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I. O ESPAÇO E O TEMPO POÉTICOS DEPESSOA

1887 – Data seposta do nascimento do heterônimoRICARDO REIS, no Porto. Um horóscopofeito pelo poeta situa-o em 19 de setembro, às16h e 5m da tarde,

1888 – Nasce FERNANDO ANTÓNIO NOGUEIRAPESSOA, em l3 de junho, às 15h20m.

1889 – Data suposta do nascimento do heterônimoALBERTO CAEIRO, em Liaboa, às 13h45m,em l6 de abril, segundo horóscopo de Pessoa.

1891 – Data suposta do nascimento do heterônimoÁLVARO DE CAMPOS, em Tavira, às13h30m, do dia 15 de outubro, segundohoróscopo de Pessoa.

1893 – Fernando Pessoa perde o pai.1894 – Morre o irmão Jorge.

– Fernando Pessoa cria o primeiro heterônimoinfantil (“um certo CHEVALIER DE PAS dosmeus seis anos, por quem escrevia cartas delea mim mesmo”).

1895 – Fernando Pestoa escreve o seu primeiropoema, a quadra “À Minha Querida Mamã”.

– A mãe do poeta casa-se por procuração comJoão Miguel Rosa, cônsul português emDurban, na Africa do Sul.

1896 – Fernando Pessoa parte com a família paraDurban, deixando em Portugal a avó paterna,louca e internada num asilo.

– Começa seus estudos em uma escola católicairlandesa, o convento de West Street, emDurban, onde aprende Inglês e faz a primeiracomunhão. Sua leitura predileta: — “AsAventuras do Sr. Pickwick”, de CharlesDickens.

1899 – Matricula-se na High School.– Aparece um nova heterônimo: ALEXANDRE

SEARCH, em nome do qual Pessoa escrevecartas a si mesmo.

1901 – Começa a escrever poemas em Inglês.– Viagem de férias a Lisboa, com a mãe e o

padrasto, que transportam na viagem o corpode uma meia-irmã morta.

1902 – Escreve em Durban o poema “Quando ElaPessa” presumivelmente inspirado na morte dairmã.

1904 – Pessoa recebe o “Queen Victoria MemorialPrize”, pela sua prova de admissão àUniversidade do Cabo.

– Leituras em Inglês: Milton, Byron, Shelley,Keets, Tennyson, Carlile e Edgar Allan Poe.

1905 – Fernando Pessoa regressa definitivamente aLisboa, com intenção de se inscrever no CursoSuperior de Letras. Lê Shakespeare,Wordsworth, os filósofos gregos e alemães.Toma contacto com a poesia francesa,especialmente Baudelaire. Lê os poetasportugueses: CESÁRIO VERDE e CAMILOPESSANHA. Continua a escrever poesia eprosa em língua inglesa.

1907 – Fernando Pessoa abandona o Curso Superiorde Letras e monta uma tipografia: a EmpresaIbis- Tipografia Editora – Oficinas a Vapor,que mal chega a funcionar.

1908 – Começa a trabalhar como “correspondenteestrangeiro” em casas comerciais, profissãoque exerceu até a morte. Pessoa escolhe umavida discreta, mas livre, sem obrigações fixas,nem horários. O ser poeta e escritor nãoconstitui profissão, mas vocação.

1901 – Revolução Republicana em Portugal. TeófiloBraga assume a presidência do GovernoProvisório da República.

1912 – Fernando Pessoa inicia sua colaboração narevista A ÁGUIA. Inicia correspondência comMário de Sá-Carneiro, que, de Paris, manda aPessoa notícias do Cubismo e do Futurismo.Desenha-se na mente do poeta o primeiro perfilde RICARDO REIS.

1913 – Surge o Paulismo, movimento poético quePessoa considera um avanço em relação aoSimbolismo e ao Neo-Simbolismo.

– Pessoa escreve, em Inglês, o poema“Epithalamium” e, em Português, o dramaestático “O MARINHEIRO”. Vai elaborando oprojeto de vários livros.

1974 – Eclode a 1.a Grande Guerra.– Pessoa publica “Paúis”, sob o título de

“Impressões do Crepúsculo”. Inicia-se aruptura com a corrente “saudosista” deTeixeira dos Pascoais e Afonso Lopes Vieira.

– Aparecimento do heterônimo ALBERTOCAEIRO, com os poemas de “O

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O MARINHEIRO

AULAS ESPECIAISAS OBRAS DA UNICAMP

PORTUGUÊS

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GUARDADOR DE REBANHOS”. Surgemtambém os dois discípulos do “mestre” Caeiro:— RICARDO REIS e ÁLVARO DE CAMPOS.

– Pessoa compõe a “ODE TRIUNFAL”,encaminhando-se para o SENSACIONISMO eo FUTURISMO, sob o heterônimo de Alvarode Campos. Compõe ainda “CHUVAOBLÍQUA” (poesia ortonímica), delineando oINTERSECCIONISMO.

1915 – Surge a REVISTA ORPHEU, marco inicial doModernismo Português. O 1.o número deOrpheu, dirigido por Luís de Montalvor eRonald de Carvalho, publica os poemas “OdeTriunfal” e “Opiáreo” (Álvaro de Campos) e “OMarinheiro” (F. Pessoa). No 2.o número deOrpheu, saem “Chuva Oblíqua” e “OdeMarítima”.

– Fernando Pessoa inicia-se no esoterismo,traduzindo um Tratado de Teosofia.

1916 – Sá-Carneiro suicida-se. “Morre jovem o que osdeuses amam”; dirá mais tarde Pessoa doamigo morto, e cuja morte fora por ele“pressentida”; num surto de “mediunidade”que acometeu o poeta, nessa época envolvidocom a astrologia, com o cabalismo, com oesoterismo. Essa vertente ocultista e místicaterá outros desdobramentos na vida e na obrade Pessoa.

1917 – Surge a revista “Portugal Futurista”, dirigidapor Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor, comcolaborações de Fernando Pessoa, quetambém escreve para as revistas “Exílio” e“Centauro”.

1918 – Pessoa publica “Antinous” e “35Sonnets”, emInglês.

– Atentado a Sidônio Pais, o “Presidente-Rei”,a quem Pessoa dedicará um poema, e em quevia uma encarnação momentânea de D.Sebastião.

1919 – O heterônimo Ricardo Reis exila-se no Brasil,pois não aceita a República.

– Pessoa escreve os “Poemas Inconjuntos”,assinados por Alberto Caeiro (apesar da mortepresumida deste, em 1915).

1920 – Pessoa passa a morar com sua mãe, queregressara, viúva, da África do Sul.

– Escreve cartas de amor a Ofélia, única ligaçãoamorosa do poeta que se conhece, distante efugaz.

1921 – Publicação dos “English Poems” 1, II e III.1922 – Publicação, na revista “Contemporânea”, da

novela “O Banqueiro Anarquista”.1924 – Na revista “Athena”, Álvaro de Campos

polemiza com Fernando Pessoa, “ele-mesmo”,no ensaio “O que é a Metafísica?”,

—Na mesma revista, publica os “Apontamentos auma Estética não-Aristotélica”, que compara

às geometrias não-euclidianas e às teorias deEinstein sobre a Relatividade.

1925 – Morte da mãe do poeta.– Fim da revista “Athena”.

1929 – Novas cartas de Pessoa a Ofélia, manifestandoa incompatibilidade entre o casamento e seusprojetos literários.

1930 – Pessoa é implicado na aventura do mágicoinglês Aleister Crowley, desaparecidomisteriosamente durante uma visita a Portugal.

– Período fecundo de criação poética: poemasde Caeiro, Reis, Campos e Pessoa, “elemesmo”.

1933 – Pessoa sofre uma crise profunda deneurastenia. A produção poética continuaintensa, sobretudo a de Fernando Pessoa“ortônimo “

1934 – Publica “MENSAGEM”, poemas de cunhomístico-nacionalista, única obra em Portuguêspublicada em vida. Concorre, com este livro, aum prêmio literário. Obtém um prêmio menor.

1935 – Morre Fernando Pessoa, em 30 de novembro,no Hospital São Luís, em Lisboa, onde tinhasido internado dois dias antes, com “cólicahepática”.

II. A POESIA E A PROSA DE FERNANDOPESSOA

1. OBRAS POÉTICAS

a) Mensagem (1934). Único livro, em línguaportuguesa, publicado em vida. Poemas de sentidomístico-ocultista e nacionalista. Desdobra-se em:

– À Memória do Presidente-Rei Sidônio Pais.– O Quinto Império.– Cansioneiro.b) Poemas Dramáticos, incluindo o “drama

estático” O Marinheiro.c) Quadras ao Gosto Populard) Poemas Ingleses – Poemas Franceses – Poemas

Traduzidos.e) Poemas de ALBERTO CAEIRO.f) Odes de RICARDO REIS.g) Poesias de ÁLVARO DE CAMPOS.h) Poesias de FERNANDO PESSOA.

2. OBRAS EM PROSA

a) O Livro do Desassossego, por BERNARDOSOARES.

b) Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação.c) Páginas de Estética e de Teoria e Crítica

Literária.d) Textos Filosóficos.e) Sobre Portugal – Introdução ao Problema

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Nacional.f) Da República.g) Ultimatum e Páginas de Sociologia Política.h) Cartas de Amor.i) Textos de Crítica e Intervenção.

III. TUDO O QUE EM MIM SENTE ‘STÁPENSANDO”

O centenário do nascimento de Fernando Pessoaratifica sua posição de maior poeta da língua portuguesa,ao lado de Camões, e da mais universal e mais intriganteobra poática moderna em nossa língua.

A modernidade de Fernando Pessoa principia peladensa posição metalinguística, pela consciência crítica eautocrítica pela negação do sentimento puro comoconteúdo poético (“Tudo o que em mim sente ‘stápensando”). A essência de sua linguagem nova reside naconstante conversão do sentimento em pensamento, naconstante alquimia do sentido em outra coisa que o excede.

Essa “inteligência sensível” possibilitou a realizaçãode uma poética densamente experimental que, partindo dasformas líricas tradicionais, ultrapassa-as de forma criativa,evoluindo através de várias etapas: – o saudosismoesotérico, o nacionalismo místico, o paulismo, o futurismo,o Interseccionismo e o sensaceonismo.

Autodefinindo-se como um “poeta dramático”, Pessoarealiza uma poesia multipessoal e pIurissubjetiva, entre apoesia pessoal e subjetiva em crise, e a poesia impessoal eobjetiva das vanguardas que derivam de Mallarmé. Essa foia sua verdadeira revolução poética.

IV. O SUJEITO PLURAL – O EU PROFUNDO EOS OUTROS EUS, OS HETERÔNIMOS.

Fernando Pessoa desdobra-se em vários outrospoetas-seres, ou linguagens, ou “máscaras”, ou osHETERÔNIMOS. Não se trata do use clássico dapseudônimo, processe antigo usado para cobrir ou não oanonimato, O que marca os heterônimos de Pessoa, e dádimensão à sua obra, não é somente a diversidade deassinaturas em que se manifesta, mas, rigorosamente, adiversidade dos sujeitos poéticos, a pluralidade d própriapoesia.

Numa dessas “máscaras”, Fernando Pessoa, “elemesmo” constrói a poesia ORTONÍMICA, assinadapelo próprio poeta, que se coloca no mesmo plano desuas “máscaras”, como mais um heterônimo.

As outras “máscaras” ou HETERÔNIMOSconstituem, cada uma delas, uma atitude-experiênciaassumida pelo próprio Pessoa, e dasembocam num jogoinfinito de linguagens/seres, dialogando entre si,correspondendo-se, e apontando, cada uma, as

contradições do outro, como se fossem diversos poetas,todos eles com uma poderosa visão crítica de suaprópria obra e da dos outros.

Nesse labirinto de linguagens e de cosmovisões,ALBERTO CAEIRO é o mestre bucólico, o camponêssábio; RICARDO REIS é o neoclássico, racionalista,semi-pagão; ÁLVARO DE CAMPOS é o futurista,neurótico e angustiado e FERNANDO PESSOA, “elemesmo”, o “ortônimo”, parece ser o heterônimo dealgum outro ser/poeta, instalado entre um heterônimo eoutro, nos intervalos, simples “ficção do interlúdio”, Háainda vários outros heterônimos, nos desenvolvidos: –BERNARDO SOARES, ALEXANDRE SEARCH,ANTÔNIO MORA, G. PACHECO, VICENTEGUEDES, até o CHEVALIER DE PAS, de quem omenino Fernando Pessoa recebia cartas que ele mesmoescrevia, aos seis anos de idade.

Essa pluralidade de seres/poetas aparecevariadamente expressa nas reflexões de cada heterônimoacerca de sua identidade poética: –

“Serei eu, porque nada é impossível,

Vários trazidos de outros mundos, e

No mesmo ponto espacial sensível

Que sou eu, sendo eu por ‘star aqui?”

(Fernando Pessoa, “ele mesmo”)

“Ou somos nós todos os Eu que estive aqui ou estiveram,

Uma série de contas-entes ligadas por um fio-memória,

Uma série de sonhos de mim de alguém fora de mim?”

(ÁIv de Campos)

“Pera que me movo com os outros

Em um mundo em que nos entendemos e onde

[coincidimos,

Se por acaso esse mundo é o erro e eu é que estou certo ?“

(Alberto Caeiro).

“.......................................... a vida

É múltipla e todos os dias são diferentes dos outros

E só sendo múltiplos como eles

‘Staremos na verdade e sós.”

(Ricardo Reis)

V. “O POETA É UM FINGIDOR”

O subjetivismo de Pessoa, “ele mesmo” , oposto aoObjetivismo de Caeiro, nada tem a ver com oconfessionalismo romântico, com a expressão direta dassensações ou emoções vividas. O Poeta cria-se a simesmo, como sujeito fictício de sensações fictícias,

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mesmo se elas são efetivamente sentidas como tais. Éessa a poética do “fingimento”, do célebre poema

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidorFinge tão completamenteQue chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreveNa dor lida sentem bem,Não as duas que ele teveMas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de rodaGira, a entre ter a razão,Esse comboio de cordaQue se chama coração.

Observe a complexidade das noções envolvidas nopoema:

Na primeira estrofe, a “dor” do poeta desliga-se deseu “eu” pessoal, para encarnar no sujeito poético. E ador acaba por transcender ao poeta, passando a fazerum só corpo com o poema. É evidente aqui, na dialéticasinceridade-fingimento, a dupla perspectiva:

1) há a dor do poeta-escritor, que pode sentir a dorenunciada;

2) há a dor “fingida” por sua “máscara “, a dor dosujeito-poético, que é a dor construída pala escritura.Uma é a dor sentida, outra é a dor “fingida” pelalinguagem.

Na segunda estrofe esse jogo “sentir x fingir”amplia-se quando decodificado pelo leitor, que não sentenem uma nem outra dessas duas dores (a dor sentida e ador fingida), mas só a “dor lida”, que não é também asua própria dor.

Na terceira, estrofe o coração (sentimento) é umbrinquedo infantil (comboio de corda = trenzinho decorda) a girar nos trilhos (= calhas de roda) da razão.

A escritura-leitura do poema é um ato de puracriação-comunicação de um objeto imaginário por epara um sujeito imaginário.

Observe a retomada constante da dialética “sentir xpensar”, nos poemas subscritos por Fernando Pessoa,“ele mesmo”:

Tenho tanto sentimentoQue é frequente persuadir-meDe que sou sentimental,

Mas reconheço, ao medir-me,Que tudo isso é pensamento,Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,Uma vida que é vividaE a outra vida que é pensada,E a única que temosÉ essa que é divididaEntre a verdadeira e a errada.

Que porém é verdadeiraE qual errada, ninguémNos saberá explicar;E vivemos de maneiraQue a vida que a gente temÉ e que tem que pensar.

(de “Cancioneiro”)

Ou ainda, como contraponto esclarecedor ao poems“Autopsicografia”, este outro:

Dizem que finjo ou mintoTudo que escrevo. NãoEu simplesmente sintoCom a imaginação.Não uso o coração.

Por isso escrevo em meioDo que não está ao pé,Livre do meu enleio,Sério do que não é.Sentir? Sinta quem lê!

Diz ainda o poeta: — “Mimo, mesmo querido afirmoque minto. Meus discursos são sempre verdadeiros,portanto sempre falsos. Sou mentido pela linguagem.Mas em corpo, exilado da linguagem, algo dói, algosofre: Falo, e as palavras que digo são um som; sofro esou eu.”

Ao acreditarmos em Álvaro de Campos, oheterônimo mais incontido, essa explosão heteronímicaaspirara ao universal, como esperança da unidade nadiversidade:

“Sentir tudo de todas as maneiras,Viver tudo de todos os lados,Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao

mesmo[tempo,

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Realizar em si toda a humanidade de todos osmomentos,

Num só momento difuso, profuso, completo elongínquo.”

6. O NASCIMENTO DOS HETERÔNIMOS,SEGUNDO FERNANDO PESSOA.

Em carta dirigida a Adolfo Caseis Monteiro, em 13de janeiro de 1935, Pessoa explica assim a gênese dosheterônimos:

“Desde criança tive a tendência para criar em meutorno um mundo fictício, de me cercar de amigos econhecidos que nunca existiram. (Não ser, bementendido, se realmente não existiram, ou se sou eu quenão existo. Nestas coisas, como em todas, não devemosser dogmáticos). Desde que me conheço como aquilo aque chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, emfigura, movimentos, caráter e história, várias figurasirreais que eram para mim tão visíveis e minhas como ascoisas daquilo a que chamamos, porventuraabusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vemdasde que me lembro de ser um eu, tem-meacompanhado sempre, mudando um pouco a música comque me encanta, mas não alterando nunca a sua maneirade encantar.

Lembro, assim, o que me parece ter sido o meuprimeiro heterônimo, ou, antes, o meu primeiroconhecido inexistente – um certo Chevalier de Pas dosmeus seis anos, por quem escrevia cartas dele a mimmesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, aindaconquista aquela parte da minha afeição que confinacom a saudade. (...) Coisas que acontecem a todas ascrianças? Sem dúvida – ou talvez. Mas a tal ponto as vivique as vivo ainda, pois que as relembro de tal modo queé mister um esforço para me fazer saber que não foramree/idades. (...)

Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande),veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã.Esbocei algumas coisas em irregular (não no estiloÁlvaro de Campos, mas num estilo de meiaregularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me,contudo, uma penumbra mal-urdida, vago retrato dapessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, semque eu soubesse, o Ricardo Reis).

Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um diade fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar umpoeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho,já não lembro como, em qualquer espécie de realidade.Levei uns dias para elaborar o poeta mas nada consegui.Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de marçode 1914, acerquei- me de uma cômoda alta, e, tomandoum papel, comecei a escrever, de pé, como escrevosempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio,

numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguireidefinir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca podereiter outro assim. Abri com um título, “O Guardador deRebanhos”. E o que se seguiu foi o aparecimento dealguém em mim, a quem dei desde logo o nome deAlberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase:aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensaçãoimediata que tive. E tanto assim que, escritos que foramesses trinta e tantos poemas, imediatamente pegueinoutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas queconstituem a “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa.lmediatamante e totalmente... Foi o regresso deFernando Pessoa Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou,melhor, foi a reação de Fernando Pessoa contra a suainexistência como Alberto Caeiro.

Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhedescobrir – instintiva e subconscientemente – unsdiscípulos. Arranquei do seu falso paganismo o RicardoReis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo,porque nessa altura já o via. E, de repente, em derivaçãooposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente umnovo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, seminterrupção nem emenda, surgiu a “Ode Triunfal” deÁlvaro de Campos – A Ode com esse nome e o homemcom o nome que tem.

(...) Parece que tudo se passou independentementede mim. E parece que assim ainda se passa. Graduei asinfluências, conheci as amizades, ouvi dentro de mim asdiscussões e as divergências de critérios, em tudo issome parece que fui eu, criador de tudo, o menos que alihouve. (...)

Mais uns apontamentos nessa matéria... Eu vejodiante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, ascaras, os gestos de Caeiro, de Ricardo Reis e Álvaro deCampos. Construí-lhes as idades e as vidas. RicardoReis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mastenho algures), no Porto, é médico e está presentementeno Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em1915; nasceu em Lisboa, mas viveu toda a sua vida nocampo. Não teve profissão nem educação quase alguma.Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 deoutubro de 1890 (às lh30 da tarde, diz-me o FerreiraGomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essahora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval(por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa, eminatividade. (...)

Como escrevo em nome desses três?... Caeiro porpura e inesperada inspiração, sem saber ou sequercalcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de umadeliberação abstrata, que subitamente se concretizanuma Ode. Campos, quando sinto um súbito impulsopara escrever e não sei o quê. (...) Caeiro escrevia mal oportuguês, Campos razoavelmente mas com lapsos como

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dizer “eu próprio” em vez de “eu mesmo”, e etc., Reismelhor do que eu, mas com um purismo que consideroexagerado. (...)

... A origem dos meus heterônimos é o fundo traço dehisteria que existe em mim. Não sei se sou simplesmentehistérico, se sou, mais propriamente, um híste-ro-neurastênico. (...) Seja como for, a origem mental demeus heterônimos está na minha tendência orgânica econstante para a despersonalização e para a simulação.Estes fenômenos – felizmente para mim e para os outros– mentalizaram-se em mim: quero dizer, não semanifestam na minha vida prática, exterior e de contactocom os outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eua sós comigo. Se eu fosse mulher – na mulher osfenômenos histéricos rompem em ataques e coisasparecidas – cada poema de Álvaro de Campos (o maishistéricamente histérico em mim) seria um alarme paraa vizinhança. Mas seu homem – e nos homens a histeriaassume principalmente aspectos mentais, assim tudoacaba em silêncio e poesia...”

(“Textos de Crítica e de Intervenção”, Ática, Liaboa,1980, pp. 202,206)

VII. FERNANDO PESSOA – “ELE MESMO” – OORTÔNIMO

Fernando Pessoa ortônimo, ou seja, ele-mesmo,diverge muito de Caeiro e Reis porque não inculca umanorma de comportamento; nele há quase apenas aexpressão musical e sutil do frio, do tédio e dos anseiosda alm de estados quase inefáveis em que vislumbra porinstantes “uma coisa linda”, nostalgias dum bem perdidoque não se sabe qual foi, oscilações quase imperceptíveisduma inteligência extremamente sensível, e até vivênciastão profundas que não vêm “à flor das frases e dos dias”,mas se insinuam pela eufonia dos versos, pelasreticências, numa linguagem finíssima.

Fernando Pessoa, ele-mesmo, retoma motivos eformas da lírica portuguesa, desde a Idade Média. Éonde mais se projeta o “nacionalista místico”, o“sebastianista racional” que o poeta se dizia,especialmente no poema esotérico Mensagem, réplicanão-sistemática de Os Lusíadas, retomada dos grandesdescobrimentos e dos mitos históricos.

Sob o pretexto da exaltação patriótica – ainda quelúcida e contida – Mensagem nos comunica umaprofunda reflexão sobre a existência humana, suaaventura e seus desafios.

VIII. O SIMBOLISMO E FERNANDO PESSOA

Em 1886, vinte anos depois de ter saído o ParnasseContemporain e vinte e três antes do Manifesto Futuristade Mannetti, apareceu sob a forma de manifesto Le

Symbolisme de Jean Moréas, que o publica, comoacontecerá depois com Marinetti, em Le Figaro. Nestemanifesto considera-se que o Simbolismo é o resultadoda própria evolução da Literatura, admitindo-se que essaevolução é cíclica. O que o caracteriza, segundo Moréas,são as metáforas insólitas, o vocabulário novoharmonicamente sustentado e aberto à valorização doritmo, etc. Algumas destas opções expressivas vão passartambém pelo Modernismo. As figuras – símbolo,metáfora, imagem – e o ritmo – em consonância com estecorpo figural – desempenham na linguagem poética oque Moréas traduziu sob uma forma aparentementeenigmática: a poesia simbolista procura «vestir a ideia deuma forma sensível». Se mudássemos de registo, tendoem vista uma poética da modernidade, diríamos que arelação entre o sensível e as ideias se transformava narelação entre a idealização e a emocionalidade, entre opensamento e a sensibilidade. Entre nós foi Ântero deQuental e, depois, Pessoa quem melhor compreendeuessa mútua dependência, a qual faz com que a poesia nãoseja puro pensamento ou pura emoção. (...)

O movimento simbolista em Portugal começa aafirmar-se em 1889, com a publicação das revistasBoémia Nova e Os Insubmissos. Entretanto, sobretudo nocampo da poesia, destacam-se nomes como os deEugénio de Castro e António Nobre ou, afirmando-semais tarde, os de Camilo Pessanha e Angelo de Lima. Hátambém a destacar uma feição simbolista na obra de RaulBrandão e na de António Patrício, com especial relevopara a sua obra teatral. (...)

O Modernismo e a Vanguarda, no entanto,romperam, tal como o Simbolismo, com uma pesadacarga que vinha do passado mais ou menos próximo,muito marcado por sequelas românticas ou naturalistas.

A influência do Simbolismo nos modernistas édetectável. Alguns dos colaboradores das revistasOrpheu (1915), Exílio (1916) e Centauro (1916) estãoainda muito ligados a uma sensibilidade expressivasimbolista ou decadentista, até porque três ocasionaiscolaboradores dessas revistas são Camilo Pessanha,Ângelo de Lima e, vindo da Boémia Nova, AlbertoOsório de Castro. (...)

(...) Não deixa de ser curiosa a circunstância de noPortugal Futurista (1917) a presença de colaboradoresainda ligados ao Simbolismo ter desaparecido, emboranessa revista, que assume uma provocatória posição devanguarda, Pessoa tenha colaborado com as suas Ficçõesdo Interlúdio, um conjunto de cinco poemas onde se

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chega ao pastiche da poesia simbolista, nomeadamentecom o uso das aliterações de Saudade Dada. Aí, «Emhoras inda louras, lindas, Clorindas e Belindas brandas, /Brincam no tempo das berlindas, / As vindas vendo dasvarandas» é uma espécie de eco de um poema simbolistade Eugénio de Castro saído em Oaristos (1890) queprincipia por este verso: «Na messe, que enlourece,estremece a quermesse». Se há aqui uma intençãoparodística, ela, no entanto, desaparece completamenteno «drama estático» – como era também o teatrosimbolista de Maeterlinck – intitulado O Marinheiro epublicado no primeiro número do Orpheu. Ao lado destapodemos considerar outras peças teatrais, que seencontram incompletas, de Pessoa, as quais seenquadram na estética simbolista (cf. T. R. LOPES:1977, 515 e ss). (...)

No entanto, a publicação de um alargado conjunto detextos de Pessoa que saíram postumamente e forameditados por Jacinto do Prado Coelho e Georg R. Lind (asaber, Páginas Intimas e de Auto-Interpretação e Páginasde Estética e de Teoria e Crítica Literárias) veio precisarmelhor a natureza e o âmbito desta relação entreSimbolismo e Modernismo. Pessoa será bem explicito:«Descendemos de três movimentos mais antigos – osimbolismo francês, o panteísmo transcendentalportuguês e a miscelânea de coisas contraditórias e semsentido de que o futurismo, o cubismo e outras correntesafins são expressão ocasional, embora, para ser exacto,descendamos mais do espírito do que da letra dessesmovimentos» (PIAI 127). Em A Águia, a revista que foio órgão do Saudosismo – o tal «panteísmo transcendentalportuguês» Pessoa publica em 1912 uma série de artigoscom o título genérico «A Nova Poesia Portuguesa» e airefere que a poesia simbolista está na linha de urnaevolução que conduziria a essa nova poesia portuguesaque seria pretensamente o Saudosismo e, com maispropriedade (como notou Gaspar Simões na Vida e Obrade Fernando Pessoa. (1950, vol. I, 185), a doModernismo ou, mesmo. a do próprio Pessoa. Ascaracterísticas fundamentais dessa poesia são o vago, asubtileza e a complexidade. Destas três característicasporá em relevo as duas últimas. A subtileza é odesdobramento e uma sensação em outras sensações querecompõem a primeira, intensificando-a: a complexidadeconduz a uma intelectualização de uma emoção e aemocionalização de uma ideia. Segundo Pessoa, oSimbolismo é vago e subtil, «complexo, porém, não o é».(...)

Importa notar que as achegas dos própriossimbolistas quanto à elaboração de uma poética queinformasse a sua poesia não se apresentam de maneiranenhuma sistematizadas, como o não estão as de Pessoa,

o que dá lugar a algumas ocasionais contradições quantoà importância do Simbolismo relativamente a urna novapoesia (cf. por exemplo PIAI 190). Mas é importantenotar também que Pessoa e a melhor poesia simbolistaapontam para a afinnação de uma expressão verbal queem si mesma se objectiva através de uma complexidadeque, sustentada por imagens, símbolos ou derivaçõesmetafóricas, promove o equilíbrio entre a sensibilidade ea intelectualização.

Um dos suportes desta objectivação está naheteronímia. Ora também aqui algo parece ter raízes emexperiências simbolistas, porque a fragmentação oudiferimento da autoria são, efectivamente, umaexperiência a que alguns autores ligados ao Simbolismose entregaram. Sob uma forma menos elaborada do queem Pessoa, eles cultivavam por vezes uma poética daalteridade, a qual se pode desviar para o pastiche ou paraa paródia, merecendo ambos dos simbolistas ou dos seusadversários literários um especial interesse. O outroautor pode ser Jerónimo Freyre ou Bartholomeu deFrágoa (isto é, Carlos de Mesquita), K. Maurício (umalter ego de Raul Brandão), Luís de Borja e R. Maria(isto é, R. Brandão, Júlio Brandão e Justino deMontalvão, possíveis autores de Os Nefelibatas, em1891). Estephanio Rimbó (isto é, Sanches da Gama), etc.O recurso ao alter ego ou à escrita parodística criaformas diferidas de expressão que vão ao encontro deuma poética em que a disfonia, a para textualidade ou aobjectivação expressiva ganham uma certa relevância,embora, como é sabido, só com Pessoa ela tenha sidolevada até às suas últimas consequências. (...)

Concluindo, reconhecer-se-á que o que oModernismo atingiu no domínio da expressão artísticanão pode ser explicado como uma consequência directae imediata do Simbolismo. Mas, no momento em queurna estética de procedência aristotélica assente noprincípio da mimese entrou em crise ao longo dosséculos XIX e XX, abriu-se a pouco e pouco o caminhopara uma modernidade que também tem a sua tradição,precisamente aquela tradição a que se referiu OctavioPaz e que é ao Romantismo e ao Simbolismo queremonta.

Fernando Guimarães.1

9. FERNANDO PESSOA E O SENSACIONISMO

O sensacionismo foi o último ismo criado porPessoa, na cumplicidade, uma vez mais, do seucompagnon de route, Sá-Carneiro, à semelhança do queaconteceu com outros ismos anteriores, tais como oPaulismo e o Interseccionismo. Pela sua teorização e

1 Extraído do Verbete SIMBOLISMO, no DICIONÁRIO DE FERNANDOPESSOA, Coordenado por Fernando Cabral Martins, 2010. pp. 803 a 807).

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prática deixou-se Pessoa entusiasmar bastante, já que elelhe pareceu ser uma hipótese feliz de conciliação decontrários, ajudando-o a construir uma corrente literáriaque era, simultaneamente, nacionalista e cosmopolita,neo-simbolista e acolhedora dos ismos de vanguarda.Tendo como princípio fundamental, sentir tudo de todasas maneiras e ser tudo e ser todos, o Sensacionismo foipara Pessoa a arte da soma-síntese, como lhe chamouum todo no qual as partes, mesmo as mais dísparas seharmonizavam, como se de um atanor alquimico setratasse.

Deste modo, o Sensacionismo concedia umaabertura a Pessoa que os outros ismos não lhe tinhampermitido. Nas inúmeras páginas teóricas que nos deixousobre esta corrente, disse Pessoa que o Sensacionismoadmitia todas as outras correntes, assim como a literaturaenglobava todas as artes apresentando se, assim híbrido einterdisciplinar, quanto à sua natureza. Através doSensacionismo, entendido como uma arte-todas-as-artesque tinha por regra-base ser a síntese de tudo Pessoa deucontinuidade ao seu sonho de um projecto interartes, jáiniciado, pouco tempo a antes, no momento em queacreditou e teorizou o Interseccionismo. Herdeiro doPaulismo e do Interseccionismo, pelas primeirasinterpenetrações de planos, nomeadamente, entreobjecto/sensação paisagem/estado de alma, aproveitandodo Cubismo a experiência da decomposição da sensaçãoem cubos e outros poliedros e roubando ao futurismo otodo o movimento vorticista do sentir toda a liberdadefónica e onírica da sensação, o Sensacionismo constitui-se como uma corrente literária, exclusivamenteportuguesa (apesar de certos ecos em Berlim e Zuriquedos primeiros anos do Século XX, como João Barrentomostrou), de uma enorme riqueza e complexidade. Dealma absolutamente europeia, cosmopolita, oSensacionismo pretendia ser também uma reacção aonacionalismo excessivo da Renascença Portuguesa e daruma continuidade mais renovada ao paulismo,demasiadamente simbolista para poder acompanhar, porsi só, o ritmo da Vanguarda europeia. Propunha-se, assimser, à semelhança Orpheu, a ponte entre Portugal e aEuropa.

Entusiasmado, no início da sua criação, com estanova corrente literária, logo Pessoa lhe procurou umprecursor: Cesário Verde; elegeu-lhe o chefe: AlbertoCaeiro; separou todo o neoclassicismo que essa atitudecontinha assim como toda a vanguarda, e distribuiu-os,respectivamente, por Ricardo Reis e Álvaro de Campos.E, a ele próprio, o ortônimo, reservou-lhe o papel doteórico, do metteur en scène de todo este drama,representado em actos e por personagens diferentes.Entusiasmou o seu amigo Sá-Carneiro a empreender esteprojecto, uma vez mais, conjuntamente, de tal modo que,na voz de Álvaro de Campos, texto que se destinava a ser

o prefácio para uma Antologia de Poetas Sensacionistas,irá afirmar «O sensacionismo começou com a amizadeentre Pessoa e Sá-Carneiro. Provavelmente é difícildestrinçar a parte de cada um na origem do movimento e,com certeza, absolutamente inútil determiná-lo. O factoé que ambos lhe deram início (PIAl 99). Tentouencontrar-lhe possíveis datas de nascimento:nomeadamente, a de 1914, considerando as suas obraspublicadas, se bem que o faz remontar a 1912,provavelmente, por ser a data em que inicia a suacorrespondência e a sua grande amizade com Sá-Carneiro. Criou-lhe um órgão – Orpheu –, a revistaporta-voz do nosso modernismo e do Sensacionismo,muito em particular. Sentiu o seu movimento ganharoutros adeptos no seio do grupo de Orpheu, para além dasua alma gémea, Sá-Carneiro, e dos seus própriosheterónimos. Tentou projectar além-fronteiras oSensacionismo, como podemos constatar pelas váriascartas escritas a editores ingleses, pedindo-lhes quedivulguem este movimento através da publicação darevista Orpheu (cf.C I).

Vibrou-o de modo mais efusivo e quaseespasmódico, através do Álvaro de Campos, sobre tudodo Campos-poeta futurista que assina as odes Triunfal eMarítima e que grita esse vórtice das sensações, essaharmonia alquímica dos contrários, onde o homem e amáquina, Deus e o Diabo, concreto e abstracto, aqui ealém, presente e passado, são um só e mesmo modo desentir a sensação em absoluto. Viveu-o não menosintensamente, mas de modo muito mais tranquilo,através de Alberto Caeiro, o sensacionista puro eabsoluto, como foi chamado, o mestre, afinal, no seuensinamento quanto a não pensar, a sentir apenas ascoisas tais como elas são, a saber olhá-las na plenitude dasua pureza. Não quis deixar de disciplinar as suassensações, logo também o seu Sensacionismo, agora pelavoz mais dominada e contida de Ricardo Reis, o poeta deformação clássica que ao demonstrar um excelentedomínio sob as suas sensações, foi também um pilarfundamental deste movimento. Deste modo,pressentimos o quanto o Sensacionismo terá ajudadoPessoa a arrumar a casa das suas sensações, podendodistribuí-las por divisões do eu distintas, consoante osdesejos e a natureza de cada uma delas. Pressentimostambém a complexidade sob a qual assenta esta correnteliterária, talvez excessivamente híbrida, talvezdemasiadamente abrangente mas, certamente, cómodapara a experiência heteronímica de Pessoa, para adiversidade dos seus modos de ser/sentir, paraacompanhar, de modo coerente, a histeria de ismos quebrotavam pela Europa, para tentar, enfim, o equilíbrio deuma balança que ora pendia mais para a tradiçãonacionalista ora mais para a vanguarda europeia.

Rapidamente Pessoa também compreendeu a relação

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feliz entre o Sensacionismo e a heteronímia: umacorrente literária multímoda que albergava no seu amploalpendre os estilhaços vários do eu, podendo deste modofazer corresponder um poliísmo a uma políperso-nalidade. Assim pôde sentir, separadamente, como quecom almas diversas, o seu drama em gente, não tendo deseparar por ismos diferentes os seus heterónimos e outraspersonalidades literárias, mas pelo contrário, podendofazê-los convergir numa atitude única, a sensacionistaque dentro de si simultaneamente aproximava ediferenciava os seus diferentes modos de sentir.Acreditou, por momentos, que estaria assim a salvo a suaunidade, se bem que desdobrada numa imensadiversidade fragmentada.

Nos momentos de maior entusiasmo por esteprojecto sensacionista, Pessoa dividiu-o em trêsdimensões: à primeira, fez conesponder o Paulismo; àsegunda, o Interseccionismo e à terceira chamou-lhe oSensacionismo integral ou Fusionista. Neste mesmoesquema das três dimensões do Sensacionismo Pessoaexemplificou cada uma destas dimensões: à primeira,associou o seu poema Hora Absurda e o longo poema deAlmada Negreiros, A cena do Ódio; o Sensacionismo aduas dimensões (interseccionista) exemplificou com oseu poema Chuva Oblíqua e um dos contos de Sá-Carneiro (de Céu em Fogo), Eu-Próprio o Outro; efinalmente à terceira, apresenta dois textos comoexemplo, o seu drama estático O Marinheiro e a narrativade Sá-Carneiro, A Confissão de Lúcio. Esta tentativa dearrumação do Sensacionismo por dimensões diversi-ficadas, correspondentes aos seus ismos anteriormentecriados, revela bem a necessidade sentida por Pessoa deorganizar internamente a sua nova corrente literária,dividindo-a quanto quer a uma maior complexidade dasensação quer quanto a um maior ou menor dinamismoou estaticidade dessa mesma complexidade de sentir.Deste modo, estas três dimensões do Sensacionismocorresponderiam a uma crescente complexificação deismos, de textos, de modos de sentir. Num primeiro nível,estaria então o Paulismo, onde a intersecção entre planosse estabelece na superfície de imagens que se sucedem,tentando objectivar, tanto quanto possível, a sensação,tornando-a esteticamente visualizável. Versos como «Oteu silêncio é uma nau com todas as velas pandas» ou«Minha alma é unia caverna enchida p’la maré cheia», deHora Absurda (1913) ou ainda, «Sou Narciso do Meuódio! / O Meu Ódio é Lanterna de Diógenes» de A Cenado Ódio (1915), revelam bem uma atitude sensacionistaonde Pessoa reconhece o seu desejo de materializaç˜åodo espírito, em sucessivas metáforas que desenvolve,tentando simplificar a sensação.

Na segunda dimensão do Sensacionismno o processojá se Complexifica um pouco mais. Em plena faseinterseccionista textos como os exemplos apresentados,

nomeadamente A Chuva Oblíqua e Eu-Próprio O Outro,revelam recursos estilísticos (e não só) já maiscomplexos. Os planos da matéria e do espírito, dapaisagem e do estado de alma, perpassam numa, porassim dizer, diagonal difusa, e abrem crateras de sentidodiversificadas, analogias em movimento que consentemversos como «E os navios passam por dentro dos troncosdas árvores», «Todo o teatro e um muro branco demúsica / Por onde um cão verde corre atrás de minhasaudade / da minha infância, cavalo azul com um jockeyamarelo... (Chuva Oblíqua). No caso do conto de Sá-Carneiro, a questão complexifica-se ainda mais, já queeste interseccionismo entre vários planos, se situa aonível do drama da sua alteridade fracassada,nomeadamente, do confronto passional entre um eu e umoutro, onde a riqueza de sentir ganha extraordinárioscontornos ontológicos.

Finalmente, numa terceira dimensão doSensacionismo, a tal designada por integral ou fusionista,os dois exemplos apresentados por Pessoa O Marinheiroe A confissão de Lúcio, revelam o limite da complexidadeda sensação, num estádio pré-heteronímico. Se bem quese trate de dois textos, sobretudo estilisticamente , muitopróximos do registo paúlico, até pelas datas em queforam escritos (os dois entre Setembro e Novembro de1913), Pessoa apresenta-os neste esquema comoexemplos do mais elevado grau do Sensacionismo. Defacto, a complexidade de sentir colocada na voz das trêsveladoras de O Marinheiro, assim como, os diferentesníveis de intersecção turbulenta entre a realidade e osonho, permitem olhar este drama estático como umfusionismo, em que as três veladoras não são aindaautónomas, mas apenas «vozes à procura de um corpo»,na expressão feliz de Teresa Rio Lopes (1968), ou seja,representam a fusão da diversidade de diferentes modosde sentir, do poeta dramático que as pôs em cena. Omesmo poderíamos dizer de A Confissão de Lúcio,narrativa fantástica da efabulação de um eu que sedesdobra também em três personagens – Lúcio, Ricardoe Marta –, procurando igualmente as diferentes vozes dadispersão desse eu, na distância construída dos outros desi mesmo.

Estes dois textos representariam, assim, segundo oesquema de Pessoa sobre as várias dimensões doSensacionismo, o limite máximo da dificuldade de sentiras coisas de modo plano ou unívoco, abrindo janelaspossíveis para a necessidade de autonomizar cada umadas diferentes sensações, vozes interiores, drama dealmas que, no caso da poética pessoana, irá ter umacontinuidade feliz na criação dos diferentes heterónimos.Em Sá-Carneiro, estas diferentes vozes dramáticas nuncase conseguirão despegar completamente umas das outras,mantendo-se sempre numa tensão permanente, numa nãomenos feliz criação contínua de personagens-máscaras

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de si mesmo. Eis a diferença entre o dramaturgo e oactor: o que sabe criar a distância entre si e os outros (desi mesmo) e o que usa o seu próprio corpo para osrepresentar a todos em cena.

Deste modo, as duas poéticas. a de Pessoa e a de Sã-Carneiro, representam em absoluto, os princípios e aalma do Sensacionismo. tal como, aliás, ambos ocriaram: como uma corrente poliédrica, fragmentada nasua unidade. que nada exclui mas que, pelo contrário,tudo consente desde que tenha por regra sentir tudo detodas as maneiras e ser tudo e ser todos. Seria assim, osensacionismo para Pessoa. enquanto teórico destacorrente literária, um caos harmonioso uma espécie depoética entendida e entendível como a coerência daincoerência, que em si mesma conseguisse abarcar todasas tendências do início do século xx, todos os diferentesestilhaços de personalidades (as suas e as dos outros) empermanente rotação de lugares de sentido diversificados.

Decorrente de tudo o que foi dito até aqui, esperar-se-ia que o Sensacionismo não tivesse tido urnaexistência tão efémera como os outros ismos criados ouadaptados por Pessoa. No entanto, tal não aconteceu.Sobretudo depois do suicídio de Sá-Carneiro, em 1916,mas também depois de atenuado o espírito dasvanguardas europeias neste início de século, depois deproibida a publicação da revista que prometia darcontinuidade a Orpheu, Portugal Futurista, em 1917,Pessoa desinteressou-se de dar continuidade à teorizaçãoe divulgação do Sensacionismo. No entanto, ele ficaria,para sempre, gravado na memória de muitos dos seusversos, nomeadamente, em alguns mais prograrnáticosdo mestre Caeiro, tais como, «Eu não tenho filosofia:tenho sentidos» ou «Os meus pensamentos são todossensações», ambos do Guardador de Rebanhos(respectivamente, poemas II e IX). Ficaria, sobretudo,incorporado na génese e desenvolvimento do seuprocesso heteronímico, como regra base que ensina quetoda a verdade é, afinal, em si mesma, contraditória.Ficaria ainda como o palimpsesto da voz de Caeiro e deversos como «A Natureza é partes sem um todo» (poemaXLVII de O Guardador de Rebanhos).

Efectivamente, o Sensacionismo foi um ismo muitoimportante para Pessoa e para Sã-Carneiro. por tudoaquilo que ele representou do sonho partilhado porambos os poetas de Orpheu, de uma arte que deveria serabsolutamente moderna (diria Rimbaud) por conciliar,em si mesma, toda a tradição da herança nacionalista,ainda muito enraizada na nossa literatura da época, etodo o apelo de um cosmopolitismo, sangue novo, quefluía por toda a Europa. A abertura de uma correnteliterária que admitia todas as outras funcionava comouma espécie de perfeita poligamia literária que. pelo seuespírito libertador e pagào, não condenava as aparentesinfidelidades cometidas. Assim, caberia dentro desta

atitude sensacionista, quer os textos mais neo-simbolistasdo ortónimo, tais como O Marinheiro, quer os maisvanguardistas de Alvaro de Campos. quer ainda os maisbucólicos de Caeiro ou os mais classicizantes de RicardoReis. Toda esta imensa panóplia de cores de sensaçõesdiferentes e aparentemente contraditórias era consentidapor urna corrente literária que, afinal, não assentavasobre base nenhuma:

«O Sensacionismo difere de todas as atitudesliterárias em ser aberto, e não restrito. Ao passo que todasas escolas literárias partem de um certo número deprincípios, assentam sobre determinadas bases, oSensacionismo não assenta sobre base nenhuma. [...]Assim, ao passo que qualquer corrente literária tem, emgeral, por típico excluir as outras, o Sensacionismo tempor típico admitir as outras todas. Assim, é inimigo detodas, por isso que todas são limitadas. O Sensacionismoa todas aceita, com a condição de não aceitar nenhumaseparadamente» (PIAI 159). Do mesmo modo, para Sá-Carneiro o Sensacionismo foi, mais do que uma correnteliterária que ajudou a nascer e a alimentar, uma atitudeconfortável que assentava bem no corpo de uma poéticaque, também na sua complexidade e mescla desensações, procurava um caminho para a utopia de umismo derradeiro que a todas pudesse aceitar comserenidade. Assim, debaixo deste amplo alpendre doSensacionismo, poderia reunir textos tão diferentes comoos poemas que publicou em Orpheu I, sob o título de«Para os “Indícios de Oiro”», alguns dos seus contos deCéu em Fogo ou ainda a narrativa A Confissão de Lúcio.O mesmo seria dizer que, debaixo deste alpendre, Sá-Carneiro poderia conviver com a sua alma e estiloromântico-interseccionista, ou mesmo romântico-sensacionista, modo como define e explica a Pessoaalgumas das personagens principais do seu projectoNovela Romântica, em duas cartas escritas em Paris,datadas de 3 e 5-2-1916, coincidentes com o momento doentusiasmo máximo pelo Sensacionismo partilhado pelosdois poetas. A 29 desse mesmo mês de Fevereiro, Sá-Carneiro ainda demonstra bem o seu entusiasmo quantoao projecto, certamente apresentado por Pessoa na cartaanterior,, da realização de uma Antologia Sensacionista.E, poucos dias antes de se suicidar, em carta datada de31-3-1916, Sá-Cameiro ainda apela a Pessoa que lhecontinue a falar do Sensacionismo...

Ao lermos estas cartas de Sá-Carneiro ( e, ao mesmotempo, tentando imaginar e reconstruir as de Pessoa)sentimos o quanto o Sensacionismo era intensamentedescoberto e vivido por estes dois amigos, neste início de1916; prevemos, de imediato, a dor sentida por Pessoaapós a perda do seu compagnon de route.Compreendemos. igualmente, a natural recusa de Pessoaem continuar, sozinho, um sonho que tinha sido vivido adois. E entendemos também melhor o poeta de Dispersão,

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afinal o mais dramaticamente sensacionista de todos, quequis ser tudo e ser todos, sentir tudo de todas as maneirase viver tudo aquilo que as suas personagens suicidasviveram e sentiram: «Mas você compreende que vivo umadas minhas personagens – eu próprio, minha personagem– com uma das minhas personagens» (CSC 284).

Quanto aos outros poetas de Orpheu que tambémaderiram ao Sensacionismo. ou que igualmente se podemincluir numa espécie de bibliografia sensacionista (aliás,esboçada por Pessoa). foram considerados e elogiadospelo poeta dos heterónimos, como. por exemplo. AlmadaNegreiros e o texto A Cena do Ódio, ou criticados emalguns aspectos. como Pedro de Menezes (pseudónimode Alfredo Pedro Guisado) e João Cabral do Nascimento,num texto intitulado, precisamente, «MovimentoSensacionista» e publicado, pela primeira vez, na revistaExílio (1916). Percebemos, através de textos como este,a dimensão nacional que Pessoa quis dar ao movimentosensacionista e o modo como ele ia colhendo novosadeptos. Sabemos também que o quis projectar além-fronteiras nacionais e que o divulgou junto de editoresestrangeiros, nomeadamente ingleses, como FrankPalmer (como, aliás, já o tinha feito, para oInterseccionismo). Relacionou o Sensacionismo com oNeopaganismo defendido por Caeiro, Reis e Mora,baseando os dois na mesma procura da unidade atravésda pluralidade de deuses e de ismos. Transcendeu-o, paraalém das suas fronteiras artísticas, literárias e religiosas,numa dimensão ocultista já que, afinal, rapidamente seapercebeu que a estrutura alquímica do Sensacionismo,segundo a qual era permitido abolir todos os contrários,era a mesma estrutura esotérica da sua obra, as mesmasbodas alquímicas em que o sim e o não se fundem numaperfeita harmonia. E. como diria urna das suaspersonagens, o Professor Serzedas, que assina um doscontos filosóficos, O Vencedor do Tempo, chegado a esteponto culminante do seu raciocínio, e dada a apetênciaprofundamente esotérica do pensamento pessoano, umaoutra dimensão sobrenatural, ou mágica, para além dastrês literárias já referidas e da religiosa doNeopaganismo. rapidamente se impunha para estesensacionismo: assim concebeu uma quarta dimensão, amais perfeita de todas porque não dependente damaterialidade do espaço ou do texto, mas liberta nas asasdo tempo e do sonho. Enfim, a sensação absoluta.

BIBL.: BARRENTO, João, O Espinho de Sócrates.

Expressionismo e Modernismo. Lisboa. Editorial Presença.

1987; COSTA. Paula Cristina (Igreja), As Dimensões Artísticas e

Literárias do Projecto Sensacionista. Dissertação de

Mestrado. FCSH da Universidade Nova de Lisboa, 1990.

Paula Cristina Costa.2

10. O MARINHEIRO

Este é o único drama acabado de Pessoa. Foi escritoem poucas horas, na viragem de 11 para 12 de Setembrode 1913, e publicado pela primeira vez dois anos depoisdessa data, após profunda revisão, na Orpheu 1 (Lisboa,1915). A recusa de Álvaro Pinto em publicar a peça em AÁguia, órgão central do movimento da «RenascençaPortuguesa», serviu de pretexto para Pessoa romper como Saudosismo.

Segundo Robert Bréchon, «Os Cegos, deMaeterlinck (1890), forneceu-lhe o modelo formal daação dramática», e À espera de Godot (1953) parece uma«réplica metafisica» da peça. (BRÉCHON, 1996: 190).Mas a alcunha de «drama simbolista» reduz em muito aimportância do texto. Para Bréchon, O Marinheiro é umdos momentos-chave de toda a obra de Pessoa: «É obraprofunda, que, quando Pessoa a escreve, quase àsvésperas do “dia triunfal”, lhe marca importante etapa daevolução: ela resume tudo o que lhe tinha inspirado osentimento “paulista” da vida e anuncia o aparecimentonele de “vozes” novas» (BRÉCHON 1996: 189).

Em carta a Armando Côrtes-Rodrigues (4-3-1915),Pessoa escreve a respeito de seu texto: «O meu dramaestático O Marinheiro está bastante alterado eaperfeiçoado; a forma que v. conhece é apenas a primeirae rudimentar, O fmal, especial mente, está muito melhor.Não ficou, talvez, uma cousa grande, como eu entendoas coisas grandes; mas não é cousa de que meenvergonhe, nem – creio – me venha a envergonhar» (C I 157).

Pessoa, de facto, nutria especial apreço pela peça. Asua leitura permite fácil identificação de alguns dostemas mais caros à sua poesia: as dúvidas existenciais; aintuição de que a vida é sonho; o desdobramento da voz;a clivagem do eu num espaço aberto entre aquele quesente e ‘o que pensa, ou entre aquele que pensa e que diz;a colocação em xeque da unidade do eu; o fado daautoconsciência; o adiamento pelo sono.

O crítico José Augusto Seabra traduz um importantetrecho escrito em inglês por Pessoa (que a edição daNova Aguilar reproduz no original), em que sugere ocarácter trágico da peça, e o juízo especialmente positivode seu autor sobre o desenlace: «Começando de umaforma muito simples, o drama evolui gradualmente paraum cume terrível de terror e de dúvida, até que estesabsorvem em si as três almas que falam e a atmosfera dasala e a verdadeira potência do dia que está para nascer.O fim da peça contém o mais subtil terror intelectualjamais visto. Uma cortina de chumbo tomba quando elasnão têm mais nada a dizer umas às outras nem maisnenhuma razão para falar» (apud SEABRA 1974: 31).

A peça, nunca representada em vida do escritor,embora escrita em prosa, apresenta tom

2 Extraído do Verbete SENSACIONALISMO, no DICIONÁRIO DEFERNANDO PESSOA, Coordenado por Fernando Cabral Martins, 2010. pp.786 a 791).

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predominantemente poético, permeado de pausas ereticências, bem ao gosto «paulista». Na Orpheu, OMarinheiro carrega o subtítulo «drama estático». Aexpressão designa bem sua natureza distinta,aparentemente escrita mais para ser lida do que assistida:um teatro sem acção, com personagens imóveis, nãocaracterizadas, que apenas falam num cenário solto noespaço e situado num tempo indefinido. Nummanuscrito, provavelmente de 1914, Pessoa tececonsiderações a respeito do que vem a ser essa suaconcepção de teatro: «Chamo teatro estático àquele cujoenredo dramático não constitui acção – isto é, onde asfiguras não só não agem, porque nem se deslocam nemdialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer têmsentidos capazes de produzir uma acção; onde não háconflito nem perfeito enredo. Dir-se-á que isto não éteatro. Creio que o é porque creio que o teatro tende ateatro meramente lírico e que o enredo do teatro é, não aação nem a progressão e consequência da acção – mas,mais abrangentemente, a revelação das almas através daspalavras trocadas e a criação de situações [...] Pode haverrevelação de almas sem acção, e pode haver criação desituações de inércia, momentos de alma sem janelas ouportas para a realidade» (PETCL 112).

O drama passa-se numa madrugada. O leitor entra emcontato com três veladoras, que não são nomeadas oudescritas. Elas apenas dialogam até ao amanhecer, noquarto de um castelo antigo, vazado por uma janela estreitae voltada para o mar. No centro do quarto, no alto de umamesa, há um caixão com uma donzela de branco. Nãosabemos quando a cena se passa, tão-pouco em que lugarse situa esse «castelo antigo». Há apenas as falas dasveladoras, que, a certa altura, ao invés de demarcar espaçosde enunciação distintos, ou identificar personagens, tendema confundir-se umas com as outras. Segundo RobertBréchon, a sensação que temos ao ler uma peça como essa,em que tempo e espaço são suspensos, e apenas vozes seapresentam, é a de estar mos dentro de um cérebro. Defacto, os diálogos, em tom monocórdico, assemelham-semais a um monólogo, como se houvesse a fala de umaúnica personagem numa conversa consigo mesma.

No Marinheiro, as veladoras dizem não poder capturaro presente – em constante transição – o passado – que nãoé mais que um sonho – e o futuro – que sumirá ao raiar dodia. Essa imaterialidade aparentemente absurda só nãoresulta no nada absoluto porque há a voz, único substractode existência, o corpo irredutível do drama (a palavra— asveladoras não são mais do que isso), que paira numaatmosfera que não é exactamente onínca ou real, mas quese situa no não-espaço entre sonho e realidade.

Por ser a voz o modo de existência no drama, asegunda veladora, que desempenha o papel de corifeu, denarradora, conta seu sonho a respeito de um marinheiroperdido numa ilha longínqua. Impossibilitado de voltar à

sua pátria, ele sonha ter vivido numa outra pátria, queconstrói, dia a dia, pela imaginação. Aos poucos, pode veras paisagens, as ruas, as cidades, pode percorrê-las,reconhecer as pessoas que ali viveram, seu passado e suasconversas, o lugar onde nasceu, onde passou as diferentesfases da vida, e o companheiros que teve. Mas eis que,num dia de muita chuva, cansa-se de sonhar, querlembrar-se da pátria verdadeira, da meninice que teve, eentão isso parece-lhe impossível, nada lhe vem. Não podenem ao menos supor ter vivido uma outra vida, porque aúnica que teve passara a ser realmente a vida que sonhara.

O dia começa a raiar e tanto a ilha do marinheiroquanto o quarto com as veladoras parecem-lhesigualmente irreais. Não será tudo sonho? «SEGUNDA –Talvez nada disto seja verdade... Todo este silêncio e estamorta, e este dia que começa não são talvez senão umsonho... Olhai bem para tudo isto... Parece-vos quepertence à vida?...»

E então o caráter ficcional do sonho narrado inverte-se. E o pavor criado pela hipótese de não existirem, detudo não passar de poeira dos sonhos, abate-se sobre asveladoras: «SEGUNDA – Porque não será a única coisareal nisto tudo o marinheiro, e nós e tudo isto aqui apenasum sonho dele?»

Na medida em que o que garante a permanência dasveladoras no mundo é a fala, estranhar a própria vozsignifica questionar a existência. Esse questionamentoganha consistência no drama com horror crescente, comose houvesse uma mão oculta, uma «quinta pessoa»,guiando suas falas: «Que voz é essa com que falais?...«Entre mim e a minha voz abriu-se um abismo»: «Agoraestranho-me viva com mais horror: «E parecia-me quevós, e a vossa voz, e o sentido do que dizíeis eram trêsentes diferentes, como três criaturas que falam e andam»;«Quem é que nos faz continuar falando?»; «Que estranhaque me sinto!... Parece-me já não ter a minha voz... partede mim adormeceu e ficou a ver...»; «Dói-me o intervaloque há entre o que pensais e o que dizeis... A minhaconsciência bóia à tona da sonolência apavorada dos meussentidos pela minha pele , «Oh, que horror, que horroríntimo nos desata a voz da alma, e as sensações dospensamentos, e nos faz falar e sentir e pensar quando tudoem nós pede o silêncio e o dia e a inconsciência da vida...»

É com esse arrepio da consciência que tocamos oceme da peça – e porventura da obra dePessoa –, assimidentificado por José Augusto Seabra: «a desintegraçãoda linguagem numa pluralidade de linguagens (opoemodrama), do sujeito numa pluralidade de sujeitos (opoetodrama) (1974: 31).

Pessoa traça aqui o processo de desprendimento doeu de si mesmo, como uma consciência boiando sobre asensação, e das sensações sentindo, portanto, a sós,apostasiadas, desvinculadas de uma mente, e de umcorpo. Em retrospectiva, o desdobramento heteronímico

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parece prefigura do. Em O Marinheiro, essedesdobramento traduz-se abertamente como reflexãoprofunda a respeito do tema obsessivamente perseguidonas diferentes instâncias da obra: o mistério do ser.

Uma das leituras mais radicais deste drama (emboramuito breve) será a realizada por Antonio Tabucchi, quese afasta da habitual aproximação feita pela critica comos dramas simbolistas, e entende O Marinheiro comouma charada shakespeariana que exibe o centrodramático da escrita de Pessoa, isto é, o problema de setraduzir uma ficção por outra ficção – a vida, que nãopassa de um sonho, pela literatura, o teatro. Tabucchi nãodesenvolve essa leitura, mas se pode considerar que,nesse sentido, estaremos diante de um texto de alcancemetalinguístico, no qual, possivelmente, a «quintapessoa» pressentida na sala é o próprio autor, que conduzas personagens, que dita suas vozes. A aproximação dodrama a Seis Personagens à procura de Um Autor, dePirandello, é profícua a essa leitura. O marinheiro, que é«sonho de um sonho» – que é fruto da imaginação dasegunda veladora, que, por sua vez, é fruto daimaginação do poeta –, quando começa a sonhar, produznova realidade, seu próprio passado, isto é, o marinheiro,de sonhado toma-se sonhador, de personagem migra parao lado do autor. O marinheiro é agora quem narra. Feitoisso, Pessoa inverte as coisas: a aparência ilusória deverdade, a «verdade fingida» que se encontra no plano

das veladoras, do marinheiro, toma-se menos real do queaquilo que o marinheiro sonhou (do sonho dentro dosonho). Assim, a pátria sonhada toma-se uma ficção maisverdadeira do que a anterior. A vida é sonho, e esteproblema tão pessoano está, afinal, e segundo Tabucchi,já explícito no teatro de Shakespeare. Quando Pessoadeclara «All my books are book of reference. I readShakespeare only in relation to the “ShakespeareProblem”: the rest I know already» (PIAI 21), fazmenção a um problema que é tanto seu quanto do autoringlês – e, de resto, de toda a literatura: O Marinheiro éuma primeira tentativa de traduzir, no plano do teatro (dotexto), o teatro (o texto) da vida. Um pouco mais tardeela sena sucedida pelo sistema heteronímico.

BIBL: MARINHO, Maria de Fátima, «O Marinheiro e o

“Teatro do Absurdo”», in Actas do 1 Congresso Internacional

de Estudos Pessoanos, Porto, Centro de Estudos Pessoanos,

1979; SEABRA, José Augusto, «O Drama Estático», in Fernan

do Pessoa ou o Poetodrama, Sáo Paulo, Perspectiva, 1974;

TABUCCHI, Antonio, «O Marinheiro: Uma Charada Esotérica?»,

in Pessoana Mínima, Lisboa, IN-CM, 1984.

Caio Gagliardi3

3 Extraído do Verbete O MARINHEIRO, no DICIONÁRIO DE FERNANDOPESSOA, Coordenado por Fernando Cabral Martins, 2010. pp. 439 a 441).

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Exercícios PropostosTexto para a questão 1.PRIMEIRA — Minha irmã, em mim tudo é triste. Passo

Dezembros na alma... Estou procurando não olhar para a

janela... Sei que de lá se veem, ao longe, montes... Eu fui

feliz para além de montes, outrora... Eu era pequenina.

Colhia flores todo o dia e antes de adormecer pedia que

não mas tirassem... Não sei o que isto tem de irreparável

que me dá vontade de chorar... Foi longe daqui que isto

pôde ser... Quando virá o dia?...

1. No fragmento anterior, extraído da peça O Marinheiro de

Fernando Pessoa, a omissão do artigo o, que antecede a

palavra dia, alteraria o sentido original da fala da Primeira

Veladora? Explique.

Resolução: Sim, pois, sem o artigo teríamos a informação

de que a Veladora colheria flores todos os dias da semana.

Na passagem, a Veladora informa que colhe flores o dia

inteiro.

2. Numa das falas da SEGUNDA Veladora, ela diz: —

Contemos contos umas às outras... Eu não sei contos

nenhuns, mas isso não faz mal... Só viver é que faz mal...

De que modo a negação na passagem torna-se uma

contradição ao longo da peça O Marinheiro?

Resolução: Embora a Segunda Veladora declare que não

sabe conto algum, é ela quem relata o sonho do

Marinheiro. Portanto, a personagem acaba se

contradizendo, pois ela sabe contar histórias.

Texto para a questão 3.SEGUNDA — Para quê?... Fito-vos a ambas e não vos

vejo logo... Parece-me que entre nós se aumentaram

abismos... Tenho que cansar a ideia de que vos posso ver

para poder chegar a ver-vos... Este ar quente é frio por

dentro, naquela parte que toca na alma... Eu devia agora

sentir mãos impossíveis passarem-me pelos cabelos — é o

gesto com que falam das sereias... (Cruza as mãos sobre

os joelhos. Pausa). Ainda há pouco, quando eu não

pensava em nada, estava pensando no meu passado.

3. Segundo a mitologia, as sereias são seres metade mulher e

metade peixe, ou pássaro, segundo alguns escritores

antigos, que atraem e encantam quem as ouve cantar.

a) Qual seria a relação da figura da sereia com a narrativa que

a Segunda Veladora relata às demais mulheres?

Resolução: Assim como as sereias hipnotizam seus

ouvintes por meio do canto, a Segunda Veladora fixará a

atenção das demais por meio de seu relato, a ponto de

chegarem a não saber mais quem são e se realmente

existem.

b) Explique o paradoxo presente no fragmento.

Resolução: Segundo a Veladora, ela, quando não pensava

em nada, estava pensando no seu passado. Se ela pensa

no passado, é contraditória a afirmação de que em nada

estaria pensando. Mas, o paradoxo se desfaz ao

considerarmos que a vida anterior da Veladora era vazia,

portando, pensar em nada significaria pensar no vazio que

fora sua existência.

Texto para a questão 4.SEGUNDA — Vou dizer-vo-lo. Não é inteiramente falso,

porque sem dúvida nada é inteiramente falso. Deve ter

sido assim... Um dia que eu dei por mim recostada no

cimo frio de um rochedo, e que eu tinha esquecido que

tinha pai e mãe e que houvera em mim infância e outros

dias — nesse dia vi ao longe, como uma coisa que eu só

pensasse em ver, a passagem vaga de uma vela. Depois

ela cessou... Quando reparei para mim, vi que já tinha

esse meu sonho... Não sei onde ele teve princípio... E

nunca tornei a ver outra vela... Nenhuma das velas dos

navios que saem aqui de um porto se parece com aquela,

mesmo quando é lua e os navios passam longe devagar...

4. Comparando a fala da Segunda Veladora com a história do

Marinheiro por ela relatada, pode-se perceber alguma

semelhança quanto ao que ambos teriam vivido? Explique.

Resolução: o Marinheiro, quando naufraga na ilha,

começa a imaginar uma nova realidade, composta por

lugares, situações e pessoas inéditos. De tanto pensar

neles, há um momento em que ele se esquece

completamente de sua vida anterior e passa a acreditar que

aquilo com que sonhara era a única realidade, pois já não

se lembrava mais de nada vivido antes do naufrágio.

Assim como o Marinheiro perde a lembrança de sua vida

anterior ao acidente, a Segunda Veladora afirma também

que tinha esquecido que tinha pai e mãe e que houvera em

mim infância e outros dias.

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11. BIBLIOGRAFIA

BRÉCHON, Robert. ESTRANHO ESTRANGEIRO: uma biografia de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Record, 1998.

MARTINS, Fernando Cabral. DICIONÁRIO DE FERNANDO PESSOA E DO MODERNISMO PORTUGUÊS. SãoPaulo: Leya, 2010.

PESSOA, Fernando. OBRAS EM PROSA. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.

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