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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN ADRIANA TELES DE SOUZA
DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA
PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO.
CURITIBA 2013
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ADRIANA TELES DE SOUZA
DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA
PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO.
CURITIBA 2013
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ADRIANA TELES DE SOUZA
DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA
PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO.
Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao, Curso de Ps-Graduao em Educao, Setor de Educao, Universidade Federal do Paran. Orientadora: Prof. Dra Marynelma Camargo Garanhani
CURITIBA 2013
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AGRADECIMENTOS
Sou grata a todas as pessoas e instituies que de um modo ou de
outro contriburam para que este estudo se realizasse, especialmente:
Ao Programa de Ps Graduao em Educao da Universidade
Federal do Paran em especial as professoras Tnia Stoltz, Odissia
Boaventura, Tnia Braga, aos professores Gilberto de Castro, Geraldo Horn e
Jean Carlos Gonalves, por contriburem com a minha formao humana e
acadmica.
Aos professores e professoras, alunas e alunos, assim como as
direes dos Colgios Estaduais Tancredo de Almeida Neves, Julia Cavassin e
Santa Gemma Galgani, pela compreenso e estmulo para a realizao deste
estudo.
Prefeitura Municipal de Curitiba Secretaria Municipal de Educao
(SME) em especial ao Departamento de Educao Infantil, por me conceder a
autorizao para a realizao desta pesquisa.
s docentes Graziela Brizola Hartwig, Luciane Rocha da Silva, Priscila
Kozakiewicz, Rosangela Lara do Prado, Dbora Macedo Jamielniak, por
acreditarem na pesquisa e participarem de modo colaborativo e afetuoso no
desenvolvimento deste estudo.
professora Marynelma Camargo Garanhani a gratido por ter me
conduzido de modo sereno e proporcionado a mim, o trilhar com autonomia e
autoria os diversos percursos desta pesquisa, mais que uma orientadora uma
incentivadora na busca de novos olhares para a educao infantil e a formao
docente.
imensa gratido e a dedicao deste estudo ao meu pai e minha
me, Joo e Luiza, a minha irm e meu irmo, Mariza e Douglas, a pequena
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Isabella e ao grande Gabriel sobrinha e sobrinho, amores para vida toda, s
amigas e amigos em especial ao Adriano, Henrique, Cssia, Elisangela, Glria
e Fabrcia. Estas pessoas me elevam, incentivam e me tornam um ser humano
melhor.
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RESUMO
A presente pesquisa buscou analisar, para conhecer a compreenso de Jogo Dramtico nos dizeres de docentes que atuam na educao infantil. A abordagem terica foi a Histrico-Cultural e para isso utilizei os estudos de Vygotsky (2009, 2000, 1999, 1995), o Materialismo Histrico Dialtico em Elkonin (2009), O Jogo Dramtico em Slade (1978), Ryngaert (1981, 2009), Courtney (2010), as concepes do jogo como elemento cultural humano em Huizinga (2010). Os procedimentos metodolgicos envolveram em um primeiro momento a anlise documental e no segundo momento a anlise de intervenes pedaggicas, com base nas orientaes de Mazzotti e Gewandsznajder, (1998). Para a produo dos dados foi utilizada a tcnica de grupos focais, com base nas orientaes de Gatti (2012) e, para anlise dos dados da pesquisa foi utilizada a proposta metodolgica de construo e anlise de Ncleos de Significao proposta por Aguiar e Ozella (2013) e a sua relao com a questo do pensamento e da linguagem em Vygotsky (2000). Para isso houve a organizao e a apresentao da anlise em quatro ncleos de significao, com seus respectivos indicadores. Estes ncleos foram submetidos a trs dimenses: realidade, mediao e significaes. Assim, as anlises das falas permitiram dimension-las do seguinte modo: anlise da realidade, anlise da mediao docente, anlise de significaes. Houve tambm o trabalho com a leitura de imagem, identificadas como moderador, por considerar que em um dilogo, tanto a fala, o texto escrito, quanto imagem so parte integrante de um dilogo. Neste sentido, o Jogo Dramtico expresso nas falas se insere como um meio concreto de simular situaes cotidianas e no somente um recurso usado para dinamizar determinados contedos. As significaes produzidas em jogo so as representaes propostas em jogo. Para tanto, necessrio haver uma formao docente que dialogue com a complexidade desta linguagem teatral. Conclui assim que o Jogo Dramtico na educao um modo integral de promover o desenvolvimento infantil, de ampliar as possibilidades de expresso da criana, de gerar novos espaos para se discutir a aprendizagem, a formao docente, os currculos, os modelos de avaliao e de desenvolvimento.
Palavras-chave: Formao docente; docentes da educao infantil; Jogo Dramtico;
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ABSTRACT This study sought to analyze Dramatic Play through the words of teachers working in early childhood education to find out the understanding of Dramatic Plays. The theoretical framework was cultural-historical and thus studies of Vygotsky (2009, 2000, 1999, 1995), historical dialectical materialism in Elkonin (2009), Dramatic Plays in Slade (1978), Ryngaert (1981, 2009), Courtney (2010), and the concepts of plays as a human-cultural element in Huizinga (2010) were used. The methodological procedures at first involved documentary analysis, and subsequently, the analysis of pedagogical interventions, based on the guidelines of Mazzotti and Gewandsznajder, (1998). To produce the data, the technique of focus groups, based on the guidelines of Gatti (2012) was used, and for the analysis of the survey data, the methodology proposed for the construction and analysis of core of meanings by Aguiar and Ozella (2013) and its relation to the question of thought and language in Vygotsky (2000) were used. For that the organization and presentation of the analysis in four different cores of meaning with their respective indicators. These nuclei were submitted to three dimensions: reality, mediation and meanings. Thus, the analysis of speech enabled the following dimensions: analysis of reality, analysis of teaching mediation, and analysis of meanings. There was also work with the reading of images, identified as moderators, considering that in a dialogue speech, written text, as well as, the image are integral parts of a dialogue. In this sense, the Dramatic Play expressed in speech takes place as a practical means of simulating everyday situations and not just a feature used to boost certain content. The meanings produced in plays are the representations proposed in the play. Therefore, it is necessary to be a trained teacher that speaks to the complexity of such theatrical language. I have thus concluded that Dramatic Plays in education is an integral method of promoting child development, to expand the possibilities of expression of the child, and generate new opportunities to discuss learning, teacher training, syllabi, assessment models and development. Keywords: teacher training, teachers of early childhood education; Dramatic Plays;
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DE LUCIANE ROCHA DA SILVA. NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL(2010)................................................ 67
QUADRO 2 - PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DE
PRISCILA APARECIDA KOZAKIEWICZ. NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL, (2010)...............................................69
QUADRO 3 - PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DE
DEBORA GONALVES MACEDO JAMIELNIAK. NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL, (2010)........................................................................................70
QUADRO 4 - PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DA
DOCENTE GRAZIELA BRIZOLA HARTWIG NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL, (2010)...............71
QUADRO 5 PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DA
DOCENTE ROSANGELA MACHADO LARA DO PRADO NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL, (2010)...............73
QUADRO 6 - SNTESE DA ANLISE DOS PLANEJAMENTOS DAS
INTERVENES PEDAGGICAS DAS DOCENTES PARTICIPANTES DA PESQUISA: DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO............................................. 74
QUADRO 7 - O PERFIL DAS DOCENTES PARTICIPANTES DA PESQUISA:
DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO...76
QUADRO 8 PR-INDICADORES PARA A CONSTITUIO DOS NCLEOS DE SIGNIFICAO DA PESQUISA DO JOGO AO DRAMA: A COMPREENSO DEDOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO........86
QUADRO 9 - EXEMPLOS DE FALAS QUE INDICAM A RELAO DO JOGO DRAMTICO COM APRESENTAES TEATRAIS. IDENTIFICADAS NA PESQUISA DO JOGO AO DRAMA: A
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COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO............................................ 87
QUANDRO 10 INDICADORES PARA A CONSTITUIO DOS NCLEOS DE SIGNIFICAO DA PESQUISA DO JOGO AO DRAMA: A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO............................................ 88
QUADRO 11 NCLEOS DE SIGNIFICAO E INDICADORES DA
PESQUISA: DO JOGO AO DRAMA: A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO.......................................................................... 89
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LISTA DE IMAGENS
IMAGEM 1 - MODERADOR IMAGEM : O JOGO DRAMTICO E AS
APRESENTAOES TEATRAIS NA ESCOLA....................... 95 IMAGEM 2 - MODERADOR IMAGEM: AS DVIDAS ENTRE A
DIFERENA DO JOGO DRAMTICO E DO JOGO TEATRAL.............................................................................. 102
IMAGEM 3 - MODERADOR IMAGEM INDICADORES: TUDO ENCAIXA
NO JOGO DRAMTICO A MATEMTICA, O MOVIMENTO; O JOGO TEM UM FORMATO, UM CAMINHO, A BRINCADEIRA NO....................................................................................... 107
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LISTA DE FIGURA
FIGURA 1 - SELEO DE PRTICAS QUE CARACTERIZAM O JOGO
DRAMTICO NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE
VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL DA
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAO DE CURITIBA
PARAN, 2010............................................................................62
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LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 - TERMO DE AUTORIZAO DE PARTICIPAO NA
PESQUISA.................................................................................135
ANEXO 2 - CARTA DE APRESENTAO, INTENO E OBJETIVO DA
PESQUISA.................................................................................136
ANEXO 3 TERMO DE AUTORIZAO PARA A REALIZAO DA
PESQUISA.................................................................................137
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SUMRIO ATO I - OS CAMINHOS DA MINHA FORMAO E A INTRODUO DO ESTUDO............................................................................................................13 1.1 A problematizao do tema da pesquisa: o olhar de dentro e o olhar de
fora..............................................................................................................16 1.2 O lugar do estudo: sua justificativa e
objetivo.......................................................................................................25 ATO II ENTRE AS TRAMAS DO JOGO E DO DRAMA: UMA REVISO DE ESTUDOS..........................................................................................................32 2.1 Jogo, Drama e Jogo Dramtico: a construo do conceito........................32 2.2 O Jogo Dramtico na educao infantil: um recurso docente....................44 ATO III OS SUJEITOS DA PESQUISA E OS PROCEDIMENTOS METODOLGICOS...........................................................................................58 3.1 O contexto da pesquisa e a caracterizao das docentes participantes.......................................................................................................58 3.2 O Grupo Focal como instrumento da pesquisa........................................ 77 3.3 Os Ncleos de Significaes como proposta de anlise dos dados..........82 ATO IV O QUE FALAM AS DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO......................................................................................91 4.1 O que o Jogo Dramtico? Em busca de um conceito.............................91 4.2 Quais as regras do Jogo Dramtico? Pode ou no pode?..........................97 4.3 Qual o sentido do Jogo Dramtico? Para que serve?...............................100 4.4 O que o Jogo Dramtico na educao infantil? Contribuies e ou limitaes?.......................................................................................................105 ATO V CONCLUSES E CONSIDERAES SOBRE A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO...................................................................................................125 REFERNCIAS...............................................................................................131 ANEXOS..........................................................................................................135
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ATO I - OS CAMINHOS DA MINHA FORMAO E A INTRODUO DO
ESTUDO
H um menino, h um moleque, morando sempre no meu corao, toda vez que o adulto balana ele vem pra me dar a mo. MILTON NASCIMENTO
1.
Pensar na criana que fui pensar: como continua em mim? Em mim
ainda persiste atravs das peraltagens, que me fazem escancarar os
horizontes, descortinar os lugares que ainda no acessei, e resignificar os j
conhecidos. Porque no dizer como na epgrafe, de autoria de Milton
Nascimento, porm em mim h uma menina, uma moleca, proprietria dessa
casa chamada corpo e, toda vez que um vento forte a balana, a criana esta
l, pronta para dar a mo. Ela ainda habita em mim e pensar nela vasculhar
o impossvel, percorrer o que no se percorre, pensar no inimaginvel, falar o
impensvel, ouvir as flores, ver a cor do barulho, sentir o cheiro do riso. H
um passado no meu presente [...]2. Uma vez que essa criana me fala de
coisas que no deixaro de existir, e se nunca deixaro de existir, o meu
passado o meu presente a minha histria, dentro da histria do mundo.
Portanto, abro as cortinas dos diferentes caminhos da minha formao
que me levaram em 1995, mesmo antes da minha graduao, para as salas de
aula de uma instituio de ensino especial na cidade de Curitiba - Paran.
Neste perodo estava cursando teatro na Academia de Artes Cnicas Cena
1 A msica Bola de Meia , Bola de Gude, de Milton Nascimento e Fernando Brant foi lanada
na dcada de 70 e regravada por nomes como Flvio Venturini do 14 Bis, os membros do Clube da Esquina (movimento musical mineiro que se desenvolveu no bomio bairro de Santa Tereza). Esta composio escrita em meio turbulncia dos anos 70, busca a noo de liberdade e retrata o embate as solicitaes de uma vida adulta e o que ainda resta da viso de criana e o quanto se faz necessrio o dilogo entre o velho e novo.
2 Nascimento, Milton. Brant, Fernando. Msica Bola de Meia, Bola de Gude. lbum: Banda de
Boca MPB Pras Crianas, Gravadora: Biscoito Fino, 2009.
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Hum3, o que me permitiu trabalhar com crianas e adolescentes desta
instituio as diversas possibilidades da linguagem teatral.
Neste primeiro palco, chamado sala de aula, reconheci que a minha
cultura o modo como ordeno meu mundo. O mundo que crio para aprender a
viver, pertencer, ora me submeto e permaneo, ora penso, reflito, questiono e
transgrido o que me apresentaram como crenas, jogos, ritos, linguagens,
sejam nos meus gestos, na minha palavra, nas imagens que fao das imagens
que recebo, nas cores que me tocam, nos cdigos que decodifico, simbolizo e
significo, ressignifico.
Verificar que a arte, e mais especificamente o teatro, uma linguagem,
um idioma capaz de dialogar com crianas com necessidades especiais de
aprendizagem e esta experincia docente, me fez aprofundar os estudos sobre
o teatro. Ento, posterior a minha formao em Artes Cnicas (Bacharelado) na
Faculdade de Artes do Paran (FAP), ingressei em 2002 na Fundao Cultural
de Curitiba Regional Pinheirinho - Boa Vista, na orientao de curso de teatro
para crianas e, em paralelo, desenvolvi pesquisas e oficinas sobre a
linguagem teatral para crianas na Lambrequim Cia de Teatro4, juntamente
com trabalhos teatrais desenvolvidos para a Prefeitura de Curitiba na
Fundao de Ao Social (FAS).
Assim, estes diferentes palcos me fizeram perceber que os meus
caminhos culturais so sempre permeados pela arte, ento ordeno o mundo ao
qual perteno e o meu mundo interior, segundo a lgica da arte, que me leva a
pensar o humano como processo: num dado momento da histria estagna, em
outro se destri, se perde, se constri e se transforma.
No processo de trabalho em cenrios diversos, em 2009, fui convidada
para ministrar cursos de formao docente na Secretaria Municipal da
Educao de Curitiba (SME), com o intuito de desenvolver cursos voltados
3 Primeira escola de teatro da cidade de Curitiba Paran. Fundada por George Sada em
1995. O Hum com H no nome da Academia significa humano. 4 Esta Companhia foi fundada em 1999. Reativada em 2001 por estudantes de Artes Cnicas,
Artes Visuais, Msica e Arquitetura da PsGraduao em Fundamentos do Ensino da Arte da Faculdade de Artes do Paran, com o intuito de pesquisar o mundo da criana, a dramaturgia contempornea e a cultura popular tanto no Brasil, quanto em outros pases.
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para a linguagem teatral: formas animadas, o faz de conta e o Jogo
Dramtico5.
No entanto, a diversidade encontrada na formao dos profissionais
que participaram dos cursos de formao, e as diferentes respostas
apresentadas durante os mesmos, instigaram-me a buscar estudos mais
aprofundados a respeito das prticas e a formao com a linguagem teatral, as
quais so desenvolvidas para a educao infantil. Para tanto, tambm foi
indispensvel investigar o modo como o Jogo dramtico tratado nos
documentos oficiais para o ensino com a criana pequena. Sendo assim, a
necessidade de investigar esta reflexo me levou ao Curso de Mestrado em
Educao da Universidade Federal do Paran (UFPR).
Assim, sei que houve um logo caminho percorrido nesta investigao,
para entender como o que vi transformou o meu olhar e de que modo isso se
deu. Sei que a necessidade de anlise do meu olhar sobre o objeto de estudo
aqui pesquisado porque a minha viso no nica no mundo. Tambm sei
que iro existir outros olhares, nos meus olhares, sobre o que vejo, penso,
perteno, nego, afirmo, ou o que ainda vou conhecer.
Neste primeiro ato6 da minha pesquisa apresento, os trajetos
percorridos em minhas experincias com a linguagem teatral em sala de aula e
os dilogos estabelecidos na busca em compreender a dimenso dramtica do
jogo, ou seja, do Jogo Dramtico. Para tanto, os dilogos se fazem por meio
dos estudos sobre o Jogo Dramtico principalmente na verso francesa em
Ryngaert (1981-2009) e na verso inglesa Slade (1978). Tambm como o
Jogo Dramtico se insere no cenrio educacional brasileiro. Para tanto, os
dilogos se estendem para as Leis de Diretrizes e Bases da Educao
Brasileira e As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil.
Assim como, os estudos sobre formao docente.
No segundo ato da pesquisa abordo o referencial terico, sobre o
conceito de drama, jogo e Jogo Dramtico. Abordo tambm a discusso sobre
5 Utilizarei o termo Jogo Dramtico em negrito e em letra maiscula, para evidenci-lo como
tema da pesquisa. 6 Vou escrever os captulos em atos. Pois, isto exemplifica as cenas vivenciadas durante a
minha trajetria, as quais influenciaram diretamente na reflexo deste estudo.
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o Jogo Dramtico como conhecimento para o desenvolvimento da criana.
Neste sentido, o referencial terico tem como base os estudos de Vygotsky,
(2009, 2000, 1999, 1995), Elkonin (2009) Ryngaert (2009, 1981), Huizinga
(2010) e Courtney (1988).
O terceiro ato da pesquisa trata da descrio dos procedimentos
metodolgicos da investigao.
O quarto ato a apresentao da anlise dos dados, ou seja, os
dados produzidos levam a compreender como as docentes expressam seu
entendimento sobre o Jogo Dramtico.
O quinto ato so as concluses e consideraes decorrentes do
estudo realizado.
Esta sntese apresentada pontua alguns dos meus principais
caminhos nesta pesquisa. No entanto, no h como no pautar o processo
desta investigao em outros autores e autoras, em outros cenrios, para que
fosse possvel realizar a problematizao do tema que ser apresentado. Pois
todos os caminhos e dilogos estabelecidos que ainda sejam citados me
conduziram de um modo ou de outro a este estudo. Para isto, apresento a
pesquisa intitulada Do Drama ao Jogo: a compreenso de docentes da
pequena infncia sobre o Jogo Dramtico.
1.1 A problematizao do tema da pesquisa: o olhar de dentro e o olhar
de fora
Neste primeiro ato da minha pesquisa falarei das cenas que a minha
criana encontrou com outras crianas e, neste palco de inmeras
possibilidades, fez-me crer e buscar compreender de um modo mais
sistemtico, como preservar e ampliar esse tempo to efmero e que deixam
marcas to profundas, o tempo da infncia. Tanto nas crianas que encontrei
na minha infncia, quanto s crianas escondidas na minha vida adulta,
mostraram-me que viver um eterno jogo, uma luta contnua, um drama.
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Drama este que coloca a criana que fomos e somos na boca de cena7 e, sem
platia, joga-nos sem limites no exerccio da vida.
Fazer de conta, colocar-se no lugar do outro e transgredir o j
pensado, lutar pelo que ainda no se conhece e achar soluo para o que
ainda h de vir. Criar realidades para alm das realidades que conhecemos
entrar nos labirintos da imaginao e percorrer tramas, descortinar
personagens, andar por cenrios desconhecidos, reinventar o corpo,
resignificar a voz e solucionar o conflito. Sem este conflito no haveria o jogo
nem o drama, para tanto, no haveria o que desde muito cedo a criana
pequena desenvolve com maestria: o Jogo Dramtico.
As inquietaes da minha infncia nunca cessaram, sempre ecoaram
vez ou outra dentro de mim, mesmo nos momentos em que eu teimava em no
ouvi-las. Recordar o momento em que os Jogos Dramticos se fizeram
presentes em minha vida de criana lembrar do velho lato de tinta, que
ficava no fundo do quintal, eu no deixava por nada no mundo jogarem fora,
mesmo que a minha me reclamasse e achasse estranho aquele
comportamento: s uma lata velha... Que nada era s um olhar mais atento e
ele se transformava, em navio de piratas, submarino, caverna, mesa, pista de
corrida de formigas, escorregador de tatu bolinhas.
Passava horas projetando nele todas as minhas invenes, dialogando
com todas as personagens em que ele se transformava, trazia ali pedaos de
troncos, de tecidos que se transformavam em fada, na bruxa da tampinha, no
velho do saco, e em quais personagens a imaginao fosse capaz de acessar.
Ali tambm resolvia os conflitos criados para as personagens, que por sua vez
tambm eram meus conflitos, tinha todos os sentimentos atravs delas, sendo
elas as personagens.
No lembro ao certo quando o velho lato de tinta foi deixando de
brincar comigo e eu com ele, mas creio que foi de um modo tranquilo que eu
no senti ele se afastar. Penso que foi como a onda quando toca os ps e volta
novamente para o mar, para mais uma vez acontecer, quando se permite que
os ps estejam ali para receb-la.
7 Parte frontal do palco no teatro, anterior a ribalta, espao que separa o palco da platia.
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A imagem do velho lato de tinta nunca me deixou, levei-o para o
primeiro dia na escola. Quando me deparei com a to sonhada escola, tudo
era terrivelmente assustador, era tanta criana junta e todas deveriam ficar
sentadas, olhando para as explicaes da professora que na poca era
chamada de tia e o ano era 1982.
Particularmente no recordo de uma s palavra, lembro dos choros de
algumas crianas, do olhar de pavor de outras, do meu olhar desconfiado e
medroso de que iramos ser deixados ali naquele lugar para sempre, sem
direito a se movimentar. Recordo de um som abafado que vinha do meu lado
direito, quando olhei era uma menininha que soluava, eu at ento, apesar do
susto de todo aquele cenrio, ainda no estava chorando. Foi ento que
comecei a falar, para isso claro eu tinha que falar tambm com o corpo, porque
s as palavras no eram suficientes. O prazer dividido no durou muito:
sentem, quietas!
Naquele dia aprendi que a escola era muito diferente da minha vida
de criana e da vida de todas as crianas que ali estavam. At a professora em
nada se parecia com a imagem que eu tinha das figuras femininas da minha
infncia: a v, a me, a tia, a madrinha. Ela lembrava sim uma imagem
masculina de movimentos simtricos, rgidos, era como um general.
Estabelecia-se ento um conflito8, o qual segundo Pallottini (1988), a
primeira Lei do Drama. Caso eu no tivesse conhecido to cedo o velho lato
de tinta, certamente no teria condies de resolv-lo.
As minhas andanas por diferentes cenrios me levaram, anos depois,
a mesma condio da minha primeira professora: a mesma sala, as mesmas
carteiras, o mesmo quadro com giz, os mesmos olhos assustados, a mesma
professora, mas no era a mesma professora e tambm no eram os mesmos
olhos de quatorze anos atrs. A professora ali presente, reconhecia o drama j
vivido e era consciente que este resulta do confronto de vontades, ideias e
8 Conflito aqui utilizado como referncia ao drama, sendo este a primeira lei dialtica ou lei do
drama que em sua totalidade so 4 extradas da lgica dialtica de Hegel, e estudada pelo professor, autor e diretor de teatro Augusto Boal (Pallottini, 1988, p.41).
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aes. Ento recorro segunda Lei do Drama: a ao dramtica que o
movimento interior, o devir (PALLOTTINI, 1988, p. 41).
Percebi ento o quanto o jogo socialmente institudo - o jogo de futebol
- faz referncia aos jogos competitivos e voltados aos meninos. Pois, quando
solicitados a jogar, as meninas no se mostraram muito entusiasmadas, pelo
fato do jogo remeter aos jogos de bola. Faz-se necessrio lanar mo da
terceira Lei Dramtica: a variao qualitativa que o ponto de mudana
para o qual caminha o conflito, em sua intensificao. Chegando a esse ponto
de aquecimento mximo, a linha do conflito deve mudar, sofrer uma variao
ou salto qualitativa (PALLOTTINI, 1988, p. 41). Sendo assim um novo
convite feito: Vamos fazer um crculo! Todos sabem como se faz um crculo?
Sim!!! (todos).
Ento aqui se institui o Jogo Dramtico, que segundo Slade (1978, p.
18) [...] uma forma de arte por direito prprio; no uma atividade inventada
por algum, mas sim o comportamento real dos seres humanos. Haja vista
que um dos modos da criana estar em atividade, ou seja, de pensar, relatar,
criar, trabalhar e envolver-se na vida e no mundo. Conforme o mesmo autor os
momentos de jogo propiciam situaes to claras que foi necessrio surgir uma
nova terminologia o Jogo Dramtico, para distinguir o processo realizado
neste jogo e o que se entende por teatro.
Este sempre nos pareceu um bom termo, pois ao pensar em crianas, especialmente nas menores, uma distino muito cuidadosa deve ser feita entre drama no sentido amplo e teatro como entendido pelos adultos. Teatro significa uma ocasio de entretenimento ordenada e uma experincia emocional compartilhada; h atores e pblicos, diferenciados. Mas a criana, enquanto ainda ilibada, no sente tal diferenciao, particularmente nos primeiros anos cada pessoa tanto ator como auditrio (SLADE, 1978, p. 18 grifo do autor).
Para tanto, no Jogo Dramtico todos participam do processo, da
situao estabelecida, no h necessidade de uma platia, j que todos so
fazedores (SLADE, 1978, p. 18). Nesse sentido, no tem a separao palco
platia, o espao um s: o da luta em grupo, para solucionar um propsito
dramtico. Pensar em dramtico elucidar o significado da palavra drama.
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Esta a importncia da palavra drama no seu sentido original, da palavra grega drao eu fao, eu luto (grifo do autor). No drama, [...] no fazer e no lutar, a criana descobre a vida e a si mesma atravs de tentativas emocionais e fsicas e depois atravs da prtica repetitiva, que o jogo dramtico (SLADE, 1978, p. 18).
Sendo assim, a condio para que acontea o Jogo Dramtico, deve
estar intimamente ligada ao contexto proposto ou pela prpria criana, ou pelo
adulto, sem a relao com o teatro, j que este tem uma raiz diversa do drama,
apesar de cont-lo no seu processo. Teatro o lugar de onde se v, portanto,
necessita do olhar de fora, ou seja, o olhar de uma platia. No Drama a criana
entra em contato com o mundo a sua volta, para isso no necessrio uma
platia, pois trata-se do fazer, da ao da criana.
Para situar historicamente a terminologia Jogo Dramtico busco sua
raiz nas vertentes francesa e inglesa sobre este termo, em especial nos
estudos de Ryngaert (2009), o qual fala da terminologia do Jogo Dramtico e
sua relao com as inovaes da linguagem teatral. Jacques Copeau (1879 -
1949), citado por Ryngaert (2009, p. 11) [...] passa a sistematizar diretrizes
para sua formao gradual e progressiva, dando origem a uma verdadeira
pedagogia permeada por preocupaes de carter tico. Ou seja, Copeau
buscou na sua formao artstica desenvolver um sistema de jogos por meio de
improvisaes, o que se assemelha ao processo com as formas dramticas.
Ainda de acordo com Ryngaert, (2009, p. 12) Outro nome de relevo para uma
anlise das origens da prtica do jogo dramtico de Charles Dullin (1885
1949), [...] sua busca de uma metodologia que conduza sinceridade do ator,
o leva a preconizar a improvisao teatral como caminho por excelncia para
que ao aluno descubra seus prprios recursos expressivos.
Todo esse percurso teatral desenvolvidos por Copeau e Dullin, servem
de incio para a sistematizao de um trabalho artstico, para alm do meio
teatral. Porm, foi somente com Lon Chancerel, (1886 -1965) citado por
(RYNGAERT, 2009, p.12) [...] que se forja o termo jogo dramtico na dcada
de 1930.
A partir destes estudos e prticas em diferentes campos sociais, o
Jogo Dramtico se institui como um meio de aprendizagem e reflexo do
contexto social. Sua disseminao se estabelece por meio da publicao
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continua das revistas de teatro intituladas Cahiers d art dramatique [..] acabou
inspirando, no Rio de Janeiro, a criao dos Cadernos de teatro do Tablado,
coordenado por Maria Clara Machado, importante fonte de formao e reflexo
teatral pelo Brasil afora, sobretudo durante os anos de 1960-70 (RYNGAERT,
2009, p. 12).
Sendo assim, o Jogo Dramtico na sua criao e desenvolvimento
tem como princpio a atuao improvisada, a busca pela percepo individual
da proposta estabelecida no jogo, dentro de regras precisas, formuladas
atravs de um roteiro prvio. Isto entender no processo com o jogo a criar
suas situaes, seus tempos, suas personagens, sem, no entanto, ter que
reproduzir o que feito pela mediao docente.
portanto dentro desse panorama histrico que a prtica do jogo dramtico se insere, privilegiando uma atuao improvisada que se contrape simples reproduo de formas teatrais consagradas. Essa perspectiva, inicialmente dirigida para a atuao junto s jovens geraes, estende-se pouco a pouco tambm aos adultos (RYNGAERT, 2009, p. 13).
Portanto, aqui excursiono o Jogo Dramtico de apresentao
pessoal, o qual consiste no fato de todos estarem em crculo, e h uma
sequncia de movimento e palavra, ou seja, todos os que jogam, um a um,
devem apresentar-se, falar seu nome e usar um gesto corporal. Ao qual o
jogador ao lado deve repetir a sequncia de quem j se apresentou, inserindo a
este a sua apresentao verbal e corporal.
Para um adulto este jogo apresentaria um temor, o medo de errar, mas
para a criana um desafio alegre, solidrio, espontneo, sem preocupao
com acertos ou erros, de olhos atentos, a cada respirar, a cada movimento,
com olhos de observar, com olhos de ao. Ver a relao to ntima da criana
com o Jogo Dramtico, fez-me pela primeira vez v-lo como possibilidade de
pesquisa.
Percebi ento o que era o olhar de dentro no Jogo Dramtico e o
olhar de fora, at ento s vivenciado com profissionais do teatro ou em
minhas incurses acadmicas. O meu olhar de fora ento acessou o meu olhar
de dentro, quando me deparei com crianas, que traziam em si o esprito
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artstico sem serem artistas, estavam ali em prontido, com olhares
entusiastas, sem perguntas, jogados no jogo: na ao dramtica9.
Ento compreendi que a [...] cada alterao da afetividade humana
corresponde uma respirao prpria [...] (ARTAUD, 1993, p.130),
complemento ao dizer: um olhar prprio, um gesto, um movimento prprio, um
querer prprio, para este olhar que esta dentro, que traz desejos reprimidos,
outros expostos, falas internas, roteiros de vida, que por sua vez quando bem
mobilizados, quando no cabem mais em si so expulsos para o olhar de fora.
Isto o embate contnuo do olhar do outro, para o outro, com o outro. Neste
embate de tantos olhares de dentro e de fora, o prprio olhar melhora e, s
ento volta a ser seu. preciso ver o ser humano como um duplo10, ou seja,
recorrer aos recursos adquiridos internamente para acessar os recursos
externos, os saberes que se apresentam no jogo da vida.
Para esclarecer o que duplo pode-se comear por dizer o que ele no . No se trata de uma imagem, nem de um reflexo. A peste, por exemplo, no a imagem do teatro, ela o teatro. [...] entre o teatro e seu duplo no se estabelece uma relao simplesmente metafrica e verbal, mas uma relao de identidade. [...] Artaud quer juntar a diviso, a contradio, o perigo, a fim de livrar o homem de sua letargia, pelo seu Duplo que se tornou o princpio da linguagem por correspondncia e por signos ele quer tornar sensvel a unidade mltipla da vida. O teatro concebido por Artaud , portanto, um teatro de ambivalncia; nele a iluso verdadeira, a destruio construtiva e a desordem ordenada [...] (VIRMAUX, 1990, p. 46).
Ora, se as crianas pequenas conseguem dialogar com seus recursos,
que a princpio eu julgava insuficientes para resolver os conflitos expostos no
jogo como drama, estava eu enganada, no s conseguem solucionar o que
9 O movimento interior, como j citado em PALLOTINNI (1988, p. 9 - 41) A ao a vontade
humana que persegue seus objetivos, consciente do resultado final [...] Movimento este que conseqncia do conflito que se intensifica no desenrolar das cenas apresentadas, at a sua resoluo. [...] A ao dramtica resulta, portanto, do conflito. Este conflito tem seu curso: h o momento, digamos, do seu nascimento, o momento do seu desenvolvimento, o da sua ecloso (ponto crucial) e, depois o da sua resoluo. 10
Artaud (1993, p. 130), ator e encenador francs que pesquisou o corpo do artista e os movimentos desse corpo no oriente. Para ele o artista um atleta do corao, escreveu Um atletismo afetivo (parte integrante do livro: Teatro e seu Duplo. So Paulo: Martins Fontes, 1993), aps suas incurses em Bali para estudar o gesto orgnico das danarinas, ou seja, o corpo precisa sentir a ao, no s reproduzi-la necessrio a tomada de conscincia do corpo que atua na representao de um papel e aqui enfatizo a atuao no Jogo Dramtico.
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proposto, mas vo alm criando novas situaes. Esta primeira cena me leva
ento a recorrer a Artaud (1993), quando este fala que os mecanismos internos
do corpo provocam uma reapario espontnea da vida:
[...] como uma voz nos corredores infinitos em cujas margens dormem guerreiros. [...] mas, se uma criana de repente grita olha o lobo (grifo do autor), esses mesmos guerreiros despertam. [...] seu inconsciente mais sensvel e flutuante topou com uma tropa de inimigos. Assim, por meios indiretos, a mentira provocada do teatro cai sobre uma realidade mais temvel que a outra e da qual a vida no suspeitara (ARTAUD, 1993, p. 132).
Assim, percebi que os recursos corporais do adulto quando so
acionados por meio do jogo, os seus guerreiros11 internos no so
despertados, pois permaneceram muito tempo adormecidos, sem que ningum
recorresse a eles durante longo perodo, ficaram esquecidos, sem ao, funo
ou porque existir. A partir desta consideraes fui lanada para a segunda
cena deste primeiro ato. Busquei outros cenrios, os quais me levaram a
perceber a atuao do adulto na ao com crianas pequenas12, ou na
proposio de situaes ldicas que entendo como os jogos de faz de conta
e brincadeiras cantadas, contao de histrias ou invenes criadas com sons
e movimentos.
Mais adiante, comecei a me perceber no s como artista, mas
tambm como professora, e quais eram os recursos afetivos e corporais que a
mim pertenciam e que me possibilitam dialogar com outros corpos durante o
processo de Jogo Dramtico. Para tanto, pensar no jogo e no drama e na
juno dos dois trilhar os caminhos j citados da estrutura do drama com
seus conflitos, ao dramtica, a variao qualitativa e chegar juno
11
Guerreiros aqui usado para relacionar os mecanismos de alerta do inconsciente humano, que so despertados no momento da atividade dramtica. Este termo citado em Um Atletismo Afetivo Teatro e seu Duplo, (ARTAUD, 1993, p. 130). 12
Utilizarei o termo criana pequena nesta pesquisa, para me referir a educao infantil que hoje no Brasil de 0 a 5 anos. Isto Na atual organizao educacional brasileira a educao Infantil a primeira etapa da Educao Bsica, correspondendo educao de crianas de 0 a 5 anos, sendo o termo creche utilizado para a educao de crianas de 0 a 3 anos e pr-escola para as crianas de 4 a 5 anos (Nadolny, 2010, p. 13).
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desses elementos. Ou seja, a interdependncia (grifo meu) de todos os
componentes, constncia da ideia central [...] (PALLOTTINI, 1988, p. 42).
A partir dessas andanas artsticas e docentes, tanto atuando com
crianas, quanto na formao docente em diferentes instituies. Houve um
momento dessa atuao que me levou ento ao encontro de um grupo de
docentes da educao infantil.
Neste estudo dei preferncia ao termo docente, por me parecer mais
adequado para a pesquisa, tanto quanto ao gnero, como as nomenclaturas.
Assim, na Rede Municipal de Ensino de Curitiba, campo de estudo desta
pesquisa, utiliza-se os termos professores e educadores conforme a distino
de cargos e salrios. Sendo assim, optei por utilizar docentes para me referir
tanto a uma nomenclatura, quanto a outra.
Utilizarei o termo as docentes para me referir as docentes participantes
da pesquisa. Tambm, por uma questo de gnero, j que se tratam somente
de mulheres. Estas docentes da pequena infncia13 fizeram parte do curso de
vivncias e formao em Jogos Dramticos, que ministrei nesta rede
municipal de ensino. Com isso, este o grupo de docentes me fez retornar
novamente ao meu primeiro contato com o ensino de crianas, aos pequenos
olhares de fora e de dentro, da minha conscincia como artista e professora.
Pois, percebi em alguns docentes uma visvel resistncia aos jogos propostos
e, o contrrio tambm, para alguns docentes foi um encontro de encantamento,
de reafirmao das suas prticas, agora reconhecidas pela teoria vivenciada no
curso.
Como era difcil, e encantador, trazer para fora e jogar esse drama
construdo culturalmente, psicologicamente, antropologicamente,
sociologicamente e folcloricamente. Como era assustador revelar,
compartilhar essa criana que adormecida e reprimida se escondia, trmula
dentro de cada docente, que mesmo trabalhando diretamente com crianas
13
O termo pequena infncia ser utilizado nesta pesquisa, para caracterizar as idades pr-escolares, ou seja, [...] a escolarizao de crianas antes da idade obrigatria cresceu a tal ponto que, nos organismos internacionais, a noo muito ambgua educao escolar foi substituda pela expresso mais geral de educao da pequena infncia [...] (PLAISANCE, 2004, p. 222 - 223).
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nunca tinham percebido que seus corpos podiam se expressar atravs do
Jogo Dramtico.
Portanto, a complexidade de respostas dadas pelos participantes em
relao ao jogo dramtico, ora de participao, ora de afastamento, em um
curso que poderia levar aos risos, suores, ouvidos, respiraes, atuantes em
um processo significativo, fez-me trazer o Jogo Dramtico para a luz dos
saberes pesquisados sobre a Formao Docente14. Portanto, necessrio
pautar a presente pesquisa na seguinte pergunta:
Qual a compreenso de Jogo Dramtico para as docentes que atuam na
educao de crianas pequenas?
1.2 O lugar do estudo: sua justificativa e objetivo
O cenrio que hoje se apresenta sobre a funo social da infncia tem
passado por profundas modificaes, lanando novos olhares tanto para a
condio da infncia como processo histrico e cultural, como tambm, a sua
educao. Agregam-se a esses fatores a ampliao e consolidao de
estudos e pesquisas que tm contribudo para a construo de conhecimentos
relativos educao de crianas desde o nascimento em ambientes coletivos
(GUIMARES e REIS, 2011, p.14).
Atualmente o espao dado ao ensino de crianas tem como princpio o
pleno desenvolvimento de suas capacidades. As experincias firmadas nos
programas educacionais para a educao infantil de qualidade so indcios de
que os investimentos neste nvel de educao promovem a garantia da
cidadania, de autonomia e emancipao da criana em todo o seu percurso
14
[...] formao docente refere-se a um processo de apropriao e construo de formas de pensar, sentir, agir, em situaes de ensino e de atribuir significados a seus componentes, segundo uma matriz ideolgica que se constitui social e historicamente. um processo complexo que se faz ao longo do desenvolvimento pessoal e profissional do docente [...] ela fruto de um complexo conjunto de mediaes, dentre as quais a formao inicial apenas uma delas [...] (TARDIF, 2002, p.21). O termo Formao Docente ser utilizado em letra maiscula para enfatizar a sua importncia nesta pesquisa.
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escolar. Nessa direo, avalia-se que as efetivas contribuies desse nvel de
ensino podem ser garantidas e ampliadas se houver investimento no
aperfeioamento das prticas dos educadores, alm da melhoria nas condies
de infra-estrutura das instituies (GUIMARES e REIS, 2011, p.14).
No entanto, a Formao Docente para a atuao com crianas
pequenas, na educao infantil so temas recentes na realidade educacional
brasileira. Pois, somente no incio da dcada de 80, houve uma sistematizao
dos saberes sobre a educao infantil, ou seja, [...] Sabe-se que foi
unicamente a partir da promulgao da Constituio de 1988 que se garantiu,
legalmente, no pas, o direito das crianas de zero a seis anos educao
pblica e gratuita (JAPIASSU, 2007, p. 26). Entretanto, somente aps a
criao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) que a
Educao Infantil passa efetivamente a compor a Educao Bsica. Com isso,
voltou-se o olhar para a formao dos profissionais que atuavam com a
criana pequena.
As pesquisas educacionais sobre a criana de zero a seis anos, que inicialmente tinham por finalidade encontrar respostas institucionais concretas para a reconhecida importncia da educao infantil, deixaram de problematizar as creches e pr-escolas como co-responsveis na formao cultural da infncia e, hoje voltam-se para o questionamento dos seus modelos de gesto e projetos pedaggicos, problematizando especialmente a formao profissional dos trabalhadores da educao infantil (JAPIASSU, 2007, p. 27).
Apesar dos inmeros estudos e pesquisas realizadas sobre a
educao infantil e a Formao Docente, ainda necessrio enfatizar as
lacunas que perduram. Haja vista, que os currculos da formao inicial sejam
em nvel mdio ou as licenciaturas no trazem uma reflexo aprofundada a
respeito do que seria o ensino para pequena infncia. Sobre este ponto
Guimares e Reis (2011, p. 15) esclarecem:
[...] Cabe ainda a formao inicial promover a apropriao pelo professor de elementos significativos do conhecimento historicamente construdo, de modo a possibilitar-lhe atuar na mediao da curiosidade infantil e da construo pelas crianas de saberes sobre o mundo social, das cincias, das artes, sobre o fantstico e sobre si mesmas. Essa etapa da formao profissional necessita tambm oportunizar a apropriao pelos professores de diferentes linguagens presentes na expresso artstica de modo a possibilitar-lhe atuar como
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mediadores do processo de desenvolvimento da criatividade e da imaginao da criana no emprego dessas linguagens.
Para tanto, o desenvolvimento profissional docente15 um desafio
tanto na formao inicial, quanto na formao continuada. Posto que os
programas educacionais apresentam uma estrutura formatada do
conhecimento, o que impede muitas vezes a postura docente de se colocar
como protagonista da ao educativa. Outro ponto relevante que as artes
so contempladas sem a ateno necessria por parte dos responsveis pela
elaborao dos contedos programticos de cursos para a formao de
professores alfabetizadores e das propostas curriculares para a educao
infantil [...] (JAPIASSU, 2001, p. 23).
Ao pensar que a educao infantil e a Formao Docente so
discusses recentes na histria brasileira, o ensino das artes e mais
especificamente do teatro, na educao nacional, s passou obrigatoriamente
a fazer parte do currculo da educao fundamental e do ensino mdio com a
entrada em vigor da lei 5.692, de 1971, cuja nomenclatura instituda naquele
momento era a de educao artstica para designar as diferentes linguagens
das artes: teatro, dana, plsticas e msica.
Porm, antes da lei 5.692/71, a LDB 4.024/61 instituiu-se a disciplina
de arte dramtica, sem, no entanto, ser obrigatria no currculo escolar. Porm,
a oferta desta disciplina em determinadas escolas foi reprimida pelo Golpe
Militar de 1964, [...] os movimentos renovadores foram interrompidos. O teatro
ficou rotulado como perigoso inimigo pblico e as aulas de arte dramtica [...]
mesmo na dcada de 1970, no eram ignoradas pelo regime militar [...]. Em
1968, essas escolas foram invadidas e fechadas (grifo do autor) e muitos
professores aposentados com base no Ato Institucional n 5 e na Lei de
Segurana Nacional [...] (JAPIASSU, 2001, p. 63).
Neste sentido, a LDB 5.692/71 colocou a obrigatoriedade do ensino
das artes, porm, no se levou em considerao que no haviam profissionais
15
Desenvolvimento o processo atravs do qual os professores [...] revem, renovam e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propsitos morais do ensino e adquirem e desenvolvem, de forma crtica [...] o conhecimento, as destrezas e a inteligncia emocional, essenciais para uma reflexo, planificao e prtica eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais ( NADOLNY, 2010, p. 21).
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licenciados para atuar com esta nova disciplina, sendo criado anos depois da
implantao da lei, os primeiros cursos universitrios de educao artstica.
Estes documentos oficiais enfatizam a condio dada s artes na
escolarizao. Creio que importante ressaltar que o ensino das artes foi
implantado somente no ensino fundamental e mdio, neste momento no se
pensou na educao infantil.
Durante muito tempo o que chegava para a educao infantil a
respeito das artes eram atividades adaptadas do ensino fundamental, sem
levar em considerao as especificidades do ensino para a criana pequena.
Com isso, Cabe (...) a contribuio nica que o teatro pode oferecer
formao do professor da educao infantil (...) reconhecendo-lhe o valor
pedaggico e a especificidade esttica (JAPIASSU, 2001, p. 68).
Pensar que a linguagem teatral na educao infantil ainda d seus
primeiros passos e que para se efetivar necessita ainda de muitas elaboraes,
pesquisas, reflexes, aprofundamentos a respeito de como a linguagem teatral
deve ser entendida e praticada nos diferentes cenrios da educao infantil.
tambm pensar na formao contnua dos profissionais da educao, no
somente a formao de quem atua diretamente com a criana, mas tambm a
coordenao, direo e demais funcionrios, pois um ambiente escolar se faz
com a amplitude dos saberes compartilhados por todas as pessoas envolvidas
neste ensino, tendo um mesmo propsito.
O dilogo constante definido em bases slidas de entendimento gera
uma reflexo mais crtica em relao realidade de atuao. Para tanto,
Pode-se constatar, por exemplo, [...] O Referencial Curricular Nacional para a
Educao Infantil (RCNEI) recomenda o desenvolvimento de intervenes
educacionais com as artes cnicas (circo, dana e teatro) respectivamente nas
sries iniciais do ensino fundamental e na educao infantil (Brasil 1997 e
1998) (JAPIASSU, 2007, p. 61 - 62).
Porm, ao analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educao Infantil (DCNEI) de 2009, observei no item 11 o qual trata das
Prticas Pedaggicas para a Educao Infantil, as interaes e brincadeiras
como eixos norteadores. No entanto, estes eixos no apresentam como base
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nenhuma perspectiva terica, ou seja, ao que parece s interaes podem
ocorrer de qualquer modo e as brincadeiras englobam todas as aes das
crianas, ou seja, necessrio garantir experincias que:
Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliao de experincias, sensoriais, expressivas, corporais que permitam movimentao ampla, expresso da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos das crianas (BRASIL, 2009, p. 25).
O documento ainda recomenda:
Favoream a imerso da criana em diferentes linguagens e o progressivo domnio delas de vrios gneros e formas de expresso: gestual, verbal, plstica, dramtica e musical (...) (BRASIL, 2009, p. 25).
Em nenhum momento o referido documento norteia os conceitos de
interao e brincadeira, ou seja, no especifica qual a abordagem, como se
estes englobassem todo o referencial de desenvolvimento da criana, sem a
necessidade de especificar o que caracteriza cada um. Parece-me que as
referncias destinadas s crianas, podem ser definidas de modo amplo, no
sentido de no estruturar um documento pontual que aprofunde os conceitos
citados nele. Neste sentido, revela a fragilidade de referenciar conceitos em um
documento sem direcion-los para uma melhor interpretao de quem for l-lo.
Atualmente ainda a formao continuada voltada s formas de
expresso citadas nas DCNEI (2009), requer uma sistematizao e
continuidade para que docentes se apropriem destas linguagens, assim como
as coordenaes escolares. Pois deve haver o devido cuidado com as prticas
pedaggicas destinadas ao desenvolvimento da criana. Tambm a diretriz no
informa o que seria a expresso dramtica, no a relaciona com o Jogo
Dramtico. Pela cultura desenvolvida nas prticas pedaggicas com a
linguagem teatral para a educao infantil, a expresso dramtica de um modo
geral pode ser caracterizada pelas apresentaes teatrais e, do modo como
foi posto neste documento, s refora a disseminao desta ideia.
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As perspectivas apontadas tanto nas LDBs, PCNs, RCNEI16 e nas
DCNEI demonstram a importncia da reflexo do que seria a educao para a
pequena infncia. No entanto, vivemos em um tempo de urgncia de revises
desses documentos. Ora, pensar a criana da dcada de 90, diferente de
pensar a criana do sculo XXI. Faz-se necessrio novos parmetros de
anlise, pois, pensar a criana hoje averiguar com clareza a importncia de
seu desenvolvimento em diversas dimenses e linguagens. Neste sentido
necessrio observar que tais documentos no abordam o papel do Jogo
Dramtico no desenvolvimento da criana pequena e na Formao Docente.
Sendo assim, os saberes proporcionados s crianas pequenas
devem estar fundamentados, a partir das pesquisas j realizadas sobre estes
saberes selecionados e aplicados na educao infantil. Tambm importante
proporcionar Formao Docente continuada que contemplem o jogo como
forma dramtica de aprendizagem, que possa ampliar o olhar docente sobre
suas prticas, para que sejam prticas reflexivas. Promover a formao
continuada dos profissionais da pequena infncia averiguar a sua condio
como docente em diferentes dimenses: [...] empenho pessoal, atuao
consciente, reconhecimento e valorizao profissional, condies financeiras,
oportunidades culturais, diversas vivncias corporais, interaes com diferentes
reas do conhecimento e formao docente continuada. (GARANHANI, 2008,
p. 203).
A partir destas consideraes busco analisar, para conhecer, a
compreenso de Jogo Dramtico nos dizeres de docentes que atuam na
educao infantil da Rede Municipal de Ensino de Curitiba Paran.
Para isso, apresento como objetivo da pesquisa: anlise da
compreenso de Jogo Dramtico nas falas de docentes que atuam na
Educao Infantil da Rede Municipal de Ensino de Curitiba Paran. A escolha
por este tema se deu pela necessidade de aprofundar os elementos
identificados nas propostas de intervenes pedaggicas das docentes
participantes desta pesquisa. Ou seja, as intervenes que mais se
aproximaram da ideia de Jogo Dramtico, trabalhada no Curso de Formao 16
Parmetros Curriculares Nacionais para a Educao Fundamental e os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil.
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Docente Jogos Dramticos: Entre Vivncias, Sensaes e Percepes na
Educao Infantil da (SME), ministrado por mim, em 2010. Tambm, por
constatar que a Rede Municipal de Educao de Curitiba Paran traz em
seus programas de Formao Docente a preocupao em fomentar e mobilizar
a formao na linguagem teatral. Sendo a SME um cenrio de mediao entre
a formao docente e a ao da criana.
Entretanto, levei em considerao o fato desta rede de ensino ter
promovido a possibilidade de docentes da educao infantil conhecer e
vivenciar o Jogo Dramtico como possibilidade de ao e expresso tanto da
criana, quanto das prprias docentes. Percebo que este curso foi
disponibilizado e pensado pelo fato de ter em sua coordenadoria na rea da
linguagem teatral, uma profissional do teatro.
Assim, para a realizao desse estudo busco respaldo na teoria
Histrico-Cultural e apresento as seguintes questes norteadoras:
Qual a abordagem do Jogo Dramtico nos documentos produzidos
para Educao Infantil na Rede Municipal de Ensino de Curitiba?
Como abordado o Jogo Dramtico na Formao Docente, para a
atuao na Educao Infantil da Rede Municipal de Ensino de
Curitiba?
O que as docentes da Educao Infantil desta rede de ensino falam
sobre o Jogo Dramtico?
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ATO II: ENTRE AS TRAMAS DO JOGO E DO DRAMA: UMA REVISO DE
ESTUDOS
A primeira forma de relao entre imaginao e realidade consiste no fato de que toda obra da imaginao constri-se sempre de elementos tomados da realidade e presentes na experincia anterior da pessoa [...] ANA LUIZA SMOLKA
17.
Este ato aborda no primeiro momento a retomada dos referenciais
tericos sobre os conceitos Jogo, Drama e Jogo Dramtico. No segundo
momento fao uma discusso a respeito do Jogo Dramtico como
conhecimento para ser desenvolvido na educao infantil. Para tanto, recorro
aos estudos de Vygotsky (2009, 1999, 1995), Elkonin (2009), Huizinga (2010),
Ryngaert (2009,1981) e Courtney (1988).
2.1 Jogo, Drama e Jogo Dramtico: a construo do conceito
Quando se pensa na palavra jogo, esta nos remete h uma infinidade de
imagens, pois o seu sentido no nico, o que leva a identific-lo e express-
lo de diferentes modos. Dependendo da cultura em que o jogo est inserido
este carrega determinadas peculiaridades, sem, no entanto, se desfazer dos
aspectos atemporais aos quais est submetido e os quais o identificam em
qualquer lugar do mundo.
Da maneira que concebemos, o jogo antes de tudo uma atividade, isto , uma ao humana pautada por uma inteno que se justifica por si mesma, sob o pano de fundo do universo imaginrio, balizado por regras. Portanto, se diferencia do exerccio na medida em que no
17
Epgrafe retirada da obra: SMOLKA, Ana Luiza. Apresentao e comentrios. In: Vygotsky, Lev Semionovich. Imaginao e Criao na Infncia: ensaio psicolgico. So Paulo: tica, 2009, p. 20.
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uma repetio mecnica, destituda de sentido imaginrio e cujo objetivo visa sempre uma finalidade prtica e imediata (RETONDAR, 2007, p.11).
Sendo assim, o jogo no esta no rol das atividades de sentido utilitrio,
ou seja, como produto de uma ao humana. Visto que a sua finalidade se
encontra em outro patamar o do sentido esttico, o da relao entre pares, o da
descoberta de sentidos e de novos sentidos para a dimenso humana.
Segundo Retondar (2007, p. 91) o jogo produto e produtor de sentidos, pois
espao simblico que acolhe a dimenso humana da existncia. O
fundamento ldico presente e predominante no mundo do jogo o que permite
a alegria e xtase sem qualquer sentido de culpa ou de julgamento moral por
parte do jogador (...). O jogo ultrapassa a condio de atividade meramente
biolgica ou psicolgica, visto que sua dimenso se caracteriza pela
significao da ao.
Para tanto, Retondar (2007) cita Duflo18 ao abordar a concepo de
jogo na perspectiva antropolgica e histrica:
a) A primeira apropriao diz respeito compreenso do jogo dentro do escopo tico-teolgico [...]. b). Uma segunda apropriao histrica dentro do pensamento filosfico remete apropriao do jogo enquanto objeto epistemolgico, isto como componente de uma lgica prpria de pensar e de produzir conhecimento sobre a vida e sobre o mundo. c) Numa terceira apropriao histrica do jogo, datada do incio do sculo XVIII em diante, temos a influncia da grande obra de Schiller: A Educao Esttica do Homem numa srie de cartas, que passa a situar o jogo no interior da perspectiva esttica e tambm
pedaggica [...] (RETONDAR, 2007, p. 15 - 16).
Neste sentido, pensar o jogo sob estes trs olhares revisitar seus
processos como objeto histrico e cultural. Tambm, o quanto tais perspectivas
refletem os processos scio-histricos19 que s ocorrem com a inter-relao
18
DUFLO, C. O Jogo: de Pascal a Schiller. Porto Alegre: Artmed, 1990. 19
Tm origem nas (so produtos das) condies especificas do desenvolvimento social. Tm sua origem nas formas culturais de organizao das sociedades, do seu modo de produzir e interpretar a sua existncia. Surgem das relaes entre seres humanos e destes com o mundo material (FABRI, 2008, p. 124).
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entre os aspectos culturais, sociais e subjetivos estabelecidos pelo ser humano
na vida em sociedade.
Para tanto, as perspectivas que tomo como referncia, nesta reviso
de estudos trata do jogo como objeto epistemolgico e esttico20. Massa (2002,
p. 291) citada por Japiassu (2007, p. 95), argumenta que, O jogo fato mais
antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definies menos rigorosas,
pressupe sempre a sociedade humana; (...) Em suas formas mais complexas
o jogo est saturado de ritmo e de harmonia, que so os mais nobres dons de
percepo esttica de que o ser humano (grifo meu) dispe (HUIZINGA,
2010, p. 3 - 10). A civilizao se apropria do jogo, para criar significados a sua
existncia e, assim, desenvolver a capacidade de se projetar e dar sentido a
sua histria pessoal, cultural, social, e ampliar com isso as sua prpria
realidade. Ainda segundo Huizinga (2010, p. 3 4) o jogo ultrapassa os
limites da atividade fsica ou biolgica. uma funo significante, isto ,
encerra um determinado sentido. [...] Todo jogo significa alguma coisa [...].
Ora, o ser humano s cria a partir das escolhas feitas em sociedade,
daquilo que agrega sentido e valor a sua existncia, portanto, tambm pens-
lo sapiens (razo), faber (produo) e ludens (ldico). Esta inter-relao faz
do ser humano um ser dotado de capacidade de transformao da realidade,
de produtor de significados, capaz de tomadas de decises sobre os fatos que
se apresentam. Neste sentido, Retondar (2007, p. 18) relata que Huizinga
identifica quatro caractersticas formais do jogo, a saber: a voluntariedade, as
regras, a relao espao-temporal e a evaso da vida real. Aqui enfatizo a
importncia de trs caractersticas:
1) Voluntariedade: no h como entrar em um jogo sem realmente ter interesse
nele, no se pode obrigar algum a jogar, este deve decidir jogar, ou seja,
Voluntariedade no jogo significa deciso de iniciar e continuar no jogo,
considerando o bem que tal atividade proporciona enquanto prtica significativa
que atende s necessidades mais imediatas e profundas. Pois, em jogo h
20
[...]O termo Esttica evoca a concepo grega denominada de aisthetique e tem sua origem no verbo grego aisthesis, que se refere ao conhecimento sensvel, possibilidade de conhecermos atravs dos sentidos, das sensaes (JAPIASSU, 2007, p. 95)
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sempre alguma coisa em jogo posta pelo prprio jogador (RETONDAR, 2007,
p. 19).
2) Regras: [...] no existe jogo sem regras. O jogo se inscreve como uma
ao voluntria e sujeito a regras, pois estas criam a ordem e so
expresso da prpria ordenao do jogo. [...] (RETONDAR, 2007, p. 20).
Todo jogo seja ele individual ou coletivo, traz em si regras implcitas e ou
explcitas21 as quais encaminham o processo do jogo at o seu desenlace.
3) [...] a ltima caracterstica formal do jogo apresentada por Huizinga a
evaso da vida real, que, em linhas gerais, a manifestao ldica do
jogador se permitir adentrar o universo imaginrio do jogo e
momentaneamente viver o faz-de-conta de maneira intensa e total, a ponto
de esquecer, (grifo do autor) durante o tempo do jogo, todo os seus
compromissos sociais (RETONDAR, 2007, p.33).
Partindo destas caractersticas formais do jogo pode-se consider-lo
como uma atividade delineada por regras, capaz de transportar a vida para
alm do cotidiano, travestir o ser humano em diferentes personagens,
estabelecedor de relaes e tudo isso voluntariamente.
Porm, o Jogo Dramtico traz em si um embate seja individual ou
coletivo, a luta interna e externa que caracteriza um conflito, uma ao
dramtica, uma variao. Apesar de j ter colocado anteriormente a ao
dramtica, retomo aqui para exemplificar o elo entre a ao corporal e o
dilogo, [...] atividade que combina movimento fsico e dilogo; inclui
expectativa, preparao e realizao de uma mudana de equilbrio que parte
de uma srie de outras mudanas. O movimento em direo mudana pode
ser gradual, mas o processo deve realmente acontecer (PALLOTTINI, 1988, p.
38). Isto jogo na forma dramtica, a criana estabelece um dilogo constante
interno, pois, necessita seguir as regras colocadas, ao mesmo tempo deve
interagir corporalmente com o grupo. Neste sentido estabelecido um
21
As regras implcitas se aplicam as regras institudas h um papel em determinado contexto social. J as regras explcitas so visveis em qualquer jogo, estas delimitam o que se pode ou no durante o desenvolvimento de jogo, so expressas antes e ou durante o jogo. [...] a liberdade da criana no jogo marcada pelos limites impostos pelo papel assumido [...] (ARCE, 2006, p. 72).
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processo de aes as quais constituem um conflito, para a resoluo da
atividade proposta.
Pensar na estrutura dramtica do jogo remontar a ideia de Vygotsky
(2009) sobre o desenvolvimento da vida humana em termos de drama22, ou
seja, o que drama? Literalmente, um episdio comovente e pattico em
que o cmico se mistura com o trgico. [...]. A vida concreta dos humanos
possui uma dimenso dramtica. [...} esta vida dramtica apresenta todos os
caracteres que fazem dela um domnio suscetvel de ser estudado
cientificamente [...] (MARIGUELA, 1994, p. 118).
No entanto, o trgico e cmico tem origem diversa historicamente
falando, em relao estrutura do drama, j que os recursos de representao,
de ambos, no se enquadram na forma dramtica, mas, contudo a estrutura
pode ser considerada drama. J que as aes estabelecidas no dilogo pelas
personagens trazem em si tanto o conflito interno humano, quanto o conflito
historicamente e culturalmente construdo.
O embate cotidiano do ser humano em solucionar os conflitos
relacionados cultura na qual esta submersa, o leva a pensar, refletir e acionar
seus mecanismos psquicos.
O que constitui a dramaticidade humana o constante conflito que se estabelece entre os impulsos primitivos [...] e os caminhos criados pela cultura para civilizar-nos. A vida humana dramtica na sua concretude, pois inseridos na vida desde o nascimento temos que nos defrontarmos constantemente com a tarefa de nos tornarmos humanos. Isto porque ser humano uma exigncia do processo civilizatrio (MARIGUELA, 1994, p.121).
22
Vygotsky analisou a noo de drama inicialmente ancorada na obra de Shakespeare, se redimensiona para Vygotsky por meio de estudos e interlocues com muitos outros autores. afetada pela dialtica do senhor e do escravo em Hegel; pelo socius internalizado e pelas funes de comando das palavras em Janet; pelo materialismo histrico e pelas relaes sociais em Marx. [...]. Nessa diversidade de problemas e contribuies, Vygotsky mostrou extrema disposio ao dilogo e acolhimento das ideias dos outros, realizando, ao mesmo tempo, um criterioso e incansvel trabalho de anise das diferentes posies e argumentaes. (SMOLKA, 2009, p.132). Tambm buscou em Politzer a noo de drama, este um crtico feroz da psicologia clssica, fundador dos fundamentos da psicologia concreta, ou seja, retira a psicologia do domnio das cincias naturais e, calca na teoria do inconsciente de Freud. Tendo como objeto de estudo a dramaticidade da vida humana um mtodo de inspirao dialtica onde a prtica e a teoria estariam sistematizadas na noo de concreto (grifo do autor) (MARIGUELA, 1994, p 124).
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Com isso, reorganizar conceitos historicamente construdos para uma
vida em sociedade, requer mais do que a reproduo de atividades cotidianas,
ora, o refletir, o significar, o elaborar e reelaborar as aes um processo
rduo, longo, pois solicita sempre um posicionamento de escolha, ou seja, a
gerao de um conflito. Assim,
Todo drama se baseia em uma luta, seja tragdia ou farsa, vemos sempre que sua estrutura formal idntica: verificamos sempre certos procedimentos, certas leis, certas foras contra as quais luta o heri, e s em funo da escolha desses procedimentos distinguimos as diversas modalidades de drama. Se o heri trgico luta no limite das suas foras contra leis absolutas e inquebrantveis, o heri da comdia costuma lutar contra leis sociais, e o da farsa contra leis fisiolgicas [...] (VYGOTSKY, 1999, p. 292).
Ora, os embates que o ser humano trava cotidianamente tanto luta
interna, quanto externa e que uma no exclui a outra, porm so nossos
reflexos sociais e culturais. H uma dimenso dramtica tanto na palavra, no
pensamento quanto na ao. Pois, a ao em termos de Jogo Dramtico o
resultado de uma profunda reflexo do discurso interno, pensamento, palavra e
linguagem, traduzido para o externo por meio da escolha que se apresenta
como ao. Assim sendo, este embate a que me refiro um modo altamente
elaborado de regulao dos mecanismos internos e externos do pensamento
humano e um modo altamente qualificado de expresso.
Assim redimensionado, o drama adquire outro estatuto: um modo de organizao e funcionamento do psiquismo humano, uma caracterstica da conscincia historicamente elaborada. No mago dessa conscincia dramtica, Vygotsky releva a forma verbal de linguagem, que, como formao histrica, no s possibilitou o trabalho simblico compartilhado alm da pele, como propiciou ao ser humano (grifo meu) experienciarem na esfera privada as funes, as tenses e as contradies das relaes sociais. [...] Uma palavra pode ser considerada uma obra de arte; a arte o social em ns (grifo do autor) (SMOLKA, 2009, p. 132).
A capacidade humana de simbolizao leva a crer que a dimenso da
vida historicamente construda, parte das elaboraes mentais de cada ser
humano, isto resultado de toda a atividade humana, atividade esta permeada
pelo intrincado: vontade individual x determinismo histrico. O que leva a ideia
inicial de drama cunhada por Vygotsky, na qual a vontade individual entra em
conflito constante, com as construes historicamente elaboradas a partir da
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atividade humana. O quanto este embate se relaciona com a estrutura
dramtica evidenciada no Jogo Dramtico, em que a criana se encontra em
estado de jogo (RYNGAERT, 2009, p.49), no conflito constante gerado na
ao, na procura da soluo dramtica.
A experincia desse drama em nvel pessoal e a conscincia desse drama no nvel histrico levam Vygotsky a refletir sobre o inevitvel determinismo do mundo material, relacionado s determinaes histricas resultantes da atividade humana nesse mundo e s possibilidades de construo da vontade, ou determinao, na esfera individual. Sua vida e seu trabalho acabam evidenciando sua tese: a constituio social da personalidade individual e as condies de possibilidades de protagonismo do sujeito, forjado na histria das relaes sociais (SMOLKA, 2009, p. 132).
No caso do Jogo Dramtico, o conflito ao mesmo tempo impulsiona
para solucionar as demandas criadas em jogo, quanto submetem o jogador as
regras antes estabelecidas. Por sua vez estas so consensuais j que o no
cumprimento delas a prpria sada do jogador da rea de jogo. Nisto se
encontra a construo histrica de atividade humana e, em consequncia, a
ideia da vida em termos de drama.
Portanto, ideia de Vygotsky partiu da anlise de diferentes estruturas
dramticas sejam elas psicolgicas, a estrutura dramtica do texto dramtico,
isto o texto para teatro, onde as aes das personagens so estabelecidas
nos dilogos ou falas. Assim como seus estados de esprito, indicaes de
tempo e lugar esto marcadas pelo dilogo.
Neste sentido, se caracteriza a ao dramtica, ou seja, o que foi e
ser determinado no processo de atividade, seja com o jogo, na encenao
teatral, ou at mesmo nas aes internas do ser humano para solucionar os
embates da vida cotidiana. No se deve esquecer que a lei principal da
criao infantil consiste em seu valor no no resultado, no no produto da
criao, mas no processo. O importante no o que as crianas criam, o
importante que criam, compem, exercitam-se na imaginao criativa e na
encarnao dessa imaginao (SMOLKA, 2009, p. 100 - 101).
Em sntese, a criao feita pela criana passa pelo processo
imaginativo e este melhor desenvolvido se tiver um adulto capacitado para
fazer a mediao. No se evidencia a necessidade de platia, j que o
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propsito de jogo a ao dramtica, a soluo do conflito, o tempo
sempre presente e, neste contexto, h sempre o dilogo, seja interno ou com
seus pares. Sendo o drama primrio, sua poca sempre o presente. O que
no indica absolutamente que esttico (...), o decurso do drama uma
seqncia de presentes absolutos. (...) Ele funda seu prprio tempo. O que se
torna possvel por sua estrutura dialtica, baseada por sua vez na relao
intersubjetiva (SZONDI, 2001, p. 34).
Sendo assim, o drama proposto nesta pesquisa da poca moderna,
em que houve uma reformulao da estrutura dramtica no perodo
renascentista, sem mais o uso da estrutura grega de teatro. Assim, a estrutura
pautada no dilogo, construdo na ao presente. Que apesar da complexidade
expressa na ideia de Vygotsky em relao ao drama ou a vida em termos de
drama, esta implica diretamente na estrutura dramtica do jogo, j que no
mesmo os papis/criana/personagem esto interligados no desenrolar da
trama apresentada no jogo. Nas decises a serem tomadas no ato presente, na
submisso ou revolta das condies dadas em jogo. As quais refletem os
aspectos histricos do jogo e do drama como resultado de aes refletidas na
cultura em diferentes pocas.
Em geral a noo de drama em Vigotski varia entre duas acepes principais: (1) uma mais coloquial, por exemplo: o desenvolvimento humano como drama (pea teatral) em vrios atos; (2) outro mais especfico, destacando numa ao dramtica dois aspectos: 2.1 um ato de deciso humana sobre a conduo de seu destino histrico; 2.2 o choque entre diferentes papis que cada pessoa vivencia [...]. Estas peculiaridades constituem o carter (in)tenso e dialeticamente conflituoso de se decidir socialmente por um caminho vital ou outro num dado contexto histrico-cultural desde mais corriqueiro at aqueles no qual pode estar envolvido uma situao de vida ou morte ser ou no (grifos do autor) (DELARI JUNIOR, 2011, p. 181-197).
Portanto, o conceito drama, o qual abordo neste estudo parte da
complexidade pesquisada por Vygotsky, seja no campo da literatura ou da
psicologia.
A vida humana constitui um drama [...] incontestvel que dentro do drama que nossa experincia cotidiana comea por nos colocar [...] o lado dramtico alis o nico que nos interessa na vida cotidiana [...] (1977:101). Neste plano humano, que constitui o drama, emerge o problema da significao. Porque nossas experincias so dramticas
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que procuramos atribuir significaes nossa existncia mundana (MARIGUELA,1994, p. 126).
Aps estas incurses sobre a estrutura dramtica do jogo, e o quanto
o drama entremeia a vida, e est contido em uma concepo histrica e
cultural, que fazem parte da vida humana. Pensar neste percurso do drama
retomar o percurso do Jogo Dramtico e de como sua origem est marcada
pela linguagem teatral, como tambm a reflexo de como transp-lo para o
contexto da infncia. Sendo assim, Na origem, eles se caracterizam como uma
modalidade de improvisao teatral cercada por regras precisas, baseadas na
formulao prvia de um roteiro, seguida pelo ato de jogar (RYNGAERT,
2009, p.12). Porm, o processo de desenvolvimento do Jogo Dramtico,
privilegiou na sua prtica a capacidade de ir alm da simples reproduo,
buscar assim a autonomia de quem joga.
O jogo dramtico o lugar de uma cultura que no se elabora nas esferas elevadas da criao artstica pura. Ele o lugar de inscrio de signos e do surgimento de camadas de sentido cujas origens so mltiplas, marcos na vida pessoal e na vida social que alcanam, assim, o simblico do qual entrevemos diariamente os contornos (RYNGAERT, 2009, p. 241).
Neste aspecto o jogo se insere como simbolismo da vida, s se realiza
na realidade imediata, ou seja, no aqui e agora, na convocao de quem joga
para um mundo sem a preocupao com resultados materiais, mas sim com: o
da significao e do sentido. A conciliao no com os aspectos do mundo,
mas com os aspectos interiores da vida. O jogo na forma dramtica solicita o
tempo todo a presena, assim como o drama constitudo na presena, no
tempo presente.
No entanto, a terminologia do jogo dificulta o estudo cientfico do
mesmo, ou seja, na literatura psicolgica, h muitas categorias e subdivises.
Fale-se de jogo imaginativo, imaginativo individual ou social, jogo turbulento e
desordenado [...], jogo simblico, [...] jogo de fico, jogo sociodramtico, jogos
criativos, jogo de representao de papis etc. (ELKONIN, 2009, p. 10).
Porm, para melhor estudar o jogo muitos autores preferiram estudar de modo
independente o termo jogo e os aspectos englobados a ele.
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Neste cenrio, Elkonin aborda o jogo como protagonizado, o qual
implica aes, conflito seja da prpria ao ou do papel desempenhado na
ao. Indaga sobre a origem histrica do jogo protagonizado e relaciona o seu
surgimento com o momento em que a diviso social do trabalho afasta a
criana do processo de produo. A importncia que os dados scio-histricos
tm no pensamento marxista contribui para que eles nos proporcionem uma
teoria da origem do jogo mais ampla
O que percebo que a diversidade de terminologias atribudas ao
Jogo Dramtico, interfere nos aspectos de seu contedo. Pois, sinalizam uma
concepo histrica, ou seja, traz elementos que so identificados em
determinados perodos histricos e tambm submetido a diferentes correntes
de pensamento, as quais se diferenciam no modo como se aplica o jogo com a
criana.
Neste sentido, a concepo de Jogo Dramtico, nesta pesquisa, se
apia nos estudos de Vygotsky, sobre o conceito mediao e a zona de
desenvolvimento proximal (ZDP), como tambm aos aspectos de criao e
as pesquisas de Ryngaert (1981) em relao ao Jogo Dramtico no meio
escolar. Tambm, utilizo os estudos de Elkonin (2010) sobre o jogo
protagonizado. Sendo que estas teorias abordam vises mais amplas do
desenvolvimento do jogo, isto para alm dos aspectos motores.
H, sem dvida, muitos fenmenos distintos a que nos referimos com o termo jogo, desde as manipulaes de um objeto qualquer por um beb at os jogos adultos como o xadrez ou futebol. Entre uns e outros encontramos, na literatura psicolgica, muitas categorias e subdivises. Fala-se de jogo imaginativo, imaginativo individual ou social, jogo turbulento e desordenado (rough-and-tumble), jogo simblico, jogo cooperativo, jogo de fico, jogo sociodramtico, jogo criativo, jogo de representao de papis etc. alguns desses termos assinalam diferenas tericas entre os autores que o utilizam. Por exemplo, a denominao jogo simblico em Piaget englobaria todos os anteriores, quer a criana os realize sozinha quer na companhia de outras crianas, porquanto se postula que a estrutura psicolgica que permite todos eles substancialmente a mesmo. Em outros casos, possvel que a preferncia por um ou por outro termo dependa mais da lngua em que se expressa originalmente o autor e da escolha de termos a critrios de seus tradutores. A obra de Elkonin trata do jogo protagonizado, que poderia equivaler, segundo cremos, ao jogo sociodramtico de Smilanski (1968) ou Feitelson ( 1978), ao jogo social Eifferman (1971), ao jogo de fico de Garvey (1977) ou ao jogo simblico mais desenvolvido de Piaget (1946) (grifo do autor) (ELKONIN, 2009, p. X).
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Tais terminologias em alguns aspectos se equivalem, em outros se
aprimoram, que por vez geram determinadas dependncias idiomticas ou de
tradues. De certo modo, a anlise desses aspectos, pode influenciar no
modo como so transpostos os jogos nas prticas com a criana. Pois, a
diversidade de conceitos, gera uma dificuldade maior para situar o que o
Jogo Dramtico e de que modos podem ser trabalhados no meio escolar.
Tambm, a problemtica da terminologia traz um outro problema ainda maior,
ou seja, a questo do estudo cientfico do jogo, A partir de tradies muito
diversas, autores como Schlosberg (1947), Kollarits (1940) e Blonski (1934)
propuseram que se prescindisse de tal termo e se estudassem de forma
independente os distintos comportamentos por ele englobados (ELKONIN,
2009, p. X).
Percebo a partir dos estudos revisados, que mesmo havendo
divergncias em determinados aspectos da teoria do jogo, quando se trata do
Jogo Dramtico, do jogo projetado e de papis em Slade (1978), do jogo
protagonizado em Elkonin (2009), a ideia de jogo em Smolka (2009) ou o Jogo
Dramtico em Ryngaert (1981), estes concordam que o Jogo Dramtico
desenvolvimento interno e tambm externo, que a sua prtica no est atrelada
a um produto artstico e sim a viso esttica do jogar.
A idia de Jogo Dramtico como um olhar duplo e que, ao mesmo
tempo, desenvolve capacidades externas promove o acesso aos recursos
internos da criana, a expresso da sua fala, dos seus gestos, a sua
emancipao e autonomia. Em sntese, so fontes de dilogo para esta
pesquisa.
Ora, o jogo como elemento histrico e cultural, o dramtico como meio
tambm histrico e cultural, trazem em si a percepo ldica e esttica. As
quais o ser humano se utiliza para compreender seu cotidiano, ou seja, fazer e
refazer tarefas, criar e recriar seus objetos, enfim ampliar os significados da
sua vida. No entanto, o uso do Jogo Dramtico com a criana pequena um
meio de desenvolvimento infantil. Isto , o jogo no deve e no pode ser visto
como produto de uma ao, a ao dramtica o desenrolar da atividade do
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jogo, sem a necessidade da apreciao por uma platia, mas sim da
apreciao daquele e somente daquele que joga.
Neste caso, o olhar da criana para a sua ao e o olhar para ao
desenvolvida pelas outras crianas. Sendo assim, Para avanar na
compreenso cientfica do jogo importante aumentar a quantidade e a
qualidade dos nossos dados