AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as...

45

Transcript of AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as...

Page 1: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta
Page 2: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

1o

ENCONTRO

AUTONOMIA

PARA

PESSOA

COM

DEFICIÊNCIA

Page 3: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

Desde que assumi a presidência do RioSolidario, caminhei muito pelo Estado do Rio de Janeiro. Estive em diversos municípios, conversei com a população e conheci diferentes realidades. Por todos os lugares pelos quais passei, algo que me chamou a atenção foi a quantidade de pessoas com defi ciência que temos em nosso estado. Em um dos eventos que participei, fui recebida por uma plateia com cerca de dois mil cadeirantes. O encontro me sensibilizou. Naquele momento, me perguntei: “como essas pessoas vivem, onde estão, quais são as suas difi culdades?”. Senti uma necessidade enorme como primeira-dama e presidente do RioSolidario de abraçar essa causa e pensar em ações que pudessem trazer mais cidadania para essas pessoas. Foi assim que nasceu o programa Autonomia Sim, um projeto voltado especialmente para a promoção dos direitos da pessoa com defi ciência.

O Estado do Rio de Janeiro conta com 3,9 milhões de pessoas com algum tipo de defi ciência, o que representa quase 25% da população total, segundo dados do Censo 2010. Pessoas que possuem os mesmos direitos e fazem parte da sociedade como qualquer outra. O desafi o está em conscientizar e mobilizar população, governos e empresas para que tenhamos mais ações focadas na melhoria da qualidade de vida dessas pessoas.

Para isso, buscamos parceiros e os encontramos. Criamos uma comissão, liderada pelos deputados Otavio Leite, Tania Rodrigues e Márcio Pacheco, para discutir o tema. Assumimos, então, o papel de articuladores. Nosso objetivo é unir esforços, estimular o debate, pensar e divulgar boas práticas que benefi ciem as pessoas com defi ciência. Neste primeiro encontro, conseguimos reunir nomes importantes que trocaram informações e experiências. Mobilizamos diversos municípios e instituições. Conquistamos novos parceiros. Este foi apenas o primeiro de muitos encontros que ainda realizaremos. Quem não pôde participar

Page 4: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

do I Encontro Autonomia para Pessoa com Deficiência terá a oportunidade de saber tudo o que foi discutido nesta publicação. O livro também é um caminho para ampliar o debate e levá-lo a todos.

Autonomia é dignidade. O ser humano que tem autonomia é um ser humano completo, íntegro. Infelizmente, ainda vemos muitas pessoas com deficiência sofrendo com as mais diversas dificuldades, algumas sequer conseguem sair de casa. Pessoas que vivem no mundo, invisíveis. Uma triste realidade que precisa mudar. A transformação começa com a solidariedade. Apenas respeitando os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma sociedade mais igualitária e inclusiva.

Maria Lucia Cautiero Horta JardimPresidente do RioSolidario

Encontrar soluções para melhorar a qualidade de vida dos deficientes é dever do estado comprometido com o bem-estar da população. Atenta a essa questão, a ONG RioSolidario reuniu integrantes das três esferas governamentais — Ministério das Cidades, Governo do Estado do Rio de Janeiro e prefeituras do Rio e de Niterói — e da sociedade civil no I Encontro Autonomia para Pessoa com Deficiência, realizado no auditório da FIRJAN, para apresentar alternativas que propiciem autonomia, independência e conforto aos deficientes.

O resultado das palestras e dos debates foi compilado neste livro. Nas páginas a seguir, você conhecerá alguns projetos bem-sucedidos de infraestrutura urbana. O exemplar também traz propostas de assistência social e inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Esta publicação é um canal de diálogo com a comunidade e o governo em busca de uma sociedade igualitária, democrática e poderá nortear a elaboração de políticas públicas que defendam as necessidades e direitos dos deficientes.

Boa leitura!

Cezar Vasquez Diretor-superintendente do Sebrae/RJ

Page 5: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

União para vencer obstáculosI Encontro Autonomia para Pessoa com Deficiência

Uma cidade para todosBailarina sobre rodas

Mobilidade urbana/transportes

Foco na reabilitação A caminho dos sonhos

Assistência social

Trabalhar é precisoDe bem com a vida

Mercado de trabalho

Respeito como legado

1315

1921 23

434547

636567

81

Page 6: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

“Essa é uma oportunidade ímpar de unir diversos segmentos em função da conquista da autonomia da pessoa com deficiência. É importante estar com o RioSolidario nessa discussão. Os conselhos municipais pelo Brasil trabalham, nesse momento, para revitalizar o planejamento e acompanhamento das políticas públicas, depois levados às esferas estadual e federal.”

Ediclea Mascarenhas, professora da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e integrante do Conselho Estadual

para Política de Integração da Pessoa com Deficiência.

“É maravilhosa essa oportunidade de discussão dos temas da pessoa com deficiência. A discussão é muito importante e acho que deve acontecer em todos os lugares para romper barreiras. O Down, por exemplo, ainda é muito discriminado. Precisamos exibir a nossa cara. Esse encontro é mais um espaço democrático que pode mostrar a capacidade da pessoa com deficiência em geral.”

Fernanda Honorato, atriz e repórter que apresenta programa na TV Brasil dedicado à pessoa com deficiência e inclusão social, com maior foco na Síndrome de Down.

“Encontro inédito como esse é inegavelmente fundamental. Minha preocupação é com o futuro. Estamos em evidência pelos Jogos Paralímpicos em 2016, fala-se muito da questão da inclusão, mas tenho medo que caia no esquecimento. Atletas e associações têm que continuar se mobilizando para que consigamos mais mobilidade e independência.”

Guilherme Meyer Ramalho, presidente da Associação Niteroiense de Deficientes Físicos (Andef).

RioSoliDARio DepoiMentos

Page 7: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

“A importância desse encontro é fortalecer nossas ações. As associações Pestalozzi estão há 85 anos no Brasil e a gente vem prestando os serviços que deveriam estar na responsabilidade do estado.”

Cândida Maria Pereira Carmo, presidente da Federação das Associações Pestalozzi do Estado do Rio de Janeiro e presidente da Associação Pestalozzi de Araruama.

“O importante é que vai ser apresentada uma proposta maior e integrada, que, com certeza, nos ajudará bastante. O tema da inclusão é um dos mais penosos. Isto porque a linha entre inclusão e exclusão é muito difícil de se traçar porque, às vezes, tentando fazer um tratamento igualitário, esquecemos da importância da convivência.”

Maria Luíza Marques Barros Medeiros, presidente fundadora do Instituto Espaço Nossos Filhos no Município de São Gonçalo.

“O debate promovido por esse encontro é a consolidação de algo que começou em 1981, com o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência. É importantíssimo associar com o início de uma luta e que agora culmina com o envolvimento do governador, do ministro. O Governo do Estado chama para si e envolve o Governo Federal. Essa mobilização certamente vai fazer diferença na visão dos gestores das outras áreas. É uma grande evolução.”

Telmo Silva Hoelz, administrador da Associação Fluminense de Reabilitação.

“A possibilidade de discussão, como ofereceu esse encontro, já é uma porta para começar algo. Traz uma certa ansiedade sobre o que de fato vai acontecer, porque é um debate de séculos. Ao mesmo tempo, traz satisfação e carrega as energias. Temos que continuar na luta.”

Graça Pinho, presidente da Associação Brasileira de Assistência ao Excepcional.

“Estamos vendo luz no fim do túnel a partir desse encontro. A briga pela acessibilidade está aí há muitos anos e a gente já vinha muito cansado. Na universidade, estamos tentando trazer cada vez mais o tema para perto, para a realidade. Com esse encontro, a gente espera que o governo assuma realmente o movimento. É superimportante que o Estado se envolva e assuma responsabilidades. Porque os problemas não estão só no Rio de Janeiro, mas no Brasil todo.”

Regina Cohen, arquiteta, pesquisadora associada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e coordenadora do Núcleo

de Ensino, Pesquisa e Projeto sobre Acessibilidade e Desenho Universal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Nasci com paralisia cerebral e na reabilitação descobri o esporte e fiz dele uma militância. Vim de uma época que não havia divulgação sobre a questão das pessoas com deficiência. Espero desse encontro, da mesma forma dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, é que não pare por aqui. Que realmente sejam boas oportunidades de criarmos um legado e irmos ainda mais longe.”

Anderson Lopes, atleta paralímpico, medalhista de lançamento de disco nos Jogos Olímpicos de Atlanta e Sidney.

“Tudo que envolve a questão da pessoa com deficiência é importante e esse encontro é uma oportunidade de divulgação. É a sociedade se preparando para recebê-la. O debate é sobre questões que sempre foram vistas pela sociedade como tabu, principalmente no que se refere à acessibilidade com a garantia do direito do cidadão de ir e vir.”

Carlos Eduardo Martins de Jesus, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Município de Levy Gasparian.

Page 8: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

12 13 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência União para vencer obstáculos

UNiÃo PARAVENCER OBSTÁCULOS

Page 9: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

14 15 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência União para vencer obstáculos

Refl exão, troca de informações e conhecimentos sobre questões abrangentes como autonomia e inclusão da pessoa com defi ciência na construção de uma sociedade pautada pelos princípios de cidadania. Essa foi a proposta do I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência, promovido pelo RioSolidario, no dia 11 de junho de 2015, e que reuniu representantes do poder público (municipal, estadual e federal), da iniciativa privada e da sociedade civil, para discussão sobre três temas: mobilidade urbana/transportes, assistência social e mercado de trabalho.

A programação do evento, realizado no auditório da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), no Centro do Rio, incluiu palestra do atleta medalhista paralímpico, Clodoaldo Silva e, para fechar, teve a apresentação do grupo de dança sobre rodas, Corpo em Movimento, da Associação Niteroiense dos Defi cientes Físicos (Andef). O encontro trouxe exemplos de boas práticas, mas também sugeriu juntar parceiros para a promoção de avanços nos vários aspectos da temática das pessoas com defi ciência no Estado do Rio de Janeiro.

Na cerimônia de abertura, o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, aceitou o desafi o do trabalho conjunto com o Estado do Rio e seus municípios.

“Coloco o Ministério das Cidades à disposição para estabelecer parcerias para que o Rio de Janeiro tenha ação exemplar em favor daqueles com defi ciência e que precisam do nosso apoio. E cito como algumas das ações que precisam ter foco, a questão da mobilidade”, ressaltou o ministro.

i enContRo AUtonoMiA pARA pessoA CoM DeFiCiÊnCiA

Page 10: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

16 17 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência União para vencer obstáculos

O governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, reforçou a parceria entre poder público, iniciativa privada e terceiro setor.

“Estamos nessa função para olhar para todos e, no meu caso, para os 16 milhões e 400 mil cariocas e fl uminenses. Mas tenho que ter um olhar especial para essas pessoas que precisam mais do poder público. Que o debate nos leve a errar menos e acertar mais, dando acessibilidade a todos.”

Para a primeira-dama do Governo do Estado do Rio de Janeiro e presidente do RioSolidario, Maria Lucia Cautiero Horta Jardim, as parcerias são importante caminho para a evolução da inclusão social das pessoas com defi ciência.

“Precisamos que o Estado e a União nos ajudem a formular essas grandes políticas públicas, mas a adesão das prefeituras também é fundamental. Sabemos que o poder público sozinho não vai vencer essa causa e nem outras, por isso estamos fazendo as parcerias. Porque este segmento precisa superar muitas adversidades e muitas difi culdades”, disse ela.

Uma das importantes questões que Maria Lucia acredita que podem ser discutidas e tratadas em conjunto é como tornar mais ágil as ações, muitas vezes emperradas por trâmites burocráticos. “Os problemas da burocracia são desesperadores para as pessoas que lidam com essa causa”, lamentou. O governador Pezão compartilha da crítica: “A burocracia mata. Sei que temos que ter os órgãos de controle. É preciso seguir ritos e prestar contas. Mas tudo é difícil, é exigido burocracia até para quem lida com um pequeno recurso.”

Representante da Prefeitura do Rio, em nome do prefeito Eduardo Paes, a secretária municipal da Pessoa com Defi ciência, Georgette Vidor, defendeu a união de forças: “É muito importante esse movimento. Temos nesse encontro o governador do estado, o ministro, deputados, segmentos da sociedade civil e todas as pessoas aqui que representam a possibilidade de mudança.”

A deputada estadual Tania Rodrigues (PDT), representando o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o deputado Jorge Picciani (PMDB), elogiou a iniciativa. “Esse é o primeiro grande passo para

a retomada de uma nova caminhada. Pessoas tão importantes, na vida da cidade, estão presentes nesse evento, que serve para conscientizar sociedade e poder público.”

O presidente da Comissão de Pessoa com Defi ciência, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), deputado estadual Márcio Pacheco (PSC), acredita que só o esforço conjunto pode romper barreiras. “O que ainda impede que alguns tenham acesso à política pública, ao básico, é a barreira atitudinal que precisa cair: o homem público que não enxerga o outro igual a ele”, defendeu o deputado.

Em atuação conjunta com o RioSolidario, a Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) — que doa 70% do lucro líquido com a venda de bilhetes para projetos sociais —, tem resultados para comemorar, como destacou seu presidente, Sérgio Ricardo Martins de Almeida: “É uma parceria permanente que tem ajudado muita gente. Mais de um milhão de pessoas estão sendo, de certa forma, impactadas. Esse encontro é um importante começo. O primeiro de muitos que virão a acontecer”, afi rmou.

O vice-presidente do Sistema FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), Carlos Mariani Bittencourt, representando o presidente Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, garantiu o apoio da iniciativa privada. “Promover a inclusão da pessoa com defi ciência, não apenas no mercado de trabalho, mas também em todas as atividades da sociedade, é uma responsabilidade compartilhada pelos setores público e privado e pelas organizações sociais. Antes da inclusão na atividade profi ssional, vem a inclusão do cidadão pleno”, afi rmou.

Para o diretor-superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae/RJ), Cezar Vasquez, o encontro foi uma oportunidade de conhecer melhor as questões da pessoa com defi ciência.

“Participar desse movimento é importante para o Sebrae, na parte que nos cabe que é a parceria para a construção de um Mapa da Pessoa com Defi ciência. Informação é importante na elaboração de políticas públicas, mas também para a construção no segmento de negócio em busca da melhoria da qualidade e preços de produtos e serviços.”

Page 11: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

18 19 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

UMA CiDADEPARA TODOS

Page 12: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

20 21 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

BAilARiNA SoBRE RoDASVAnessA AnDRessA ABReU

Toda vez que perguntam para Vanessa Andressa Abreu, 27 anos, como ela caracterizaria o padrão ideal de mobilidade nas cidades, a resposta é imediata: “Acho que essa é uma questão que afeta não só o defi ciente, mas também o idoso, a mulher de salto alto, alguém que torceu o pé, o obeso, enfi m, a todos”, dispara a bailarina do grupo de dança sobre rodas, Corpo em Movimento, da Associação Niteroiense dos Defi cientes Físicos (Andef).

Engajada na luta pela melhoria da acessibilidade e mobilidade em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, Vanessa acredita que criar uma cidade mais inclusiva vai muito além de atender ao direito das pessoas com defi ciência de ir e vir. “A cidade, para ser boa, tem que ser boa para todos. A mulher de salto vai preferir rua lisa, em vez de pedra; a grávida prefere rampa à escada”, argumenta.

Vanessa foi diagnosticada com artrite reumatóide juvenil, doença que limita o desenvolvimento de ossos e articulações, aos dois anos de idade. “Com oito anos, conheci a Andef, onde comecei a fazer reabilitação continuada através do esporte. Além da fi sioterapia, fazia atividade física, como a natação, para ajudar no meu controle de movimentos”, lembra. Ainda criança, se encantou com o grupo Corpo em Movimento, cujos dançarinos são cadeirantes.

Na dança viu que, independente de sua defi ciência, podia maravilhar plateias como qualquer outra pessoa, a única diferença é que usaria, no lugar das pernas, a cadeira de rodas para executar as mais diversas coreografi as. “Minha deficiência não permite que eu dance em pé, por falta de equilíbrio. Faz 12 anos que integro o grupo e isso me ajudou bastante. Por causa da dança, ganhei uma ótima locomoção com a cadeira”, conta

Page 13: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

22 23 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

MoBiLiDADe URBAnAtRAnspoRtes

Essa habilidade com a cadeira de rodas, que Vanessa usa desde a infância, foi fundamental para que driblasse limitações no dia a dia pela cidade. Ela lembra que já passou difi culdades para realizar atividades corriqueiras. “Para entrar num ônibus, eu tinha que desmontar a cadeira toda, e ainda precisava de ajuda para subir. Era um transtorno que, infelizmente, todo defi ciente, que já teve que usar um ônibus não adaptado, sabe como é”, recorda a dançarina que não se deixava abater.

“Eu sempre pratiquei esportes, faço a minha dança, fi z cursos profi ssionalizantes. Casei, tenho meu marido, estou estudando Administração e uso a cadeira de rodas na vida diária. Tenho uma vida normal”, diz. Vanessa comemora poder contar, atualmente, com o apoio mais efetivo do poder público como, por exemplo, a criação da Coordenadoria de Acessibilidade.

Segundo ela, a coordenadoria vem fazendo um importante trabalho de cobrança e fi scalização de ações para adaptação e melhoria da cidade com iniciativas, como o Calçada Livre, a retirada de canteiros e outros obstáculos das ruas, e está na luta por uma frota de ônibus totalmente acessível, junto ao programa Niterói Que Queremos.

Pessoas com defi ciência, na experiência de Vanessa, ganharam mais mobilidade no uso da cidade, inclusive para chegar a espaços de lazer e culturais, como o Museu de Arte Contemporânea ou o Caminho Niemeyer. “O Corpo em Movimento até já dançou no Caminho Niemeyer. É legal porque a gente acaba testando a acessibilidade dos lugares”, conta Vanessa.

A alegre Vanessa chama a atenção, por fi m, para a importância da conscientização também do cidadão comum. “Claro que há muitas coisas a fazer, mas acho que é preciso mudar um pouco a cabeça da população, não só dos governantes e dos prefeitos. As pessoas têm que aprender a respeitar e entender que não podem, por exemplo, estacionar carro em cima da calçada. Mas estamos avançando”, reconhece.

Falar do tema mobilidade urbana/transportes é pensar antes de tudo no direito civil de qualquer cidadão de poder ir e vir com liberdade. Porém, para pessoa com defi ciência, essa ainda é uma questão não atendida plenamente em todo Brasil.

investimentos para garantir a acessibilidade, tanto nas áreas de infraestrutura como de transporte, já estão em curso, mas os avanços podem ser bem maiores e signifi cativos se essa questão se transformar de fato em uma política de estado.

É o que defendem o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, o secretário estadual de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Roberto osorio, e o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, mediados pela deputada estadual Tania Rodrigues (PDT), duran-te o primeiro painel sobre mobilidade urbana e transportes no I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência.

“Esse debate é o começo da implantação de uma política de es-tado para tratar da questão do direito da pessoa com defi ciência. Cadeirante e militante do movimento da pessoa com defi ciência há mais de 30 anos, tenho a expectativa e a esperança que, juntos, iremos fazer um grande trabalho. Foi importante o RioSolidario colocar esse tema na agenda do governo. O debate serve não só para conscientizar a sociedade, mas também para alertar o poder público”, afi rmou a deputada Tania Rodrigues.

Page 14: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

24 25 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

GILBERTO KASSAB, ministro das Cidades

A questão da mobilidade é hoje uma das mais importantes no Brasil. Também é essa a questão que mais afl ige a pessoa com defi ciência e sua família. E é, ainda, a mais difícil e que requer mais recursos para fazer uma política de transição (consiste em adaptar o que já existe e o que foi construído anteriormente sem considerar as necessidades das pessoas com defi ciência).

Depois que a política pública criada para acessibilidade é absorvida, o custo se torna irrisório, pois já está incorporado no orçamento antes da implementação do projeto. O programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, por exemplo, não tem custo nesse sentido, porque a construtora é obrigada a entregar o imóvel já adaptado para o defi ciente. Então, quem constrói já conhece e faz os projetos contemplando as dimensões e equipamentos necessários a serem instalados.

Outro exemplo é na cidade de São Paulo: a adaptação dos ônibus, num primeiro momento, teve um investimento muito alto. É caro mudar uma cidade que possui 15 mil ônibus. Para adaptá-los à acessibilidade, é necessário um programa de transição, que preveja todas as renovações com a adaptação para o defi ciente. Concluída esta transição, o custo passa a ser zero.

Então, qual é a palavra-chave? A palavra-chave é política de estado. Sem essa condição, não há gestão que consiga a durabilidade necessária para iniciar e concluir uma política pública de inclusão social, o que demanda tempo.

O Brasil passou a contar com políticas públicas, voltadas para as pessoas com defi ciência, em 2004. Marco e referência são o Decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004, que regulamenta a Lei 10.048 (8 de novembro de 2000), e dá prioridade de atendimento às pessoas com defi ciência; e a Lei 10.098 (de 19 de dezembro de 2000), que estabelece normas gerais e critérios válidos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de defi ciência ou com mobilidade reduzida.

Não há cidadão que, quando convidado ou convocado, se negue a atender uma causa como essa. É importante ter uma política de comunicação efi ciente, em um estado e uma cidade com a dimensão do Rio de Janeiro.

Page 15: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

26 27 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

Não há como não contar, a partir disso, com a solidariedade e o apoio do Poder Executivo e todas as suas secretarias e do Poder Legislativo na aprovação das leis propostas para que se caminhe cada vez mais rumo ao Brasil como país exemplar na questão das políticas públicas.

O avanço é possível em qualquer cidade desde que haja apoio dos governos estaduais e federal porque os pequenos e médios municípios têm uma incapacidade fi nanceira muito grande.

O Ministério das Cidades foi criado para que o Governo Federal pudesse, por meio de políticas públicas e investimento em obras de infraestrutura, oferecer melhorias às cidades, pequenas, médias ou grandes que, para parte dos municípios, seria totalmente impossível diante do orçamento que eles têm. Essa é a razão para dizer que o Ministério das Cidades está à disposição nessa causa. É sua obrigação como poder público.

CONVERSANDO SOBRE O TEMA

peRGUntA Meu nome é Carmen Fogaça, sou da Coordenadoria de Acessibilidade de Niterói. Tivemos a aprovação da Lei Brasileira de Inclusão (10/6/15 pelo Senado) e um dos artigos nessa lei é relativo à calçada. Ela vai passar agora a ser de responsabilidade dos gestores municipais. Nossa preocupação, falando de orçamento, é como se vai pensar esse apoio aos municípios com a aprovação da lei e essa obrigatoriedade.

GiLBeRto KAssAB, ministro das Cidades É correto que a questão das calçadas seja de responsabilidade municipal e do poder público. Mas, o difícil é ser bem-sucedido no objetivo de criar por todo Brasil calçadas exemplares, com acessibilidade, se não houver um dinheiro carimbado para esse fi m. Quando se está à frente de uma prefeitura, não há um dia do ano que se acorde sem uma urgência e o caixa vazio. É uma chuva intensa que deixou desabrigados, uma cratera na rua, é um hospital que deixou de funcionar, é uma escola que foi incendiada e precisa encontrar outro equipamento para os alunos não fi carem sem aula. É lógico que a calçada fi ca em

segundo plano e é correto que seja assim. Então, existem políticas públicas que, se não tiverem um recurso carimbado, difi cilmente nós vamos conseguir implantar.

Não acho errado, por exemplo, haver uma lei, seja no município, no estado ou até federal, que obrigue no IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) a ter um fundo, pago por quem contribui com o imposto, com dinheiro carimbado para calçadas. Não tem outro jeito, não há prefeito que vá conseguir dar prioridade a essa questão se não tiver um dinheiro carimbado, um fundo único e exclusivo para calçadas. E com critérios defi nidos com muito cuidado para que não haja risco de desvios de recursos sob alegação de que tudo é calçada.

peRGUntA Meu nome é Izabel Maior, sou conselheira do Conselho Estadual da Pessoa com Defi ciência do Rio de Janeiro e também do Conselho Municipal da Pessoa com Defi ciência. Fui secretária nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Defi ciência, em Brasília, durante oito anos, e o Decreto da Acessibilidade foi o meu primeiro trabalho, coordenando 11 ministérios para que tivéssemos essa legislação no Brasil.

O Ministério das Cidades tem no momento um instrumento de extrema importância que é o Plano de Mobilidade das Cidades. E o Plano de Mobilidade, através da legislação, da política nacional de mobilidade urbana, traz todos os requisitos de acessibilidade necessários, reforçando a ideia do decreto. Gostaria de saber: quando as cidades entregam o plano, o Ministério das Cidades verifi ca se itens relativos à acessibilidade estão contemplados? O outro ponto que gostaria de lembrar é que temos, dentro do Ministério das Cidades, a Diretoria de Acessibilidade, com os projetos que devem ser apoiados por todas as cidades que o apresentem. Mas até onde eu sei, está faltando assessoria técnica para os projetos.

GiLBeRto KAssAB A sua colaboração por um Brasil mais justo, mais inclusivo, é referência para todos nós. A questão do Plano de Mobilidade está sendo muito bem acompanhada. Mas volto a dizer, e aí um pouco o espírito prático de alguém que foi prefeito sete anos

Page 16: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

28 29 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

CARLOS ROBERTO OSORIO, secretário estadual de Transportes do Rio de Janeiro

A questão da mobilidade urbana/transportes está no centro das necessidades de políticas públicas para pessoas com defi ciência no Estado do Rio de Janeiro e também do Brasil. Há defi ciências quanto à acessibilidade no sistema de transportes públicos do estado. Essa é uma realidade, infelizmente, presente no dia a dia de milhões de pessoas.

Para se ter ideia do tamanho do desafi o: apenas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (21 municípios, incluindo o Rio de Janeiro), com 12 milhões de habitantes, realizam-se todos os dias 22 milhões de viagens, sendo que, desses 22 milhões, 15 milhões de viagens são por transporte público. E a rede de transportes tem avanços em alguns setores, mas ainda tem muitos problemas.

O Governo do Estado do Rio Janeiro vai avançar na questão de acessibilidade do sistema de transporte com investimento em curso nos trens, na expansão da rede metroviária, na aquisição de novas barcas e na construção de novos corredores BRTs (da sigla em inglês Transporte Rápido por Ônibus). Todos preveem a acessibilidade plena na sua implementação.

A começar pelos trens, o Rio tem gravíssimos problemas de mobilidade nas 106 estações da SuperVia (empresa concessonária que opera o sistema). Esse sistema foi construído nos anos 30, 40 e 50 quando a acessibilidade não era, infelizmente, uma prioridade na sociedade. Isso gerou um enorme passivo. O Governo do Estado pretende reformar todas as estações e dar acessibilidade a todas elas. É impossível, pelas condições de recursos, fazer tudo isso ao mesmo tempo, mas já há alguns avanços em relação a esse tema.

Todas as estações implementadas e reformadas até agora já estão acessíveis. Nesse momento (junho de 2015), seis estações estão em reforma: São Cristóvão, Engenho de Dentro, Deodoro, Magalhães Bastos, Vila Inhomirim e Leopoldina, e além dessas já foram concluídas e entregues as estações de Madureira e de Saracuruna.

Foi elaborada uma agenda pesada de reformas de estação para executar, mas ainda vai demorar um pouco para que se possa dizer com orgulho que o sistema ferroviário do Rio de Janeiro, sucateado durante anos, é acessível.

(da cidade de São Paulo): é fácil estar nos planos, mas nada adianta estar no plano e o município não ter o recurso para fazer.

É preciso ter os recursos disponíveis e se esses recursos não forem carimbados, a calçada sempre estará no fi m da fi la. E é correto que seja assim, porque as urgências são sempre muitas. Diante, por exemplo, de dez famílias que perderam suas casas em uma chuva, a prefeitura tem que encontrar um auxílio aluguel, e não sobra dinheiro para a calçada.

A calçada sempre é o patinho feio da fi la. Não que não seja importante para o Brasil, mas prioridade é prioridade. Se tivermos um recurso carimbado, teremos condições de avançar muito naquela que considero uma das principais preocupações de quem pensa em acessibilidade no país.

peRGUntA Meu nome é Regina Cohen, sou arquiteta, coordenadora do Núcleo de Processos da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e atualmente conselheira municipal da cidade do Rio de Janeiro. Você falou muito da sua gestão como prefeito da cidade de São Paulo e de verbas carimbadas. O ministério está destinando alguma verba agora para as calçadas?

GiLBeRto KAssAB É importante entender que o Ministério das Cidades habilita e fi nancia projetos, mas não executa projetos. Então, o RioSolidario, por meio do Ministério das Cidades, poderá ter projetos do Estado do Rio de Janeiro, ou de qualquer um de seus municípios, habilitados a serem selecionados para fi nanciamentos pelos fundos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), do Orçamento Geral da União ou do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

O Ministério das Cidades também dará apoio e irá, junto com o RioSolidario, ao Ministério do Planejamento para mostrar a importância dos projetos já habilitados. Mas a cidade do Rio, o Estado do Rio e outros municípios poderão contar com o nosso apoio e nosso engajamento para que seus projetos sejam viabilizados.

Page 17: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

30 31 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

O sistema metroviário é um ponto forte. Ainda com alguns problemas, mas o metrô do Rio de Janeiro foi avaliado pela Associação Mundial de Metrô, na categoria de metrô com boa acessibilidade e categoria padrão A no mundo, ao lado dos metrôs de Hong Kong, Pequim, Londres e Barcelona.

Ainda é preciso avançar em algumas questões ligadas ao metrô, a serem corrigidas, mas trata-se de um exemplo importante. O metrô não nasceu acessível e, posteriormente, teve que ter investimentos pesados em acessibilidade. Todas as novas estações em construção passaram a ter padrão internacional de acessibilidade, como as da Linha 4.

As barcas não são acessíveis e as antigas têm problemas. Houve avanços e investimentos nas estações, mas os equipamentos não estão acessíveis à pessoa com defi ciência. Já as novas barcas estão dentro dos padrões. Aliás, a nova embarcação chinesa foi a única aprovada em vistoria técnica com 100% de acessibilidade. O sistema aquaviário também é muito antigo, com 40, 50 anos de uso. Esse é um passivo que está em vias de ser solucionado com a chegada das novas embarcações.

Com os ônibus há problemas. Hoje, no sistema rodoviário do Estado do Rio de Janeiro, a grande maioria dos veículos já está adaptada com elevadores, porém, com graves problemas de funcionamento. Não adianta ter o elevador se o elevador não funciona. Não adianta ter o elevador de má qualidade, mal posicionado. Não adianta ter o elevador e internamente o espaço para a cadeira de rodas não está adequadamente localizado.

O caminho para solucionar esses problemas e avançar no transporte intermunicipal é a licitação, o que o Governo do Estado do Rio vai realizar até o fi nal desse ano (2015). Essa licitação será feita por meio de edital e serão aprimoradas as exigências com respeito aos padrões de acessibilidade dos veículos. Mais importante do que isso, é ter as ferramentas que possibilitarão o Estado do Rio a cobrar, exigir das empresas a melhoria dos serviços e dos equipamentos para o atendimento às pessoas com defi ciência.

Existe outro tema importante a ressaltar: o Vale Social. É uma gratuidade em trens, metrôs, barcas e ônibus intermunicipais para doentes crônicos e defi cientes físicos, auditivos, visuais e mentais. Esse é um benefício que existe no Estado do

Rio de Janeiro, mas que não é amplamente utilizado. O desafi o é disponibilizar este benefício já existente para mais pessoas a partir, sobretudo, de sua divulgação.

Também é meta do Governo do Estado tentar parcerias com as prefeituras, por meio de convênios, como o que foi feito com Niterói para que o Vale Social do estado possa ser utilizado também na rede municipal de transporte. É fundamental ter essas parcerias para que os cartões sejam unifi cados. Não faz sentido ter um cartão para o estado e outro para o município. Esta é uma das nossas metas.

CONVERSANDO SOBRE O TEMA

peRGUntA Sou Paulo Sérgio Barcelos. Como o Governo estadual e a Secretaria de Transportes vão interagir com as ações estabelecidasnos planos municipais na mobilidade urbana, já que algumas diretrizes permeiam alguns municípios, por exemplo, transporte intermunicipal?

CARLos RoBeRto osoRio, secretário estadual de transportes do Rio de Janeiro O Governo do Estado, por decisão do governador (Luiz Fernando) Pezão, se coloca à disposição de todos os municípios do Rio de Janeiro para ser parceiro na elaboração dos planos municipais de mobilidade urbana, que é uma obrigação, uma exigência legal do Estatuto das Cidades e que cada município está trabalhando para elaborar o seu.

Fizemos uma reunião com todas as secretarias de Transportes da Região Metropolitana para que pudéssemos antes fazer um planejamento coordenado e integrado. Primeira coisa, é que esse planejamento tem que ter uma base comum. Não adianta Niterói trabalhar em cima de uns dados; São Gonçalo de outros dados e Maricá, outros. Obviamente que não vai funcionar. Então, o Governo do Estado concluiu a elaboração do Plano Diretor de Transportes Urbanos da Região Metropolitana, fi nanciado pelo Governo Federal. Foram feitas mais de 250 mil pesquisas e nós temos um banco de dados riquíssimo, com origem e destino e modal de transportes de cada uma dessas 22 milhões de viagens realizadas na Região Metropolitana.

Page 18: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

32 33 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

Esse plano vai ser referência para que cada município organize o seu plano numa base comum. E nós estamos fazendo esse trabalho de interlocução com os municípios de modo que os planos sejam, enfi m, compatíveis. E o Governo do Estado, como integrador, está fazendo o seu papel através do diálogo com os municípios. Temos uma grande oportunidade também no quesito mobilidade e acessibilidade, que devem constar nos planos municipais.

peRGUntA Sou Charles de Sousa, do Conselho da Pessoa com Deficiência de Duque de Caxias e da Comissão da Pessoa com Defi ciência da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro). O Município de Duque de Caxias já fez a parceria com o Governo do Estado. Com isso, eu uso o Vale Social dentro do meu município. Muitos municípios, no entanto, ainda não fi zeram.

Tramita na Alerj um projeto de 2009, desarquivado pelo presidente da Comissão da Pessoa com Defi ciência, o deputado Márcio Pacheco, que trata da unifi cação dos passes dos modais que são de competência do estado. Tem passe do metrô, passe do trem, passe do ônibus. Para nós, que somos cegos, é uma difi culdade ter tantos passes.

Por se tratar de uma lei de competência do Executivo, nós, os deputados, só podemos fazer uma indicação legislativa, que já tramita na Casa. Necessário agora é que o governador mande mensagem para a Casa unifi cando os passes de todos os modelos de transporte — trem, metrô, barcas e ônibus intermunicipal, que é de competência do estado. E para dar realmente acessibilidade, o cartão único deve ser escrito também em braile.

Outro ponto que gostaria de ressaltar diz respeito à SuperVia. Infelizmente essa empresa não cumpre a Lei estadual 2.718 de 1997, que trata do assento preferencial e acessibilidade. Por exemplo, é muito diferente a forma com que o Metrô e a SuperVia tratam a pessoa com defi ciência. O MetrôRio não funciona 100% mas, em comparação à SuperVia, é uma maravilha no que se refere às pessoas com defi ciência visual. No metrô, funcionários ajudam as pessoas com defi ciência a entrar e sair dos carros. Isso dá maior segurança.

Page 19: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

34 35 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

Chamo atenção ainda para a necessidade de um trabalho do Detro (Departamento de Transportes Rodoviários do Rio de Janeiro) mais efetivo, pois existem várias denúncias que chegam à comissãoe que são enviadas ao Detro e não percebemos uma fi scalizaçãomaior dos ônibus. E a questão também do descumprimento da Leiestadual 2.712 de 97, na qual, nós, pessoas com defi ciência, podemos parar fora do ponto, e isso não é cumprido.

CARLos RoBeRto osoRio Com relação aos municípios, você tem razão, pela Constituição Federal, o Governo do Estado não tem como obrigar um município a aderir a um programa estadual. Hoje, dos 92 municípios, 31 aderiram ao Vale Social estadual, que tem valor na rede municipal desses 31 municípios. O nosso desafi o, e aí contamos com o trabalho de articulação do RioSolidario, é sensibilizar os demais municípios para que se tenha 100% de participação.

ponto De VistAMARiA LUCiA CAUtieRo HoRtA JARDiM, primeira-dama do Governo do estado do Rio de Janeiro e presidente do Riosolidario Quero aproveitar essa oportunidade. Porque, o que compete ao RioSolidario? Nós não vamos ter uma política de ponta, de ação, de atividades-fi m voltadas para a pessoa com defi ciência. Mas o papel que eu trouxe para o RioSolidario é fazer essa articulação. Nós depois vamos ter um grande dever de casa para fazer e eu me comprometo a ser uma pessoa que coloque debaixo do braço todas as demandas que vocês estão trazendo à baila aqui. Já temos uma comissão permanente e estamos discutindo essas demandas e essas posições. Eu acho que esse papel de articulação é o papel que cabe ao RioSolidario, e vocês podem ter certeza que eu vou olhar isso com muito carinho.

CARLos RoBeRto osoRio Estamos articulando as concessionárias com relação à unifi cação dos vales, enfi m, dos cartões para modais, que são de competência do Governo do Estado — metrôs, trens, barcas e ônibus intermunicipais. Vocês sabem por que não existe uma unifi cação? Porque as empresas gostam de botar difi culdade, porque ninguém gosta de dar gratuidade. A verdade é essa.

Infelizmente, as concessionárias ainda não têm o espírito público, a grandeza de compreender que são concessionárias de serviço público e que ninguém está dando nada de graça, é uma exigência legal e o estado remunera essas concessionárias por isso. Então, essa é uma questão da competência do Poder Executivo estadual, e vamos fazer essa unifi cação, para facilitar, entre os modais do estado. E vamos contar com o poder de articulação do RioSolidario para que se possa ter os 92 municípios integrados à nossa rede. Claro que não vamos obrigar um prefeito, mas eu duvido que algum deles não vá se sensibilizar com uma causa como essa. Nós vamos conseguir avançar muito nesse tema.

MARCo CAstiLHo, superintendente de políticas para pessoa com Defi ciência da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro. Secretário, apenas voltando à questão do Charles (de Souza). A respeito da reclamação que ele traz, da forma que as pessoas com defi ciência têm sido tratadas na SuperVia, nós também temos recebido várias reclamações nesse sentido na superintendência, e por conta desta, entre outras razões, convocamos os representantes da SuperVia para uma reunião para tratar desse assunto.

CARLos RoBeRto osoRio Nós sabemos das defi ciências que temos no transporte rodoviário de passageiros. Esse modal, à diferença do trem, do metrô e da barca, é hoje operado por dezenas de operadores distintos. Nós temos a SuperVia que opera todos os trens, então é um único ponto de contato; o MetrôRio que opera o metrô; a CCR Barcas que opera as barcas. Porém, nos ônibus intermunicipais, nós temos uma quantidade muito grande de empresas, empresas de qualidades diferentes, de modos de atuação diferentes, que nós vamos unifi car e corrigir com a nossa licitação.

O que estamos fazendo hoje, dentro desse direcionamento do Detro, é intensifi car a fi scalização dos temas relativos à acessibilidade, com a participação de pessoas com defi ciência. Um deles está aqui que é o Fabinho (Fernandes, assessor da Secretaria de Governo do Estado

Page 20: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

36 37 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

do Rio de Janeiro). Ou seja, estamos trazendo o usuário à fi scalização para que possamos ter uma melhor efetividade. E estamos também com um programa de ir às garagens de ônibus para uma fi scalização mais efetiva. E vamos ampliar nossos canais de comunicação. O Detro está investindo, está se capacitando para isso. E vamos querer ter junto com vocês uma frente, um ponto de entrada de comunicação, de modo que nós possamos, de maneira mais ampla, ouvir e responder.

RODRIGO NEVES, prefeito de Niterói

A maior mudança no tratamento das questões da pessoa com defi ciência nos últimos 20 anos é a forma como esse debate vem se construindo no Rio de Janeiro e no Brasil. O tema saiu de uma ótica da benemerência, meramente assistencialista, para uma questão de direito, de política pública, de política de estado.

E a outra mudança extraordinária, resultado em boa medida do esforço, da luta e da dedicação dos que defendem essa causa, é a mudança de comportamento da sociedade, da própria pessoa com defi ciência, que não é mais aquela visão da assistência, mas do protagonismo. Ou seja, a pessoa com defi ciência não está mais discutindo, a exemplo desse primeiro encontro, numa perspectiva de receber um favor, mas como protagonista e construtora das conquistas que vem tendo nas cidades, no estado e no país.

Antes do Decreto de 2004 e da consolidação da Lei da Inclusão (em10/06/2015), no Senado Federal, houve um longo processo de participação, de mobilização das pessoas com defi ciência no Brasil todo. As coisas não aconteceram tão facilmente. Houve muita luta. É gratifi cante, então, compartilhar a experiência de Niterói para que também outros municípios do estado possam incorporar essa agenda tão importante.

Em Niterói, a prefeitura tem uma visão holística, da cidade como um organismo vivo, ou seja, a cidade, para ser sustentável, para ser saudável, tem que ser de todos. E é nessa perspectiva que foi estruturado em Niterói um plano de trabalho, chamado Niterói Que Queremos. E os indicadores da cidade são motivo de orgulho.

Niterói tem o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado do Rio; o maior índice de escolaridade do estado; o melhor índice de saneamento; mas a busca é mais além. Por isso foi estruturado esse plano de metas, com a participação da sociedade, para os próximos 20 anos.

Nesse plano está a meta que foi defi nida pelo Governo Municipal e pela sociedade, com a liderança do trabalho da Tania Rodrigues (deputada estadual), de fazer de Niterói a cidade mais acessível da Região Metropolitana.

Será um longo caminho, nem todos os problemas da cidade, do ponto de vista da acessibilidade, foram resolvidos, e nem serão resolvidos no curto prazo. Entretanto, é importante estabelecer metas, pactuar com a sociedade, e que sejam metas públicas para que a sociedade, inclusive os movimentos das pessoas com defi ciência, acompanhem, fi scalizem e possam cobrar seu cumprimento. As metas foram, então, estabelecidas considerando três pontos.

Primeiro, a questão da estrutura administrativa da prefeitura. A criação de uma Secretaria de Acessibilidade não resolve o problema de enfrentar o tema com a visão intersetorial, transversal, que ele tem que ter, com um envolvimento de todo o governo. Por isso, com status de secretaria, foi criada uma Coordenadoria de Acessibilidade, vinculada diretamente ao gabinete do prefeito. A questão da pessoa com defi ciência tem que ser desafi o do conjunto da prefeitura e do governo.

O segundo ponto foi a implantação do plano de acessibilidade. Estruturou-se um plano, envolvendo todo o governo e a sociedade, dentro do plano estratégico da prefeitura: o Niterói Que Queremos. O plano inclui metas de curto, médio e longo prazos, cujo objetivo é fazer da cidade a mais acessível da Região Metropolitana.

E a partir da coordenadoria e do plano de acessibilidade, no terceiro ponto, foi estruturado, com a escuta da sociedade, um conjunto de iniciativas e ações transversais na Educação, na Saúde, também voltadas para a mobilidade e o transporte. Essas ações e projetos foram organizados numa agenda.

Todas as unidades de educação, todas as policlínicas novas são acessíveis; e as antigas, a partir do trabalho da coordenadoria, foram adaptadas. No programa

Page 21: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

38 39 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

Ponto a Ponto, a prefeitura oferece transporte entre a casa da pessoa com defi ciência e as instituições e entidades que elas frequentam. Muitas vezes as pessoas não têm sequer condições de chegar a um ponto de ônibus e precisam de ajuda para acessar, por exemplo, os programas de reabilitação.

Da mesma forma está em execução uma política relacionada à adaptação da frota de ônibus que, hoje (junho de 2015), já tem 80% dos veículos com piso semibaixo. A meta é chegar a 100% até o início de 2017. O transporte escolar também é acessível porque em Niterói há um Programa de Educação Especial.

A acessibilidade é prioridade em projetos da cidade nas áreas de infraestrutura e de mobilidade. Entre os exemplos estão o programa Calçada Livre, com retirada de canteiros para liberar o fl uxo de pessoas, e os projetos de urbanização de ruas com instalação de rampas. Outros são o de praças, onde foram instalados brinquedos adaptados, e o Praia Sem Barreiras, para dar acesso até 2017 a todas as praias de Niterói, levando pessoas com defi ciência à areia e ao mar.

No transporte, melhorando a mobilidade na cidade, os novos ônibus do BHLS (sigla em inglês para ônibus de serviço de alto nível) já contemplam os itens de acessibilidade em seu projeto original. Acessibilidade também está no eixo central de serviços bem específi cos, como a oferta de traslado pela Central de Libras (Língua Brasileira de Sinais), com o acompanhamento de intérpretes para intermediar a comunicação entre usuários não-ouvintes e os atendentes de serviços públicos.

Mais do que uma mudança de atitude, é preciso uma mudança de cultura. O Brasil vive hoje um ambiente de certa intolerância. A intolerância com quem pensa diferente, com quem é diferente. Na questão da inclusão da pessoa com defi ciência, mais do que simplesmente mudar a atitude, é preciso mudar a consciência.

CONVERSANDO SOBRE O TEMA

peRGUntA Sou André Santos. A prefeitura contratou por concurso, e por contrato quando foram concluídas as vagas disponíveis nos concursos, para que todas as escolas pudessem ter, em todas as regiões

da cidade, polos de Educação Inclusiva. Então, temos, por exemplo, uma escola no Fonseca, na Região Norte de Niterói, com todas as condições de desenvolver um programa de Educação inclusiva.

RoDRiGo neVes, prefeito de niterói Evidentemente que isso é um processo de não segregar, de não separar a pessoa com defi ciência, por isso o esforço com o programa Ponto a Ponto; por isso o transporte escolar para crianças com defi ciência e por isso o esforço para que todas as escolas possam receber na rede pública as pessoas e as crianças com defi ciência.

peRGUntA Sou Paulo Sérgio Barcelos. Como o plano de acessibilidade se articula com outros planos, sobretudo os planos relacionados ao planejamento urbano: plano diretor, plano urbanístico e a lei de calçadas, já que nós, de Niterói, aprovamos uma legislação para calçadas muito antes da lei federal (a Lei da Inclusão)?

RoDRiGo neVes Evidentemente que nessa perspectiva intersetorial, transversal, eu diria que o planejamento urbano é estratégico, fundamental. Se as metas não estiverem inseridas no planejamento urbano do plano de acessibilidade, provavelmente será uma letra morta. Então, é fundamental que isso seja incorporado nos planos diretores, nos planos urbanísticos, no caso, na nossa lei de calçadas para cada empreendimento, seja público ou privado.

peRGUntA Sou Alessandro Câmara, cedido à Coordenadoria de Acessibilidade. A melhor forma de você proteger o governo do qual você faz parte é conversando com esse governo e apontando as situações. E isso que estou apontando já vem acontecendo e não tem tido solução. Na Alameda São Boaventura, os sinais sonoros não funcionam. Também as calçadas do Fonseca se transformaram em estacionamento. Eu sou defi ciente visual, minha esposa também, minha fi lha também. Certa vez quase fui atropelado ali, em cima da calçada.

Então, peço a aceleração da implantação de sinal sonoro e a reparação dos que já existem. Também peço para que o senhor convoque o

Page 22: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

40 41 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Uma cidade para todos

“doutor reboque” para rebocar os carrinhos que fi cam nas calçadas. Porque todo mundo reclama dos políticos, mas todo mundo quer colocar os seus carrinhos na calçada. E eu acho que eu tenho o direito de passar com a minha fi lha.

RoDRiGo neVes Pode fi car tranquilo. Alessandro, acho que esse, de fato, é o protagonismo que eu mencionei. A sua advertência, cobrança, é muito útil e positiva. Como eu disse, a cidade é um organismo vivo. Por mais zeloso que o prefeito, o administrador seja, é impossível cuidar e olhar diariamente todas as comunidades e bairros, por isso é tão importante criar mecanismos de participação e de escuta. Então, pode ter certeza que eu vou pedir ao “doutor reboque” para tomar uma atitude mais fi rme lá e também com relação à sinalização sonora na Alameda.

Fotospág. 14 (foto ao alto), da esquerda para a direita, Tania Rodrigues, Carlos Mariani Bittencourt, Gilberto Kassab, Luiz Fernando Pezão, Maria Lucia Cautiero Horta Jardim, Márcio Pacheco, Cezar Vasquez, Sérgio Ricardo Martins de Almeida e Georgette Vidor; (foto embaixo), da esquerda para a direita, Tania Rodrigues, Carlos Mariani Bittencourt,Gilberto Kassab, Luiz Fernando Pezão e Maria Lucia Cautiero Horta Jardim.

pág. 24 (foto ao alto), da esquerda para a direita, Gilberto Kassab, Tania Rodrigues, Carlos Roberto Osorio e Rodrigo Neves; (foto embaixo), público durante as discussões da Mesa Mobilidade Urbana/Transportes.

pág. 32 (foto ao alto), Carlos Roberto Osorio; (foto embaixo), plateia acompanha as apresentações da primeira mesa.

pág. 40 (foto ao alto), público ouviu atentamente os participantes da primeira mesa; (foto embaixo), Rodrigo Neves.

Page 23: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

42 43 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

FoCo NAREABILITAÇÃO

Page 24: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

44 45 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

O largo sorriso anuncia que lá vem Maurinho, assim chamado carinhosamente por todos que com ele convivem na cidade de Três Rios, no Centro-Sul fl uminense. Aos 32 anos, José Mauro Vargas Mattos transforma a inquietação em força motriz na busca pela autonomia e superação da defi ciência motora que o faz usar muletas. “Sempre procurei me entender como uma pessoa igual a qualquer outra, fazer as coisas sozinho e não fi car dependente”, diz com bom humor.

Maurinho sofreu uma paralisia cerebral durante o parto prematuro e difícil: sua mãe, como ele, sobreviveu aos efeitos da eclampsia. “Quando eu nasci, fui desenganado. Os médicos me deram uma semana e hoje estou aqui, conversando com você”, comemora. Ele já passou por dez cirurgias nas pernas; chegou a se deslocar arrastando-se pelo chão e precisou inúmeras vezes de colo para as atividades mais básicas nos tempos de escola. Nem por isso deixou de brincar de pique-bandeira ou de fazer capoeira. “Eu queria era brincar”, diz.

Tempos depois, ele experimentou a cadeira de rodas, mas preferiu mesmo encarar um treinamento mais pesado para tornar-se muletista. “Não me separo delas. Me sinto mais livre”. Só aos 20 anos passou a andar sozinho pela cidade. “Eu tinha medo no início na hora de pegar ônibus, ter que segurar a porta e apoiar a muleta ao mesmo tempo. Tomei muito tombo na rua e aprendi tudo sozinho, na garra. Eu me viro.” Porém, defende que “qualquer lugar deveria ser acessível a todas as pessoas”.

Mas é quando fala de seu trabalho e de sua casa, onde mora sozinho, que Maurinho melhor exprime seu sentimento de liberdade: “não imagina a sensação de alegria que sinto”. No programa Planeta Vida, para onde foi levado por seus fi sioterapeutas, além de receber atendimentos específi cos, conseguiu seu

A CAMiNHo DoS SoNHoSJosÉ MAURo VARGAs MAttos

Page 25: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

46 47 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

primeiro emprego. “Queria muito trabalhar e insisti. Fui voluntário por um ano até ser contratado, em 2011, como atendente”, conta ele, que recebe pessoas com defi ciência e idosos frequentadores da unidade que abriga o programa.

Para ir ao trabalho, Maurinho pega ônibus todos os dias e leva de casa a comida do almoço. Ele também fala com orgulho da nova fase da vida morando, desde 2014, em uma casa, adaptada para pessoa com defi ciência, bem mais próxima do Centro da cidade, onde fi ca seu trabalho. “Soube da possibilidade de inscrição no Minha Casa, Minha Vida (programa do Governo Federal). Consegui, e esse era um sonho”, vibra.

Da casa com cômodos mais amplos, justamente para permitir mobilidade mais fácil, não se desgruda quase nunca. “É uma felicidade imensa. É gostoso demais. E não me sinto mais sufocado”, diz ele, que ganhou dos amigos boa parte da mobília e dos utensílios domésticos.

AssistÊnCiA soCiAL

o tema Assistência Social entra em pauta sob uma ótica mais am-pla, a partir de abordagem multifuncional e intersetorial, e à luz da premissa de que é dever do estado garantir plenamente os direitos das pessoas com defi ciência.

Assim sustentam a secretária estadual de Assistência Social, Teresa Cosentino; o secretário municipal do idoso e da Pessoa com Defi ciência (PcD) de Três Rios, Willian Machado; o diretor da Associação Mote Social, Roberto Barcellos, e a presidente da FEBiEX RJ (Federação Brasileira das instituições Excepcionais), Katia Tavares Silveira Vasques, mediados pelo deputado es-tadual Márcio Pacheco (PSC): “o debate da Assistência Social contribuiu para uma proposta de intersetorialidade e suas im-plicações, objetivando políticas públicas para pessoas com de-fi ciência. E é a união entre poderes e a sociedade civil que vai apontar caminhos para uma maior organização da gestão e da rede de serviços, visando ampliar o campo de acesso aos direitos. As políticas públicas, voltadas para pessoas com defi ciên-cia, não podem desenvolver-se de forma desarticulada. É preciso esforço no sentido de investir na construção contínua das ações intersetoriais, envolvendo as políticas nas áreas como Saúde, Educação e Acessibilidade”, disse o deputado.

Page 26: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

48 49 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

TERESA COSENTINO, secretária estadual de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro

Para trabalhar com a pessoa com defi ciência, temos que partir de algumas premissas. A primeira é que as defi ciências são múltiplas. É muito comum os leigos pensarem a defi ciência física como se fosse exclusivamente a perda de movimentos dos membros inferiores, mesmo no caso dos tetraplégicos, e que acessibilidade é apenas colocar rampa por aí.

Ou pensarem em defi cientes mentais como a Síndrome de Down. E mais ainda, confundem transtorno com defi ciência, que é algo muito grave que acontece ainda hoje na rede de assistência. Temos abrigos que misturam crianças com transtorno e crianças com defi ciência. É preciso rediscutir o que é cada um com a Secretaria de Saúde.

O Sistema Único de Assistência Social - SUAS completa dez anos em 2015. É uma política nova que está se consolidando como um sistema e, em breve, poderá ter peso semelhante ao da Saúde e Educação. Conforme o Art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi ciência, defi cientes são aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual e sensorial, os quais a interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Defi ciência pode ser adquirida ao longo da vida. Não é uma doença. Não é algo que vai tratar e vai curar. É uma condição.

Cabe ao estado a garantia plena dos direitos às pessoas com defi ciência. Mas para alcançar isso, a pessoa com defi ciência precisa ser ouvida. O novo paradigma só vai ser construído com participação social. É fundamental fortalecer os mecanismos de participação e, nesse ponto, a legislação no Brasil ajuda, pois é muito moderna. A pessoa com defi ciência já tem conselho próprio nas esferas nacional, estadual e municipal. Os conselhos são grande canal para participação da sociedade civil organizada e também para acessar o estado, já que são, em sua maioria, paritários.

A Assistência Social é intersetorial pela sua natureza. Não trabalha com um problema de área específi ca (por exemplo: Saúde, Educação ou Esporte e Lazer), mas sim com a pessoa. Isso é um dos maiores desafi os em relação à política

Page 27: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

50 51 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

pública: quem fi nancia? É preciso achar uma forma intersetorial de trabalhar, mudando também o modelo do fi nanciamento dos programas e projetos para pessoas com defi ciência que hoje são custeados só pela Assistência Social. Uma sugestão é o cofi nanciamento, com a participação das outras secretarias, justamente pelo caráter transversal (envolvendo várias áreas) da política de assistência social para pessoas com defi ciência.

A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos tem que formular políticas locais para pessoas com defi ciência. Mas outras ações são desenvolvidas como a manutenção de três abrigos próprios, que reúnem cerca de 180 pessoas (em 2015) com múltiplas defi ciências: os centros integrados da Criança e do Adolescente Portador de Defi ciência Rego Barros, em Conceição de Macabu, e Oswaldo Aranha, em Barra do Piraí, além do Centro de Atividades Integradas Protógenes Guimarães, em Araruama. A secretaria também mantém a Central de Interpretação de Libras (Língua Brasileira de Sinais), assim como atende 240 pessoas por meio de sete convênios com entidades sem fi ns lucrativos.

Também a FIA (Fundação para a Infância e Adolescência, ligada à secretaria) atua conveniada a entidades sem fi ns lucrativos. Em 2014, atendeu quase 5.000 crianças e adolescentes em 81 entidades, com recursos envolvidos na ordem de R$ 28 milhões. Em Niterói, a FIA mantém um abrigo próprio onde vivem 35 crianças e adolescentes com defi ciência.

Entre os principais desafi os, além da construção de uma política estadual de direito das pessoas com defi ciência e o fortalecimento do controle social, principalmente por meio dos conselhos, estão a qualifi cação dos equipamentos públicos, para oferecerem total acessibilidade, e a dos profi ssionais para a real inserção das pessoas com defi ciência. E, mais importante ainda, a eliminação das barreiras, sejam elas físicas, sejam elas de atitudes. O ideal seria a inclusão social das pessoas com defi ciência de maneira que pudessem participar de qualquer ação que não fosse necessariamente voltada para elas.

O avanço seria a inclusão social das pessoas com defi ciência, que elas estivessem em qualquer ambiente, que elas participassem de qualquer ação, não fosse “essa é para a pessoa com defi ciência”.

WILLIAN MACHADO, secretário municipal do Idoso e da Pessoa com Defi ciência de Três Rios

A cidade de Três Rios vive a experiência concreta de assistência social voltada para as pessoas com defi ciência. Em 2009, o prefeito Vinicius Farah criou a unidade Planeta Vida que oferece atendimento para idosos e pessoas com defi ciência. A unidade reúne uma série de programas (no mesmo local com instalações adaptadas) e atende não apenas Três Rios, mas também os municípios mais próximos, que fi cam além da fronteira com Minas Gerais. A média é de 17 mil atendimentos por mês. O foco são as áreas de reabilitação física e reabilitação intelectual, habilitadas pelo Ministério da Saúde.

No Programa de Reabilitação Física os atendimentos são multiprofi ssionais para crianças, adolescentes e adultos, com lesão neurológica incapacitante, e no resgate funcional para atividades da vida diária. Além de atividades de equilíbrio postural em piscina aquecida, é oferecido o trabalho de continuidade em academia toda adaptada, com supervisão e acompanhamento de fi sioterapeuta, terapeuta ocupacional e profi ssional de Educação Física.

Seguindo a mesma linha de atendimentos multiprofi ssionais, o programa de reabilitação intelectual é voltado para crianças, adolescentes, adultos e idosos com defi ciência intelectual. Esse programa inclui a orientação dos responsáveis legais sobre maneiras de como lidar e cuidar das diferenças, com foco na inclusão social. As atividades terapêuticas e lúdico-recreativas são orientadas para a autonomia na vida diária. Além de diagnóstico precoce de audiometria para atendimento da criança, em condição de ser conduzida pelo responsável até o centro de reabilitação.

Já o programa de inclusão digital (básico e avançado) é oferecido também para surdos, com instrutor de Libras (Língua Brasileira de Sinais), e para cegos, com instrutor de Braile, apoiado pelo uso de equipamento especial como o DOSVOX.

Outro programa é voltado para a inclusão no mercado de trabalho. Além de cadastro de currículos das pessoas, a serem encaminhados em atendimento à Lei de Cotas nº 8.213, o programa faz articulação permanente com os departamentos de Recursos Humanos das empresas. A cada seis meses são promovidas ofi cinas e dinâmicas para que empresas apresentem suas

Page 28: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

52 53 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

oportunidades de trabalho. E para quem trabalha com RH, há ainda oferta de ofi cinas de habilitação em Libras e Braile.

No Programa de Protetização da Pessoa com Defi ciência são disponibilizadas cadeiras de roda, cadeiras higiênicas, muletas, andadores, próteses, órteses e demais meios auxiliares de locomoção, em parceria com ofi cinas ortopédicas credenciadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde). E há diversas no Estado do Rio. O acesso aos recursos existe, mas é preciso arregaçar as mangas e trabalhar. É possível conseguir também cadeiras de rodas especiais para crianças com defi ciência física severa ou defi ciência múltipla. E até cadeiras motorizadas, tudo via SUS. No caso da motorizada, é preciso treinamento específi co porque é um veículo.

Pessoas com defi ciência também são vítimas de maus-tratos. Por isso, na unidade Planeta Vida funciona um programa específi co de combate aos maus-tratos, onde é feita avaliação diagnóstica de denúncias e produzidos relatórios a serem apresentados ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. No caso da necessidade de institucionalização (afastamento da pessoa que sofre a violência), há o Plano de Vivência Limite, com residência inclusiva ou centros-dia adequados às pessoas com defi ciência.

É no Planeta Vida que a pessoa com defi ciência se cadastra para receber o passe livre, o Vale Social, a que tem direito para uso do transporte na cidade de Três Rios. Esse cadastro se constitui numa importante fonte de dados sobre quem são e o perfi l das pessoas com defi ciência da cidade e arredores. Ainda sobre transportes, a unidade oferece serviço gratuito de viaturas adaptadas para pessoas com defi ciências, inclusive plataforma vertical para cadeirantes, que habitem em áreas de difícil acesso ou sem cobertura de transporte coletivo.

Há também um programa específi co para as pessoas que sofrem de lesão medular, o de reeducação vesico intestinal. É um atendimento multiprofi ssional que orienta sobre como e em que momento a pessoa vai se alimentar, além do autocateterismo, o uso de bolsas coletoras de urina e as medidas preventivas contra escaras. Isso para que a pessoa não tenha problemas durante as atividades que buscam sua inclusão social.

Dois outros programas de habilitação são importantes: de Libras e de Braile. Cursos e ofi cinas estão abertos para familiares das pessoas com defi ciência,

Page 29: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

54 55 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

servidores públicos, profi ssionais de Saúde e Educação, além de estudantes de Magistério e Pedagogia, porque não adianta pensar em sucesso de inclusão sem a formação. Para Braile, são realizadas também ofi cinas de produção de material tátil para instrução de defi cientes visuais.

No programa de psicomotricidade para intervenção precoce, os atendimentos são feitos por equipes multiprofi ssionais, como no caso de crianças com lesão de plexo, desde pequenininhas. Quanto mais precoce for esse atendimento, melhor são os resultados funcionais e ganhos em termos de reabilitação. E as crianças vão se socializando, sendo muitas com autismo.

Saúde bucal é vital, e nesse programa são feitas consultas e procedimentos odontológicos. Há pessoas com defi ciência severa, física ou múltipla, cujos dentes estão com problemas. Então, tem que ter uma intervenção. E de pequena, média e até alta complexidade. Ensinamos as pessoas com lesão neurológica a reaprender a escovar os dentes com avaliação sistemática.

A unidade tem ainda o programa de ginástica artística, que é para crianças da rede pública municipal de ensino, além da ginástica artística para autistas e a de alto rendimento.

ROBERTO BARCELLOS, diretor da Associação Mote Social

A apresentação tratará, num primeiro momento, de alguns marcos históricos relevantes na construção da política de assistência social e formação das redes históricas das entidades assistenciais de interesse público.

A história começa em 1923 com a criação do Abrigo de Menores do Distrito Federal (Rio de Janeiro) que, em 1929, passa a ser denominado Instituto Sete de Setembro do Distrito Federal. Era uma unidade de abrigo voltada para crianças, mas sem qualquer proposta de sistematização.

Já na era Vargas (presidente Getúlio Vargas), em 1941, é que se vê, pela primeira vez, a sistematização e estruturação de uma política voltada para assistência social. É quando o Instituto Sete de Setembro é transformado no Serviço de Assistência a Menores (SAM), vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

Em dezembro de 1964, depois de um vazio histórico, e já na era do governo militar, é criada a FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor), que incorpora todo o patrimônio e atribuições do SAM. Competia então à FUNABEM formular e implantar a política nacional do bem-estar do menor, assim chamada naquela ocasião, em todo o território nacional. Esse é o primeiro momento que existe uma proposta de construção de uma política de abrangência para todo o território nacional.

A FUNABEM passa a ser vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social, em 1974. Mas muda para o Ministério da Habitação e Bem-Estar Social, em 1988, na aurora da nova Constituição, para voltar, em 1989, à esfera do Ministério do Interior. Com a extinção desse ministério, em 1990, a FUNABEM passa a ser vinculada ao Ministério da Ação Social e muda de nome para Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (FCBIA).

Em 1991, é criado o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e, um ano depois, o Ministério da Ação Social dá lugar ao Ministério do Bem-Estar Social, onde a FCBIA fi ca vinculada. Em 1993, há a instituição da LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social).

Marco histórico absolutamente fundamental de ser lembrado é a Declaração de Salamanca, na Espanha, em 1994. O documento é uma resolução das Nações Unidas que trata dos princípios, políticas e práticas de uma educação especial. O documento apresenta procedimentos padrão para equalização de oportunidades, assegura o direito universal de toda criança ao acesso à escola e estabelece as bases da Educação Inclusiva. Em 1995, é extinta a FCBIA.

No âmbito do estadual, a partir da instituição da FUNABEM, foram criadas as FEBEMs (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). No caso do Rio de Janeiro, que na ocasião ainda não era unifi cado, havia também a FLUBEM (Fundação Fluminense do Bem-Estar do Menor). Depois da unifi cação em 1975 formou-se a FEEM (Fundação Estadual de Educação do Menor), que passa a ser vinculada à Secretaria Estadual de Educação.

Em 1990, em virtude dos efeitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, foram aprovados novos estatutos também no estado. A FEEM então passa a se chamar Fundação Recanto (a Recanto já existia como rede de serviços

Page 30: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

56 57 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

voltada para crianças e adolescentes). Mas em 1995, a Fundação Recanto passa a se chamar FIA (Fundação para a Infância e Adolescência), já com a extinção da FCBIA e FEEM. E, em 1996, é criado o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS-RJ).

No que se refere aos adultos, a história da assistência social começa em 1942, com a criação da LBA (Legião Brasileira de Assistência), que foi o primeiro órgão público assistencial brasileiro. O objetivo da LBA era ajudar as famílias dos soldados e enviados para a Segunda Guerra Mundial.

Assim como o SAM, no qual identifi cava-se a articulação com os patronatos agrícolas nos âmbitos de educação e profi ssionalização, a LBA articulava-se com a Federação das Associações Comerciais e a Confederação Nacional da Indústria, criando uma ideia de assistência muito ligada à reabilitação profi ssional.

Com o fi m da guerra, a LBA passa a atender também as famílias necessitadas em geral no país. Em 1969, no desdobramento do regime militar, a LBA se transforma

em fundação, a FLBA, que, em 1977, sai do Ministério da Justiça e Negócios Interiores para ser vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social. E, em 1990, passa a ser integrante do Ministério da Ação Social.

Em 1991, na era Collor (ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello), a FLBA é envolvida em escândalo com diversas denúncias de esquemas de desvios de verbas, como a compra fraudulenta de 1,6 milhão de quilos de leite em pó. Já enfraquecida, em 1995, a FLBA é extinta. E, por fi m, chegando ao cenário atual, em 2004, há a publicação do PNAS (Plano Nacional de Assistência Social).

E, na sequência, em 2005, foram lançadas: a NOB-SUAS (Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social); em 2006, a NOB-RH (Norma Operacional Básica de Recursos Humanos); e em 2009, a primeira tipifi cação nacional de serviços socioassistenciais de forma geral. Em 2011, sai a Resolução 27, que vai tratar das ações de assessoramento e defesa e garantias de direitos. E, por fi m, a Resolução 34, que vai defi nir a habilitação e reabilitação da pessoa com defi ciência.

KATIA TAVARES SILVEIRA VASQUES, presidente da FEBIEX RJ(Federação Brasileira das Instituições Excepcionais)

É interessante o marco histórico (apresentado cronologicamente por Roberto Barcellos, diretor da Associação Mote Social) porque mostra toda a situação vivenciada e como isso refl ete no atendimento e execução da política da pessoa com defi ciência para a Rede Socioassistencial (municipal), que a FEBIEX acompanha. Para tratar dos desafi os, questões e impasses na construção da política de assistência social para a pessoa com defi ciência é importante lembrar desse caminho.

Antes era a rede SAC (Serviço de Ação Continuada), atualmente no Rio de Janeiro denominada Rede Histórica Conveniada, com uma proposta nacional. A partir da extinção da LBA (Legião Brasileira de Assistência) e o movimento nacional de municipalização, a rede sumiu em muitos municípios de vários estados.

Isso, porque a municipalização instituiu conselhos municipais de Assistência Social, cujo dinheiro é via fundo, e modifi cou os critérios para convênios, vetando a participação de instituições fi lantrópicas com fi ns lucrativos (só

Page 31: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

58 59 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

podem ser conveniadas as instituições fi lantrópicas sem fi ns lucrativos). Onde a rede se dissolveu, a ação sumiu, mas a demanda fi cou e não se colocou nada no lugar.

No Município do Rio de Janeiro, essa rede ainda existe, envolvendo 30 instituições com atendimento a 5.500 usuários. Na época da extinção da LBA, o valor per capita (usuários) era referente a quase três salários mínimos. E hoje (junho de 2015) por essa rede cofi nanciada (por meio das esferas públicas), o valor está em R$ 157.

A municipalização resolveu algumas questões, mas trouxe uma precarização dos serviços e, consequentemente, a diminuição das demandas e da rede para esses próprios usuários. O atendimento, que antes era intersetorial, com uma equipe multidisciplinar, acompanhada pela LBA, formada por médicos, assistentes sociais, fonoaudiólogos e outros profi ssionais, foi simplifi cado. Por exemplo, hoje no Município do Rio de Janeiro, o atendimento é realizado em duas vezes, somando apenas oito horas semanais.

Na rede FIA (Fundação para a Infância e Adolescência/Governo do Estado do Rio), a história é diferente porque, ao longo do tempo, o atendimento vem aumentando. Hoje com mais de 4.000 usuários, essa rede, pelo menos, com parte desse fi nanciamento que não é total, oferece ao usuário 20 horas de atendimento semanal, com uma proposta interdisciplinar.

A própria Declaração de Salamanca (trata de Educação Inclusiva), outro marco histórico importante, também não foi ainda assimilada porque a criança tem que estar na escola. Porém, a partir dos novos critérios, várias instituições foram criticadas e não puderam dar continuidade a seu trabalho de educação especial, que já não era fi nanciado, deixando o defi ciente sem alternativa.

É importante ter a discussão de política com uma proposta intersetorial porque a vulnerabilidade não pode ser vista por um só ângulo, o da assistência. Isso não é estratégia de gestão. É preciso abrir o leque não só para fi nanciamentos, mas também para os encaminhamentos, visando a porta de saída para as pessoas com defi ciência. É dever do estado, no seu sentido maior, garantir os direitos e informar onde acessá-los.

Falta a articulação com as demais políticas públicas (outras áreas de atuação dos governos como Saúde e Educação) que nem querem conversar. A resposta em geral é: “essa não é uma questão daqui”.

Gestão e fi nanciamento são outras críticas. Não há política sem fi nanciamento. Não existe execução sem orçamento, sem dinheiro. E ninguém sabe dizer nem mesmo qual é o custo desse serviço. A instituição busca parcerias, mas elas têm um limite. Onde então buscar dinheiro e dar continuidade às ações?

Sobre os convênios assinados (no cofi nanciamento dos governos), a situação é também preocupante. É preciso ter prazos estabelecidos para os repasses, valor de reajustes, dias certos de pagamentos, pois há uma estrutura que depende disso para o atendimento às demandas.

A política (de assistência social no atendimento à pessoa com defi ciência) precisa ter resultados, monitoramento e capacitação de profi ssionais; precisa realizar concurso público, criar a memória do trabalho para que seja de fato uma política de estado e não de governo, sob o risco de mudar tudo quando há troca de gestão no poder público.

ponto De VistAteResA Cosentino, secretária estadual de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro A FIA não faz concurso há 35 anos. A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos não tem quadro próprio de funcionários.

MARiA LUCiA CAUtieRo HoRtA JARDiM, primeira-dama do Governo do estado do Rio de Janeiro e presidente do Riosolidario Há sim problemas, mas existe uma ação, um movimento das pessoas de comprometimento com essa causa. É horrível não ter concurso público, e as carreiras no estado são fundamentais para que as políticas públicas se mantenham; o cofi nanciamento é muito aquém do que se precisa; é uma realidade que não se quer, mas agora é preciso pensar no daqui para frente, como vai mudar esse cenário.

Page 32: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

60 61 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Foco na reabilitação

O RioSolidario se compromete com as ações que podem ser pensadas em conjunto e mudem alguma coisa. Há bons exemplos, como o Município de Três Rios. Tudo o que é possível fazer nos municípios é mais perto da realidade, é mais bem feito e mais barato. O poder local é mais ágil. Quanto mais longe a esfera do governo, mais longe do cidadão.

É preciso pensar como os repasses, sejam da União, sejam do Governo do Estado, chegam aos municípios ou às pessoas que estão na ação local. Porque, senão, sempre continuará a mesma situação de falar que a transferência demora e que não há data para o repasse.

Outro momento é discutir como que desburocratiza essa ação do estado em relação às entidades, cujos repasses não podem ser tratados da mesma forma que um repasse para uma obra de um bilhão de reais. E o estado, o país, tem tratado assim. A superação da burocracia vai ajudar muito.

KATIA TAVARES SILVEIRA VASQUES

Essa não é uma situação só voltada para o Governo do Estado, mas para as três esferas do poder público. Fica bem visível que vontade política pode fazer tudo. O importante é não desistir e pensar que todo esforço e discussão estão valendo a pena.

Fotospág. 48 (foto ao alto), da esquerda para a direita, Willian Machado, Roberto Barcellos,Márcio Pacheco, Katia Tavares Silveira Vasques e Teresa Cosentino (em pé); (foto embaixo), público durante as discussões da Mesa Assistência Social, com Maria Lucia Cautiero Horta Jardim.

pág. 52 (foto ao alto), Willian Machado; (foto embaixo), plateia acompanha as apre-sentações da segunda mesa.

pág. 56, da esquerda para a direita: Willian Machado, Roberto Barcellos, Márcio Pacheco,Katia Tavares Silveira Vasques e Teresa Cosentino.

pág. 60 (foto ao alto), Roberto Barcellos; (foto embaixo), Katia Tavares Silveira Vasques.

Page 33: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

62 63 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

TRABALHARÉ PRECiSo

Page 34: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

64 65 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

Marcela Perrota, 24 anos, constantemente revive a sensação do novo e revigora a empolgação por fazer o que gosta. É parte da agenda de trabalho dela, entre outras funções como analista júnior de Desenvolvimento e Gestão, receber os grupos de recém-contratados, como ela mesma já foi um dia, na Icatu Seguros. “Me identifi co, gosto muito. Um dia minha gestora na empresa perguntou o que eu não gostaria de perder dentro das minhas atividades e não tive dúvida: o programa de integração”.

Na condução do programa, com atividades que vão da convocação dos novatos até os treinamentos, Marcela destaca o corpo a corpo presencial como o mais importante elo de integração. “É o primeiro contato daquela pessoa como funcionário”, diz. E, da mesma forma, a estreia do novato com as práticas da empresa. A anfi triã Marcela, com sua baixa estatura, característica da condrodisplasia (malformação de pernas, braços e volume do crânio), é uma das mais de 40 pessoas com defi ciência nos quadros da Icatu (junho de 2015).

“Todo mundo me recebe superbem”, afi rma Marcela, que acha importante para a inclusão social a reafi rmação positiva das potencialidades das pessoas com defi ciência no dia a dia. Formada em Administração de Empresas, pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), em 2014, foi contratada na área que diz ter a maior afi nidade. ”Sempre quis trabalhar com Recursos Humanos”, reforçou.

Ela começou como estagiária na área de Remuneração e Benefícios, vaga que encontrou por meio de um site de currículo oferecida a todo e qualquer interessado. Antes havia estagiado na Justiça Federal e também foi empregada numa empresa de telecomunicações. Ainda estagiária destacou-se, com outras companheiras, por montar um projeto de conhecimento das áreas da empresa, aproveitado no programa formal de estágio.

DE BEM CoM A ViDAMARCeLA peRRotA

Page 35: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

66 67 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

A rotina de Marcela, que mora em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio Janeiro, é puxada. Sai às 6h00 e só volta para casa por volta das 20h30. Pega trem e ônibus diariamente. Na questão da acessibilidade diz: “A cidade é ainda muito precária. Mas eu me viro bem. O problema maior é de educação, a que vem de casa mesmo. É uma questão de consciência, o saber que todo mundo deve ser tratado com respeito”.

Já no trabalho, acessibilidade não é transtorno no dia a dia dela. “Quando entrei, uma analista andou comigo pelo prédio para ver o que precisava adaptar”, lembra. A Icatu providenciou algumas adaptações, principalmente no andar onde a jovem trabalha e na área comum de convivência dos funcionários. O apoio de pé na estação de trabalho, para compensar sua baixa estatura quando sentada no computador, foi uma dessas providências.

Também o suporte de copos descartáveis do bebedouro foi reposicionado para a lateral. “Era depois de um balcão extenso e eu não conseguia alcançar”, diz Marcela. E o mesmo foi feito com o compartimento de sabonete dos banheiros. Quando Marcela foi contratada e passou a bater ponto, outra adaptação importante foi feita: a reinstalação do relógio de ponto em altura adequada ao alcance dela.

Sempre de bem com a vida, Marcela também tem histórias para contar fora do trabalho, como o intercâmbio de um mês, em San Diego, na Califórnia, nos Estados Unidos, para treinar o inglês. “Adorei”, vibra. Também gosta de esporte e dança. Fez taekwondo, ginástica rítmica e jazz. E não para por aí: “Agora gostaria mesmo é de arrumar um tempo e voltar a dançar. Tenho muita vontade de fazer stilleto, aquela dança sobre sapato de salto alto”.

Um novo olhar com alcance além do aspecto da legalidade e a necessidade de quebrar barreiras sociais estão entre os passos mais importantes rumo à inclusão das pessoas com defi ciência no mercado de trabalho. É preciso ver sob a ótica da competência e conviver com as diferenças como princípio básico da democracia.

Além desses pontos, a superintendente do instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Defi ciência (IBDD), Teresa Costa d’Amaral; a procuradora do Ministério Público do Trabalho, lisyane Chaves Motta, e a diretora de Pessoas da icatu Seguros, Maria Helena Darcy, destacam, na Mesa Mercado de Trabalho, mediada pelo deputado federal otavio leite (PSDB/RJ), que não basta só cum-prir cotas e que é essencial primar pela qualidade na ação.

“Parto do princípio de que a autonomia e a independência que cada cidadão tem direito de alcançar só pode se concretizar realmente através do trabalho. Portanto, qualifi car as pessoas com defi ciência e melhor estruturar as ações de governo e da sociedade, para que um número maior de pessoas seja ab-sorvido em postos de emprego, é política pública que, além de permanente, deve buscar aperfeiçoamento institucional constante”, diz o deputado otavio leite.

MeRCADo De tRABALHo

Page 36: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

68 69 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

TERESA COSTA D´AMARAL, superintendente do IBDD (Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Defi ciência)

A realidade é que não há uma política social discutida e implementada, ou em implementação, no Brasil. Cada um que assume quer mudar tudo e nada se resolve. Mas a cada recomeçar também há uma nova esperança. A propósito da aprovação da Lei Brasileira de Inclusão (pelo Senado Federal em 10 de junho de 2015), é absurdo o Brasil fazer mais um estatuto. Se estatuto resolvesse, os problemas da criança e do idoso estariam solucionados.

A Lei Brasileira de Inclusão só vai ser efetiva quando ela for regulamentada. Assim como a Lei de Cotas, que é a inclusão no mercado de trabalho, levou entre oito e nove anos para ser regulamentada. A Lei é de 1991 e só foi regulamentada em 1999, até que houvesse todos os procedimentos do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho. E essa lei hoje não é respeitada.

Duas questões são primordiais e básicas para qualquer um se sentir cidadão no século XXI. Uma é ter seus direitos respeitados e por isso o IBDD trabalha com defesa de direitos. E outra é que, hoje, ninguém é cidadão completo se não tiver um emprego ou um trabalho para seu sustento e de sua família. Sobre a questão da inclusão no mercado de trabalho, o primeiro dos problemas é a sociedade perceber e acreditar que a pessoa com defi ciência é competente.

Por que Roosevelt (Franklin – ele teve poliomielite, doença que comprometeu seus movimentos) foi presidente dos Estados Unidos em quatro mandatos? Por que todo mundo viu ganhar o Oscar o fi lme sobre Stephen Hawking (físico com Esclerose Lateral Amiotrófi ca, ELA, doença degenerativa com paralisia dos grupos musculares)? Por que ele seria incompetente? Ninguém olha para a defi ciência de Hawking, todo mundo olha para a competência que ele teve de mudar as leis da Física.

Mas no Brasil, e em grande parte dos países que ainda não puderam fazer essa mudança, na hora do emprego, ainda se olha para a defi ciência da pessoa e não para sua competência. Esse olhar precisa mudar. É preciso que se torne evidente que qualquer um pode ser empregado pela sua competência.

Page 37: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

70 71 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

E na hora que você emprega uma pessoa olhando para a defi ciência e não para a competência, não vai dar certo. Todo mundo só pode ser competente naquilo que conhece, naquilo que domina, e naquilo que pode produzir. Essa é uma questão que tem que ser debatida. A sociedade e o estado têm que compreender que a pessoa com defi ciência é e pode ser competente.

Outra questão é a da Lei de Cotas. A maioria das empresas não entende a Lei de Cotas como um movimento de equiparação de oportunidades. Entende ou como uma ordenação do estado ou como um favor que estão fazendo para as pessoas com defi ciência.

A questão é que a Lei de Cotas vai implementar uma equiparação de oportunidades. Tendo em vista todo o preconceito e a discriminação que existe em torno da pessoa com defi ciência sobre sua incompetência e sua incapacidade — porque na verdade foi isso que se colocou em cima delas durante anos e anos —, ninguém quer empregar a pessoa com defi ciência.

Então, se não houver uma forma de obrigar as empresas a entenderem que é preciso empregar, é preciso dar oportunidade para que a competência seja evidenciada, não se pode mudar esse quadro. Por isso a Lei de Cotas foi implementada em 1991, aprovada e sancionada. Até hoje, ela ainda não é plenamente cumprida.

Essa difi culdade existe exatamente porque as empresas ainda não perceberam a competência e ainda entendem a Lei de Cotas como uma obrigação e não como um movimento a mais de inclusão. Por outro lado, também, é preciso entender que a lei é feita para ser cumprida. Por que a Lei de Cotas de 1991, regulamentada em 1999, em 2015 ainda não é cumprida? E tanto se diz no Brasil que lei não pega e, assim, derruba-se a democracia porque desrespeita-se um princípio que é a legalidade do processo.

Porém, quando se exige o cumprimento dessa lei, ela também tem que ser cumprida com qualidade. Não é possível fazer como certas empresas, que empregam apenas para cumprir a cota de qualquer modo. O IBDD já encontrou mais de uma empresa que contratava pessoas com defi ciência e as colocava num local separado, mas estavam cumprindo a cota. Não é possível que se tenha ainda esse tipo de atitude.

A sociedade e o estado têm que dar as mãos para fazer essa mudança porque não conseguem fazer isso sozinhos. É preciso que se entenda o âmago da questão e se perceba qual foi a proposta da Lei de Cotas para que se possa cumpri-la bem.

O IBDD, no ano passado, realizou um projeto com o Instituto Phi (Philantropia Inteligente) para empregar cegos. O projeto promoveu dois cursos para 25 pessoas e a ideia foi dar autonomia ao cego no trabalho com o uso do computador. Numa segunda fase, o projeto garantia uma bolsa de três meses para que essa pessoa pudesse estagiar numa empresa apenas enquanto estivesse no curso. Da turma com 25, só um foi contratado porque apenas uma empresa, de todas que estão na rede de relações do IBDD, respondeu positivamente.

Os números do IBDD são impressionantes. Em 2013, foram empregados dois surdos, mas nenhum cego ou cadeirante. Em 2014, apenas um cego, um surdo e nenhum cadeirante. Em 2015, foram dois cadeirantes, um surdo e nenhum cego. Todo mundo só quer empregar defi cientes leves. Mas o que é defi ciência leve? Por que as empresas só querem empregar defi ciência leve? Porque é uma defi ciência que não aparece e não vai dar trabalho. Mas onde está a solidariedade de uma democracia?

A sociedade americana mudou com a volta dos que lutaram no Vietnã. Numa reunião com líderes de movimento de defi cientes dos Estados Unidos eles contaram que não foi a guerra (do Vietnã), em si, que trouxe a mudança, mas o fato de as instituições começarem a se unir. Aqui, no Brasil, todas as instituições fazem o trabalho que o estado não faz. Mas é preciso que essas instituições se unam para mudar o quadro geral na sociedade que não acredita na competência da pessoa com defi ciência.

E, por último, nada pode ser resolvido se não houver acessibilidade. A sociedade precisa exigir acessibilidade, sem ela é negado para uma parcela da população o exercício do seu principal direito, que é o de ir e vir com liberdade. E não é só esse, mas todos os direitos da pessoa com defi ciência, cidadão brasileiro como outro qualquer, têm que ser respeitado.

Page 38: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

72 73 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

LISYANE CHAVES MOTTA, procuradora do Ministério Público do Trabalho, na Coordigualdade, uma coordenadoria de combate à discriminação

No Ministério Público, a atuação é por meio de coordenadorias que tratam de temas específi cos. As coordenadorias são nacionais e congregam representantes do Ministério do Trabalho. Na Coordigualdade são três os projetos: um é o Assédio Moral, outro é Promoção de Igualdade e Oportunidade, envolvendo a questão de gênero e raça, e o terceiro é o de Inclusão nos Ambientes de Trabalho da Pessoa com Defi ciência ou Reabilitada, porque a Lei 8.213 se aplica tanto às pessoas com defi ciência como às pessoas reabilitadas.

A função institucional do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica e democrática. Tem o papel de assegurar a ordem jurídica, buscar a efetividade dos direitos sociais. E não há democracia nem justiça se uma sociedade não é capaz de conviver com as suas diferenças.

O Ministério Público não tem papel de fi scal da lei meramente repressivo. É uma atuação que vai muito além, onde se busca a parceria para tentar mudar uma cultura de preconceito e discriminação que sofrem as pessoas com defi ciência.

A Constituição tem como valor fundamental o trabalho, consagra o princípio da não discriminação, e mais, o princípio da responsabilidade social. Na relação da Lei de Cotas e a questão da responsabilidade social há razões de mercado pelas quais as empresas precisam cumprir um processo de efetiva inclusão das pessoas com defi ciência.

Primeiro, a questão da imagem da empresa cuja sociedade, hoje em rede, determina como patrimônio fundamental. Sob o ponto de vista de razões do mercado, traz o questionamento da alteridade e reforça o espírito de equipe em qualquer trabalho. Há também razões políticas que são determinadas por postura ética para promoção da diversidade e redução das desigualdades sociais. Então, as empresas estão cobertas de motivos para promoverem a inclusão das pessoas com defi ciência.

Não dá para falar em movimento de pessoas com defi ciência, articulação e parceria se não estabelecer e situar o histórico desse movimento. São três grandes momentos: o inicial, que foi o modelo caritativo do tratamento,

Page 39: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

74 75 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

empreendido na questão das defi ciências, onde as pessoas eram vistas como vítimas e mereciam a caridade e a institucionalização.

Um segundo momento, que foi um modelo médico, onde as pessoas eram vistas como portadoras de uma patologia, que mereciam reabilitação e cura. Esse paradigma precisa ser ultrapassado, pois ainda é muito presente na hora das avaliações médicas nas empresas, onde as pessoas são vistas não como seres humanos capazes e funcionais, mas de acordo com as suas limitações.

E o paradigma atual, trazido pela Convenção dos Direitos das Pessoas com Defi ciência da ONU (Organização das Nações Unidas), e referendado pelo estatuto, que é a Lei Brasileira de Inclusão, que a defi ciência não está mais no corpo do sujeito, mas ela está traduzida nas barreiras. Ela é atitudinal, relacional, social e construída no campo da cultura. Por isso, tem que ser dessa forma cercada de proteção legal, do ponto de vista do BPC (Benefício de Prestação Continuada – da política de assistência social que garante a transferência de um salário mínimo mensal à pessoa com defi ciência), que com a Lei Brasileira de Inclusão vai continuar a ser pago junto com a remuneração.

Outra questão fundamental na Lei Brasileira de Inclusão é que ela traz a necessidade de equipes multidisciplinares, da substituição da CID (Classifi cação Internacional de Doenças) pela CIF (Classifi cação Internacional de Funcionalidades). As pessoas têm que ser analisadas, num processo admissional, não única e exclusivamente por médicos do trabalho que vão dizer suas limitações. Elas serão avaliadas por uma equipe multidisciplinar, com psicólogos, sociólogos, entre outros profi ssionais que se façam necessários.

No projeto Inclusão Legal, o Ministério Público atua estabelecendo parcerias e articulações. Há muitos caminhos para a inclusão, como o estímulo à aprendizagem das pessoas com defi ciência dentro das empresas e à contratação delas por pequenas e microempresas, o que agora vem respaldado pela Lei Brasileira de Inclusão.1

1. Ao sancionar a Lei Brasileira de Inclusão de Pessoa com Defi ciência (Estatuto da Pessoa com Defi ciência), no dia 6 de julho de 2015, a presidenta da República, Dilma Rousseff, vetou dispositivo que obrigava pequenas empresas (com 50 a 99 empregados) a terem reserva de vaga para pessoa com defi ciência ou reabilitada.

Também, na área pública do trabalho, há questões polêmicas com relação aos concursos e à necessidade de formação de equipes para que não haja barreira do acesso da pessoa com defi ciência. Essa barreira não está nas provas, mas nos exames que muitas vezes barram as pessoas por serem consideradas defi cientes, sem a oportunidade de mostrarem as aptidões necessárias ao cargo e função concorridos.

É necessário promover uma inclusão, e não apenas cumprir cotas; é necessário incluir sem promover outras exclusões; é preciso capacitar profi ssionais e gestores que atuam com o tema para que adquiram uma visão sistêmica sobre a defi ciência e a equiparação de oportunidades; é necessária a promoção de acessibilidade; a utilização de parâmetros de adaptação razoável; a eliminação da discriminação por defi ciência.

Por fi m, é necessário superar o modelo médico pelo modelo social, sem perder de vista que a inclusão tem por pano de fundo o compromisso, não com a produtividade nem com o “ingresso no mercado”, mas com a formação de valores, permeados pela interdependência e solidariedade humana, visando à justiça social.

Com a proteção dos Direitos Humanos, o defi ciente se anuncia sob o signo da pluralidade e da diversidade de estilos de vida. Dentro desse novo marco teórico e político, o tema da defi ciência assumirá a centralidade da agenda das políticas sociais e da proteção social nas próximas décadas.

CONVERSANDO SOBRE O TEMA

peRGUntA Sou Joelma (de Souza Lima, do Centro de Referência de Assistência Social) de Quatis. Você falou na sua apresentação de parcerias para incluir as pessoas com defi ciência no mercado de trabalho. Quem faria essas parcerias? O mercado? Os governos?

LisYAne CHAVes MottA, procuradora do Ministério público do trabalho, na Coordigualdade, uma coordenadoria de combate à discriminação A ideia das parcerias é tripartite. Com a participação de trabalhadores, empresas e estado. Signifi ca articular o movimento social das pessoas com defi ciência, articular sindicatos de trabalhadores,

Page 40: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

76 77 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

articular empresários, e é essa parceria que eu entendo privilegiada. Que cada um, na sua atribuição, possa contribuir para transformar essa situação.

MARIA HELENA DARCY, diretora de Pessoas da Icatu Seguros (Programa de Inclusão de Profi ssionais com Defi ciência)

No cenário corporativo, a questão da diferença se impõe como uma discussão do dia a dia. Hoje são três gerações trabalhando juntas na maior parte das empresas, do estagiário de 18 anos ao profi ssional de 65 ou de 70 anos.

Também a globalização trouxe a questão dos expatriados, de outras culturas. Toda essa discussão do diferente, como conviver, como incluir, como acolher, está na pauta das empresas. Então, poderia-se dizer que a questão da pessoa com defi ciência seria mais fácil. Mas não é dentro do cenário empresarial.

Muito do preconceito de atitude vem em função do desconhecimento, da falta de informação. Em 2011, a Icatu tinha três pessoas com defi ciência em seus quadros e estava inerte. A empresa queria sair desse cenário com o entendimento de que ter profi ssionais com defi ciência é ter profi ssionais com uma competência, com uma qualifi cação, e com algumas limitações que tem-se que saber lidar.

Para isso, é preciso organizar-se internamente como empresa, da mesma maneira que seria no caso de um expatriado, vindo da China, por exemplo, que não fale português nem inglês. A área de Recursos Humanos teria que incorporar de alguma maneira esse profi ssional.

Nesse momento da Icatu é que apareceu o IBDD (Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Defi ciência), por volta de 2012, como um parceiro e uma interlocução para sair do patamar inerte e fazer algo para mudar.

Então, na ocasião pensou-se que deveria se reformar o prédio inteiro da empresa porque não é de fácil acessibilidade, mas não havia orçamento para isso tudo. Assim começou-se a discutir sobre o tema e hoje (junho de 2015)

Page 41: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

78 79 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência Trabalhar é preciso

a Icatu está com cerca de 40 profi ssionais com defi ciência, que a empresa conseguiu abrigar com medidas muito simples.

Quanto custa para uma empresa rebaixar um relógio de ponto? Quanto custa para a empresa ter no refeitório toda a parte de suporte de talheres, de copos e outros itens num nível mais baixo para que as pessoas de baixa estatura possam acessar? Então, a Icatu começou a se adaptar, dentro do seu ambiente organizacional, para que as pessoas com diferentes defi ciências pudessem ser incluídas no time de trabalho da empresa.

A proposta é garantir internamente as oportunidades, abrindo vagas para pessoas competentes, com defi ciência ou não defi ciência, por suas habilidades e desafi os.

Tudo é muito mais fácil do que a empresa previa em 2011. Há um programa na área de recrutamento e seleção, cujo nome é Indique um Talento, que um profi ssional da empresa, com defi ciência ou não, indica outro e, assim, tem chegado à Icatu candidatos qualifi cados que são recrutados.

É acolher esse novo profi ssional e acompanhá-lo dentro da empresa. Na Icatu são 1.200 pessoas trabalhando (junho de 2015) e a diversidade está ali. Por isso, todos os programas da empresa têm como objetivo a discussão das questões que tratam das diferenças e da inclusão. Há gestores que são mesmo mais reativos, aliás, reativos a muitas outras questões como ao trabalho feminino, a ter idosos e negros.

A Icatu tem pessoas com defi ciência trabalhando em várias áreas da empresa, como Administração, Contabilidade, Recursos Humanos e Informática. Algumas medidas muito simples foram adotadas para incorporar pessoas com defi ciência auditiva, com defi ciência visual, entre outras. É muito mais cotidiano e banal do que se imaginava há cinco anos (2011) quando a Icatu começou a pôr em prática seu programa de inclusão.

Isso tudo fortalece a imagem da empresa, muito no critério da empresa boa de se trabalhar, e assim deveria ser visto em vez de se gastar dinheiro no lobby para impedir as mudanças nas práticas. A cota nesse momento é muito importante para vencer esse ambiente empresarial que tem, por desconhecimento, por

falta de informação, uma reação a priori que diz “não, isso vai ser dor de cabeça, isso não vai dar certo”.

A questão que está em foco é a diversidade, a cidadania. Então, o que se tenta fazer é expandir um pouco esses limites que o mundo corporativo ainda acha que é um problema. Na Icatu não foi um problema, mas fonte de alegria. Importante voltar a dizer que a inclusão da pessoa com defi ciência necessita de providências mais simples do que se imagina e que todo mundo deveria fazer.

Fotospág. 68 (foto ao alto), da esquerda para a direita: Teresa Costa d’Amaral, Otavio Leite, Lisyane Chaves Motta e Maria Helena Darcy; (foto embaixo), Teresa Costa d’Amaral.

pág. 72 (foto ao alto): Lisyane Chaves Motta; (foto embaixo): Maria Lucia Cautiero Horta Jardim e Fernanda Honorato nas apresentações da terceira mesa.

pág. 76 (foto ao alto), na discussão da Mesa Mercado de Trabalho, da esquerda para a direita: Teresa Costa d’Amaral, Otavio Leite, Lisyane Chaves Motta e Maria Helena Darcy; (foto embaixo): Maria Helena Darcy.

Page 42: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

81 Respeito como legado80 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência

Nadador paralímpico, Clodoaldo Silva começou no esporte, em 1996, como processo de reabilitação. Em 1998, conquistou três medalhas no Campeonato Brasileiro de Natação. Depois disso, venceu vários campeonatos nacionais e internacionais, como as Paralimpíadas de Sydney (2000), Atenas (2004) e Pequim (2008). No I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência, Clodoaldo contou como driblou as difi culdades e disse que o respeito à pessoa com defi ciência será o maior legado do Rio 2016. A seguir, o depoimento do atleta.

“Apenas a partir de 2004, o torcedor brasileiro percebeu que atletas com alguma difi culdade de locomoção eram iguais a qualquer outro atleta sem nenhum tipo de defi ciência. Eu tive a felicidade e a sorte de conseguir seis medalhas de ouro em Atenas. Já participei de quatro Paralimpíadas. Além dos seis ouros, ganhei cinco pratas e dois bronzes. Em casa, são mais de 700 medalhas.

Depois dos resultados em Atenas, foram criados incentivos para o esporte e para pessoas com defi ciência. No Brasil, são mais de 45 milhões de pessoas que têm algum tipo de necessidade especial.

O meu diagnóstico clínico é paralisia cerebral por falta de oxigenação durante o parto, o que ocasionou a falta de coordenação motora nas pernas. Há muita carência de informação sobre o que é cada defi ciência. Muitas vezes, a paralisia cerebral não afeta a inteligência e o raciocínio. Não é porque você tem paralisia cerebral, Síndrome de Down ou outras defi ciências, que você não pode ser independente, decidir sobre a sua vida. Todos nós podemos contribuir para a sociedade. Nunca me senti inferior, nunca tive preconceito comigo mesmo.

Um dos meus ídolos é a dona Maria das Neves, minha mãe. Ela mora em Natal, no Rio Grande do Norte, tem 64 anos. Tenho três irmãs e um irmão.

RESPEiTo CoMo lEGADoCLoDoALDo siLVA

Page 43: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

82 I Encontro Autonomia para Pessoa com Defi ciência

Sou o único com defi ciência. Minha mãe sempre me ensinou a conseguir as coisas por merecimento.

Todas as difi culdades por que passei só me ajudaram a crescer. A única vez que pensei em desistir foi quando minha sobrinha Kayanni, hoje com 15 anos, foi diagnosticada com leucemia. Hoje ela está bem. Foi durante a preparação para os Jogos Parapan-Americanos no Rio, em 2007. Quis acompanhá-la, mas ela me convenceu a competir. O apoio familiar é fundamental. Até os sete anos, eu não andava, me arrastava ou era carregado por meus irmãos ou minha mãe. Por tudo isso, sou muito grato à minha família. E foi através do esporte que consegui dar uma moradia para cada um da minha família. É essencial que a família acredite no valor da pessoa com defi ciência.

Mas o que o esporte paralímpico trouxe para as pessoas com defi ciência? Leis que começaram a ser postas em prática benefi ciando essas pessoas. Fico feliz por ter contribuído. Minha grande esperança é que nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos no Rio de Janeiro, em 2016, o legado seja o respeito em relação à pessoa com defi ciência – um legado social, educacional, cultural.

E que não só as pessoas com defi ciência possam torcer por atletas paralímpicos como Daniel Dias, André Brasil e Edênia Garcia (natação), o Jonathan Santos (lançamento de disco), o Lucas Prado (velocista) e a Terezinha (Aparecida Guilhermina, velocista), entre tantos outros campeões. Que pessoas sem nenhum tipo de defi ciência também possam falar do Clodoaldo Silva, da Fernandinha (Honorato – atriz e repórter que apresenta programa dedicado à pessoa com defi ciência e inclusão social, com maior foco na Síndrome de Down, na TV Brasil) e ver tantas outras pessoas que não são atletas, mas que estão fazendo alguma coisa, mesmo com algum tipo de defi ciência.

A nossa responsabilidade é sermos referência para as pessoas que têm e que não têm algum tipo de defi ciência. Para que o Brasil possa ser muito mais companheiro, mais amável e mais solidário.

Page 44: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta

CRÉDITOS DA PUBLICAÇÃO

Diadorim IdeiasProdução, edição e coordenação: Diadorim IdeiasRedação e edição: Márcia Penna Firme • Apuração e texto: Marianna Salles Falcão Fotos: Luciana Whitaker • Revisão: Tânia Belarmino • Projeto gráfi co e diagramação: Tania Grillo Diagramação: Tatiana Bond • Tratamento de imagens: Inês Coimbra

RioSolidarioDireção: Liliana PinelliComunicação: Fabiane Moreira Fotografi a: Bruno Itan

AGRADECIMENTOS

Luiz Fernando Pezão, governador do Estado do Rio de Janeiro • Gilberto Kassab, ministro das Cidades • Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) • Cezar Vasquez, diretor-superintendente do Sebrae/RJ Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) • Sérgio Ricardo Almeida, presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) Georgette Vidor, secretária municipal da Pessoa com Defi ciência do Rio de Janeiro

Aos queridos amigos do Conselho Consultivo:

Fabio Fernandes, assessor da Secretaria de Estado de Governo • Márcio Pacheco, deputado estadual • Marco Castilho, superintendente da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos • Otavio Leite, deputado federal • Tania Rodrigues, deputada estadual Tifany Fiks, servidora pública

Aos palestrantes:

Carlos Roberto Osorio, secretário estadual de Transportes • Clodoaldo Silva, atleta medalhista paralímpico • Grupo de Dança Sobre Rodas “Corpo em Movimento” da Associação Niteroiense dos Defi cientes Físicos (Andef) • Katia Tavares Silveira Vasques, presidente da Federação Estadual das Instituições de Reabilitação do Estado (FEBIEX/RJ) Lisyane Chaves Motta, procuradora do Ministério Público do Trabalho • Maria Helena Darcy, diretora de Pessoas da Icatu Seguros • Roberto Barcellos, diretor da Associação Mote Social • Rodrigo Neves, prefeito de Niterói • Teresa Cosentino, secretária estadual de Assistência Social e Direitos Humanos • Teresa Costa d´Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Defi ciência (IBDD) • Willian Machado, secretário municipal do Idoso e da Pessoa com Defi ciência (PcD) de Três Rios

Aos apoiadores:

Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) • Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) • Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos / Superintendência de Políticas para Pessoa com Defi ciência • Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Defi ciência (IBDD) • Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) • Associação Niteroiense dos Defi cientes Físicos (Andef) • Binder + FCB • Acesso Tecnológico – Tecnologia para todos

À equipe do RioSolidario.

Page 45: AF RS livro10 - RioSolidario · saber tudo o que foi discutido nesta ... os direitos e as diferenças do outro é que alcançaremos o sonho de ter uma ... Maria Lucia Cautiero Horta