Adolescência_Folha001_introd

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~------------------------------------------------,~ UBUFOLHA / © 2000 ~ b {; Fo lh o - "D iv i soo de Publ i ca <; 6e s de Emprese Folhe do NonM S.A. ©2000~ Ne nh uma por te de st o obrc po de ser repr ociu z id a , o rq u ivod o ou t ro ns m; od o de n en hu ma forma QU por quo /quer meio ele tr6 nico, meosnicc, por fot0c6pio. g~ au outros, sem a pe rmiss ao exp re ss a e esc ri ta do Pu bl i Fo lh o. Capo e oro ieto gr6 fico Silvia Ribeir o Assiste nte de pro jeto gr6 fico M ar il is a v on Sc h ma ed el - - FOLHA EXPLICA Matef\a\ p~fa d " 'oaCaO \~\J 1::1 - 0 Pro"a S n a corng\d as A ADOLESCENCIA CONTARDO CALLIGARIS PUBLIFOLHA CONSELHO EDITORIAL Alcino Leite Neto Ana Luisa Astiz, editora exe cuti va Antonio Manuel Teixeira Mendes Arthur Nestrovski, editor Carl os Heitor Cony Gilson Schwartz M ar ce lo C oe lh o Marcelo Leite Otavio Frias Filho Paula Cesarino Costa

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/© 2000 ~b{;Folho -"Divisoo de Publica<;6es de Emprese Folhe do NonM S.A.

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Nenhuma por te dest o obrc pode ser reprociuzida, orquivodo ou tronsm;odo de nenhuma

forma QU por quo/quer meio eletr6nico, meosnicc, por fot0c6pio. g~

au outros, sem a permissao expressa e escrita do PubliFolho.

Capo e oroieto gr6fico

Silvia Ribeiro

Assistente de projeto gr6fico

Marilisa von Schmaedel

-

-

FOLHA

E X P L I C A

Matef\a\ p~fa

d" 'oaCaO\~\J 1::1

-0

Pro"aS na

corng\das

A A D O L E S C E N C I A

C O N T A R D O C A L L I G A R I S

P U B L I F O L H A

CONSELHO EDITORIAL

Alcino Leite Neto

Ana Luisa Astiz, editora executiva

Antonio Manuel Teixeira Mendes

Arthur Nestrovski, editor

Carlos Heitor Cony

Gilson Schwartz

Marcelo Coelho

Marcelo Leite

Otavio Frias Filho

Paula Cesarino Costa

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SUMARIO

INTRODUc;:Ao 7

1. ELEMENTOS DE DEFINIc;:Ao 11

2. "0 QUE ELES ESPERAM DE MIM?" 23

3. "COMO CONSEGUIR

QUE ME RECONHEC;:AME

ADMITAM COMO ADULTO?" 31

4. A ADOLEScENCIA

COMO IDEAL CULTURAL 55

PEQUENA BIBLIOGRAFIA COMENTADA 75

I NTRODU< : : : AO

1 . ELEMENTO S DE DEF IN I< :::A O

m adolescente um pouco sem rumo, es-

tranhando seu proprio comportamento,

paradoxalmente desafiador e arrependido,

para voce na rua e fala:"Estou so passando

por uma fase agora. Todo 0mundo passa por fases, nao

e?" Alguem talvez reconheca sua voz. : E Holden, 0

heroi do romance 0 Apanhador no Campo de Centeio,

de JD . Salinger.

Aproveitando-se da situacao, arras e ao lado dele

se aglomeram pais e rnaes de adolescentes. Eles tam-

bern perguntam.I'Entao, e assim?Vai passar? E so umac. ;>"lase.

Resposta de bolso, caso Holden e os pais 0pa-

rem na rua: "Nao, Nao e apenas uma fase. Por isso

nada garante que passe".

Nossos adolescentes amam, estudam, brigam, tra-

balham. Batalham com seus corpos, que se esticam e se

transformam. Lidam com as dificuldades de crescer no

quadro complicado da familia moderna. Como se diz

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I nt ro du oi o 9

hoje, des se procuram e eventualmente se acham. Mas,

alern disso, des precisam lutar com a adolescencia, que

e uma criatura urn pouco monstruosa, sustentada pela

imaginacao de todos, adolescentes e pais. Urn mito, in-

ventado no corneco do seculo 20, que vingou sobretu-

do depois da Segunda Guerra Mundial.'

A adolescencia e 0 prisma pelo qual os adultos

olham os adolescentes e pelo qual os pr6prios adoles-

centes se contemplam. Ela e uma das forrnacoes cul-

turais mais poderosas de nossa epoca.

Objeto de inveja e de medo, ela da forma aos

sonhos de liberdade ou de evasao dos adultos e, ao

mesmo tempo, a seus pesadelos de violencia e desor-

dem.

Objeto de admiracao e ojeriza, ela e urn pode-

roso argumento de marketing e, ao mesmo tempo, uma

fonte de desconfianca e repressao preventiva.

A Holden e aos pais pode-se responder, assim,

que os jovens de hoje chegaram a adolescencia numa

epoca que alimenta uma especie de culto desse tempo

da vida. E caberia, entao, tentar explicar como isso nos

afeta a todos.

A ADOLESCENCIA COMO MORATO RIA

O Jmagine que, por algum acidente, voce seja

transportado, de uma hora para outra, a uma

sociedade totalmente diferente.Digamos que

o aviao no qual voce estava sobrevoando urn

canto recondite da Amazonia teve uma dificuldade tee-

nica. 0piloto conseguiu aterrissar, mas 0 aparelho esta

destruido, Nao ha como esperar socorro, nem como sair

do fundo selvagem da floresta. Por sorte, uma tribo de

indios que nunca encontraram homens modernos, mas

que sao relativamente bem-humorados adota voce e seus

amigos. Sera necessario, imaginemos, 12 anos para que

voces se entrosem com os usos e costumes de sua nova

tribo - desde a linguagem ate 0 entendimento dos valo-

res da sociedade em que aparentemente voces vivecio 0

resto de seus dias.

Os 12 anos passaram. Voce agora fala corrente-

mente a lingua, conhece as leis e regras de sua nova

tribo, na verdade se sente urn deles. Entre as coisas que

voce aprendeu, esta 0fato evidente de que, nessa soci-Cf Bibliografia. J .

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E l cmm t os d e d ef in i¢ o IJ

edade, e importante sobressair e adquirir destaque. E,

para se destacar, ha principalmente dois campos, seja

voce homem ou mulher: a pesca com 0 arpao e as

serenatas de berimbau. Em outras palavras, nessa soci-

edade e born e necessario ser urn excelente pescador

com 0 arpao e tocar magistralmente 0 berimbau-de-

boca. Quem melhor pesca e toea - todos percebem -

e claramente muito mais feliz do que os outros.

Voce esta muito satisfeito com isso. Pois, durante

os 12 anos, voce olhou, imitou e aprendeu. Voce na

verdade se acha e talvez seja mesmo otimo na pesca

com 0 arpao - pelos anos na selva, seu corpo esta

treinado, forte e rapido - e esta prestes a desafiar qual-

quer urn numa serenata de berimbau.

Nesta altura, os ancioes da tribo the comunicam

o seguinte: talvez voce tenha tamanho e pericia sufici-

entes para encarar tanto urn surubim de dois metros

quanto urn berimbau dos mais sofisticados, mas e

melhor esperar mais dez anos antes de vir fazer pro-

priamente parte da tribo e, portanto, competir de igual

para igual com os outros membros. Naturalmente, os

ancioes acrescentarao que esse "pequeno" atraso e in-

teiramente para seu bern. Eles amam voce e por isso

querem que ainda por urn tempo voce seja protegido

dos perigosissimos surubins que andam por ai, Isso

sem falar dos berimbaus ...

Portanto, voce vai poder se preparar melhor ainda

para 0 dia em que sera enfim reconhecido como mem-

bro da tribo. Que tudo isso, acrescentacio tambern os

ancioes, nao constitua frustracao nenhurna, pois na ver-

dade a tribo inteira considera que voce tirou a sorte

grande e que os ditos dez anos serao os mais felizes de

sua existencia, Voce - acrescentam eles - nao tera as

pesadas responsabilidades dos membros da tribo. Ao

mesmo tempo, podera pescar e tocar berimbau a von-

tade - sera apenas como treino, de brincadeira, mas jus-

tamente por isso serao atividades despreocupadas.

Agora, seriamente, como voce acha que encara-

ria 0 anuncio e a perspectiva desses dez anos de limbo?

Logo agora que voce achava que seu berimbau ia se-

duzir qualquer ouvido e sua destreza transfixar peixes

de olhos quase fechados ...

: E bern provavel que voce passasse por urn le-

que variado de sentimentos: raiva, ojeriza, desprezo

e enfim rebeldia. Se houvesse uma tribo inimiga, se-ria 0 momenta de considerar uma traicao, No mini-

mo, voce voltaria a se agrupar com os companheiros

do aviao, que talvez voce tivesse perdido de vista e

que agora estariam lidando com a imposicao da mes-

rna moratoria. Juntos, voces acabariam constituindo

uma especie de tribo na tribo, outorgando mutua-

mente 0 reconhecimento que a sociedade parece

temporariamente negar a voces todos. Voces se afas-

tariam de suas familias (adotivas, no caso) e viveriam

no e pelo grupo,onde se sentem tratados como ho-

mens e mulheres de verdade. Circulando em grupo,

impondo sua presenr;:a rebelde pelas mas da aldeia -se possivel nas horas menos adequadas -, voces seri-

am fonte de preocupacao e medo, objeto de rep res-

sao e, quem sabe, de inveja.

Pois bern: 0 que acontece com nossos adolescen-

tes e parecido com 0 destino dos aeronaufragos dessa

pequena historia, Ao lange de mais ou menos 12 anos,

as criancas, por assim dizer, se integram em nossa cultu-

ra e, entre outras coisas, elas aprendem que hl dois cam-

pos nos quais importa se destacar para chegar a felicidadee ao reconhecimento pela comunidade: as relacoes

amorosas/sexuais e 0 poder (ou melhor, a potencia) no

campo produtivo, financeiro e social. Em outras pala-vras, elas aprendem que ha duas qualidades subjetivas

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que sao cruciais para se fazer valer em nossa tribo: e

necessario ser desejivel e invejivel,

Enfim, esse aprendizado rninimo esci solidamente

assimilado. Seus corpos, que se tornaram desejantes e

desejaveis, poderiam lhes permitir amar, copular e go-

zar, assim como se reproduzir. Suas forcas poderiam

assumir qualquer tarefa de trabalho e comecar a leva-

los na direcao de invejaveis sucessos sociais. Ora, logo

nesse instante, lhes e comunicado que nao esta bern

na hora ainda.

Em primeira aproxirnacao, eis entao como co-

mecar a definir urn adolescente.! Inicialmente, e

alguern

1. que teve 0 tempo de assimilar os valores mais

banais e mais bern compartilhados na comunidade (por

exemplo, no nosso caso: destaque pelo sucesso finan-

ceiro/social e amoroso/sexual);

2. cujo corpo chegou a maruracao necessaria para

que ele possa efetiva e eficazmente se consagrar a s ta-

refas que lhes sao apontadas por esses valores, compe-

tindo de igual para igual com todo mundo;

3. para quem, nesse exato momento, a cornuni-

dade impoe uma moratoria.

Em outras palavras, ha urn sujeito capaz, instrui-

do e treinado por mil carninhos - pela escola, pelos

pais, pela midia - para ado tar os idea is da comunidade.

Ele se torna urn adolescente quando, apesar de seu

corpo e seu espirito estarem prontos para a cornpeti-

lYao, nao e reconhecido como adulto. Aprende que,

por volta de mais dez anos, ficara sob a tutela dos adul-

tos, preparando-se para 0 sexo, 0 amor e 0 trabalho,

sem produzir, ganhar ou amar; ou entao produzindo,

ganhando e amando, so que marginalmente.

Uma vez transmitidos os valores sociais mais ba-

sicos, ha urn tempo de suspensao entre a chegada amaturacao dos corpos e a autorizacao de realizar os

ditos valores. Essa autorizacao e postergada. E 0 tem-

po de suspensao e a adolescencia,

Esse fenom~no e novo, quase especificarnente

conternporaneo. E com a modernidade tardia (com 0

seculo que mal acabou) que essa moratoria se instaura,

se prolonga e se torna enfim mais uma idade da vida.

A ADOLESCENCIA COMO

REA(AO E REBELDIA

A imposicao dessa moratoria ja seria razao sufi-

ciente para que a adolescencia assim criada e mantida

fosse uma epoca da vida no minimo inquieta.

Afinal, nao seria estranho que mocas e rapazes

nos reservassem alguma surpresa desagradavel, uma vez

impedidos de se realizar como seus corpos perrnitiri-

am, nao reconhecidos como pares e adultos pela co-

munidade, logo quando pass am a se julgar enfim

competitivos.

Pensem de novo em como voces reagiriam na

hipotetica tribo: mesmo supondo que evitassem deci-

sees drasticas (cair fora, entrar em guerra aberta com

os ancioes, trair a tribo etc.), e presurnivel que passari-

am por urn periodo de contestacao aguda. Comecari-

am a pescar com dinarnite e a tocar teclado eletronico

em vez de berimbau. Inventariam e tentariam impor(eventualmente a forca) meios de obter reconheci-

2 Em todo 0 texto, quando falamos do "adolescente" sem mais especificar, entende-mas a palavra como substantive neutro. Salvo indicacao explicita do contrario.nossas

afirrnacoes valem, portanto, paraambos os sexos.

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mento totalmente ineditos para a tribo. Essas sao ape-

nas sugestoes benignas.

Ora, 0 caso dos jovens modernos e bern pior

do que 0destino dos aeronaufragos na hospitaleira

tribo da selva amazonica, Pois, alern de instruir os

jovens nos valores essenciais que eles deveriam per-

seguir para agradar a comunidade, a modernidade

tambern promove ativamente urn ideal que ela situa

acima de qualquer outro valor:0

ideal de indepen-dencia. Instigar os jovens a se tornarem individuos

independentes e uma peca-chave da educacao mo-

derna. Em nossa cultura, urn sujeito sera reconheci-

do como adulto e responsavel na medida em que

viver e se afirmar como independente, autonomo -

como os adultos dizem que sao.

Isso torna ainda mais penoso 0 hiato que a ado-

lescencia instaura entre aparente maruracao dos cor-

pos e ingresso na vida adulta. Apesar da rnaturacao

dos corpos, a autonomia reverenciada, idealizada por

todos como valor supremo, e reprirnida, deixada para

mais tarde.Desde ja vale mencionar que a desculpa nor-

malmente produzida para justificar a moratoria da

adolescencia e problematica. Pretende-se que, apesar

da maturacao do corpo, ao dito adolescente faltaria

maturidade. Essa ideia e circular, pois a espera que lhe

e imposta e justamente 0 que 0 mantern ou torna

inadaptado e imaturo.

Nao e dificil verificar que, em epocas nas quais

essa moratoria nao era imposta,jovens de 15 anos ja

levavam exercitos a batalha, comandavam navios ou

simplesmente tocavam negocios com competencia.

oadolescente nao pode evitar perceber a con-I tradicao entre AO i~e~ de autonornia e a,continuacao

~ de sua dependencia, unposta pela moratoria.

A ADOLESCENCIA IDEALIZADA

Tal contradicao torna-se ainda mais enigmati-

ca para 0 adolescente na medida em que essa cultu-

ra parece idealizar a adolescencia como se fosse urn

tempo particularmente feliz. Como e possivel? Se

o adolescente e privado de autonomia, se e afastado

da realizacao plena dos valores cruciais de nossa

cultura, como pode essa mesma cultura imaginar

que e!e seja feliz?

o adolescente poderia facilmente concluir que

essa idealizacao da epoca da vida que ele esta atra-

vessando e uma zombaria que agrava sua insatisfa-

yao. Ele certamente tern direito de se irritar com

isso: e dificil entender por que os adultos (que em

principio deveriam conhecer a adolescencia, por te-

rem passado por ai em algum momenta no passa-

do) achariam graya nessa epoca da vida ou a

lembrariam com nostalgia. Tentaremos explicar essa

idealizacao, sobretudo no Capitulo 4. Mas, seja como

for, 0 adolescente vive urn paradoxo: ele e frustrado

pela moratoria imposta, e, ao mesmo tempo, a

id~aliz~yao social da adolescencia the ordena que

sep feliz. Se a adolescencia e urn ideal para todos,

ele so pode ter a de!icadeza de ser feliz ou, no rni-

nimo, fazer barulhentamente de conta.

Em nossa cuitura, a passagem para a vida adul-

ta e urn verdadeiro enigma. A adolescencia nao e so

uma moratoria maljustificada, contradizendo valo-

res cruciais como 0 ideal de autonornia. Para 0 ado-

lescente, ela nao e so uma sofrida privacao de

reconhecimento e independencia, misteriosamente

idealizada pelos adultos, E tarnbem urn tempo de

transicao, cuja duracao e misteriosa.

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DURAC ;AO DA ADOLESCENC IA De fato, a transforrnacao trazida pe!a puberdade

e consideravel. Tanto do ponto de vista fisiologico

quanto da imagem de si que deve se adaptar a essa

mudanca. Basta lembrar a chegada dos desejos sexuais

(que ja existiam, mas que sao agora reconhecidos como

tais pelos proprios sujeitos) e, aos poucos, a descoberta

de uma cornpeticao possivel com os adultos, tanto na

seducao quanto no enfrentamento.

Mas essas mudancas so acabam constituindo urnproblema chamado adolescencia na medida em que 0

olhar dos adultos nao reconhece nelas os sinais da pas-

sagem para a idade adulta.

o problema entao nao e: "Quando comeya a

adolescencia?", mas: "Como se sai da adolescencia?"

o equivalente da adolescencia, em outras cultu-

ras, e um rito de iniciacao, eventualmente acompa-

nhado de algumas provas. Por mais duras que possam

ser, elas serao sempre mais suportaveis do que a inde-

finida moratoria moderna. Alias, em nossa hipotetica

tribo amazonica, na verdade os ancioes nunca impo-

riam uma espera indefinida de dez anos ou mais. Eles

poderiam exigir que voces lutassem corpo a corpo

com 0rei dos surubins gigantes, por exemplo. Ou entao

que levassem 15 berimbauzadas na cabeca.

Mas, para que fosse possivel uma iniciacao a vidaadulta, com uma prova designada, seria necessario que

se soubesse 0que define um homem ou uma mulher

adultos. Essa definicao, na cultura moderna ocidental,

fica em aberto. Adulto, por exemplo, e quem conse-

gue ser desejivel e invejivel, Como saber entao quan-

to desejo e quanta inveja e preciso levantar para ser

adrnitido no Olimpo dos "grandes"? Portanto, fica tam-

bern em aberto a questao de quais provas seriam ne-

cessarias para que um adolescente merecesse se tornar

urn adulto.

o co me co da ado lescencia e facilmente

observavel, por se tratar da mudanca fisiologica pro-

duzida pela puberdade. Trata-se, em outras palavras,

de uma transforrnacao substancial do corpo do jo-

vem, que adquire as funcoes e os atributos do cor-

po adulto. Querendo circunscrever a adolescericia

no tempo, como idade da vida, chega-se facilmente

a um consenso no que concerne ao seu corneco.

Ele e decidido pe!a puberdade, ou seja, pelo arna-

durecimento dos orgaos sexuais.Alguns dirac que a

adolescencia propriamente dita corneca urn ou dois

anos depois da puberdade, pois esse seria 0 tempo

necessario para que, de alguma forma, 0 estorvo fi-

siologico se transformasse numa especie de identi-

dade adolescente consolidada. Outros dirac, ao

contrario, que a adolescencia corneca antes da pu-

berdade, pois esta e antecipada pela adocao precoce

de comportamentos e estilos de adolescentes mais

velhos. Seja como for, a puberdade - ana a mais,

ana a menos - e a marca que permite calcular 0

comeyo da adolescencia.

Quando a adolescencia cornecou a ser instituida

por nossa cultura e, logicamente, apareceram as com-

plicacoes sociais e subjetivas produzidas pe!a invencao

dessa moratoria, pensou-se primeiro que a causa de

toda dificuldade da adolescencia fosse a transforrna-

yao fisiologica da puberdade.A adolescencia, em suma,

seria uma manifestacao de mudancas hormonais, um

processo naturaL 3

J U. Bib liografia .L em part icular os comcntarios a obra de Stanley G. Hall .

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De certa forma, a moratoria da adolescencia e 0

fruto dessa indefinicao. Numa sociedade em que os

adultos fossem definidos por alguma cornpetencia es-

pecifica, nao haveria adolescentes, so candidatos e uma

iniciacao pela qual seria facil decidir: sabe ou nao sabe,e ou nao e adulto.

Como ninguern sabe direito 0 que e urn ho-

mem ou uma mulher, ninguern sabe tarnbern 0que e

preciso para que urn adolescente se tome adulto. 0

criterio simples da maturacao fisica e descartado. Falta

uma lista estabelecida de provas rituais. So sobram entao

a espera, a procrastinacao e 0 enigma, que confrontam

o adolescente - este condenado a uma moratoria for-

cada de sua vida - com uma inseguranca radical em

que se agitam questces que correspondem aos proxi-

mos capitulos:"O que eles esperam de mim?", "Comoconseguir que me reconhecarn e admitarn como adul-

to?", "Por que me idealizam?"

Voltando a pequena lista de elementos definitorios

exposta acima, no final da secao "A adolescencia como

moratoria", acrescentemos, concluindo, que 0adoles-

cente e tambern alguern:

4. cujos sentimentos e comportamentos sao ob-

viamente reativos, de rebeldia a uma moratoria injusta;

5. que tern 0 inexplicavel dever de ser feliz, pois

vive uma epoca da vida idealizada por todos;

6. que nao sabe quando e como vai poder sairde sua adolescencia.