreve (artigo 169, do mesmo diploma).138

Quanto à extinção, poderá ocorrer de quatro maneiras: pela

deserção, através de testamento, causando assim o rompimento do efeito

sucessório da adoção (artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do CC/2002); pela

indignidade, ou seja, pela existência de casos que autorizem a exclusão do

adotado ou adotante da sucessão (artigo 1.814 do CC/2002); pelo

reconhecimento judicial do adotado pelo pai biológico; ou pela morte do adotante

ou do adotado, sendo que neste caso os efeitos da adoção sobrevivem.139

2.2 FAMÍLIA: CONCEITUAÇÃO, CONCEPÇÃO MODERNA E SUA ATUAL

FUNÇÃO

Conforme nos traz o ilustre doutrinador Arnaldo Rizzardo, a

etimologia da palavra família é encontrada no sânscrito, tendo sido convertida

para a língua latina, e assim leciona:

A etimologia da palavra, segundo a autora Áurea Pimentel Pereira, é encontrada no sânscrito, que a converteu para a língua latina: “O radical fam corresponde àquele outro dhã, da língua ariana, que dá idéia de fixação, ou de coisa estável, tendo da mudança do ‘dh’ em ‘f’ surgido, no dialeto do Lácio, a palavra faama, depois famulus (servo) e finalmente familia, esta última a definir, inicialmente, o conjunto formado pelo pater familias, esposa, filhos, e servos, todos considerados, primitivamente, como integrantes do grupo familiar, daí Ulpiano, no ‘Digesto’, já advertir que a palavra ‘família’ tinha inicialmente acepção ampla, abrangendo pessoas, bens e até escravos.”140 (Aspas no original)

ENGELS nos traz alguns esclarecimentos acerca da palavra

família:

138 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 326. 139 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 429. 140 PEREIRA, Áurea Pimentel. A Nova Constituição e o Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1990. p. 22, apud RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 11.

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ENGELS esclarece que a palavra família não pode mesmo ser aplicada, em princípio, aos próprios romanos, ao casal e aos filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo e família era o conjunto de escravos pertencentes a um mesmo homem. Ainda no tempo de Caio, a família id est patrimonium (quer dizer, parte da herança) era transmitida testamentariamente. Segundo esse autor, a expressão foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social cujo chefe tinha sob suas ordens a mulher, os filhos e um certo número de escravos, submetidos ao poder paterno romano, com direito de vida e morte sobre todos eles. Essa família seria baseada no domínio do homem, com expressa finalidade de procriar filhos de paternidade inconstestável, inclusive para fins de sucessão. Foi a primeira forma de família fundada sobre condições não naturais, mas econômicas, resultando no triunfo da propriedade individual sobre a compropriedade espontânea primitiva.141

Assim, antes de se tomar conhecimento a respeito da

importância da família sócio-afetiva, deve-se fazer um breve estudo acerca da

conceituação de família, sua moderna concepção e função.

2.2.1 Conceituação de família

Vários doutrinadores definiram a família, e assim, serão

apresentadas algumas dessas definições, sendo estas sob o foco desse estudo.

Caio Mário da Silva Pereira designa a família nos seguintes

termos:

Na verdade, em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos. Aí se exerce a autoridade paterna e materna, participação na criação e na educação, orientação para a vida profissional, disciplina do espírito, aquisição dos bons ou maus hábitos influentes na projeção social do indivíduo. Aí se

141 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 307, 10 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>. Acesso em: 06 mar. 2008 apud ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, trad. Abgnar Bastos. Rio de Janeiro: Calvino, 1944. p. 80-85.

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pratica desenvolve em mais alto grau o princípio da solidariedade doméstica e cooperação recíproca.142

Já Arnaldo Rizzardo entende que a família, em seu sentido

atual, pode ser conceituada de forma estrita e de forma ampla:

No sentido atual, a família tem um significado estrito, constituindo-se pelos pais e filhos , apresentando certa unidade de relações jurídicas, com idêntico nome e o mesmo domicílio e residência, preponderando identidade de interesses materiais e morais, sem expressar, evidentemente, uma pessoa jurídica. No sentido amplo, amiúde empregado, diz respeito aos membros unidos pelo laço sangüíneo, constituída pelos pais e filhos, nestes incluídos os ilegítimos ou naturais e os adotados.143

Para Carlos Alberto Bittar, no sentido que interessa ao

direito, a família se constitui por vínculos biológicos ou naturais, que se dão

através da união dos pais, com o casamento. Esse vínculo deve fundar-se em

aspectos morais, religiosos, sociais e filosóficos, onde há a união do corpo e da

alma de dois seres.144

Nos dizeres de Maria Berenice Dias, encontramos um novo

foco dado ao conceito de família:

Ocorreu um alargamento conceitual da família, que passou a ser vivenciada como um espaço de afetividade, destinado a realizar os anseios de felicidade de cada um. Os elos de convivência, que levam ao enlaçamento de vidas e ao embaralhamento de patrimônios, fazem surgir comprometimentos mútuos e responsabilidades recíprocas. Esse é o verdadeiro sentido que deve prevalecer na identificação das relações familiares: transformar cada um do par em “responsável por quem cativa” como já afirmava Saint-Exupéry, o

142 PEREIRA, Caio Mário da SIlva. Instituições de Direito Civil. 16. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 5. vol. p. 04. 143 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 11. 144 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. 2. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 45-46.

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que leva ao reconhecimento de um maior número de direitos e à imposição de mais deveres de um para com o outro.145

Dentre os conceitos aqui apresentados, este desenvolvido

por Maria Berenice Dias será o conceito operacional utilizado nesta pesquisa.

Sendo a família um instituto pertinente ao Direito de Família,

procurar-se-á verificar sua atual concepção e, conseqüentemente, sua função

diante da atual conjuntura social.

2.2.2 Concepção moderna de família

O Estado, ao longo da história, buscou o estabelecimento da

instituição matrimonializada nas relações familiares, sendo o matrimônio

considerado como união divina, que era abençoada pelos céus. A família possuía

conceito sacralizado, que era primeiramente apreendido pela religião. No

conceito de matrimônio eram inseridas as questões morais, impondo-se, assim,

deveres que, se fossem descumpridos, havia penalidades, além do impedimento

de dissolução dessa união. Modelo este patriarcal, englobando somente vínculo

heterossexual.146

No entanto, mesmo com a imposição de penalidades, a

família sofreu profundas transformações, causadas por movimentos sociais que

ocorreram ao longo da história:

Sobreveio o pluralismo das entidades familiares, e as novas estruturas de convívio escaparam às normatizações existentes. O distanciamento entre Estado e Igreja culminou na busca de referenciais outros para a mantença das estruturas convencionais. Sem o freio da religião, valores precisaram ser prestigiados, e a moral e a ética foram convocadas como formas de adequação do

145 DIAS, Maria Berenice. Era uma vez, in PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, Ética e Família e o novo Código civil brasileiro: anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em Belo Horizonte, de 24 a 27 de setembro de 2003. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 18. 146 DIAS, Maria Berenice. A ética do afeto . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 668, 4 maio 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6668>. Acesso em: 06 mar. 2008.

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convívio social. Esses os paradigmas que começaram a ser invocados para tentar conter a evolução dos costumes.147

Desta monta, foram excluídas das legislações o conteúdo

formal e a concepção de família como sendo apenas aquela formada pelo

casamento civil, incluindo apenas os filhos havidos durante a sua vigência. Os

filhos adotivos, e aqueles havidos fora da relação matrimonial perdem a

caracterização de ilegítimos, não havendo mais a distinção entre família legítima e

ilegítima, já que estas se tornaram sinônimos de ordem legal e social. 148 A

estrutura familiar sofreu profundas alterações, deixando esta de estar subordinada

a um chefe:

[...] afastam-se os conceitos de família que colocam os seus membros numa posição de subordinação a um chefe, dada a igualdade hierárquica do homem e da mulher no grupo formado. Na verdade, nem mais de hierarquia se cogita entre pais e filhos, eis que a relação do genitor com a prole passou a ter nova conotação, diferentemente de outrora, quando era absoluto o poder do primeiro. Firmou-se uma paridade entre pais e filhos, [...].149

As mudanças nas relações de família são notáveis, surgindo

novos conceitos, que priorizam o sentimento afetivo e o convívio familiar:

Há consideráveis mudanças nas relações de família, passando a dominar novos conceitos em detrimento de valores antigos. Nesta visão, têm mais relevância o sentimento afetivo e o mero convívio. Em tempos que não se distanciam muito, recorda-se como se insistia na convivência do casal, mantendo-se muitos casamentos apenas formalmente, pois nada mais representavam no seu conteúdo pessoal e afetivo. [...].150

Com o advento da CRFB/88, grandes transformações

ocorreram no sistema jurídico brasileiro, e com isso também mudaram muitos dos

147 DIAS, Maria Berenice. A ética do afeto . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 668, 4 maio 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6668>. Acesso em: 06 mar. 2008. 148 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 13. 149 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 13. 150 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 13.

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conceitos das relações familiares. O foco do legislador que foi sempre voltado ao

Estado, passou a focar o indivíduo e a própria coletividade, contemplando de

forma ampla os direitos individuais. A família foi reconhecida como base da

sociedade, e passou a receber toda a proteção jurídica do Estado, tendo em vista

sua fundamental importância na formação dos indivíduos.151

Merecem destaque alguns dos aspectos relacionados às

transformações trazidas pela CRFB/88, e que expandiram a proteção à família:

A Constituição de 1988 expande a proteção do Estado à família, promovendo a mais profunda transformação que se tem notícia, entre as Constituições mais recentes de outros países. Alguns aspectos merecem ser salientados: a) a proteção do Estado alcança qualquer entidade familiar, sem restrições, explícita ou implicitamente tutelada pela Constituição; b) a família, entendida como entidade, assume claramente a posição de sujeito de direitos e obrigações; c) os interesses das pessoas humanas, integrantes da família, recebem primazia sobre os interesses patrimonializantes; d) a natureza sócioafetiva da filiação prevalece sobre a origem exclusivamente biológica; e) consuma-se a igualdade entre os gêneros e entre os filhos; f) reafirma-se a liberdade de constituir, manter e extinguir entidade familiar e a liberdade de planejamento familiar, sem imposição estatal; g) a família configura-se no espaço de realização pessoal e da dignidade humana de seus membros.152

Aquela estrutura familiar, antes considerada tradicional, que

destacava-se pelo aspecto patrimonial, agora funda-se em outros aspectos,

sendo estes a solidariedade, a cooperação e o respeito por cada um de seus

membros, cada qual com suas obrigações a fim de manter uma convivência

pacífica. Os interesses patrimoniais perderam seu lugar de destaque, dando

espaço à realização gerada pelo afeto. Tudo isso levou a uma repersonalização

151 MELO, Edson Teixeira de. Princípios constitucionais do Direito de Família . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1213, 27 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9093>. Acesso em: 06 mar. 2008. 152 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 307, 10 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>. Acesso em: 06 mar. 2008.

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das relações familiares, abrindo espaço para os variados tipos de entidades

familiares.153

Nesse âmbito, com o reconhecimento das entidades

familiares, surge uma nova concepção de família, conforme nos traz Maria

Berenice Dias:

Será que hoje em dia alguém consegue dizer o que é uma família normal? Depois que a Constituição trouxe o conceito de entidade familiar, reconhecendo não só a família constituída pelo casamento, mas também a união estável e a chamada família monoparental – formada por um dos pais com seus filhos - , não dá mais para falar em família, mas em famílias. Casamento, sexo e procriação deixaram de ser os elementos identificadores da família. Na união estável, não há casamento mas há família. O exercício da sexualidade não está restrito ao casamento – nem mesmo para as mulheres – , pois caiu o tabu da virgindade. Diante da evolução da engenharia genética e dos modernos métodos de reprodução assistida, é dispensável a prática sexual para qualquer pessoa realizar o sonho de ter um filho.154

Nessa nova concepção de família, não há mais o requisito

do casamento para que seja considerada legítima, sendo as relações firmadas na

sinceridade e no companheirismo:

Hoje, a família, base da sociedade desde os mais remotos tempos, não mais precisa recorrer-se ao casamento para legitimar-se, sendo respeitada e protegida pelo Estado àquela nascida pela livre e espontânea vontade dos conviventes; não deixou o casamento de ser aquele ato formal, gerador de efeitos e emanador de direitos e deveres familiares, mas deixou de ser o requisito fundamental para o surgimento da família e ao reconhecer esta realidade em sede constitucional, o legislador avançou significativamente, permitindo que milhares e milhares de famílias, antes sem amparo legal, encontrassem guarida no novo

153 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 307, 10 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>. Acesso em: 06 mar. 2008. 154 DIAS, Maria Berenice. Família normal? . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1656, 13 jan. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10844>. Acesso em: 06 mar. 2008.

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ordenamento jurídico. Reconheceu-se com a Carta de 1988 a realidade social e a importância das chamadas uniões livres, que por muito tempo não foram protegidas pela lei por serem consideradas uma afronta ao sistema familiar brasileiro, mas que geravam efeitos no mundo jurídico que não podiam mais ser ignorados como havia sido feito em tempos antigos. Graças a ousadia do constituinte, hoje, os filhos são todos iguais, não comportando mais qualquer distinção, não sofrendo mais com o estigma social da discriminação. Da mesma forma, o homem e a mulher encontram-se em pé de igualdade, não aceitando-se mais a prevalência masculina, visto que ambos são capazes e iguais perante a lei. Temos uma família mais igualitária, libertária, solidária e fraterna, [...]; menos hipócrita, primando pela sinceridade e pelo companheirismo, sem a opressão e a prepotência passadas.155

Verifica-se, assim, que um novo modelo familiar foi imposto

pela sua existência, independentemente de previsão legal, e que a família

permanece como base da sociedade e desfruta da proteção do Estado, de onde

surge a importância de sua atual função perante a sociedade. Este será o objeto

da pesquisa no próximo tópico.

2.2.3 Função atual da família

Toda estrutura social tem como base a família, a qual recebe

proteção do Estado, por ser ela a responsável pela formação da personalidade

dos indivíduos, através da convivência num ambiente onde prevaleça a

moralidade, o respeito mútuo e o afeto entre seus integrantes, permitindo assim o

desenvolvimento das potencialidades de cada um e preparando-os para conviver

em sociedade.156

No decorrer da história, sempre se atribuiu à família variadas

funções, de ordem política, econômica, religiosa e de procriação, todas de acordo

com as transformações que a família foi sofrendo ao longo do tempo. A estrutura

patriarcal predominou durante séculos, donde o poder masculino (tanto marital

155 RIBEIRO, Simone Clós Cesar. As inovações constitucionais no Direito de Família . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3192>. Acesso em: 06 mar. 2008. 156 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. p. 47.

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como patriarcal) era legitimado. Quanto às funções de ordem política e religiosa,

estas permanecem apenas como fonte histórica, não vigorando na família

atual.157

A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram ou desempenham papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua.158

Segundo Carlos Alberto Bittar, a família é considerada célula

vital na estrutura de uma sociedade, merecendo regulamentação especial do

direito de família:

[...] tem-se na família a célula vital do organismo social, merecendo as relações dela decorrentes a regulamentação especial no direito de família, com os objetivos já assinalados. [...] Observe-se que o casamento não é, nos dias que correm, a única fonte geradora de família, a ele equiparando-se tanto a união estável quanto a família monoparental.159

Arnaldo Rizzardo afirma que a família adquiriu autonomia e

liberdade para organizar-se e escolher seus modos de vida, e que não se adite a

interferência de estranhos, alheios a essa relação familiar. No entanto, essa

autonomia limita-se à observância dos princípios de direito e das normas

estabelecidas pela legislação vigente:

Realmente, desde que não afetados princípios de direito ou o ordenamento legal, à família reconhece-se a autonomia ou liberdade na sua organização e opções de modo de vida, de trabalho, de subsistência, de formação moral, de credo religioso,

157 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 307, 10 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>. Acesso em: 06 mar. 2008. 158 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 307, 10 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>. Acesso em: 06 mar. 2008. 159 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. p. 48.

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de educação dos filhos, de escolha de domicílio, de decisões quanto à conduta e costumes internos. Não se tolera a ingerência de estranhos – quer de pessoas privadas ou do Estado – , para decidir ou impor no modo de vida, nas atividades, no tipo de trabalho e de cultura que decidiu adotar a família. [...].160

As alterações constitucionais aplicadas ao direito de família,

bem como aquelas concernentes ao CC/2002, demonstram e ressaltam a função

social da família no direito pátrio: igualdade dos cônjuges e dos filhos; poder de

decisão do juiz em conceder a guarda a quem apresentar melhores condições de

exercê-la, assim como suspender ou destituir os pais do poder familiar, quando

não cumprirem com seus deveres; reconhecimento do direito de alimentos aos

companheiros; etc. 161

Reinventando-se socialmente, reencontrou sua unidade na affectio, antiga função desvirtuada por outras destinações nela vertidas, ao longo de sua história. A afetividade, assim, desponta como elemento nuclear e definidor da união familiar, aproximando a instituição jurídica da instituição social. A repersonalização das relações jurídicas de família é um processo que avança, notável em todos os povos ocidentais, revalorizando a dignidade humana, e tendo a pessoa como centro da tutela jurídica, antes obscurecida pela primazia dos interesses patrimoniais, [...]. A repersonalização, posta nesses termos, não significa um retorno ao vago humanismo da fase liberal, ao individualismo, mas é a afirmação da finalidade mais relevante da família: a realização da dignidade de seus membros como pessoas humanas concretas, em suma, do humanismo que só se constrói na solidariedade, com o outro.162

Diante do estudo feito neste capítulo, tem-se que os rumos

tomados pela história acabaram por alterar a própria legislação naquilo que se

refere à família, e à sua forma de constituição. Novos moldes foram surgindo

160 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 15-16. 161 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. vol. VI. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 19. 162 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 307, 10 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>. Acesso em: 06 mar. 2008.

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pouco a pouco, e hoje o que temos é uma diversidade de modelos familiares, dos

quais ainda muito se discute nos tribunais e no direito pátrio. E neste contexto,

surge uma nova concepção de família: aquela decorrente da união de pessoas do

mesmo sexo, com o intuito de formar uma família que se constitui através do

vínculo da adoção. Situação esta bastante discutível perante o judiciário e perante

a própria sociedade, e causadora de grandes polêmicas. Este será o tema do

terceiro capítulo, objeto precípuo dessa pesquisa.

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CAPÍTULO 3

A RELAÇÃO HOMOAFETIVA E A POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO

A adoção por casais homossexuais está cercada de grandes

dificuldades, tanto sociais quanto jurídicas. Entretanto, existe a necessidade

social de ver tais dificuldades superadas, buscando assim diminuir a polêmica que

envolve o assunto. Deve-se analisar a situação tendo como foco o maior benefício

da criança e do adolescente.

Com o intuito de listar tais dificuldades, neste capítulo, serão

delimitados, de forma objetiva, e sem intenção de esgotar o tema, alguns pontos

de discussão: o reconhecimento da relação homoafetiva no direito brasileiro,

trazendo os conceitos de homossexualidade, bem como um breve panorama

histórico da homossexualidade no Mundo e no Brasil, e a situação da relação

homoafetiva no direito brasileiro; os aspectos favoráveis e desfavoráveis da

adoção homoafetiva; e o entendimento dos tribunais brasileiros acerca do tema

em questão.

3.1 O RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO HOMOAFETIVA NO DIREITO

BRASILEIRO

Antes a discorrer sobre o reconhecimento da relação

homoafetiva no Brasil, é necessário conhecer alguns conceitos sobre a

homossexualidade.

3.1.1 Conceitos de homossexualidade

Etimologicamente, a palavra homossexual é formada pela

junção dos vocábulos “homo” ou “homoe” e “sexu”, possuindo origem grega.

Homo significa semelhante, e sexu é relativo ao mesmo sexo. Desta feita, a

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junção das duas palavras indica a prática sexual entre pessoas do mesmo

sexo.163

Maria Berenice Dias assim explica:

O vocábulo “homossexualidade” foi criado pela médica húngara Karoly Benkert e introduzido na literatura técnica no ano de 1869. É formado pela raiz da palavra grega homo, que quer dizer “semelhante”, e pela palavra latina sexus, passando a significar “sexualidade semelhante”. Exprime tanto a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter, como também significa a sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo sexo.164 (Grifo no original)

A doutrinadora Taísa Ribeiro Fernandes conceitua a

homossexualidade como sendo a inclinação sexual de um indivíduo, seja homem

ou mulher, que sente-se atraído exclusivamente por outros do mesmo sexo:

Homossexual é o indivíduo cuja inclinação sexual é voltada para uma pessoa do mesmo gênero, o homem que se sente atraído por outro homem e a mulher que se sente atraída por outra mulher. É alguém que não nega sua formação morfológica, entretanto seu interesse e sua atividade sexual são voltados, direcionados exclusivamente para quem tem o mesmo sexo que o seu.165

No tocante ao tema em questão, Jaime P. Stubrin leciona:

Ser homossexual significa que o objeto do desejo de um sujeito é uma pessoa de seu mesmo sexo, e que suas relações e fantasias sexuais são fundamentalmente com pessoas de seu mesmo sexo. É, afinal, uma parte da identidade. Mas, isso é essencialmente patológico? Quem escolhe sua orientação sexual? O heterossexual a escolhe? O homossexual a escolhe? Tudo é acaso, dizia Freud, e cito John Money quando diz: ‘um homem ou uma mulher heterossexual não chega a ser

163 A união homoafetiva em perspectiva . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., maio 2006. Disponível em: < http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao011/atila_sonego.htm >Acesso em: 12 mar. 2008 . 164 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. 2. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 37. 165 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 21.

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heterossexual por preferência. Não há opção, não há planejamento. Chegar a ser heterossexual é algo que acontece – um exemplo do caminho no qual as coisas são, como ser alto ou baixo, canhoto ou destro, daltônico ou não. Ser homossexual não é uma preferência, como não o é ser heterossexual’.166 (Grifo no original)

A doutrinadora Ana Carla Harmatiuk Matos entende que o

homossexualismo trata-se de uma opção daquelas pessoas que só encontram

realização afetiva, amorosa e sexual quando as realizam com um parceiro do

mesmo sexo, encontrando aí, também, a sua felicidade.167

Após a apresentação de alguns dos conceitos que se têm

acerca da homossexualidade, vale sintetizar com o entendimento de Maria

Berenice Dias:

Independentemente de a orientação sexual se basear em fatores biológicos ou fisiológicos, inquestionavelmente é uma característica pessoal e se insere em uma aura de privacidade cercada de garantias constitucionais. A valorização da dignidade da pessoa humana, elemento fundamental do estado democrático de direito, não pode chancelar qualquer discriminação baseada em características pessoais individuais. Repelindo-se qualquer restrição à liberdade sexual, não se pode admitir desrespeito ou prejuízo a alguém em função da sua orientação sexual. Como a homossexualidade é uma característica inata, integrando a própria estrutura biológica da pessoa, o seu não-reconhecimento e a falta de atribuição de direitos constituem cerceamento da liberdade e uma verdadeira forma de opressão.168

Apontados alguns conceitos acerca da homossexualidade

humana, passar-se-á, agora, a exposição de um breve panorama histórico da

homossexualidade no mundo e no Brasil.

166 STUBRIN, Jaime P. A psicanálise e as homossexualidades. In "Homossexualidade: formulações psicanalíticas atuais". Roberto B. Graña (Org.). Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 66. 167 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 07. 168 DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 97-98.

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3.1.2 Breve panorama histórico da homossexualidade no Mundo e no Brasil

A homossexualidade sempre esteve presente na história da

humanidade, desde que o mundo é mundo. Já existia entre os povos selvagens, e

nas antigas civilizações: entre os romanos, egípcios, gregos e assírios.169 É uma

realidade que sempre fez parte da sociedade, desde as origens da humanidade,

sendo tão antiga quanto à heterossexualidade, embora nunca tenha sido aceita

socialmente, apenas tolerada.170

A homossexualidade teve sua maior expressão na Grécia, já

que o relacionamento entre homens era considerado mais nobre e mais estético

que o heterossexual.171 A mitologia grega retratou famosos casais homossexuais,

como Zeus e Gramimede, e Aquiles e Patroclo, fora os constantes raptos de

jovens por Apolo. A heterossexualidade era considerada como uma necessidade

reservada à procriação, enquanto que a homossexualidade era tida como uma

necessidade natural, digna de ambientes cultos, uma legítima manifestação da

libido.172

Nas Olimpíadas, era proibida a presença das mulheres na

arena, pois não tinham capacidade para apreciar o belo, sendo que os atletas

competiam nus, numa arena onde só havia homens. Nas representações teatrais,

os papéis femininos eram desempenhados por homens travestidos ou com

máscaras.173

Os relacionamentos masculinos tinham maior destaque,

sendo muito comum as relações de pedofilia, já que havia um rito de iniciação

sexual para os adolescentes:

169 PINTO, Flavia Ferreira. Adoção por homossexuais . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 29 mar. 2008.

170 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 27. 171 PINTO, Flavia Ferreira. Adoção por homossexuais . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 29 mar. 2008. 172 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 28. 173 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 28.

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As atitudes sexuais eram sobretudo referentes aos amores masculinos e tinham como modelo relações pedofílicas, que constituíam verdadeiro rito de iniciação sexual para os adolescentes, nominados de efebos, sendo uma honra para um jovem ser escolhido. O preceptor era um modelo de sabedoria, geralmente um guerreiro, que se dispunha a transmitir seus conhecimentos, tanto que a obra de Platão explora o amor dos rapazes por meio de adquirir sabedoria.174 (Grifo no original)

Em Roma, a homossexualidade era tolerada, recaindo a

censura apenas no caráter passivo da relação daqueles que prestavam favores

sexuais:

Em Roma, a homossexualidade era tolerada, vista no mesmo nível que as relações entre casais, entre amantes ou de senhor e escravo. No entanto, aqueles que prestavam favores sexuais a outros homens eram igualados a escravos, não possuíam qualquer relevância social, recaindo sobre eles o preconceito e a censura oficial de Roma, uma vez que figuravam no pólo passivo da relação.175

Entre os gregos e os romanos, não havia discriminação

quanto à homossexualidade, pois o que realmente importava era a estética

corporal, ou seja, a valorização do belo.176

Vale destacar que nesse período a homossexualidade

também se fazia presente entre as mulheres, porém com muito pouco destaque,

já que não possuíam prestígio social, da mesma maneira que os escravos.177

Frise-se que outras civilizações também tiveram destaque

no que se refere à homossexualidade, como os muçulmanos e os orientais, que a

consideravam uma prática natural, que satisfazia os prazeres humanos. Merecem

174 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 29. 175 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p. 38 176 BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Parcerias homossexuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2002. p. 31. 177 DAGNESE, Napoleão. Cidadania no armário: uma abordagem sócio-jurídica acerca da homossexualidade. São Paulo: LTr, 2000. p. 13.

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destaque, nessa época, as obras Mil e Uma Noites e Kama Sutra, oriundas

destas civilizações, as quais previam a prática da homossexualidade.178

Já na Idade Média, a prática da homossexualidade era muito

comum em mosteiros e acampamentos militares, locais estes em que os homens

eram mantidos em regime de confinamento, ficando isolados do resto do

mundo.179

No entanto, com o advento do cristianismo, mudou

completamente a visão social sobre as relações entre os sexos, especialmente no

que se refere à homossexualidade.180 A Bíblia defendia a preservação dos grupos

étnicos, como forma de sobrevivência de culturas e religiões. A Igreja Católica via

no homossexualismo uma aberração, uma transgressão à ordem natural, uma

verdadeira perversão:

A Igreja Católica considera o homossexualismo uma verdadeira perversão, uma aberração da natureza. Tem, até hoje, como antinaturais a masturbação e o sexo infértil. Qualquer tipo de relação sexual prazerosa é vista como uma transgressão à ordem natural. O contato sexual é restrito ao casamento e exclusivamente para fins procriativos. Daí a condenação ao homossexualismo, principalmente ao masculino, por haver perda do sêmen, enquanto o relacionamento entre mulheres era considerado mera lascívia, [...]. 181

Nesse período, a Igreja Católica teve como referência a

filosofia natural de São Tomás de Aquino, o qual acreditava que o sexo destinava-

se apenas à procriação, sendo considerado pecado qualquer prática sexual com

diferente finalidade. Via-se na procriação uma forma de ocupar os vazios

178 DAGNESE, Napoleão. Cidadania no armário: uma abordagem sócio-jurídica acerca da homossexualidade. p. 15. 179 PINTO, Flavia Ferreira. Adoção por homossexuais . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 29 mar. 2008. 180 PINTO, Flavia Ferreira. Adoção por homossexuais . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em: 29 mar. 2008. 181 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 30.

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geográficos, sendo assim o matrimônio considerado como um remédio dado ao

homem para preservá-lo dos pecados da carne.182

Na Idade Média o matrimônio foi transformado em

sacramento, e a prática homossexual foi punida com maior rigor, tendo em vista a

forte atuação da Santa Inquisição. A Igreja considerava o homossexualismo como

o mais grave dos crimes, inclusive sendo criadas leis para penalizar tal prática;

detinha domínio sobre a sociedade, já que acreditava-se que representava a voz

de Deus, e dessa forma, seus dogmas e mandamentos eram aceitos pelo povo.

Com tamanha influência, levou à intolerância da prática homossexual, com

severas punições para quem viesse a cometer tal pecado183:

[...] O III Concílio de Latrão, em 1179, tornou o homossexualismo crime. As legislações dos séculos XII e XIII penalizavam a sodomia – inexistia na época o termo homossexualismo –, sendo que o primeiro código ocidental prescreveu a pena de morte para a sua prática. A expressão vox populi, vox Dei tinha o sentido de que qualquer atitude em descompasso com a maioria estava em desarmonia com a vontade divina e, por conseqüência, as minorias deveriam ser castigadas por implícito atentado a Deus. Como por meio de evangelização, se ditava a voz de Deus, conseqüentemente era a palavra da Igreja que acabava sendo a voz do povo. Essa fórmula garantia o domínio da Igreja, assegurando a aceitação de seus dogmas e mandamentos.184 (Grifo no original)

Após longo período, com o enfraquecimento da influência

exercida pela Igreja Católica, diversas mudanças sociais ocorreram, fazendo

surgir uma sociedade mais tolerante à prática homossexual. Assim, o sentimento

de culpa com aquilo que antes era visto como um grande pecado diminuiu, e o

prazer sexual deixou de ser visto como um crime. O casamento foi perdendo seu

caráter sacramental, dando espaço a novas formas de convívio, deixando de ser

182 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 31. 183 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 31-32. 184 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 31.

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vistas com repúdio pela sociedade, já que o afeto passou a ter maior valor nas

relações de convivência e familiares.185

Com esse novo panorama social, vários movimentos foram

liderados, a fim de mudar as conceituações existentes para as relações

homossexuais. Assim, o homossexualismo passou a ser melhor compreendido

socialmente, e os posicionamentos contrários a este fenômeno passaram a ser

questionados. 186

A emergência da sexualidade foi assinalada pela popularização da autodeterminação gay, que sugere colorido, abertura e legitimidade. O termo também trouxe uma referência à sexualidade como uma propriedade e qualidade individual. [...]187 (Grifo no original)

No Brasil, tornaram-se comuns as passeatas organizadas

pelos adeptos ao homossexualismo, assim como os simpatizantes, recebendo a

nomenclatura de Parada do Orgulho Gay, realizadas hoje em diversas capitais do

país, e que reúnem milhares de pessoas em todos esse locais. Passeatas estas

que tem por objetivo constatar que o preconceito sofrido pelos homossexuais é

mais prejudicial à sociedade do que ao próprio homossexualismo em si.188

A busca da despatologização da homossexualidade visa a defini-la como simples variante natural da expressão sexual humana, um comportamento que determina uma maneira de viver diferente. A proliferação dos chamados movimentos libertários, estruturados de forma articulada, tem procurado a aceitação dessa nova realidade [...]189

Após a apresentação, de forma breve, da evolução histórica

da homossexualidade no Mundo e no Brasil, cabe destacar os aspectos jurídicos

do direito brasileiro que dizem respeito ao tema em questão, seguindo, assim, o

foco desta pesquisa.

185 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 33. 186 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 33. 187 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 33-34. 188 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 34. 189 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 35.

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3.1.3 A relação homoafetiva no direito brasileiro

A realidade das uniões homoafetivas é fato inegável no

direito brasileiro. Nos dias atuais esse número vem aumento, face à liberdade de

escolha de parceiros sexuais, buscando a convivência fundada no amor,

independentemente do sexo. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro ainda

não prevê amparo legal para esses casais, que permanecem à margem da lei e

do preconceito social.190 O que se encontra é a realidade dos fatos impondo-se ao

Direito, que não evoluiu em tal ritmo.191

Faz-se necessário a criação de uma lei que trate do assunto,

assim como as questões que circundam o mesmo, e que aguardam análise.

Nesse sentido, essencial é que se volte o Direito à análise dos valores e

princípios que norteiam as relações sociais, desprendendo-se do pensamento

positivista e dos preceitos legais. 192

No direito pátrio, não há qualquer medida legal que venha a

proteger os direitos fundamentais dos homossexuais.193 A lei brasileira estabelece

que, quando do nascimento da pessoa, sua identidade sexual seja identificada,

através do registro civil do nascimento. E dessa forma, o Estado determina quem

nasce homem e quem nasce mulher, impondo à pessoa sua situação jurídica.194

Da mesma forma, o reconhecimento jurídico do casamento

se dá pelo estado individual da pessoa, sendo aceito somente aquele realizado

entre homem e mulher. O CC/2002 deixa evidenciado que trata-se de ato jurídico

a ser realizado entre homem e mulher. Também a CRFB/88 nada define quanto

190 MASCHIO, Jane Justina. A adoção por casais homossexuais. Jus Navegandi, Tersina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2764. Acesso em: 12 mar. 2008. 191 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. p. 68. 192 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. p. 68. 193 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 56. 194 THOMAZ, Thiago Hauptmann Borelli. União homossexual: reflexões jurídicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3930>. Acesso em: 12 de maio de 2008.

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ao assunto, tratando a sociedade conjugal como aquela em que os direitos devem

ser exercidos pelo homem e pela mulher (artigo 226, §5°). Assim, tratando-se de

ato inexistente no mundo jurídico, e não possuindo requisito essencial para sua

existência, pode-se dizer que o casamento entre homossexuais é ato

juridicamente inexistente, ficando à mercê da manifestação do Poder Judiciário.195

No tocante ao Código Civil de 2002, a união homoafetiva ainda está no plano do não-reconhecimento, pois não houve a inclusão legislativa expressa. Tal lacuna pode ser compreendida, observando-se, em certa medida, os problemas de atualização de um texto legal que começou a ser pensado na década de 70, para, somente agora, ter sua aprovação verificada. As discussões acerca do tema da não discriminação por orientação sexual no campo de Direito de Família ganhou mais visibilidade só recentemente, nos anos 90, o que talvez explique a sua ausência nas discussões do projeto do Código Civil.196

No entanto, frente à ausência de dispositivos legais que

protejam a relação de casais formados por pessoas do mesmo sexo, onde há

uma vida em comum, divisão de despesas, laços de afetividade, os efeitos

jurídicos dessa união são dignos de reconhecimento. Assim, mesmo sendo na

prática verdadeira entidade familiar, a união homossexual é considerada uma

sociedade de fato (artigo 1.363 do CC/1916; artigo 981 do CC/2002), a qual busca

amparo no Direito das Obrigações, visto não encontrar subsídios no Direito de

Família. Ressalte-se que a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal197 tem sido

aplicada por analogia aos casais homossexuais198.

Nesse sentido, Ana Carla Harmatiuk Matos destaca:

195 THOMAZ, Thiago Hauptmann Borelli. União homossexual: reflexões jurídicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3930>. Acesso em: 12 de maio de 2008. 196 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. p. 81. 197 Súmula 380. Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. 198 THOMAZ, Thiago Hauptmann Borelli. União homossexual: reflexões jurídicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3930>. Acesso em: 12 de maio de 2008.

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Um aspecto negativo da forma de solução jurídica por intermédio da sociedade de fato está na questão de se ocultar o caráter afetivo, aspecto central da relação, sendo esse fator considerado irrelevante. A tutela dos interesses dos parceiros, num viés de inserção tão forçada, está dentro de um contexto que esconde a realidade vivificada. Tal solução, ainda que parcialmente eficaz, não é condizente com a visibilidade pretendida pelos movimentos homossexuais na busca de sua melhor aceitação social, [...].199

Maria Berenice Dias completa:

A verdadeira aversão da doutrina dominante e da jurisprudência majoritária em se socorrer das leis que regem a união estável ou o casamento tem levado tão-só ao reconhecimento de uma mera sociedade de fato. Sob o fundamento de evitar enriquecimento injustificado, invoca-se o Direito das Obrigações, o que acaba subtraindo a possibilidade da concessão, para o mesmo suporte fático, do externo leque de direitos que existe na esfera do Direito de Família.200

Merece destaque o Projeto de Lei n° 1.151/95, apresentado

à Câmara pela Deputada Marta Suplicy, que busca disciplinar a união civil entre

pessoas do mesmo sexo. O Deputado Roberto Jefferson apresentou um

substitutivo a este projeto, que recebeu parecer favorável em 10 de dezembro de

1996.201 Projeto este que foi alvo de fortes resistências oriundas da bancada

católica e evangélica da Câmara dos Deputados, ficando parado nessa Casa

Legislativa. Frise-se que não houve qualquer avanço do projeto citado, já que o

mesmo permanece parado, sem qualquer avanço.202

Algumas constituições estaduais e leis orgânicas municipais

estão inserindo dispositivos que proíbem a discriminação sexual: Constituições

199 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. p. 75-76. 200 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 86-87. 201 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 57. 202 THOMAZ, Thiago Hauptmann Borelli. União homossexual: reflexões jurídicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3930>. Acesso em: 12 abr. 2008.

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dos Estado de Mato Grosso e Sergipe, Lei Orgânica do Município de Porto Alegre

e de outros 74 Municípios gaúchos.203

A CRFB/88, em seu artigo 3°, incisos I e IV e artigo 5°,

caput, e inciso X, assim prevê:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;[...]. 204

O mesmo diploma legal, em seu artigo 226, § 3°, exige a

diversidade de sexos para configuração da união estável. Tal dispositivo confronta

o princípio constitucional anteriormente citado, visto tratar-se de nítida

discriminação à orientação sexual. Nesse sentido, Maria Berenice Dias completa:

No mesmo feixe normativo não há como reconhecer a possibilidade de conviverem normas que elejam a diferenciação do sexo como elemento discriminante para merecer a proteção estatal. Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de

203 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 58. 204 BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial. p. 13-152.

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qualquer natureza, aí está incluída a opção sexual que se tenha. [...]205

Infelizmente, a sonhada conquista legislativa encontra

entraves de ordem pejorativa e discriminatória, estes sustentados por

oposicionistas que utilizam-se de argumentos de proteção à família, ao bem do

país, à natureza humana e religiosa. Enquanto que os defensores da união

homoafetiva defendem a garantia dos Direitos Humanos e cidadania.206

Maria Berenice Dias entende que a omissão legal está em

descompasso com a realidade fática do direito pátrio:

A omissão legal não pode ensejar negativa de direitos a vínculos afetivos que não tenham a diferença de sexo como pressuposto. [...]. Qualquer discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo configura claro desrespeito à dignidade humana, a infringir o princípio maior imposto pela Constituição Federal. Infundados preconceitos não podem legitimar restrições a direitos, e causar sentimento de rejeição, sendo fonte de sofrimentos a quem não teve a liberdade de escolher nem mesmo o destino de sua vida. [...].207

Notória é a resistência da Justiça em relação às uniões

homossexuais, o que dificulta ainda mais identificá-las como entidade familiar.

Ainda que a sociedade não aceite essa nova realidade sem conflitos, deve o

Direito acompanhar o momento social. O fato de o casal ser formado por pessoas

do mesmo sexo não permite que sejam-lhes negados os direitos assegurados aos

heterossexuais. Ainda que alguns Tribunais já tenham decidido de forma

diferenciada, ainda há muito a se fazer nesse sentido.208

205 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 84. 206 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. p. 130-131. 207 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 84. 208 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 93-103.

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A atualidade histórica exige do legislador uma interpretação

ampla do caso em concreto, que envolva não somente a lei positivada, mas

também os valores e princípios vivenciados pela sociedade atual.209

Indispensável que se reconheça que os vínculos homoafetivos – muito mais do que as relações homossexuais – configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito. Está na hora de o Estado, que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana, reconhecer que todos os cidadãos dispõem do direito individual à liberdade, do direito social de escolha e do direito humano à felicidade.210

Após a apresentação de breves apontamentos acerca da

atual situação da relação homoafetiva no direito pátrio, cabe agora adentrar no

tema principal desta pesquisa, quais sejam, os aspectos favoráveis e

desfavoráveis da adoção homoafetiva.

3.2 ADOÇÃO NA RELAÇÃO HOMOAFETIVA: ASPECTOS FAVORÁVEIS E

DESFAVORÁVEIS

Diante de todas as discussões que envolvem a relação

homoafetiva, adentraremos agora no tópico principal desta pesquisa, ou seja, a

possibilidade de adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos.

Tema este gerador de grande polêmica no mundo jurídico, já que tanto a doutrina

quanto a legislação e a própria jurisprudência, ainda não firmaram entendimento

pacificado nesse sentido. As opiniões se dividem, e muitas delas se fundam no

forte preconceito que ainda envolve o assunto.

Assim, serão abordados os aspectos favoráveis e

desfavoráveis da adoção homoafetiva, tendo como fundamento argumentos

legais, doutrinários e jurisprudenciais.

3.2.1 Aspectos desfavoráveis

209 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos e sociais. p. 145. 210 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 103.

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As dificuldades que se apresentam no que concerne à

interpretação da Lei 8.069/90 (ECA) desafiam o intérprete quanto ao princípio do

melhor interesse da criança. Não estamos diante de lacunas na lei, mas sim

diante de um princípio legal. Diante dessa situação, cabe ao jurista a busca de

subsídios que o levem a uma orientação coerente das questões que se

apresentam. Deve nesse momento, analisar a realidade fática vivida pela

sociedade naquele momento.

No entanto, muitos são os positivistas que ainda se mantém

firmes em seus posicionamentos, encarando de forma moral a real situação fática

que se apresenta, podendo destacar-se os nomes de Arnaldo Marmitt, Débora

Vanessa Caús Brandão, Selma Drummond Carvalho, Fernanda de Almeida Brito

e Wilson Donizeti Liberati. Assim, encontramos muitos argumentos contrários à

adoção por casais homossexuais, conforme será demonstrado.

Arnaldo Marmitt, entende serem os casais homossexuais

pessoas “contra-indicadas” para adotar, e afirma:

A boa reputação do adotante é ponto a seu favor, e pressuposto de uma exitosa adoção. [...]. Se de um lado não há impedimentos contra o impotente, não vale o mesmo quanto aos travestis, aos homossexuais, às lésbicas, às sádicas, etc., sem condições morais suficientes. A inconveniência e a proibição condiz mais com o aspecto moral, natural e educativo.211

Débora Vanessa Caús Brandão, também entende pela

impossibilidade de adoção pelos casais homossexuais, argumentando a

possibilidade de transtorno psicológico ao menor, pelo fato de ser criado por

homossexuais. E completa:

Antes de tudo, convém a exploração dos aspectos psicológicos relativos ao tema, posto que os parceiros, por mais que se relacionem intimamente sob o mesmo teto, não conseguem imitar

211 MARMITT, Arnaldo. Adoção. p. 111-113.

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a natureza humana como homem e mulher, nos papéis de pai e mãe.212

Selma Drummond Carvalho corrobora:

Da relação homossexual pode resultar satisfação afetiva e pessoal, sem relevância, no entanto para o Poder Público, porque dali não são gerados filhos. Isso porque, se filhos houver, receberão tutela do Direito de Família, mas a relação da qual se originaram será formada entre uma das partes e um terceiro, e não aquela homossexual, por razões fisiológicas. Nem poderá ter por mãe homossexual do sexo masculino a criança adotada, em face do necessário estabelecimento de ‘papéis’ para a formação psíquica da criança, como largamente é tratado o tema pela psicologia.213 (Grifo no original)

Fernanda de Almeida Brito entende que a adoção

homoafetiva não deveria ser possível, embora não haja impedimento legal, pois o

adotado teria um referencial desvirtuado dos modelos de pai e mãe, fora os

problemas sociais causados pelo preconceito, e até represálias e chacotas por

parte de terceiros, podendo acarretar em prejuízos psicológicos ao adotado.214

No tocante aos efetivos danos psicológicos causados pela

adoção por homossexuais, Maria Berenice Dias observa:

Como as relações sociais são marcadas predominantemente pela heterossexualidade, é enorme a resistência em face da crença de haver um dano potencial futuro por ausência de referências comportamentais, e por conseqüência, a possibilidade de ocorrerem seqüelas de ordem psicológica.215

Assim, cabe ao Poder Público zelar pela proteção do menor

a ser adotado, levando em conta seu aspecto psicológico e afetivo, quando da

212 BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Parcerias homossexuais. p. 91. 213 CARVALHO, Selma Drummond. Casais homossexuais: questões polêmicas em matérias civis, previdenciárias e constitucionais. Revista Jurídica Consulex, ano IV, n.° 47, 30 de novembro de 2000. 214 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. São Paulo: LTr, 2000. p. 55. 215 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 109.

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avaliação das pessoas que se habilitam à adoção, e não apenas dos pares

homossexuais, mas para todos os casos.216

[...] Também causa apreensão a possibilidade de a criança ser alvo de repúdio no meio que freqüenta ou vítima do escárnio por parte de colegas e vizinhos, o que lhe poderia acarretar perturbações de ordem psíquica.217

Nesse sentido, dispõe a Lei 8.069/90 (ECA) sobre o assunto:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Ainda, merece destaque o artigo 227 da CRFB/88, que

prevê o dever do Estado em assegurar à criança e ao adolescente a proteção dos

seus direitos fundamentais: direito à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à

convivência familiar, entre outros.218 Direitos estes que devem ser assegurados, e

que, segundo Roger Raupp Rios poderiam ser deixados de lado, no caso de

adoção por casal homossexual.219

Nesse liame, Luiz Carlos de Barros Figueiredo destaca o

artigo 6° do ECA:

Com efeito, a regra hermenêutica básica do Estatuto é aquela contida no seu art. 6° quando disciplina: “art. 6°. Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e

216 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz da lei 8.971/94 e da lei 9.278/96. Curitiba: Juruá, 1996. p. 181 217 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 115. 218 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 110-111. 219 RIOS, ROGER RAUPP. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 131.

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coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.220 (Grifo no original)

E completa:

Como se observa, o que se propõe neste estudo é que análise se faça pelo interesse superior da criança, sem descurar que situações concretas relativas aos adotantes (inclusive sua orientação sexual), devam ser consideradas. [...]. Tratando-se de pretendente homossexual, como já referenciado anteriormente, a própria realidade social dos pais recomenda que a análise prévia seja bastante criteriosa para não expor a criança (e o próprio adotante) à sanha preconceituosa de parcela da população.221

Do mesmo modo, também deve ser levado em conta o artigo

43 da referida Lei, dispondo que a adoção será deferida apenas quando auferir

reais vantagens ao menor e fundar-se em motivos legítimos.222 O referido

dispositivo legal é a melhor solução para a polêmica que envolve o assunto, já

que deve o magistrado atentar-se aos reais benefícios ao menor.223

Wilson Donizeti Liberati acrescenta que a adoção por casais

homossexuais fere dispositivos legais, contidos na CRFB/88, no Código Civil e no

ECA. Acredita que a dificuldade nesse tipo de adoção reside em questões morais

da própria sociedade, que ainda não se acostumou com as novas formas de

relações afetivas, até porque recentemente é que saiu de um sistema

exclusivamente patriarcal.224

Vale lembrar que o novo Código Civil repete, no art. 1.622, as disposições constantes do §5° do art. 226 da CF, do §1° do art. 41 e § 2° do art. 42 do ECA, referente à adoção conjunta deferida a um homem e a uma mulher. Diz o art. 1.622: “ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher”. A discussão que se faz, neste caso, é da possibilidade ou não da

220 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. p. 84-85. 221 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. p. 100-101. 222 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. p. 90-91. 223 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 36-37. 224 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 36.

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adoção por homossexuais. Tem-se como certo de que a família recebeu nova identificação a partir da leitura do §4° do art. 226 da CF.225

Luiz Carlos de Barros Figueiredo aponta outra questão que

impossibilita a adoção por casais homossexuais, por entender que nesse caso

não existe a formação de entidade familiar:

Por fim, nesta questão de adoção a favor de homossexuais há que se referenciar a IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA DE SUA CONCESSÃO A FAVOR DE CASAIS HOMOSSEXUAIS. A Constituição Federal em seu art. 226, §3° reconhece como Entidade Familiar a união estável entre um homem e uma mulher, [...].226 (Grifo no original)

Nessa linha de entendimento, Venosa entende pela

impossibilidade de casais homossexuais adotarem de forma conjunta, por não

serem legalmente reconhecidos como entidade familiar:

Não há qualquer restrição quanto ao estado civil do adotante: pode ser solteiro, divorciado, separado judicialmente, viúvo, concubino. A adoção, como percebemos, pode ser singular ou conjunta. A adoção conjunta é admitida por casal em matrimônio ou em união estável, entidade familiar reconhecida constitucionalmente. Se não são ainda os companheiros homoafetivos reconhecidos como entidade familiar, a eles não é dado adotar conjuntamente.227

Outro ponto a ser destacado diz respeito ao registro civil do

adotado, sendo que a legislação supõe a diversidade de sexo do casal adotante,

ou seja, o nome do pai e da mãe, não podendo ser registrado como filho de dois

pais ou de duas mães (art. 47, §1º do ECA).228

Assim, tendo em vista os argumentos expostos, percebe-se

que são vários os argumentos utilizados pelos doutrinadores, todos eles fundados

225 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 36. 226 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. p. 94. 227 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 315. 228 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 111.

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em preceitos legais, psicológicos e até técnicos, dos quais se pode extrair o

posicionamento contrário à adoção homoafetiva. A seguir, serão apresentados os

aspectos favoráveis da adoção homoafetiva, levando em conta o posicionamento

de juristas e doutrinadores, e após, serão colacionadas jurisprudências

encontradas sobre o presente caso.

3.2.2 Aspectos favoráveis

Apesar de tratar-se de tema tão polêmico, e do qual ainda

não há entendimento pacificado, encontramos muitos doutrinadores e juristas que

se posicionam a favor da adoção homoafetiva, e que buscam na legislação uma

forma de abrir caminhos para essa nova realidade, dentre eles: Maria Berenice

Dias, Adauto Suannes, Edenilza Gobbo e Taísa Ribeiro Fernandes.

Inicialmente, cumpre salientar que a adoção deve proteger

os direitos do menor, e não dos adotantes. Ou seja, a adoção se dá em

detrimento dos reais benefícios ao adotando. E para isso, necessário se faz que o

menor seja colocado num lar que possua estrutura suficiente para recebê-lo.229

Como a heterossexualidade é tida como modelo padrão, é

enorme a resistência do judiciário em relação à adoção homoafetiva, por

acreditarem que a convivência do menor com o casal homossexual poderá trazer

transtornos psicológicos futuros, por não existir uma referência de comportamento

nessas famílias.230

No entanto, alguns doutrinadores, como Maria Berenice

Dias, Márcia Lopes de Carvalho, Diogo de Calasans Melo Andrade, Taísa Ribeiro

Fernandes e Adauto Suannes não entendem dessa maneira, e afastam tal

possibilidade.

Com base em estudos realizados na Califórnia, desde

meados de 1970, Maria Berenice Dias leciona:

229 GOBBO, Edenilza. Adoção por casais homossexuais. Revista Consulex. Ano IV, n. 47, nov. 2000. p. 55, 230 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 115.

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Na Califórnia, desde meados do 1970, vem sendo estudada a prole de famílias não convencionais, filhos de hippies e de quem vive em comunidade ou em casamentos abertos, bem como crianças criadas por mães lésbicas ou pais gays. Concluíram os pesquisadores que filhos com pais do mesmo sexo demonstram o mesmo nível de ajustamento encontrado entre crianças que convivem com pais dos dois sexos. [...]. Também não foi detectada qualquer tendência importante no sentido de que filhos de pais homossexuais venham a se tornar homossexuais.231 (Grifo no original)

Márcia Lopes de Carvalho assim dispõe:

Nossa legislação ainda não permite casamentos homossexuais, então a adoção teria de ser feita por um membro do par, como solteiro. Pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos da América indicam que crianças criadas por homossexuais não têm problemas maiores que as criadas por heterossexuais. A definição psicológica do sexo dos pais não cria problemas para os filhos, muito menos os torna obrigatoriamente homossexuais.232

Diogo de Calasans Melo Andrade se posiciona no mesmo

sentido:

A afirmação de que uma criança não deve conviver com um homossexual, sob acusação deste levar uma vida desregrada, diferente dos padrões normais impostos pela sociedade, e que essa convivência pode alterar o desenvolvimento psicológico e social da criança não deve prosperar, uma vez que se fundamenta em suposições preconceituosas. A orientação sexual não é causa determinante no desenvolvimento de uma criança, até porque muitos heterossexuais têm vidas atribuladas e desregradas e seus filhos não adquirem tais características.233

Taísa Ribeiro Fernandes corrobora desse entendimento,

ensinando que a adoção não pode ser relacionada com a opção sexual dos

231 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 115. 232 CARVALHO, Márcia Lopes de. In 101 Perguntas e respostas sobre adoção. CECIF. São Paulo: 2001. p. 88. 233 ANDRADE, Diogo de Calasans Melo. Adoção entre pessoas do mesmo sexo e os princípios constitucionais. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre. n. 30. jun./jul. 2005. p. 114.

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adotantes, pois trata-se de uma função que se almeja desempenhar. No dias de

hoje, pai e mãe trocam de papel em diversas situações, não restando espaço

para esse tipo de justificativa preconceituosa.234

Adauto Suannes completa:

Quem trabalhou ou trabalha em Vara de Família ou em Vara de Infância e Juventude sabe muito bem que a heterossexualidade dos pais não é garantia de quase nada.235

A Lei 8.069/90 (ECA) trata de forma genérica a colocação de

criança ou adolescente em família substituta, não apresentando qualquer

proibição à possibilidade de adoção por homossexuais, e nem mesmo faz

qualquer menção à opção sexual do adotante. Basta que sejam preenchidos os

requisitos do artigo 39 e seguintes, não estando relacionada à escolha de vida

dos adotantes.236 Nesse sentido, prevê o artigo 42 do ECA: “Podem adotar os

maiores de 18 anos, independentemente do estado civil”.237

Dessa forma, não havendo impedimentos para a adoção por

casais homossexuais, resta a análise quanto aos reais benefícios ao adotando,

conforme artigo 43 do ECA: “A adoção será deferida quando apresentar reais

vantagens para o adotando e fundar-se em motivo legítimo”.238

Maria Berenice Dias, ao comentar acerca do artigo 43 do

ECA, assim leciona:

[...] Diante de tal preocupação do legislador com o bem-estar do infante, nenhum motivo legítimo existe para deixar uma criança fora de um lar. Vivendo os parceiros – ainda que do mesmo sexo – uma verdadeira união estável, legítimo o interesse da adoção,

234 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p. 111. 235 SUANNES, Adauto. As uniões homossexuais e a Lei 9.278/96. Rio de Janeiro: COAD. Ed. Especial out/nov, 1999. p. 30. 236 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 110. 237 BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Código Civil.18. ed. São Paulo: 2003. p. 728-729. 238 BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Código Civil.18. ed. São Paulo: 2003. p. 729.

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não se podendo deixar de ver a existência de reais vantagens ao menor.239

O artigo 1.622 do Código Civil atual, no que concerne à

possibilidade de adoção por duas pessoas, prevê que somente se dará quando

forem marido e mulher. Neste caso, a discussão maior ocorre no caso da

possibilidade ou não de adoção por casal homossexual, já que o referido artigo

subentende a heterossexualidade como requisito.240

No entanto, há que se considerar que tal artigo não pode ser

interpretado de forma isolada, mas sim, levando em consideração todo o

ordenamento jurídico, e em especial, confrontando-o com os princípios

constitucionais, destacando-se aí o princípio da igualdade, o qual prevalecerá, por

estar incurso na Lei Maior.241

[...] Não é possível excluir do direito individual de guarda, tutela e adoção – garantido a todo cidadão – face a sua preferência sexual, sob pena de infringir-se o mais sagrado cânone do respeito à dignidade humana, que se sintetiza no princípio da igualdade e na vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem. Merece ser lembrado também o art. 227 da Constituição Federal, que atribui ao Estado o dever de assegurar à criança, além de outros, o direito à dignidade, ao respeito e à liberdade, direitos que certamente os meninos e meninas não encontrarão na rua, quando são largados à própria sorte, ou depositados em alguma instituição. [...]. Tais expectativas, ao certo, independem da orientação sexual dos membros da família que quer adotar e de quem quer ser adotado.242

Assim, fazendo um confronto entre o princípio da igualdade

contido da Carta Magna, e o melhor interesse da criança (ECA), pode-se citar o

entendimento de alguns doutrinadores quanto aos aspectos da adoção

homoafetiva.

239 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 110. 240 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção: adoção internacional. p. 36. 241 ANDRADE, Diogo de Calasans Melo. Adoção entre pessoas do mesmo sexo e os princípios constitucionais. Revista Brasileira de Direito de Família. p. 119. 242 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 110-111.

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Edenilza Gobbo ensina:

O Estatuto da Criança e do Adolescente, que regula a adoção de menores, não faz restrição nenhuma, seja quanto à sexualidade dos candidatos, seja quanto à necessidade de uma família constituída pelo casamento como requisitos para adoção [...]. É evidente que a adoção por homossexuais é possível e também justa. Não se pode negar, principalmente àqueles que são órfãos, o direito de fazer parte de uma família, de receber proteção e amor, e esses atributos são inerentes a qualquer ser humano, seja ele hétero ou homossexual.243

José Luiz Mônaco da Silva partilha do mesmo entendimento:

[...] homossexualismo e adoção – O Estatuto da Criança e do Adolescente não contém dispositivo legal tratando de adoção pleiteada por homossexuais. Por causa dessa omissão, é possível que alguns estudiosos entendam inviável a adoção por homossexuais. A nosso ver o homossexual tem o direito de adotar um menor, salvo se não preencher os requisitos estabelecidos em lei. Aliás, se um homossexual não pudesse adotar uma criança ou um adolescente, o princípio da igualdade perante a lei estaria abertamente violado. E mais: apesar da omissão legal, o ECA não veda, implícita ou explicitamente a adoção por homossexuais. O que importa, no substancial, é a idoneidade moral do candidato e a sua capacitação para assumir os encargos decorrentes de uma paternidade (ou maternidade) adotiva.244 (Grifo no original)

Maria Berenice Dias conclui:

De outro lado, ainda que se presuma que o Estatuto da Criança e do Adolescente não tenha cogitado a hipótese da adoção por um par homossexual, possível sustentar que tal ocorra, independentemente de qualquer alteração legislativa. O art. 28 do indigitado Estatuto permite a colocação no que chama de “família substituta”, não definindo qual a conformação dessa família. [...]. Sob esse enfoque, não há vedação para um casal homossexual ser reconhecido como uma família substituta apta a abrigar uma criança.

243 GOBBO, Edenilza. Adoção por casais homossexuais. p. 55. 244 SILVA, José Luiz Mônaco da. Adoção: mitos e verdades. Revista Panorama da Justiça, ano V, n. 29, p. 44.

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[...] Assim, imperioso concluir que, de forma paradoxal, o intuito de resguardar e preservar o menor resta por subtrair-lhe a possibilidade de usufruir de direitos que de fato possui, limitação que afronta a própria finalidade protetiva à criança e ao adolescente decantada na Carta Constitucional e perseguida pela lei especial. 245 (Aspas no original)

Destaque-se, ainda, o aspecto patrimonial da adoção

realizada por casais homossexuais. Quando se nega esse direito do menor, nega-

se também a garantia patrimonial a estes, já que priva-lhes os direitos de filiação,

de guarda, sucessórios e de alimentos.246

No que diz respeito à impossibilidade do Registro Civil do

adotado por casais homossexuais, Maria Berenice Dias refuta tal argumento,

entendendo que o mesmo não passa de mero aspecto formal, devendo ser

considerada a realidade fática do caso.247 Os doutrinadores Taísa Ribeiro

Fernandes248 e Diogo de Calasans Melo Andrade249 corroboram do mesmo

entendimento.

Luiz Carlos de Barros Figueiredo entende que somente após

a análise de cada caso é que se poderá responder “se existe ambiente familiar

inadequado ou se foram constatados fatos impedientes para a natureza da

medida”.250

Assim, tendo em vista os aspectos destacados, cabe ao

magistrado construir a sua convicção, avaliando cada caso em específico, e

245 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 112-114. 246 GOBBO, Edenilza. Adoção por casais homossexuais. p. 55. 247 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 111-112. 248 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p. 111 249 ANDRADE, Diogo de Calasans Melo. Adoção entre pessoas do mesmo sexo e os princípios constitucionais. Revista Brasileira de Direito de Família. p. 119. 250 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed. (ano 2001) 6ª tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 81.

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levando em conta todos esses argumentos, observado o preenchimento dos

requisitos legais para a adoção (já abordados nesta pesquisa). 251

Trata-se de tema ainda polêmico no âmbito jurídico e social,

e que merece a devida atenção, visto não tratar-se de caso isolado. Assim, far-se-

á, a seguir, a apresentação de decisões e julgados favoráveis à adoção

homoafetiva, a fim de demonstrar a evolução do tema diante do próprio judiciário.

3.3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Diante da omissão legal referente à adoção por casais

homossexuais, busca-se na jurisprudência precedentes capazes de regulamentar

tal questão. Tal busca deve-se ao fato de que a jurisprudência tem sido fonte de

modernização e aproximação do Direito à realidade fática e social, buscando dar

solução aos casos não disciplinados em nosso ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, merece destaque decisão do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, louvável tanto pelo pioneirismo, quanto

pela lucidez embutida na mesma:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as

251 ANDRADE, Diogo de Calasans Melo. Adoção entre pessoas do mesmo sexo e os princípios constitucionais. Revista Brasileira de Direito de Família. p. 120.

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adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA)252

Trata-se de ação judicial movida por LI.M.B.G, fisioterapeuta

e professora universitária, na qual postula a adoção dos menores P.H.R.M. e

J.V.R.M., ambos filhos adotivos de L.R.M, sua companheira. A sentença de

primeira instância julgou procedente o pleito, deferindo a adoção requerida.

Inconformado, O Ministério Público interpôs recurso de apelação, alegando a

impossibilidade da adoção por tratarem-se de pessoas do mesmo sexo, e que a

única possibilidade de se adotar conjuntamente é nos caso de pessoas casadas

ou que vivam em união estável, fundamentando tal alegação no preceito legal do

artigo 1.622, do CC/2002.

Em segunda instância, por unanimidade de votos, os

desembargadores negaram provimento ao recurso, sob as alegações:

reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar

(analogia à união estável); inexistência de inconvenientes que impossibilitem a

adoção pleiteada, bem como a priorização de um ambiente de afeto e de amor,

livre de preconceitos e atitudes hipócritas que não tenham base científica; laudo

comprobatório do saudável vínculo existente entre os menores e as adotantes.

Outra decisão bastante comentada diz respeito à primeira

adoção, no Brasil, por um casal homossexual masculino. Em outubro de 2006 o

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concedeu a um casal homossexual

masculino, Vasco Pereira da Gama Filho e Dorival Pereira de Carvalho Junior, o

direito de adotar oficialmente uma criança. A Juíza da 2ª Vara da Infância e da

Juventude, Sueli Juarez Alonso, julgou procedente o pedido de reconhecimento

de paternidade pleiteado por um dos integrantes do casal, uma vez que,

inicialmente, a menor havia sido adotada por apenas um deles.253

252 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70013801592, 7ª Câmara Cível, 05 de abril de 2006. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php. Acesso em: 12 de maio de 2008. 253 CONCEIÇÃO, Leandro. Theodora e seus dois pais. Publicado em14 de março de 2008. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=2258. Acesso em 12 de maio de 2008.

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[...] o caso é um dos poucos em que a Justiça brasileira reconhece uma relação de fato, já que Theodora, de cinco anos, convive com os pais adotivos, os cabeleireiros Júnior de Carvalho, de 46 anos, e Vasco Pedro da Gama, de 38 anos, desde dezembro. A menina só havia sido registrada no nome de Gama, que enfrentou o processo de adoção como uma pessoa solteira. O advogado do casal decidiu, então, pedir na Justiça com o reconhecimento de paternidade de Carvalho, dias depois de a juíza da 2ª Vara Criminal da Infância e Juventude de Catanduva, Sueli Juarez Alonso, ter reconhecido Gama como um cidadão apto a criar uma criança.254

Assim, percebe-se que são poucas as decisões que deferem

a adoção homoafetiva, sendo que o judiciário ainda não possui entendimento

firmado sobre o assunto. A polêmica maior encontra-se no fato de ser um casal

formado por pessoas do mesmo sexo, o que não constitui entidade familiar.

Muitos magistrados mantêm uma visão positivista e conservadora, não admitindo

outras estruturas familiares, que não aquelas expressamente previstas em lei.

No tocante à possibilidade de adoção por homossexual

solteiro, a justiça já se manifestou em alguns casos, ganhando maior aceitação

entre os magistrados. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro assim decidiu:

ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER – ALEGAÇÃO DE SER HOMOSSEXUAL O ADOTANTE – DEFERIMENTO DO

PEDIDO – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos, sente orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade.2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fatos de formação moral, cultural e espiritual do adotado.3. A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência

254 Zylberkan, Mariana. Diário de S.Paulo. Justiça reconhece paternidade de casal homossexual masculino. Publicada em 22 de novembro de 2006. Disponível em: http://oglobo.globo.com/sp/mat/2006/11/22/286750479.asp. Acesso em 12 de maio de 2008.

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individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Nona Câmara Cível – Apelação Cível n. 14.332/1998, Relator Desembargador Jorge de Miranda Magalhães – data do julgamento: 23/03/1999)255

Quanto ao assunto, também já se manifestou o Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo:

Criança ou adolescente – Guarda – Pedido formulado por homossexual – Deferimento – Medida de natureza provisória que pode ser revogada se constatado desvio na formação psicológica do menor. O fato do guardião ser homossexual não obstaculiza o deferimento da guarda da criança, pois esta é medida de natureza provisória, podendo, portanto, ser revogada a qualquer momento diante da constatação de desvirtuamento da formação psicológica do menor (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Apelação Cível n. 35.466-0/7 – Câmara Especial – Data do Julgamento: 31/07/1997)256

O magistrado Siro Darlan de Oliveira, um dos pioneiros no

país a deferir a adoção a homossexuais solteiros, é o autor da seguinte frase:

Não exijo certidão de casamento e nem faço restrições sexuais. Tanto que deferi em favor de homossexuais como neguei em casos que julguei inconveniente para a criança.257

Merece destaque, ainda, decisão do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro, que concedeu a guarda do filho da cantora Cássia Eller

à sua companheira, Maria Eugênia, com quem conviveu durante quatorze anos.

255 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 275/277. 256 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & e justiça. p. 272. 257 DARLAN, Ciro. 1° Guia de adoção de crianças e adolescentes do Brasil. São Paulo: Winners editorial. p. 15.

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Após a morte da cantora, a Justiça deferiu à sua companheira o direito de guarda

do filho Francisco, sob um consenso quase absoluto da sociedade em geral.258

Embora o preconceito ainda seja marcante e a lei seja

omissa, percebe-se na adoção por homossexual solteiro um primeiro passo para

se chegar a um entendimento pacificado quanto à adoção homoafetiva. Assim,

espera-se dos magistrados a consciência da função que exercem, como agentes

transformadores dos valores jurídicos, para que possam julgar libertos de

qualquer tipo de preconceito, visando como premissa básica do instituto da

adoção o bem estar da criança e do adolescente, como seres humanos

merecedores de amor e de afeto.

258 Pinheiro, Daniela. Diário de S.Paulo. Sem discussão. Publicada em 16 de janeiro de 2002. Disponível em: http://veja.abril.com.br/160102/p_088.html. Acesso em 13 de maio de 2008.

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CONCLUSÃO

A evolução histórica da adoção evidencia que, antigamente,

sua finalidade era exclusivamente para a manutenção dos cultos domésticos, de

responsabilidade do pai e transmitida aos filhos. Contudo, hodiernamente, a

situação é contrária: busca-se na adoção a inserção da criança numa família, com

o intuito de disponibilizar os meios necessários para o seu crescimento e sua

formação pessoal, num ambiente de afeto e de respeito mútuo.

Tendo a adoção caráter irrevogável, evidencia-se assim

tratar-se de instituo de ordem pública, já que seu objetivo maior é resguardar os

direitos do menor quando da sua colocação em família substituta.

A própria família em si, sofreu grandes alterações ao longo

da história, com o surgimento de outros modelos familiares. Criou-se uma

discussão acerca da família moderna e seus novos modelos, como a união

estável e a sociedade de fato, por exemplo. Nos dias de hoje, é muito difícil dizer

com exatidão qual é o modelo de família adeqüado, já que o modelo patriarcal

diminuiu sua expressão na sociedade moderna.

A família moderna busca a felicidade entre os seus

membros, pautando-se no amor, no afeto e no carinho existente nessa relação

familiar. Laços de afetividade passaram a ser primordiais nessa nova concepção.

No tocante à homossexualidade, percebe-se, após análise

de seu escorço histórico, que nos primórdios era aceita e vista com naturalidade,

principalmente a homossexualidade masculina. No entanto, com a ascensão da

Igreja Católica, o homossexualismo passou a ser visto como uma aberração,

como um pecado mortal, e passou a ser punido com rigor.

Os homossexuais passaram por grandes discriminações ao

longo da história, mas conseguiram algumas conquistas, após muitas batalhas,

manifestações, e luta por seus direitos de cidadãos.

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No entanto, apesar de tantas evoluções socais, a legislação

brasileira permanece tímida no tocante à homossexualidade, não reconhecendo

essas uniões como entidades familiares, deixando assim uma lacuna na lei.

Diante dessa lacuna, deve a jurisprudência inserir essas inovações como uma

realidade social, fundada nos Princípios Constitucionais da igualdade e da não

discriminação. Nesse sentido, observa-se a existência de julgados

regulamentando as uniões homossexuais, equiparando-as a união estável ou

sociedades de fato.

Quanto ao direito à adoção por casais homossexuais, trata-

se de tema gerador de grandes polêmicas, tanto no âmbito jurídico quanto social,

uma vez que o assunto exige uma revisão de valores, posturas pessoais e

convicções de ordem moral, numa sociedade que não enxerga os homossexuais

como pessoas comuns, titulares de direitos e deveres como quaisquer outros

cidadãos.

No que tange os argumentos contrários à adoção,

percebem-se fundamentos de ordem moral, psicológica e legal. Entende-se que a

adoção por parceiros homossexuais viria a desprezar o princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana.

Com relação aos argumentos favoráveis à adoção

homoafetiva, são pautados no melhor interesse do menor. Demonstram a

inexistência de transtornos psicológicos ao menor, como base em estudos

americanos, bem como na falta de previsão legal que vede tal possibilidade, bem

como nas questões econômicas benéficas ao adotado.

Ainda a jurisprudência tem desempenhado papel essencial

no sentido de evoluir essa concepção, através de posicionamentos que

preenchem as lacunas existentes na lei, bem como colocando o tema em

discussão, na tentativa de modificar os conceitos arraigados pela sociedade.

Pelo estudo realizado, entendo que a solução para a

omissão legislativa quanto à adoção por casais homoafetivos, em cada caso

concreto, deve ser fundada no melhor interesse do menor, uma vez que o

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enforque do instituto é a pessoa e o bem-estar do adotando, antes do interesse

dos adotantes.

Dessa forma, o que importa é se os pretendentes à adoção

são pessoas idôneas, capazes de oferecer à criança todas as condições

(financeira, psicológica e afetiva) para que ela possa crescer e se desenvolver de

forma completa e saudável. Mesmo porque, conforme se verificou no decorrer da

pesquisa, já existem estudos realizados em famílias, compostas por casais

homossexuais, que concluíram que crianças com pais homossexuais são tão

ajustadas quanto crianças com pais heterossexuais.

Infelizmente, a insistência em não aceitar a adoção

homoafetiva muitas vezes tem por justificativa o preconceito. Muitos dos

opositores possuem a falsa concepção de que os homossexuais são pessoas

promíscuas, quando, na verdade, muitos deles são extremamente bem

sucedidos, educados, cultos, com situação econômica estável, revelando-se pais

ideais para a solidária tarefa de adotar uma criança.

Cabe a sociedade compreender que valores como o

respeito, afeto e boas maneiras não são exclusividade dos heterossexuais e, por

isso, o ambiente familiar saudável independe da orientação sexual do adotante.

Assim, pelo estudo realizado, entendo pela possibilidade de

deferimento da adoção a casais homoafetivos, desde que preenchidos os

requisitos e exigências indispensáveis para tal pleito. Entendo que cada caso

deve ser analisado com muito cuidado, visando em qualquer situação o melhor

interesse do menor.

Embora ainda se tenha muito a fazer nesse sentido, não

apenas pelo judiciário, mas também pela sociedade num todo, precisa se

massificar a conscientização de que os homossexuais são pessoas comuns,

cidadãos com direitos e deveres, que possuem todo o direito de constituir uma

família e de exercer a paternidade ou a maternidade, por meio da adoção. E essa

atitude deve ser vista como um ato de amor, que não depende da orientação

sexual dos adotantes, e sim da felicidade e do bem-estar do adotando.

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