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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
ADOLESCÊNCIA FEMININA E UMA PESQUISA FEMINISTA: DESAFIOS
E INTERSECCIONALIDADE
Isadora Oliveira Rocha1
Resumo: Estudos feministas enquanto metodologia e reflexão de pesquisa apresentam atenção
quanto aos elementos políticos e sociais das/os participantes de pesquisas. As singularidades em “ser
mulher” são valorizadas. A inserção no sistema sexo/gênero, classe socioeconômica, orientação
sexual, etnia, nacionalidade e idade, são alguns dos elementos que precisam ser considerados. Em
relação à adolescência, esta é uma fase que, historicamente, é retratada por meio de ideias
biologicistas e de estereótipos. Em estudos mais recentes, principalmente na área da Psicologia, o
adolescer é visto como um processo sócio-histórico. Assim como é necessário pensar em diferentes
formas de ser mulher, é importante compreender os diversos modos de se viver a adolescência. O
ambiente social que perpassa estas pessoas precisa ser considerado, devido à influência que exerce
na construção da subjetividade de mulheres, adolescentes e mulheres adolescentes. Se a adolescente
vivenciar em seu meio familiar a mãe como vítima de violência doméstica, existirão influências na
vida da jovem? Esta é a pergunta norteadora de uma pesquisa (ainda em processo de coleta de dados)
de mestrado vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura, da
Universidade de Brasília. Os desafios gerados a partir da realização de uma pesquisa feminista, com
adolescentes mulheres vivendo em um contexto de violência e outras interseccionalidades, são os
resultados que se pretende apresentar a partir deste estudo.
Palavras-chave: Pesquisa feminista. Adolescência feminina. Mulheres. Desafios. Violência
A adolescência é um período do desenvolvimento humano que acontece de maneira singular
para cada pessoa. Diversas/os autoras e autores corroboram com esta perspectiva, destacando o
adolescer como um processo que deve ser compreendido por meio de aspectos culturais, históricos e
sociais (BERNI; ROSO, 2014; MACEDO; KUBLIKOWSKI, 2009; MATHEUS, 2012;
TRAVERSO-YÉPEZ; PINHEIRO, 2005, entre outras/os). Estes elementos influenciam tanto nas
vivências das adolescências, quanto no olhar e na compreensão daquelas/es que pesquisam sobre esta
fase.
Estereótipos são frequente e popularmente associados ao adolescer (MASCAGNA, 2009;
PRIOSTE; AMARAL, 2016). Alguns exemplos a ser citados são: a instabilidade emocional, o
relacionamento conturbado com os pais e a presença de conflitos comportamentais e psíquicos nas/os
adolescentes.
Esses “mitos”, como Mascagna (2009) define, foram fortalecidos e apropriados para além da
esfera científica. Os estigmas associados à adolescência tornam-se cristalizados na sociedade e
1 Mestranda em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília. Brasília – Distrito Federal, Brasil.
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causam certo estranhamento aos adultos (COSTA, 2012). Talvez, este seja um dos motivos da
dificuldade em compreender as vivências e os comportamentos das/os adolescentes.
Anjos (2014) aponta que a definição de adolescência construída pela psicologia tradicional,
ignorou aspectos históricos e sociais que constituem este período. Uma ideia biologicista é apontada
como característica desta fase, relacionando-a a problemas voltados à sexualidade e mudanças
hormonais. O viés biológico é adotado devido às mudanças naturais que acontecem ao longo da
puberdade. Este sim, um período marcado por múltiplas mudanças biológicas e físicas nas/os jovens
(ANJOS, 2014).
A adolescência vem sendo discutida dentro de um modelo geral. Essa visão generalizadora
tende a promover certa homogeneização deste processo. São ignoradas as particularidades,
singularidades e interseccionalidades vivenciadas de diferentes maneiras pelas/os jovens que se
encontram neste momento da vida. É gerada assim, uma tendência que “não só naturaliza a
adolescência e, consequentemente, seus comportamentos como os justificam, ignorando todo o
contexto sócio-histórico que permeia o indivíduo” (MASCAGNA, 2009, p. 12).
Compreender a adolescência de tal modo é um risco. A adoção desta postura pode provocar
um olhar fora do contexto, o que resulta tanto na minimização ou na maximização da influência do
meio social na vida de adolescentes. Devemos evitar uma compreensão limitada, universal e a-
histórica da experiência da/o adolescente (SOUSA; MOREIRA, 2012).
Falar da adolescência implica, portanto, em promover uma discussão que traga maior
visibilidade para as múltiplas formas de vivê-la. Cada modo de viver a adolescência é singular. O fato
é que esta constatação coloca todas/os nós diante da necessidade de diferenciação da vivência dessa
fase de outros períodos do ciclo vital. Elementos históricos, sociais, e culturais, assim como a inclusão
no sistema sexo-gênero geram maneiras distintas de “ser adolescente” em um contexto específico,
sob certos tipos de influências, pressões e tantos outros aspectos.
O presente estudo é fruto de uma pesquisa de mestrado, atualmente em processo de conclusão,
nomeada “Perspectivas de adolescentes do sexo feminino sobre gênero e violência: um estudo
feminista”2. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de
Ciências Humanas e Sociais (CEP-IH) da Universidade de Brasília (número do parecer: 2.122.262).
As participantes da pesquisa são adolescentes do sexo feminino, de 12 a 18 anos. Para a
determinação da idade foi adotada a concepção do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil,
2 Sob orientação da Professora Gláucia Ribeiro Starling Diniz, Ph.D, do Curso de Psicologia, Universidade de Brasília.
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2015). Participaram também as mães das adolescentes, ou seja, as vítimas (“principais”) das
violências domésticas. O objetivo geral da pesquisa foi compreender se existem e quais são os
impactos em adolescentes do sexo feminino que presenciam em seu cotidiano, as mães como vítimas
de violência doméstica.
Por se tratar de uma pesquisa nos moldes das metodologias dos estudos feministas, todo o
processo de investigação foi considerado (NARVAZ; KOLLER, 2006). Tal postura significa
questionar para além das questões da pesquisa e englobar novos elementos que surgem no decorrer
desta. É a partir deste contexto que a presente pesquisa é desenvolvida. Trata-se de um resultado a
parte da pesquisa, motivada por inquietações geradas a partir do desenvolvimento da mesma.
Serão apresentados os principais desafios e a valorização das interseccionalidades em uma
pesquisa feminista, com adolescentes do sexo feminino e suas mães vítimas de violência doméstica,
de situação socioeconômica vulnerável e que são expostas às violências em seu cotidiano familiar. É
a partir desta temática que o presente artigo é construído nos moldes de um relato de experiência.
Paralelos serão traçados entre os feminismos e as adolescências (ambos no plural),
concomitantemente a um resgate do percurso adotado na construção da pesquisa de mestrado citada
anteriormente.
Adolescência feminina e pesquisa feminista
Falar da “adolescência” sem que seja considerada a inclusão no sistema sexo-gênero, contribui
para a visão generalizante do adolescer. A adolescência é perpassada por questões relativas ao gênero
e aos comportamentos específicos, ideais a ser desempenhados de maneira distinta por uma menina
e por um menino (BRAGA; DELL’AGLIO, 2013).
Devido à vivência em uma sociedade patriarcal (CISNE, 2015; NARVAZ; KOLLER, 2006),
existem elementos que são determinantes quando se fala na construção das identidades de seres
masculinos e femininos, encontrados no período da adolescência (RESSEL et al. 2009). Segundo
Molina (2013), é nesta fase em que a incorporação dos modelos de feminilidade e masculinidade fica
mais visível.
A adolescência será marcada por uma adequação aos papéis de gênero culturalmente impostos
(DINIZ; ALVES, 2015). Padrões específicos, normativos e estereotipados de comportamentos são
ensinados de modos diferentes aos meninos e as meninas, sendo mantidos ou reconstruídos durante
toda a fase adulta. As meninas tendem a ser educadas, desde a fase infantil, para aceitar de modo
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passivo a autoridade dos meninos (DINIZ; ALVES, 2015).
Os padrões de gênero tendem a influenciar até mesmo na escolha profissional das/os jovens
(GRAF; DIOGO, 2009; LÓPEZ-SÁEZ; PUERTAS; SÁINZ, 2011). Segundo Souza (2015), certas
profissões são estereotipadas pelo gênero que, por meio da construção histórica e social, as
desempenham. Os cursos de Engenharia são comumente relacionados às profissões masculinas,
enquanto profissões voltadas à área da saúde são consideradas profissões femininas. Este fato é
consideravelmente influenciado pela figura da mulher ser, culturalmente falando, frequentemente
associada à imagem de cuidado, da inteligência emocional, enquanto o homem é relacionado à
inteligência intelectual (NARVAZ; KOLLER, 2006).
A expressão da sexualidade também é manifestada de modos distintos entre adolescentes do
sexo feminino e masculino. Enquanto os meninos vivenciam a sexualidade de modo permissivo, as
meninas vivenciam uma sexualidade reprimida e passível de julgamentos caso seja vivida semelhante
a dos meninos. Assim como Molina (2013) indica, “as regras sexuais são diferentes para ambos os
sexos, sendo geralmente a maioria das restrições ligada ao gênero feminino, determinado pela cultura
que impõem quais são as práticas sexuais apropriadas ou não” (MOLINA, 2013, p. 492).
É através do olhar crítico, contextualizado e histórico, que o conceito de adolescência feminina
foi compreendido na pesquisa de mestrado supracitada. A adolescência é entendida nesta pesquisa, a
partir de um olhar próximo da compreensão dos feminismos. A adolescência é plural. Assim como
os feminismos valorizam sobre as diferentes vivências das mulheres, a relevância e valorização de
todas elas, ao discorrer sobre a adolescência é preciso adotar este mesmo caminho. Evitar
generalizações é essencial.
A pesquisa de mestrado foi construída com base na metodologia de estudos feministas. Os
estudos feministas oferecem subsídios que favorecem o diálogo com a categoria “gênero” e com as
identidades de gênero, formadas através da construção sociocultural do que consiste “ser mulher” e
“ser homem” na atualidade (DINIZ, 1999).
Os movimentos e as pesquisas feministas foram e são essenciais para considerarmos os
contextos de luta, as percepções dos direitos e das vidas das mulheres (BANDEIRA, 2017). O
movimento dos feminismos no Brasil anuncia a luta pela emancipação feminina e passa a ser
vivenciado com maior força a partir da década de 1970 (SARTI, 2004). Matos (2008) destaca que a
consciência crítica própria dos feminismos, veio a produzir re-significações, re-arranjos e re-
interpretações no campo das discussões de gênero.
Os feminismos expressos nas lutas sociais e nas pesquisas científica forneceram um apoio
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essencial para as lutas contra as violências às mulheres. Tornar as violências visíveis é um ato político.
Expõe um problema estrutural e cultural de nossa sociedade. Hooks (2000) aponta que os feminismos
dão um senso de igualdade e justiça. A possibilidade de utilizar destes elementos para desenvolver
um saber acadêmico, científico é um ato de revolução.
Desafios e interseccionalidades
Ao propor desenvolver uma pesquisa feminista no âmbito científico, a realidade homogênea
característica deste meio é contraposta (MATOS, 2008). Os feminismos buscam a ruptura dos
“universalismos típicos das análises científicas” e facilita a percepção de múltiplos aspectos da
vivência humana (PIMENTEL, p. 72, 2017). As relações de poder e de gênero são exploradas neste
método e as referências utilizadas são experiências de vida de grupos específicos de mulheres
(PIMENTEL, 2017).
Fazer recortes e reconhecer as interseccionalidades é necessário neste sentido. A pesquisa de
mestrado foi construída em conjunto com a valorização de múltiplos componentes da subjetividade
e das histórias de vida das participantes da pesquisa. Foi mencionado anteriormente, que o estudo
envolveu a participação de adolescentes e de suas mães. A pesquisa pretendeu investigar os impactos
das violências nas filhas adolescentes. Mesmo com a importante participação das mães, as
adolescentes que foram as participantes principais de nosso estudo.
As participantes eram adolescentes, do sexo feminino, filhas de mulheres vítimas de violência
doméstica e de classe socioeconômica vulnerável. Dar espaço as interseccionalidades, é visibilizar
diferentes vivências das mulheres. As próprias pesquisas feministas são uma oportunidade de dar (ou
devolver) a voz às mulheres, segundo Harding (1987). Ainda assim, penso ser mais oportuno
possibilitarmos que as vozes femininas sejam ouvidas – nunca faltou voz a estas mulheres.
A autora afirma que precisamos tornar as experiências femininas visíveis. Isto pode acontecer,
através de pesquisas com e sobre mulheres, contadas através de suas próprias perspectivas. A história
e a cultura nos mostram que silenciar ou desvalorizar sistematicamente as vozes femininas ainda é
uma prática em vigência (HARDING, 1987). Precisamos ir contra estas práticas e este é um grande
desafio.
Ainda neste sentido é possível indicar outro desafio à presente pesquisa feminista: à adesão
de participantes. Discorrer sobre as violências sofridas ou presenciadas não é uma vivência fácil
(DINIZ; PONDAAG, 2004). Quando se propõe realizar uma pesquisa feminista, cujo principal
instrumento é a realização de entrevistas semiestruturadas, com foco em mulheres vítimas de
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violência doméstica e, principalmente, suas filhas, mais um desafio veio de encontro à pesquisa.
A participação das mães das adolescentes foi essencial, porque foram elas convidaram as
filhas a participarem da pesquisa. Esta decisão tem respaldo no fato de que, se tratando do cuidado
em saúde mental de adolescentes, há o envolvimento da dimensão escolar, comunitária e,
principalmente, a familiar em relação a estas/es jovens (PINTO et al, 2014).
Insistimos neste caminho metodológico, porque acreditamos que ele possibilita um espaço de
construção, voltado à crítica social para a temática discutida. Ser Psicóloga e Feminista, neste
contexto, auxilia na defesa de que escutar sobre as violências é um modo de pensar em maneiras de
reconhecer e combatê-las. Assim, ser Psicóloga e Feminista, também é um desafio, visto que demanda
maior atenção as interações entre gênero, violência e saúde mental. Compreender tais interações é
importante em qualquer fase do ciclo vital.
A metodologia de pesquisa pautada em teorias feministas questiona, desde o seu início, a
familiar neutralidade no modo de pesquisar, compreender e se aproximar de determinado processo
(MATOS, 2008). A/o pesquisadora/o é alguém que pode e deve ser afetada/o pela pesquisa. Deve
também estar atenta/o ao seu lugar de fala e intervenção, se for o caso. Como ser afetada/o pela
pesquisa e ao mesmo tempo escrever cientificamente? Como se distanciar de violências, se sou
mulher as violências transpassam a minha vivência? Estes desafios moveram grande parte da pesquisa
de mestrado. Ainda temos muito que pensar sobre como falar de feminismos e o modo padrão do
fazer científico.
Wilkinson (1998) denuncia uma tendência nos estudos feministas: a realização de pesquisas
prioritariamente com instrumentos de coleta de dados individuais, como as entrevistas, por exemplo.
A autora ressalta que instrumentos desta ordem podem levar ao distanciamento da/o participante de
seu contexto social (WILKINSON, 1998).
Mesmo diante dos apontamentos realizados por Wilkinson (1998), na pesquisa de mestrado
utilizamos como técnicas de coleta de dados: entrevistas semiestruturadas, em conjunto com a
aplicação de um questionário demográfico. Levamos em consideração as limitações que entrevistas
semiestruturadas poderiam oferecer a uma pesquisa feminista e construímos os roteiros de modo
cuidadoso. Deu-se a partir do estudo da literatura em relação às repercussões na saúde mental de
adolescentes que vivem em contextos de violências (ABRANCHES; ASSIS, 2011; ALMEIDA;
MIRANDA; MEDEIROS, 2010; PINTO ET AL, 2014; PRETO; MOREIRA, 2012, entre outras/os).
As entrevistas semiestruturadas de todas as participantes (filhas e mães) foram construídas
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com o intuito de não afastar as participantes de sua realidade. Justificamos esta postura, devido ao
fato de que a pesquisa feminista visa compreender a pessoa por meio de seu mundo social
(WILKINSON, 1998). Ao adotarmos a utilização de entrevistas semiestruturadas em nossa pesquisa,
pensamos, portanto, em compreender as perspectivas das participantes a respeito de uma experiência
em comum, que compõe a temática de nosso estudo (MCINTOSH; MORSE, 2015). As
entrevistas foram construídas com base em dois preceitos destacados por Yin (2010). As entrevistas
precisam: 1) englobar as necessidades da investigação e 2) apresentar “questões amigáveis e não
ameaçadoras” as participantes (YIN, 2010, p. 133). A partir da consulta à literatura especializada, o
roteiro das entrevistas semiestruturadas foi desenvolvido pensando na formulação de perguntas
verdadeiras, em um tom de conversa e que não exprimisse parcialidade por minha parte, a
entrevistadora, nas questões (YIN, 2010).
A utilização de dois instrumentos de coleta de dados é um fator que contribuiu para o
levantamento de semelhanças e particularidades das adolescentes. Neste contexto foi possível
destacar as interseccionalidades das histórias de cada uma das adolescentes. A construção do
questionário baseou-se no instrumento desenvolvido pela equipe do Laboratório de Estudos em Saúde
Mental e Cultura, Departamento de Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia, Universidade de
Brasília, sob orientação da professora Gláucia Ribeiro Starling Diniz, PhD, e no questionário utilizado
na pesquisa de Medeiros (2010).
As interseccionalidades que perpassam as vivências devem ser ressaltadas no âmbito da
pesquisa científica. No decorrer da pesquisa (seja na elaboração das entrevistas ou no processo de
análise de dados), assumimos uma postura que, ao mesmo tempo, foi desafiadora e cuidadosa. Há o
compromisso em ir contra generalizações.
Recorremos e concordamos com Rodrigo Peres e Santos (2005) ao afirmar que “a
preocupação com a elaboração de ‘leis universais’ torna-se improcedente” (PERES & SANTOS,
2005, p. 113). A pesquisa feminista se propõe a valorizar as interseccionalidades. O entendimento é
que “mulher” não é uma categoria universal (Portela, 2017). As implicações do “ser mulher” variam
de acordo com cada momento histórico e cada contexto social.
Considerações finais
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Narvaz & Koller (2006) indicam a existência de parâmetros comumente presentes nas
metodologias feministas. Englobam aspectos como: o resgate da experiência feminina; a reflexão
pautada na promoção de mudança social; a utilização de linguagens e análises que fogem de padrões
sexistas e o empoderamento dos chamados “grupos oprimidos”, que, em grande parte são formados
por mulheres.
A pesquisa que relatamos no presente artigo foi construída embasada nos elementos
supracitados. As limitações da pesquisa são consideradas, principalmente no que se refere ao número
(pequeno) de participantes. Por outro lado, os desafios que surgiram ao longo da pesquisa, assim
como os resultados acessados, motivam a continuidade do trabalho. A divulgação dos resultados
como um modo de fazer psicológico é uma opção viável.
Estudar mulheres, independente da faixa etária, é dedicar-se a compreensão de (diferentes)
violências. Bandeira (2017) aponta que os corpos femininos são considerados como “espaços
preferenciais” na dinâmica da violência mundial. É possível entendermos este fato a partir de dois
dados: o número crescente de assassinatos de mulheres e o nível de barbárie com que estes são
realizados (Bandeira, 2017; Waiselfisz, 2015).
Relacionar a exposição de adolescentes do sexo feminino às violências de suas mães demarca
o preocupante cenário, em que o sofrimento mental das adolescentes é desenvolvido: a partir das
repercussões das violências em sua saúde e em suas vidas. A violência indireta também oferece danos.
O elemento “violência” passa a fazer parte da construção subjetiva destas adolescentes.
Espaços para discutir todas as violências são necessários. Lugares em que os desafios oriundos
das discussões e intervenções em contextos de violência são igualmente relevantes no cenário atual.
A erradicação de toda forma de violência, assim como a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) indica,
pode ser realizada, se houver um trabalho conjunto de diversas áreas do conhecimento, segundo Diniz
(2011). A promoção de espaços multidisciplinares e de interlocução é urgente.
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Female adolescence and a feminist research: challenges and intersectionality
Abstract: Feminist studies as research methodology and reflection pays attention to the political and
social elements of the research participants. The singularities in "being a woman" are valued. The
insertion in the sex / gender system, socioeconomic class, sexual orientation, ethnicity, nationality
and age, are some of the elements that need to be considered. In relation to adolescence, this is a
phase that, historically, is portrayed through biological ideas and stereotypes. In more recent studies,
mainly in the area of Psychology, adolescent is seen as a socio-historical process. Just as it is
necessary to think about different ways of being a woman, it is important to understand the different
ways of living adolescence. The social environment that permeates these people needs to be
considered, due to the influence it exerts in the construction of the subjectivity of women, adolescents
and adolescent women. If the adolescent experiences the mother as a victim of domestic violence in
her family environment, will there be any influence on the young woman's life? This is the guiding
question of a research (still in the process of collecting data) of master's degree linked to the Graduate
Program in Clinical Psychology and Culture, at University of Brasilia. The challenges generated from
conducting a feminist research, with female adolescents living in a context of violence and other
intersectionalities, are the results that we intend to present from this study.
Keywords: Feminist research. Feminine adolescence. Women. Challenges. Violence