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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ADRIANA TELES DE SOUZA DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSÃO DE DOCENTES DA PEQUENA INFÂNCIA SOBRE O JOGO DRAMÁTICO. CURITIBA 2013

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN ADRIANA TELES DE SOUZA

    DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA

    PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO.

    CURITIBA 2013

  • ADRIANA TELES DE SOUZA

    DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA

    PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO.

    CURITIBA 2013

  • ADRIANA TELES DE SOUZA

    DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA

    PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO.

    Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao, Curso de Ps-Graduao em Educao, Setor de Educao, Universidade Federal do Paran. Orientadora: Prof. Dra Marynelma Camargo Garanhani

    CURITIBA 2013

  • AGRADECIMENTOS

    Sou grata a todas as pessoas e instituies que de um modo ou de

    outro contriburam para que este estudo se realizasse, especialmente:

    Ao Programa de Ps Graduao em Educao da Universidade

    Federal do Paran em especial as professoras Tnia Stoltz, Odissia

    Boaventura, Tnia Braga, aos professores Gilberto de Castro, Geraldo Horn e

    Jean Carlos Gonalves, por contriburem com a minha formao humana e

    acadmica.

    Aos professores e professoras, alunas e alunos, assim como as

    direes dos Colgios Estaduais Tancredo de Almeida Neves, Julia Cavassin e

    Santa Gemma Galgani, pela compreenso e estmulo para a realizao deste

    estudo.

    Prefeitura Municipal de Curitiba Secretaria Municipal de Educao

    (SME) em especial ao Departamento de Educao Infantil, por me conceder a

    autorizao para a realizao desta pesquisa.

    s docentes Graziela Brizola Hartwig, Luciane Rocha da Silva, Priscila

    Kozakiewicz, Rosangela Lara do Prado, Dbora Macedo Jamielniak, por

    acreditarem na pesquisa e participarem de modo colaborativo e afetuoso no

    desenvolvimento deste estudo.

    professora Marynelma Camargo Garanhani a gratido por ter me

    conduzido de modo sereno e proporcionado a mim, o trilhar com autonomia e

    autoria os diversos percursos desta pesquisa, mais que uma orientadora uma

    incentivadora na busca de novos olhares para a educao infantil e a formao

    docente.

    imensa gratido e a dedicao deste estudo ao meu pai e minha

    me, Joo e Luiza, a minha irm e meu irmo, Mariza e Douglas, a pequena

  • Isabella e ao grande Gabriel sobrinha e sobrinho, amores para vida toda, s

    amigas e amigos em especial ao Adriano, Henrique, Cssia, Elisangela, Glria

    e Fabrcia. Estas pessoas me elevam, incentivam e me tornam um ser humano

    melhor.

  • RESUMO

    A presente pesquisa buscou analisar, para conhecer a compreenso de Jogo Dramtico nos dizeres de docentes que atuam na educao infantil. A abordagem terica foi a Histrico-Cultural e para isso utilizei os estudos de Vygotsky (2009, 2000, 1999, 1995), o Materialismo Histrico Dialtico em Elkonin (2009), O Jogo Dramtico em Slade (1978), Ryngaert (1981, 2009), Courtney (2010), as concepes do jogo como elemento cultural humano em Huizinga (2010). Os procedimentos metodolgicos envolveram em um primeiro momento a anlise documental e no segundo momento a anlise de intervenes pedaggicas, com base nas orientaes de Mazzotti e Gewandsznajder, (1998). Para a produo dos dados foi utilizada a tcnica de grupos focais, com base nas orientaes de Gatti (2012) e, para anlise dos dados da pesquisa foi utilizada a proposta metodolgica de construo e anlise de Ncleos de Significao proposta por Aguiar e Ozella (2013) e a sua relao com a questo do pensamento e da linguagem em Vygotsky (2000). Para isso houve a organizao e a apresentao da anlise em quatro ncleos de significao, com seus respectivos indicadores. Estes ncleos foram submetidos a trs dimenses: realidade, mediao e significaes. Assim, as anlises das falas permitiram dimension-las do seguinte modo: anlise da realidade, anlise da mediao docente, anlise de significaes. Houve tambm o trabalho com a leitura de imagem, identificadas como moderador, por considerar que em um dilogo, tanto a fala, o texto escrito, quanto imagem so parte integrante de um dilogo. Neste sentido, o Jogo Dramtico expresso nas falas se insere como um meio concreto de simular situaes cotidianas e no somente um recurso usado para dinamizar determinados contedos. As significaes produzidas em jogo so as representaes propostas em jogo. Para tanto, necessrio haver uma formao docente que dialogue com a complexidade desta linguagem teatral. Conclui assim que o Jogo Dramtico na educao um modo integral de promover o desenvolvimento infantil, de ampliar as possibilidades de expresso da criana, de gerar novos espaos para se discutir a aprendizagem, a formao docente, os currculos, os modelos de avaliao e de desenvolvimento.

    Palavras-chave: Formao docente; docentes da educao infantil; Jogo Dramtico;

  • ABSTRACT This study sought to analyze Dramatic Play through the words of teachers working in early childhood education to find out the understanding of Dramatic Plays. The theoretical framework was cultural-historical and thus studies of Vygotsky (2009, 2000, 1999, 1995), historical dialectical materialism in Elkonin (2009), Dramatic Plays in Slade (1978), Ryngaert (1981, 2009), Courtney (2010), and the concepts of plays as a human-cultural element in Huizinga (2010) were used. The methodological procedures at first involved documentary analysis, and subsequently, the analysis of pedagogical interventions, based on the guidelines of Mazzotti and Gewandsznajder, (1998). To produce the data, the technique of focus groups, based on the guidelines of Gatti (2012) was used, and for the analysis of the survey data, the methodology proposed for the construction and analysis of core of meanings by Aguiar and Ozella (2013) and its relation to the question of thought and language in Vygotsky (2000) were used. For that the organization and presentation of the analysis in four different cores of meaning with their respective indicators. These nuclei were submitted to three dimensions: reality, mediation and meanings. Thus, the analysis of speech enabled the following dimensions: analysis of reality, analysis of teaching mediation, and analysis of meanings. There was also work with the reading of images, identified as moderators, considering that in a dialogue speech, written text, as well as, the image are integral parts of a dialogue. In this sense, the Dramatic Play expressed in speech takes place as a practical means of simulating everyday situations and not just a feature used to boost certain content. The meanings produced in plays are the representations proposed in the play. Therefore, it is necessary to be a trained teacher that speaks to the complexity of such theatrical language. I have thus concluded that Dramatic Plays in education is an integral method of promoting child development, to expand the possibilities of expression of the child, and generate new opportunities to discuss learning, teacher training, syllabi, assessment models and development. Keywords: teacher training, teachers of early childhood education; Dramatic Plays;

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DE LUCIANE ROCHA DA SILVA. NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL(2010)................................................ 67

    QUADRO 2 - PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DE

    PRISCILA APARECIDA KOZAKIEWICZ. NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL, (2010)...............................................69

    QUADRO 3 - PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DE

    DEBORA GONALVES MACEDO JAMIELNIAK. NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL, (2010)........................................................................................70

    QUADRO 4 - PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DA

    DOCENTE GRAZIELA BRIZOLA HARTWIG NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL, (2010)...............71

    QUADRO 5 PLANEJAMENTO DA INTERVENO PEDAGGICA DA

    DOCENTE ROSANGELA MACHADO LARA DO PRADO NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL, (2010)...............73

    QUADRO 6 - SNTESE DA ANLISE DOS PLANEJAMENTOS DAS

    INTERVENES PEDAGGICAS DAS DOCENTES PARTICIPANTES DA PESQUISA: DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO............................................. 74

    QUADRO 7 - O PERFIL DAS DOCENTES PARTICIPANTES DA PESQUISA:

    DO DRAMA AO JOGO: A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO...76

    QUADRO 8 PR-INDICADORES PARA A CONSTITUIO DOS NCLEOS DE SIGNIFICAO DA PESQUISA DO JOGO AO DRAMA: A COMPREENSO DEDOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO........86

    QUADRO 9 - EXEMPLOS DE FALAS QUE INDICAM A RELAO DO JOGO DRAMTICO COM APRESENTAES TEATRAIS. IDENTIFICADAS NA PESQUISA DO JOGO AO DRAMA: A

  • COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO............................................ 87

    QUANDRO 10 INDICADORES PARA A CONSTITUIO DOS NCLEOS DE SIGNIFICAO DA PESQUISA DO JOGO AO DRAMA: A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO............................................ 88

    QUADRO 11 NCLEOS DE SIGNIFICAO E INDICADORES DA

    PESQUISA: DO JOGO AO DRAMA: A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO.......................................................................... 89

  • LISTA DE IMAGENS

    IMAGEM 1 - MODERADOR IMAGEM : O JOGO DRAMTICO E AS

    APRESENTAOES TEATRAIS NA ESCOLA....................... 95 IMAGEM 2 - MODERADOR IMAGEM: AS DVIDAS ENTRE A

    DIFERENA DO JOGO DRAMTICO E DO JOGO TEATRAL.............................................................................. 102

    IMAGEM 3 - MODERADOR IMAGEM INDICADORES: TUDO ENCAIXA

    NO JOGO DRAMTICO A MATEMTICA, O MOVIMENTO; O JOGO TEM UM FORMATO, UM CAMINHO, A BRINCADEIRA NO....................................................................................... 107

  • LISTA DE FIGURA

    FIGURA 1 - SELEO DE PRTICAS QUE CARACTERIZAM O JOGO

    DRAMTICO NO CURSO JOGOS DRAMTICOS: ENTRE

    VIVNCIAS, E PERCEPES NA EDUCAO INFANTIL DA

    SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAO DE CURITIBA

    PARAN, 2010............................................................................62

  • LISTA DE ANEXOS

    ANEXO 1 - TERMO DE AUTORIZAO DE PARTICIPAO NA

    PESQUISA.................................................................................135

    ANEXO 2 - CARTA DE APRESENTAO, INTENO E OBJETIVO DA

    PESQUISA.................................................................................136

    ANEXO 3 TERMO DE AUTORIZAO PARA A REALIZAO DA

    PESQUISA.................................................................................137

  • SUMRIO ATO I - OS CAMINHOS DA MINHA FORMAO E A INTRODUO DO ESTUDO............................................................................................................13 1.1 A problematizao do tema da pesquisa: o olhar de dentro e o olhar de

    fora..............................................................................................................16 1.2 O lugar do estudo: sua justificativa e

    objetivo.......................................................................................................25 ATO II ENTRE AS TRAMAS DO JOGO E DO DRAMA: UMA REVISO DE ESTUDOS..........................................................................................................32 2.1 Jogo, Drama e Jogo Dramtico: a construo do conceito........................32 2.2 O Jogo Dramtico na educao infantil: um recurso docente....................44 ATO III OS SUJEITOS DA PESQUISA E OS PROCEDIMENTOS METODOLGICOS...........................................................................................58 3.1 O contexto da pesquisa e a caracterizao das docentes participantes.......................................................................................................58 3.2 O Grupo Focal como instrumento da pesquisa........................................ 77 3.3 Os Ncleos de Significaes como proposta de anlise dos dados..........82 ATO IV O QUE FALAM AS DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO......................................................................................91 4.1 O que o Jogo Dramtico? Em busca de um conceito.............................91 4.2 Quais as regras do Jogo Dramtico? Pode ou no pode?..........................97 4.3 Qual o sentido do Jogo Dramtico? Para que serve?...............................100 4.4 O que o Jogo Dramtico na educao infantil? Contribuies e ou limitaes?.......................................................................................................105 ATO V CONCLUSES E CONSIDERAES SOBRE A COMPREENSO DE DOCENTES DA PEQUENA INFNCIA SOBRE O JOGO DRAMTICO...................................................................................................125 REFERNCIAS...............................................................................................131 ANEXOS..........................................................................................................135

  • 13

    ATO I - OS CAMINHOS DA MINHA FORMAO E A INTRODUO DO

    ESTUDO

    H um menino, h um moleque, morando sempre no meu corao, toda vez que o adulto balana ele vem pra me dar a mo. MILTON NASCIMENTO

    1.

    Pensar na criana que fui pensar: como continua em mim? Em mim

    ainda persiste atravs das peraltagens, que me fazem escancarar os

    horizontes, descortinar os lugares que ainda no acessei, e resignificar os j

    conhecidos. Porque no dizer como na epgrafe, de autoria de Milton

    Nascimento, porm em mim h uma menina, uma moleca, proprietria dessa

    casa chamada corpo e, toda vez que um vento forte a balana, a criana esta

    l, pronta para dar a mo. Ela ainda habita em mim e pensar nela vasculhar

    o impossvel, percorrer o que no se percorre, pensar no inimaginvel, falar o

    impensvel, ouvir as flores, ver a cor do barulho, sentir o cheiro do riso. H

    um passado no meu presente [...]2. Uma vez que essa criana me fala de

    coisas que no deixaro de existir, e se nunca deixaro de existir, o meu

    passado o meu presente a minha histria, dentro da histria do mundo.

    Portanto, abro as cortinas dos diferentes caminhos da minha formao

    que me levaram em 1995, mesmo antes da minha graduao, para as salas de

    aula de uma instituio de ensino especial na cidade de Curitiba - Paran.

    Neste perodo estava cursando teatro na Academia de Artes Cnicas Cena

    1 A msica Bola de Meia , Bola de Gude, de Milton Nascimento e Fernando Brant foi lanada

    na dcada de 70 e regravada por nomes como Flvio Venturini do 14 Bis, os membros do Clube da Esquina (movimento musical mineiro que se desenvolveu no bomio bairro de Santa Tereza). Esta composio escrita em meio turbulncia dos anos 70, busca a noo de liberdade e retrata o embate as solicitaes de uma vida adulta e o que ainda resta da viso de criana e o quanto se faz necessrio o dilogo entre o velho e novo.

    2 Nascimento, Milton. Brant, Fernando. Msica Bola de Meia, Bola de Gude. lbum: Banda de

    Boca MPB Pras Crianas, Gravadora: Biscoito Fino, 2009.

  • 14

    Hum3, o que me permitiu trabalhar com crianas e adolescentes desta

    instituio as diversas possibilidades da linguagem teatral.

    Neste primeiro palco, chamado sala de aula, reconheci que a minha

    cultura o modo como ordeno meu mundo. O mundo que crio para aprender a

    viver, pertencer, ora me submeto e permaneo, ora penso, reflito, questiono e

    transgrido o que me apresentaram como crenas, jogos, ritos, linguagens,

    sejam nos meus gestos, na minha palavra, nas imagens que fao das imagens

    que recebo, nas cores que me tocam, nos cdigos que decodifico, simbolizo e

    significo, ressignifico.

    Verificar que a arte, e mais especificamente o teatro, uma linguagem,

    um idioma capaz de dialogar com crianas com necessidades especiais de

    aprendizagem e esta experincia docente, me fez aprofundar os estudos sobre

    o teatro. Ento, posterior a minha formao em Artes Cnicas (Bacharelado) na

    Faculdade de Artes do Paran (FAP), ingressei em 2002 na Fundao Cultural

    de Curitiba Regional Pinheirinho - Boa Vista, na orientao de curso de teatro

    para crianas e, em paralelo, desenvolvi pesquisas e oficinas sobre a

    linguagem teatral para crianas na Lambrequim Cia de Teatro4, juntamente

    com trabalhos teatrais desenvolvidos para a Prefeitura de Curitiba na

    Fundao de Ao Social (FAS).

    Assim, estes diferentes palcos me fizeram perceber que os meus

    caminhos culturais so sempre permeados pela arte, ento ordeno o mundo ao

    qual perteno e o meu mundo interior, segundo a lgica da arte, que me leva a

    pensar o humano como processo: num dado momento da histria estagna, em

    outro se destri, se perde, se constri e se transforma.

    No processo de trabalho em cenrios diversos, em 2009, fui convidada

    para ministrar cursos de formao docente na Secretaria Municipal da

    Educao de Curitiba (SME), com o intuito de desenvolver cursos voltados

    3 Primeira escola de teatro da cidade de Curitiba Paran. Fundada por George Sada em

    1995. O Hum com H no nome da Academia significa humano. 4 Esta Companhia foi fundada em 1999. Reativada em 2001 por estudantes de Artes Cnicas,

    Artes Visuais, Msica e Arquitetura da PsGraduao em Fundamentos do Ensino da Arte da Faculdade de Artes do Paran, com o intuito de pesquisar o mundo da criana, a dramaturgia contempornea e a cultura popular tanto no Brasil, quanto em outros pases.

  • 15

    para a linguagem teatral: formas animadas, o faz de conta e o Jogo

    Dramtico5.

    No entanto, a diversidade encontrada na formao dos profissionais

    que participaram dos cursos de formao, e as diferentes respostas

    apresentadas durante os mesmos, instigaram-me a buscar estudos mais

    aprofundados a respeito das prticas e a formao com a linguagem teatral, as

    quais so desenvolvidas para a educao infantil. Para tanto, tambm foi

    indispensvel investigar o modo como o Jogo dramtico tratado nos

    documentos oficiais para o ensino com a criana pequena. Sendo assim, a

    necessidade de investigar esta reflexo me levou ao Curso de Mestrado em

    Educao da Universidade Federal do Paran (UFPR).

    Assim, sei que houve um logo caminho percorrido nesta investigao,

    para entender como o que vi transformou o meu olhar e de que modo isso se

    deu. Sei que a necessidade de anlise do meu olhar sobre o objeto de estudo

    aqui pesquisado porque a minha viso no nica no mundo. Tambm sei

    que iro existir outros olhares, nos meus olhares, sobre o que vejo, penso,

    perteno, nego, afirmo, ou o que ainda vou conhecer.

    Neste primeiro ato6 da minha pesquisa apresento, os trajetos

    percorridos em minhas experincias com a linguagem teatral em sala de aula e

    os dilogos estabelecidos na busca em compreender a dimenso dramtica do

    jogo, ou seja, do Jogo Dramtico. Para tanto, os dilogos se fazem por meio

    dos estudos sobre o Jogo Dramtico principalmente na verso francesa em

    Ryngaert (1981-2009) e na verso inglesa Slade (1978). Tambm como o

    Jogo Dramtico se insere no cenrio educacional brasileiro. Para tanto, os

    dilogos se estendem para as Leis de Diretrizes e Bases da Educao

    Brasileira e As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil.

    Assim como, os estudos sobre formao docente.

    No segundo ato da pesquisa abordo o referencial terico, sobre o

    conceito de drama, jogo e Jogo Dramtico. Abordo tambm a discusso sobre

    5 Utilizarei o termo Jogo Dramtico em negrito e em letra maiscula, para evidenci-lo como

    tema da pesquisa. 6 Vou escrever os captulos em atos. Pois, isto exemplifica as cenas vivenciadas durante a

    minha trajetria, as quais influenciaram diretamente na reflexo deste estudo.

  • 16

    o Jogo Dramtico como conhecimento para o desenvolvimento da criana.

    Neste sentido, o referencial terico tem como base os estudos de Vygotsky,

    (2009, 2000, 1999, 1995), Elkonin (2009) Ryngaert (2009, 1981), Huizinga

    (2010) e Courtney (1988).

    O terceiro ato da pesquisa trata da descrio dos procedimentos

    metodolgicos da investigao.

    O quarto ato a apresentao da anlise dos dados, ou seja, os

    dados produzidos levam a compreender como as docentes expressam seu

    entendimento sobre o Jogo Dramtico.

    O quinto ato so as concluses e consideraes decorrentes do

    estudo realizado.

    Esta sntese apresentada pontua alguns dos meus principais

    caminhos nesta pesquisa. No entanto, no h como no pautar o processo

    desta investigao em outros autores e autoras, em outros cenrios, para que

    fosse possvel realizar a problematizao do tema que ser apresentado. Pois

    todos os caminhos e dilogos estabelecidos que ainda sejam citados me

    conduziram de um modo ou de outro a este estudo. Para isto, apresento a

    pesquisa intitulada Do Drama ao Jogo: a compreenso de docentes da

    pequena infncia sobre o Jogo Dramtico.

    1.1 A problematizao do tema da pesquisa: o olhar de dentro e o olhar

    de fora

    Neste primeiro ato da minha pesquisa falarei das cenas que a minha

    criana encontrou com outras crianas e, neste palco de inmeras

    possibilidades, fez-me crer e buscar compreender de um modo mais

    sistemtico, como preservar e ampliar esse tempo to efmero e que deixam

    marcas to profundas, o tempo da infncia. Tanto nas crianas que encontrei

    na minha infncia, quanto s crianas escondidas na minha vida adulta,

    mostraram-me que viver um eterno jogo, uma luta contnua, um drama.

  • 17

    Drama este que coloca a criana que fomos e somos na boca de cena7 e, sem

    platia, joga-nos sem limites no exerccio da vida.

    Fazer de conta, colocar-se no lugar do outro e transgredir o j

    pensado, lutar pelo que ainda no se conhece e achar soluo para o que

    ainda h de vir. Criar realidades para alm das realidades que conhecemos

    entrar nos labirintos da imaginao e percorrer tramas, descortinar

    personagens, andar por cenrios desconhecidos, reinventar o corpo,

    resignificar a voz e solucionar o conflito. Sem este conflito no haveria o jogo

    nem o drama, para tanto, no haveria o que desde muito cedo a criana

    pequena desenvolve com maestria: o Jogo Dramtico.

    As inquietaes da minha infncia nunca cessaram, sempre ecoaram

    vez ou outra dentro de mim, mesmo nos momentos em que eu teimava em no

    ouvi-las. Recordar o momento em que os Jogos Dramticos se fizeram

    presentes em minha vida de criana lembrar do velho lato de tinta, que

    ficava no fundo do quintal, eu no deixava por nada no mundo jogarem fora,

    mesmo que a minha me reclamasse e achasse estranho aquele

    comportamento: s uma lata velha... Que nada era s um olhar mais atento e

    ele se transformava, em navio de piratas, submarino, caverna, mesa, pista de

    corrida de formigas, escorregador de tatu bolinhas.

    Passava horas projetando nele todas as minhas invenes, dialogando

    com todas as personagens em que ele se transformava, trazia ali pedaos de

    troncos, de tecidos que se transformavam em fada, na bruxa da tampinha, no

    velho do saco, e em quais personagens a imaginao fosse capaz de acessar.

    Ali tambm resolvia os conflitos criados para as personagens, que por sua vez

    tambm eram meus conflitos, tinha todos os sentimentos atravs delas, sendo

    elas as personagens.

    No lembro ao certo quando o velho lato de tinta foi deixando de

    brincar comigo e eu com ele, mas creio que foi de um modo tranquilo que eu

    no senti ele se afastar. Penso que foi como a onda quando toca os ps e volta

    novamente para o mar, para mais uma vez acontecer, quando se permite que

    os ps estejam ali para receb-la.

    7 Parte frontal do palco no teatro, anterior a ribalta, espao que separa o palco da platia.

  • 18

    A imagem do velho lato de tinta nunca me deixou, levei-o para o

    primeiro dia na escola. Quando me deparei com a to sonhada escola, tudo

    era terrivelmente assustador, era tanta criana junta e todas deveriam ficar

    sentadas, olhando para as explicaes da professora que na poca era

    chamada de tia e o ano era 1982.

    Particularmente no recordo de uma s palavra, lembro dos choros de

    algumas crianas, do olhar de pavor de outras, do meu olhar desconfiado e

    medroso de que iramos ser deixados ali naquele lugar para sempre, sem

    direito a se movimentar. Recordo de um som abafado que vinha do meu lado

    direito, quando olhei era uma menininha que soluava, eu at ento, apesar do

    susto de todo aquele cenrio, ainda no estava chorando. Foi ento que

    comecei a falar, para isso claro eu tinha que falar tambm com o corpo, porque

    s as palavras no eram suficientes. O prazer dividido no durou muito:

    sentem, quietas!

    Naquele dia aprendi que a escola era muito diferente da minha vida

    de criana e da vida de todas as crianas que ali estavam. At a professora em

    nada se parecia com a imagem que eu tinha das figuras femininas da minha

    infncia: a v, a me, a tia, a madrinha. Ela lembrava sim uma imagem

    masculina de movimentos simtricos, rgidos, era como um general.

    Estabelecia-se ento um conflito8, o qual segundo Pallottini (1988), a

    primeira Lei do Drama. Caso eu no tivesse conhecido to cedo o velho lato

    de tinta, certamente no teria condies de resolv-lo.

    As minhas andanas por diferentes cenrios me levaram, anos depois,

    a mesma condio da minha primeira professora: a mesma sala, as mesmas

    carteiras, o mesmo quadro com giz, os mesmos olhos assustados, a mesma

    professora, mas no era a mesma professora e tambm no eram os mesmos

    olhos de quatorze anos atrs. A professora ali presente, reconhecia o drama j

    vivido e era consciente que este resulta do confronto de vontades, ideias e

    8 Conflito aqui utilizado como referncia ao drama, sendo este a primeira lei dialtica ou lei do

    drama que em sua totalidade so 4 extradas da lgica dialtica de Hegel, e estudada pelo professor, autor e diretor de teatro Augusto Boal (Pallottini, 1988, p.41).

  • 19

    aes. Ento recorro segunda Lei do Drama: a ao dramtica que o

    movimento interior, o devir (PALLOTTINI, 1988, p. 41).

    Percebi ento o quanto o jogo socialmente institudo - o jogo de futebol

    - faz referncia aos jogos competitivos e voltados aos meninos. Pois, quando

    solicitados a jogar, as meninas no se mostraram muito entusiasmadas, pelo

    fato do jogo remeter aos jogos de bola. Faz-se necessrio lanar mo da

    terceira Lei Dramtica: a variao qualitativa que o ponto de mudana

    para o qual caminha o conflito, em sua intensificao. Chegando a esse ponto

    de aquecimento mximo, a linha do conflito deve mudar, sofrer uma variao

    ou salto qualitativa (PALLOTTINI, 1988, p. 41). Sendo assim um novo

    convite feito: Vamos fazer um crculo! Todos sabem como se faz um crculo?

    Sim!!! (todos).

    Ento aqui se institui o Jogo Dramtico, que segundo Slade (1978, p.

    18) [...] uma forma de arte por direito prprio; no uma atividade inventada

    por algum, mas sim o comportamento real dos seres humanos. Haja vista

    que um dos modos da criana estar em atividade, ou seja, de pensar, relatar,

    criar, trabalhar e envolver-se na vida e no mundo. Conforme o mesmo autor os

    momentos de jogo propiciam situaes to claras que foi necessrio surgir uma

    nova terminologia o Jogo Dramtico, para distinguir o processo realizado

    neste jogo e o que se entende por teatro.

    Este sempre nos pareceu um bom termo, pois ao pensar em crianas, especialmente nas menores, uma distino muito cuidadosa deve ser feita entre drama no sentido amplo e teatro como entendido pelos adultos. Teatro significa uma ocasio de entretenimento ordenada e uma experincia emocional compartilhada; h atores e pblicos, diferenciados. Mas a criana, enquanto ainda ilibada, no sente tal diferenciao, particularmente nos primeiros anos cada pessoa tanto ator como auditrio (SLADE, 1978, p. 18 grifo do autor).

    Para tanto, no Jogo Dramtico todos participam do processo, da

    situao estabelecida, no h necessidade de uma platia, j que todos so

    fazedores (SLADE, 1978, p. 18). Nesse sentido, no tem a separao palco

    platia, o espao um s: o da luta em grupo, para solucionar um propsito

    dramtico. Pensar em dramtico elucidar o significado da palavra drama.

  • 20

    Esta a importncia da palavra drama no seu sentido original, da palavra grega drao eu fao, eu luto (grifo do autor). No drama, [...] no fazer e no lutar, a criana descobre a vida e a si mesma atravs de tentativas emocionais e fsicas e depois atravs da prtica repetitiva, que o jogo dramtico (SLADE, 1978, p. 18).

    Sendo assim, a condio para que acontea o Jogo Dramtico, deve

    estar intimamente ligada ao contexto proposto ou pela prpria criana, ou pelo

    adulto, sem a relao com o teatro, j que este tem uma raiz diversa do drama,

    apesar de cont-lo no seu processo. Teatro o lugar de onde se v, portanto,

    necessita do olhar de fora, ou seja, o olhar de uma platia. No Drama a criana

    entra em contato com o mundo a sua volta, para isso no necessrio uma

    platia, pois trata-se do fazer, da ao da criana.

    Para situar historicamente a terminologia Jogo Dramtico busco sua

    raiz nas vertentes francesa e inglesa sobre este termo, em especial nos

    estudos de Ryngaert (2009), o qual fala da terminologia do Jogo Dramtico e

    sua relao com as inovaes da linguagem teatral. Jacques Copeau (1879 -

    1949), citado por Ryngaert (2009, p. 11) [...] passa a sistematizar diretrizes

    para sua formao gradual e progressiva, dando origem a uma verdadeira

    pedagogia permeada por preocupaes de carter tico. Ou seja, Copeau

    buscou na sua formao artstica desenvolver um sistema de jogos por meio de

    improvisaes, o que se assemelha ao processo com as formas dramticas.

    Ainda de acordo com Ryngaert, (2009, p. 12) Outro nome de relevo para uma

    anlise das origens da prtica do jogo dramtico de Charles Dullin (1885

    1949), [...] sua busca de uma metodologia que conduza sinceridade do ator,

    o leva a preconizar a improvisao teatral como caminho por excelncia para

    que ao aluno descubra seus prprios recursos expressivos.

    Todo esse percurso teatral desenvolvidos por Copeau e Dullin, servem

    de incio para a sistematizao de um trabalho artstico, para alm do meio

    teatral. Porm, foi somente com Lon Chancerel, (1886 -1965) citado por

    (RYNGAERT, 2009, p.12) [...] que se forja o termo jogo dramtico na dcada

    de 1930.

    A partir destes estudos e prticas em diferentes campos sociais, o

    Jogo Dramtico se institui como um meio de aprendizagem e reflexo do

    contexto social. Sua disseminao se estabelece por meio da publicao

  • 21

    continua das revistas de teatro intituladas Cahiers d art dramatique [..] acabou

    inspirando, no Rio de Janeiro, a criao dos Cadernos de teatro do Tablado,

    coordenado por Maria Clara Machado, importante fonte de formao e reflexo

    teatral pelo Brasil afora, sobretudo durante os anos de 1960-70 (RYNGAERT,

    2009, p. 12).

    Sendo assim, o Jogo Dramtico na sua criao e desenvolvimento

    tem como princpio a atuao improvisada, a busca pela percepo individual

    da proposta estabelecida no jogo, dentro de regras precisas, formuladas

    atravs de um roteiro prvio. Isto entender no processo com o jogo a criar

    suas situaes, seus tempos, suas personagens, sem, no entanto, ter que

    reproduzir o que feito pela mediao docente.

    portanto dentro desse panorama histrico que a prtica do jogo dramtico se insere, privilegiando uma atuao improvisada que se contrape simples reproduo de formas teatrais consagradas. Essa perspectiva, inicialmente dirigida para a atuao junto s jovens geraes, estende-se pouco a pouco tambm aos adultos (RYNGAERT, 2009, p. 13).

    Portanto, aqui excursiono o Jogo Dramtico de apresentao

    pessoal, o qual consiste no fato de todos estarem em crculo, e h uma

    sequncia de movimento e palavra, ou seja, todos os que jogam, um a um,

    devem apresentar-se, falar seu nome e usar um gesto corporal. Ao qual o

    jogador ao lado deve repetir a sequncia de quem j se apresentou, inserindo a

    este a sua apresentao verbal e corporal.

    Para um adulto este jogo apresentaria um temor, o medo de errar, mas

    para a criana um desafio alegre, solidrio, espontneo, sem preocupao

    com acertos ou erros, de olhos atentos, a cada respirar, a cada movimento,

    com olhos de observar, com olhos de ao. Ver a relao to ntima da criana

    com o Jogo Dramtico, fez-me pela primeira vez v-lo como possibilidade de

    pesquisa.

    Percebi ento o que era o olhar de dentro no Jogo Dramtico e o

    olhar de fora, at ento s vivenciado com profissionais do teatro ou em

    minhas incurses acadmicas. O meu olhar de fora ento acessou o meu olhar

    de dentro, quando me deparei com crianas, que traziam em si o esprito

  • 22

    artstico sem serem artistas, estavam ali em prontido, com olhares

    entusiastas, sem perguntas, jogados no jogo: na ao dramtica9.

    Ento compreendi que a [...] cada alterao da afetividade humana

    corresponde uma respirao prpria [...] (ARTAUD, 1993, p.130),

    complemento ao dizer: um olhar prprio, um gesto, um movimento prprio, um

    querer prprio, para este olhar que esta dentro, que traz desejos reprimidos,

    outros expostos, falas internas, roteiros de vida, que por sua vez quando bem

    mobilizados, quando no cabem mais em si so expulsos para o olhar de fora.

    Isto o embate contnuo do olhar do outro, para o outro, com o outro. Neste

    embate de tantos olhares de dentro e de fora, o prprio olhar melhora e, s

    ento volta a ser seu. preciso ver o ser humano como um duplo10, ou seja,

    recorrer aos recursos adquiridos internamente para acessar os recursos

    externos, os saberes que se apresentam no jogo da vida.

    Para esclarecer o que duplo pode-se comear por dizer o que ele no . No se trata de uma imagem, nem de um reflexo. A peste, por exemplo, no a imagem do teatro, ela o teatro. [...] entre o teatro e seu duplo no se estabelece uma relao simplesmente metafrica e verbal, mas uma relao de identidade. [...] Artaud quer juntar a diviso, a contradio, o perigo, a fim de livrar o homem de sua letargia, pelo seu Duplo que se tornou o princpio da linguagem por correspondncia e por signos ele quer tornar sensvel a unidade mltipla da vida. O teatro concebido por Artaud , portanto, um teatro de ambivalncia; nele a iluso verdadeira, a destruio construtiva e a desordem ordenada [...] (VIRMAUX, 1990, p. 46).

    Ora, se as crianas pequenas conseguem dialogar com seus recursos,

    que a princpio eu julgava insuficientes para resolver os conflitos expostos no

    jogo como drama, estava eu enganada, no s conseguem solucionar o que

    9 O movimento interior, como j citado em PALLOTINNI (1988, p. 9 - 41) A ao a vontade

    humana que persegue seus objetivos, consciente do resultado final [...] Movimento este que conseqncia do conflito que se intensifica no desenrolar das cenas apresentadas, at a sua resoluo. [...] A ao dramtica resulta, portanto, do conflito. Este conflito tem seu curso: h o momento, digamos, do seu nascimento, o momento do seu desenvolvimento, o da sua ecloso (ponto crucial) e, depois o da sua resoluo. 10

    Artaud (1993, p. 130), ator e encenador francs que pesquisou o corpo do artista e os movimentos desse corpo no oriente. Para ele o artista um atleta do corao, escreveu Um atletismo afetivo (parte integrante do livro: Teatro e seu Duplo. So Paulo: Martins Fontes, 1993), aps suas incurses em Bali para estudar o gesto orgnico das danarinas, ou seja, o corpo precisa sentir a ao, no s reproduzi-la necessrio a tomada de conscincia do corpo que atua na representao de um papel e aqui enfatizo a atuao no Jogo Dramtico.

  • 23

    proposto, mas vo alm criando novas situaes. Esta primeira cena me leva

    ento a recorrer a Artaud (1993), quando este fala que os mecanismos internos

    do corpo provocam uma reapario espontnea da vida:

    [...] como uma voz nos corredores infinitos em cujas margens dormem guerreiros. [...] mas, se uma criana de repente grita olha o lobo (grifo do autor), esses mesmos guerreiros despertam. [...] seu inconsciente mais sensvel e flutuante topou com uma tropa de inimigos. Assim, por meios indiretos, a mentira provocada do teatro cai sobre uma realidade mais temvel que a outra e da qual a vida no suspeitara (ARTAUD, 1993, p. 132).

    Assim, percebi que os recursos corporais do adulto quando so

    acionados por meio do jogo, os seus guerreiros11 internos no so

    despertados, pois permaneceram muito tempo adormecidos, sem que ningum

    recorresse a eles durante longo perodo, ficaram esquecidos, sem ao, funo

    ou porque existir. A partir desta consideraes fui lanada para a segunda

    cena deste primeiro ato. Busquei outros cenrios, os quais me levaram a

    perceber a atuao do adulto na ao com crianas pequenas12, ou na

    proposio de situaes ldicas que entendo como os jogos de faz de conta

    e brincadeiras cantadas, contao de histrias ou invenes criadas com sons

    e movimentos.

    Mais adiante, comecei a me perceber no s como artista, mas

    tambm como professora, e quais eram os recursos afetivos e corporais que a

    mim pertenciam e que me possibilitam dialogar com outros corpos durante o

    processo de Jogo Dramtico. Para tanto, pensar no jogo e no drama e na

    juno dos dois trilhar os caminhos j citados da estrutura do drama com

    seus conflitos, ao dramtica, a variao qualitativa e chegar juno

    11

    Guerreiros aqui usado para relacionar os mecanismos de alerta do inconsciente humano, que so despertados no momento da atividade dramtica. Este termo citado em Um Atletismo Afetivo Teatro e seu Duplo, (ARTAUD, 1993, p. 130). 12

    Utilizarei o termo criana pequena nesta pesquisa, para me referir a educao infantil que hoje no Brasil de 0 a 5 anos. Isto Na atual organizao educacional brasileira a educao Infantil a primeira etapa da Educao Bsica, correspondendo educao de crianas de 0 a 5 anos, sendo o termo creche utilizado para a educao de crianas de 0 a 3 anos e pr-escola para as crianas de 4 a 5 anos (Nadolny, 2010, p. 13).

  • 24

    desses elementos. Ou seja, a interdependncia (grifo meu) de todos os

    componentes, constncia da ideia central [...] (PALLOTTINI, 1988, p. 42).

    A partir dessas andanas artsticas e docentes, tanto atuando com

    crianas, quanto na formao docente em diferentes instituies. Houve um

    momento dessa atuao que me levou ento ao encontro de um grupo de

    docentes da educao infantil.

    Neste estudo dei preferncia ao termo docente, por me parecer mais

    adequado para a pesquisa, tanto quanto ao gnero, como as nomenclaturas.

    Assim, na Rede Municipal de Ensino de Curitiba, campo de estudo desta

    pesquisa, utiliza-se os termos professores e educadores conforme a distino

    de cargos e salrios. Sendo assim, optei por utilizar docentes para me referir

    tanto a uma nomenclatura, quanto a outra.

    Utilizarei o termo as docentes para me referir as docentes participantes

    da pesquisa. Tambm, por uma questo de gnero, j que se tratam somente

    de mulheres. Estas docentes da pequena infncia13 fizeram parte do curso de

    vivncias e formao em Jogos Dramticos, que ministrei nesta rede

    municipal de ensino. Com isso, este o grupo de docentes me fez retornar

    novamente ao meu primeiro contato com o ensino de crianas, aos pequenos

    olhares de fora e de dentro, da minha conscincia como artista e professora.

    Pois, percebi em alguns docentes uma visvel resistncia aos jogos propostos

    e, o contrrio tambm, para alguns docentes foi um encontro de encantamento,

    de reafirmao das suas prticas, agora reconhecidas pela teoria vivenciada no

    curso.

    Como era difcil, e encantador, trazer para fora e jogar esse drama

    construdo culturalmente, psicologicamente, antropologicamente,

    sociologicamente e folcloricamente. Como era assustador revelar,

    compartilhar essa criana que adormecida e reprimida se escondia, trmula

    dentro de cada docente, que mesmo trabalhando diretamente com crianas

    13

    O termo pequena infncia ser utilizado nesta pesquisa, para caracterizar as idades pr-escolares, ou seja, [...] a escolarizao de crianas antes da idade obrigatria cresceu a tal ponto que, nos organismos internacionais, a noo muito ambgua educao escolar foi substituda pela expresso mais geral de educao da pequena infncia [...] (PLAISANCE, 2004, p. 222 - 223).

  • 25

    nunca tinham percebido que seus corpos podiam se expressar atravs do

    Jogo Dramtico.

    Portanto, a complexidade de respostas dadas pelos participantes em

    relao ao jogo dramtico, ora de participao, ora de afastamento, em um

    curso que poderia levar aos risos, suores, ouvidos, respiraes, atuantes em

    um processo significativo, fez-me trazer o Jogo Dramtico para a luz dos

    saberes pesquisados sobre a Formao Docente14. Portanto, necessrio

    pautar a presente pesquisa na seguinte pergunta:

    Qual a compreenso de Jogo Dramtico para as docentes que atuam na

    educao de crianas pequenas?

    1.2 O lugar do estudo: sua justificativa e objetivo

    O cenrio que hoje se apresenta sobre a funo social da infncia tem

    passado por profundas modificaes, lanando novos olhares tanto para a

    condio da infncia como processo histrico e cultural, como tambm, a sua

    educao. Agregam-se a esses fatores a ampliao e consolidao de

    estudos e pesquisas que tm contribudo para a construo de conhecimentos

    relativos educao de crianas desde o nascimento em ambientes coletivos

    (GUIMARES e REIS, 2011, p.14).

    Atualmente o espao dado ao ensino de crianas tem como princpio o

    pleno desenvolvimento de suas capacidades. As experincias firmadas nos

    programas educacionais para a educao infantil de qualidade so indcios de

    que os investimentos neste nvel de educao promovem a garantia da

    cidadania, de autonomia e emancipao da criana em todo o seu percurso

    14

    [...] formao docente refere-se a um processo de apropriao e construo de formas de pensar, sentir, agir, em situaes de ensino e de atribuir significados a seus componentes, segundo uma matriz ideolgica que se constitui social e historicamente. um processo complexo que se faz ao longo do desenvolvimento pessoal e profissional do docente [...] ela fruto de um complexo conjunto de mediaes, dentre as quais a formao inicial apenas uma delas [...] (TARDIF, 2002, p.21). O termo Formao Docente ser utilizado em letra maiscula para enfatizar a sua importncia nesta pesquisa.

  • 26

    escolar. Nessa direo, avalia-se que as efetivas contribuies desse nvel de

    ensino podem ser garantidas e ampliadas se houver investimento no

    aperfeioamento das prticas dos educadores, alm da melhoria nas condies

    de infra-estrutura das instituies (GUIMARES e REIS, 2011, p.14).

    No entanto, a Formao Docente para a atuao com crianas

    pequenas, na educao infantil so temas recentes na realidade educacional

    brasileira. Pois, somente no incio da dcada de 80, houve uma sistematizao

    dos saberes sobre a educao infantil, ou seja, [...] Sabe-se que foi

    unicamente a partir da promulgao da Constituio de 1988 que se garantiu,

    legalmente, no pas, o direito das crianas de zero a seis anos educao

    pblica e gratuita (JAPIASSU, 2007, p. 26). Entretanto, somente aps a

    criao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) que a

    Educao Infantil passa efetivamente a compor a Educao Bsica. Com isso,

    voltou-se o olhar para a formao dos profissionais que atuavam com a

    criana pequena.

    As pesquisas educacionais sobre a criana de zero a seis anos, que inicialmente tinham por finalidade encontrar respostas institucionais concretas para a reconhecida importncia da educao infantil, deixaram de problematizar as creches e pr-escolas como co-responsveis na formao cultural da infncia e, hoje voltam-se para o questionamento dos seus modelos de gesto e projetos pedaggicos, problematizando especialmente a formao profissional dos trabalhadores da educao infantil (JAPIASSU, 2007, p. 27).

    Apesar dos inmeros estudos e pesquisas realizadas sobre a

    educao infantil e a Formao Docente, ainda necessrio enfatizar as

    lacunas que perduram. Haja vista, que os currculos da formao inicial sejam

    em nvel mdio ou as licenciaturas no trazem uma reflexo aprofundada a

    respeito do que seria o ensino para pequena infncia. Sobre este ponto

    Guimares e Reis (2011, p. 15) esclarecem:

    [...] Cabe ainda a formao inicial promover a apropriao pelo professor de elementos significativos do conhecimento historicamente construdo, de modo a possibilitar-lhe atuar na mediao da curiosidade infantil e da construo pelas crianas de saberes sobre o mundo social, das cincias, das artes, sobre o fantstico e sobre si mesmas. Essa etapa da formao profissional necessita tambm oportunizar a apropriao pelos professores de diferentes linguagens presentes na expresso artstica de modo a possibilitar-lhe atuar como

  • 27

    mediadores do processo de desenvolvimento da criatividade e da imaginao da criana no emprego dessas linguagens.

    Para tanto, o desenvolvimento profissional docente15 um desafio

    tanto na formao inicial, quanto na formao continuada. Posto que os

    programas educacionais apresentam uma estrutura formatada do

    conhecimento, o que impede muitas vezes a postura docente de se colocar

    como protagonista da ao educativa. Outro ponto relevante que as artes

    so contempladas sem a ateno necessria por parte dos responsveis pela

    elaborao dos contedos programticos de cursos para a formao de

    professores alfabetizadores e das propostas curriculares para a educao

    infantil [...] (JAPIASSU, 2001, p. 23).

    Ao pensar que a educao infantil e a Formao Docente so

    discusses recentes na histria brasileira, o ensino das artes e mais

    especificamente do teatro, na educao nacional, s passou obrigatoriamente

    a fazer parte do currculo da educao fundamental e do ensino mdio com a

    entrada em vigor da lei 5.692, de 1971, cuja nomenclatura instituda naquele

    momento era a de educao artstica para designar as diferentes linguagens

    das artes: teatro, dana, plsticas e msica.

    Porm, antes da lei 5.692/71, a LDB 4.024/61 instituiu-se a disciplina

    de arte dramtica, sem, no entanto, ser obrigatria no currculo escolar. Porm,

    a oferta desta disciplina em determinadas escolas foi reprimida pelo Golpe

    Militar de 1964, [...] os movimentos renovadores foram interrompidos. O teatro

    ficou rotulado como perigoso inimigo pblico e as aulas de arte dramtica [...]

    mesmo na dcada de 1970, no eram ignoradas pelo regime militar [...]. Em

    1968, essas escolas foram invadidas e fechadas (grifo do autor) e muitos

    professores aposentados com base no Ato Institucional n 5 e na Lei de

    Segurana Nacional [...] (JAPIASSU, 2001, p. 63).

    Neste sentido, a LDB 5.692/71 colocou a obrigatoriedade do ensino

    das artes, porm, no se levou em considerao que no haviam profissionais

    15

    Desenvolvimento o processo atravs do qual os professores [...] revem, renovam e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propsitos morais do ensino e adquirem e desenvolvem, de forma crtica [...] o conhecimento, as destrezas e a inteligncia emocional, essenciais para uma reflexo, planificao e prtica eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais ( NADOLNY, 2010, p. 21).

  • 28

    licenciados para atuar com esta nova disciplina, sendo criado anos depois da

    implantao da lei, os primeiros cursos universitrios de educao artstica.

    Estes documentos oficiais enfatizam a condio dada s artes na

    escolarizao. Creio que importante ressaltar que o ensino das artes foi

    implantado somente no ensino fundamental e mdio, neste momento no se

    pensou na educao infantil.

    Durante muito tempo o que chegava para a educao infantil a

    respeito das artes eram atividades adaptadas do ensino fundamental, sem

    levar em considerao as especificidades do ensino para a criana pequena.

    Com isso, Cabe (...) a contribuio nica que o teatro pode oferecer

    formao do professor da educao infantil (...) reconhecendo-lhe o valor

    pedaggico e a especificidade esttica (JAPIASSU, 2001, p. 68).

    Pensar que a linguagem teatral na educao infantil ainda d seus

    primeiros passos e que para se efetivar necessita ainda de muitas elaboraes,

    pesquisas, reflexes, aprofundamentos a respeito de como a linguagem teatral

    deve ser entendida e praticada nos diferentes cenrios da educao infantil.

    tambm pensar na formao contnua dos profissionais da educao, no

    somente a formao de quem atua diretamente com a criana, mas tambm a

    coordenao, direo e demais funcionrios, pois um ambiente escolar se faz

    com a amplitude dos saberes compartilhados por todas as pessoas envolvidas

    neste ensino, tendo um mesmo propsito.

    O dilogo constante definido em bases slidas de entendimento gera

    uma reflexo mais crtica em relao realidade de atuao. Para tanto,

    Pode-se constatar, por exemplo, [...] O Referencial Curricular Nacional para a

    Educao Infantil (RCNEI) recomenda o desenvolvimento de intervenes

    educacionais com as artes cnicas (circo, dana e teatro) respectivamente nas

    sries iniciais do ensino fundamental e na educao infantil (Brasil 1997 e

    1998) (JAPIASSU, 2007, p. 61 - 62).

    Porm, ao analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

    Educao Infantil (DCNEI) de 2009, observei no item 11 o qual trata das

    Prticas Pedaggicas para a Educao Infantil, as interaes e brincadeiras

    como eixos norteadores. No entanto, estes eixos no apresentam como base

  • 29

    nenhuma perspectiva terica, ou seja, ao que parece s interaes podem

    ocorrer de qualquer modo e as brincadeiras englobam todas as aes das

    crianas, ou seja, necessrio garantir experincias que:

    Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliao de experincias, sensoriais, expressivas, corporais que permitam movimentao ampla, expresso da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos das crianas (BRASIL, 2009, p. 25).

    O documento ainda recomenda:

    Favoream a imerso da criana em diferentes linguagens e o progressivo domnio delas de vrios gneros e formas de expresso: gestual, verbal, plstica, dramtica e musical (...) (BRASIL, 2009, p. 25).

    Em nenhum momento o referido documento norteia os conceitos de

    interao e brincadeira, ou seja, no especifica qual a abordagem, como se

    estes englobassem todo o referencial de desenvolvimento da criana, sem a

    necessidade de especificar o que caracteriza cada um. Parece-me que as

    referncias destinadas s crianas, podem ser definidas de modo amplo, no

    sentido de no estruturar um documento pontual que aprofunde os conceitos

    citados nele. Neste sentido, revela a fragilidade de referenciar conceitos em um

    documento sem direcion-los para uma melhor interpretao de quem for l-lo.

    Atualmente ainda a formao continuada voltada s formas de

    expresso citadas nas DCNEI (2009), requer uma sistematizao e

    continuidade para que docentes se apropriem destas linguagens, assim como

    as coordenaes escolares. Pois deve haver o devido cuidado com as prticas

    pedaggicas destinadas ao desenvolvimento da criana. Tambm a diretriz no

    informa o que seria a expresso dramtica, no a relaciona com o Jogo

    Dramtico. Pela cultura desenvolvida nas prticas pedaggicas com a

    linguagem teatral para a educao infantil, a expresso dramtica de um modo

    geral pode ser caracterizada pelas apresentaes teatrais e, do modo como

    foi posto neste documento, s refora a disseminao desta ideia.

  • 30

    As perspectivas apontadas tanto nas LDBs, PCNs, RCNEI16 e nas

    DCNEI demonstram a importncia da reflexo do que seria a educao para a

    pequena infncia. No entanto, vivemos em um tempo de urgncia de revises

    desses documentos. Ora, pensar a criana da dcada de 90, diferente de

    pensar a criana do sculo XXI. Faz-se necessrio novos parmetros de

    anlise, pois, pensar a criana hoje averiguar com clareza a importncia de

    seu desenvolvimento em diversas dimenses e linguagens. Neste sentido

    necessrio observar que tais documentos no abordam o papel do Jogo

    Dramtico no desenvolvimento da criana pequena e na Formao Docente.

    Sendo assim, os saberes proporcionados s crianas pequenas

    devem estar fundamentados, a partir das pesquisas j realizadas sobre estes

    saberes selecionados e aplicados na educao infantil. Tambm importante

    proporcionar Formao Docente continuada que contemplem o jogo como

    forma dramtica de aprendizagem, que possa ampliar o olhar docente sobre

    suas prticas, para que sejam prticas reflexivas. Promover a formao

    continuada dos profissionais da pequena infncia averiguar a sua condio

    como docente em diferentes dimenses: [...] empenho pessoal, atuao

    consciente, reconhecimento e valorizao profissional, condies financeiras,

    oportunidades culturais, diversas vivncias corporais, interaes com diferentes

    reas do conhecimento e formao docente continuada. (GARANHANI, 2008,

    p. 203).

    A partir destas consideraes busco analisar, para conhecer, a

    compreenso de Jogo Dramtico nos dizeres de docentes que atuam na

    educao infantil da Rede Municipal de Ensino de Curitiba Paran.

    Para isso, apresento como objetivo da pesquisa: anlise da

    compreenso de Jogo Dramtico nas falas de docentes que atuam na

    Educao Infantil da Rede Municipal de Ensino de Curitiba Paran. A escolha

    por este tema se deu pela necessidade de aprofundar os elementos

    identificados nas propostas de intervenes pedaggicas das docentes

    participantes desta pesquisa. Ou seja, as intervenes que mais se

    aproximaram da ideia de Jogo Dramtico, trabalhada no Curso de Formao 16

    Parmetros Curriculares Nacionais para a Educao Fundamental e os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil.

  • 31

    Docente Jogos Dramticos: Entre Vivncias, Sensaes e Percepes na

    Educao Infantil da (SME), ministrado por mim, em 2010. Tambm, por

    constatar que a Rede Municipal de Educao de Curitiba Paran traz em

    seus programas de Formao Docente a preocupao em fomentar e mobilizar

    a formao na linguagem teatral. Sendo a SME um cenrio de mediao entre

    a formao docente e a ao da criana.

    Entretanto, levei em considerao o fato desta rede de ensino ter

    promovido a possibilidade de docentes da educao infantil conhecer e

    vivenciar o Jogo Dramtico como possibilidade de ao e expresso tanto da

    criana, quanto das prprias docentes. Percebo que este curso foi

    disponibilizado e pensado pelo fato de ter em sua coordenadoria na rea da

    linguagem teatral, uma profissional do teatro.

    Assim, para a realizao desse estudo busco respaldo na teoria

    Histrico-Cultural e apresento as seguintes questes norteadoras:

    Qual a abordagem do Jogo Dramtico nos documentos produzidos

    para Educao Infantil na Rede Municipal de Ensino de Curitiba?

    Como abordado o Jogo Dramtico na Formao Docente, para a

    atuao na Educao Infantil da Rede Municipal de Ensino de

    Curitiba?

    O que as docentes da Educao Infantil desta rede de ensino falam

    sobre o Jogo Dramtico?

  • 32

    ATO II: ENTRE AS TRAMAS DO JOGO E DO DRAMA: UMA REVISO DE

    ESTUDOS

    A primeira forma de relao entre imaginao e realidade consiste no fato de que toda obra da imaginao constri-se sempre de elementos tomados da realidade e presentes na experincia anterior da pessoa [...] ANA LUIZA SMOLKA

    17.

    Este ato aborda no primeiro momento a retomada dos referenciais

    tericos sobre os conceitos Jogo, Drama e Jogo Dramtico. No segundo

    momento fao uma discusso a respeito do Jogo Dramtico como

    conhecimento para ser desenvolvido na educao infantil. Para tanto, recorro

    aos estudos de Vygotsky (2009, 1999, 1995), Elkonin (2009), Huizinga (2010),

    Ryngaert (2009,1981) e Courtney (1988).

    2.1 Jogo, Drama e Jogo Dramtico: a construo do conceito

    Quando se pensa na palavra jogo, esta nos remete h uma infinidade de

    imagens, pois o seu sentido no nico, o que leva a identific-lo e express-

    lo de diferentes modos. Dependendo da cultura em que o jogo est inserido

    este carrega determinadas peculiaridades, sem, no entanto, se desfazer dos

    aspectos atemporais aos quais est submetido e os quais o identificam em

    qualquer lugar do mundo.

    Da maneira que concebemos, o jogo antes de tudo uma atividade, isto , uma ao humana pautada por uma inteno que se justifica por si mesma, sob o pano de fundo do universo imaginrio, balizado por regras. Portanto, se diferencia do exerccio na medida em que no

    17

    Epgrafe retirada da obra: SMOLKA, Ana Luiza. Apresentao e comentrios. In: Vygotsky, Lev Semionovich. Imaginao e Criao na Infncia: ensaio psicolgico. So Paulo: tica, 2009, p. 20.

  • 33

    uma repetio mecnica, destituda de sentido imaginrio e cujo objetivo visa sempre uma finalidade prtica e imediata (RETONDAR, 2007, p.11).

    Sendo assim, o jogo no esta no rol das atividades de sentido utilitrio,

    ou seja, como produto de uma ao humana. Visto que a sua finalidade se

    encontra em outro patamar o do sentido esttico, o da relao entre pares, o da

    descoberta de sentidos e de novos sentidos para a dimenso humana.

    Segundo Retondar (2007, p. 91) o jogo produto e produtor de sentidos, pois

    espao simblico que acolhe a dimenso humana da existncia. O

    fundamento ldico presente e predominante no mundo do jogo o que permite

    a alegria e xtase sem qualquer sentido de culpa ou de julgamento moral por

    parte do jogador (...). O jogo ultrapassa a condio de atividade meramente

    biolgica ou psicolgica, visto que sua dimenso se caracteriza pela

    significao da ao.

    Para tanto, Retondar (2007) cita Duflo18 ao abordar a concepo de

    jogo na perspectiva antropolgica e histrica:

    a) A primeira apropriao diz respeito compreenso do jogo dentro do escopo tico-teolgico [...]. b). Uma segunda apropriao histrica dentro do pensamento filosfico remete apropriao do jogo enquanto objeto epistemolgico, isto como componente de uma lgica prpria de pensar e de produzir conhecimento sobre a vida e sobre o mundo. c) Numa terceira apropriao histrica do jogo, datada do incio do sculo XVIII em diante, temos a influncia da grande obra de Schiller: A Educao Esttica do Homem numa srie de cartas, que passa a situar o jogo no interior da perspectiva esttica e tambm

    pedaggica [...] (RETONDAR, 2007, p. 15 - 16).

    Neste sentido, pensar o jogo sob estes trs olhares revisitar seus

    processos como objeto histrico e cultural. Tambm, o quanto tais perspectivas

    refletem os processos scio-histricos19 que s ocorrem com a inter-relao

    18

    DUFLO, C. O Jogo: de Pascal a Schiller. Porto Alegre: Artmed, 1990. 19

    Tm origem nas (so produtos das) condies especificas do desenvolvimento social. Tm sua origem nas formas culturais de organizao das sociedades, do seu modo de produzir e interpretar a sua existncia. Surgem das relaes entre seres humanos e destes com o mundo material (FABRI, 2008, p. 124).

  • 34

    entre os aspectos culturais, sociais e subjetivos estabelecidos pelo ser humano

    na vida em sociedade.

    Para tanto, as perspectivas que tomo como referncia, nesta reviso

    de estudos trata do jogo como objeto epistemolgico e esttico20. Massa (2002,

    p. 291) citada por Japiassu (2007, p. 95), argumenta que, O jogo fato mais

    antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definies menos rigorosas,

    pressupe sempre a sociedade humana; (...) Em suas formas mais complexas

    o jogo est saturado de ritmo e de harmonia, que so os mais nobres dons de

    percepo esttica de que o ser humano (grifo meu) dispe (HUIZINGA,

    2010, p. 3 - 10). A civilizao se apropria do jogo, para criar significados a sua

    existncia e, assim, desenvolver a capacidade de se projetar e dar sentido a

    sua histria pessoal, cultural, social, e ampliar com isso as sua prpria

    realidade. Ainda segundo Huizinga (2010, p. 3 4) o jogo ultrapassa os

    limites da atividade fsica ou biolgica. uma funo significante, isto ,

    encerra um determinado sentido. [...] Todo jogo significa alguma coisa [...].

    Ora, o ser humano s cria a partir das escolhas feitas em sociedade,

    daquilo que agrega sentido e valor a sua existncia, portanto, tambm pens-

    lo sapiens (razo), faber (produo) e ludens (ldico). Esta inter-relao faz

    do ser humano um ser dotado de capacidade de transformao da realidade,

    de produtor de significados, capaz de tomadas de decises sobre os fatos que

    se apresentam. Neste sentido, Retondar (2007, p. 18) relata que Huizinga

    identifica quatro caractersticas formais do jogo, a saber: a voluntariedade, as

    regras, a relao espao-temporal e a evaso da vida real. Aqui enfatizo a

    importncia de trs caractersticas:

    1) Voluntariedade: no h como entrar em um jogo sem realmente ter interesse

    nele, no se pode obrigar algum a jogar, este deve decidir jogar, ou seja,

    Voluntariedade no jogo significa deciso de iniciar e continuar no jogo,

    considerando o bem que tal atividade proporciona enquanto prtica significativa

    que atende s necessidades mais imediatas e profundas. Pois, em jogo h

    20

    [...]O termo Esttica evoca a concepo grega denominada de aisthetique e tem sua origem no verbo grego aisthesis, que se refere ao conhecimento sensvel, possibilidade de conhecermos atravs dos sentidos, das sensaes (JAPIASSU, 2007, p. 95)

  • 35

    sempre alguma coisa em jogo posta pelo prprio jogador (RETONDAR, 2007,

    p. 19).

    2) Regras: [...] no existe jogo sem regras. O jogo se inscreve como uma

    ao voluntria e sujeito a regras, pois estas criam a ordem e so

    expresso da prpria ordenao do jogo. [...] (RETONDAR, 2007, p. 20).

    Todo jogo seja ele individual ou coletivo, traz em si regras implcitas e ou

    explcitas21 as quais encaminham o processo do jogo at o seu desenlace.

    3) [...] a ltima caracterstica formal do jogo apresentada por Huizinga a

    evaso da vida real, que, em linhas gerais, a manifestao ldica do

    jogador se permitir adentrar o universo imaginrio do jogo e

    momentaneamente viver o faz-de-conta de maneira intensa e total, a ponto

    de esquecer, (grifo do autor) durante o tempo do jogo, todo os seus

    compromissos sociais (RETONDAR, 2007, p.33).

    Partindo destas caractersticas formais do jogo pode-se consider-lo

    como uma atividade delineada por regras, capaz de transportar a vida para

    alm do cotidiano, travestir o ser humano em diferentes personagens,

    estabelecedor de relaes e tudo isso voluntariamente.

    Porm, o Jogo Dramtico traz em si um embate seja individual ou

    coletivo, a luta interna e externa que caracteriza um conflito, uma ao

    dramtica, uma variao. Apesar de j ter colocado anteriormente a ao

    dramtica, retomo aqui para exemplificar o elo entre a ao corporal e o

    dilogo, [...] atividade que combina movimento fsico e dilogo; inclui

    expectativa, preparao e realizao de uma mudana de equilbrio que parte

    de uma srie de outras mudanas. O movimento em direo mudana pode

    ser gradual, mas o processo deve realmente acontecer (PALLOTTINI, 1988, p.

    38). Isto jogo na forma dramtica, a criana estabelece um dilogo constante

    interno, pois, necessita seguir as regras colocadas, ao mesmo tempo deve

    interagir corporalmente com o grupo. Neste sentido estabelecido um

    21

    As regras implcitas se aplicam as regras institudas h um papel em determinado contexto social. J as regras explcitas so visveis em qualquer jogo, estas delimitam o que se pode ou no durante o desenvolvimento de jogo, so expressas antes e ou durante o jogo. [...] a liberdade da criana no jogo marcada pelos limites impostos pelo papel assumido [...] (ARCE, 2006, p. 72).

  • 36

    processo de aes as quais constituem um conflito, para a resoluo da

    atividade proposta.

    Pensar na estrutura dramtica do jogo remontar a ideia de Vygotsky

    (2009) sobre o desenvolvimento da vida humana em termos de drama22, ou

    seja, o que drama? Literalmente, um episdio comovente e pattico em

    que o cmico se mistura com o trgico. [...]. A vida concreta dos humanos

    possui uma dimenso dramtica. [...} esta vida dramtica apresenta todos os

    caracteres que fazem dela um domnio suscetvel de ser estudado

    cientificamente [...] (MARIGUELA, 1994, p. 118).

    No entanto, o trgico e cmico tem origem diversa historicamente

    falando, em relao estrutura do drama, j que os recursos de representao,

    de ambos, no se enquadram na forma dramtica, mas, contudo a estrutura

    pode ser considerada drama. J que as aes estabelecidas no dilogo pelas

    personagens trazem em si tanto o conflito interno humano, quanto o conflito

    historicamente e culturalmente construdo.

    O embate cotidiano do ser humano em solucionar os conflitos

    relacionados cultura na qual esta submersa, o leva a pensar, refletir e acionar

    seus mecanismos psquicos.

    O que constitui a dramaticidade humana o constante conflito que se estabelece entre os impulsos primitivos [...] e os caminhos criados pela cultura para civilizar-nos. A vida humana dramtica na sua concretude, pois inseridos na vida desde o nascimento temos que nos defrontarmos constantemente com a tarefa de nos tornarmos humanos. Isto porque ser humano uma exigncia do processo civilizatrio (MARIGUELA, 1994, p.121).

    22

    Vygotsky analisou a noo de drama inicialmente ancorada na obra de Shakespeare, se redimensiona para Vygotsky por meio de estudos e interlocues com muitos outros autores. afetada pela dialtica do senhor e do escravo em Hegel; pelo socius internalizado e pelas funes de comando das palavras em Janet; pelo materialismo histrico e pelas relaes sociais em Marx. [...]. Nessa diversidade de problemas e contribuies, Vygotsky mostrou extrema disposio ao dilogo e acolhimento das ideias dos outros, realizando, ao mesmo tempo, um criterioso e incansvel trabalho de anise das diferentes posies e argumentaes. (SMOLKA, 2009, p.132). Tambm buscou em Politzer a noo de drama, este um crtico feroz da psicologia clssica, fundador dos fundamentos da psicologia concreta, ou seja, retira a psicologia do domnio das cincias naturais e, calca na teoria do inconsciente de Freud. Tendo como objeto de estudo a dramaticidade da vida humana um mtodo de inspirao dialtica onde a prtica e a teoria estariam sistematizadas na noo de concreto (grifo do autor) (MARIGUELA, 1994, p 124).

  • 37

    Com isso, reorganizar conceitos historicamente construdos para uma

    vida em sociedade, requer mais do que a reproduo de atividades cotidianas,

    ora, o refletir, o significar, o elaborar e reelaborar as aes um processo

    rduo, longo, pois solicita sempre um posicionamento de escolha, ou seja, a

    gerao de um conflito. Assim,

    Todo drama se baseia em uma luta, seja tragdia ou farsa, vemos sempre que sua estrutura formal idntica: verificamos sempre certos procedimentos, certas leis, certas foras contra as quais luta o heri, e s em funo da escolha desses procedimentos distinguimos as diversas modalidades de drama. Se o heri trgico luta no limite das suas foras contra leis absolutas e inquebrantveis, o heri da comdia costuma lutar contra leis sociais, e o da farsa contra leis fisiolgicas [...] (VYGOTSKY, 1999, p. 292).

    Ora, os embates que o ser humano trava cotidianamente tanto luta

    interna, quanto externa e que uma no exclui a outra, porm so nossos

    reflexos sociais e culturais. H uma dimenso dramtica tanto na palavra, no

    pensamento quanto na ao. Pois, a ao em termos de Jogo Dramtico o

    resultado de uma profunda reflexo do discurso interno, pensamento, palavra e

    linguagem, traduzido para o externo por meio da escolha que se apresenta

    como ao. Assim sendo, este embate a que me refiro um modo altamente

    elaborado de regulao dos mecanismos internos e externos do pensamento

    humano e um modo altamente qualificado de expresso.

    Assim redimensionado, o drama adquire outro estatuto: um modo de organizao e funcionamento do psiquismo humano, uma caracterstica da conscincia historicamente elaborada. No mago dessa conscincia dramtica, Vygotsky releva a forma verbal de linguagem, que, como formao histrica, no s possibilitou o trabalho simblico compartilhado alm da pele, como propiciou ao ser humano (grifo meu) experienciarem na esfera privada as funes, as tenses e as contradies das relaes sociais. [...] Uma palavra pode ser considerada uma obra de arte; a arte o social em ns (grifo do autor) (SMOLKA, 2009, p. 132).

    A capacidade humana de simbolizao leva a crer que a dimenso da

    vida historicamente construda, parte das elaboraes mentais de cada ser

    humano, isto resultado de toda a atividade humana, atividade esta permeada

    pelo intrincado: vontade individual x determinismo histrico. O que leva a ideia

    inicial de drama cunhada por Vygotsky, na qual a vontade individual entra em

    conflito constante, com as construes historicamente elaboradas a partir da

  • 38

    atividade humana. O quanto este embate se relaciona com a estrutura

    dramtica evidenciada no Jogo Dramtico, em que a criana se encontra em

    estado de jogo (RYNGAERT, 2009, p.49), no conflito constante gerado na

    ao, na procura da soluo dramtica.

    A experincia desse drama em nvel pessoal e a conscincia desse drama no nvel histrico levam Vygotsky a refletir sobre o inevitvel determinismo do mundo material, relacionado s determinaes histricas resultantes da atividade humana nesse mundo e s possibilidades de construo da vontade, ou determinao, na esfera individual. Sua vida e seu trabalho acabam evidenciando sua tese: a constituio social da personalidade individual e as condies de possibilidades de protagonismo do sujeito, forjado na histria das relaes sociais (SMOLKA, 2009, p. 132).

    No caso do Jogo Dramtico, o conflito ao mesmo tempo impulsiona

    para solucionar as demandas criadas em jogo, quanto submetem o jogador as

    regras antes estabelecidas. Por sua vez estas so consensuais j que o no

    cumprimento delas a prpria sada do jogador da rea de jogo. Nisto se

    encontra a construo histrica de atividade humana e, em consequncia, a

    ideia da vida em termos de drama.

    Portanto, ideia de Vygotsky partiu da anlise de diferentes estruturas

    dramticas sejam elas psicolgicas, a estrutura dramtica do texto dramtico,

    isto o texto para teatro, onde as aes das personagens so estabelecidas

    nos dilogos ou falas. Assim como seus estados de esprito, indicaes de

    tempo e lugar esto marcadas pelo dilogo.

    Neste sentido, se caracteriza a ao dramtica, ou seja, o que foi e

    ser determinado no processo de atividade, seja com o jogo, na encenao

    teatral, ou at mesmo nas aes internas do ser humano para solucionar os

    embates da vida cotidiana. No se deve esquecer que a lei principal da

    criao infantil consiste em seu valor no no resultado, no no produto da

    criao, mas no processo. O importante no o que as crianas criam, o

    importante que criam, compem, exercitam-se na imaginao criativa e na

    encarnao dessa imaginao (SMOLKA, 2009, p. 100 - 101).

    Em sntese, a criao feita pela criana passa pelo processo

    imaginativo e este melhor desenvolvido se tiver um adulto capacitado para

    fazer a mediao. No se evidencia a necessidade de platia, j que o

  • 39

    propsito de jogo a ao dramtica, a soluo do conflito, o tempo

    sempre presente e, neste contexto, h sempre o dilogo, seja interno ou com

    seus pares. Sendo o drama primrio, sua poca sempre o presente. O que

    no indica absolutamente que esttico (...), o decurso do drama uma

    seqncia de presentes absolutos. (...) Ele funda seu prprio tempo. O que se

    torna possvel por sua estrutura dialtica, baseada por sua vez na relao

    intersubjetiva (SZONDI, 2001, p. 34).

    Sendo assim, o drama proposto nesta pesquisa da poca moderna,

    em que houve uma reformulao da estrutura dramtica no perodo

    renascentista, sem mais o uso da estrutura grega de teatro. Assim, a estrutura

    pautada no dilogo, construdo na ao presente. Que apesar da complexidade

    expressa na ideia de Vygotsky em relao ao drama ou a vida em termos de

    drama, esta implica diretamente na estrutura dramtica do jogo, j que no

    mesmo os papis/criana/personagem esto interligados no desenrolar da

    trama apresentada no jogo. Nas decises a serem tomadas no ato presente, na

    submisso ou revolta das condies dadas em jogo. As quais refletem os

    aspectos histricos do jogo e do drama como resultado de aes refletidas na

    cultura em diferentes pocas.

    Em geral a noo de drama em Vigotski varia entre duas acepes principais: (1) uma mais coloquial, por exemplo: o desenvolvimento humano como drama (pea teatral) em vrios atos; (2) outro mais especfico, destacando numa ao dramtica dois aspectos: 2.1 um ato de deciso humana sobre a conduo de seu destino histrico; 2.2 o choque entre diferentes papis que cada pessoa vivencia [...]. Estas peculiaridades constituem o carter (in)tenso e dialeticamente conflituoso de se decidir socialmente por um caminho vital ou outro num dado contexto histrico-cultural desde mais corriqueiro at aqueles no qual pode estar envolvido uma situao de vida ou morte ser ou no (grifos do autor) (DELARI JUNIOR, 2011, p. 181-197).

    Portanto, o conceito drama, o qual abordo neste estudo parte da

    complexidade pesquisada por Vygotsky, seja no campo da literatura ou da

    psicologia.

    A vida humana constitui um drama [...] incontestvel que dentro do drama que nossa experincia cotidiana comea por nos colocar [...] o lado dramtico alis o nico que nos interessa na vida cotidiana [...] (1977:101). Neste plano humano, que constitui o drama, emerge o problema da significao. Porque nossas experincias so dramticas

  • 40

    que procuramos atribuir significaes nossa existncia mundana (MARIGUELA,1994, p. 126).

    Aps estas incurses sobre a estrutura dramtica do jogo, e o quanto

    o drama entremeia a vida, e est contido em uma concepo histrica e

    cultural, que fazem parte da vida humana. Pensar neste percurso do drama

    retomar o percurso do Jogo Dramtico e de como sua origem est marcada

    pela linguagem teatral, como tambm a reflexo de como transp-lo para o

    contexto da infncia. Sendo assim, Na origem, eles se caracterizam como uma

    modalidade de improvisao teatral cercada por regras precisas, baseadas na

    formulao prvia de um roteiro, seguida pelo ato de jogar (RYNGAERT,

    2009, p.12). Porm, o processo de desenvolvimento do Jogo Dramtico,

    privilegiou na sua prtica a capacidade de ir alm da simples reproduo,

    buscar assim a autonomia de quem joga.

    O jogo dramtico o lugar de uma cultura que no se elabora nas esferas elevadas da criao artstica pura. Ele o lugar de inscrio de signos e do surgimento de camadas de sentido cujas origens so mltiplas, marcos na vida pessoal e na vida social que alcanam, assim, o simblico do qual entrevemos diariamente os contornos (RYNGAERT, 2009, p. 241).

    Neste aspecto o jogo se insere como simbolismo da vida, s se realiza

    na realidade imediata, ou seja, no aqui e agora, na convocao de quem joga

    para um mundo sem a preocupao com resultados materiais, mas sim com: o

    da significao e do sentido. A conciliao no com os aspectos do mundo,

    mas com os aspectos interiores da vida. O jogo na forma dramtica solicita o

    tempo todo a presena, assim como o drama constitudo na presena, no

    tempo presente.

    No entanto, a terminologia do jogo dificulta o estudo cientfico do

    mesmo, ou seja, na literatura psicolgica, h muitas categorias e subdivises.

    Fale-se de jogo imaginativo, imaginativo individual ou social, jogo turbulento e

    desordenado [...], jogo simblico, [...] jogo de fico, jogo sociodramtico, jogos

    criativos, jogo de representao de papis etc. (ELKONIN, 2009, p. 10).

    Porm, para melhor estudar o jogo muitos autores preferiram estudar de modo

    independente o termo jogo e os aspectos englobados a ele.

  • 41

    Neste cenrio, Elkonin aborda o jogo como protagonizado, o qual

    implica aes, conflito seja da prpria ao ou do papel desempenhado na

    ao. Indaga sobre a origem histrica do jogo protagonizado e relaciona o seu

    surgimento com o momento em que a diviso social do trabalho afasta a

    criana do processo de produo. A importncia que os dados scio-histricos

    tm no pensamento marxista contribui para que eles nos proporcionem uma

    teoria da origem do jogo mais ampla

    O que percebo que a diversidade de terminologias atribudas ao

    Jogo Dramtico, interfere nos aspectos de seu contedo. Pois, sinalizam uma

    concepo histrica, ou seja, traz elementos que so identificados em

    determinados perodos histricos e tambm submetido a diferentes correntes

    de pensamento, as quais se diferenciam no modo como se aplica o jogo com a

    criana.

    Neste sentido, a concepo de Jogo Dramtico, nesta pesquisa, se

    apia nos estudos de Vygotsky, sobre o conceito mediao e a zona de

    desenvolvimento proximal (ZDP), como tambm aos aspectos de criao e

    as pesquisas de Ryngaert (1981) em relao ao Jogo Dramtico no meio

    escolar. Tambm, utilizo os estudos de Elkonin (2010) sobre o jogo

    protagonizado. Sendo que estas teorias abordam vises mais amplas do

    desenvolvimento do jogo, isto para alm dos aspectos motores.

    H, sem dvida, muitos fenmenos distintos a que nos referimos com o termo jogo, desde as manipulaes de um objeto qualquer por um beb at os jogos adultos como o xadrez ou futebol. Entre uns e outros encontramos, na literatura psicolgica, muitas categorias e subdivises. Fala-se de jogo imaginativo, imaginativo individual ou social, jogo turbulento e desordenado (rough-and-tumble), jogo simblico, jogo cooperativo, jogo de fico, jogo sociodramtico, jogo criativo, jogo de representao de papis etc. alguns desses termos assinalam diferenas tericas entre os autores que o utilizam. Por exemplo, a denominao jogo simblico em Piaget englobaria todos os anteriores, quer a criana os realize sozinha quer na companhia de outras crianas, porquanto se postula que a estrutura psicolgica que permite todos eles substancialmente a mesmo. Em outros casos, possvel que a preferncia por um ou por outro termo dependa mais da lngua em que se expressa originalmente o autor e da escolha de termos a critrios de seus tradutores. A obra de Elkonin trata do jogo protagonizado, que poderia equivaler, segundo cremos, ao jogo sociodramtico de Smilanski (1968) ou Feitelson ( 1978), ao jogo social Eifferman (1971), ao jogo de fico de Garvey (1977) ou ao jogo simblico mais desenvolvido de Piaget (1946) (grifo do autor) (ELKONIN, 2009, p. X).

  • 42

    Tais terminologias em alguns aspectos se equivalem, em outros se

    aprimoram, que por vez geram determinadas dependncias idiomticas ou de

    tradues. De certo modo, a anlise desses aspectos, pode influenciar no

    modo como so transpostos os jogos nas prticas com a criana. Pois, a

    diversidade de conceitos, gera uma dificuldade maior para situar o que o

    Jogo Dramtico e de que modos podem ser trabalhados no meio escolar.

    Tambm, a problemtica da terminologia traz um outro problema ainda maior,

    ou seja, a questo do estudo cientfico do jogo, A partir de tradies muito

    diversas, autores como Schlosberg (1947), Kollarits (1940) e Blonski (1934)

    propuseram que se prescindisse de tal termo e se estudassem de forma

    independente os distintos comportamentos por ele englobados (ELKONIN,

    2009, p. X).

    Percebo a partir dos estudos revisados, que mesmo havendo

    divergncias em determinados aspectos da teoria do jogo, quando se trata do

    Jogo Dramtico, do jogo projetado e de papis em Slade (1978), do jogo

    protagonizado em Elkonin (2009), a ideia de jogo em Smolka (2009) ou o Jogo

    Dramtico em Ryngaert (1981), estes concordam que o Jogo Dramtico

    desenvolvimento interno e tambm externo, que a sua prtica no est atrelada

    a um produto artstico e sim a viso esttica do jogar.

    A idia de Jogo Dramtico como um olhar duplo e que, ao mesmo

    tempo, desenvolve capacidades externas promove o acesso aos recursos

    internos da criana, a expresso da sua fala, dos seus gestos, a sua

    emancipao e autonomia. Em sntese, so fontes de dilogo para esta

    pesquisa.

    Ora, o jogo como elemento histrico e cultural, o dramtico como meio

    tambm histrico e cultural, trazem em si a percepo ldica e esttica. As

    quais o ser humano se utiliza para compreender seu cotidiano, ou seja, fazer e

    refazer tarefas, criar e recriar seus objetos, enfim ampliar os significados da

    sua vida. No entanto, o uso do Jogo Dramtico com a criana pequena um

    meio de desenvolvimento infantil. Isto , o jogo no deve e no pode ser visto

    como produto de uma ao, a ao dramtica o desenrolar da atividade do

  • 43

    jogo, sem a necessidade da apreciao por uma platia, mas sim da

    apreciao daquele e somente daquele que joga.

    Neste caso, o olhar da criana para a sua ao e o olhar para ao

    desenvolvida pelas outras crianas. Sendo assim, Para avanar na

    compreenso cientfica do jogo importante aumentar a quantidade e a

    qualidade dos nossos dados