Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

548
 

Transcript of Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

Page 1: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Page 2: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

R ODRIGUES A LVES

 VOLUME I

Page 3: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Mesa DiretoraBiênio 1999/2000

Senador Anto nio Car los Ma ga lhães

 Presidente

Se na dor Ge ral do Melo

1º Vi ce-Presidente

Senador Ade mir Andra de

 2º Vice-Presidente

Senador Ro nal do Cu nha Lima

1º Secretário

Se na dor Na bor Jú ni or

3º Secretário

Senador Carlos Patrocínio

 2º Secretário

Senador Casildo Maldaner

 4º Secretário

Suplentes deSecretário

Senador Eduardo Suplicy Senador Lú dio Co e lho

Senador Jo nas Pi nhe i ro Se na do ra Mar lu ce Pinto

Conselho Editorial

Se na dor Lú cio Alcân ta ra

 Presidente

 Jo a quim Cam pe lo Mar ques

Vice-Presidente

Conselheiros

Carlos Henrique Cardim Carl yle Cou ti nho Ma dru ga

Page 4: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Coleção Biblioteca Básica Brasileira

R ODRIGUES A LVES

 A POGEU EDECLÍNIO DOPRESIDENCIALISMO

 Volume I

 Afonso Arinos deMelo Franco

 Brasília – 2001

Page 5: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

BIBLIOTECA BÁSICA BRASILEIRA O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997,buscará editar, sempre, obras de valor histórico e cultural e de importância relevante para acompreensão da história política, econômica e social do Brasil e reflexão sobre os destinos do país.

COLEÇÃO BIBLIOTECA BÁSICA BRASILEIRA 

 A Querela do Estatismo, de Antô nio Paim Minha Formação, de Joaquim Nabuco A Po lí ti ca Exteri or do Império (3 vols.), de J. Pan diá Ca ló ge rasO Bra sil So ci al, de Síl vio Ro me roOs Sertões, de Eu cli des da Cu nhaCapítulos deHis tó ria Co lo ni al, de Ca pis tra no de Abreu Instituições Políticas Brasileiras, de Oli ve i ra Vi a na A Cul tu ra Bra si lei ra, de Fernando Aze vedo A Organi zação Nacional, de Alberto Torres Deodoro: Subsídios para a História, de Ernes to Sena Rodrigues Alves, de Afonso Arinos de Melo Franco (2 volumes) Presidencialismo ou Parlamentarismo?, de Afonso Arinos de Melo Franco e Raul Pila Rui  – o Esta dis ta da Repú bli ca, de João Mangabeira Eleição eRepresentação, de Gilberto Amado Dicionário Biobibliográ fico deAutores Brasileiros, organizado pelo Centro de Do cu men ta ção do

Pensamento Brasileiro Franqueza da Indústria, de Vis con de de Ca i ru A renúncia deJânio, de Carlos Castello Branco Jo a quimNa bu co: revolucionário conservador, de Vamireh Chacon

Pro je to grá fi co: Achil les Mi lan Neto© Senado Federal, 2000Con gres so Na ci o nalPraça dos Três Poderes s/nº – CEP 70168-970 – Bra sí lia – DFCEDIT@ce graf.se na do.gov.br – http:/ / www.se na do.gov.br/web/con se lho/ con se lho.htm

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

  Franco, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: apogeu e declínio do presidencialismo /

 Afonso Ari nos de Melo Fran co. – Bra sí lia: Se na do Fe de ral,Con se lho Edi to ri al, 2000.

 2v.: il., retrs. – (Coleção Biblioteca Básica Brasileira) 1. Pre si den te, Bra sil. 2. Po lí ti ca e Go ver no, Bra sil. I. Alves,

Ro dri gues. II. Tí tu lo. III. Sé rie.

  CDD 923.181

Page 6: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Sumário

INTRODUÇÃO

RODRIGUES ALVES: O ENIGMA DECIFRADO?por Raymundo Faoro

pág. 11

NOTA EDITORIAL À 1ª EDIÇÃOpág.57

BIBLIOGRAFIA DE AFONSO ARINOSpág.61

UM LIVRO MONUMENTALpor Francisco de Assis Barbosa

pág.67

EXPLICAÇÃO PRELIMINAR 

pág.71

LIVRO I

CAPÍTULO PRIMEIRO

– Origens paterna e materna, pág. 81 • – Colégio Pedro II, pág. 89 • – Faculdade de Direito,pág. 92 • – O curso jurídico, pág.94 • – Política

estudantil,pág.98 • – Burschenschaft,pág. 102 • – A vocação política,pág.113

CAPÍTULO SEGUNDO

– Promotor público e juiz de direito em Guaratinguetá,pág117• –

Page 7: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de 1873,pág.121• – Sessão de 1874, pág. 122• – Sessão de 1875,pág.123 • – Casamento,pág.124 •  – Retorno à Assembléia Provincial. Sessão

de 1878,pág.125 • – Sessão de 1879,pág.127

LIVRO II

CAPÍTULO PRIMEIRO

– Deputado geral,pág. 131 • – A Câmara de 1885, pág. 138 •  – A última legislatura do Império,pág. 140 • – Presidente de São Paulo, pág.

142 • – Sessão de 1888, pág. 151 • – Sessão de 1889,pág. 154

CAPÍTULO SEGUNDO

– Deputado à Constituinte,pág. 157 • – Deputado federal por SãoPaulo, pág.161  • – Ministro da Fazenda de Floriano Peixoto,pág. 163 

CAPÍTULO TERCEIRO

– Senador por São Paulo, pág.191 • – Ministro da Fazenda de Prudentede Morais,pág.197 • – Senador por São Paulo, pág. 223

LIVRO III

CAPÍTULO PRIMEIRO

– Presidente de São Paulo,pág. 255 • – Candidato à Presidência daRepública,pág. 262 • – A dissidência paulista,pág. 271 • – Plataforma de

go verno, pág. 278 • – A eleição presidencial,pág. 280 

CAPÍTULO SEGUNDO

– Presidente eleito, pág. 283 • – Afonso Pena sucede a Sil vianoBrandão, pág. 286 • – A formação do ministério,pág. 295

CAPÍTULO TERCEIRO

Page 8: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

LIVRO IV 

CAPÍTULO PRIMEIRO

– Rio Branco e a política externa,pág. 339 • – A questão do Acre, pág. 341•– Limites com o Equador, pág. 353• – Limites com o Peru,pág. 354 • –

Limites com a Colômbia, pág. 358 • – Acordo da lagoa Mirim, pág. 358 • –Cardinalato brasileiro, pág. 359 • – A primeira embaixada, pág. 368 •

−O incidente da canhoneira Panther , pág.376• –  A ConferênciaPan-Americana de 1906,pág. 383 • – Relações entre Rodrigues Alves e

Rio Branco, pág. 396

CAPÍTULO SEGUNDO

– As grandes reformas,pág. 401 • – Passos e a reno vação do Rio de Janeiro, pág. 406 • – Lauro Müller e as obras do porto, pág. 422 • –

O Canal do Mangue, pág. 437• – Frontin e a Avenida Central, pág. 440

CAPÍTULO TERCEIRO

– Osvaldo Cruz e o saneamento,pág. 459 •  – A febre amarela, pág. 467•– A peste bubônica, pág. 484 • – A varíola e a vacina, pág. 488•  –

Re volução contra a vacina, pág. 491 •  –  A anistia, pág. 527

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

– Rodrigues Alves (deputado geral pela primeira vez),pág. 56 • – Afonso  Arinos de Melo Franco, pág. 65 • –  Avenida Central, pág. 69• – Outro aspecto da Avenida Central, pág. 70 • – Igre ja de Correlhã,

pág. 80 •  – Domingos Rodrigues Alves,pág. 115 • –  Ana Guilhermina,pág. 130 •  – Constituinte de 1891 (painel de Visconti), pág. 159 •  –

Bernardino de Campos, pág. 174 •  – Carta de Afonso Pena a R. A .(1893), pág.182 • – Prudente de Morais,pág. 194 • – R. A., ministro daFazenda (caricatura), pág.  200 • –  R. A. em outra caricatura,pág. 213 • – R. A. faz ad vertência a Francisco Glicério (car.), pág.  225 • – R. A. e o

 fundingloan de 1898 (car.),pág236 • – Campos Sales retorna da

Page 9: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

uma caixa de surpresa (car.), pág.  296 • – Correspondência entre R. A.e Rio Branco (fac-símiles),pág. 317 a319 • – Carta de Campos Sales(fac-símiles), pág. 329 a331 • – Rio Branco e os negociadores do

Tratado de Petrópolis, pág. 351 • – Chegada do Cardeal Arco verdeno Rio,pág. 363 • –  Carta do Cardeal Arco verde a R. A.,pág. 367 • –

O caso da Panther  em car. deO Malho,pág. 378 • – Delegação brasileiraà Conferência Pan-Americana,pág. 390 • – Nabuco e os participantes

da Conferência, pág. 399 • – Pereira Passos, pág.  407 • – Remodelação do Jardim da Glória, pág.  407 • – Passos, Frontin e LauroMüller, pág.  418 • – R. A. em car. deO Malho, pág. 428 • –  Avenida

Central (início dos trabalhos),pág.  445 • – R. A. e Frontin em car. deOTagarela (a propósito da Av. Central), pág.  450 • – R. A. inaugura a Av.Central, pág.  457 • – Osvaldo Cruz em caricatura de J. Carlos,pág.  462 •R. A. e as ameaças no início do seu go verno. Car. deO Tagarela,pág. 468 •

–  A luta parlamentar do combate à vacina obrigatória em car. deOTagarela, onde se destaca Barbosa Lima,pág. 474 • –  A re volta de 14

de no vembro em desenho deO Malho,pág. 508 • – R. A. venceanarquia. Desenho deO Malho,pág. 512

ÍNDICE ONOMÁSTICOpág. 537

Page 10: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Introdução

R ODRIGUES  A LVES:O ENIGMA DECIFRADO?

R  AYMUNDO F AORO

A  biogra fia que Afonso Arinos dedicou a Rodrigues Alvestema singularidade de procurar desvendar uma personalidade densa e esquiva,depouca visibilidade ao olhar, ainda queindiscreto, do historiador. Obviamente,muitas outras biogra fias seescreveramdos presidentes brasileiros, valiosas pelapesquisa dos documentos, a maioria das ve zes esparsos e, quando perdidos ouextraviados, supridos pela con jectura epelos indícios. Outras vezes, os documentos forampreservados, semque despertassema curiosidade e a fadiga dos biógra fos ehistoriadores.

 II 

 A biogra fia é, pela sua natureza, umcampo minado, ao privilegiar umpersonagem, seja pela eleição deumentreoutros, seja pela admiração cívica ou afetuo-sa do biógra fo. Tais biogra fias cuidamdepreservar o biogra fado da própria condiçãohumana, constituída pela frágil amor fa eardenteargila, su jeita às misérias e às

Page 11: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

nessequadro, têmo seu dia deDr. Jekil esua hora deMr. Hyde. A envenenadaherança deCarl yle, segundo o qual a vida social éo agregado da vida dos homens queconstituema sociedade, enquanto a história é“a essência deinumeráveis biogra fias”( The Varieties of History, Ed. Fritz Stern, 1973), costuma toldar a visão dohistoriador.

 Essa perspectiva dita dois corolários, ambos hostis à história, compreen-dida numraio mais amplo. Desdelogo, a vida política, social, religiosa, militar ouliterária do ator são meras hospedarias, quemal deixamvestígios na sua carneeespírito. Deoutro lado, a história, redutível à biogra fia, consagraria os feitos quecertoshomens, osgrandes homens, fi zerampara mudar emodelar os homens comuns,degradados a umplano in ferior que, semesses condutores, estaria condenada à medio-cridadeeàs trevas. Os pensamentos quepovoamo espírito dos “grandes homens”seriama alma da história, quenão ésenão a história deles. Eles seriama luz queafugenta a escuridão, fachos enviados pelo céu para iluminar a desamparada terra( The Varieties...)

Tais preconceitos, ostensivos ou ocultos no gênero biogra fia, não sein fil-traramna obra deAfonso Arinos, senão queencontramfrontal repulsa. Para ele, Rodrigues Alves seria uma “es finge”, nada heróica, cuja personalidadenão éumparadigma, cuja definição dependedeuma cautelosa busca, um quebra-cabeças,posto diante do biógra fo, desa fiadoramente. Por esteaspecto – pela imunidadeaoengrandecimento do biogra fado – a obra alcança umtítulo, que, mais uma vez, lhedá especial relevo na bibliogra fia histórica.

Os historiadores, entreeles especialmenteos biógra fos, compreenderam,semqueGibbon os convencesse, queos grandes homens nunca provaramsua grandeza,meras ficções sub jetivas da vassalagem. Ao contrário, eles são, perigosamente, asvítimas do próprio mito, revivendo o destino deTitus Andronicus edeOthelo. Ahistória deixou deser, ainda no século XIX, a magistra vitae, a filosofia pelosexemplos, convertendo-sena fiel servidora das ciências sociais, quesefundaria sobreos supostos irrelutáveis fatos. A invasão da ética na história, acentuando as virtudesdecertas épocas epersonagens, calando seus vícios, dita uma visão sub jetiva, nomomento emqueentrega os maus fatos ao arquivo dos fatos mortos e irrelevantes. Houveumhistoriador brasileiro, comméritos demeticuloso pesquisador, queexcluiua Revolução de1893 da história do Rio Grandedo Sul, para preservar o leitor dosanguederramado epela sinistra esórdida degola dos prisioneiros, exclusão que ospróprios admiradores de Napoleão não ocultaramo abate dos prisioneiros na

12 Afonso Arinos

Page 12: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A vida deRodrigues Alves, quesedesenvolvepoliticamentedurantecinqüenta anos, foi escrita dentro dos moldes das biogra fias do século XX, quevalori- za, sempreeclaramente, a fidelidadeaos documentos, submetidos a rigorosa veri ficação econ frontados comoutras fontes. A biogra fia contemporânea étambémuma biogra fiacrítica, semcondescender coma chamada biogra fia interpretativa, comseu sub jetivis-mo. Esta, apesar da escrupulosa pesquisa, sacri fica a neutralidade, a isenção dosvalores, a narração dramática, commuitos exemplos nas biogra fias brasileiras, semdesdenhar, emmuitos casos, desua qualidadeliterária. O exemplo universal dessetipo debiogra fia é o livro de Catherine Drinker Bowen – The Lion and theThrone, publicado em1956, saudado como modelo das biogra fias.

 III 

 A qualidadeartística da obra deAfonso Arinos sesitua no quadro dospontos altos das ciências humanas no Brasil. Alinha-sena tradição dos grandes estudosdenossa literatura, desdeUm Estadista do Império, deJoaquimNabuco,passando por Euclides da Cunha ePaulo Prado, atéSérgio BuarquedeHolanda –para não mencionar os autores vivos. Não sepensequeépací fico o louvor a essa li -nhagem. Entrenós, o historiador Pereira da Silva (1830-1897), paralelamenteaessa corrente, divulgou o preconceito contra o escritor-historiador: escritores exce-lentes e maus historiadores, semressalvar Tucídides, Tito Lívio eTácito. O histo-riador, para entrar no território da ciência – o queentão sechamava deciência –,não devia ultrapassar o artesão, a cuja guilda pertencia, meticuloso catador defatos,repudiado, como charlatão, sesucumbisseao fascínio da arte. Croce( History, It’sTheory and Practice, 1960, pág. 38) julgou inaceitável, no capítulo dedicado à falsa história, a história dita poética, quesepermitepreencher suavementeas lacunasdos textos, adicionando as particularidades queestes omitem. Ironicamente, recorda Rousseau, para quema história seria a artedeescolher, entremuitas mentiras, a quemelhor seaproximasseda verdade. Faltou di zer ondeestá a história eondemora ohistoriador queguardou, na sua mão direita, o pleno conhecimento dos fatos, aosquais deveria ser rigorosamentefiel, semquea mão esquerda, reservada à dúvida eàartecriativa, nada descon fiasseda outra.

 Ao tempo queinvestecontra a históriapoética variedadedas histórias

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 13

Page 13: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

estéril. Mas a imaginação não devia obedecer ao irracionalismo poético, mas ao racio-nalismo, semseafastar da história. Parece, numa con jectura quenão foi comparadacomo original, queCroceestaria sereferindo não à imaginação, mas à fantasia, quesão categorias distintas. A imaginação do historiador, quando narra os acontecimentos,não sedistingueda imaginação do ficcionista. Acentuou Croce, comra zão, que ahistória não seescrevecomos sentimentos, as inclinações individuais, os entusiasmoscívicos epatrióticos, para deleitar eelevar os ânimos, acomodando os fatos, seja paraeducar, ou para servir à ideologia dominante.

 Não haveria lugar, na história dita cientí fica do século XIX, para Clio, filha da memória ea mais ardentedas musas, na história do século XIX, fascinada,nos meios acadêmicos, pelas ciências naturais, salvo as notáveis exceções, mais tardemencionadas. Na virada do século, as propostas inovadoras de Dilthey (1833-1911), Windelband (1848-1915) e Rickert (1863-1936) excluíram ahistória do território das ciências naturais edeseus métodos, incluindo-a entreasciências do espírito, as ciências culturais – das ciências hojechamadas dehumanas,que, ao contrário das ciências generali zantes (as ciências naturais), seriamciências indi vidualizadoras. Estava aberto, comjusti ficação cientí fica, o caminhoque leva ao templo eaos festivais deClio. Umdos mais relevantes desteséculo, George Macaulay Trevel yan (1876-1962). Semlevar emconta esserumo da história, quereagecontra a história inspirada nas ciências naturais, o século passado, principal-mentepela voz dos mais relevantes historiadores delíngua inglesa, Trevel yan (George Macaulay) (1876-1962). Numensaio escrito em1903, reeditado em1913 e1968( Clio, a Muse and Other Essays, NewYork, 1968, págs. 140 esegs.), observouque, duas gerações atrás – escrevia em1903, aludindo aos meados do século XIX, a“história era parteda literatura nacional, escrita por pessoas quesesituavamnomundo das letras ou da política”, mas, depois queganhou ostatus deciência, deladesertaramos homens degênio eos grandes talentos quedela seocupavam, desertando,comeles, os leitores deobras literárias.

São inegáveis os méritos dessaciência, na avaliação mais apro fundadada pesquisa, ao preço deo leitor comumdeobras literárias ter dela desertado. Mas osméritos sedes fa zemno momento emqueserefugiamna exclusividadedoespecialismo.Tais especialistas acabaramsehospedando na Gaiola deAço, dequefalava Weber,dos “especialistas semespírito”, descon fiados da imaginação, primando pela escritaininteligível aos não iniciados. Recentemente(a data-baseé1903), sente-sea tendên-cia desínteseentreuma direção eoutra, coma reabilitação inclusive deGibbon

14 Afonso Arinos

Page 14: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

glória do historiador acadêmico ecientífico, quando o descobrisseerevelasse, comalealdadeea disciplina deumsoldado, obedecendo cegamenteas ordens deumoráculo frio ein falível.

O dilema fundamental, no con fronto das correntes emcon flito, valori za,deumlado, a acumulação dos fatos do passado, mensuráveis por processos análogosaos da ciência natural. Ou a história não selimita a essa tarefa, expurgada dospreconceitos positivistas, para realçar a sua interpretação e hermenêutica, comanarração como sua essência, marcada pela inevitável emoção epelos valores queguiama própria seleção dos fatos. A fraqueza da história dita moderna está nodesprezo à narrativa, quenão sabemais como contar umepisódio, semen fadar oleitor deobras literárias. Negou quena história coubessea ars bene dicendirepudiada como retórica fútil everbosa. Trevel yan assinala quea história precisa detrês atributos para reconquistar os títulos quedão acesso ao altar de Clio. Emprimeiro lugar, ela temumpapelcientífico, queabrangea acumulação dos fatos filtrados pela escrupulosa avaliação das provas. A funçãoimaginati va e especulativacuida deselecionar eclassi ficar os fatos, fa zendo con jecturas sobreos espaços nãoesclarecidos esobreos atores, definindo-lhes o papel desempenhado nos acontecimentos. Finalmente, a qualidadeliterária, a narração, numa forma queatraia os leitores,quedespertesua imaginação e, eventualmente, a emoção.

Umpasso adianteno entendimento da história, resgatada das ciênciasnaturais, chegou a ser equiparada à ficção, semquesepudesseapontar a fronteiraentreuma eoutra. (Roland Barthes,apud GeorgeG. Iggers, Historiography inthe Twentieth Century, Hanover and London, 1997, págs. 118 e168.) (Parao débito da narração histórico à ficção: Leo Braudy,Narrati ve Form in Historyand Ficcion, Princeton, 1970.) Iggers, dianteda crisequegira emtorno dahistóriacientífica, pergunta-sesea história, como disciplina escolar, está vivendo seus dias finais. (Ibid., págs. 10 e segs.) (Ver, do mesmo autor: New Directions inEuropean Historiography, Wesleyan University Press, 1984, págs. 3 esegs.) Hayden White( Metahistory – The Historical Imagination in the NineteenthCentury Europe, Baltimoreand London, 1975, págs. 1 esegs. Adota umaexpressão deBachelard: “só sepodeestudar aquilo queantes sesonhou”), negando ocaráter deciência da história, fixando-seemquatro historiadores do século passado: Michelet, Ranke, TocquevilleeBurckhardt, todos historiadores e, ao mesmo tempo,artistas. Plena ésegundo a crítica recenteda história, a narração artística da bi ografia de

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 15

Page 15: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 IV 

 A biogra fia deumpresidenteenvolveo exameda presidência como insti-tuição política e jurídica. Os historiadores ecientistas políticos negligenciaramseuestudo, permanecendo semseguidores a obra tosca, fascinantee imper feita de Hambloch(Sua Ma jestade o Presidente do Brasil. Um Estudo do BrasilConstitucional, 1889-1934, Rio, 1936 e1981). Talvez sepossa ver na críticadeRui Barbosa aos presidentes o melhor estudo da presidência na República Velha,crítica ditada pelo absolutismo ético, semaceitar o conseqüentalismo, ou, como sedizdepois deWeber, a ética da responsabilidade, quequasesempresacri fica o honestopelo útil. Ao contrário do silêncio queaqui vigorou, são abundantes os estudos histó-ricos ebiográ ficos sobrea Coroa da Inglaterra e a presidência dos Estados Unidos,semcontar como luminoso capítulo queHauriou dedicou à presidência da França.

 A República, em1902, ainda era nova, importada defora, à procuradeaculturamento. Contra essa mudança detransplante, lutou Rui Barbosa paramanter a pureza do modelo original, emcombatesemêxito. Até1894, o Exércitotentou dar-lheuma feição duramenteautoritária, animado pela fédos quesupunhamque, sob o manto ditatorial, havia umespaço para o povo, condu zido pela liderançados “jacobinos”, quefloresceramemtorno da sombra deFloriano. Uma partedomundo político, coma basefirmada pela oligarquia paulista e, demaneira mais ate-nuada, a mineira, no momento mais agudo da mudança institucional, empenhou-se,emproveito deumesquema hegemônico, emali jar o Exército do centro das decisõespolíticas.

O combatedeu-seno Governo PrudentedeMorais, que, ao combater arevolta da Escola Militar (1895), assinara a paci ficação depois da Revolução Federalistade1893, esomadas as di ficuldades do ExércitoemCanudos, cujo malogro ajudariaa consolidar a supremacia civil. O jacobinismo recebeumgolpemortal, como im-pacto do atentado de5 denovembro de1897, levado a cabo por seus agentes, ondemorreo ministro da guerra, Machado Bittencourt. O enterro do Marechal Bitten-court comovea população do Rio deJaneiro, levando-a a aclamar apoteoticamenteoatéentão polêmico PrudentedeMorais. Daí emdiante, o “jacobinismo” só sobreviveucomo umresíduo inquieto na política nacional. Caía como jacobinismo, paródiaretardada eanacrônica da Revolução Francesa, quepedia Napoleão antes deRobes-pierre, saudoso do governo militar, representado por Deodoro eFloriano, quenãolograra institucionali zar-se Para alguns monarquistas, comos olhos fixados no Poder 

16 Afonso Arinos

Page 16: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

do Exército, como a única força nacional eorgani zada, cu jas qualidades não podiamser avaliadas pelos ímpetos dePedro, seguindo o mestredesconhecido, mas coma dúvidadeTomé, quenão acreditou antes dever. JoaquimNabuco, em1890, Pedro enãoTomé, segundo suas próprias palavras. No dia do golpequefulminou o Império,observava, o governo militar seria o único capaz depreservar a unidadenacional e“para conservar umresto da antiga tolerância, por ser o Exército superior às ambiçõespessoais emqueseresumea luta dos partidos, a qual, sema monarquia, teriabarbari zado o país”. ( Escritos e Discursos Literários, São Paulo, 1949, págs.70 e71.) Realmente, o Exército barrou o caminho às oligarquias, mas não desem-penhou o papel do Poder Moderador. A ascensão deFloriano ao governo (1891-94)dissipou-lheas ilusões, como dissiparia as dos que, no futuro, apelarampara as Forças Armadas contra a ordemconstituída. Ao menor desvio do Exército, o ramoprincipal das Forças Armadas, a nação seria incapaz dereagir:

“Desdequeo despotismo semani festasseentrenós, eu sabia queelelevaria tudo derojo, pela completa falta deresistência. A nossa submissãoseria maior do queas outras nações sul-americanas, porqueestas, devasta-das como estão pela guerra civil, ficaramtambémendurecidas por elas; osseus homens públicos, como os cônsules romanos, sabemtodos manobrar le-giões. Entrenós, declarada a ditadura, haveria deumlado o despotismomilitar, do outro, a passividade, a inércia do país. Sea ditadura assumisseo tipo sul-americano, a sociedadebrasileira, criada na paz ena moleza daescravidão doméstica eda liberdademonárquica, enervada pela ausênciatotal deperigo emmais decinqüenta anos, habituada à atenção queo Imperador sempremostrou a todos, muito maior do quea queelerecebia,tomada depânico, faria renúncia da sua liberdade, deseus interesses, dassuas propriedades...” ( Balmaceda – A inter venção estrangeira.São Paulo, 1949, pág. 138).

O déspota quegovernaria coma delegação militar seria o grandecarcereiro,o grandeinquisidor (ibid., pág. 273), sema magnanimidadedeCaxias, imagemquea história diluiu. Diga-seainda, para completar o pensamento deNabuco, quea liberdadetambémnão existiu no Segundo Reinado, mas apenas a tolerância, reti-rada a qual o despotismo estaria às portas do país. Na vida queescreveu sobreopai, volta a rea firmar o desapontamento pela crença deoutrora. O Senador Nabuco,acentua, não aceitaria o militarismo como substituto idôneo do Poder Moderador. Não abandonaria Ben jamin Constant deRebécqueemfavor deBen jamimConstant

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 17

Page 17: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

tirania deFloriano, a feroz disputa pelo poder dentro das Forças Armadas, o faccio-sismo, a luta pela manutenção do poder, a qualquer preço. O governo militar mostrou-se, então esempre, na América Latina, incapaz deseinstitucionali zar pelaautêntica anuência popular – fato inédito na história, ainda queseleveemconta aditadura deCromwell, tambémela efêmera. As inevitáveis disputas militares, emtorno do poder, deslegitimamos governos militares, que, removendo as travas constitu-cionais, derivampara a ditadura.

 Daí por diante, salvo no Governo Hermes da Fonseca (1910-14), cujacandidatura “deslocara o eixo da política”, a República Velha pertenceria aos civis,não sema inquietação das revoltas militares, quelogo constituíram-na emoligarquia fechada, debaixo da hegemonia deSão Paulo e, como sócio menor, Minas Gerais. Essefoi o meio deneutrali zar o Exército, que, como instituição política, embora –como acentuou Nabuco – tenha sido o único antídoto à anarquia quea queda damonarquia poderia tra zer, não conseguiu seestabili zar, nemencontrar o ponto dees -tabilidade, semo qual perdea capacidadedeprovocar a adesão, ainda deumpovoamor fo e“bestiali zado”, quea República encontrou no seu primeiro passo. Chegouao fimo esboço da presidência militar epositivista, comsua política científica. O Exército, ainda quando popular, depois deuma guerra vitoriosa, seno governo, terácontra si o caráter autoritário deseu mando, a tendência ao militarismo, queafrontaa nação como preconceito do patriotismo exclusivo eda pureza deseus membros.

 No fimdo Governo PrudentedeMorais (1898), a presidência aindanão estava institucionali zada. Dependia, na sua forma eexpressão, do presidente,semqueseconcreti zassea ordemconstitucional eoEstado, dentro dos quais a instituiçãoadquireseu caráter. Esta seimpõe, uma vez queestá dentro do Estado, à observân-cia dos cidadãos, semquedependa deseu consentimento, deacordo comas normas jurí-dicas, mas tambémaos costumes eaos princípios queseinscrevemna partenão escri-ta da própria Constituição, deforma a seconstituir uma “prática institucional”. Dentro dela há, emmuitos momentos da história, uma tensão entrea instituição,comsuas normas jurídicas formais esuas normas não escritas, eseu titular, entreapresidência eo presidente, queresisteaos limites emquepodeexercer o poder.

 Mas a instituição só existe, deacordo comumdos mais autori zadosmestres, quefundiu o conceito jurídico à sua estrutura social, quando sua duraçãoindepende da vontade sub jetiva de indivíduos determinados. Supunha Hauriou( Précis de Droit Constitutionnel, 1923, págs. 75 esegs. epágs. 450 esegs.,acerca da instituição da Presidência da República) que contra as tentativas deferir

18 Afonso Arinos

Page 18: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

ao ataque, uma vez querevela sua eficácia por si mesma, ancorada nos costumes enoordenamento jurídico.

O Estado democrático, baseado na soberania do povo, não aceita o poderpessoal, como arbítrio como aspiração, exigindo queo poder seexerça pela presidên-cia, como instituição, enão pelo presidente. Da mesma forma, o Poder Legislativonão seexercepelos congressistas, mas pelo Congresso, capaz deanular os nomes pró -prios emfavor deuma entidadegeral. As instituições podemter uma origemaciden-tal, como aconteceu como Brasil, em1889, ou seremobra da ra zão, por deliberaçãoda soberania popular. Mas sua origemnão lhedefineo per fil traçado mais pelodesenvolvimento epela mudança dos costumes enormas sociais. A importação, como fizemos como presidencialismo, cedendo ao modelo americano, queimantou a América Latina, fatalmenteassumea feição do país, e, muitas vezes, setornamirreconhecíveisou incompatíveis semedidas pelo padrão da origem. As instituições formamumaredehomogênea, dentro da qual umas dependemdeoutras. A supremacia presidencial,anulando a independência do Poder Legislativo ea do mais alto tribunal, simula a fidelidadeconstitucional, segundo as regras não escritas da Constituição, baseadas noscostumes, regras mais efica zes do queas escritas.

 A maioria dos países sul-americanos assumiu as características do caudi-lhismo, a eleatrelado umséquito deservidores incondicionais – deacordo coma defi-nição quesedeu ao termo emlíngua espanhola. Emlíngua portuguesa, o presidente,oriundo deuma oligarquia, governou para a oligarquia, chamada deelite, por sees -tremar do “populacho”, da “ralé”, cuja pretensão dein fluir na política seria conside-rada anárquica. Essedesprezo arroganteoriginava-sedo “bestiali zado”, quenãocompreendeu o advento da República, eque, segundo JoaquimNabuco, o caráter da Monarquia seria a tradição nacional posta ao serviçocriação do povo, o vastoinorganismo que só em futuras gerações tomará forma e desen vol verá vida. (Escritos e Discursos Literários, S. Paulo, 1949, pág. 54.) Assinalavaa incapacidadedo povo delutar pelos seus direitos ( ibid., pág. 58). A República,diantedessa realidade, abandonou atolerância do Império, negandoao povo democracia eliberdade, entregando-o às ambições estéreis, à emergência denomes deaventureiros. Era necessária uma longa maturação popular antes que se instaurasse o governodo povo. Segundo o mais lúcido dos monarquistas, a antecipação da República à suahora histórica, numpaís cuja singularidade era a ausência de povo (ibid.,pág. 65), a expunha ao despotismo, seserompessea neutralidadedas Forças Arma -das A presidência era uma instituição fechada, permitindo apenas a entrada no

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 19

Page 19: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

a República ea Monarquia émuito tênue: na Monarquia, a política estava aberta atodos, ainda semnomedefamília, semfortuna ou semrelações nas altas es feras. Mas, quemnão tivessea boa vontadedo estamento, não lograria queas portas dopoder seabrissem. DunsheedeAbranches, no livro polêmicoComo se FaziamPresidentes (Rio, 1973), demonstrou quanto era redu zida a minoria queescolhiae, deummodo ou deoutro, elegia o presidente.

 As instituições, embora acima das vontades sub jetivas, no curso do tempoevoluemeperecem, sedecrescer sua eficácia, no primeiro caso, ou sehouver umcolapsoda con fiança ou da obediência, no segundo caso, como aconteceu coma coroa. Mudá-lasou rejuvenescê-las não passa, muitas vezes, deuma aspiração quesefrustra, como ado modelo militar, quenão logrou institucionali zar-se. Essa tentativa malogra por  força do surgimento, ainda quesubterrâneo, deumpoder comvocação hegemônica,como o poder deSão Paulo contra o florianismo, deMinas eSão Paulo contra ohermismo. Dois fatores levaramaoesva ziamento do poder militar: de umlado, a formação deumpoder militar paralelo, con figurado nas milícias estaduais, o quetornariao Estado imuneà intervenção federal, sema qual o modelo não seestenderia a todo opaís, mantendo núcleos deresistência, representados pelos Estados mais ricos emais fortes. Deoutro lado, a colaboração parlamentar eministerial, como aconteceu com Floriano, conseguiramsemanter comcerta autonomia. Semessesustentáculo, a suapermanência no poder seria precária, deixando-lhe, como única alternativa, o golpedeestado, expedientetemporário quejá levara o seu antecessor à renúncia, ou àexasperação do poder institucional, deformando-o.

 A institucionali zação da presidência, depois da frustração militar edasincertezas do Governo PrudentedeMorais, ocorreria em1900, obra deCamposSales, numesquema quedurará trinta anos. Três características políticas caracterizamomodelo in flexível: a) a política dos go vernadores, por eledenominada apolíticados Estados; b) a subordinação dos ministros, quedeixaramdedeliberar coletiva-menteedetraçar a política desuas pastas; ec) a escolha do sucessor pela vontadedo Presidenteda República – queserá, entretodas, a mais polêmica das medidas, quasesemprefrustrada pelas lideranças políticas, os chamados “chefes”. A política dosgo vernadores, termo quemelhor convémà realidadeda reforma da política dosEstados, foi desingela reali zação. Construiu-sesobrea rocha da veri ficação eleitoraldos aspirantes ao Congresso, coma renovação da máquina do reconhecimento doseleitos. Antes da reforma, ocuparia a presidência desta o deputado mais idoso, cujaconduta no poder deconstituir a comissão veri ficadora reconheceria, ou não, as atas

 20 Afonso Arinos

Page 20: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 De1899 emdiante(a próxima eleição parlamentar sereali zaria em1900), o presidenteprovisório seria, seeleito, o presidenteda última legislatura. “Apalavra deordemera odiploma” – acentua Campos Sales, o ideali zador do sistema.( Da Propaganda à Presidência, São Paulo, 1908, págs. 236 e237.) Emcartaa umgovernador, emtermos alevantados. Os diplomas seriamexpedidos àqueles quetradu zissema opinião predominante em cada Estado (ibidem, pág. 241),acrescentando que, desta forma, sepoderágarantir a formação de uma Câmaralegítima, impedindo o vergonhoso e desmoralizador triunfo das duplica-tas fraudulentas (ibid., pág. 242). O esquema, emforma clara, despido daretórica política epatriótica, consistia emassegurar aos candidatos do governador – aopinião dominante em cada Estado – a garantia do diploma, fossemou nãoeleitos. Não selevava emconta, ao contrário do quehipocritamenteafirmava trans - formar emrealidadeo art. 28 da Constituição quemandava garantir a representa-ção da minoria. (Campos Sales, Manifestos e Mensagens, Rio, 1902, pág.107.) Di zia-sequeo princípio só seria reali zável sehouvesse, organi zadamente, umpartido deoposição – fato queo despotismo dos Estados não permitia. À sugestãodo governador (na verdade, na linguagemda época, o presidentedo Estado) LuísViana, da Bahia, deresolver o assunto numa reunião, respondeCampos Sales,desvendando o caráter oligárquico da política, comestas palavras:

“Esta idéia exprimecertamenteos bons intuitos deV. Exª, pro -curando assegurara priori o apoio da maioria emprol da fiel execuçãodo acordo estabelecido. Devo, porém, di zer a V. Exª que, emregra, souin fenso a grandes reuniões para deliberar sobreassuntos que, pela suanatureza, serelacionemcoma direção ou orientação quesedeveimprimira umdeterminado momento político. Esta éa função quecabea poucos enão à coletividade. Nemsemprenas deliberações coletivas prevaleceo al -vitremais justo emais con formes os(sic) grandes interesses da situação. Ao contrário, às mais das vezes o quesevêéquenas grandes reuniõespredomina o conselho apaixonado dos mais exaltados, quenemsempreseinspiramno sentimento dejustiça ou nas verdadeiras ereais conveniên-cias das causas públicas. Isto étanto mais perigoso quanto écerto que,no momento atual, dada a ausência departidos regulares, nos achamosempleno estado deanarquia.” (Ibid., pág. 244.)

Quaisquer quefossemas contestações, ainda as mais irrefutáveis, osresultados eleitorais seriamaqueles sancionados localmente O pleito eleitoral não

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 21

Page 21: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

ser livrementeaqueles depositados nas urnas efielmentecontados. Entreoutros, doisdepoimentos pessoais retratamcruamenteo ato eleitoral, a feitura das atas deumpleitoquesó formalmenteexistia, quando a mesa realmenteseinstalava, mesmo na Capitalda República, como atesta uma crônica deMachado deAssis, que, no dia da eleição,encontrou fechado o local devotação.

O indispensável livro deUlisses Lins deAlbuquerque– Um Sertanejoe o Sertão: Memórias  (Rio, 1957) – revela como ele, ainda adolescente,incumbia-sedeassinar pelo eleitorado fantasma. Para quenão sesuponha quenoSul outras eramas práticas, como não raramentesediz, basta ler o depoimento de Paulo Nogueira Filho – Ideais e Lutas de Um Burguês Progressista, São Paulo, 1958, págs. 50 e51 – acerca defatos queocorrememtorno do ano de1906:

“Fa zer oposição local ao governo deSão Paulo, naquela época,tornava-sedi fícil. As poucas oposições municipais, como a formada em Araras, contra o domínio do senador Lacerda Franco, eramcombatidasou pela violência, no nascedouro, ou pela fraude, nas farsas eleitorais.

Coube-me, umdia depleito, presenciar em Cosmópolis, nosarraiais dos Nogueira, o que, para mim, queassistira a eleições na Europa, era o inconcebível.

 Na véspera deumpleito qualquer, o escrivão da usina Esteradverteo gerenteda empresa, ma jor Artur Nogueira, emminha presen-ça, o queera preciso providenciar a respeito. Vi queo ma jor seespanta-ra, ordenando, a seguir, semtergiversar: ‘Corra o livro, homem, corra olivro’. Defato, o servidor visitou alguns habitantes da sededo distrito ecolheu no ‘livro’ algumas assinaturas... O resto do trabalho eleo fez comesmero.

 A papelada foi, a seguir, enviada para a sededo Partido Republicano Paulista, emSão Paulo. Havia votado o povo republicanode Cosmópolis, distrito de paz da lendária Campinas, berço da República.

 Nessa mesma ocasião, dois trens especiais passarampeloramal da usina, levando dedistritos vi zinhos ‘o eleitorado’ quefaltavapara trucidar os heróicos oposicionistas do município deAraras Iamaos

 22 Afonso Arinos

Page 22: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O ma jor Artur Nogueira, meu tio-avô, chefe perrepista ferrenho, comentou: ‘Para quetanto barulho etanta pressa? Por quenão faz o Lacerda como eu aqui? Nemurnas, nemcédulas, tudo tranqüilo,per feito, emordem...’.” A eleição, quemal existia, não estava no voto, mas nas atas queos che-

 fetes fa ziammais tarde, condicionadas ao poder veri ficador federal, sefederais as elei-ções. Pela veri ficação das eleições eramaprovados os amigos do poder local, inclusiveos quetivessemsido realmenteeleitos. Conta-sequeumcandidato a deputado per -guntou a Pinheiro Machado por quenão fora reconhecido. O imponentechefeteriarespondido: por três motivos, o último dos quais porquevocênão foi eleito. Não faltavaquemjusti ficasseo sistema, basedo poder oligárquico estadual, alegando queapenasderivava do poder oligárquico municipal. Embora semnegar a fraude, AlcindoGuanabara, umdos expoentes do jornalismo da República Velha, escreveu apologe-ticamente(Para estudos independentes, semparcialismo: cf. o estudo crítico deFran -cisco deAssis Barbosa,Luso Brazilian Re view, vol. V, nº 1, págs. 3 e segs.; tb. Fernando HenriqueCardoso,História Geral da Ci vilização Brasileira, III –Brasil Republican, São Paulo, 1975, págs. 13 esegs.) sobreo governo CamposSales, no livro A Presidência Campos Sales (Rio, 1902), lê-se, às págs. 108 e109:

“Pleito eleitoral, pode-sedi zer quenão houveemtodo o país (em1900, como sempre). Não temos embaraço para di zer o quesobejamentetemos repetido eestá na consciência detodos os homens públicos: a eleiçãoentrenós está pro fundamenteafetada por vícios efraudes quenascem, deumlado, dedeficiências e falhas da lei, deoutro, do quasenenhumpreparo intelectual da massa popular eda incompleta educação cívica demuitos dos quepertencemàs classes dirigentes. País vasto, depopulaçãoescassa, disseminada, a quefalta atéa instrução primária, não ofereceoutra basepara o regimerepresentativo, senão da in fluência queemcadaregião possamter os poucos homens quepor condições deeducação ede fortuna exerçamsobreesses povos uma in fluência quelhes éordinaria-mentebenéfica ea queeles sesubmetemsemquerer, nempoder anali-sá-la nas suas conseqüências eefeitos. Seno interior do país a situação éesta, dependenteo resultado da eleição da vontadedos chefes preponde-rantes, semquepara isso haja defato necessidadedefraudar o processoeleitoral, a resultado idêntico se temchegado nos centros povoados e

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 23

Page 23: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

lugares ondeo eleitor ainda compareceàs urnas, não lherespeitamo voto.O quesepassa nas secções eleitorais émera comédia para aparentar queseobserva a lei: o quevale, o quevai servir perante, éo quesefaz depois.São as atas queselavrammais tarde, emcasa dos chefetes eleitorais, aosabor desuas conveniências.”

 Não sedeveesquecer quea participação eleitoral só alcançou 5,7% dapopulação, em1930, comummilhão esetecentos mil votos. A eleição deCamposSales numuniverso maior do quequinhentos mil votos, 3,4% da população, comavantagemde90,9% dos votantes. A deRodrigues Alves, numeleitorado deseiscen-tos mil votos, correspondentea 3,4% da população, obtendo a vitória eleitoral com91,7% dos votos. Semedidos estes números comas eleições dos últimos vinteanos,embora como voto feminino, e, a partir de1988, como voto dos anal fabetos edosmaiores dedezesseis anos, a participação era, mesmo assim, nula, facilmentemanipu-lável. O total dos votos do vencedor, apesar da política dos governadores, só caiu damédia de90% dos eleitores nas ocasiões emquehouvereal disputa (Hermes venceu Rui por 64,4% dos votos, Epitácio novamentevenceRui por 71%, Bernardes vence Nilo Peçanha por 56% eJúlio Prestes venceGetúlio por 57,7%, apesar das eleições fraudulentas). O resultado sedevemenos aos eleitores independentes do que àmanipulação dos votos nos Estados dissidentes.

 A política dos go vernadores – continua Alcindo Guanabara –

“combinada comhabilidadeecritério efuncionou coma rapidez ea precisão deuma guilhotina: Estado por Estado, os oposicionistas, ou fossemmembros da Concentração ou do Partido Republicano, foramexecutados semdemorado so frimento. Era óbvio queesses não tinhamodiploma assinado pela maioria da junta legal. Salvo alguns casos especiais emuito raros emqueinterveio a ami zadepessoal a guilhotina... deu osmelhores resultados...” (Alcindo Guanabara,ib., págs. 110 e111.)

Campos Sales, ao fimdeseu mandato, tinha reali zado a reforma política,queiria seinstitucionali zar na presidência. A oposição ao plano presidencial fi cousepultada na história. Júlio deCastilhos, chefedo Partido Republicano Riograndense,via comdescon fiança a anulação do Congresso, cuja força poderia controlar a supre-macia presidencial, presumivelmenteligada aos dois grandes Estados, cuja hegemoniaimpediria a entrada do Rio Grandedo Sul na partilha do poder. A política dosgo vernadores, articulada por Campos Sales epelo Governador deMinas Gerais

 24 Afonso Arinos

Page 24: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

circunspectas deRodrigues Alves, governador deSão Paulo. Quanto ao Rio Grandedo Sul, Pinheiro Machado convenceu seu chefequea resistência era inútil eprejudicialao Estado, como inútil eprejudicial seria a não aceitação deRodrigues Alves, nummomento emqueera iminenteuma luta armada, o queexigia o auxílio da Uniãopara a aquisição dearmas (Joseph L. Love, Rio Grande do Sul and BrazilianRegionalism, 1882-1930, Stanford, págs. 96 esegs.). O outro opositor, numaresistência quepermaneceu nos bastidores, foi Rodrigues Alves, então governador deSão Paulo, juntamentecoma bancada paulista no Congresso. Emmeados deabrilde1900, viera deSão Paulo para levar ao conhecimento do presidentequeo propósito dabancada seria reconhecer a chapa deAlberto Torres no Estado do Rio:

“Era que, contra o processo violento e iníquo dequeresolveralançar mão Campos Sales para trans formar o Congresso emumasimples chancelaria do palácio, se insurgira quase toda a bancadapaulista.

 Para ela, tal procedimento, alémdeumgravíssimo erro político, re-presentava uma traição indigna a correligionários antigos ededicadosque, nas ocasiões mais di fíceis eperigosas, jamais haviam fugido àluta, abandonando seus postos decombate.”

 Era assimopinião dominanteentreos deputados deSão Paulo quesedesseo terço às oposições emtodos os Estados nos quais houvessemconcorrido aopleito comelementos reais erespeitáveis. ( DunsheedeAbranches,Como se FaziamPresidentes, Rio, 1973, pág. 201.) Emverdade, no governo, Rodrigues Alves fezaprovar a lei Rosa eSilva, de1904, que, alémdepretender morali zar as eleições,por meio do voto cumulativo, garantir-se-ia a representação das minorias, cumprin-do-se, desta sorte, o preceito da Constituição de1891. Visava a lei pôr umtermo àsrepresentações unânimes. A primeira eleição pelo novo sistema, em1906, emMinas,no Rio Grandedo Sul eno Distrito Federal eempoucos outros Estados, a oposi-ção conseguiu elevar ao Congresso alguns deputados, como Pedro Moacir eVenceslau Escobar, o historiador da Revolução de1893 pela ótica federalista, pelo Rio Grandedo Sul, entreos três eleitos, bemcomo Barbosa Lima, pelo Distrito Federal. Nasoligarquias do Norteedo Nordeste, a lei não “pegou”, continuando a vingar asbancadas unânimes, tolhido o presidenteda República, obedienteà política dosgo vernadores, a capacidadedecorrigir o escandaloso desa fio à lei das minorias. A Câmara dos Deputados passou, depois disso a contar entreas aves engaioladas,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 25

Page 25: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Talvez inutilmente, só para o efeito deaumentar a melodia deumgrupo atéentãotediosamentemonocórdio.

Os ministros – outro tópico da reforma deCampos Sales –, daí por diante, despachavamisoladamentecomo presidente, nelereconhecendo “semvacilaçõesesemcondenáveis condescendências, a sua autoridade de centro e supremocritério diretor..... em suma, neste regime, não há go verno senão a políticado presidente”. (Os gri fos não são do original. Campos Sales, ibid., págs. 211 e 213.) A supremacia incontestável do presidentesobreo Congresso seria umcoroláriodapolítica dos go vernadores, dependendo a representação do governo estadual,queexpurgava – para evitar a lâmina da guilhotina – todos, como então sedi zia,os díscolos. Os congressistas competiampara defender elison jear o presidente. Emaberta vassalagem, salvo quando o mandato seaproximava do fim, na hora daescolha do sucessor.

Os Estados, por sua vez, consolidaramou criaramsuas oligarquias. Nos grandes Estados, São Paulo e Minas Gerais esobretudo o Rio Grandedo Sul,comsua estrutura monolítica eunipessoal, situam-seas oligarquias nos partidosregionais, os partidos republicanos, no monopólio depoder queseconcentrava nos“chefes”. Dispõemestes da força armada local, a fixa ea móvel, esta recrutada pelos“coronéis”, queraramentedissentiamdo governo estadual. Emcertas circunstâncias,os “coronéis” lutamentresi, para seimpor às boas graças do governador, semexcluir,como aconteceu no Ceará eBahia, a coligação queserebela contra o oligarca localmentesupremo. Os “coronéis”, convémesclarecer, numpaís sempovo, não eramos representantesdo eleitorado, senão queopresenta vam, atua vam em nome dele, “fabricando”as eleições.

Os candidatos não tinhamcontato como eleitor, mas apenas comos seusmanipuladores, quelhefalseavama vontade, tolhendo-lheas veleidades dein fluenciar,diretamente, a coisa pública. A outra forma deoligarquia será a dirigida pelo chefeda família, quevela por todos seus parentes, cunhados egenros, inclusivepelos parentessangüíneos (ou, como sediz no Nordeste, os parentes carnais) eafins. Ambas asoligarquias, apesar das nuanças particulari zadoras, tinhamfortes comuns...

“formações de grupos impermeáveis, comraras participações deelementos estranhos, o queresulta comumenteemoposição armada elutas radicais pelo poder, lealdadepara comos chefes, companheiros e opartido; emcerto grau, culto pela palavra empenhada; domínio sobreospoderes Executivo Legislativo e Judiciário; emprego de familiares e

 26 Afonso Arinos

Page 26: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

obrigando todos a sedefiniremcontra ou a favor.” (Edgard Carone. A República Velha. Instituições e Classes Sociais, S. Paulo, 1970,pág. 1970.)

O próprio sistema econômico dependia das oligarquias, quecontrolavama distribuição deterras devolutas e, quanto aos títulos depropriedade, o registro deimóveis, doados pelo governador aos amigos decon fiança, só reconhecia, secontestados,os do correligionário. Seo proprietário de imóveis, decasas decomércio ou dasnascentes indústrias fosseum“díscolo” deveria pagar os impostos eas multas pontu-almente, deacordo comos valores legais. “Para os correligionários, tudo, para osoposicionistas, a lei”. Excluídos deforma categórica dos postos públicos, os pro fissionaisliberais, por mais competentes quefossem, seoposicionistas, so friamo boicotedasituação e, seadvogados, os cartórios protelavampara receber as taxas ea cobrançados impostos detransmissão, por exemplo. Por força dessesistema compressivo, pôdeo governo Campos Sales dominar o descontentamento comsua política econômica,queaviltou tambémos preços do café(o examefinanceiro eeconômico da gestãoCampos Sales está nos trabalhos deFrancisco deAssis Barbosa eFernando HenriqueCardoso, evidenciando a última quebra dequasemetadedo sistema bancário e aqueda de30% dos preços, gerando desemprego, perda derenda dos assalariados, dequeresultou a impopularidadedeseu governo, deviésspenceriano, nota o primeiro,do Ministro da Fa zenda, JoaquimMurtinho).

 A oligarquia Acioli, do Ceará, constituiu o governo comos membros da família, tambémacolhidos na assembléia estadual. Encravavam-se também na FaculdadedeDireito enos colégios secundários, como pro fessores detodos os ramosdo Direito edas matérias do grau médio. Diz-seque, emSergipe, umparentedeumparentedo governador, por falta de outro emprego, recebeu o título depro fessor degrego no Ateneu Sergipense, semqueumúnico aluno estivesseinscrito no curso, cadeira facultativa. Os Neiva, da Paraíba, só acolheramEpitácio Pessoa por ser sobrinho deuma senhora casada comumNeiva (nesseponto o Império era mais liberal:acolhia os aspirantes quetivessemo apoio da classedirigente, semexigir o requisitodo parentesco). E assimera tambémnos outros Estados. Mas havia umpreço apagar pela condescendência do presidenteda República às práticas oligárquicas epeloreconhecimento depoderes, embenefício dos grandes Estados. Os governadores eospolíticos dos excluídos da hegemonia dos Estados dominantes tornavam-sedependen-tes evassalos daqueles – uns eramhomens deSão Paulo, deMinas, do Rio Grandedo Sul. Flores da Cunha elegeu-sedeputado pelo Ceará semnunca ter lá ido antes e

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 27

Page 27: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de Pinheiro Machado e, depois da mortedeste, dos donos do poder. (Gilberto Amado,Presença na Política, Rio, 1960.)

 Entendia o presidentequea institucionali zação quedera à presidêncianão contrariava a ordemconstitucional. “Acusaram-me– di zia Campos Sales – deter dissolvido os partidos. Houve, porém, quemformulasseminha defesa nesta síntese: nãosedissolveo quenão existe” (ibid., pág. 225). Os críticos ao sistema, quelucida-mentelogo sepronunciaram, desmascararamo despotismo queseinstalara na União enos Estados:

“Alegavamqueo … regimecomo era praticado pelo presidente,importava o franco despotismo, porquanto, por umlado, o presidentedominava absolutamenteo Congresso, e, por outro, por intermédio dosrespectivos governadores, dominava os Estados, queerampor sua vez,contraditoriamente aliás  (o gri fo não édeAlcindo Guanabara,mas assinala a obscura visão da realidade), apresentados como submeti-dos à autoridadedeoligarcas, a cu jos desvarios ecaprichos tirânicosnenhumfreio seopunha.(Ibid., pág. 201.)

Umdos publicistas quecommais vigor ecrueza atacou o regime,numartigo quetevelarga repercussão no mundo político, apregoava queeleera o regimeda treva edo despotismo, porqueas grandes questões deinteressepúblico (viu-se, atrás, queCampos Sales reputava essencial quea deliberação ficasserestrita a umpequeno grupo) eramresolvidas semconhecimento da nação eporquetodos os corpos políticos do país estavamagachados diantedo presidente. Para ele, o queestá instituído no Brasiléa ditadura semfreios esemcontrastes, exercida pelo presidenteda República, graças à subserviência eà anulação do Poder Legislativo, semprepronto a adivinhar os desejos mais recônditos dessedéspota temporário parainvesti-los do caráter eda autoridadedeleis. Essa degradação moral ecívicaqueeleassinala nos membros do Poder Legislativo eliminou a fiscali zaçãoqueas câmaras exerciamsobreos atos do governo, arrancou-lhes a luz dapublicidadequeos envolvia elançou o país nesta crisemoral emquetristementesedebate.” (Alcindo Guanabara,ibid., pág. 205.)

 Não contava Campos Sales que, nas dobras do seu sistema, a con frariados carrascos quemanejavama guilhotina ganhou uma posição privilegiada, logoliderada por Pinheiro Machado queocupava a vice-presidência do Senado Irradiou

 28 Afonso Arinos

Page 28: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

nasceria a rivalidadecomRosa eSilva, chefeda política pernambucana, quepreten-dia ser seu, por direito derivado da geogra fia, esserelevantepapel. O novo chefe, re-presentando o Rio Grandedo Sul, coma força ea estabilidadequelhecon feriram Júlio deCastilhos eBorges deMedeiros (quedominou o Estado por quasetrintaanos, reelegendo-seou elegendo umnomea elefiel), foi a mais eficienteforça desestabi-li zadora do sistema. Somava-seà sua atuação os vínculos como Exército, vínculostradicionais da política do seu Estado, outra força desestabili zadora, havida por adormecida, atéquea surpresa de1910, coma eleição deHermes da Fonseca, acor -dou os políticos, inclusivesobrea extensa etenaz raiz do poder do senador gaúcho.Contra as advertências deRodrigues Alves, não quis Campos Sales acreditar que Estados como o Rio Grandedo Sul, comsuas “tendências exclusivistas”, pudessem,“cada umpor seu lado, extremar o grupo na veri ficação dos poderes como fimdeconstituir uma maioria quegarantisseo predomínio da sua in fluência na direçãopolítica da República”.(Ibid., pág. 247.) Não contava o con fiantepresidentequeaescolha eeleição do sucessor – “o grandeeixo da política nacional” (ibid., pág. 365)– fosseo ponto mais vulnerável da instituição presidencial, ao ponto de, em1930,explodi-la pelas armas.

 Para concluir estecapítulo, uma palavra há deser dada sobreo SupremoTribunal Federal, como instituição, atéaqui ausentedequalquer análise. Quepapelteria elenesseregimeautoritário, ondeo presidenteda República, comseus acólitosestaduais, era tudo? O modelo americano reservara ao mais alto tribunal umpapelpolítico, capaz defrear os abusos depoder dos outros poderes. Foi alémda letra cons -titucional, impondo-se, sobretudo depois deMarshall, como a barreira intransponívelà onipotência do Congresso edo presidenteda República, o poder quejulgaria osoutros poderes. E aqui, que foi feito do modelo original, engrandecido no textoconstitucional coma consagração desua jurisprudência? Não seria – como queria oconstrutor da República, Rui Barbosa – o Supremo Tribunal Federal “o sacrário daConstituição”, o “guarda da sua hermenêutica”, o “veto permanenteaos so fismasopressores”? (Apud João Mangabeira, Rui – O Estadista da República, Rio,1943, pág. 76.) Emcomentário a umdoshabeas corpusqueimpetrou contra osatos deFloriano, denegados pelo Supremo Tribunal Federal, ondesó teveumvotoqueconcedia a ordem, escreveu duramente:

“Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência,espírito conservador, interpretação restritiva, ra zão deestado interesse

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 29

Page 29: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

do ferretedePilatos. O bomladrão salvou-se. Mas não há salvação parao juiz covarde.”(In João Mangabeira,id., pág. 79.)

 Mais tarde(1914), Rui abrandou suas críticas, reconhecendo quealgumas conquistas da liberdadeforamgarantidas pelo Supremo Tribunal Federal,mas não deixou demani festar algumas reservas à instituição. Semquea justiça funcionasseaqui como a americana, semqueos juí zes da cortesuprema fossemabarreira contra as usurpações do presidenteeàs invasões das maiorias legislativas,“contra a onipotência degovernos econgressos igualmenteirresponsáveis, era entregar o país ao domínio das facções e dos caudilhos”. (Rui Barbosa, Escritos eDiscursos Seletos, Rio, 1966, pág. 552.) Mas, continuava, por mais que aConstituição estatuíssecontra fortes contra seus agressores, ao ponto deser a Carta federal mais liberal do quea dos Estados Unidos, “necessitava decontar, como contaa americana, coma vigilância desvelada eo enérgico apoio da opinião nacional”. No Brasil esseapoio falecia: “tão escasso edébil, tão inconstanteefalível, tão tímido enegligente, tão super ficial econtestável” essepoder inerme estaria su jeito a todaespéciedereceios, diantedeumgoverno oligárquico eonipotente. (Ibid., pág. 552.)

 João Mangabeira formulou umjuí zo rigoroso ebravo sobreo SupremoTribunal Federal:

“O órgão que, desde1892 até1937, mais falhou à República,não foi o Congresso. Foi o Supremo Tribunal Federal. Grandes culpasteve, semdúvida, o primeiro. Teve, porém, dias deresistência, dequesaiu vitorioso ou tombou golpeado. ...Demais, no Congresso semprehouveminorias insubmissas, desdea queen frentou Deodoro, a que, por maisdecinqüenta votos, aceitou a denúncia contra Floriano, atéa querejeitouas emendas constitucionais de1934... O órgão quea Constituição criarapara seu guarda supremo edestinado a conter, ao mesmo tempo, os excessosdo Congresso eas violências do governo, a lei desamparada nos dias deriscoeterror, quando, exatamente, mais necessitava ela da lealdade, da fidelidadeeda coragemdos seus defensores.” (João Mangabeira, ibid.,págs. 77 e78.)

Opõe-secomveemência a essejuí zo umministro do Supremo Tribunal Federal, queconcorda como duro ataqueapenas numponto, o quealudeao governo Floriano faseemque“vacilou Errou Tergiversou” Logo a seguir iria encontrar seu

30 Afonso Arinos

Page 30: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Mas, dentro de pouco tempo, o Supremo Tribunal Federalimbui-sedesua missão eaos poucos, tenazmente, constituiu-serealmenteo guardião do templo das liberdades ameaçadas.” (Aliomar Baleeiro,O Supremo Tribunal Federal, Esse Outro Desconhecido,pág. 25.)

 Emdefesa do Supremo Tribunal, argumenta o Ministro Baleeiro comadoutrina brasileira do habeas corpus. Semdúvida, esse foi ummomentoculminantedo órgão, quedetal maneira perturbou o governo quea Reforma Consti-tucional a anulou. Depois disso, o Supremo Tribunal Federal, à míngua deummeioprocessual, quesó veio coma criação do mandado desegurança, ficou inibido decontrolar o poder eos abusos do Poder Executivo, fiel ao esquema Campos Sales, até1930. Contra a independência da instituição conspirou o recrutamento dos membrosda corte, escolhidos entreos chefes depolícia, que, embora juristas demérito, tra ziama marca indelével dehaveremestado a serviço da facemais sombria do poder. (Aliomar  Baleeiro, ibid., pág. 197.) Deve-sedi zer queo estudo sobreo Supremo Tribunal Federal ainda está por ser feito, inclusivena sua atuação nas crises mais graves da República, como 1930, 1937 e1964. Nossos historiadores ebiógra fos deramescassaatenção a essefundamental ramo constitucional.

 Foi nessequadro epanorama queRodrigues Alves chegou ao poder, com90,9% dos votos, numuniverso de500.000 eleitores, quecorrespondiama 3,4% dapopulação. (Os Estados deMinas, SãoPaulo eRio Grandedo Sul chegariama perfazer  47% do eleitorado.) A presença das instituições sobreos homens tema particularidadedefrear os presidentes, dotados depoderes ma jestáticos, mas submissos ao sistemaoligárquico, limitando a sua iniciativa pessoal, sempre quepretendammudá-las. Para antecipar, essa impotência evidenciou-sequando quis atenuar a ditadura dapolítica dos governadores, no ponto quegarantisseo direito derepresentação dasminorias na Câmara dos Deputados.

Como teria chegado Rodrigues Alves, governador deSão Paulo, à terceirapresidência paulista? O biógra fo aceita a versão deCampos Sales, exposta no seulivro, Da Propaganda à Presidência  (págs. 365 e segs.), que encontroualgumas contestações em obras publicadas recentemente Houve ao contrário do

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 31

Page 31: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Rosa eSilva, que, entremotivos para aspirar ao poder supremo, o agravo, nos seusdomínios dePernambuco, coma intervenção federal. Diversos candidatos foramaventados, sob a inspiração do vice-presidente, entreoutros nomes, Quintino Bocaiúva eo Ministro da Fa zenda, JoaquimMurtinho, como biombo da candidatura do pró -prio Rosa eSilva. Campos Sales, aludindo ao seu vice, acentuou queosegundo,eventual substituto esucessor doprimeiro, movido pela ambição evaidade, está “àprocura do lugar deprimeiro na oposição”. Estava atento a uma dissidência quese formara, por sugestão dosegundo, acrescido pela dissidência política deSão Paulo,comandada por PrudentedeMorais. Na hora final, depois das manobras do presi-denteemtorno deRodrigues Alves (Campos Sales,Da Propaganda..., ibid., págs.331 esegs.), a oposição ficou redu zida aos Estados do Maranhão, Pernambuco e Estado do Rio, unidos emtorno do nomeilustredo patriarca da República, Quintino Bocaiúva. A oposição não logrou reunir sequer 10% dos votantes, com23.500 votoscontra os 316.248 dados a Rodrigues Alves, votos, uns eoutros, comtodas as impure- zas das eleições da época. Desta vez, ao contrário do queaconteceu em1898, comomani festo assinado por Pinheiro Machado, contra o poder do presidentedeeleger seusucessor, integrou-sena maioria, incoerentementepelas ra zões deprudência epragmatismo já mencionadas.

Campos Sales não teria, segundo alguns observadores, como sevangloriou,criado umcandidato, senão que se socorreu do governador deSão Paulo, logoapoiado por Minas, colocando-seà frentedeummovimento irreversível, já alheio aoseu comando. O Rio Grandedo Sul que, pelos desejos deCastilhos, deveria ficar naoposição, vendo emRodrigues Alves ummonarquista comdiscutível conversão à República. Mas, o problema da aquisição dearmas, para en frentar o reaquecimentoda revolução de1893, dobrou a vontadedehomens quesabiamqueo “poder é opoder”, irresistível e incontrastável. (Cf. Edgard Carone, A República Velha(Evolução Política), São Paulo, 1971, págs. 192 esegs.) O presidenteteria serendido ao nomedemaior prestígio no quadro político, para manter a aparência dasupremacia, uma das bases da “política dos governadores” queestava lhefugindo dasmãos.

“Pôdeser feita facilmente– escreveJoséMaria Belo ( História daRepública, São Paulo, 1956, pág. 231) – a indicação deRodrigues Alves para sucessor deCampos Sales na presidência da República. Oseu nomesurgia por si mesmo, pela con fiança queinspirava aos políticos,

32 Afonso Arinos

Page 32: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Essa con jectura assume maior densidade, seválidas as in formaçõesprestadas por Dunshee deAbranches ( ibid., págs. 300 esegs.), segundo as quais,apesar da in fluência que Rodrigues Alves exercia no espírito deCampos Sales,este o chamava de “retrógrado” e “carranca”. De outro lado, a candidatura dogovernador paulista encontrava o obstáculo de ser o terceiro paulista na presidên-cia e do seu passado monarquista. Na verdade, a candidatura teria surgido darivalidade entre a Bahia e Pernambuco, que, mais tarde, levaria, na sucessão de Epitácio Pessoa, a uma crise pré-revolucionária (José Maria Belo, ibid, págs.325 e segs., coma Reação Republicana, 1921), reunindo-se em torno dacandidatura de Nilo Peçanha a Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e o Estado do Rio.

O chefebaiano SeverinoVieira, ex-ministro deCampos Sales egover-nador da Bahia, para impedir a ascensão dePernambuco, teria lembrado publica-menteRodrigues Alves, numbanqueteemSão Paulo. A candidatura “fora recebidacomdesdémeacrimônia no palácio do Catete”.

“Campos Sales tivera para seu ex-ministro (Severino Vieira), fra-ses ásperas eduras derecriminação. Declarara a seus íntimos quetudoaquilo não passara deimprudência semnomeedeuma leviandadetantomais inoportuna quanto era muito cedo ainda para tratar-sedetão me-lindroso assunto. E fi zera ainda a apoteosedeQuintino Bocaiúva, oúnico estadista talhado – emsua frase– para ser o continuador desuapolítica financeira, segundo o plano por eletraçado, econservando napasta da Fa zenda JoaquimMurtinho.” (DunsheedeAbranches,ibid.,págs. 303 esegs.)

Campos Sales, seaceitos tais fatos, assumiu a direção da empreitada deuma obra feita, a sentinela dos fatos irremediáveis. O quetorna mais verossímil essacon jectura éo próprio Campos Sales, emdois lances: o primeiro, no telegrama queexpediu a Severino Vieira, nos fins de1900, no qual declara “sei queRodrigues Alves encontra seu apoio...., queconsidero competenteno duplo plano político eadmi-nistrativo”, bemcomo a interpelação quefaz, depois disso, a Rodrigues Alves: “terávocêqualquer dúvida emser o continuador desta política?” (a política econômica,principalmente) (ibid., págs. 371 e380). A resposta deRodrigues Alves, anteci-pe-se envolta emsingular sagacidadea manha dequemsereserva a independência e

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 33

Page 33: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

VI 

Quando a República inesperadamenteseinstalou, Francisco dePaula Rodrigues Alves, nascido em1848, emGuaratinguetá, já coma população rural eurbana demais de100.000 habitantes, uma das maiores cidades do país, estava nocurso deuma carreira política vitoriosa. Bacharel da FaculdadedeDireito de São Paulo, elegeu-se, filiado ao Partido Conservador, deputado provincial emtrês legisla-turas, deputado geral emdois mandatos, exercendo, de1887-88, duranteo governodo gabinetedeCotegipe, a presidência deSão Paulo. Sea monarquia durasse, esta-vamabertas as portas para o ministério, o Senado eprovavelmentea chefia do gabi-nete. (O mesmo sepodedi zer deseu colega deFaculdade, Afonso Pena, que, até1885, já havia ocupado três ministérios emais dois por acumulação.) Filho deimi -granteportuguês queseenrai zara emGuaratinguetá, pela atividadeeconômica epelo casamento numa conceituada família local, Rodrigues Alves foi mais longe: ca -sa-se, em1875, comAna Guilhermina, neta do viscondedeGuaratinguetá, quepa -trocinava a sua carreira política. Deixou esteuma fortuna demais demil contos deréis, quecorrespondia a meio por cento detoda a circulação monetária do país. No -te-sequea imensa fortuna deRodrigues Alves não deriva dessa herança, mas da for -tuna do pai edeseus negócios na lavoura ena exportação do café. Entrava na Repú-blica – republicano de16 denovembro –, como acontecera coma quasetotalidadedos conservadores, então fora do poder, despejados, em1889, pelos liberais. Rico enobilitado pelo casamento epela sua avó materna, político provadamentehábil, tinhatodos os títulos para, na República, continuar sua carreira.

Os republicanos, quelogo sefundiramaos conservadores, exceto no RioGrandedo Sul, ondeo Partido Republicano excluiu a colaboração dos monarquistas,aceitaramseus títulos anteriores. Os históricos PrudentedeMorais, Campos Sales e Bernardino deCampos levaramos ex-monarquistas Rodrigues Alves eAntônio Prado (mais velho do queRodrigues Alves etrês vezes ministro) a integrar a banca-da paulista na Constituinte.Não se perca de vista que tais aparentes con -descendências não se de viam à magnanimidade dos republicanos. Rodri-gues Alves era detentor, a esse tempo, do poderoso colégio eleitoral deGuaratinguetá, um dos maiores e mais sólidos do Estado. Tenha-se emconta, ob viamente, que ele não dispunha de um contingente popular,mas dos chefes que presenta vam o povo. Esse, pela sua importância, éumdos fenômenos mais notáveis numgrandeEstado equiparável talvez a Afonso Pena

34 Afonso Arinos

Page 34: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

republicano devéspera, não seequipara aos outros casos: elesobreviveu por ter havidoconstruído a República esua estrutura jurídica, permanentementesenador por forçado prestígio intelectual epolítico, queseu Estado primava emreconhecer erespeitar,semquetivesseuma área dein fluência eleitoral.

 Mais tarde, as oportunidades ofereceramao ex-monarquista conservador todos os postos, commaior realce, do quea monarquia lheofereceria, sobretudo emtempo tão curto: ministro deFloriano edePrudentedeMorais, deputado federal,senador, governador deSão Paulo e, fenômeno inédito na nossa história política, duasvezes presidenteda República comumespaço entreuma eleição eoutra dedezesseisanos. Ninguémestaria mais habilitado para desvendar o bemguardado segredo do fulminanteepermanenteêxito deseu biogra fado do queAfonso Arinos. Reuniu omais rico arquivo, composto dedocumentos até então esparsos, valori zado pelasrecordações familiares, casado comuma neta deRodrigues Alves.

 Afonso Arinos mostra, emalguns momentos, a perplexidadedos historia-dores sobrea figura do homemedesuas artes políticas, homemvisceralmentepolítico, to -das as suas outras qualidades, as deorador ejornalista, postas ao seu serviço dessa tirâ-nica vocação. São palavras insubstituíveis do biógra fo, emextensa enecessária citação:

“A visão histórica da personalidadedeRodrigues Alves concen-tra-se, quasequesó, na sua passagempela presidência da República,deixando na sombra dados essenciais, explicati vos da forma-ção do estadista capaz de realizar aquela obra e, também,omitindo a sua experiência propriamente política, sem cujoconhecimento os quatro anos culminantes da sua existênciasão, de certo modo, inexplicá veis. Enigma tão impenetrá velque a tendência de muitos é atribuir-lhe, apenas, capacidadede escolha dos auxiliares diretos, e respeitabilidade pessoalpara mantê-los coesos na ação.(O gri fo não édo original.)

Os queassimpensam, eisto afirmam, parecemesquecer-sedequeo granderegentedeorquestra sabemais música do quequalquer dos figu-rantes da mesma. Não toca, coma per feição decada qual, o instrumentoquelhefor afeto, mas temmais vivência da partitura, como umtodo.

....................................................................................................

 Para quesecompreenda o presidente éindispensável conhecer-sea

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 35

Page 35: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

têmidéia do quefoi o seu governo, emSão Paulo, depois da presidênciada República) eétambémmister saber-seo quefoi sua ação depolíticopro fissional, porquenestaestá a cha ve que decifra todo o fecundosentido de sua vida.  (Os gri fos não são do original.) Não sendoorador eescritor como Rui eNabuco, nemsabedor degeogra fia históricaemusculoso trabalhador intelectual como Rio Branco, Rodrigues Alvesnão deixou mostras visíveis da maturação da sua personalidadeedossegredos da sua autoridade, queexplodem, por assimdi zer, emquatroanos deação vertiginosa e fulgurante, quea muitos parecemsaídos dapenumbra ea ela restituídos.

 Mas o reino da História éo dos fatos, eos fatos, embora às vezesdeterminados pelo acaso, não sebaseiamemmilagres.

O Rodrigues Alves presidentenão teria existido senão existisseo Rodrigues Alves político atéa medula dos ossos, político dos bancos da FaculdadedeDireito ao leito demorte, na hora da morte.

....................................................................................................

 Historicamentea revelação da personalidadedeRodrigues Alves étarefa demagna importância, porque, indo muito alémdesua pessoa,explica emgrandeparte– talvez sepossa di zer na maior parte– todauma época da vida nacional, queéa entrada do Brasil no século XX.”( Págs. 72 e 73.)

 Nessa explicação preliminar, condensa-seo alcanceea pro fundidadedabiogra fia deumvulto exponencial na história da República. Há, diantedo historia-dor, uma densa es fingea deci frar, só desvendável coma visão histórica da perso-nalidade de Rodrigues Alves, situada numa es fingemaior, queéa própria República Velha, esta, uma es fingepelos arquivos perdidos ou irrevelados, escassa-menteestudada, empro fundidade, pelos historiadores. Afonso Arinos recusou, nes sepasso, a escolha do presidentecomo expressão da loteria da história, cujo prêmio nãoestá su jeito sequer ao cálculo das probabilidades. Na República Velha os chamados,os verdadeiramentechamados, erampoucos e, entreos poucos, a previsão do escolhidorecaía emnão mais do queduas ou três opções. O tempo das surpresas dos ungidospelo destino ainda não chegara, reservado para a história contemporânea. A recons-trução dos passos pessoais epolíticos são a essência da biogra fia documentada em

36 Afonso Arinos

Page 36: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

historiadores quesão, ao mesmo tempo, fiéis aos fatos, mas não desdenhamdos conse-lhos deClio, acessíveis apenas aos quefreqüentam, comdevoção, seu templo. Nemsempresuas afirmações são conclusivas, tradu zindo o sentimento deinsu ficiência dahistória, obrigando seus devotos a recorrer à con jectura e à hipótese, permitindoao historiador decidir, diantedo fato, a mais viável, a mais convincentee, setiver sorte,a mais irrefutável. A investigação éa alma da biogra fia emtela, ao modo das no -velas policiais, devotada, semprescindir do suspense, a encontrar a personalidadedo personagem-chave. Procura, na sucessão incoordenada edescontínua dos aconte-cimentos, dar-lhes coerência pela trama integradora das instituições, ondea trama écontínua pelo encadeamento causal, na particular causalidadehistórica enão nacausalidadedas ciências naturais. Sobretudo, personagens einstituições, depois de filtrados, sefa zem visí veis, segundo a técnica própria deBal zac, romancista irres-tritamente admirado pelo biógra fo, talvez por ter sido o ficcionista que, entre osromancistas quea história literária destacou, o quemais flertou explicitamentecoma musa da história.

VII 

 Permite-seo biógra fo, ao longo deseu trabalho, duas hipóteses, uma acercadaBurchenschaft ( Bucha, na referência correntea essa sociedadesecreta) (págs. 24 esegs.). A outra diz respeito àhistória virtual, a história condicionada aose: por exem-plo, como seria o Brasil, sevitoriosa a Revolução Paulista de32 (Virtual History – Alternati ves na Counterfactual, Niall Ferguson (ed), Papermac, 1977). A Bucha floresceu na FaculdadedeDireito, desde1832, fundada por ummisterioso Júlio Frank,denacionalidadealemã, cuja identidadenunca pôdeser fixada. A sociedadeobedecia aomodelo das sociedades secretas dos estudantes alemães, cu jos membros eramescolhidos por cooptação, guardando, depois deaceitos, fidelidadeaos seus princípios políticos efraternasolidariedadecomseus filiados.

Seus dirigentes emembros foram, entreoutros, figuras queiriamocupar,no Império ena República, os mais altos postos políticos.

 Entre os primeiros, os dirigentes, estiveram Francisco Otaviano, Visconde de Ouro Preto, Prudente de Morais, Campos Sales, Rui Barbosa, Assis Brasil, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Barão do Rio Branco, Pinheiro Machado, Afonso Arinos, Pedro Lessa, Venceslau Brás, Bernardino deCampos, Davi Campista, Washington Luís,  Melo Franco Antônio Carlos, Altino

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 37

Page 37: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

estão gri fados). Quer o autor queos bucheiros PrudentedeMorais eCamposSales, solidários comseu companheiro Rodrigues Alves, o tivessemchamado, logo noinício da República, estemonarquista filiado ao partido conservador, para dirigir, emSão Paulo, os destinos do regimerepublicano.

 A Bucha explicaria o jogo oligárquico da República Velha, commano-bras secretas “demuitos arranjos ecomposições entreos próceres, queescapavamàvisada do observador inscienteesuper ficial” (pág. 109). A mortedeRodrigues Alves, em1919, teria levado, comela, o fimdaBucha (pág. 112). Falta a provadocumental eoral, alémdaquela tenuementemostrada pelo biógra fo, para a formaçãodemelhor juí zo sobrea ousada hipótese. O quea teseprova équea FaculdadedeDireitodeSão Paulo foi a antecâmara da política republicana, para repetir aqui uma famosa observação deNabuco sobrea FaculdadedeOlinda eReci fe, bemcomo aescola deondesaíamos políticos, deacordo coma característica dos cursos jurídicos,nos quais a oligarquia educava seus rebentos, levando-os ao Congresso, à governança dos Estados eà presidência da República.

O ensaio da história virtual está na afirmação deque, vivo Rodrigues Alves, a República Velha poderia serenovar, semperecer comsua morte, entregue,depois do fatal evento, a forças impenetráveis à inovação. Desta sorte, Rodrigues Alves, queabrira o país ao século XX, poderia levá-lo, semabalos, a preservar a República. É indispensável lembrar as patéticas eemocionadas palavras do biógra fo:

“Emfacedeummundo querenascia dos destroços do prussianismoedas incógnitas do marxismo, o Brasil ficou, derepente, semumcondutor capaz deguiá-lo no caminho a ser percorrido, eque, pela sua experiência esua autoridade, pudesseconservar a estrutura política tradicional, adaptando-seàs contingências das nossas realidades. Ficou sema liderança do conservador progressista, queera Francisco dePaula Rodrigues Alves.

 Naquela desorientação geral dos espíritos, ninguémpôdeatentar queoutra mortevinha a ocorrer, sem ser percebida pelos contemporâneos.

 Em16 dejaneiro de1919 morria comRodrigues Alves a Repúblicade15 denovembro de1889.” (Pág. 502 do VolumeII.)

 Ainda como pressuposto da hipótesedequeos governos reacionários de Epitácio Pessoa eArtur Bernardes eWashington Luís estariamdestinados a provocar o1930, édi ficil justi ficar a probabilidadedeRodrigues Alves encarreirar as forças

38 Afonso Arinos

Page 38: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

eMinas. Nenhuma demonstração deixou dequeseria sensível às reivindicações tra -balhistas, nemà quebra da oligarquia, coma demolição da obra deCampos Sales,dentro da qual, comalgumas correções, florescera, como político ecomo estadista. Deoutro lado, a revolta da vacina, comsua repressão, destoa desua flexibilidadesocial,na qual não condescendeu como quesechamava o “populacho”, o povo privado deci-dadania. Sea República Velha morreu comRodrigues Alves teria perecido como a República deCatão deUtica, juntamentecomosoptimates,mas não dospopula-res, opacos à visão daqueles.

VIII 

 A presidência deRodrigues Alves, louvada pelas suas reali zações, consi-derada a mais pro fícua da República Velha, ao ponto deser recondu zido ao altoposto, dozeanos após concluir o primeiro mandato, feito único na história republica-na, tema explicação da lógica política. Não sedeveapenas à escolha deseus auxilia-res, aos quais dava ampla autonomia, coma reserva decumpriremsuas ordens: “osministros fa ziamtudo o quedesejavam, exceto o queelenão queria” (pág. 381). Aescolha deseus auxiliares não separticulari zou, salvo notáveis exceções, por seafas-tar da classedirigentedo seu tempo. No ministério, a única enotável novidadefoi aconvocação imperiosa, dada a relutância do escolhido, do barão do Rio Branco, cujorespeito era uma unanimidadenacional. Fora do corpo ministerial, umdesconhecidoiria, mais tarde, impor-seà admiração do país, Osvaldo Cruz. A obra administrati-va, sob o comando do Ministro da Viação, Lauro Müller, levou para a vida públicadois engenheiros, atéentão alheios à política: Pereira Passos ePaulo deFrontin (ohomemda “água emseis dias” já lhehavia pro jetado o nome).

O biógra fo dá relevo à afirmação deGilberto Amado dequeRodrigues Alves sedispôs a fa zer “uma revolução autêntica na história republicana” (pág.335). Mas, que“revolução autêntica” seria essa, con finada a obras urbanísticas,sanitárias eportuárias na capital federal? Coma palavra Afonso Arinos, numaexplicação logicamenteirrefutável, tendo emconta o Brasil de1902:

“Os observadores menos in formados ou mais ligeiros não deixamde comparar o pequeno centro da dramática ação governativa comoimenso território do país. Para concluir daí queRodrigues Alves foi uma

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 39

Page 39: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A escassa população brasileira daquele tempo, a insu ficiênciados transportes (pequena rede ferroviária e quase inexistentesistemarodoviário), a economia da exportação, tudo vinha aumentar desme-didamente a importância das cidades marítimas, dos portos de mar.”(Pág. 401.)

 No tempo emqueo caféera a baseda economia do país, o caféqueele-vara São Paulo a ocupar o primeiro lugar na produção, não seria mais lógico queseprivilegiasseo porto deSantos do queo do Rio deJaneiro? A cabal explicação daimportância econômica, social epolítica do Rio deJaneiro encontra-seemLiteraturacomo Missão,deNicolau Sevcenko (São Paulo, 1983, pág. 27):

“A cidadedo Rio deJaneiro abreo século XX defrontando-secomperspectivas extremamentepromissoras. Aproveitando deseu papel privi-legiado na intermediação dos recursos da economia ca feeira edesuacondição decentro político do país, a sociedadecarioca viu acumular-senoseu interior vastos recursos enrai zados principalmenteno comércio enas finanças, mas derivando já também para as aplicações industriais. Núcleo da maior redeferroviária nacional, queo colocava diretamenteemcontato como Valedo Paraíba, São Paulo eos Estados do Sul, EspíritoSanto eohinterlanddeMinas Gerais eMato Grosso, o Rio deJaneirocompletava sua cadeia decomunicações nacionais com o comércio decabotagempara o nordesteeo nortedeManaus. Essas condições prodi-giosas fizeramda cidadeo maior centro comercial do país. Sededo Bancodo Brasil, da maior bolsa devalores eda maior partedas grandes casasbancárias nacionais eestrangeiras, o Rio polari zava tambémas finançasnacionais. Acrescente-seainda a essequadro o fato deessa cidadeconstituir omaior centro populacional do país, oferecendo às indústrias queali seinstalaramemmaior número nessemomento o mais amplo mercado nacionaldeconsumo edemão-de-obra.

 Na passagemdo século, o Rio deJaneiro apareceu comdestaquecomo o décimo quinto porto do mundo emvolumedecomércio, sendosuperado no continenteamericano apenas por Nova IorqueeBuenos Aires.”

 Acima detudo, os grupos depressão concentravam-seno Distrito Federal,então a maior cidadedo Brasil a quemais in fluenciava os seus destinos esua política.

 40 Afonso Arinos

Page 40: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

nacional queabriu para o Brasil as portas do século XX. Portas quea implacávelpolítica econômica deCampos Sales mantivera trancadas” (pág. 338). Rodrigues Alves, semseafastar da baseagrária eca feeira, nemsempreguiado pelo legalismoherdado da FaculdadedeDireito deSão Paulo, seria o porta-voz da burguesiaprogressista deseu Estado, como culto conservador da reforma, da paz política, dopredomínio civil, favorável à imigração, semabalos econômicos esociais. Mas, asreformas deseu governo, estariamisentas do extravio do estado deDireito?

 IX 

 Pereira Passos, o prefeito escolhido para as obras deremodelação do RiodeJaneiro, quegiravamemtorno do porto, contou comos poderes da lei de29 dedezembro de1892, votada sob os auspícios do presidente. Nos anais legislativos da República – salvo nos momentos deeclipseda legalidade– não terá havido lei mais“draconiana”(pág. 411), con ferindo à autoridadeadministrativa plenos poderes paraatuar comindependência do legislativo local edo judiciário. A convocação do Conselho Municipal so freu o adiamento deseis meses, o prefeito administrava segundo os preceitosda lei recém-sancionada.

 As autoridades judiciárias, locais ou federais, não poderiaminter ferir nosatos administrativos, nemconceder interditos possessórios. A demolição, despejo,interdição ou outras medidas, secompletavamcomumauto afixado no local, queprevia penalidades contra a desobediência. As demolições sefa ziamainda comaspessoas dentro dos prédios. Os assentamentos nos livros das repartições federais sobretrans ferências deimóveis, para os fins deurbanismo, valeriamcomo escritura pública,prescindindo da outorga uxória ou da transcrição do título (pág. 411). Mais tarde,as desapropriações amigáveis tiveramlugar, diantedeuma comissão, levadas a cabosob a espada de umpra zo mínimo de caducidade do direito (pág. 447). Mais deseiscentas casas foramdemolidas.

“A lei de29 dezembro – escreveo biógra fo – foi umdos pretextosmais fortes para a conspiração política emilitar queculminou emnovembrode1904.” (Pág. 413.)

 Ainda assim, apesar das conseqüências da lei, o autor reputou umaaberração dos republicanos, demagogos radicais, ao “atiraremo povo emnomeda

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 41

Page 41: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

abrir as portas do futuro”. (Pág. 413.) Haveria uma contradição histórica – insiste Afonso Arinos – no ataquedos membros da elite, das forças armadas, da imprensaedo Congresso à reali zação deobras detal vulto, tendo emconta a necessária remo-delação da cidade(págs. 413). Rui Barbosa, ainda em1903, via nos poderes con fiadosao prefeito o risco deum“senhor absoluto”, deum“ditador insuportável”. (Pág. 415.) Comas obras da Avenida Central e ad jacentes, “cortiços, hospedarias,estalagens, pardieiros, restos vivos deumpassado morto, con fundiam-seno pó dasderrubadas”.

Quase50.000 pessoas moravam, em1888, emestalagens equartos dealuguel, acrescidos do vasto contingentedeescravos, libertados nesseano, quetevedemudar-separa as in fectas casas decômodos (João do Rio, A Alma Encantada dasRuas, São Paulo, 1997, págs. 277 esegs., traçou dramático per fil deuma delas, em1904), para as favelas, então nascentes, ou para os subúrbios da cidade. A abolição,ea criseda economia ca feeira quea seguiu – nota Nicolau Sevcenko(Literaturacomo Missão, São Paulo, 1983) –, inchou a cidadecomlargo contingentehumano(cerca de85.000 ex-escravos emais de70.000 imigrantes). A cidadecrescia 3% aoano. Enquanto isso, no outro extremo, o Rio moderni zava-se– “o Rio civili zava-se”,como feste java umcronista – comos bondes elétricos e as avenidas.

 A cidadeinsalubretornou-seainda mais su jeita a doenças. Os saláriosseaviltaramcomo excesso deoferta da mão deobra, coma agravanteda carestia edodesemprego. A especulação imobiliária, queacompanhou a urbani zação, contribuiutanto como as demolições para o incremento ea superpovoação dos cortiços edas cons -truções dos barracos nas favelas esubúrbios. Os casebres eramconstruídos comcai-xas dequeroseneefolhas deflandres, ou desapéebarro, nas favelas, enos subúrbiosos miseráveis barracos eramdesprovidos deesgotos e precariamenteservidos deumabica deágua (maiores detalhes emSevcenko, na fundamental obra citada). Para aburguesia, queseisolara das classes populares, osoptimates da República, a fascinação por Paris ditava uma época nova efeliz, comas reformas deHaussman,sob a ditadura deNapoleão III, comseus bulevars, ea imitação deBuenos Aires foramos modelos quedeslumbraramPereira Passos eFrontin.

 X 

 Rodrigues Alves con fidenciou a umamigo quetinha dois propósitos,como programa degoverno: o saneamentoeomelhoramento do portodoRiodeJaneiro

 42 Afonso Arinos

Page 42: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

complementar. O saneamento era umcomplemento harmônico da urbani zação,tornando a capital reformulada livre das calamidades queafastavamos visitantesda cidadeeforçavamo corpo diplomático eas pessoas abastadas a passar o verãoemPetrópolis, supostamenteimunea elas. A capital federal era mal afamada pelos freqüentes surtos da pestebubônica, da febreamarela eda varíola. O conselho deamigos levou o presidentea convocar, para a área do saneamento, ummédico desco-nhecido do público, mas respeitado pelos colegas pelos seus 26 trabalhos cientí ficos,emportuguês, francês ealemão, umjovemdetrinta anos, comseus estudos dehigieneprovados por umcurso deaper feiçoamento emParis, no Instituto Pasteur.

 Nomeado para a Diretoria da SaúdePública, fixou-se, ignorando a ar -denteeveementeoposição, na tese, já comprovada emCuba, da transmissão da febreamarela pelo mosquito. Tomou duas providências simples eeficientes: extinção dosmosquitos transmissores eisolamento dos doentes, para evitar queaqueles a levassema outras pessoas (pág. 479). O isolamento do doente, coma entrada, ainda quenãoconsentida, dos agentes dedesin fecção, soou como uma invasão ao lar, semrespeito às famílias. Outra conseqüência, comamplos efeitos sociais, foramas interdições das ca -sas insalubres, expedientetambémutili zado no combateà pestebubônica. Essa ação foi mais umfeixedelenha para a revolta de1904. O êxito das medidas foi peremp-tório, caiu de584 óbitos, em1903, para 48 em1904, chegando, apesar dealgunspercalços, a zero em1909 (pág. 483). Para uma população de750.000 habitantes,os prédios expurgados não passaramde30.000, embora as visitas domiciliares tives-sematingido mais deummilhão emeio. A febreamarela recrudescia no verão, en -quanto a pestebubônica desenvolvia-seno inverno.

O combateà pestebubônica, coma desin fecção deruas ecasas, pararemover a su jeira, ondeproli feravam ratos epulgas quein festavamuma cidadecoberta delixo nas ruas, compequeno sistema deesgotos, tinha solução aparentemente fácil, queexigia es forço contínuo etenaz. Tambémaqui a interdição decasas acendiaa revolta dos atingidos. A doença, quereaparecera no Rio, em1900, não apresentavaalta letalidade, o quenão signi fica quenão devesseser debelada.

O grandeproblema social surgiu, na área do saneamento, coma vacinacontra a varíola, causa nominal da revolta de14 denovembro de1904, ao mesmotempo insurreição popular emilitar. Obviamente, outros fatores levaramo Rio àebulição, gerando violenta oposição ao governo nas ruas, na imprensa eno Congresso. Assinala o biógra fo que, apesar da vitória da autoridade, “não evitou o seu desgastepolítico” (pág488). As mudanças rápidas na estrutura arcaica do país encontrarampela

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 43

Page 43: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

das. O desprestígio político, queo atormentou no fimdeseu quatriênio, ao ponto desetornar incapaz deescolher seu sucessor, deveu-se, emparte, a essa criseesobretudoaos interesses econômicos quesecongregaramna defesa do café, como conseqüenteabandono do liberalismo, emfavor do protecionismo.

O pro jeto deregulamentação da lei devacina obrigatória, quetranspirouantes depublicado oficialmente, permitia a vacinação por médico particular, comatestado comfirma reconhecida. Esseterá sido o aspecto mais lenientedo ato gover-namental. O atestado devacina era condição necessária para matrícula emescolas,emprego público, emprego doméstico, empregonas fábricas, hospedagememhotéis ecasas decômodos, viagem, casamento, voto. Praticamente, nenhuma atividadeerapermitida semo atestado devacinação.

 A reação foi imediata eexplosiva. Afonso Arinos assinala que ogoverno não utili zou, para medidas tão drásticas, nenhumes forço depersuasão. Lembra queao tempo emquea comunicação serestringia aos jornais, eramestesimpróprios para o convencimento da população, por estaremdeclaradamentecontra Rodrigues Alves eas medidas desaneamento (pág. 491). Di fundira-sena cidadeafirmação encampada pelo Deputado Barbosa Lima, o mais popular dos congressistas,quea vacina seria aplicada principalmentenas coxas, perto da virilha, ou nasnádegas, o que pareceu a mais depravada invasão da vida particular, com odesrespeito do recato das mulheres. O dever seimpunha a todos: defender a honradas filhas edas esposas.

 XI 

O ponto mais doloroso da gestão Rodrigues Alves foi a chamada revoltada vacina, uma revolta popular civil, con jugada a ummovimento militar. Parale-lamente, haveria uma conspiração para a instalação deuma ditadura quemudasseos rumos da República oligárquica. O biógra fo vênos acontecimentos denovembroumamazorca (págs. 489, 491). As causas da revolta assimsesumariam, depoisdecaracteri zar a ma zorca como obra deelites extraviadas, quehipnoti zaramapopulação:

“A ação revolucionária desenvolvia-seematividades convergentes,coordenadas porpequeno grupo, cuja tarefa era auxiliada pela zoeirairresponsável na imprensa eno Congresso O apoio popular à revolução

 44 Afonso Arinos

Page 44: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

à vacina voluntária. Os postos devacinação da saúdepública regis-travam23.021 pacientes emjulho esó 6.036 emagosto. A massaignorante explorada pelos demagogos acredita va nos explora-dores.” (O grifo não édo original.) (Pág. 500.)

Os “demagogos” teriamdiversas origens políticas: congressistas como Lauro Sodré, Barata Ribeiro, Barbosa Lima, Rui, Alfredo Varela; jornalistascomo Edmundo Bittencourt eLeão Veloso; militares como os generais Olímpio daSilveira e SilvestreTravassos; positivistas, alémdos mencionados, como Teixeira Mendes, edemagogos do portedo Pro fessor Vicentede Sousa. Os argumentoscontra a vacina eramdediversas índoles: a sua inocuidade, o risco deemlugar deevitar a varíola provocá-la. Acrescida deoutros males, e, sobretudo, dois tópicos,umfilosó fico-científico eoutro jurídico – a liberdadedeconsciência, pelos positivistas,tambémadversos à origemmicrobiana do mal, ea liberdadeindividual, só limita-da pela Constituição (cuidava-se, no fundo, da inconstitucionalidadeda medida). Insurgiu-seo mundo operário, ao qual sejuntava “a malta dedesordeiros recrutadaadredepara a mazorca”, todos sedu zidos pela oratória epelo prestígio do Pro fessor VicentedeSousa. “Bandos defacínoras eprostitutas” juntavam-sea vagabundos eagitadores industriados (grupos populares cada vez maiores auxiliavam adesordem).

 A caracteri zação dos componentes da revolta, bemcomo o papel dos“demagogos” a dirigir uma massa in formeefácil presa destes, correspondeàs fontesda época, que, inclusive, atestama ferocidadedos remanescentes jacobinos. A into-lerância destes não escapou à critica deLima Barreto, queos tinha na conta, comoapoio do positivismo, deaspiraremà ditadura, levando-os à terra sagrada da tiraniamilitar. ( Numa e Ninfa.) Mas, emcontrapartida, denunciou o preconceito da classedirigentededesprezar o povo evê-lo como umdesordeiro empotencial. (O povo, ora,o povo, quecapacidadeteria para entender a política ou as finanças?)

 Entreo político eas classes populares (no mundo rural há o “coronel”) aintermediação sefaz por misto decapanga edistribuidor defavores, coma missão deanular o resultado das eleições comsubornos ou pela força. Entreo político ea popu-lação torna-se, falsa a eleição, cada vez mais pro fundo o fosso: a nação acaba nãomais compreendendo a massa dos dirigentes, não lhes entendendo estes a alma, asnecessidades, as qualidades eas possibilidades.(Os Bruzundangas.) A cidadedo Rio deJaneiro, obedecendo a essa inspiração desegregar o povo, comseus tumultos esua miséria, dividiu a metrópoleemduas: uma européia, comseus bairros elegantes,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 45

Page 45: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

madraços, para os quais sepensou numa colônia correcional ( Numa e Ninfa), talcomo sefez na Índia enos países conquistados.

 A fascinante, criativa e bem documentada obra de José Murilo deCarvalho(Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi,São Paulo, 1987) abre uma perspectiva nova para a compreensão da revolta. A República, ao contrário da expectativa inicial deseus adeptos, tornou-seexcludenteerestritiva: dela seafastaramos intelectuais, seminteressena política ecompostosdecorativos na burocracia, os operários, “sobretudo sua liderança socialista, comasdi ficuldades deseorgani zaremempartidos”, di zimados os jacobinos. Os operários,distantes da política, dividiram-seemduas direções: os anarquistas eos dos queaceitavamintegrar-seno sistema cooptativo do Estado. A imprensa era surda àpopulação (pág. 37), presa ao mundo da cidadedo poder edo dinheiro. Nesseterritóriodeexclusões, a política, segundo o queo povo via, alémdos funcionários públicos,passou a ser negócio debandos decriminosos econtraventores, dos empresários deeleições, alimentados pelo submundo quecomprava comela sua imunidade.

“Raro éo homemdebemquesefaz eleitor, esesealista, paraatender a pedidos deamigos, não tarda queo seu diploma sirva a outrocidadão mais prestante, queno dia do pleito, para fins eleitorais, mudadenomeetoma o do pacato burguês quesedeixa ficar emcasa, evotacomeles. Isto éo quelá sechama: – umfós foro.” (Lima Barreto,OsBruzundangas.)

 A grandemaioria dos cidadãos não tinha espaço político, coma lógicaexcludentedo sistema. “O marginal – escreveJoséMurilo – virava cidadão eo cidadãoera marginali zado”(ibid., pág. 38), acrescentando a valiosa constatação:

“No entanto, havia no Rio deJaneiro umvasto mundo departici-pação popular. Só queestemundo passava ao largo do mundo oficial dapolítica. A cidadenão era uma comunidadeno sentido político, não haviao sentimento depertencer a uma entidadecoletiva, não havia umacomunidadepolítica. A participação queexistia era denatureza antesreligiosa esocial eera fragmentada.”(Ibid., pág. 38.)

 Depois dedemonstrar queexistia, à margemda política, umaglomeradoao qual senegava o direito decidadania, queera, tanto para o francês, como para oinglês, a “escória”, a “canalha”, a “escuma social”, entrenós eramsimplesmentebandos denegros emestiços Eles sedeixavamguiar, deacordo comumescritor, que

 46 Afonso Arinos

Page 46: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

queos levava à explosão.(Ibid., pág. 72.) O escritor francês chegou a atribuir a Ro -bespierre, dado a longos e teóricos discursos, qualidades hipnóticas. No Rio de Janeiro, o operariado eo proletariado (domésticos, jornaleiros eoutros) formavam71,5% da população economicamenteativa, semquedispusessedevoto. A maior parteda população não tinha direito à participação política, numa população comgrandes contingentes deex-escravos eestrangeiros semparticipação política – 20%tinha essedireito, mas não sepreocupava emexercê-lo.

 A cidadania ativa não estava no exercício do direito devoto – não esta-va enão poderia estar, dado como eramfeitas, for jadas eviolentadas as eleições no Brasil, comparticularidades especiais no Rio deJaneiro. A cidadania ativa estavaemoutro lugar, no único espaço a ela disponível: a revolta. A vacinação tevegrandeconcurso popular, quando não era obrigatória; obrigatória decresceu a presença nospostos desaúde.(Ibid., pág. 133.) A revolta da vacina não tevepadrão diverso deoutras revoltas na capital federal, como a revolta do vintém. Em1902 houvetrêsgreves e, em1903, 31. Ao contrário deser uma reação da “gentalha”, a revolta foialimentada por operários, como apoio desuas organi zações, que, emagosto, fi zeramo primeiro ensaio degrevegeral. (Ibid., págs. 117 esegs.) João do Rio, numa crônicade18-6-1904, mostra queos trabalhadores da estiva estavam, nessa época, estrutura-dos emtorno desuas organi zações declassecomforteconsciência desua posição deex -cluídos da vida política, pondo na boca deumlíder operário a seus companheiros: “Oproblema social não temra zão deser aqui? Os senhores acreditamqueestepaís érico,mas quesemorredefome? ...Não acreditemquenos basteo discurso dealguns senho-res quequeremser deputados.” (  A Alma das Ruas, São Paulo, 1997, pág. 264.)

 XII 

 Não é ob jeto deste prefácio a extraordinária carreira de Rodrigues Alves. Magistralmente, o biógra fo, comuma grandemassa dedocumentos, traça-lhea trajetória, depois de concluir seu mandato presidencial. Cuida-se, nestecapítulo final, da chavedo “enigma” deRodrigues Alves, comsuas qualidades próprias esuas qualidades quesedestacaramno seu meio eno seu tempo. O jornalismo – escre-veAfonso Arinos – queexerceu ao longo da sua carreira, deestudantea presidente,a oratória ea preocupação comas letras estavama serviço “do político visceral, queele era” (pág. 95). Nada o interessava fora da política: fora do poder preferia asolidão deGuaratinguetá, recolhido na sua mansão fruindo da companhia defilhos

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 47

Page 47: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Dos homens deseu tempo, distinguia-sedetodos, dotado da capacidadedever os fatos comrealismo, vigiando para quea vaidadeou a ambição os nãodeformassem. O per fil dos políticos da República Velha completa a percepção desua personalidade, pelo contraste: Floriano, “pelos excessos desua fria ambição”levaram-no a “exorbitar da ação política, para o arbítrio da força”. “A in flexibilida-deorgulhosa” ofuscou a visão dePrudente, levando-o ao ostracismo. O “bacharelismo formalista” desviou Campos Sales do caminho à volta ao poder. “A intolerância deidéias” trancou a carreira de Bernardino deCampos. “O apetitedemando e oespírito caudilhista” condenaramPinheiro Machado a não passar defrustrado candidatoà presidência. Rui, “o mais poderoso engenho da geração dos fundadores da República”, foi vítima desua “vaidadeintelectual” edo seu “irrealismo doutrinário”. E Rodrigues Alves?

“Rodrigues Alves era lúcido eflexível, enérgico esereno, pertinaz etransigente, ambicioso sempersonalismo, firmenos compromissos ehábilnas composições, duro na ação, mas tolerante quando obtinha o quequeria.

 Acima detudo, elepossuía, deforma admirável, o sentimento dequea política seexercesempretendo emvista algo queestá acima dela edequema pratica. Qualquer coisa deindefinível dentro do qual a inten-sidadeda vida, o gosto da glória eo desejo do poder estão semdúvidapresentes, mas que, emcon junto, transcendea tudo isso......” (pág. 114).

 Faltou di zer queo meio, o instrumento quereali zava seus ob jetivos, eraa subtileza, a extrema finura estilística, necessária numtempo emqueas comunicaçõesentreos políticos edestes para o público – o pequeno público queentão fa zia política– eramtodas por escrito. Talvez não haja na política republicana nada mais ele-gante, nada mais arguto, do quea correspondência deCampos Sales comRodrigues Alves, na hora desua escolha para a presidência. O convidado deixa o presidentenasituação dequepedeenão dequemfaz umfavor emani festa a preferência pelo sucessor.Queria Campos Sales queRodrigues Alves fosse“o natural prolongamento doperíodo quesevai seguir”.

 Desejava a continuação desua obrasob o tríplice aspecto político,econômico e financeiro. Emlugar demostrar o quenenhumpolítico recusaria,esquivou-seao convite, acentuando os inconvenientes desua candidatura elembrandoo nomedeBernardino deCampos. Rodrigues Alves, pelo teor da carta deseu ante-

 48 Afonso Arinos

Page 48: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

deanuir ao pedido desemani festar sobrea continuidadedo governo. Emnova carta,Campos Sales solicitou umcompromisso explícito sobrea questão, para eledeimportância fundamental, a aceitação do seu programa degoverno. A resposta foi outravez inconclusiva: diz queemseu governo, emSão Paulo, adota a mesma política dopresidentena parte política e administrati va (semaludir ao aspecto econômico e financeiro – queera a essência da carta do presidente).

Campos Sales deu-sepor satis feito, comtoda certeza con formado comodesejo deindependência deseu sucessor. (Campos Sales, Da Propaganda... obr.cit., págs. 365 esegs.) Outro episódio: transpirou pelos jornais queo presidenteelei-to convidara o Barão do Rio Branco para o ministério. O presidentenega a CamposSales o convite, por achar impróprio fa zê-lo antes dediplomado (o queéuma con fis-são da veracidadeda notícia), mas, diantedo entusiasmo do presidenteexpirante, so -licita quelhefaça o conviteemseu nome. A exploração da vaidadetem, ao lado dooculto humor, alguma coisa decruel. Destaque-sequea finura, a subtileza do estilo,nada tema ver como estilo literário, mas como uso da língua comeficiência política.O quesevêéqueRodrigues Alves não admitia quefosseposto no lugar desatélite. Elecomandava, ainda quea sua carreira viessea ser ajudada por outras pessoas,que, embora contribuindo emseu favor, não lhes cedia o bastão decomando. Estefoiseu jogo comCampos Sales, revelando uma constanteemsua longa econsagradatra jetória.

 Rodrigues Alves, como político, sempre perseguiu o poder, pela via dopoder enão pelo combatecontra os poderosos. Elejamais serebelou contra o seupoder. Chamaram-no o homemdetodos os governos: fiel ao Partido Conservador,guardou a mesma fidelidadeao Partido Republicano Paulista, semcultivar saudadesda monarquia, como JoaquimNabuco eo Barão do Rio Branco, ambos chamadospela República, sempleitear a adesão. Ministro deFloriano edePrudente, guardou,não obstante, a dignidadepessoal, que permaneceu intangível às suas lealdades. Nunca mani festou o incon formismo deumFrancisco Glicério, umPrudente, um Rui, umNilo Peçanha, umBarbosa Lima, entreoutros. Umfato dá a medida desua consciência realista do poder. Quando Rodrigues Alves era governador (presiden-te) deSão Paulo pela primeira vez, recebeu a visita dePrudentedeMorais, dequem fora ministro, quelhedá conta da dissidência ao governo federal, contestando seu di -reito deindicar candidato à sucessão. Advertiu ao seu velho chefe: “Agradeço-lheoaviso, mas vocêvai perder.” Prudentequis saber deondevinha tal certeza, ao queogovernador, sorrindo bateu coma mão na cadeira di zendo: “Por causa desta cadeira.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 49

Page 49: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

(Pág. 272.) Prudente, vinho da mesma cepa, mas capaz dedivergir comveemênciado governo, não duvidava do “acerto da decisão desabusada. Mas nempor istodeixou deseempenhar na luta”(pág. 272).

 Di zer queRodrigues Alves era umhomemvotado ao poder – votado evocacionado – édi zer muito pouco acerca deuma personalidadetão rica. Eleseriaumpolítico não maquiavélico, indi ferenteà moral. Não há nenhumato seu quedemonstre, ao queselêemsua biogra fia, uma felonia, como traição, per fídia ementira,para alcançar ou manter o poder. Tinha, serespeitadas as qualidades depolítico, oscaracteres do político weberiano: o domínio da vaidade, a paixão, o distanciamento dopoder, mas semjusti ficar os seus atos unicamentepelas conseqüências, incapaz detrair sua consciência moral. O próprio Nietszche, queequiparava a vontadedepoder aosmais saudáveis dos instintos, distinguiu os últimos emvis enobres, criando a hierar-quia dos valores. Eduardo Spranger, cu jos conceitos concreti zamo per fil dohomopoliticus (Formas de Vida, Buenos Aires, 1946), nota, a respeito dos políticoscuja autenticidadenão serestringeao ofício demandar, o quesegue:

“Emnosso sentido, o fenômeno primário do poder residena ener -gia quecapacita para submeter-seao supremo valor quecomo exigênciaseacrescenta à consciência. Estemodo dedomínio desi mesmo constituia fontedetodas as verdadeiras relações depoder. Só o poder baseadona autêntica substância dos valores é, emúltima instância, o verdadeiropoder. Todo outro poder só toma deempréstimo seu aspecto formal.” (Oexemplo seria Bismarck, quedeclarou quesenão estivessecerto quea ordemdivina não predestina a Alemanha a alguma coisa debemegrande,teria seafastado dos negócios públicos.) (Págs. 245 e246.)

 Mas há outra facequecomplementa o tipo do verdadeiro político,distantedo modelo maquiavélico, comalguns traços weberianos, não identi ficável como moldedopolítico cristão, o príncipedeSão Tomás deAquino. Elenão foi umpolítico semprincípios, quecolocava seu poder acima do país, mesmeri zado comamanutenção desua supremacia, exaltando os fins sobreos meios – “seénecessárioromper a lei para impor-se, éhonroso ebelo violá-la”, era já o modelo deEurípides,antecipando Maquiavel. A política seria a artedeaproveitar a ocasião ecriá-la, em favor do interesse– enão da ra zão – doEstado. Comdesdémpeloimperativo categóricodeKant, acentuava Bismarck o tipo político mais acabado segundo o autor que

50 Afonso Arinos

Page 50: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Cabalmente, nunca vivi de acordo compreceitos (como seria oimperativo categórico). Quando setratava deatuar, nunca me ocorreuperguntar-me: vamos ver deacordo a qual preceito vais agir agora. Meti o ombro efiz o quemeparecia conveniente. Acusaram-me, muitasvezes, da falta deprincípios. Na verdade, caminhar na vida segundoprincípios seria como entrar numestreito atalho entreos bosques comuma vara entreos dentes.”(Ob. cit., pág. 244.)

O queseespera do político não éa obediência à ética judaica-grega-romanaecristã, quepoderia inscrevê-lo no hagiológio da humanidade, mas embaraçariamsua ação. Não sequer di zer, comisso, queo político deva abandonar os princípiosdaquela, nemmedir suas ações unicamentepelas conseqüências. A ética das conseqüên-cias, ou, como diz atualmente, a ética da responsabilidade, deixa emaberto quais asconseqüências queautori zama ética dita absoluta, queMaquiavel baniu da política. Entreos pólos da antinomia, basta queo político atuefundado emvalores superio-res, repelindo as motivações torpes, detendo-sediantedo crimeedo despotismo, que,no mundo atual, entramna categoria da patologia política eda patologia dos seustitulares. Postos delado os modelos filosó ficos, pode-sedi zer queRodrigues Alves,político visceral, não era liberal, ao modo dos valores da escola do Largo deSão Francisco. Os poderes queconcedeu aos seus auxiliares para reali zar as obras urba-nísticas complementares ao porto, não secompatibili zamcomo estado deDireito. Tambémnão era umdemocrata, não hesitando emreali zar seu programa semprocurar persuadir sequer aos beneficiários dele, con fiando na punição dos recalcitrantes. A política, paraele, prescindia da participação popular, fiado no realismoda visão do panorama nacional. Na reali zação deuma obra ou deumprograma, uma vez queo povo estava encobertopelos agentes queo prenta vam, desdenhava, quasecomo o positivismo (queelenãoprofessava), do povo, por ignorante, eo dos “chefetes”, por inautênticos. Não seolvide, emdefesa do presidente, queo círculo político queinfluía nos negócios públicos era muitoestreito, embora amplo econscientefosse– como observou JoséMurilo – o espectrosocial das classes subalternas. O sistema institucionali zado por Campos Salespermitia-lheagir semconsulta, sistema que degenerou deuma oligarquia degruposestaduais para umpequeno espaço dechefes, su jeitos, salvo na hora da sucessão, aochefesupremo. A República Velha foi uma obra desucessões: a expulsão do povodeseu organismo, coma decepção do republicanismo utópico, concentrou os poderes em

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 51

Page 51: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O pensamento deRodrigues Alves – semqueseveja aí uma contradiçãocomseu programa degoverno – era essencialmenteconservador. Sua opção partidá-ria, no Império, não obedeceu a meras conveniências locais, senão à sua inclinaçãonatural. A convivência, na FaculdadedeDireito, comRui Barbosa, JoaquimNabu-co, Castro Alves eAfonso Pena, depois ministro no GabineteLa fa yeteRodrigues Pereira, não deixou nenhumsulco no seu espírito. Tido como conservador moderado,categoria quesedistinguia da ortodoxia imobilista do partido, admitia a aboliçãocomindeni zação, embora, na Câmara, votassepelo abolicionismo nos moldes da leide13 demaio. Preferiu seguir a orientação traçada ao seu partido pelo Trono, doquelutar pelas suas convicções.

O despertar deforças indômitas seria sempreuma desordem, uma intro-missão na ordem, condenadas a mani festações passageiras, desencadeadas por dirigen-tes inescrupulosos. Para o conservador “uma boa administração valemais do queuma boa administração”. (Karl Mannheim,Ideologia y Utopia, México, 1941,pág. 106.) Burke (Reflections on the Re volution in France,  Pinguin Books, 1981), padroeiro do espírito conservador, por sua repulsa à Revolução Fran -cesa, entendia que era impossível construir ou renovar umEstado pela ra zão, obrado tempo eda longa maturação popular. Nenhumcálculo ou plano poderia reali zarmudanças duradouras, quesuplantamo “construtivismo” constitucional ou legal. Ahistória não seria nunca, para o conservador, o reino do apriorismo, mas deforçaspré-racionais esupra-racionais, in fensas à soberania popular.

Os conservadores, Burkecomo paradigma, tiveram, entreoutros, umcon -testador queficou na história, Thomas Paine, na defesa dos direitos do homemedo ci -dadão(Rights of Man, Pinguin Books, 1981), bemcomo ao preconi zar a indepen-dência da América, queviria a formar umsistema político pela obra deuma constitui-ção racionalmentevotada, coma vitória do apriorismo – a primeira constituição diri-gentedo mundo, queo tempo consagrou, ao contrário do quepensavamos conservadoreseuropeus. Mas, Burke, ao contrário do quesepoderia pensar, como autêntico conserva-dor, não sefixava no imobilismo: “umEstado semos meios para alguma mudançanão temos meios deconservação”. (Obr. cit., pág. 106.) A mudança seria, para ele,contra o quepensavamos revolucionários franceses, uma questão denecessidade,não deescolha. O homem– di zia Joseph deMaistre(Considérations sur la France,Genéve1980, pág 119) – tudo podemodi ficar, mas nada podecriar lei física, que

52 Afonso Arinos

Page 52: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

mas não podefa zê-la, criá-la. Como poderia imaginar ter o poder decriar umaconstituição?

Os partidos conservadores deixaramdeusar o nome(salvo na Inglaterra,esuas antigas possessões), emfavor deoutras denominações, quetradu zemos mesmosprincípios políticos. Conservador não secon fundecomreacionário. O conservador nãoéo quebusca tra zer o passado devolta ou opor-seaos tempos novos, mas o quede- fendea herança material e cultural de umpaís, repele a revolução eaceita oprogresso coma nota dedesenvolvimento gradual do sistema político existente. (Rudolf Vierhaus, Conser vantism, Dictionary of the History Ideas, NewYork,1979.) O conservadorismo deRodrigues Alves nada tinha deteórico ou doutrinário:eleconsiderava a política, como os verdadeiros conservadores, obra da experiência enão uma ciência abstrata.

 A ação deRodrigues Alves não obedecia a princípios, mas ao realismodas coisas vividas epossíveis. Esta será a raiz deseu amor ao poder, afastando desias quimeras decontar coma soberania popular, no seu tempo uma abstração dequeseserviam hipocritamenteos adversários da ordem, talvez como Rui e Barbosa Lima. A política éuma atividadeconcreta enão especulativa, a artedo possível, nãoa utopia queconta comas gerações futuras. Eleseopunha ao radicalismo, tido por elecomo revolucionário, mas convivia como liberalismo. Bempesadas a sua carreiraesuas notáveis obras, há desereconhecer quenada há derevolucionário no seu pro -grama: há umvigoroso reformismo, levado a cabo dentro do limitedo pensamentoconservador.

O liberalismo, no Brasil, não soubeultrapassar o dilema levantado por Tocquevilleepor elerompido, entrea democracia ea liberdade, semqueaquela tenhaconseguido seemancipar dos grupos dirigentes desta, nemqueesta, temendo a subversão,tenha mantido sua identidade, aliando-se, ao contrário, aos conservadores, comaardentefédos conversos. Os conservadores – os verdadeiros conservadores enão osreacionários sistemáticos e, tambémeles, teóricos – só atentaramcontra a democraciaquando os liberais alarmarama opinião pública como espectro da democracia, dosocialismo ou do fantasma do comunismo. O conservadorismo tivera a virtudedeacreditar queas reformas tolhiama revolução, embora não evitassemas revoltas, que,entendiameles, seexauriamquando aquelas produ zissemseus frutos. As vertentes daação política do Brasil não seextremamno liberalismo ena democracia, mas na con -

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 53

Page 53: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

ameaça da emergência popular, medida aceita pelos últimos, mas ab jurando da sua farmacopéia reformadora. Os tempos queseabremcomo colapso da República Ve-lha eainda não encontraramo caminho para formar umgoverno da opinião públi-ca, apropriando-sedo comando político do país. Mas, esta éoutra história, queestá fora do território da imponenteobra, quedá conta deumperíodo ainda obscuro dotempo perdido,proustianamente resgatado pela artedo escritor ehistoriador ebió -gra fo.

54 Afonso Arinos

Page 54: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 À Memória de A NA  RODRIGUES A LVES  P  EREIRA

Page 55: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Meu caro Rodrigues Alves

“O telégra fo semfio quenos põeemcomunicação desde  o Pedro II já terá registrado, para você, a agradável

  impressão emquemeacho pelas suas afetuosas palavras. Você  sabequenão faz senão reciprocar a ami zade, comtodas as

  suas conseqüências, uma das quais éo alto apreço,a fascinação quelheconservei sempre.”

 JOAQUIM N ABUCO(Carta inédita de 6 de outubro de 1898)

Page 56: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Nota Editorial à 1ª edição

D ADOSBIOBIBLIOGRÁFICOS DO A UTOR 

Escritor epro fessor, parlamentar ediplomata, jurisconsulto eerudito,historiador ecientista político, crítico eensaísta literário, alémdepoeta, Afonso Arinos deMelo Franco nasceu emBelo Hori zonte, Minas Gerais, a 27 denovembrode1905, filho de Afrânio deMelo Franco e Sylvia Alvimde Melo Franco. Pertencea ilustrelinhagem, pelos lados paterno ematerno. Francisco deMelo Franco,introdutor da pediatria emPortugal eno Brasil, autor defamoso pan fleto contra aUniversidadedeCoimbra,Reino da estupidez (1785), foi irmão do seu tetravôpaterno. Seu avô materno foi Cesário Alvim, grandepolítico no Império ena República.O pai, Afrânio deMelo Franco, foi umdos expoentes da Primeira e Segunda Repúblicas; como o irmão Virgílio contribuiu de modo decisivo para a vitória da Revolução de1930 edo movimento chamado da redemocrati zação do país em1945. É sobrinho deAfonso Arinos (primeiro destenome), mestredo regionalismo brasileiro.Seus filhos, Afonso Arinos (terceiro) eFrancisco Manoel destacam-sena vida dosnossos dias: o primeiro, como diplomata eantigo parlamentar, hojeministro conselheiroda Embaixada do Brasil emWashington; o segundo, engenheiro civil eeconomista,comcurso depós-graduação emrefinaria depetróleo, exerceas funções deSecretáriodePlanejamento eCoordenação Geral do Estado da Guanabara.

Como aluno interno, Afonso Arinos deMelo Franco fez a sua formação

Page 57: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Rio deJaneiro, ondetevecomo pro fessores João Ribeiro eCarlos deLaet, ecomocompanheiros declasse: Prado Kelly, Pedro Nava ePrudentedeMorais, neto, entreoutros. Em1927, diplomou-sepela FaculdadedeDireito do Rio deJaneiro, seguindodepois para a Europa, ondereali zou estudos deespeciali zação emGenebra. Em Montana, na Suíça, no ano de1932, numperíodo detratamento da saúde, encontrouseu amigo Ribeiro Couto, internado emoutro sanatório. O grandepoeta dedicou-lheo livroCancioneiro de Dom Afonso (1939).

Sua carreira pública iniciou-se quando foi nomeado, pelo Presidente Antônio Carlos, promotor dejustiça da comarca deBelo Hori zonte, cargo queexerceunos anos de1927 e1928.

 Desdeentão, pensava emingressar no magistério. Chegou a escrever eapresentar à FaculdadedeDireito do Rio deJaneiro uma tesepara a cadeira de Direito Penal. Mas não pôdedisputar o concurso por motivos desaúde. Surgirámais tardea oportunidade, ao ser contratado pro fessor deHistória do Brasil naextinta Universidadedo Distrito Federal, fundada por Anísio Teixeira, ondelecio-nou nos anos de1936 e1937. Em1938, ministra cursos dehistória econômica epolítica do Brasil na UniversidadedeMontevidéu. No ano seguinte, dá umcursona Universidadeda Sorbonne, emParis, sobrecultura brasileira, por indicação doconselho da Universidadedo Brasil esob os auspícios do Instituto Franco-Brasileiro deCultura. Em1944, volta a lecionar, no exterior, umcurso deliteratura, na FaculdadedeLetras da UniversidadedeBuenos Aires. Em1946, énomeadopro fessor deHistória do Brasil do Instituto Rio Branco, depreparação para acarreira diplomática, do Ministério das Relações Exteriores.

O título depro fessor catedrático deDireito Constitucional emduasuniversidades brasileiras – a do Rio deJaneiro, atual Universidadedo Estado daGuanabara, ea do Brasil, hojeUniversidadeFederal do Rio deJaneiro – ele oobtémemconcursos reali zados nos anos de1949 e1950, quando já havia sido eleitodeputado federal por Minas Gerais.

 A atividadepolítica torna-seassimexpansão natural da sua atividadecomo jornalista, escritor, crítico literário epro fessor. Deputado federal emtrês legis-laturas (de1947 a 1958), pelo Estado deMinas Gerais, foi condu zido ao Senado,pelo antigo Distrito Federal hojeEstado da Guanabara, em1958, numpleito memo-

58 Afonso Arinos

Page 58: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

membro da Comissão Mista deLeis Complementares, relator da Comissão Especial de Inquérito sobreos contratos da Light, relator da Comissão Especial constituída paraemitir parecer acerca da emenda parlamentarista à Constituição, membro da ComissãodeReforma Administrativa, líder da União Democrática Nacional até1956, edepoislíder do bloco da oposição, até1958, relator da Comissão Especial para emitir parecer sobrea autonomia do Distrito Federal eautor da lei contra a discriminação racial, quetomou o seu nome(Lei número 1.390, de3 dejulho de1951).

 No Senado, foi membro epresidenteda Comissão deRelações Exteriores,membro epresidenteda Comissão deConstituição eJustiça (exonerou-seda presidên-cia, emhomenagema Milton Campos, quando estedeixou o Ministério da Justiça,em1964), relator da comissão especial sobrea competência do Senado na apreciaçãodos empréstimos estaduais. Participou da Con ferência Interparlamentar deCannes, França (1959). Como convidado especial dos respectivos governos, visitou Nova Déli (1960), Tel Aviv (1962), Argel eOtan (1963). Em1966 tomou partenaCon ferência Interparlamentar emCamberra, Austrália. Na categoria deembaixa-dor extraordinário, compareceu ao Concílio Vaticano II (1962). Por delegação unâ -nime, emnomedo Congresso Nacional, saudou o general Charles DeGaullee opresidenteGiuseppeSaragat, quando da visita dos chefes deEstado da França eda Itália ao Brasil, respectivamenteem1964 e1965.

 Ainda não foi sequer sumariada a bibliogra fia parlamentar deAfonso Arinos, emvinteanos intensos, de1947 a 1966, como deputado federal esenador. Por suas numerosas efreqüentes intervenções, discursos, estudos epareceres, o acervodessa atuação comportaria pelo menos dez alentados volumes, sefossecompendiado,mesmo seletivamente. Não tendo pleiteado a reeleição, despediu-sedo Senado numasériedecinco notáveis discursos emtorno da reforma constitucional. A pedido doentão líder da maioria na Câmara Federal, deputado Pedro Aleixo, éda sua autoriao capítulo sobreDeclaração deDireitos, inserto na Constituição de1967.

 Em 1961, Afonso Arinos ocupou no governo do Presidente JânioQuadros a pasta das Relações Exteriores, iniciando a fase da chamada políticaexterna independente, na qual procurou afirmar a personalidadenacional, semprejuízo da solidariedadedo Brasil a ob jetivos básicos supranacionais. Foi o primeirochanceler brasileiro a visitar a África, sendo recebido no Senegal pelo Presidente Leopold Senghor (1961).

 Deixando o Itamarati coma renúncia do PresidenteQuadros, voltouao Senado ondetevepapel derelevo na implantação do sistema parlamentarista de

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 59

Page 59: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

ao Senado, ondetevepapel derelevo na implantação do sistema parlamentarista degoverno, sistema ao qual sehavia convertido ainda como deputado federal, como deixa

OS:. 02631/99 – 2ª Pag. Formt. Flor Cap. 0

 

claro no prefácio do livro quepublicou juntamentecomRaul Pila ( Presidencialis-mo ou Parlamentarismo?, 1958). Sob aqueleregime, foi chefeda delegação do Brasil nas Nações Unidas, duranteas XVI eXVII assembléias gerais (1961 e1962). Chefiou emseguida a delegação brasileira na Con ferência do Desarmamento,emGenebra (1963).

 Pela segunda vez, voltou a exercer o posto deMinistro das Relações Exteriores, no governo parlamentarista quetevecomo primeiro-ministro Francisco Brochado da Rocha (1963). Quer como ministro deEstado, quer como chefededele-gação na ONU, está para ser reunida a copiosa documentação existente, semdúvidadas mais importantes, para o estudo da política externa do Brasil contemporâneo.

 Desde1958, Afonso Arinos pertenceà Academia Brasileira deLetras,ocupando a cadeira número 25, dequeépatrono Junqueira Freire, eemsucessão a JoséLins do Rego. Disputou a vaga do granderomancista, concorrendo comoutrograndeescritor, Guimarães Rosa. Seu opositor, aliando a admiração à nobreza, numgesto deespontânea naturalidade, convidou-o para recebê-lo, ao ser empossado, em1963, quando seelegeu na vaga aberta como falecimento deJoão Neves da Fontoura.

 Em1961, emsubstituição ao semprelembrado Octavio Tarquínio deSousa, Afonso Arinos assumiu a direção da Coleção Documentos Brasileiros, fundadapor Gilberto Freyre, equeesta Casa vemeditando a partir de1936, ano da primeiraedição deRaízes do Brasil, deSérgio BuarquedeHollanda (7ª edição, 1973).

 Membro da Academia Brasileira deLetras, sócio efetivo do Instituto Histórico eGeográ fico Brasileiro, pro fessor catedrático deduas universidades – aUniversidadedo Estado da Guanabara, UEG, ea UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, UFRJ –, membro do Conselho Federal deCultura (nomeado em1967,quando da sua criação, ereinvestido em1973), Afonso Arinos deMelo Franco écasado coma Sra. Anah Pereira deMelo Franco, neta do Conselheiro Rodrigues Alves. O casal temdois filhos, acima referidos, edez netos.

Grandetrabalhador intelectual, a bibliogra fia de Afonso Arinos de Melo Franco éapenas esboçada, a seguir, numa tentativa deordenar, ainda queimper feitamente, a sua onímoda atividadedeescritor epolítico, depublicista ehomemdepensamento.

 Rio, agosto de1973.

60 Afonso Arinos

Page 60: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Bibliogra fia deAfonso Arinos

I – HISTÓRIA 

Oíndio brasileiro ea revolução francesa; as origens brasileiras da  teoria da bondadenatural.  Rio de Janeiro, 1937.

Síntesedehistória econômica do Brasil. Rio de Janeiro, 1938; 2ª ed. Sal vador, 1958.

Terra do Brasil. São Paulo, 1939.

Umsoldado do Reino edo Império; vida do marechal Callado. Rio de Janeiro,1942, Prêmio da Biblioteca do Exército.

 Homens etemas do Brasil. Rio de Janeiro, 1944.

 Desenvolvimento da civili zação material do Brasil. Rio de Janeiro, 1944; 2ª ed.Rio de Janeiro, 1971.

 Algumas cartas copiadas no arquivo deFerdinand Dénis. Separata da re vista Brotéria. Lisboa, 1944.

 História do Banco do Brasil; primeira fase1808-1835. Rio de Janeiro, s. d.[1944]. Prêmio da Academia Brasileira de Letras.

UmEstadista da República; Afrânio de Melo Franco e seu tempo. I, fasepro vincial; II, fase nacional; III, fase internacional. Rio de Janeiro.1955. 3v.

Page 61: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 História do povo brasileiro: fase nacional. Em colaboração com AntônioHouaiss e Francisco de Assis Barbosa. São Paulo, 1968. 3v.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo. Rio de Janeiro, 1973. 2v.

 História das idéias políticas no Brasil. Porto Alegre, 1972.

II – MEMÓRIAS

 A alma do tempo; formação emocidade.Rio de Janeiro, 1961.

 A Escalada. Rio de Janeiro, 1965.

 Planalto. Rio de Janeiro, 1968. Mar alto. Em preparo.

III – CRÍTICA 

 Espelho detrês faces. São Paulo, s. d. [1937].

 Idéia etempo. São Paulo, 1939.

 Mar desargaços. São Paulo, s. d. [1944].

 Portulano. São Paulo, s. d. [1945].

 La Literatura del Brasil; algunos aspectos dela literatura brasileña. Buenos Aires.1945.

IV – POLÍTICA 

 Introdução à realidadebrasileira. Rio de Janeiro, s. d. [1933].

 Preparação ao nacionalismo. São Paulo, 1934.

Conceito decivili zação brasileira. São Paulo, 1936.

 Parlamentarismo ou presidencialismo? Debate com Raul Pila Rio de Janeiro,1958.

 Evolução da crisebrasileira.São Paulo, 1965.

 V – LÍRICA 

 Barra do dia. Poesias (1924-1937). Petropólis, 1955. Edição fora do

62 Afonso Arinos

Page 62: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Roteiro lírico deOuro Preto. Ilustrações de Pedro Nava. Rio de Janeiro,1937.

 Dirceu eMarília. Drama lírico em três atos. Ilustrações de E. Bianco eLuís Jardim. São Paulo, s. d. [1942].

 VI – DIREITO

 Responsabilidadecriminal das pessoas jurídicas. Tese de concurso à cadeira deDireito Penal apresentada à Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro, 1930.

 As leis complementares da Constituição. Tese de concurso à cadeira de DireitoConstitucional apresentada à Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro, 1948.

 História eteoria do partido político no direito constitucional brasileiro. Tese deconcurso à cadeira de Direito Constitucional apresentada à FaculdadeNacional de Direito. Rio de Janeiro, 1948.

 Estudos deDireito Constitucional. Rio de Janeiro, 1957.

Curso deDireito Constitucional. I, Teoria geral. Rio de Janeiro, 1958; novaedição, 1968.

Curso de Direito Constitucional.  II, Formação constitucional do Brasil,1960.

 VII – TRABALHOS PARLAMENTARES

 Emenda parlamentarista. Parecer do relator da comissão especial da Câmarados Deputados, Rio de Janeiro, 1949.

 Pela liberdadedeimprensa. Parecer na Comissão de Justiça da Câmara dosDeputados, Rio de Janeiro, 1957.

 Ato institucional. Considerações sobre o artigo 3º. Brasília, 1964.

 A reforma constitucional de1966. I, Considerações gerais; II, Poder militar epoder ci vil; III, a) Autoridade e legitimidade do executi vo, b) Inter - venção do Estado e liberdade econômica; IV, Direitos e garantias; V, A solução parlamentarista. Brasília, 1966.

O Congresso e a Constituição. Estudo apresentado no Senado. Brasília,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 63

Page 63: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 VIII – DISCURSOS E CONFERÊNCIAS

 A Maioridadeou a aurora do Segundo Reinado. Conferência no Centro de XIde Agosto. São Paulo, 1940.

 Política cultural pan-americana. Conferência na Casa do Estudante do Brasil.Rio de Janeiro, 1941.

 Pela solidariedadecontinental. Discursos proferidos no Peru. Rio de Janeiro,1953.

O Senado republicano. Discurso na Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro,1959.

 Estudos ediscursos. São Paulo. s. d. [1961].

 Discursode posse no Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro,1961.

 Discursosobre o Ato Adicional, pronunciado no Senado. Brasília, 1962.

 JoséBoni fácio. Discurso comemorati vo do bicentenário de seu nascimento,pronunciado no Senado. Brasília, 1963.

Saudação a Charles DeGaulle, proferida no Senado. Brasília, 1964.

Saudação a GiuseppeSaragat, proferida no Senado. Brasília, 1965.

 Proust no centenário de seu nascimento. Conferência na Sociedade dos Amigos de Marcel Proust. Rio de Janeiro, 1971.

IX – PREFÁCIOS

Cartas chilenas, de Critillo (Tomaz Antônio Gonzaga). Edição do InstitutoNacional do Li vro. Rio de Janeiro, 1940.

Glaura, poemas eróticos, de Manuel Inácio da Sil va Alvarenga. EdiçãoInstituto Nacional do Li vro. Rio de Janeiro, 1943.

 Marília deDirceu, de Tomaz Antônio Gonzaga. Ilustrações de Guignard.São Paulo, 1944.

 História da queda do Império, de Heitor Lyra, 2 v. São Paulo, 1964.

O Constitucionalismo deD. Pedro I no Brasil eemPortugal. Edição do ArquivoNacional, 1972.

64 Afonso Arinos

Page 64: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 AfonsoArinos na sua bi bli o teca. So brea mesa, o retratoda D A h Pe ira deMelo Fran

Page 65: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

UmLivro Monumental

M arco definitivona obra deAfonso Arinos deMelo Franco,essegrandeescritor etrabalhador intelectualincansável, esta biogra fia – Rodrigues Alves: apogeu e declínio do presi-dencialismo – vemcompletar outra bio-gra fia igualmentenotável domesmo autor –Um Estadista da República: Afrâniode Melo Franco e seu tempo, deper -manenteatualidadepara o estudo econheci-mento denossa história republicana.

Conselheiro do Império, chefecon -servador eprogressista, Rodrigues Alvesencarnou mais do que qualquer outropresidenteo regimede1891. Importantecapítulo destelivro éprecisamenteaqueleemqueAfonso Arinos descrevea resis-tência do antigo presidenteda Repúblicaà reforma constitucional pretendida por Venceslau Brás equesó não foi avantepelo veto de Rodrigues Alves, então à frentedo governo deSão Paulo echefe

O quatriênio 1902-1906, queassinala o apogeu do presidencialismo foi ob jeto, na biogra fia de Rodrigues Alves, demais deumcapítulo. E nempodia deixar de o ser, já que Afonso Arinos levanta umpanorama exaustivoeminucioso detodos os setores da admi-nistração, do saneamento do Rio deJa -neiro à erradicação da febreamarela, daremodelação da cidadeàs obras do portoeexpansão da redeferroviária nacional,da política externa à gestão financeira.

 Pontos domaior interesse, a despertarpolêmica entreos especialistas da matéria,são os per fis paralelos, traçados quasesem-pre de modo magistral, entre Rodrigues Alves ePrudentedeMorais, entreRodri-gues Alves eCampos Sales, entreRodrigues Alves ePinheiro Machado e, sobretudo,entreRodrigues Alves eRui Barbosa.

 Rodrigues Alves eRui Barbosa per -tenceramà mesma turma da Faculdadede Direito deSão Paulo atuaramno mesmo

Page 66: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

propaganda republicana etemoseu crepús-culo coma mortedo primeiro em1919 edosegundo em1923, crepúsculo emqueAfon -so Arinos situa o declínio do presidencialis-mo tal como vinha sendopraticado no regi-meda Constituição de1891.

Os desencontros entre Rodrigues Alves eRui Barbosa são páginas dasmais controversas eestimulantes quehãodecontribuir decerto positivamenteparaa revisão não apenas dos retratos deduas grandes personalidades, como tam-bémpara a compreensão da história da Primeira República.

Outro ponto a chamar atenção: aatitudedeRodrigues Alves, quando pre-sidentedeSão Paulo, emdefesa do cafébrasileiro, no caso do seqüestro dos esto-ques desseproduto, emNova Iorque, porautoridades norte-americanas (1912),como tambémpor ocasião das di ficulda-des ocorridas com o arma zenamentodo nosso café nos portos do Havre, Hamburgo eNova Iorque, na PrimeiraGuerra Mundial. Trata-se de assuntoquenão foi ainda devidamenteestudado,equeno livro deAfonso Arinos apareceemtoda a extensão egravidade, dando a Rodrigues Alves um papel decisivo epatriótico, a compor mais uma faixaestelar na sua glória deestadista.

Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo não selimita, portanto a umsimples relato da

 Baseado emdocumentos atéagora nãoutili zados de arquivos particulares, de Rodrigues Alves, Afonso Pena eAltino Arantes, entreoutros, a biogra fia sein -serecomo partefundamental do grandio-so painel deuma época.

 Não é somente Rodrigues Alvesque surge redivivo das páginas destesdois volumes, mas a própria históriabrasileira nos cinqüenta anos emqueoconselheiro imperial e che fe republicanodesenvolveu a sua atividade depolíticode primeira grande za, como deputadogeral, presidente deprovíncia, senador  federal, ministro deEstado, presidentede Estado, presidente da República.

O ad jetivo monumental – malgradoo perigo do lugar-comum! – é o querealmentedeveser aplicado ao livro de Afonso Arinos de Melo Franco. Apequena estátua queseergueno antigo Largo do Rosário, em Guaratinguetá,homenagemmunicipal, era, defato, insu- ficiente para vulto de presença tãomarcanteno Império ena República.

 Lembro-mequeCosta Rego, mes -tredo jornalismo, numdos seus últimosartigos, na faseáurea do Correio daManhã,  reclamava o monumento que faltava ao insignereformador emoderni- zador do Rio deJaneiro. Pois eleaí está:o livro deAfonso Arinos.

FRANCISCO DE A SSIS

68 Afonso Arinos

Page 67: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf
Page 68: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Lado oesteda Avenida Central (depois Rio Branco), entreas ruas SetedeSetembro eSão José, vendo-seemprimeiro plano o edi fício deO País,o jornal deQuintino Bocaiúva eJoão Lage, destruído eincendiado por 

ocasião da Revolução de1930. (Foto MarcFerrez.)

Page 69: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Explicação Preliminar 

Em1954, na introdução deUm Estadista da República, procedià justi ficativa eao relato da composição daquelelivro. Pelas mesmas ra zões entãodesenvolvidas deixarei, aqui, brevenotícia sobreo histórico destenovo trabalho

 Algumtempo depois da publicação da biogra fia demeu pai, comecei acogitar no preparo deumlongo estudo sobrea vida deRodrigues Alves.

 Ra zões valiosas indu ziam-meà tentativa, e circunstâncias favoráveis facilitavam-lhea execução.

 As ra zões eramde ordemsentimental, devidas às minhas ligações coma família Rodrigues Alves eao fato demeu pai ter sido convocado, por ele, para servir no governo quenão chegou a exercer.

 As circunstâncias favoráveis decorriamde que, graças precisamenteàquelas relações defamília, o arquivo deRodrigues Alves, pelo menos na sua partemais importante, veio ter às minhas mãos, formando umnúcleo dedocumentaçãoinestimável e, creio, semparalelo entreos papéis deixados por qualquer outro presi-denteda República, emvirtudedas anotações por eletomadas, durantemais devinteanos, sobreos homens eos fatos do seu tempo, vistos, sempre, deprivilegiados pontosdeobservação.

 Eu pensava, alémdetudo isso queuma biogra fia extensiva deRodrigues

Page 70: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

dehistória da Primeira República, estudada através deduas longas vidas dehomensquefi zeramda ação política a ra zão principal desuas existências.

 Reconheço quenão sepodecomparar, emimportância, a vida deRodri-gues Alves à deMelo Franco. O destino demeu pai, ainda quevariado ecolorido,desdobrado nitidamenteemtrês planos, o provincial, o nacional eo internacional, nãochegou às culminâncias do deRodrigues Alves, cuja tra jetória política foi a maior queo Brasil conheceu, no Império ena República.

 Espero que a leitura deste livro comprovea opinião aqui expressa. A visão histórica da personalidadedeRodrigues Alves concentra-se,

quasequesó, na sua passagempela presidência da República, deixando na sombradados essenciais, explicativos da formação do estadista capaz dereali zar aquela obrae, também, omitindo a sua experiência propriamentepolítica, semcujo conhecimentoos quatro anos culminantes da sua existência são, decerto modo, inexplicáveis. Enig-ma tão impenetrável, quea tendência demuitos éatribuir-lhe, apenas, capacidadedeescolha dos auxiliares diretos, erespeitabilidadepessoal para mantê-los coesos na ação.

Os queassimpensameisto afirmam, parecemesquecer-sedequeo gran -deregentedeorquestra sabemais música do quequalquer dos figurantes da mesma. Não toca, coma per feição decada qual, o instrumento quelhefor afeto, mas temmais vivência da partitura, como umtodo.

 A figura deRodrigues Alves continua, na História do Brasil, anacronica-mentecon fundida coma do presidenteda República de1902 a 1906, como senadamais houvesseexistido, antes nemdepois, na sua vida.

Sua memória não seapresenta, na História convencional, ou mesmo namais pro funda, atéagora, desdobrada emvárias imagens atraentes, tal como ocorrecomseus contemporâneos Rui Barbosa, Rio Branco ou JoaquimNabuco, imagens nas quaiso primeiro sepro jeta como tribuno, sábio, oráculo ecombatente, o segundo como sal vador da raça negra, evocador do Império ediplomata exímio, eo terceiro como modelador donosso território, advogado público da nação elíder da América do Sul.

 Rodrigues Alves temsido, para a História oficial, apenas o presidente, omaior detodos, na opinião largamentema joritária, mas somenteisto, quenão étudo. Para quesecompreenda o presidente, éindispensável conhecer-sea sua experiênciaanterior eposterior degovernante(pouquíssimas pessoas têmidéia do quefoi o seu go-verno, emSão Paulo, depois da presidência da República) eétambémmister saber-seo quefoi sua ação depolítico pro fissional, porque, nesta, está a chavequedeci fra todoo fecundo sentido da sua vida. Não sendo orador eescritor como Rui ou Nabuco, nem

72 Afonso Arinos

Page 71: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Rodrigues Alves não deixou mostras visíveis da maturação da sua personalidadeedos segredos da sua autoridade, queexplodem, por assimdi zer, emquatro anos deação vertiginosa efulgurante, quea muitos parecemsaídos da penumbra ea ela resti-tuídos.

 Mas o reino da História éo dos fatos, eos fatos, embora às vezes deter-minados pelo acaso, não sebaseiamemmilagres.

O Rodrigues Alves presidente não teria existido se não existisseo Rodrigues Alves político; político até a medula dos ossos; político dos bancos da Faculdade deDireito ao leito de morte, na hora da morte.

 É o deputado provincial egeral eo presidenteda Província no Império;é o presidentedo Estado, o constituinteeo senador; o ministro da Fa zenda; o jorna-lista eo homemdepartido; o chefeeleitoral municipal e o líder político estadual enacional, na República; o pai defamília eo lavrador decafé; éestehomemarguto, pro boesensato, toleranteerude, con formeas circunstâncias, modelado pela mais variadaexperiência do seu tempo, haurida, por equilibrada inteligência, na vida enão noslivros, quenão podeser separado do presidentesemqueestesetrans formeemmito.

O chefedeEstado deglória assentada temsobresi uma luz histórica de-masiado forte, a qual vemmantendo na sombra, atéeste livro, o homemqueexistiu no presidente.

 Impunha-se, assim, edesdemuito tempo, umretrato deRodrigues Alvesdecorpo inteiro. Esta foi a finalidadedo presentetrabalho que, sempoder assegurar ter atingido, es forcei-me, dentro da limitação das minhas forças, por alcançar.

 Historicamentea revelação da personalidadedeRodrigues Alves étarefa demagna importância, porque, indo muito alémda sua pessoa, explica emgrandeparte–talvez sepossa di zer na maior parte– toda uma época da vida nacional, queéa entradado Brasil no século XX.

 Ao contrário do quesucedeu comUm Estadista da Repúblicanãoentremeei a composição destelivro comqualquer atividadepolítica.

 Embora, através deleituras enotas ocasionais, viesse, desdevários anos,acumulando materiais ereflexões sobreele seu preparo real só começou a partir de

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 73

Page 72: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

1967, e, umpouco por deliberação própria e umpouco compulsoriamente, afas -tei-medeuma atividade política quedeixou demeinteressar.

Tendo fixado no espírito a decisão deempreender a obra, iniciei sobreelapesquisas eleituras mais dirigidas ecoordenadas.

 No decorrer de1968, apesar dedemorada crisedesaúdequeentão atraves-sei, iniciei a preparação, emfichas, do material constantedos novecadernos denotas de Rodrigues Alves, trabalho demorado epenoso, feito como auxílio permanentedeAnah.

Os demais papéis do arquivoforamtambém, naqueleano, postos emrelativa ordemdeassuntos ecronológica.

 Pude, assim, iniciar a redação a 27 dedezembro de1968. Esta foi levada avanteno Rio eemPetrópolis, eos originais sealongampor 

dez cadernos, nos quais encontro as anotações cronológicas seguintes: caderno 1, Petrópolis 27-12-1968 – Rio 13-6-1969; caderno 2, Rio 15-7-1969 – Petrópolis 8-1-1970;caderno3, Petrópolis 8-1-1970 – Rio30-8-1970; caderno4, Rio 1º-9-1970 – Petrópolis3-1-1971; caderno 5, Petrópolis 3-1-1971 – faltando a data eo local deencerramen-to; caderno 6, faltando a data eo local do início eRio 27-5-1971; caderno 7, Rio 24-6-1971 – Rio 14-11-1971; caderno 8, Rio 14-11-1971 – Petrópolis 13-12-1971;caderno 9, Petrópolis 14-12-1971 – Petrópolis 31-12-1971; caderno 10, Rio31-12-1971 – Petrópolis 10 dejaneiro de1972, às 11:45 da manhã.

 Passarei, agora, à indicação das fontes. A bibliogra fia consultada encontra-sedevidamenteenumerada no local próprio.Os anais da Câmara Provincial deSão Paulo eda Câmara dos Depu-

tados do Império, bemcomo os anais da Assembléia Constituintede1890, daCâmara dos Deputados edo Senado da República, emdiversas sessões legislativas, foramaproveitados nos volumes correspondentes aos anos tratados no texto da obra. Também,quanto a assuntos especí ficos, tais como mensagens presidenciais, intervenção federal nos Estados, estado desítio, elaboração orçamentária, Caixa deConversão eoutros,retirei subsídios da preciosa coleção Documentos parlamentares, nos volumesigualmentecorrespondentes aos assuntos referidos.

Os jornais cariocas epaulistas forampesquisados, quer nas coleções da Biblioteca Nacional, quer emrecortes conservados eclassi ficados no arquivo de Rodrigues Alves.

 As revistas ilustradas, mundanas epolíticas, cujo noticiário às vezesiguala eminteresseao das fotogra fias ecaricaturas, foramconsultadas nas coleções da Biblioteca Nacional, ou na livraria demeu amigo o avisado biblió filo Plínio

74 Afonso Arinos

Page 73: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 As principais fontes manuscritas foramcolhidas nos arquivos de Ro -drigues Alves, da Faculdade de Direito deSão Paulo, do Barão de Cotegipe, de Prudente de Morais, do Barão do Rio Branco, de Francisco Passos, de Afonso Pena, de Rui Barbosa, deJoaquimNabuco, de Paulo de Frontin, de FranciscoGlicério, deJoséCarlos Rodrigues edeAltino Arantes. Tambémprocedi à busca dedocumentos manuscritos no Arquivo Público Nacional, nos arquivos do Fórumeda Pre feitura de Guaratinguetá, bemcomo no do Fórumda cidade de Cunha.

Os arquivos particulares referidos, nas partes consultadas, encontram-senos seguintes locais: os deCotegipeePrudente, no Instituto Histórico eGeográ fico Brasileiro; o deRio Branco, no Palácio Itamarati; o deFrancisco Passos, no Palá-cio do Catete; o de Afonso Pena, no Arquivo Nacional; o deJoaquimNabuco, com Maria Ana Nabuco; o deRui Barbosa, na Casa deRui Barbosa; o dePaulo de Frontin, comGlorinha Frontin Moniz Freire; o deJoséCarlos Rodrigues, na Biblioteca Nacional; o deFrancisco Glicério, comFrancisco Glicério Neto eo deAltino Arantes comStela Arantes.

 Devo, também, mencionar o depoimento oral devários participantesou testemunhas dos episódios narrados nestetrabalho. Desdeo preparo da vidade meu pai, era meu hábito conservar, de memória ou emnotas, aquilo que meera relatado por homens da Primeira República, que in fluíramnos acontecimentospolíticos da época, ou a eles assistiramde perto. Muitos desses acontecimentosentrosam-secoma vida de Rodrigues Alves. Quanto a conversas especiais sobreeste, tive-as longas enumerosas comRodrigues Alves Filho, quanto à vida pública, ecomas filhas Ana, Zaira e Isabel, quanto à vida íntima e familiar.

 Devo agora cumprir agradável obrigação deagradecer aos quemais deperto meauxiliaramna preparação destelivro, tornando possível a sua composição.

 Menciono, em primeiro lugar, as filhas deRodrigues Alves, Zaira e Isabel (embaixatriz Moniz deAragão) que, semquaisquer reservas, meentregaramtodos os papéis do pai, que detinhamemsua mansão da Rua Senador Vergueiroena velha casa deGuaratinguetá.

Os papéis queseachavamno Rio haviamsido previamenteselecionados eorgani zados por Rodrigues Alves Filho o qual pelo quemedisse pretendia escrever um

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 75

Page 74: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 À afetuosa con fiança das minhas duas tias por afinidade, aqui deixoo preito sincero do meu maior reconhecimento.

 Depois delas, quemmais meauxiliou na coleta dedocumentos edados foi omeu velho ecaro amigo Antônio Gonti jo deCarvalho, douto eminucioso conhecedor da História da República, principalmenteno quetoca a Minas, ondenasceu, ea São Paulo, ondevive. Gonti jo facilitou-meo acesso aos arquivos da FaculdadedeDireito deSão Paulo, aos papéis deFrancisco Glicério, Rubião Júnior eAltino Arantes, alémde fornecer-meoutras importantes evaliosas contribuições sobreassuntos derelevo nesteli -vro, quemeseria impossível especi ficar. A contribuição deGonti jo deCarvalho meétanto grata quantosei queeledivergeemmuitos dos meus conceitos sobreRui Barbosa,a quemdevota extraordinária admiração.∗

 No Arquivo Nacional tiveo acolhimento fidalgo do diretor Raul Limaeo valioso conselho deJoséGabriel da Costa Pinto. A eles eaos demais funcioná-rios quetão solicitamentemeatenderam, quero deixar cordial menção.

 À Biblioteca da Câmara dos Deputados eà do Senado Federal, em Brasília, devo rigorosas pesquisas emnúmeros doDiário do Congresso Nacional,referentes ao ano de1918, importantena contextura destelivro, ano no qual os Anaisdo Congresso não forampublicados. Àquelas duas modelares instituições, das quaistanto mevali nos meus vinteanos demandato parlamentar, deixo, nas pessoas deseusdiretores, a expressão demeu reconhecimento.

 Na Biblioteca Nacional tenho a agradecer a inestimável cooperaçãodo ex-diretor, o acadêmico emeu amigo Adonias Filho, eda atual diretora, senhora JaniceMontemor. Seria omisso, senão referisseà gentil assistência da senhora EdwigesSilveira, secretária da diretoria, bemcomo à do escritor Darci Damasceno, chefedaseção demanuscritos, eà deFernando Sales, Chefeda seção dedivulgação.

 Na Casa deRui Barbosa tivetodas as facilidades, graças à generosacooperação do historiador Américo Jacobina Lacombe, diretor da Fundação, edo seudiretor-executivo Ubiratã Cavalcânti. Devo mencionar o auxílio por funcionáriosdaquela instituição.

 No Instituto Histórico eGeográ fico Brasileiro, a cujo quadro mehonro depertencer, fui acolhido pelo ilustrepresidentePedro Calmon, sob cu jas instruções egraçasao desvelo da secretária, Sra. AdelaideMorosineAlba, os papéis elivros solicitados me foramprontamentefornecidos.

∗ Ao escre ver isto mal sabia que o meu caríssimo Gonti jo não veria o aparecimento

76 Afonso Arinos

Page 75: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Na Academia Nacional deMedicina pude, graças à prestigiosa benevolênciado seu ilustre presidente, Deolindo Couto, consultar importantes publicaçõesreferentes à obra saneadora de Osvaldo Cruz. Fiquei muito grato ao atendimentoqueali mefoi dispensado pelo funcionalismo da casa.

Também mani festo meu público reconhecimento ao funcionalismo do Museu Histórico, seção do Palácio do Catete, ondeseencontra o arquivo deFrancisco Passos. Às netas desteilustrebrasileiro, Sras. Maria eErnestina Passos, estendominha sincera gratidão.

Os mesmos sentimentos endereço à Sra. Maria da Glória (Glorinha) Frontin Moniz Freire, quemefacilitou franca pesquisa nos papéis deseu pai.

 Numerosas pessoas, algumas deminha velha ami zade, são credoras, por igual, demeu sincero reconhecimento.

 Maria Ana Nabuco forneceu-mecópia das cartas deRodrigues Alvesconstantes do arquivo deJoaquimNabuco, a cuja ordenação eclassi ficação aquela filha devotada está procedendo.

 Henrique Dodsworth, com sua memória lúcida, remeteu-me dadosseguros sobrea ação deOsvaldo Cruz antes desua investidura na Diretoria deHigieneesobreos problemas gerais da urbani zação carioca, na administração dePassos.

O meu saudoso amigo, Hélio Viana, como era deseu costume, indicou-mediscretamente, por forma verbal eescrita, várias fontes efatos precisos, relacionados com Rodrigues Alves.

 Luís Galotti, Barbosa Lima Sobrinho, Raimundo Magalhães Jr., José Honório Rodrigues, Raymundo Faoro, Pedro Nava, PrudentedeMorais, neto,Carlos Drummond deAndrade, JoséJoaquimMoniz deAragão, Bruno deAlmeida Magalhães, valeram-me em mais de uma oportunidade, esclarecendo dúvidas,dando-mea conhecer fontes escritas, mencionando fatos importantes.

 Peçopermissãopara ressaltar, entreestas contribuições amigas, a deCarlos Drummond de Andrade, que, a meu pedido, procedeu a pesquisas sobreo meioartístico-musical do período da presidência Rodrigues Alves.

 À Sra. Stela Arantes eaos meus amigos Francisco Glicério Neto∗  e JoséRubião, meu muito obrigado pelos dados quecomeles pudeobter sobrea políticadeSão Paulo no começo do século.

 Aos meus amigos Francisco deAssis Barbosa eAntônio Houaiss soutambémreconhecido. Do primeiro, develha linhagemguaratinguetaenseemuito in formado

∗  Francisco Glicério Neto (Chico Glicério) faleceu, infelizmente, antes de poder ler

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 77

Page 76: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

sobrea vida deRodrigues Alves, sou devedor deúteis in formações econselhos; aosegundo, diretri zes eauxílios seguros sobrea técnica deedição do livro, quenão saitão escorreito como eledesejava, por deficiência deminha parte. A Chico Barbosa souainda devedor pela revisão total, a queprocedeu, do livro, pelos numerosos conselhosquesobreo mesmo medeu, quasetodos atendidos. Tarefa fraterna, bemdigna da suainteligência edo seu coração.

 À memória do meu querido amigo e contraparente Walter Arantes deCarvalho Aranha, quemeacompanhou nas pesquisas aos cartórios deGuaratinguetá eCunha, deixo umpensamento desaudosa gratidão.

 Aoprofessor JoséLuís Pasin, hojeumdos melhores conhecedores da históriado Valedo Paraíba, na área paulista, o meu cordial agradecimento.

 A Ada Maria Coaracy, fico a dever o carinho ea competência comquecuidou demodo exemplar derecensear ecoordenar a lista bibliográ fica e deorgani zar o índiceonomástico eintitulativo quetanto enriquecemesta obra.

 Ao velho amigo ecompanheiro JoséOlympio eà equipedirigenteda suaCasa, devo o real interesseegenerosa presteza comquecuidaramda presenteedição. Permito-mesalientar o fraternal auxílio dos diretores Daniel eAntônio Olavo Pereira.

 Agradeço ainda o empenho eo afetuoso interesse ea competência comqueChico Barbosa cuidou das ilustrações. Ilustrações emgrande parte obtidasnas bibliotecas dos meus amigos Plínio Doyle – esta já começa a adquirir ares deinstituição nacional – eÁlvaro Cotrim, o caricaturista Álvarus, não só umar -tista como tambémumbiblió filo.

 Agradeço à Dona Dora Torres deSousa a dedicação comqueprocedeuà segunda cópia datilogra fada dos originais.

 Não quero deixar demencionar dois queridos amigos desaparecidos, Rodrigo M. F. deAndradeeMílton Campos, pelo incitamento constantecomqueinsistirampara queeu continuasseno meu trabalho, nas horas emquelhes mani festava fadiga ou desânimo.

 É possível, emesmo provável, que eu haja omitido aqui menção apessoas dequemtenha aproveitado in formações eelementos. Setal aconteceu, sou oprimeiro a lamentar a falta, pela qual peço antecipadamenteperdão.

 Finalmente, ecomo emtoda a minha obra, Anah foi a mais dedicada epaciente colaboradora. Sua assistência moral eafetiva, suas lembranças demenina, suaparticipação no preparo tedioso do fichário ena cópia completa dos originais, na

78 Afonso Arinos

Page 77: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

ante as dificuldades e aspere zas deste livro, emcujo preparo me es forcei por utilizar toda uma experiência intelectual demeio século.

Comefeito, o presenteestudo será provavelmenteo último queterei condições físicas para escrever, comextensão eambição semelhantes.

 Esteretrato deRodrigues Alves, semperder devista o modelo, revelamuito do quepensa, muito do quesente, muito do queéo retratista.

 Rio, agosto de1973.

 A FONSO  A RINOS DE MELO FRANCO

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 79

Page 78: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf
Page 79: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Livro I 

Capítulo Primeiro

Origens paterna ematerna – Colégio Pedro II – FaculdadedeDireito – O curso jurídico – Política estudantil – Burschenschaft – A vocação política.

ORIGENS PATERNA E MATERNA 

Em um caderno de notas de Rodrigues Alves encontra-se aseguinte, não datada:

“Meu pai. Veio para o Brasil em 1832, no brigue Rio Lima partindo

de Viana e chegando com quarenta e seis dias de viagem. Trouxe a fortuna1 de 12 vinténs em prata. Depois de uma permanência decinco anos no Rio, empregado no comércio, enfermou (disseramos médicos que esta va sofrendo do coração) e aconselharam-no aseguir para o interior. Foi para Guaratinguetá, onde se dedicou aocomércio e la voura, constituindo família. Faleceu em 5 de maio de1912. Eu acaba va de tomar posse do go verno do Estado.”2

1 Sublinhado no original.2 A Revista Universal Lisboensepublicou em 1845 um artigo sobre o incremento da

emigração para o Brasil. Dizia que eram levados a deixar Portugal “os mancebosque tendo freqüentado as aulas não têm emprego correspondente à sua

Page 80: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Domingos Rodrigues Alves, o menino imigrante, nasceu em23 de dezembro de 1818 na Freguesia de São Tomé da Correlhã, Concelhode Ponte de Lima, Pro víncia do Minho, Reino de Portugal. Era filho deManuel Rodrigues Alves e Francisca Pereira. A casa de seu nascimentoainda existia em 1912, quando o filho ocupa va, pela terceira vez, a presi-dência de São Paulo. Cercada de latadas de parreiras à moda da Europameridional, fica va no cimo de íngreme ladeira, o que deu à família dosproprietários a alcunha local de “os Subidas”.

Na sua única viagem à Europa, feita depois da presidência daRepública, Rodrigues Alves não deixou de visitar a aldeiazinha minhota,terra dos humildes antepassados. Socorria parentes idosos que por lá viviam e mandou, certa feita, um auxílio para a restauração da antiqüíssi-ma igre ja paroquial da Correlhã, de estilo românico.

Quando emigrou para o Brasil, Domingos via jou sozinho, aos trezeanos, embora recomendado pela família aos cuidados do capitão do brigue.

 Vi veu oitenta anos na pátria adoti va, apesar da doença cardíacaque lhe diagnosticaram na ju ventude. Até a velhice, conser vou carregadosotaque minhoto.

 Ao chegar, não trazia passaporte nem qualquer outro documentooficial, mas a identidade lhe foi atestada pelo comerciante Luís Manuel deFigueiredo, boticário na Rua da Quitanda, com o qual terá passado a tra -balhar. Era costume, até o princípio do século atual, virem os jo vensportugueses para o Rio, a fim de iniciarem a carreira do comércio naloja de algum patrício.

Na época em que Domingos chegou à corte do jo vem Império,a cidade ha via sofrido grandes transformações, decorrentes do Brasil Reinoe da Independência, e era sede do segundo go verno regencial.

Florescia o comércio estrangeiro não português, com cerca deuma centena de firmas, sendo mais numerosas as inglesas, seguidaspelas francesas, ha vendo também algumas poucas norte-americanas.

O corpo diplomático compreendia ministros plenipotenciáriose encarregados de negócios, sendo importante o corpo consular.

 A população anda va por 230.000 almas, com grande percentagemde negros escra vos.

 As ruas eram compridas, estreitas e sinuosas, com casas

82 Afonso Arinos

Page 81: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

oficiais e religiosos, bem como belas mansões residenciais. Ha via umteatro de ópera, centro principal das reuniões mundanas.

 As vias mais importantes eram a Direita e a do Ou vidor, pon -tos de concentração, respecti vamente, do comércio em grosso e a vare jo,destacando-se, dentro deste, o de modas femininas, no qual as costurei-ras, não raro, vendiam os corpos aos maridos, além de venderem vestidosàs esposas.

Entre as praças destaca vam-se o Campo de Santana e a daConstituição. Como locais de descanso e con ví vio ha via o PasseioPúblico e o rico Jardim Botânico, muito maior então do que hoje. Paraos lados da ponte do Catete e da enseada de Botafogo, sucediam-se aschácaras de negociantes abastados, ou dos políticos importantes da terra,as casas se alargando no centro de vistosos parques, ornados às vezescom pérgulas e estátuas, à italiana.

O clima quente não era insalubre, pois a febre amarela, pesadelodo segundo reinado, ainda não aparecera, pelo menos em forma epidêmica.

 A ati vidade intelectual, pre judicada pela crise social e política,encontra va refúgio na Academia de Belas-Artes, nas Escolas da Marinhae Medicina e também na música, que era muito culti vada, tanto a sacraquanto a profana.

 As mulheres pouco saíam à rua, reunindo-se a sociedade noteatro, nos palácios go vernati vos, nas igre jas e em algumas grandes resi-dências. Não ha via clubes masculinos. Os homens se encontra vam nasesquinas, nas portas dos templos, nas lo jas (sobretudo li vrarias) e princi-palmente nas redações dos jornais e sedes das agremiações políticas, quese multiplica vam, em forma de facções, porque o sistema de partidos só veio a se inaugurar entre o Ato Adicional e a regência de Araú jo Lima.Ha via também reuniões mais íntimas – conspiratórias às vezes – nascasas de certos senadores e deputados.

 A política, a partir da abdicação de Pedro I, ocorrida no anoanterior, era um tor velinho, sem princípios coerentes nem ob jeti vos certos.

Desse tumulto emergia, bárbaro e poderoso, um impulsomais nati vista do que nacionalista, o qual le vanta va as iras e cobiças popula-res somente contra os portugueses. O moti vo de tal discriminação estavaem que os lusos, além de recentes senhores metropolitanos, detinham o

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 83

Page 82: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Ingleses e franceses exerciam ati vidades financeiras e comerciaissuperiores, de que a turba erradia e sublevada praticamente nãotomava conhecimento.

De tudo isso resulta vam os conhecidos episódios de violência jacobina, que centenas de vítimas causaram à colônia portuguesa, noprincípio da Regência. Hou ve momento em que a autoridade policialentrou em colapso, os juízes fugiram da cidade, as cadeias se encheramde presos sem nota de culpa (às vezes para protegê-los contra osassassinos), enquanto capoeiras, desordeiros e vagabundos armadostransforma vam as ruas em palcos de dramas sangrentos.

O jo vem Domingos Rodrigues Alves não se fixou na corte doImpério. Nela permaneceu apenas um lustro.

Em 1837 transferiu-se para a aprazí vel vila de Guaratinguetá,situada às margens do rio Paraíba, sobre a estrada que já então liga va oRio de Janeiro a São Paulo.

Essa localização beneficia va a velha po voação bandeiranteque, em bre ve, com a in vasão da zona pelos cafezais, torna-se-ia prósperocentro comercial, o que concorreu para sua ele vação à categoria de cidade,por lei pro vincial de 1844.

É pro vável que, além dos alegados moti vos de saúde, o ambientepro vinciano de Guaratinguetá, mais acolhedor para os portugueses, hajacontribuído para a decisão de Domingos.

O ano de 1837 marcou o início da restauração da ordem na vida brasileira, a começar pela capital do país, período que ficou bemcaracterizado em famoso discurso do Deputado mineiro BernardoPereira de Vasconcelos.

Fei jó, o bra vo dominador da desordem material, era incapazde instituir a ordem jurídica, elemento indispensá vel à estabilidade social.Sua renúncia à Regência foi um fato ine vitá vel, tanto quanto a ascensãode um homem do tipo de Araú jo Lima. Um e outro exprimiam necessi-dades sucessi vas e distintas.

 A vida de Guaratinguetá refletia bem o ambiente geral derestauração, obser vá vel nas Pro víncias de São Paulo, Rio de Janeiro eMinas Gerais.

Quando Domingos lá se instalou, a economia local de subsis-

84 Afonso Arinos

Page 83: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

a la voura do café. Estas condições altera vam substancialmente o volume e a composição da população e os sistemas de trabalho. Entreos ad ventícios, além dos negros escra vos, duas correntes de imigraçãose destaca vam: uma interna, de mineiros, deslocados pela decadência damineração; outra externa, de portugueses, atraídos pelo incrementoagrícola e comercial da zona.

Os mineiros vinham sobretudo do Sul da Pro víncia, que ficavalogo atrás da Mantiqueira. Chega vam de Campanha, Aiuruoca, Ita jubá,Pouso Alto, Baependi ou La vras e formaram troncos e numerosas famíliasatuais do Vale do Paraíba.

Os portugueses origina vam-se de di versas partes do Reino eestabeleciam-se nos arredores da vila como agricultores ou, no centrodela, como comerciantes.

O próprio Domingos, depois de radicado em Guaratinguetá,deve ter feito vir dois de seus irmãos, João e Manuel Rodrigues Alves,sendo que o primeiro veio a se casar com uma parenta da sua mulher. Vamos encontrar, mais adiante, esse tio do futuro presidente ser vindode testemunha no seu casamento. Os irmãos de Domingos deixaramdescendência, ainda hoje existente no Vale do Paraíba.

Por volta de 1840, a população rural e urbana de Guaratin-guetá ultrapassa va 100.000 habitantes e a exportação do café do município,segundo depõe, em 1838, o Cônego Januário da Cunha Barbosa, ha via“crescido assombrosamente”.

Em Guaratinguetá, Domingos Rodrigues Alves deve ter iniciadodesde logo ati vidades lucrati vas com as economias amealhadas na corte.

Seus netos ou viam-no, já nonagenário, relembrar como, graças àaplicação ao trabalho e irreprochá vel conduta, conseguiu em poucotempo criar ambiente fa vorá vel na vila paulista.

Foi por esse bom conceito e essas boas relações que, a 12 demarço de 1843, Domingos contraiu casamento com Isabel Perpétua(Nhá Bela), menina de quatorze anos, filha de Antônio José de Paula eSil va,3 mineiro, natural de Aiuruoca, e de sua mulher, Maria Luísa dos Anjos Querido, nascida na vila de Cunha,4 vizinha de Guaratinguetá.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 85

3 A mãe de Rodrigues Alves recebeu o nome de Isabel Perpétua de Marins, que erao de sua avó paterna.

4 Paróquia e 1736. Cunha tornou- vil 1785, to ndo o nome do se

Page 84: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A família Querido era de origem portuguesa e esta va radicadanaquela vila desde o século XVIII. Nos arqui vos judiciários de Cunhaencontram-se referências a membros dessa família como ocupantes depostos na administração local.

O ato oficial do matrimônio de Domingos acha-se hoje noarqui vo do Arcebispado de Aparecida, e é o seguinte:

“Aos 12 de março de 1843, nesta vila, em casa do Alferes Antônio de Paula e Sil va, feitas as denunciações na forma doConcílio Tridentino, sem impedimentos, precedendo primei-ramente o sacramento da penitência, pelas 8 horas da tarde,com pro visão de licença e sendo os contraentes freguesesdesta Matriz, em minha presença e das testemunhas abaixoassinadas por pala vras de presente se receberam em matrimônioDomingos Rodrigues Alves, filho legítimo de ManuelRodrigues Alves e de D. Francisca Pereira, natural e batizadona Freguesia da Correlhã, termo da Vila de Ponte de Lima, do Arcebispado de Braga, e D. Isabel Perpétua de Marins, filhalegítima do Alferes Antônio de Paula e Sil va e de D. MariaLuísa dos Anjos Querido, natural e batizada nesta Matriz, enão receberam as bênçãos nupciais por ser em tempo feriado,e ficaram para recebê-las post Dominicamin Albis, do que paraconstar fiz este assento que assinei com as testemunhas. Ovigário colado Manuel da Costa Pinto. Francisco JoaquimPereira. Inácio Joséda Costa.”

 A primeira testemunha, Francisco Joaquim Pereira, era sogrode João Rodrigues Alves, irmão de Domingos. A esposa deste é que eraparenta de Isabel Perpétua (Nhá Bela).

Com outra filha do mesmo casal Paula e Sil va, GuilherminaMaria das Dores (Nhá Mina), casou-se o jo vem José Martiniano deOliveira Borges, filho de Francisco de Assis e Oli veira Borges, viscondecom grandeza de Guaratinguetá e de sua mulher Ana Sil véria Umbelinado Espírito Santo. Homem de grande fortuna e largo prestígio, o visconde era o maior chefe conser vador do chamado Norte de São Paulo.

O Visconde de Guaratinguetá era de humilde extração. Seu pai,

86 Afonso Arinos

Page 85: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

avô, Antônio Monteiro, era cabeleireiro em São Paulo no fim do séculoXVIII, e o sogro deste, José de Passos da Sil va, alfaiate. A fortuna lhe veioa princípio da primeira esposa, mais tarde viscondessa, que se chama va,como vimos, Ana Sil véria do Espírito Santo e pro vinha das famílias GomesLandim, de Lorena, e Rego Barbosa, de Guaratinguetá. Ao longo da vida,pelas qualidades pessoais e o seu trabalho, o Visconde de Guaratinguetátransformou-se em verdadeiro potentado. Pelo seu in ventário verifica-seque de via ser um dos homens mais ricos do Brasil, no Segundo Reinado.Falecido em 1879, seu in ventário terminou em 1880, sendo Rodrigues Alves ad vogado da viú va e in ventariante, a segunda viscondessa.

O monte-mor partilhá vel foi a mais de mil contos, soma enor -me, pois correspondia a mais de meio por cento de toda a circulação mo -netária do país. Suas fazendas tinham centenas de escra vos, seus cafezaisespalha vam-se por várzeas e galga vam colinas em milhares de alqueires do Vale do Paraíba. As casas das fazendas e da cidade regurgita vam de mó veisem jacarandá e vinhático; porcelanas européias em ser viços de mesa e atéem escarradeiras e urinóis; faqueiros de prata e prata dourada; ser viçosde chá, sal vas, bacias, copos, paliteiros, farinheiras, espe vitadeiras, jarros,dúzias de ob jetos de prata; muitos tapetes; lampadários de bronze; cande-labros de prata de cinco e de sete velas, além de ob jetos de ouro. Ha viatambém retratos do Imperador e do Conde d’Eu.

O visconde teve dez filhos do primeiro leito e cinco do segundo,além de duas filhas naturais ha vidas entre os dois casamentos. No testa-mento feito na corte, em 9 de agosto de 1877, declara nunca ter sido ma -çom e ser filho legítimo do Alferes Inácio Joaquim Monteiro e de Ana Joa-quina do Amor Di vino. José Martiniano, pai da esposa de Rodrigues Alves,era o décimo e último filho das primeiras núpcias do visconde.

O casal Domingos Rodrigues Alves e Isabel Perpétua deMarins teve treze filhos, distribuídos em seis homens e sete mulheres.Os três mais velhos eram varões: Antônio, Virgílio e Francisco, que,com a idade, ficaram conhecidos respecti vamente como o Comendador, oCoronel e o Conselheiro.

Eis a lista dos filhos e filhas do casal Domingos Rodrigues Alves e Isabel Perpétua de Marins: Antônio, Virgílio, Francisco de Paula, Amália Perpétua (Nhá Amália), Ernesto, Maria Perpétua, Amasílis,

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 87

Page 86: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Antônio foi o principal chefe eleitoral da região, Virgílio dedicou-seprincipalmente à la voura e exportação de café, como sócio do irmãoFrancisco, tornando-se também seu concunhado. Foi o mais chegadoirmão do Conselheiro.

Pelo lado da avó materna, Rodrigues Alves exibe uma dasmais antigas ascendências paulistas.

Doze são as gerações que o separam de João Maciel, nascidoem Viana do Minho e casado em 1570, na vila de São Vicente, com PaulaCamacho.

Interessa notar que um dos seus ascendentes do século XVIII,Capitão Inácio Vieira Antunes, era também antepassado de Campos Sales.

Francisco de Paula Rodrigues Alves nasceu a 7 de julho de 1848,na Fazenda do Pinheiro Velho, pertencente ao avô materno Paula e Sil va esituada nas vizinhanças de Guaratinguetá, entre as estradas que atualmentese dirigem a Aparecida e Cunha. A casa em que nasceu não existe mais. Pormorte do avô, a fazenda passou ao pai, que construiu, em 1876, uma belasede, hoje em ruínas. Dentro de uma moldura, na portada, figura vam assuas iniciais em ferro for jado acompanhadas daquela data. O ob jetoencontra-se agora no museu do Seminário Santo Afonso, em Aparecida.Ornato semelhante pode ser visto, ainda, na casa residencial de Domingos,na Praça Conselheiro Rodrigues Alves, em Guaratinguetá.

Francisco de Paula foi batizado na igre ja matriz a 13 do mesmomês de julho, tendo como padrinho o avô materno e por madrinha a tiaGuilhermina, com cuja filha, sua prima-irmã, veio a se casar. Esta tia,madrinha e sogra, Nhá Mina, esposa, como vimos, de um filho do Visconde de Guaratinguetá, morreu muito idosa, e Rodrigues Alvessempre lhe dedicou especial carinho.

Na casa paterna, ainda existente, como ficou dito, na praçaprincipal da cidade (o mesmo logradouro em que hoje se ergue a suaestátua), Francisco de Paula passou os tempos da infância. Em companhiade Virgílio e Antônio fez ali os estudos primários, mas deve ter re veladodesde logo aptidões especiais, pois em 1859 o pai resol veu en viá-lo – oúnico entre os irmãos – para a corte, a fim de matriculá-lo no internatodo Colégio Pedro II, considerado o melhor instituto de educação secun-

88 Afonso Arinos

Page 87: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

II com auxílio do Alferes Antônio Pires Barbosa, personalidade impor-tante em Guaratinguetá, de velha família bandeirante. Antônio era pai de José Leme Barbosa, rico la vrador e capitalista, que foi amigo de Rodrigues Alves. Este, em março de 1893, depois de deixar o ministério de FlorianoPeixoto, redigiu, como ad vogado, o testamento de José Leme Barbosa.

COLÉGIO PEDRO II

Em 1857, o Colégio Pedro II, fundado vinte anos antes porBernardo de Vasconcelos, ha via sido di vidido em internato e exter-nato. O primeiro situa va-se no Engenho Velho, na Rua São Francis-co Xa vier, junto ao Largo da Segunda-Feira, em prédio até hoje exis -tente, que então fica va em meio a uma chácara, confinante com amatriz da freguesia.

O número de internos era exíguo por falta de acomodações,que só começaram a ser ampliadas em 1861. Por isto as turmas de ba -charéis em letras, saídas do internato, eram reduzidas. Em 1860, porexemplo, eles foram somente quatro.

No corpo docente figura vam, no tempo de Rodrigues Alves,nomes conhecidos como os dos seguintes professores: de Retórica, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro; de Matemática, Saturnino Soa-res de Meireles; de Francês, João Francisco Halbout e Batista Caetanode Almeida Nogueira; de Alemão e Grego, o Barão de Tautphoeus; deHistória, Joaquim Manuel de Macedo e Barão Homem de Melo. O rei-tor do internato era o Professor e Padre Joaquim Marcos de AlmeidaRego.

Em pouco tempo Domingos deve se ter dado conta de queacertara ao encaminhar o terceiro filho para uma boa instrução, poisFrancisco de Paula, desde o ano em que ingressou no internato, re ve-lou-se estudante excepcional.

Quando ele se matriculou, o ensino do Pedro II acha va-se re-gulado pelo Decreto nº 1.556, de 17 de fe vereiro de 1854, que estabele-cia as condições para a conquista, em sete anos, do título de bacharelem Letras. O curso di vidia-se em duas séries, respecti vamente de quatro

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 89

Page 88: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

cês, Inglês, Latim, Religião, Moral, Aritmética, Álgebra, Geometria,Trigonometria, Geografia, História Geral e do Brasil, Ciências Naturais,Desenho, Música, Dança e Ginástica. Na segunda série ministra vam-seos cursos de Latim adiantado, Grego, Alemão, Geografia, História, Italiano,Filosofia, Ética e Retórica. Como se vê, um programa se vero e abundantede humanidades.

Nos assentos de Rodrigues Alves, conser vados na Faculdadede Direito de São Paulo, figura a pública-forma de um atestado, passadoem nome do Ministro do Império, Marquês de Olinda, da qual consta oseguinte texto, referente ao seu curso no Colégio Pedro II, cuja redaçãoconfusa foi respeitada:

“Faço certo que atentas as pro vas em exames públicosna conformidade dos estatutos do Imperial Colégio PedroSegundo, o Senhor Francisco de Paula Rodrigues Alves,filho de Domingos Rodrigues Alves, natural de São Paulo,nascido a sete de janeiro [sic] de mil oitocentos e quarenta eoito, o qual foi apresentado em ato solene pelo reitor dointernato do mesmo Imperial Colégio, o senhor Doutor Joa-quim Marcos de Almeida Rego, comendador da ImperialOrdem da Rosa e Ca valeiro de Cristo, confere ao mesmoSenhor Francisco de Paula Rodrigues Alves o grau de bacharelem letras no dia oito de dezembro de mil oitocentos esessenta e cinco.”

Pelo mesmo documento podemos acompanhar a tra jetóriacolegial de Francisco de Paula. Ele “foi premiado em 1859 com o pri -meiro prêmio do primeiro ano; em 1860 com o primeiro prêmio do se -gundo ano; em 1861 com o segundo prêmio do terceiro ano; em 1862com o primeiro prêmio do quarto ano; em 1863 com o segundo prêmiodo quinto ano; em 1864 com o primeiro prêmio do sexto ano e em1865 com o primeiro prêmio do sétimo ano”.

Não era sem moti vo que um colega de turma do modestomenino de Guaratinguetá, ele próprio portador de um nome ilustre,pois chama va-se Joaquim Aurélio Nabuco de Araú jo, escre veria mais

90 Afonso Arinos

Page 89: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Filho de presidente do conselho foi para mim uma vi -bração de amor-próprio mais forte do que teria sido, imagino,o do primeiro prêmio que o nosso camarada Rodrigues Alvestira va todos os anos.”5

“O menino de Guaratinguetá”, como era às vezes chamadoaquele aluno então anônimo, chegou a pro vocar a curiosidade do impe-rador, que o interroga va sobre os estudos, quando das suas visitas ao in-ternato.

Segundo depõe Nabuco, o ambiente intelectual do ColégioPedro II era predominantemente francês. Lammenais, Lamartine, VictorHugo, Thiers, Louis Blanc forma vam, com mais alguns outros, a constelaçãode astros que atraía a atenção re verente dos ginasianos.

Se, na turma do internato, somente Nabuco e Rodrigues Alvestornaram-se nomes nacionais, entre os contemporâneos de estudos, ma -triculados em outras turmas, vários eram os alunos marcados por grandesdestinos. Basta lembrar os nomes do Visconde de Taunay, do Barão deRamiz Gal vão e do Barão do Rio Branco.6

Em 1902, sendo Rodrigues Alves presidente da Repúblicaha via poucos dias, comemorou-se, a 2 de dezembro, o ani versário docolégio, no salão de honra do externato, na então Rua Larga de São Joaquim. Rodrigues Alves este ve presente, tomando assento não namesa, mas entre os seus colegas de turma: José Américo dos Santos,Eduardo Mendes Limoeiro, Luís Betim Pais Leme e Valeriano Ramosda Fonseca. Outros componentes da mesma classe eram Soares da Câmara,

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 91

5 Possuímos três desses prêmios, estabelecidos pelo regulamento de 1855. Sãobelos livros, encadernados em pleno couro verde, tendo impressas em ouro, nacapa, as iniciais do colégio e a coroa imperial. Dois deles, As  Aventuras deTelêmaco,de Fénelon, e as Fábulas de La Fontaine, em edições francesas, trazem dedicatóriasdo Reitor Joaquim Marcos de Almeida Rego. Quanto à amizade entre Rodrigues Alves e Joaquim Nabuco, existe no arquivo deste uma nota referente aos anos de1861 a 1865, que diz: “Amigos com quem convivi: Joaquim Silvério de CastroBarbosa, Francisco de Paula Rodrigues Alves e Antônio José Ferreira Braga.”(Comunicada por Maria Ana Nabuco.)

6 É curioso assinalar que, como veremos oportunamente, Rio Branco esqueceu-sede que fora contemporâneo de Rodrigues Alves, pois, quando convidado paraministro das Relações Exteriores, salientou em carta ao presidente que o não

Page 90: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Luís de Lima e Sil va,7 Antônio Ferreira Braga e o historiador Vieira Fa -zenda.

Terminados com brilho raramente igualado os estudos secundá-rios, o jo vem bacharel em letras retornou a Guaratinguetá, em fins de 1865,para, logo no início do ano seguinte, iniciar a etapa dos estudos superiores.

FACULDADE DE DIREITO

 As primeiras instituições de ensino jurídico, fundadas em SãoPaulo e Olinda no ano de 1827, tinham o nome de Academia de CiênciasSociais e Jurídicas.

O Decreto nº 608, de 16 de agosto de 1851, reformou-lhes osestatutos e o currículo. Os Decretos nos1.134, de 30 de março de 1853;1.836, de 28 de abril de 1854; e 1.568, de 24 de fe vereiro de 1855, já dãoàqueles estabelecimentos o nome de Faculdade de Direito.

No dia 5 de março de 1866, “achando habilitado para fre-qüentar as aulas do primeiro ano”, Rodrigues Alves requereu admissãona Faculdade de Direito de São Paulo.

 As célebres arcadas do antigo Con vento de São Francisco nãoeram apenas o centro topográfico, mas também literário e cí vico de SãoPaulo.

 A capital paulista, que ainda não perdera o seu aspecto colo-nial, era de fato o “burgo de estudantes” de que fala um dos seus histo-riógrafos.

Clima úmido e frio, vida tediosa e sem recursos, di versões es -cassas, era natural que os acadêmicos de Direito, verdadeiros donos dacidade, despendessem as energias da ju ventude, quando fora dos estu-dos, na literatura e na política.

Na geração de Rodrigues Alves, a embriaguez, o demonismo,a boêmia, eram reminiscências de outras eras, superadas com a fase maisardente do romantismo.

Na literatura domina va a poesia; na política, o jornalismo e aoratória.

92 Afonso Arinos

7 Filho do D de Caxias, morto pre tur nte. Nabuco conta Caxias lhe

Page 91: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Ti vessem inclinações pelo direito, pela poesia ou pela política,os estudantes vindos de todo o Brasil encontra vam na Faculdade de SãoPaulo ambiente fa vorá vel aos seus pendores naturais.

Mas se dese jássemos acentuar, nos três campos, aquele emque o estudante encontra va maior moti vação, na época de Rodrigues Alves, indicaríamos, sem dú vida, o político.

Quando percorremos o elenco de professores em ati vidadenos anos de curso de Rodrigues Alves, obser vamos que raros entre eleseram os juristas puros, ou mesmo os juristas com escassas incursões napolítica. Os mais numerosos e importantes mestres eram, acima detudo, políticos militantes.

Pode-se dizer que a Faculdade de Direito de São Paulo acres -centa va à função de centro de estudos jurídicos o caráter de uma autên-tica escola de ciência política, instituição que ainda não existia no qua -dro do ensino superior.

O diretor era o Padre Vicente Pires da Mota, bacharel da primei-ra geração (foi o terceiro formado na Faculdade) designado para a funçãoem 1865.8Outros mestres vinham da geração fundadora, como José Mariade Avelar Brotero, nomeado professor em 1827; Manuel Dias de Toledo,em 1833; Joaquim Inácio Ramalho (Barão de Ramalho), em 1836; LuísPedreira do Couto Ferraz (Visconde do Bom Retiro), em 1839.

Os juristas puros eram, como dissemos, poucos, e, mesmoassim, ha viam passado pela política. Ramalho, professor de ProcessoCivil, autor de obra clássica a respeito, presidira a Pro víncia de Goiás; Antônio Joaquim Ribas, lente de Direito Ci vil, que escre veu tambémum li vro clássico sobre a matéria, foi deputado; o Conselheiro Crispinia-no Soares, mestre de Direito Romano, foi deputado e presidente dePro víncias. A maioria, porém, compunha-se de políticos militantes. OConselheiro João da Sil va Carrão, nomeado em 1845, foi presidentedo Pará, senador do Império e ministro da Fazenda; Martim Francisco

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 93

8 O Conselheiro Padre Vicente Pires da Mota nasceu em São Paulo. Formou-se em1832 e no ano seguinte já era lente interino. Em 1834 conseguiu a cátedra deDireito Civil. Nomeado diretor em 1865, conservou-se no posto até a morte, em1882. Pires da Mota foi presidente de várias Províncias, entre as quais São Paulo

Page 92: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Ribeiro de Andrada, nomeado em 1854, foi ministro da Justiça e conselheirode Estado; seu irmão José Bonifácio, o Moço, guia amado dos estudantesliberais, foi deputado geral, senador, ministro da Marinha e do Império; o Visconde do Bom Retiro foi deputado e senador, presidente de Pro vín-cia, ministro do Império e Conselheiro de Estado.9

Eis alguns mestres, não de direito mas de política, que de veriamatrair, pelas suas carreiras fecundas, o estudante Francisco de Paula Rodrigues Alves, por ventura o mais forte temperamento político da Primeira República.Eis a escola de ciência política que ele freqüentou entre 1866 e 1870.

O CURSO JURÍDICO

Iniciando o curso jurídico, Rodrigues Alves pertenceu à turmamais gloriosa que jamais cursou qualquer faculdade de direito brasileira. A ela, em certo período, pertenceram Rodrigues Alves, Joaquim Nabuco,Rui Barbosa, Castro Alves e Afonso Pena.

 Ricos são os anais da vida acadêmica do jo vem de Guaratin-guetá, tanto nos estudos como na ação política. Tão forte era sua voca-ção para esta que ao que tudo indica nunca sentiu qualquer inclinaçãopara a literatura. Entre os destacados estudantes de Direito daquela ge -ração, essa abstenção, quanto aos ensaios literários, era pouco comum.Para não falar em Castro Alves, lembremos que Nabuco e Rui Barbosaensaiaram-se na poesia e Paranhos, estudante, já se inicia va na história.

 Até mesmo a oratória e o jornalismo Rodrigues Alves, queera eloqüente na tribuna e exímio na imprensa, os praticou sem a preo-cupação estética de um Nabuco, de um Rui ou de um Quintino.

Quanto ao jornalismo político ele o exerceu do início ao fimde sua carreira, de estudante a presidente. Contudo, nele, o jornalista,

94 Afonso Arinos

9 Aos menos familiarizados com a história do Império, convém recordar que a funçãode Conselheiro de Estado era, com a de senador, o mais alto posto da hierarquiapolítica. Não se confunda o título de conselheiro (dado por exemplo a Rui Barbosa, Afonso Pena ou Rodrigues Alves) com a função de membro do Conselho deEstado, órgão criado pela Constituição de 1824, suprimido pelo Ato Adicional e

Page 93: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

o orador e o ocasional escritor eram sempre aspectos do político vis -ceral que era ele.

Embora recolhesse, pela existência afora, em forma deanotações ou de diários fatos, opiniões e julgamentos, cujo acessoconstitui legado pro va velmente único entre os pro venientes dos líde-res do seu tempo, não lhe ocorreu nunca, como a Campos Sales,compor um li vro de lição e experiência. Seus cadernos manuscritos,pouco extensos embora opulentos, todos utilizados no presente estu-do, não parecem elementos acumulados para o preparo de um volu-me posterior. Pelo menos, nunca de um li vro a ser escrito por elepróprio. Seu intuito, ao redigi-los – coisa que fez até com sacrifíciodurante a gra ve crise de saúde que o atingiu no decurso da sua terceirapresidência de São Paulo –, poderia no máximo ter sido a de preser varlembranças e explicar atitudes para os filhos ou (quem sabe?) para al -gum biógrafo futuro. O mais pro vá vel, porém, é que fossem apenasfontes a que pudesse recorrer, na defesa ou no ataque, em vista do de -sen vol vimento, sempre impre visí vel, de uma carreira política como asua, que se entretecia com a própria vida.

 Vi vendo em um tempo e em um país onde a arqui vologia eraa bem dizer inexistente, Rodrigues Alves documenta va-se de forma ínti-ma e sub jeti va, acumulando impressões, con versas, narrati vas e fatos;copiando cartas importantes que escre via, notícias ou artigos que lia nos jornais; emitindo julgamentos – às vezes se veros – sobre os homens.Mas, em todos os cadernos que deixou, afora algumas notações familia-res, não existe assunto estranho à política.

O estudo do Direito, embora ministrado em forma discursi va eteórica, oferecia sérias oportunidades de trabalho aos alunos que a isso sedispusessem. Na verdade, se compararmos as chamadas dissertações esco-lares de então às denominadas pro vas escritas dos estudantes de hoje, reco-nheceremos a enorme superioridade média daquelas sobre estas.

Naquele tempo, embora não hou vesse originalidade de pensa-mento, existia entre os estudantes muito mais extensão e profundidadeno saber jurídico do que obser vamos, nós outros professores de Direi-to, nos trabalhos estudantis atuais. Não é in justiça dizer-se que o ensino jurídico decaiu considera velmente, em virtude da impossibilidade dagrande maioria dos estudantes acompanhar, hoje, um curso de ní vel

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 95

Page 94: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Das sete dissertações de Rodrigues Alves, que se dizia existi-rem na Faculdade, apenas duas chegaram ao nosso conhecimento: umado primeiro ano, sobre Direito Natural, matéria de que era professor Avelar Brotero, e outra do quinto ano de prática (Direito Judiciário Ci - vil), cadeira regida pelo Barão de Ramalho.

 A dissertação de Direito Natural, datada de 24 de maio de1866, versou sobre o seguinte tema: “A idéia de direito é independenteda idéia de um poder soberano, que o faça executar por meio da força?”

Questão secular, até hoje debatida e não resol vida, constitui oâmago do problema dos limites do poder do Estado e põe em questão aexistência mesma do Direito Natural. O reconhecimento de um direito su -perior ao Estado e a ele anterior é o único princípio da filosofia do direitoque justifica a liberdade humana, o que não impede a certos juristas demo-cráticos sustentarem a tese funesta do Estado como origem única do direi-to.

Rodrigues Alves, na sua dissertação, defende a possibilidadeda existência do direito independente do Estado, seguindo a orientaçãodo professor; fá-lo, porém, com a contribuição de idéias e opiniões pes -soais. Expõe de forma clara os fundamentos filosóficos do Direito Na -tural, procurando submeter a eles o que chama “direito positi vo doEstado”; cita Hobbes, Grocio, Rousseau e Kant para, finalizando, apre -sentar com veemência, na soberania da Polônia, esmagada pelo tacãorusso, a pro va viva da sobre vi vência do direito contra a força.

O martírio da Polônia era assunto corrente entre os estudantesdaquela geração. Castro Alves escre veu, na poesia “Deusa Incruenta”,estes alexandrinos:

Quando a Polônia casta, esta Lucrécia nova Para fugir a umleito arro ja-sea uma cova E mata-sedenojo aos bei jos deumczar.

Machado de Assis (recordemos de passagem) também pagouseu tributo à moda do tempo e usou a mesma imagem da Polônia-mulher.

 Eras feliz demais, demais formosa; A sanhuda cobiça dos tiranosVeio enlutar teus venturosos dias...Castro Alves foi, além de colega, amigo íntimo de Rodrigues

96 Afonso Arinos

Page 95: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

companheiro, muitos dos quais ele o viu escre ver, sentado a seu lado,durante as aulas, no punho engomado da camisa. Parece que o aplica-do paulista supria as deficiências de conhecimento do baiano genialquando das tediosas sabatinas.

 A segunda dissertação de Rodrigues Alves, cujo texto integralconhecemos, é da cadeira de Prática. O assunto escolhido pelo Barão deRamalho foi o da obrigatoriedade da proposição das ações em juízo. Otrabalho do estudante parece pro vir de um ad vogado, tais os conhecimentosque denota. Rodrigues Alves expõe a complicada matéria com seguraorientação teórica, mais que limitadamente forense. Examina os fundamentosdo problema no Direito Romano e nas ordenações portuguesas (que entãoainda se aplica vam no Brasil) e conclui mostrando os poucos casos excep-cionais em que o indi víduo é forçado a comparecer em juízo como autor.

O estudo compro va que, apesar de sua intensa vocação política,o estudante conhecia a necessidade de ganhar a vida profissionalmentecomo ad vogado e prepara va-se para isso.

O Professor Paulo Barbosa de Campos Filho procedeu à análisede mais três dissertações de Rodrigues Alves, apresentadas em outrosanos do curso e conser vadas ainda na Faculdade, no ano do centenáriodo grande aluno. Versa vam sobre Direito Público Constitucional e dasGentes (reunidas as matérias em uma só cadeira), Penal e Administrati vo.Pelo trabalho do Professor Barbosa de Campos Filho, e pelas citaçõesnele contidas, verifica-se que as dissertações são importantes por contaremenérgicas manifestações de caráter político. Nelas, Rodrigues Alves criticaa diplomacia do Império que, a seu ver, ha via descurado de alertar ogoverno sobre os preparati vos de Solano López; ataca os ministros quenão ha viam cuidado con venientemente da nossa defesa, mesmo atra vésde uma ação pre venti va extra-fronteiras; condena a ação do executi vo nainterpretação arbitrária das leis (tal incumbência era então estranha àsatribuições do judiciário) e defende com calor a liberdade de imprensa.

Os exames orais, que marca vam a terminação do ano leti vo,eram chamados atos, e os alunos a eles compareciam de casaca, paraserem argüidos sobre pontos sorteados de véspera.10Correspondiam às

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 97

10 Meu avô, Virgílio de Melo Franco, que deixou a Faculdade de São Paulo poucoantes de Rodrigues Alves nela entrar, descrevia a importância e solenidade dos

Page 96: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

atuais pro vas de aula, dadas pelos candidatos à docência. Não existia anota chamada hoje distinção. Todos os assentos existentes na Faculdadesobre o estudante Rodrigues Alves mencionam a sua apro vação, do pri-meiro ao último ano, com o grau plenamente, que era o máximo.

POLÍTICA ESTUDANTIL

Na Faculdade de Direito os estudantes já se apresenta vam di- vididos politicamente em liberais e conser vadores. Rui Barbosa domi-nou, desde que veio da Bahia, a ala liberal, na qual encontrou AfonsoPena. Rodrigues Alves colocou-se sem hesitação entre os conser vado-res, posição partidária que ele le vou dos bancos acadêmicos para as ban-cadas parlamentares e em que se mante ve, sem vacilações e com grandeenergia, até a República.

 A rigor, refletia-se no meio acadêmico o caráter da di visãoparlamentar. Era mais partidária, no sentido de facciosa, do que política,no sentido programático.

Tanto quanto no parlamento, a questão estudantil da época, queera a da liberdade dos escra vos, di vidia irremedia velmente os dois partidostradicionais em torno de interesses e fora das linhas partidárias.

O pensamento liberal não esta va ainda fixado na aboliçãopura e simples, nem a seria por vários anos. A posição de Castro Alvesera poética e não política. A pro va disso é que o pro jeto liberal de Dantas,que Rui Barbosa preparou muito depois, em 1884, só instituía a aboli-ção dos sexagenários, ao passo que aceita va o princípio da indenizaçãopara a emancipação gradual dos demais escra vos.

Esta era, em princípio, também, a posição dos conser vadoresavançados, e Rodrigues Alves, desde estudante, adotou sinceramenteesse matiz.

Na Faculdade, Rodrigues Alves pertenceu ao grupo do jornal Imprensa Acadêmica, órgão conser vador dirigido por Cândido Leitão. Oposto de redator-chefe dessa pequena folha era considerado de grandeimportância, e para ele foram eleitos simultaneamente Rodrigues Alvese Rui Barbosa em 1869. Rui desinteressou-se da função em virtude de

98 Afonso Arinos

Page 97: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

No ano seguinte Afonso Pena foi, juntamente com Rodrigues Alves,chefe da redação. Sobre este episódio existe um depoimento de Rodri-gues Alves. Ei-lo:

“Em 1870, por ocasião de se proceder à eleição de reda-tor-chefe da Imprensa Acadêmica, a Academia di vidiu-se em ‘libe-rais’ e ‘conser vadores’, pleiteando as candidaturas de AfonsoPena, liberal, e Rodrigues Alves, conser vador. O pleito foi renhi-do. Hou ve empate no resultado e a Academia resol veu que, na -quele ano, os redatores seriam os dois eleitos. Recordo-me deque fiquei muito desapontado. Os conser vadores esta vam, na Academia, em evidente minoria. Seria um despropósito fazerquestão política da eleição e o empate se deu porque grande nú -mero de acadêmicos liberais aceitaram o meu nome.”

Esta obser vação final compro va o prestígio de Rodrigues Alvesno corpo acadêmico, apesar de sua posição política minoritária. Era oprenúncio do que viria a ocorrer na proclamação da República, quandoo deputado monarquista foi chamado a continuar na política pelos seuspatrícios republicanos.11

 A Imprensa Acadêmica, que suspendera a publicação em 1869, re -tomou-a em 1870, graças principalmente aos esforços de Rodrigues Alves.

Na Imprensa Acadêmica, Rodrigues Alves escre veu assiduamen-te sobre assuntos internacionais, que muito preocupa vam a mocidade,por causa da Guerra do Paraguai, que vinha de terminar. Tal vez poristo, quando findou a guerra, em 1870, Rodrigues Alves foi o estudanteescolhido para saudar, em praça pública, o grupo de voluntários paulis-tas que retorna vam das distantes e gloriosas batalhas.

Também a este respeito existe curiosa nota manuscrita deRodrigues Alves:

“Chegando a São Paulo o Batalhão de Voluntários Paulistas,a Academia resol veu saudar a sua bandeira e quase por aclamação

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 99

11 Afonso Pena Rodrigu s Al uito amigos n A de ia. Existe f tuosa

Page 98: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

me escolheu para orador e seu representante. Fiquei entãomuito contente. A festa foi soleníssima.”Mais adiante Rodrigues Alves copia todo o texto do seu

discurso, proferido a 25 de abril de 1870, extraído do Correio Paulistano.Eis alguns trechos:

“Paulistas! A mocidade acadêmica vem feste jar vossasglórias, coroando a vossa bandeira. Romeiros luminosos,caminheiros encantados, essa que percorrestes é a estradaperigosa dos combates; e hoje, que a voz mágica dos céus,entoando hosanas aos vossos triunfos, celebra o marco dessacruzada de honra, o anjo tutelar do Império roça suas vestes naságuas sagradas do Ipiranga e, salpicando-vos as frontes, batiza-vosheróis. É assim o caminho da glória! Vencendo, escre vestes asentença do futuro: paz cheia de honra, vitória cheia de clemên-cia, heroísmo cheio de abnegação e constância [....]. Bendita apaz! Ela rasga o crepe do passado enxugando as lágrimas deuma multidão para apontar os risos do futuro [....]. Essa bandeiraque vos acompanha era, no ruído dos combates, o manto celesteem que se escondia a vitória. Das fráguas terrí veis dessa guerra,sempre se le vantou deslumbrante; coluna de luz foi sempre para vós na hora sinistra da pele ja. Rota, mutilada, que importa? Vimcoroá-la [....]. Moços! Bem junto corre o Ipiranga; as suas águastradicionais rolam sonoros cantos e seus filhos vencedores enós, crentes do futuro, atiramos aos ventos abençoados destaterra de patriotismo a enérgica saudação da mocidade.”

O estudante paga va um tributo ao estilo derramado e condoreirodo tempo. E o velho presidente, eleito pela segunda vez para a chefia dopaís, termina a evocação da cena antiga, que fazia a 18 de agosto de1918, em Guaratinguetá, com uma nota precisa e melancólica:

“A festa foi soleníssima. Teve lugar no Largo da Sé,completamente cheio. A comissão acadêmica, postada no altoda escadaria da catedral, trazia a coroa de prata em uma sal va.Na hora indicada, o porta-bandeira aproximou-se e inclinou opavilhão, para receber a coroa. Nesta ocasião proferi o discurso,

100 Afonso Arinos

Page 99: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rodrigues Alves escre via essas linhas cinco meses antes dasua morte.

 A ação do estudante de Guaratinguetá também se fez sentirno denominado Núcleo Jurídico, centro de estudos muito conceitua-do. Nele Rodrigues Alves exerceu as principais funções, que eram asde orador, juiz e presidente, tendo relatado várias teses de Direito Cri-minal.

Fora do círculo escolar, quando estudante, colaborou naOpinião Conservadora, jornal dirigido por João Mendes de Almeida, den-tro da linha ortodoxa do partido. Já era latente a di visão entre “men -distas” e “pradistas” (estes liderados por Antônio Prado), mas que sóse concretiza em 1882.

 Além das manifestações públicas, a política estudantil floriacom vigor nas sociedades secretas. Em países onde a re volução român-tica foi tardia, como no Brasil, as sociedades secretas influíram até tarde.Entre tais sociedades existia uma, de que adiante nos ocuparemos, cujaimportância extraordinária na vida política brasileira, até a PrimeiraRepública, de veria ser completamente elucidada.12

 O pensamento mais radical dos abolicionistas, republicano eanticlerical, abriga va-se, como é sabido, na Maçonaria, cuja loja  Fraternida-de, existente na Faculdade, abrangia alguns dos mais prestigiosos estudan-tes. Para que a libertação dos escra vos ti vesse o apoio aberto destes, a lojamaçônica Fraternidade transformou-se na associação pública Fraternidade Primeira, que teve como membros Rui Barbosa e Rodrigues Alves. Osdois estudantes, juntamente com o vibrante Luís Gama, maçom, republi-cano e ex-escravo, foram declarados defensores de ofício dos cati vosdesamparados, ou mantidos em escra vidão ilegal. Em certa cerimônia degala, realizada à noite, Rodrigues Alves ser viu de paraninfo na libertaçãode três deles.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 101

12 Há muitas referências e alguns estudos sobre a Burschenschaft, tradicional associaçãosecreta da Faculdade de Direito de São Paulo. Quem mais detida e objetivamenteestudou aquela e outras sociedades secretas brasileiras foi Jamil AlmansurHaddad. Falta, contudo, um estudo co pleto, aprofundando as influências líticas

Page 100: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Herdeiro de grande escra vatura, nascido e criado entre oscafezais trabalhados por escra vos, o jo vem estudante punha a ser viço dacausa da libertação o seu temperamento ao mesmo tempo moderado eprogressista.

Nunca foi abolicionista radical, mas aceitou sem relutância,apesar das grandes perdas que sofreria, a ine vitá vel abolição, tanto que,senhor de escra vos, deixou o go verno de São Paulo para vir votar naCâmara a lei de 13 de maio. Nada disto impediu que no ápice de suacarreira fosse acoimado de escra vocrata.

 BURSCHENSCHAFT 

Em 15 de fe vereiro de 1834, o diretor da Academia de SãoPaulo,13 Carlos Carneiro de Campos, comunica va em ofício ao ministrodo Império, Chichorro da Gama, que “um moço natural da Saxônia,que tem estado a ensinar as primeiras letras em uma das vilas destaprovíncia” propunha-se a ser professor de História, Geografia e Inglêsno curso anexo. Esse moço, sobre o qual tanto de real e de falso se temescrito, cujo nome verdadeiro ou suposto ainda agora se nimba de umaauréola de romântico mistério, dizia chamar-se Júlio Frank e foi contra-tado pela Academia pelo prazo de dez anos. Quem seria ao certo? Quedesconhecidos acontecimentos o teriam trazido ao Brasil desde a sualongínqua Alemanha?

 Até hoje – embora muito atenuada em virtude das no vasmoti vações políticas da classe estudantil – a magia de Júlio Frank perduraentre as arcadas do Largo de S. Francisco.

Os fatos seguros sobre ele são escassos e incolores. A forçada sua influência é de vida à tradição ininterrupta e ao segredo que aenvol ve. Como todos os mitos, o mito de Júlio Frank reside menos nelepróprio do que nos resultados da sua pro jeção na alma das gerações.

 Júlio Frank nasceu em Gotha, Alemanha, no ano de 1809.Desembarcou muito moço no Rio, tal vez no fim do Primeiro Reinado,

102 Afonso Arinos

Page 101: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

tendo sido, ao que parece, recolhido, ao chegar, em uma fortaleza carioca.Se tal se deu, é possí vel que a precaução fosse ligada à rebelião dos regi-mentos alemães verificada na cidade em junho de 1828, o que poria nasimediações dessa data a época da entrada de Frank no Brasil. Se tal con jetu-ra corresponder aos fatos, o imigrante alemão teria dezeno ve anos.

Do Rio passou a residir em Sorocaba, onde se empregou nocomércio, exercendo também função de professor de Francês e outraslínguas. Recomendado ao Brigadeiro Tobias de Aguiar, Frank seguiupara São Paulo, onde se aproximou da Academia, na forma descrita.

 A se aceitar uma tradição da Burschenschaft brasileira, Frank sechamaria de fato Luís Sand, e seria irmão de um jo vem re volucionáriocujo nome, em certo momento, empolgou a Alemanha e a própriaEuropa: Carlos (Karl) Sand.

Karl Ludwig Sand, nascido em Wonsiedel, em 1795, foi umfanático patriota, que dedicou a vida à unificação alemã e à implantaçãoda república na Alemanha unificada e, como instrumento destes ideais, àdeposição das dinastias submissas ao jugo estrangeiro.

Sand passou a mocidade em Tubingen, onde se inscre veu nasociedade secretaTeutônia. Participou da batalha de Waterloo e fez partedas tropas prussianas de ocupação do território francês, após a quedade Napoleão. Depois disso começou a freqüentar a Uni versidade deErlangem, onde duas sociedades secretas de estudantes se digladia vam,a Burschenschaft e a Landmanschaft.14 Essas di visões internas eram insu-fladas pelo Czar Alexandre da Rússia, que dese ja va enfraquecer a Alemanha a fim de prolongar o domínio dos Romanoff sobre a EuropaCentral. O mais importante agente russo, nos meios intelectuais, era oescritor Augusto Kotzebüe, nascido em Weimar no ano de 1761. Homemde inegá vel talento e grande fecundidade, mas ambicioso e venal, Kotze-büe passou a ser o principal agente a ser viço do dominador estrangeiroe das oligarquias alemãs, ad versárias da união e da libertação da própria

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 103

14  Landmanschaft era o nome da sociedade secreta da Escola Politécnica de São Paulo,que mantinha íntima ligação com a Burschenschaft. Foi presidida por Francisco PaulaSousa, depois Ramos de Azevedo e Rodolfo Santiago. A da Faculdade de Medicinade São Paulo foi presidida por Arnaldo Vieira de Carvalho e denominava-se

Page 102: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

pátria. Pago por aquele e por estas, desen vol via intensa ati vidade,redigindo jornais e panfletos, espionando e denunciando os nacionalistas.

Carlos Sand, místico e extremista, entendeu que o seu de verera sacrificar-se, eliminando o panfletário. Em março de 1819 foi aMannheim, onde residia Kotzebüe, solicitou-lhe uma audiência e, recebido,matou-o a punhaladas.

Preso e processado, Sand, que se tornara o ídolo da ju ventudealemã, foi decapitado em maio de 1820, por pressão do czar, em umlocal que ainda hoje conser va o nome de Campina Sagrada (HeilegeWiese). Seu diário, escrito em parte na prisão, transformou-se em li vrocondutor da ju ventude, e o consentido sacrifício da sua morte le vou-lhe onome à notoriedade européia como símbolo da liberdade. Chateaubriand,nas Memórias deAlém-Túmulo, reflete bem isso quando escre ve:

 “Sous leciel dela Germaniecet amour dela libertédevint uneespèce de fanatismesombreet mystèrieux, qui se propagea par desassociations secrètes. Sand vint ef fra yer l’Europe.”15

Luís Sand ou Júlio Frank, qualquer que fosse a sua origem,era um alemão daquele tempo, e o tempo era, na luta política, o dassociedades secretas, sobretudo para a mocidade.

 Na época romântica, muitas idéias políticas, notadamente o repu-blicanismo, desen vol viam-se fortemente naquelas sociedades. O Brasil doPrimeiro Reinado e da Regência conheceu-as numerosas, desde as maisreacionárias até as mais re volucionárias. A Maçonaria, que era a maisimportante, ser viu a todas as colorações do ideário político. Reacionárioscomo Pedro I, moderados como José Bonifácio, radicais como Antônio Carlosa ela pertenceram. Por isto não correspondiam as sociedades brasileiras àsalemãs ou italianas, antes adapta vam-se ao meio para a obtenção dos seus fins.

 Júlio Frank (chamemo-lo pelo nome que ficou conhecido)deve ter fundado a Burschenschaft (numerosas eram as associações com

104 Afonso Arinos

15 O assassínio de Kotzebüe levou Metternich a convocar uma conferência diplomáticaem Carlsbad, no mês de agosto de 1819, à qual compareceram os mais importantesEstados da Confederação Germânica. A Burschenschaft foi severamente condenada

inscriçã de estudantes nela fico quiparada a crime to ndo-os i tíveis

Page 103: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

este nome nas uni versidades alemãs) logo que obte ve emprego na Academia de São Paulo, ou seja, por volta de 1834.

É possí vel, também, que, residindo em Sorocaba, viesse a SãoPaulo a fim de manter contactos com os estudantes, sendo neste casoanterior à entrada na Academia a fundação da associação estudantil.Esta versão, adotada por Afonso Schmidt, encontra apoio na biografiado Visconde do Uruguai, escrita por José Antônio Soares de Sousa. Poreste li vro se vê que o visconde matriculou-se na Academia do Largo deS. Francisco em 1830, no terceiro ano, tendo feito o quarto e o quintocon juntamente, pois tomou grau de bacharel em fins de 1832, antes,portanto, de ser contratado Júlio Frank.

Na citada biografia do Visconde do Uruguai lemos o seguinte:

“Contou-me meu pai, o Professor Paulino José Soaresde Sousa16que, quando estudante em São Paulo, soube que o Visconde do Uruguai fora mui ligado ao Dr. Júlio Frank e que,com este, fundara uma sociedade secreta, da qual fez parteprincipal. O Conselheiro Paulino, filho mais velho do visconde,também pertenceu à mesma sociedade.”17

De acordo com o mesmo li vro, o Visconde do Uruguai, federalistae republicano, tinha “a cabeça po voada de re voluções”, e redigiu jornaisre volucionários. Como se vê, tudo bem no espírito da Burschenschaftalemã. Se o primeiro Paulino de Sousa pertenceu à Burschenschaft, comoestudante, foi ele o iniciador de uma série de grandes políticos brasileirosligados à organização, e fica demonstrado que Júlio Frank fundou aassociação antes de ser contratado como professor.

Outro estudante ilustre dos primeiros anos de vida de Faculdade,ligado a Júlio Frank, foi o futuro mestre e aclamado jurista Antônio Joaquim Ribas. Quando Frank veio ensinar no curso anexo, em 1834, aliencontrou Ribas, então com apenas quinze anos, como aluno. A amizadeentre os dois moços logo se estreitou, aplicando-se Ribas a estudar, comFrank, o Latim, o Inglês e o Francês. A aproximação intelectual entre ambosle vou Ribas (segundo José Luís Alves, que proferiu o seu elogio no

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 105

16 Neto e homônimo do visconde

Page 104: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Instituto Histórico) a colaborar no Compêndio de História Universal deFrank, publicado em 1841 sem nome de autor.

Naturalizado brasileiro, Júlio Frank morreu em junho de 1841,de pneumonia, em São Paulo, aos trinta e dois anos. Foi seu médico o Dr. Justiniano de Melo Franco, que também atendeu, na hora da morte, outroliberal, Líbero Badaró. Além de professor da Academia, Frank era sócio doInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em cuja re vista aparece o seunecrológio, que foi proferido pelo sócio Tomás José Pinto Cerqueira.18Seutúmulo, erigido em um pátio da Faculdade, é ainda hoje ob jeto de veneraçãoe curiosidade por parte dos estudantes.

 A influência do alemão se di vidia entre os futuros políticos,como Paulino, e os futuros juristas como Ribas. Mas foi no meio políticoque a orientação da Burschenschaftse especializou.

Com efeito, seus dirigentes, daí por diante, em di versos postos,chamaram-se Francisco Ota viano, Visconde de Ouro Preto, Rui Barbosa, Assis Brasil, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Barão do Rio Branco, PinheiroMachado, Campos Sales, João Pinheiro, Afonso Arinos, Pedro Lessa, Venceslau Brás, Bernardino de Campos, Davi Campista, WashingtonLuís, Melo Franco, Antônio Carlos, Altino Arantes, Artur Bernardes, Vergueiro Steidel, Macedo Soares e numerossíssimos outros vultospreeminentes do Direito, das letras e da política imperial e republicana.19

 A seleção dos membros da sociedade era feita por cooptação,sendo escolhidos à re velia os que apresentassem as melhores qualidadesde inteligência e caráter. O chefe principal era sempre um aluno do últimoano, distribuindo-se entre os demais os vários postos da hierarquia.

 A sociedade auxilia va economicamente os estudantespobres (João Pinheiro e Cândido Mota, por exemplo, ti veram os seus

106 Afonso Arinos

18 O necrológio de Júlio Frank acha-se no volume 3 (1842) da Revista do Instituto Histórico. Quanto ao túmulo, deve-se recordar sua semelhança com o pequenomonumento existente no centro de São Paulo, na Ladeira do Piques. Este monumento(coisa que nem toda gente sabe) está ligado à Burschenschaft, cujo monograma se encontranele gravado.

19 Melo Franco pertenceu ao Conselho dos Apóstolos. Além de meu pai e do meutio foram membros da Burschenschaft meu avô paterno, Virgílio de Melo Franco, eoutro tio, João de Melo Franco, todos formados em São Paulo. Cesário Pereira,

Page 105: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

cursos total ou parcialmente sustentados por ela) mas, por outro lado,constituía uma espécie de grupo destinado a funcionar na vida públicadepois de terminados os estudos.

Nesse sentido seria altamente interessante a pesquisa quecompro vasse as ligações entre a Burschenschaft paulista e o acesso aosmais altos postos políticos, desde o Império.20

 As reuniões realiza vam-se habitualmente à noite. Mais recen-temente eram feitas em uma casa, hoje demolida, que existia no Jardimda Luz. Todo o ritual romântico das sociedades secretas era rigorosa-mente obser vado. Rui, Rio Branco, Afonso Pena, Venceslau Brás, ArturBernardes, nos pináculos das respecti vas carreiras, não desdenha vam de,quando de passagem por São Paulo, homenagear a velha organização,prestando-se docilmente ao seu cerimonial.

 A transmissão da cha ve era uma festa simbólica. Traduzia apermanência dos ideais da sociedade atra vés das sucessi vas gerações.

 As indicações que conseguimos recolher a respeito da filiação deilustres homens públicos à Burschenschaft são extremamente significati vas.Não é nosso propósito estendermo-nos demasiado sobre o assunto.Limitaremos nossa pesquisa à fase republicana, destacando alguns fatos.

Logo depois do 15 de No vembro, a chamada Comissão dosCinco, incumbida de elaborar o antepro jeto de Constituição, continha pelomenos três antigos membros da sociedade: Saldanha Marinho, Américo Brasi-liense e Santos Werneck, sendo que este último, relati vamente obscuro,havia sido “cha veiro” (chefe supremo) da Burschenschaft.

É certo que Prudente de Morais e Campos Sales a elapertenceram, e isto explica, em parte, o fato de os dois líderes republi-canos haverem, desde a implantação do novo regime, con vocado aRodrigues Alves, que integrou também a organização, na qualidade dechefe do Conselho dos Apóstolos.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 107

20 A Burschenschaft constituía-se como uma elite intelectual e moral entre os alunos. Onúmero de seus correspondentes não passaria de dez por cento do total.Compreende-se o destaque que tiveram. Em 1870 Afonso Pena era o chefesupremo da Comunhão Geral e Rodrigues Alves chefe do Conselho dos Apóstolos, que eram doze, se não nos enganamos. Meu pai e Antônio Carlosforam apóstolos na sua geração. Os apóstolos traziam nomes bíblicos, tais como

Page 106: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O Barão do Rio Branco, já ministro do Exterior, foi saudadoem sessão solene da sociedade pelo Deputado Gastão da Cunha, o quedeve ha ver concorrido para a colaboração estabelecida entre os dois, noItamarati. Gastão da Cunha, quando estudante, foi quem redigiu a novaConstituição (pacto) da associação.21

Entre o Barão do Rio Branco e a Burschenschaftocorreu um inci-dente muito interessante. Em 1906, con versando com velhos amigos, oBarão fez referências à associação de sua mocidade, referências essas queforam consideradas indiscretas pela direção do tempo. O chefe da Comu-nhão Geral interpelou-o se veramente. E o todo-poderoso chanceler escre- veu uma carta autógrafa de explicação, justificando-se com o fato de sualonga residência no estrangeiro e a perda de contato com as normas de sigi-lo. Daí é que o Barão foi con vidado para ser homenageado em São Paulocom sessão solene e discurso de Gastão. Em agradecimento, o Barão con - vidou alguns estudantes da Bucha(como era chamada familiarmente pelosestudantes) a virem ao Rio, para um almoço no Itamarati. Desse almoçoparticiparam Rio Branco, Gastão, Afonso Arinos, todos “bucheiros”, e osestudantes con vidados, Cásper Líbero, Vergueiro César e Vergueiro deLorena. Os outros comensais ignora vam o verdadeiro sentido da reunião.Existe uma fotografia desse almoço que aparece naObra Completa de Afonso Arinos, editada pelo Conselho Federal de Cultura.

Davi Campista era tão re verente à memória de Júlio Frank que empregou seus dotes de pintor em fazer-lhe um retrato.

Desde o início, a Burschenschaft paulista (B. P. segundo a siglados iniciados) foi liberal, abolicionista e republicana. Isto não impediuque, dissipados os entusiasmos ju venis com as exigências da vida práti-ca, certos estudantes, tornados estadistas, se apresentassem como conservado-res, escra vocratas e monarquistas.

Durante o fastígio do Império tal ocorreu com a maioria dosantigos “bucheiros” (como era e são ainda chamados), mas, à medida que

108 Afonso Arinos

21 Madame de Staël, no seu livro sobre a Alemanha, assim se refere às sociedades secretas:“Os iluminados políticos tinham adotado certos sinais para se reconhecerem; mas osinteresses, e não as opiniões, lhes serviam de ligação. Eles pretendiam, é verdade,mudar a ordem social, mas, enquanto esperavam por esta grande obra, o que elesqueriam l apod se dos e os públi ” Estas observações

Page 107: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

se aproxima va o fim do antigo regime, a fé republicana foi se tornando ocentro de inspiração da sociedade. Daí a solidariedade que entretecia, comfios in visí veis, aqueles varões, aqueles patriarcas, irmanados pelo tesourode recordações inapagá veis. Daí também, no jogo oligárquico da PrimeiraRepública, a explicação secreta de muitos arran jos e composições entre ospróceres, que escapa vam à visada do obser vador insciente ou superficial.

O republicanismo da Burschenschaft era, como dissemos, umacaracterística habitual das sociedades secretas européias. Com efeito, aidéia de República ficara muito comprometida na opinião média do Ve -lho Mundo, por causa das crueldades da época chamada do Terror, quecoroou com um diadema de sangue a Re volução Francesa. O republica-nismo europeu, não conseguindo a aceitação pacífica do nor-te-americano, refugiou-se, durante o período da Restauração(1815-1830), e mesmo depois, nas sociedades secretas, que então esta vamno auge do prestígio. Na França, a propaganda aberta da República foi bemtardia. Iniciou-se praticamente com Gambetta, no declínio do SegundoImpério napoleônico. Mas Gambetta, preocupado em apagar trágicas lem -branças, não prega va a República re volucionária, e sim a evolução legal deum regime para o outro, a chamada “República conser vadora”. Este legalis-mo evolucionista, como tudo o que vinha da França, influiu na mentalidadedos nossos estadistas do Império. Ouro Preto, na fala com que apresentouo seu gabinete em 1889, responde aos inflamados discursos republicanosde Cesário Alvim e João Manuel afirmando que a coroa cederia o passo à vontade popular, legalmente manifestada.

Existe, em todo caso, uma relação muito estreita entre a Burschenschaft paulista e a ideologia republicana. Por isto mesmo suamaior influência re velou-se na formação dos quadros dirigentes daPrimeira República.

Na turma de Rodrigues Alves, que colou grau no ano do mani-festo republicano, pertenciam à Burschenschaft, além dele, Rui Barbosa, Afonso Pena, Bias Fortes e Sal vador de Mendonça.22 Se nem todos esteseram estudantes republicanos, todos vieram a ocupar grandes posiçõesna República.

Como demonstrações curiosas da manutenção dos vínculos da Burschenschaft, transcre vemos trechos de duas cartas, a primeira escrita por

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 109

22 Afonso Pe foi chef da Com hão G l e Rodrig s Al chef do Conselho

Page 108: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Afonso Pena, vice-presidente da República (já indicado para a presidência),dirigida a Pedro Lessa; e a segunda por Artur Bernardes, depois de presidenteempossado, endereçada aos dirigentes anônimos da Organização.

Escre ve Afonso Pena, com data de Belo Horizonte, 18 defevereiro de 1906:

“Exmº Colega e Amº Dr. Pedro Lessa

Dese jo-lhe a continuação de boa saúde e muitas felicidades.

Pelo nosso companheiro Dr. Macedo Soares foram-mefeitas indicações a que V. Exª se refere na sua carta de 31 de janeiro em benefício do progresso do benemérito Con:. deInv:.23 de São Paulo e de bom grado as tenho adotado. Paraexpedição do Dec:. criando o Cons:. de Deleg:. do Sub:. Ap:. daBursch:. Bras:.24 tornam-se precisas certas informações quesolicito do Desembargador Pinheiro Lima como dirá a V. Exªo Dr. Macedo Soares.”

O emissário referido pelo signatário era José Carlos de MacedoSoares, bacharel da turma de 1905, mais tarde embaixador e ministro, entãocom vinte e dois anos. Deve também ser recordado que o Presidente Afonso Pena foi quem chamou Pedro Lessa da sua banca de ad vogado eda cátedra de professor em São Paulo para o Supremo Tribunal. Lessaresistiu ao con vite, mas o presidente demo veu-o com esta declaração:

“Eu cumprirei o meu de ver de nomeá-lo; o senhor saberácomo cumprir o seu.”25

 A parte marcante da missi va de Bernardes é a seguinte:

“Ao muito Ill:. e Resp:. Conselho de Apóstolos da B:.P:.26meu muito saudar.

110 Afonso Arinos

23 Conselho de Invisíveis, também chamado Sublime Apostolado. Foi chefiadoanteriormente por Francisco Otaviano, Ouro Preto e depois por Pedro Lessa.

24 Decreto criando o Conselho de Delegados do Sublime Apostolado da Burschenschaftbrasileira.

Page 109: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

E cordialmente agradeço as congratulações com que,por proposta do Dr. Frederico Vergueiro Steidel, da B:.P:., me distinguiu, ao ense jo de minha ascensão à Magis-tratura Suprema do País.27

 As condições em que esta se operou patenteiam o ní vela que desceu a política republicana de nossa terra e quanto oBrasil necessita do concurso dos patriotas para le vantar-se docharco em que os maus brasileiros o vão sepultando.

Competirá essa obra meritória às gerações mais moças,de vez que defeituosa educação das gerações atuais nãopermite esperar delas a ação sal vadora.”

 Artur Bernardes, profundamente patriota, inteligência obstinadae espírito messiânico, le vou a tradição da Burschenschaft até a velhice.Pouco antes de morrer, sendo deputado, uma das suas preocupações (quetransmitia a alguns colegas escolhidos) era a de fundar uma sociedadesecreta em que entrassem moços, com ele comprometidos a defender aHiléia Amazônica e o petróleo brasileiro contra a cobiça internacional.

De um modo geral, a participação da Burschenschaft de JúlioFrank nos acontecimentos políticos nacionais prosseguiu até recen-temente, e é pro vá vel que ainda exista, embora muito atenuada peladiferença de moti vações que hoje solicitam os estudantes.

Muitos homens públicos de atuação recente foram elementos deprol da Burschenschaft. Em 1923 foi cha veiro Antônio Gonti jo de Car valho.

O último chefe da associação secreta, pelo que sabemos, foi JoséCarlos de Macedo Soares. Recentemente hou ve tentati vas de rearticulaçãoda Burschenschaft, pro va velmente com pouco êxito, porque – como já ob -

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 111

26 Ao muito Ilustre e Respeitável Conselho de Apóstolos da Burschenschaft Paulista.27 Frederico Vergueiro Steidel, catedrático de Direito Comercial, era então chefe da

associação, sendo sucedido por Macedo Soares. Um cronista da Faculdade, FranciscoPati, recorda-o na tribuna da Bucha em certa noite solene de 1921: “Magro, deestatura média, curvado para frente, fisionomia severa de asceta, soltava aspalavras como látegos. A vocação de Apóstolo estampava-se-lhe na face

da.” O o da palavra “apóst l ” po Pati é evidentemente

Page 110: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

servamos – as moti vações da ju ventude ci vil são hoje muito diferentesdo que eram até meio século atrás. Para concluir, recordemos alguns episó-dios rele vantes da história contemporânea, ligados à organização de JúlioFrank.

 A fundação do Partido Democrático de São Paulo, tendocomo figura de proa o Conselheiro Antônio Prado e como elementosatuantes antigos bacharéis do Largo de S. Francisco, é obra da Burschens-chaft, em grande parte. Depois de 1930, a re volução paulista de 1932 nãolhe é estranha, à medida que foi um mo vimento bacharelesco, ati vadopor membros da associação e do partido, como Júlio de Mesquita Filho,Henrique Baima, os irmão Vampré e Paulo Nogueira Filho.28

O sumário le vantamento que foi feito das origens, desen vol- vimento e ação da Burschenschaft paulista não pretendeu mais que contri-buir para o esclarecimento de certos bastidores da oligarquia dominantena Primeira República, des vendando parte das razões da escolha dosseus representantes nos três poderes constitucionais, explicando oaspecto moral seleti vo que nela predominou e a justificação parcial daunidade básica do grupo dominante. Esses três fatores de estabilidade,pressionados por várias circunstâncias, desagregam-se precisamentecom a morte de Rodrigues Alves, que é a porta que cerra a PrimeiraRepública e abre os caminhos tumultuosos das que lhe seguiram. VenceslauBrás e Rodrigues Alves eram “bucheiros”. Epitácio Pessoa nada tinhacom a sociedade.

O País de 7-11-1905 transcre ve deO Paraíbade 25-11-1870 aseguinte nota assinada por E. Leão Bonrroel:

“Teve anteontem lugar na casa do Sr. Domingos Rodrigues Alves um baile magnífico dado por S. S.a em regozi jo daformatura de seu filho, o nosso estimado e talentoso patrícioFrancisco de Paula Rodrigues Alves. Tudo correu às mil mara vi-lhas. O grande concurso de con vi vas, o prazer de que todos seacha vam possuídos, a decoração da sala, o primor e a delicadeza

112 Afonso Arinos

28 Os radicais da Burschenschaft, depois do movimento de 1932, formaram umaespécie de círculo concêntrico, de diâmetro menor, chamado dos “encapuzados”.Este pequeno grupo, utilizando um grande jornal, O E tad d S. P l , atuou em

Page 111: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

dos ser viços, a pompa e bom gosto das toilettes, tudo enfimconcorreu para que aquela festa seja lembrada com saudade.”

 A VOCAÇÃO POLÍTICA 

 Ao deixar, em 1870, a Faculdade, aquela brilhante plêiade debacharéis de via estar bem consciente do largo destino que a aguarda vana vida pública. Quatro de entre eles nunca mais se perderiam de vistanos encontros e desencontros do futuro: Rodrigues Alves, Rui Barbosa, Afonso Pena e Bias Fortes.29

No dia 5 de no vembro, em que Rodrigues Alves colou grau, aOpinião Conservadora, de João Mendes, publicou esta notícia, que era tambémuma profecia:

“Caráter sisudo, inteligência culti vada, idéias sãs sãoelementos valiosíssimos que o Sr. Rodrigues Alves porá aserviço da pátria, se quiser dedicar-se à carreira política.”

O bacharel de Guaratinguetá, estudante excepcional desde ainfância, cumpriu ampla e rigorosamente o vaticínio. Foi um político.

De fato, o Direito constituiu para Rodrigues Alves um instru-mento para a ação política, instrumento impositi vo na época em que viveu e atuou. Em toda uma longa vida de administrador e go vernante,presidente da Pro víncia e do Estado, deputado pro vincial, geral e federal,senador da República, ministro e presidente, sua ação é marcadasempre, nas virtudes e nos defeitos da personalidade, pela política. Comela e por ela vi veu, afirmou-se, venceu, entrou na história. Seus últimosmomentos são dominados pela preocupação política. Quase agonizante,depois de confortado espiritualmente pela Igre ja, são de ordem políticaas recomendações finais que faz aos familiares e próximos, despedindo-se

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 113

29 Afonso Pena deve ter sido, nos bancos acadêmicos, dos colegas mais chegados aRodrigues Alves. Isto não impedia a cerimônia do tratamento entre eles. Veja-seesta dedicatória, em um belo volume das poesias de Alfred de Musset: “Ao meudistinto Colega e Amigo Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves. São Paulo, 30 deoutubro de 1870. Af A usto Moreira Pena.” O li nte de f atura

Page 112: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

deles e da vida. Pode-se afirmar que nenhum patriarca republicano foitão político quanto Rodrigues Alves.

Os excessos da fria ambição fizeram Floriano exorbitar, daação política, para o arbítrio da força. A inflexibilidade orgulhosa perturboua visão de Prudente, le vando este grande varão ao ostracismo. Umaespécie de bacharelismo formalista pre judicou o comportamento deCampos Sales, impedindo-lhe, tal vez, a volta ao poder. A intolerância dasidéias obstou a ascensão de Bernardino de Campos. O apetite de mandoe o espírito caudilhista cortaram a carreira e a existência de PinheiroMachado. A vaidade intelectual e o irrealismo doutrinário marginalizaramRui Barbosa, o mais poderoso engenho da geração dos fundadores.

Rodrigues Alves era lúcido e flexí vel, enérgico e sereno, pertinaz etransigente, ambicioso sem personalismo, firme nos compromissos e hábilnas composições, duro na ação, mas tolerante quando obtinha o que queria.

 Acima de tudo, ele possuía, de forma admirá vel, o sentimentode que a política se exerce sempre tendo em vista algo que está acima dela ede quem a pratica. Qualquer coisa de indefiní vel dentro da qual a intensida-de da vida, o gosto da glória e o dese jo do poder estão sem dú vida presentes,mas que, em con junto, transcende a tudo isso, ou melhor, coloca todasessas forças como instrumentos pessoais de uma vocação impessoal, que éa de realizar e de ser vir a quem não se conhece. Foi essa intuição dominadoraque levou sempre Rodrigues Alves a distinguir o permanente do contingentee a extrair o essencial do episódico.

Tais qualidades explicam o fato surpreendente de ha ver ele(ele e não outrem por ele) resol vido problemas nacionais básicos quenão podia conhecer, o que é precisamente a marca do grande político,do autêntico homem de Estado.

114 Afonso Arinos

Page 113: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Domingos Rodrigues Alves, já na velhice. Cortesia do Prof. JoséLuís Pasin

Page 114: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo Segundo

 Promotor público e juiz de Direito em Guaratinguetá – Deputado provincial– Sessão de1872 – Sessão de1873 – Sessão de1874 – Sessão de1875 – Casamento– Retorno à Assembléia Provincial – Sessão de1878 – Sessão de1879.

PROMOTOR PÚBLICO E JUIZ DE DIREITOEM GUARATINGUETÁ 

Bacharel formado, como então se dizia, foi Rodrigues Alvesnomeado promotor interino de Guaratinguetá, por decreto de 11 dedezembro de 1870, do presidente da Pro víncia, Antônio da Costa Pintoda Sil va. O promotor efeti vo era o bacharel Francisco de Paula e Oli vei-ra Borges, oita vo filho do Visconde de Guaratinguetá e tio de Rodrigues Alves, o qual, pro va velmente, lhe terá tomado o nome de batismo. Otio cedeu logo o exercício da promotoria ao sobrinho, pois este, quedeixara a Faculdade ha via pouco mais de um mês, estreou na tribuna do júri no dia 19 de dezembro, na sala da Câmara Municipal. O juiz deDireito era José Pedro Marcondes César, da numerosa família dosMarcondes espalhada pelas zonas mineira, fluminense e paulista do Valedo Paraíba, e também parente de Cerqueira César. O ad vogado da defesa(que obte ve a absol vição do réu) era José Cardoso de Araú jo Abranches,colega de Faculdade de Rodrigues Alves e seu amigo até os tempos da

Page 115: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em dezembro de 1870, Rodrigues Alves ser viu como promo-tor interino, mas já na sessão do júri de maio de 1871 aparece como efe -ti vo. O tio teria seguramente pedido demissão, para que fosse nomeadoo sobrinho. Ser viu nessa qualidade até o fim do ano, tendo pro va vel-mente se demitido nessa época, ou no começo de 1871, pois, neste últi-mo ano, como veremos, foi eleito deputado pro vincial.

Como promotor era também curador de menores, órfãos einterditos.

No correr de 1873, depois de terminadas as sessões da Assembléia Pro vincial, Rodrigues Alves foi nomeado juiz municipal eprimeiro substituto do juiz de Direito da comarca da sua cidade natal.Nesse posto fica até o fim de 1874, ha vendo traços de sua passagemem várias sentenças e despachos arqui vados nos ofícios de justiça dascidades de Guaratinguetá e de Cunha. Seus trabalhos são conscienciosos,fundados com precisão nos artigos da complicada legislação vigente,tanto do cí vel como do crime.

De 9 de dezembro de 1873 é uma sentença sua, em que con -cede liberdade a uma escra va, aplicando a Lei Rio Branco, de 28 de se -tembro de 1871.

DEPUTADO PROVINCIAL

 A carreira política de Rodrigues Alves começa em 1872,como deputado pro vincial.

Estudante filiado ao Partido Conser vador, jo vem bacharel mili-tante da mesma agremiação, Rodrigues Alves conta va com a valiosa pro -teção do Visconde de Guaratinguetá, com cuja neta em bre ve se casaria.Foi, assim, pela mão desse chefe, que ele entrou na ati vidade política.

 As Assembléias Legislati vas das Pro víncias tinham sidocriadas em 1834, pelo Ato Adicional, em substituição aos anterioresConselhos Gerais.1

118 Afonso Arinos

1 A Constituição de 1824 estabelecera os Conselhos Gerais das Províncias, órgãoseletivos, de poderes limitados, que elaboravam resoluções, submetidas depois à Assembléia Geral (Câmara dos Deputados e Senado do Império) As Assembléias

Page 116: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 As Pro víncias mais importantes, São Paulo, Minas Gerais,Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, conta vam 36 deputados nas suas Assembléias. Eram menores os números deles para as outras. Esco -lhia-se o deputado pro vincial da mesma forma que o deputado geral epelos mesmos eleitores, mas a legislatura pro vincial não ia a mais dedois anos, metade do tempo da geral.

Rodrigues Alves foi eleito pelo primeiro distrito, no qual seelegeu também um deputado que fora seu professor na Faculdade, JoséMaria de Sá e Bene vides.

Eleitos por outros distritos vinham Lopes Cha ves e Estê vãoRibeiro de Resende.2

Presente desde a segunda sessão preparatória, em 29 de ja -neiro, o deputado conservador de Guaratinguetá foi indicado para aComissão de Instrução.

 A situação nacional apresenta va-se solidamente conser vadora,com o gabinete de 25 de março de 1871 (o de mais longa duração emtodo o antigo regime), chefiado pelo Visconde do Rio Branco, sendo aPro víncia presidida, naquele ano, por Costa Pereira e, em seguida, porPinto Lima. O ministro do Império (Pasta a que esta vam su jeitos osprincipais negócios pro vinciais) era João Alfredo.3

 A vida política de Rodrigues Alves inicia va-se assim do ladodo poder e sob os melhores auspícios.

Na ação parlamentar re velou-se, de pronto, o que sempre foidepois, como deputado geral, constituinte republicano e senador da Re -pública: assíduo, discreto, aplicado à tarefa, moderado nas atitudes polí-ticas, estudioso dos assuntos, em geral pouco freqüentador da tribuna,mas eloqüente nela, quando necessário. O traço mais impressi vo, tam -bém permanente, era a sua profunda e combati va fidelidade partidária,

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 119

2 Estêvão, depois Barão de Resende, de velha família mineira, era filho de pai domesmo nome, que foi Marquês de Valença e senador do Império; era também irmãodo Barão Geraldo Resende e genro do Barão da Serra Negra. Veremos adiante suasrelações com Rodrigues Alves, quando este foi presidente da Província.

3 José Fernandes da Costa Pereira Júnior, Francisco Xavier Pinto Lima, depois Barãode Pinto Lima, e João Alfredo Correia de Oliveira, mais tarde presidente do

Page 117: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

que, tanto na assembléia pro vincial quanto nas nacionais, o le vou às ve -zes a ásperas contendas.

No quadro do pensamento partidário, Rodrigues Alves eraum conser vador progressista como ha via sido na Faculdade e como se -ria, depois, nas funções de deputado, senador, ministro e presidente.Toda a sua obra, toda a sua vida, são o desdobramento natural dessetraço psicológico e compro vam o vigor da aliança do conser vadorismocom o progressismo.

SESSÃO DE 1872

 A princípio, sua ati vidade ficou limitada a relatórios sobrepro jetos sem maior importância.

 A 4 de março assinou, em segundo lugar, como bom católicoque era, uma moção de protesto contra a ocupação de Roma pelastropas de Garibaldi.

Seu primeiro discurso foi proferido no dia 8 daquele mês. Oprestígio de que vinha cercado patenteia-se com a notação “mo vimentode atenção” que focaliza sua ida à tribuna, pala vras usadas tradicional-mente nas assembléias brasileiras para indicar o conceito de que vemprecedido um representante.

Suas pala vras iniciais marcam o propósito da discrição:“Permitam os nobres colegas que eu rompa o silêncio que me

tenho imposto.” Declara-se alheio às lutas políticas, atento ao espírito deempresa e associação, alma aberta à contemplação do futuro, que lheparecia lison jeiro, confiante na energia e na ação. Adverte sobre a gra vesituação da la voura, por causa da falta de braços (o gabinete Rio Brancoapro vara ha via pouco a Lei do Ventre Li vre, que era o início do fim daescra vidão) e de crédito. Insiste em que a realidade de via ser enfrentada.Obser va a tendência dos Estados modernos de se sobrepor à iniciati vaindi vidual nos empreendimentos básicos, cita os Estados Unidos comoexemplo. Aborda o problema dos transportes, expondo as soluções en-contradas em outros países, como a França e a Bélgica, e obser va que,em matéria dessa natureza, cada país deve procurar suas próprias solu-ções. Acentua a necessidade da imigração, substituti va do braço escra vo e

120 Afonso Arinos

Page 118: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Ao concluir o discurso, os cumprimentos dos colegas consa-gram-lhe o êxito.

Esta primeira manifestação política de Rodrigues Alves é deespecial importância para o leitor contemporâneo, porque nela o moçodeputado traça, sem o pressentir, tal vez, o retrato do estadista futuro.

No dia 11 defende o direito das Câmaras Municipais contraíremempréstimos, com permissão das Assembléias Pro vinciais. Interpreta- va o Ato Adicional de maneira fa vorá vel à autonomia de São Paulo.

Entrando a Assembléia em recesso no mês de abril (ofuncionamento normal delas era de três meses), Rodrigues Alves pas -sou a exercer o posto de promotor público de São Paulo, para o qualha via sido nomeado por decreto de 8 de fe vereiro. Esta acumulação depostos era permitida pela legislação da época e lhe foi facilitada pelosseus correligionários no poder.

O juiz de Direito, Antônio Cândido da Rocha, fora presidenteda Pro víncia de julho de 1869 a no vembro de 1870, com o gabineteconser vador de Itaboraí.4 Rodrigues Alves, durante o ano de 1872,serviu por três períodos como promotor de São Paulo, tendo acusadoem júri quatorze réus incursos em vários artigos do Código Criminal.Como oponentes, na tribuna de defesa, defrontou-se com ad vogadosde nomeada, como seus ex-professores Sá e Bene vides e Martim Fran -cisco, além de João Monteiro, mais tarde também lente da Faculdade. Apesar do mérito dos defensores, os réus processados pelo promotorforam, na maioria, condenados.

SESSÃO DE 1873

Presente desde janeiro para o início das reuniões, Rodrigues Alves só se manifesta em plenário a 28 de fe vereiro, em discurso inter-pretati vo do Ato Adicional. Indaga va-se se, nos termos daquela lei cons-titucional, os ofícios de justiça eram empregos gerais ou pro vinciais,dado que o Poder Judiciário do Império era uno. A redação apressada

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 121

Page 119: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

do Ato Adicional deixou várias questões, como esta, indecisas, trazendodú vidas sobre a competência das Assembléias.

Rodrigues Alves, como partidário da autonomia das Pro víncias,inclina va-se pelo caráter pro vincial daqueles empregos e defendia acompetência da Assembléia, com argumentos de valioso teor jurídico.

 A sua atuação de maior rele vo, naquela sessão (e uma dasmais importantes em todo o seu tempo de deputado pro vincial) relacio-nou-se com a educação.

Rodrigues Alves apresentou pro jeto instituindo o ensino obri-gatório na Pro víncia. Esta idéia de obrigatoriedade do ensino implica vaainda então, para os espíritos retrógrados, agressão à liberdade dos paise aos direitos da família. Sá e Bene vides, católico ultramontano, chefiouo grupo reacionário, que nega va ao poder público o direito de disporsobre a matéria. Afirma, em discurso, que a idéia do ensino obrigatório“esta va associada a mo vimentos comunistas e socialistas”, o que coloca- va o seu jo vem colega de partido, e ex-discípulo, na incômoda posiçãode re volucionário e sub versi vo.

 A 13 de março, Rodrigues Alves defendeu o seu pro jeto, mos -trando a improcedência das acusações feitas pelos ultraconser vadores. Re -feriu as práticas vigentes na França, Alemanha, Suíça, Dinamarca e Portu-gal. Discutiu juridicamente a questão nos Direitos Público, Ci vil e Romanoe examinou a situação precária da instrução no Brasil, com a falta de esco-las, de professores e de alunos. Defendeu energicamente a inter venção doEstado no problema. A oração, muito aplaudida, foi o prenúncio da apro - vação do pro jeto que se deu a 7 de fe vereiro do ano seguinte.

SESSÃO DE 1874

 Além da apro vação do pro jeto sobre o ensino obrigatório, oano de 1874 marca a fase mais fecunda da ação de Rodrigues Alves na Assembléia Pro vincial. Naquela sessão, Rodrigues Alves freqüentoucom assiduidade a tribuna, ainda que, de acordo com seu hábito, para sófalar sobre os trabalhos em pauta. Matéria política só o pro voca vaquando en vol via interesse imediato do seu partido. Seus discursos sãomarcados pela informação cuidadosa a respeito da matéria em causa e

122 Afonso Arinos

Page 120: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A 18 de março, voltando ao tema, que muito lhe interessa va, dainterpretação do Ato Adicional, proferiu oração, sem exagero, notá vel.

 A 28, manifestando-se a propósito da Questão Religiosa, queentão agita va o país, forneceu curiosa informação. Disse que D. Vitalesta va designado para dirigir a diocese de São Paulo, não tendo sido fei-ta a indicação porque o combati vo bispo recusou-se a con versar sobresuas intenções com um emissário do ministro do Império, João Alfredo.Depois desse desentendimento é que D. Vital foi mandado paraPernambuco.

 A 30 de março, Rodrigues Alves esclareceu sua atitude quan -to ao problema ser vil. Situa-se como emancipacionista moderado queera, ao sustentar a inconstitucionalidade de um pro jeto que cria va im -posto pro vincial sobre escra vos. Afirma nitidamente:

“Não posso sacrificar à popularidade de idéias ele vadas,generosas e que se dizem fa vorá veis à la voura, con vicções quetenho e que me parece mais se acomodarem aos verdadeiros ereais interesses da mesma la voura.”5

SESSÃO DE 1875

 Ao termo de sua segunda legislatura como deputado, Rodrigues Alves foi eleito membro da Mesa.

No decorrer de março, dias 2 e 12, combateu os fa voresindiscriminados que, sob a forma de garantias de juros e outras van -tagens, esta vam sendo concedidos às empresas de estradas de ferro. Ozeloso administrador do futuro reponta va no parlamentar, que nãoaceitava o disfarce do progresso para justificar negócios particulares, emdetrimento de interesses públicos.

 Ainda naquele mês, a 15, 17 e 31, discutiu longamente proble-mas de Direito Constitucional nos quais, parece, esta va procurando seespecializar.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 123

5 Coerente com estas idéias que defendia como deputado, Rodrigues Alves,durante a sua curta presidência da província, no gabinete Cotegipe (1887-1888), vetou uma lei da Assembléia Provincial que instituía o imposto de 400 mil-réis

Page 121: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

No ano de 1875 termina va a legislatura pro vincial que, comodissemos, era de dois anos pelo Ato Adicional. Também naquele ano, a 25de junho, forma va-se, presidido pelo Duque de Caxias, novo gabinete, emsubstituição ao do Visconde do Rio Branco, o qual durou até 1878, quandose inaugurou a situação liberal, com o Visconde de Sinimbu.

 Apesar de perdurar o predomínio dos conser vadores, Rodri-gues Alves não voltou à Assembléia Pro vincial no biênio 1876-1877.

Ficou em Guaratinguetá, sem descurar da política, porémdedicado a afazeres pri vados e cuidados familiares.

CASAMENTO

 A família se organiza va pelo seu casamento com a prima-irmã, Ana Guilhermina. O assento do ato é o seguinte:

“Aos 11 de setembro de 1875, nesta cidade de Guara-tinguetá, em oratório particular da casa de Dona Guilhermi-na Cândida de Oli veira Borges6 feitas as denunciações canô-nicas, sem impedimento além do de consangüinidade em se-gundo grau igual da linha lateral, do qual foram dispensadospor pro visão de S. Exª Revmª o go vernador do Bispado,precedendo o sacramento da penitência, às oito horas da tar -de, em minha presença e das testemunhas, o Visconde deGuaratinguetá e Capitão Antônio Rodrigues Alves,7 se rece-beram em matrimônio por pala vras do presente o Dr. Fran -cisco de Paula Rodrigues Alves e D. Ana Guilhermina deOli veira,8 ele filho legítimo de Domingos Rodrigues Alves ede D. Isabel Perpétua de Marins Alves e ela filha legítima dofinado Dr. José Martiniano de Oli veira Borges e de D. Gui-lhermina Cândida de Oli veira Borges, naturais e fregueses

124 Afonso Arinos

6 Esse oratório, com a imagem de Sant’Ana, encontra-se agora (1969) na casa deRodrigues Alves, à Rua Senador Vergueiro, no Rio de Janeiro.

7 O Comendador, irmão mais velho do noivo.

8 Ana Guilhermina chamava-se a esposa e prima de Rodrigues Alves. Duas de suasirmãs chamavamse Ana e Guilhermina. Sua sogra era Guilhermina. Ana Guilhermina

Page 122: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

desta paróquia, precedem a este casamento o al vará de licen-ça do juízo de órfãos deste termo. E logo receberam as bênçãosnupciais de que mandei fazer assento. O VigárioBeneditoTeixeira daSilva Pinto.”

Nesta fase, de 1875 a 1877, ausente da assembléia pro vincial,atuou no exercício da profissão na comarca do seu nascimento e nas próxi-mas. A ad vocacia era, então, um dos meios mais usados para a formação dasbases eleitorais nas pro víncias. Também nessa época, ou pouco maistarde, é que se formam as duas empresas agrícolas em que Rodrigues Alves foi sócio do seu irmão e concunhado Virgílio: a “Viú va Borges eGenros”, que explora va a grande Fazenda das Três Barras, em Guaratin-guetá, adquirida em 1858 pelo sogro de ambos, e a “Rodrigues Alves eIrmão”, que abriu as no vas fazendas da zona de Jaú e São Manuel. Todasessas terras formam hoje o acer vo da Companhia Agrícola Rodrigues Alves, sociedade anônima, de que são acionistas os descendentes do Con -selheiro e do Coronel.9

Mas o exercício da ad vocacia profissional não o afastou,como veremos mais adiante, da ati vidade política, especialmente no ter -reno eleitoral.

RETORNO À ASSEMBLÉIA PROVINCIAL – SESSÃO DE 1878

Em 1878 voltou Rodrigues Alves ao parlamento pro vincial,onde veio encontrar dois deputados da corrente política republicana.Um era Martinho Prado, outro chama va-se Prudente José de Morais eBarros. Este nascera no município de Itu, mas tinha base política na cida-de de Piracicaba, antiga Vila de Constituição. Como o seu colega monar-quista e conser vador, Prudente formara-se em 1863 na Faculdade do Lar -go de São Francisco e pertencera à Burschenschaft. As relações entre o de -putado conser vador de Guaratinguetá e o republicano de Piracicaba apre -sentam-se, desde logo, se não amistosas – o que não era muito fácil parahomens reser vados como eram ambos – pelo menos confiantes. Não

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 125

Page 123: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

falta vam razões para tanto. Os difíceis problemas com que se defrontava oregime monárquico le va vam a extremos a luta tradicional entre os doispartidos, que se re veza vam no ser viço da coroa. Depois da Guerra doParaguai, o reformismo liberal, mais dese joso de base eleitoral do quecapaz de programação reno vadora, ia se transformando numa verdadeiracontestação da Monarquia. A oposição liberal permanecia latente,mesmo com o partido no poder, e não deixa va de ser contraditória comos de veres de sustentação do trono.

Este estado de coisas le va va ao acirramento crescente a lutaentre os dois campos, que se defronta vam desde a Regência, apesar dosfrágeis ensaios de composição ocorridos em meados do século.

Os conser vadores ortodoxos sentiam que, com seu compor-tamento em problemas básicos, o Partido Liberal de fato colabora va nadestruição do trono que pretendia sustentar. Bem significati vo destaatitude parecia o lema adotado de “reforma ou re volução”.

Era, assim, compreensí vel que, na tática da luta política, osconservadores atacassem muito mais rudemente os seus ad versários antigosdo que os republicanos, cuja posição era autêntica e sincera. Sem contar que,muito mais fracos em número, e naturalmente excluídos do poder, não podiamos republicanos fazer sombra aos conser vadores na disputa dos postos.

Essa situação re vela-se, desde logo, nos debates da Assembléia,atra vés das relações respeitosas que se formam entre o líder conser vadorRodrigues Alves e o líder republicano Prudente de Morais. É assim que, a12 de fevereiro, aquele exprime seu apoio à atitude que este vinha adotando,no debate sobre instrução pública. Outra vez, a 27 de março, Rodrigues Alves, presidente da comissão especial que examina va o pro jeto de criaçãode imposto pro vincial sobre escra vos (ao qual continua va contrário)reconheceu seriedade na opinião fa vorá vel de Prudente.

Na sessão de 1878, os dois mais rele vantes discursos proferidosem plenário foram de vidos aos futuros presidentes da República.

Prudente, a 17 de fe vereiro, proferiu magnífica profissão defé republicana, desen vol vendo a tese, cara aos da sua grei, de que a Monarquiarepresenta va planta importada no Novo Mundo e que o Brasil só seriaamericano quando fosse republicano.

O discurso de Rodrigues Alves, ainda mais importante pelo

126 Afonso Arinos

Page 124: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

ele um violento ataque contra a situação liberal instalada a 5 de janeiro,com o gabinete presidido pelo Visconde de Sinimbu, o qual sucedera ao deCaxias. O presidente da Pro víncia, duramente atacado, era João BatistaPereira.

Rodrigues Alves, que já ha via re velado as qualidades de lídergo vernista, demonstra va agora a sua fibra de líder da oposição.

Defendeu magistralmente os princípios conser vadores e in vestiusem contemplações contra os liberais. Justifica va a própria violência de lin -guagem mencionando famoso discurso do liberal Cesário Alvim na Câmarados Deputados, no qual o Barão de Cotegipe, ministro da Fazenda, eraacusado de contrabando. Como monarquista, re vela va receio de que a for -mação de go vernos sem base parlamentar, pelo Poder Moderador (talcomo se dera com o gabinete Sinimbu) viesse abalar a própria coroa.Obser vou que “o presidente do Conselho é o presidente do Clube da Refor-ma” e não poupou expressões como esta: “O último período liberal foi tal - vez o mais desastrado que tem ha vido neste Império.”10

Desfiou o rosário de acusações contra o Partido Liberal: fraudeeleitoral, dissipação financeira, violências indiscriminadas. Compro vou asasserti vas com a exibição de jornais, discursos e documentos. Rematou acatilinária contra o gabinete Sinimbu com a seguinte frase: “O go verno dopaís, se não representa traição, representa uma nova mistificação.”

SESSÃO DE 1879

Em 1879 Rodrigues Alves exerceu, pela última vez, o manda-to pro vincial.

 Além dos deputados republicanos já referidos, destacam-se,na Assembléia, o liberal Martim Francisco III, depois deputado federalna República e escritor,11 o Barão de Piratininga (Antônio Joaquim daRosa), também literato, e Leite de Morais. Este último, a 12 de fe verei-ro, denunciou “fatos horrorosos” ocorridos em Itu, que re velaram aanarquia crescente da vida rural, determinada pelas re voltas de escra vos,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 127

10 Gabinete Zacarias, de 3 de agosto de 1866.11 O terceiro Martim Francisco era filho do segundo, que foi professor de Rodrigues

Page 125: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

que só iriam se agra var até 1888. Naquela cidade, João Dias Ferraz daLuz, fazendeiro nascido em Minas Gerais, fora morto juntamente com amulher, duas filhas e uma negra, por um escra vo enfurecido. Era conhe-cido como homem caridoso e senhor que trata va bem os cati vos. Opróprio assassino, preso, dissera que não tinha contra o morto nenhumaqueixa pessoal.

Re voltados com o crime, grupos de populares tentaram in va-dir a cadeia para linchar o criminoso, mas foram repelidos pela guarda,após troca de tiros.

Outro fazendeiro, por nome Gal vão, ha via sido morto prece-dentemente por escra vo, em Itu.

 A agitação conseqüente a esses fatos propaga va-se por toda aPro víncia.

Os conser vadores, na Assembléia, agrediam os liberais falan-do em “cinismo” e “imoralidade”.

Grandes nomes do partido que se dizia do progresso não sãopoupados. Ta vares Bastos é acoimado de “criminoso”, José Bonifácio,o Moço, debicado por ter sido escolhido senador do Império, emborafosse o menos votado da lista. O gabinete Sinimbu é consideradopelo deputado conser vador Valadão “verdadeira Comuna de Paris, quetrouxe o terror, a consternação e a anarquia ao país”.

Nesse clima de excitação e intransigência é que Rodrigues Alves vai por duas vezes à tribuna e encerra seu mandato parlamentar com vigorosas manifestações oposicionistas.

 A primeira é de 12 de março. Rodrigues Alves ataca comenergia o ex-presidente da Pro víncia, Batista Pereira, focalizando especi-almente os seus fracassos em matéria educacional. Martim Francisco re-plica: “Ninguém brilha mais que o nobre deputado, porque ninguém nesta Assembléia tem, como S. Exª, aquele dote que Macaulay elogia va em Pitt:a facilidade de ladear a questão e ocupar a atenção do auditório afastan-do-o constantemente da questão principal.” Rodrigues Alves treplica,atacando: “O nobre deputado não pode alegar ser viços particulares depreferência ao ser viço público; não pode alegar sacrifícios que faz, nodesempenho dos seus de veres, quando o interesse público sobrepu ja o

128 Afonso Arinos

Page 126: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Mas é a 25 de março que o deputado de Guaratinguetá, pre -parando-se para deixar a Assembléia, formula o seu mais longo, vee-mente e fundamentado requisitório contra a situação liberal.

Examina as condições reinantes em di versas pro víncias doImpério, para recolher uma imagem global de desordem, miséria, ilegali-dade, imoralidade administrati va e desprestígio público. Concentra-seno seu burgo, para terminar.

Em Guaratinguetá, no dia das eleições, 500 capangas armadosha viam in vadido a cidade, atemorizando a população às barbas da ForçaPública inerte. A igre ja matriz, ocupada pela tropa facciosa, fizera as ve -zes de acampamento militar. Em apoio do que afirma va, Rodrigues Alveslê vigoroso relato dos acontecimentos, por ele mesmo redigido e publicadono periódico localO Paraíba.

 Ao descer da tribuna é aplaudido pelos correligionários posta-dos nas galerias. Tem-se a nítida impressão, com a leitura daquelas es -quecidas páginas de anais pro vincianos, que Rodrigues Alves deixa va a Assembléia Legislati va reconhecido como um dos mais atuantes mem -bros do Partido Conser vador em São Paulo.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 129

Page 127: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Ana Guilhermina, por ocasião do seu casamento com Rodrigues Alves (1875). Arquivo da família Rodrigues Alves

Page 128: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Livro II 

Capítulo Primeiro

 Deputado Geral – A Câmara de 1885 – A última legislatura do Império – PresidentedeSão Paulo – Sessão de1888 – Sessão de1889.

DEPUTADO GERAL

Em 1885 termina va o período no qual Rodrigues Alvesconser vou-se afastado do exercício de funções políticas.

Com a instalação, naquele ano, da 19ª legislatura, veio ele paraa corte como deputado geral, tendo sido reconhecido na sessão prepa-ratória de 26 de fe vereiro.1Continua va, sob os mesmos auspícios, a carreiraparlamentar iniciada na Assembléia Pro vincial. Casado com uma netado Visconde de Guaratinguetá, já então falecido, ti vera melhorada asituação material, com os bens herdados pela esposa e prima, cujo paitambém era morto. Por outro lado, tornara-se de certa forma herdeirodo remanescente da influência eleitoral do visconde, a qual, apesar dasnaturais dispersões, de veria ser bastante considerá vel.

Desde 1876 (antes, portanto, da lei Sarai va, que instituiu aeleição direta), Rodrigues Alves vinha preparando cuidadosamente assuas bases eleitorais. Ha vendo concluído o mandato pro vincial, contraído

1 O D to º 9.270, de 3 tembro de 1884, dissolv Câ

Page 129: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

casamento e se fixado na cidade natal, possuía agora condições, inclusi- ve tempo, para a penosa construção do prestígio político local.

 Nos seus arqui vos existem centenas de títulos de qualificaçãode eleitores expedidos naquele ano, o que compro va a intenção de Ro -drigues Alves de candidatar-se em bre ve para a Assembléia Geral.

O título de qualificação, de acordo com a lei então vigente,continha o nome do eleitor e os seus qualificati vos. A maioria eracomposta de la vradores (de fato trabalhadores rurais), sendo quenumerosos eram analfabetos, o que era permitido pelo sistema de votoindireto, que então vigora va.

Quando Rodrigues Alves se elegeu pela primeira vez deputadogeral, para a Câmara de 1885, já existia a lei Sarai va do voto direto. Dessafase existe uma curiosa lista de eleitores, feita possi velmente pelo seuirmão Antônio, que documenta os costumes políticos do tempo. A listaé de 1887 e refere-se aos colégios eleitorais de Lorena e Cruzeiro. Os eleito-res vêm numerados (começam com o Visconde de Pimentel) e os nomessão seguidos de anotações, que esclarecem qual seria o voto do eleitor.Raros são os que não votariam no candidato. Alguns impõem condições,como o pagamento de transporte, ou compromissos do candidato noexercício do mandato. De qualquer forma tem-se a impressão de que aexistência dos dois partidos nacionais no Império torna va as eleições maisdisputadas e autênticas do que o regime oligárquico dos PR estaduais,na Primeira República.

No arqui vo de Rodrigues Alves acham-se também as res-postas das cartas que ele en via va aos eleitores do distrito, quando seprepara va o pleito de 1884 (dezembro), para a Câmara dos Deputadosdo ano seguinte.

 Algumas são interessantes. Miguel José de Morais Castro, de Areias, por exemplo, escre ve:

“Conheço-o bastante e sei o merecimento que tem parao Partido Conser vador do distrito a sua candidatura, que con-sidero legítima e filha dos seus esforços e muito e muitoserviço ao partido; será com muita satisfação que acompanharei

132 Afonso Arinos

Page 130: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

pleito. Bendita a hora em que se partir e afundar a malfadada jangada que nos go verna.”2

Laurindo de Almeida, de Bananal, não esconde nem sequerdisfarça o seu reacionarismo, que pretende apresentar como norma deconduta ao candidato:

“V. Exª chefe distinto, além dos eminentes dotes que oele vam, tem a particularidade de ser fazendeiro e, portanto nocaso, de tomar a peito na Assembléia a causa da lavoura,reforçar a fileira do honrado e benemérito parlamentar Andrade Figueira, defender a nossa honra, vida e propriedadeque este fraco e desalmado go verno deixa à mercê da canalhapetroleira e comunista do Rio de Janeiro, que tenta nos colocarfora da lei, como V. Exª e todos nós estamos vendo. Estamossendo sacrificados inermes e estupefatos.”

 Assim encara va esse eleitor as manifestações abolicionistasdo povo carioca e a ação de homens como Joaquim Nabuco: “Petroleirose comunistas...”

Os padres trabalha vam pelo candidato, como se vê destacarta do vigário de Bocaina, Sebastião Antônio Ribeiro:

“Bem sabe quanto o considero como um dos nossosdistintos correligionários, que por sua ilustração e patriotismomuito nos há de fazer.”

O padre era bra vo:

“O ministério, com a pouca vergonha que tem, vaipassando uma vida inglória e de descrédito para o PartidoLiberal, até que dê com tudo de pernas ao ar e a coroa sedesengane com semelhante gente.”

 Vicente Ferreira Branco, de Sil veiras, promete-lhe o voto e“dos amigos mais importantes deste lugar”, afirmando-lhe que será infa-li velmente aceito com satisfação de todos. Mas, em missi va subseqüente,pede a proteção para um neto, Rodolfo Branco da Gama, que vinhapara a corte e pretendia empregar-se em uma casa exportadora de café.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 133

Page 131: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Ve jamos, como fecho desta amostra, a carta de um eleitormuito importante, o Barão de Ribeiro Barbosa, presidente do diretórioconser vador de Bananal, grande fazendeiro que também presidia aCompanhia de Estrada de Ferro Bananalense, depois incorporada àCentral do Brasil. Sua carta, escrita da fazenda, é encimada pelo mono-grama com a coroa de barão:

“Sobre a candidatura de V. Exª, já escre vi ao meu amigo, oSr. Tenente-Coronel Guerra e também meu sogro, o Viscondede São Laurindo3  escre veu ao mesmo meu amigo e ao Sr.Coronel Pires Barbosa.”Dessa forma, apoiado desde os viscondes até os modestos

trabalhadores rurais, protegidos daqueles potentados, integrado na má -quina conser vadora do seu partido, representando os interesses econô-micos dos proprietários daquela zona cafeeira em fase de decadência ede transformação, o jovem bacharel, filho de imigrante, mas descendentetambém de velha estirpe paulista, entrou em 1885 para a gloriosa Câma-ra dos Deputados do Império.

Para isso transportou-se de Guaratinguetá com a esposa e osfilhos, no início da sessão legislati va, e veio residir na Rua Paissandu, emuma casa alugada que fica va entre a Rua Marquês de Abrantes e a resi-dência da Princesa Isabel, atual Palácio Guanabara.

O Partido Liberal esta va com boa maioria na legislatura. Nopleito de que saíra aquela Câmara (realizado por voto direto, de acordocom a lei Sarai va), tinham sido eleitos 67 liberais contra 55 conser vadorese 3 republicanos.

Entre os conser vadores conta vam-se o maranhense Gomesde Castro;4 o sergipano Padre Olímpio de Campos;5 os fluminensesFrancisco Belisário, Alfredo Cha ves e Andrade Figueira; os paulistas Antônio Prado e Rodrigo Sil va; o mineiro Diogo de Vasconcelos.

134 Afonso Arinos

3 São Laurindo era visconde por Portugal.4 Gomes de Castro foi senador na República e fez oposição ao governo de Rodrigues

 Alves, como veremos.5 Olímpio de Ca pos fi ou depois e trá ico episódio da política ipa

Page 132: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Os liberais apresenta vam vários nomes brilhantes do partido,como Franklin Dória (Barão de Loreto), da Bahia, que presidiu a Casa em1885; Amaro Ca valcânti, do Rio Grande do Norte;

6 José Mariano, dePernambuco; César Zama, da Bahia; Antunes Maciel, do Rio Grande doSul; Cândido de Oli veira, Afonso Pena, Antônio Carlos7 e Afonso Cel-so Júnior (Conde de Afonso Celso), de Minas Gerais; Leopoldo de Bu -lhões,8 de Goiás; e José Maria Metelo, de Mato Grosso.9O Partido Re -publicano representa va-se pelos paulistas Prudente de Morais e CamposSales,10e pelo mineiro Álvaro Botelho.

O gabinete liberal de Dantas, formado a 6 de junho de 1884,deixara o poder a 6 de maio do ano seguinte, quando se abriu a legisla-tura, sendo substituído pelo ministério Sarai va, também liberal.

 A substituição correspondia a um retrocesso da coroa, atemo-rizada com a marcha da propaganda abolicionista, cuja repercussão po -pular punha em pânico os reacionários, tanto no Partido Conser vadorquanto no Liberal.

 As manifestações do povo no Rio de Janeiro exorbita vam asfronteiras da legalidade, na opinião dos conser vadores dos dois matizes.No seu opúsculo O erro do Imperador , publicado em 1886, Joaquim Nabucodes venda, com agudo espírito de análise, a fisionomia da crise que, apósas eleições liberais, le vou ao poder, contra as praxes parlamentares, opartido chamado da ordem. Eis alguns trechos:

“Nem o Imperador, nem sua família, distinguem entrePartido Conser vador e Monarquia. Entretanto Monarquia ePartido Conser vador são forças não só diferentes, mas muitas vezes opostas... A Monarquia não pensa poder vi ver sem o

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 135

6 Amaro Cavalcânti era amigo de Rodrigues Alves, que o nomeou ministro doSupremo Tribunal.

7 Terceiro desse nome. Irmão de Martim Francisco II e de José Bonifácio, o Moço.Pai de Antônio Carlos, presidente de Minas Gerais.

8 Leopoldo de Bulhões, outro amigo de Rodrigues Alves, foi seu ministro da Fazenda.9 Metelo foi dos mais ferrenhos adversários de Rodrigues Alves durante o seu

mandato de presidente.10 Por interessante coincidência, foi o republicano Campos Sales, membro da

Comissão de Poderes, que, como relator, deu parecer favorável ao

Page 133: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Partido Conser vador, o Partido Conser vador sabe que pode vi ver sem Monarquia.”

Mais adiante, criticando os conser vadores por não atribuíremimportância às mais significati vas manifestações populares, Nabucoobserva que eles, quando chega vam às janelas da Câmara e viam na ruao povo, diziam “aquilo não vale nada, é a canalha”. No entanto, ajunta ogrande escritor, “o nosso povo é assim mesmo, é um povo de pés nochão e mangas de camisa, e não é um povo branco”.

O medo da re volução social derrubara Dantas e formara umaaliança espúria entre deputados conser vadores e liberais, hostis ao progresso.

É Nabuco ainda quem diz:

“Todos sabíamos que a dissidência [liberal] e os conser va-dores dese ja vam um gabinete Sarai va [....]. Infelizmente o Sr. Sa -rai va subiu pre venido contra o seu antecessor, contra os que ha - viam, por um de ver de honra, sustentado a este, e contra todo omo vimento de opinião durante o ministério Dantas.”

Pedro II, mais uma vez, usa va o Poder Moderador comoinstrumento de execução de uma política pessoal. Sarai va, aliado àdissidência do seu partido e apoiando-se na oposição conser vadora, eraa ponte por onde escapa vam as hostes retrógradas da Monarquia, fu -gindo ao clamor das ruas para abrigar-se no enganoso remanso dos inte-resses escra vocratas estabelecidos. Era com a cumplicidade tácita daala direita liberal que o poder marcha va para o Barão de Cotegipe. Saraiva,com efeito, mante ve-se no go verno menos de quatro meses.

Os antecedentes desses fatos são os seguintes, sumariamenteenunciados:

Na sessão de 28 de julho de 1884, o deputado liberal mineiro João Penido, que era contrário à política do seu partido, quanto ao pro- jeto sobre os escra vos, apresentou a seguinte moção de desconfiança:“A Câmara, repro vando o pro jeto sobre o elemento ser vil, nega a suaconfiança”. Esta moção foi apro vada por 59 votos contra 52. Em con -seqüência, Dantas, depois de votado o orçamento, dissol veu a Câmarapor decreto de 3 de setembro, o qual con vocou eleições para 1º dedezembro e a futura Câmara para 1º de março de 1885. Vieram eleitos,

136 Afonso Arinos

Page 134: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

canos. Foi nesta assembléia de maioria liberal que Rodrigues Alvesapareceu, pela primeira vez, na política nacional.

 A eleição era distrital e o voto direto, com um representantepor distrito. Em São Paulo, os conser vadores obti veram maioria, ele -gendo 5 deputados contra 2 liberais e 2 republicanos.

O gabinete Sarai va, formado como dissemos a 6 de maio de1885, apresenta va-se à Câmara no dia 11, com um programa absoluta-mente insignificante, segundo se verifica no discurso do seu chefe. Era,evidentemente, uma situação que se sabia transitória. Tão consciente es -ta va disso Sarai va, que a demissão do gabinete, em agosto, foi justificadaperante a Câmara pelo mais obscuro dos seus membros, o Ministro da Agricultura João Ferreira de Moura.

 A 20 de agosto, sem nova eleição justificati va, e diante deuma Câmara de maioria liberal, Pedro II formou um gabinete conser va-dor, sob a chefia do mais ilustre e experiente membro do partido entãoem vida, que era o Barão de Cotegipe.

O discurso de apresentação do ministério, proferido pelo seupresidente na sessão do dia 24, é, ao mesmo tempo, um modelo de ha -bilidade política e eloqüência parlamentar e um atestado contristador dairregularidade institucional da sua in vestidura no go verno. Com efeito,se as instituições parlamentaristas, grosseiramente desrespeitadas naque-le episódio, não esta vam na letra da Constituição, ha viam-se instaladona prática do regime (como na Inglaterra) e eram, a cada momento,invocadas pelos estadistas imperiais, inclusi ve pelo presidente do Con-selho, que chega va ao posto violando-as.

 A 26 de setembro Cotegipe dissol via a Câmara liberal e con - voca va as eleições para o dia 15 de janeiro de 1886, das quais resultou,como era ine vitá vel dentro dos costumes da época, uma nova maioriamaciçamente conser vadora: 103 deputados, contra somente 24 liberais.Em 1886 os republicanos foram varridos da cena parlamentar. Só volta-ram eles a aparecer em 1889, às vésperas da República, pela con versãode antigos monarquistas, como o conser vador Padre João Manuel ou oliberal Cesário Alvim, ou pela eleição de dois republicanos históricos empreenchimentos de vagas, que foram os mineiros Monteiro Manso e

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 137

Page 135: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A CÂMARA DE 1885

 Acompanhemos, rapidamente, a bre ve vida da legislatura de1885, tão cruelmente vergastada por Joaquim Nabuco nos artigos eopúsculos que representam o ponto mais alto da sua carreira de escri-tor político.

O presidente da Câmara era Franklin Dória, em 1888 agracia-do com o título de Barão de Loreto.

O plenário esta va di vidido, não em função dos partidos, masem respeito aos interesses econômicos dependentes da escra vidão. Essereagrupamento de hostes ligados às duas correntes fazia com que a úni -ca representação coesa, obediente a um programa definido e cada vezmais popular, fosse a pequena bancada republicana.

No dia 11 de junho, Campos Sales fez na tribuna memorá- vel profissão de fé republicana, atacando diretamente a coroa e os doispartidos monárquicos.

 A atuação de Rodrigues Alves no seu primeiro ano de de-putado – excetuado o discurso de que adiante trataremos – é menosque discreta: apagada.

Enquanto seu antigo colega de colégio e faculdade, JoaquimNabuco, proferia os seus mais belos discursos abolicionistas, enquanto Pruden-te e Campos Sales trabalha vam intensamente pela República, Rodrigues Alves fazia política partidária e municipal. A 20 de junho reclamou contraprisões de correligionários, em Guaratinguetá; em 3 de julho censurou pro -cedimento de vereadores liberais, em Lorena; em 8 de agosto defendeu um vereador conser vador, de Taubaté. No entanto, o deputado de Guaratin-guetá ha via sido o mais votado de sua bancada, em toda a Pro víncia. Épro vá vel que, desconhecido no país, ele visasse somente fortalecer o seuprestígio político no Partido Conser vador e atra vés da ascensão deste, quetodo mundo pre via próxima, também o seu prestígio em São Paulo. Como veremos, estes cálculos, se existiram, não foram errôneos.

Sua estréia na tribuna teve lugar a 15 de junho com o único

138 Afonso Arinos

Page 136: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O conceito que já lhe en vol via o nome faz-se sentir na notade “profundo silêncio” com que a taquigrafia acompanhou o registro desuas pala vras iniciais.

O discurso é de franca oposição ao gabinete Sarai va, cujopro jeto de emancipação gradual ele não repele, mas é principalmente deataque ao go verno anterior de Dantas. Na opinião de Rodrigues Alves,o ministério que caíra “abriu na história política do país um período de verdadeira fatalidade para o sistema que nos rege”. A agitação pro voca-da poderia le var a situação aos extremos vi vidos pelos Estados Unidos,na Guerra de Secessão, em vez de evoluir pacificamente, como na Ingla-terra, para o atingimento dos mesmos ob jeti vos.

Examina a sucessão dos acontecimentos desde 1879: “De re -pente [....] o go verno liberal, que era emancipador moderado, tornou-seabolicionista exaltado [....]. Os go vernos imprudentes [....] quando saemdas normas da legalidade e apelam para o tumulto das praças, criam situa-ções impre vistas e fazem as questões tomarem direções de que se não po -dia cogitar [....]. A propaganda das ruas assusta, irrita, mas a do poder fazdesaparecer a confiança na lei e na autoridade e a propaganda do poderle vou o susto às classes agrícolas [....]. [O poder] quis reconciliar-se com are volução, para pedir ao ruído da agitação das ruas a solução do problemaque só de veria procurar pelos meios legais”. Neste ponto, o tumulto cau-sado por apartes e protestos chega a interromper o orador.

O conser vador emancipacionista, mas não abolicionista, põeentão o dedo no que reputa va ser a ferida liberal. “O pro jeto de 15 de julho11 consigna va o princípio errôneo, anárquico e re volucionário deque o escra vo não podia constituir propriedade legal.” Declara que, em -bora achassem melhor o pro jeto Sarai va (que, segundo ele, viria emanci-par em menor tempo a escra vatura), os conser vadores de São Paulo in -sistiam na lei de 28 de setembro, de vida ao seu partido.

Rodrigues Alves, neste passo da sua vida, colidia frontalmentecom seus dois colegas de mocidade, Rui Barbosa e Nabuco, o autor dopro jeto Dantas e o defensor intemerato deste malsinado gabinete.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 139

Page 137: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A agressi vidade antiabolicionista de Rodrigues Alves contra ogabinete Dantas era também uma resposta ao recente discurso que RuiBarbosa ha via pronunciado na Bahia, a 6 de junho, em uma manifestaçãoàquele senador liberal, por ocasião do ani versário de sua ascensão àchefia do gabinete. Rui, que não fora reeleito deputado, extra vasara seusressentimentos atacando o conser vador fluminense Andrade Figueira eo liberal mineiro Afonso Pena. Disse Rui:

“Quando o Sr. Sarai va bosque jou, na Câmara dos Depu-tados, o pro jeto de 12 de maio, foi o Sr. Andrade Figueiraquem estendeu ao recém-nascido, nos braços do Sr. AfonsoPena, a toalha branca da cerimônia, in vocando o espírito quemurmura nas águas do Paraíba.”

Emancipacionista e conser vador, e também homem saído doscafezais do rio Paraíba, Rodrigues Alves deve ter-se irritado com a hervadaseta no antigo companheiro das Arcadas. Daí a violência daquela parteda sua oração.

Transpondo a fronteira do abolicionismo, Rodrigues Alvesprosseguiu no se vero julgamento do ministério Dantas, examinandoseus atos em outras questões. Atribuiu a corrupção eleitoral e os escân-dalos administrati vos à detestada situação liberal, representada no gabi-nete Dantas. Sem aludir ao antigo colega derrotado, que fora o cérebrodaquele go verno, da va-lhe resposta indireta e acrimoniosa.

Daí por diante, até a morte de Rodrigues Alves, foram suces-si vos os seus desencontros com Rui Barbosa.

 A ÚLTIMA LEGISLATURA DO IMPÉRIO

O Barão de Cotegipe apresentou-se à Câmara, como ficoudito, em 24 de agosto de 1885, falando também no dia seguinte.

Diante do plenário re volto e hostil, o velho e fino chefe con-ser vador insinuou claramente o recurso da dissolução.

 Vinda esta, e a eleição conseqüente, Rodrigues Alves voltou aassentar-se, em 1886, no plenário histórico da Cadeia Velha. Vinha soli-damente instalado na enorme maioria do seu partido, eleito pelo 3º

140 Afonso Arinos

Page 138: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

dele figura vam o conser vador Antônio Prado e o liberal Martim Fran -cisco. Entre os colegas mais conhecidos de outras Pro víncias esta vamGomes de Castro, pelo Maranhão; Coelho Rodrigues, pelo Piauí; Tris -tão de Araripe, pelo Ceará; Tarqüínio de Sousa, pelo Rio Grande doNorte; Henrique Lucena (depois Barão de Lucena) e Rosa e Sil va, porPernambuco; José Marcelino, pela Bahia; Ferreira Viana e Andrade Fi -gueira, pelo Rio de Janeiro e Corte; Rodrigo Sil va, por São Paulo; Alfre -do de Taunay (depois Visconde de Taunay), por Santa Catarina; Cândi-do de Oli veira, Afonso Pena, Cesário Alvim e Afonso Celso Jr., por Mi-nas Gerais.

Os liberais chega vam esmagados. Numerosas Pro víncias nãotinham en viado um só dos seus representantes. Os mais combati vos fo-ram seriamente ameaçados no reconhecimento, como ocorreu comCesário Alvim, que Cotegipe detesta va, desde a tempestuosa acusaçãode contrabando que aquele lhe fizera alguns anos antes. Nabuco, expulsoda Câmara em Pernambuco, escre veu magnífico artigo em defesado reconhecimento do companheiro:

“Tem sido uma sorte curiosa a do Sr. Cesário Alvim. Em1876 o Partido Liberal precisou de lançar um torpedo contra ona vio almirante inimigo, e não ha via quem se quisesse arriscar air atirá-lo sob o fogo con vergente de um partido inteiro. O Sr.Cesário Alvim aceitou esse encargo. O que se lhe pedia era queti vesse a coragem de sacrificar-se e ele sacrificou-se. O torpedofoi lançado e le vou pelos ares o na vio e toda a sua equipagem.”

Daí a “vergonha” da tentati va de depuração do deputado li -beral, “apesar de sua eleição clara, transparente, sem a mínima jaça”.

Os obser vadores contemporâneos, que dispunham de maisagudeza interpretati va, viam naquela confusa realidade indícios do fimpróximo do regime. Mas a cega rotina da política le va va, como sempre,os atores no palco a continuarem a representação, embora, mesmo entreeles, não faltassem os que sentiam que o teatro começa va a pegar fogo.

Rodrigues Alves continuou a ser, em 1886 e 1887, o repre-sentante apagado que fora no seu primeiro ano da Câmara. Sua vigorosaação parlamentar do tempo da Assembléia Pro vincial não se repetiu na

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 141

Page 139: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Ele só voltará a ser um parlamentar de rele vo quando sentar-se em umadas cadeiras do Senado Federal.

Em 1886 falou poucas vezes, como um dos relatores do orça-mento e sobre política municipal. Em 1887, além dessas inter vençõesinsignificantes, fez um bom discurso sobre o problema da imigração,assunto da maior importância para a sua zona agrícola, por causa do fimpróximo do trabalho ser vil. Soldado disciplinado do Partido Conser vador, votou com o go verno quando do debate da chamada Questão Militar.

Mas, em breve, ia se abrir para Rodrigues Alves a primeiraexperiência no campo do Poder Executi vo: a presidência de São Paulo.

Ele ha via criado títulos para isso, tanto na opinião da Provínciaquanto no seio do Partido Conser vador. Com efeito, quando da fundação,por Antônio Prado, da União Conser vadora, ala dissidente do partidoem São Paulo, Rodrigues Alves seguiu-a desde os primeiros dias. A União Conser vadora representa va o grupo mais jo vem e avançado doconser vadorismo paulista. Seu órgão era o Correio Paulistano, dirigido por Antônio Prado, onde Rodrigues Alves escre via assiduamente, ao lado deEduardo e Caio Prado, Rodrigo Sil va, Almeida Nogueira e seu amigoFrederico Abranches. “Nesse meio de elite [diz um biógrafo] o Dr.Rodrigues Alves conseguiu o destaque que de via le vá-lo até o alto postode presidente da Pro víncia, galardoado com a carta de conselho,12 eindisputa velmente indicado para qualquer combinação ministerial a quepor ventura fosse chamado o seu partido.”

PRESIDENTE DE SÃO PAULO

Por carta imperial de 8 de no vembro de 1887, o DeputadoRodrigues Alves foi nomeado, pelo gabinete Cotegipe, presidente daPro víncia de São Paulo.

No dia 19, ele tomou posse perante a Câmara Municipal dacidade, tendo comunicado o fato, por telegrama, ao presidente doConselho e ministro interino do Império, Cotegipe, o qual respondeudese jando-lhe “próspera administração”.

142 Afonso Arinos

12 Rodrig s Alves foi f ito lheiro por de to de 19 d osto de 1888, da

Page 140: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Seu antecessor, Visconde (logo após, Conde) de Parnaíba,13

 vizinho de zona, pois nasceu em Jundiaí, comunicou também, no mesmodia 19, a passagem da administração. Referindo-se ao sucessor, assim semanifestava: “Paulista distintíssimo, cujo caráter e cujo talento são openhor certo de uma administração honesta, inteligente e fecunda.”

Rodrigues Alves, centésimo primeiro presidente de São Paulo(compreendendo os vice-presidentes que exerceram o posto) vinha cominstruções precisas assumir o go verno da sua Pro víncia.

 A in vestidura de Rodrigues Alves no go verno de São Pauloera de vida à agitação reinante na Pro víncia, por causa das re voltas de es -cra vos, açulados pelos abolicionistas, e re vestia-se, por isto, de aspectossumamente delicados.

 Aquelas re voltas se vinham intensificando durante o ano, e ogo verno do Visconde de Parnaíba sentia-se sem forças para contê-las.Os escra vos, le vantados nas fazendas do interior, procura vam abrir ca -minho em direção a Santos e outros portos do litoral. Em outubro,hou ve um terrí vel drama na serra do Cubatão. Capangas, armados porfazendeiros, massacraram vários pretos que faziam parte de um gruporebelado em Piracicaba e que procura va, pelas matas, chegar a Santos.Parnaíba, desgostoso com a impotência do seu go verno em conter es -cra vos fugidos e senhores assassinos, pediu demissão.

Desde logo cumpria ao novo presidente assegurar a vitóriados conser vadores na eleição para a Assembléia Pro vincial, a se realizarem dezembro. Em seguida, tarefa muito mais delicada, de via enfrentar aonda de desordens que con vulsiona va São Paulo.

O relatório do Visconde de Parnaíba, apresentado à Assem -bléia Pro vincial no começo do ano, menciona va a abertura de processosem certas comarcas, contra senhores acusados de maltratar cati vos.

Grupos cada vez maiores de escra vos fugiam das fazendas,sendo às vezes detidos nas cidades, como em Santos, e recolhidos àcadeia. Mas, naquele porto, formaram-se magotes de populares armadosque, em companhia de pretos, tentaram arrombar a prisão e libertar osdetidos, o que exigiu a mobilização da Força Pública.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 143

13 Antônio de Q irós T les, scido e Jundiaí 1831 f lecido e Ca pinas

Page 141: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Este ambiente só se agra vou durante a curta presidência deRodrigues Alves.

Suas comunicações postais e telegráficas com Cotegipe eRodrigo Sil va (ministro da Agricultura, seu amigo), esclarecem o dramaque foi a vida do presidente naquele tumultuado go verno.

 A 11 de dezembro ele comunica a Cotegipe a insurreição dosescra vos do Barão de Serra Negra,14nas fazendas de Cabreiras e Indaia-tuba. Aglomera vam-se os pretos pelos caminhos e ao longo da Estradade Ferro Ituana. O juiz de Direito de Limeira recea va uma re volta geralno município.

No mesmo dia, Rodrigues Alves en via no vas informações. Asfugas de escra vos se generaliza vam, le vando o desalento aos fazendeirose às autoridades, que começa vam a abandonar as terras e as funções. OBarão de Resende pedia socorro para atender à re volta nas fazendas dosogro (Barão de Serra Negra). Rodrigues Alves, no dia 12, respondeuque nada podia fazer. Não dispunha de forças volantes e não podia des -falcar as da capital por causa da “anarquia e desordem” ali reinantes.

 Ainda no dia 12, Cotegipe escre via a Rodrigues Alves a se -guinte carta:

“Particular. Rio, 12 de dezembro de 1887.Il.mo e Ex.mo Sr. Dr. F. de P. Rodrigues Alves,Quando recebi o telegrama de V. Exª, já o meu colega

da Agricultura me ha via dado conhecimento do que V. Exªme dirigira, sobre a fuga de escra vos das fazendas e receio deinsurreição em outras. Era tarde, além de dia santificado, paraque se pudesse preparar alguma força. É pois pro vá vel que sóamanhã siga alguma. Na pre visão de que haja necessidade demais alguma força, assentamos em mandar vir de Curitibapara Santos 50 praças de ca valaria, as quais trarão apenas oequipamento e arreios, e receberão aí os ca valos. O desen vol- vimento que vai tendo o abandono das fazendas, e a crescen-te audácia dos escra vos, pro vocados sem dú vida por anar-quistas, constitui um perigo gra ve, não só para os proprietários,

144 Afonso Arinos

14 F ncisco José da Conceiçã scido e Constituição (depois Piracicaba) e

Page 142: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

como também para toda a Pro víncia. Já a agitação ia diminuindoem tempo do Sr. Parnaíba, quando o Sr. Conselheiro Pradoentendeu ser tempo de fazer propaganda no sentido de apres -sar a emancipação da Pro víncia por meios suasórios. Infeliz-mente ainstrução dos escra vos não chega para compreender es -sas pala vras humanitárias e terão recebido lição de outrosmestres. O que anuncia va antes o Sr. Prado como perigo pro - vá vel, tornou-se realidade depois da pomposa reunião dos inte-ressados. Isto é, dos quenada perdeme dos que podemperder . Paraconter ou abafar a desordem, que é prenúncio de grandesdesgraças, não dispomos de forças, nem podemos contarcom o apoio dos Willber forces paulistas.O Correio Paulistano dis -se que era ilegal empregar soldados na captura dos escra vos,que vaga vam, armados ou não, apesar de serem propriedadelegal. Como agora capturar os libertos com condição de ser vi-ço? Eu entendo que esses só podem ser constrangidos a vol -tar ao ser viço por meio de sentença judiciária; a polícia nadatem que ver com eles. A dificuldade está em distingui-los;mas desde que se conseguir isto, diga-se claramente aos inte-ressados que usem do seu direito. Em toda esta agitação pací-fica le vantada em São Paulo, eu só enxergo muita falta de juízoe de patriotismo, acompanhados de muito egoísmo. Não acredi-tem que sairão bem da crise. Tenha V. Exª paciência, como eutenho, e ve jamos meios de abafar em pouco as chamas, que já por aí la vram.”15

 Tais meios, bem o sabia o velho chefe, não existiam. As cha -mas iam crescer, consumindo a escra vidão e depois o trono.

Rodrigues Alves porfia va em cumprir as instruções recebidas.Mas era inútil. Começa a ordenar prisões no interior, em Itu e Limeira,onde foi detido “um agitador estrangeiro”, tal vez um dos anarquistas deque fala va Cotegipe. Como se sabe, o mo vimento anarquista instalou-seno Brasil trazido por imigrantes italianos e espanhóis.

Os fazendeiros, vendo tudo perdido, principiaram a ceder.No dia 15 reuniram-se na capital 200 la vradores, representando 600

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 145

Page 143: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

escra vos, sob a presidência do Marquês de Três Rios.16 Antônio Prado,presente, propôs a libertação em três anos, com melhoria das condiçõesde vida dos pretos. Martinho Prado Jr. apoiou a proposta. Campos Sales,porém, exigiu a libertação imediata.

No dia 16, Rodrigo Sil va escre via a Rodrigues Alves:“Está brilhando. A prudência com a decisão enérgica. A 

época é de sacrifícios, e enormes, para todos nós. Mas que fa -zer? Cumpre-nos sal var o nosso partido.”

Outras cartas de Rodrigo Sil va tratam de miúda política. Ofe -rece vaga de escri vão, propõe fazer algo “para o Norte” (da Pro víncia,zona eleitoral de ambos) e coisas do gênero. Uma das cartas, de 25 deno vembro de 1887, diz:

“Rogo-lhe o seguinte: escre va uma carta oficial ao Cotegipepropondo o baronato de Santa Branca para o Chico Lopes,17 de Jacareí. Justifique com ser viços por ele prestados à coisapública e ao município.”

Em janeiro de 1888, as desordens aumentam. No dia 9 veri-ficaram-se motins em Piracicaba. Nos dias 22 e 23 hou ve alteraçõesem Campinas, com ataques do povo contra a polícia. A 24 ocorreugrande tumulto em Santa Rita de Passa Quatro. A 29 re voltaram-se osescra vos em Bragança, com ameaça de assassínio dos senhores. Por te-legramas e cartas, Rodrigues Alves continua va a informar. Os tumul-tos se alastraram pelo fim de janeiro. Quase diariamente ele precisa vaorganizar as poucas forças de que dispunha para enfrentar escra vos li-bertos ou fugidos. Sil va Jardim, no dia 31, fez no Teatro Guarani, deSantos, uma conferência, não só abolicionista, como francamente re -publicana.

 A Câmara Municipal de São Simão, no dia 1º de fe vereiro,apro vou moção propondo a reforma constitucional, para a extinção dadinastia reinante.

146 Afonso Arinos

16 Joaquim Egídio de Sousa Aranha, nascido em Campinas, falecido em São Paulo,no ano de 1893.

17 Francisco Lo s Ch undo Barão de S nta Bra (filho do primeiro, de

Page 144: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em carta de 9 de fe vereiro, Cotegipe ocupou-se do assunto.Recomendou a suspensão imediata daquela Câmara, cujo “procedi-mento irregular e criminoso [....] exprime a exorbitância de suas atri -buições e a sub versão dos princípios constitucionais”. Em ato do dia14, Rodrigues Alves suspendeu o funcionamento da Câmara de SãoSimão.

 As desordens chegaram à Penha, subúrbio da capital. Nodia 11, grupos irritados assassinaram o delegado, por julgá-lo coni- vente com as fugas de escra vos. Era evidente que o go verno pro vin-cial não podia conter uma situação que escapa va já ao domínio dogo verno geral. Cotegipe de via sentir que tudo baquea va. A algunsapelos instantes de Rodrigues Alves, ele respondia com pedidos deno vas informações.

Há uma carta longa de Rodrigo Sil va, datada de 3 de fe vereiroque, no desabafo da intimidade, retrata a difícil situação. Depois de várias queixas contra correligionários, adianta:

“A transação hoje em dia seria recebida como recursoextremo da vida, porque nos foi imposta como ultimato. Além de que já a anarquia caminhou bastante. Para fazê-laretroceder, com concessões razoá veis, seria necessária acompleta unidade do partido. E esta, infelizmente, já nãoexiste. Quando aí esti ve, em conferência com o Prado, pa-receu-me ainda tempo de evitar o perigo. Aqui chegandoatuei, no sentido de suas manifestações. Tive esperanças. Vieram, porém, no vos discursos, programas adiantadíssimos, etudo quanto parecia-me possí vel tornou-se impraticá vel.”

Na mesma carta escre ve:

“Nós não aceitamos nem aceitaremos jamais o programade imediata emancipação.”E, em seguida:

“Hei de sair como entrei – comprometendo a mim só –e exigindo apenas de um amigo um enorme sacrifício. Refi-ro-me a você. Sinto, na verdade, ha ver escolhido a você para

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 147

Page 145: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em outra carta no mesmo dia, procura encora jar o amigo:

“A sua administração nessa Pro víncia está sendo umaglória para o go verno. Eu mesmo admiro-me da sua habilidadededançar sobreovos semquebrá-los.”18

Todo esse panorama sinistro foi retratado por Rodrigues Alvesno relatório oferecido, em 1888, à Assembléia Pro vincial. A transforma-ção do trabalho escra vo em li vre era laboriosa e difícil. Mas os italianospro voca vam desordens iguais às dos negros, principalmente na capital.Feitores e senhores eram mortos por pretos em vários municípios.

 A missão política de Rodrigues Alves no go verno da Pro vín-cia esta va destinada ao fracasso, como toda a política do gabinete e, emgeral, da Monarquia.

 Visí vel aos menos atentos, porém impossí vel de ser contida,a corrente abolicionista iria desaguar no estuário republicano. Monar-quistas liberais, como Nabuco, ou conser vadores, como Rodrigues Alves, eram instrumentos, aquele brilhante, este obscuro, da grandetransformação nacional. Mais político, Rodrigues Alves terminou porse incorporar ao processo e dominá-lo. Mais intelectual, Nabuco veioornar a República com seu talento, em posições de destaque mas depouca influência.

 Ao lado do fracasso político, a presidência de Rodrigues Alves re velou, porém, precocemente, as suas excepcionais qualidades deestadista. E isto num campo em que depois se consagraria gloriosamen-te: o da saúde pública.

 A varíola grassa va epidemicamente em Santos, por causa dosimigrantes italianos, que por ela já vinham contaminados, e de lá espa-lha va-se pelo interior.

Em 11 de janeiro de 1888, em plena batalha contra a desor-dem, Rodrigues Alves telegrafa va a Cotegipe, pedindo crédito especialpara lutar contra a “epidemia de varíola” que grassa va na Pro víncia.

Os resultados dessa luta do presidente de São Paulo são o re -trato antecipado do futuro presidente da República que, no lance maisdramático de sua vida, enfrentou serenamente a ameaça boçal de imi -nente deposição, por causa da aplicação de medidas contra a varíola, noRio de Janeiro.

148 Afonso Arinos

Page 146: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em documento oficial, assinado pelos Drs. Marcos Arruda e Alberto Loefgren, publicado em 1888, está dito que tinha sido pequena amortalidade por varíola, “o que foi exclusi vamente de vido às rigorosas eoportunas pro vidências de isolamento, desinfecção e vacinação tomadaspela Inspetoria de Higiene” na curta presidência de Rodrigues Alves. Essaspro vidências eficazes de vem ser as que causaram o seguinte tópico da falado trono, de abertura das Câmaras em 1888: “Medidas adequadas impediramou atenuaram certas enfermidades, que aparentemente aparecem em algunspontos do litoral.”

Outro terreno administrati vo em que o presidente da Pro vínciaatuou com energia foi no da imigração. Já vimos que, como deputadoprovincial, Rodrigues Alves considera va a ób via necessidade de substituiçãodo braço do escra vo pelo do imigrante europeu. Fatores sociológicos eeconômicos in vencí veis faziam da escra vidão uma instituição superada. Maisou menos rapidamente ela de veria desaparecer, pois choca va-se com as con -dições da evolução histórica. Nos Estados Unidos ocorreu o mesmo, algunsanos antes. Quando eclodiu naquele país a guerra ci vil, era evidente que aescra vidão agoniza va. O Sul batia-se irracionalmente por uma instituição emirrecuperá vel declínio. O trabalho escra vo só era produti vo em pequenocírculo territorial, nos algodoais que cerca vam a foz do Mississípi. No Brasilda va-se o mesmo, na década de 1880. Somente pequenas zonas agrícolasatrasadas – em geral cafeeiras – podiam subsistir com a mão-de-obra deorigem africana. A alternati va, naquela fase em que a mecanização e o tratoda terra eram praticamente desconhecidos, era a imigração. Rodrigues Alves,embora herdeiro de grande escra vatura, viu isso desde a Assembléia Pro vincial.E, como presidente, estimulou a lei da mesma Assembléia, que autoriza va ogo verno a introduzir 100.000 imigrantes de países europeus. As teoriasargentinas de Alberdi encontra vam apoio na ação do presidente paulista.

Re velando outro aspecto do seu temperamento, Rodrigues Alves, em certas ocasiões, socorria amigos em crise, como Ferreira Viana,de quem recebeu esta carta, datada de 18 de janeiro de 1888:

“Segue para aí o meu genro, Dr. Brandão,19 em diligênciade família a que, como compreenderá, ligo o maior interesse ede que depende a tranqüilidade do meu espírito, já tão atribulado.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 149

Page 147: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Peço-lhe que atenda ao meu genro, como se fora eu próprio,e ele por suas distintas qualidades merece toda confiança. Dapronta e enérgica execução das ordens que leva, depende asal vação e o futuro de um moço inconsiderado, seduzido porcompanheiros incrí veis. Não espera va tão dura pro va na velhice. Enfim ponho nas mãos do amigo o meu sossego e aesperança de uma reabilitação que espero da graça de Deus.”

 As in vecti vas que o austero Ferreira Viana lançou contraPedro II, no fim do Império, bem poderiam ter explicação nessesdramas íntimos.

Em março, o gabinete Cotegipe se retira va, pelas conheci-das razões de incompatibilidade entre o seu chefe e a Princesa Isabel,regente.

 A renúncia de Cotegipe foi apresentada no dia 7. A princesaespera va a retirada do gabinete em maio, com a reabertura da Assem -bléia Geral, mas o experimentado líder conser vador não quis enfrentar acrise que sabia ine vitá vel, e que poderia acrescentar no vos ataques detribuna e imprensa e maior desprestígio à sua retirada. Apro veitou umdistúrbio ha vido na Corte entre marinheiros e policiais, transforman-do-o em caso político, ao resistir à exigência da regente de demissão dochefe de Polícia.20

Formado no dia 10 o gabinete João Alfredo, Rodrigues Alves solicitou logo a sua demissão. Antônio Prado, porém, em carta dodia 17 ao presidente do Conselho, ad vertia:

 “O Rodrigues Alves pediu demissão, por entender queera isso de estilo. Con vém que V. Exª escre va-lhe, pedindopara continuar.”

 João Alfredo, de fato, escre veu, no dia 19, confirmando recadoque mandou por Antônio Prado, que esti vera no Rio. É a seguinte a cartade Rodrigues Alves:

150 Afonso Arinos

20 A prova de que a crise política foi criada artificialmente por Cotegipe está nestetrecho da fala do trono daquele ano: “A ordem e a tranqüilidade pública nãosofreram alteração. Alguns tumultos locais, de ordem restrita e fortuita, foram

Page 148: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“São Paulo, 13 de março de 1888.

Il.mo Ex.mo  Sr. Conselheiro João Alfredo Correia deOli veira.

Tenho a honra de apresentar a V. Exª as mais cordiais fe -licitações pela ele vada posição a que foi V. Exª chamado por S. A. Imperial e Regente.

Não dese jando criar embaraços à marcha do ministé-rio de V. Exª rogo a bondade de solicitar a S. A. Imperial eRegente, por intermédio do Ex.mo

 Sr. Ministro do Império,a minha exoneração do cargo de Presidente desta Pro vín-cia.”

Eis a resposta do presidente do Conselho ao pedido de demissão:

“Recebi sua carta 13 do corrente. O Sr. ConselheiroPrado tem competência igual à minha para dizer a V. Exª queo Go verno dese ja a continuação dos seus ser viços, e pela mi-nha parte acrescento que conto com a cooperação de um dosmais simpáticos e esperançosos paulistas para a nossa tarefa,que requer o esforço de todas as inteligências e energias pa -trióticas. Não me falte V. Exª com as graças da sua amizade, eeu assim o espero.”21

 Assim confirmado, o presidente permaneceu, mas não pormuito tempo.

SESSÃO DE 1888

No dia 27 de abril, quando se instala vam as sessões prepara-tórias da Câmara para o ano de 1888, terceiro da legislatura, Rodrigues Alves passou o go verno ao substituto legal e rumou para Guaratinguetá,de onde seguiu até o Rio de Janeiro.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 151

21 Documento do arquivo de João Alfredo, pertencente à Universidade Federal dePernambuco. É interessante recordar aqui que, em 1904, João Alfredotransformou-se em opositor ferrenho de Rodrigues Alves, presidente daRepública. Chegou mesmo a participar ativamente da conspirata que visava à sua

Page 149: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

No dia da abertura, a 3 de maio, está presente.Na fala do trono, o go verno aludiu claramente à iminente lei

da abolição:

“A extinção do elemento ser vil, pelo influxo do senti-mento nacional e das liberalidades particulares, em honra doBrasil, adiantou-se pacificamente de tal modo que é hojeaspiração aclamada por todas as classes, com admirá veisexemplos de abnegação de parte dos proprietários. Quando opróprio interesse pri vado vem espontaneamente colaborarpara que o Brasil se desfaça de infeliz herança, que as necessidadesda la voura ha viam mantido, confio em que não hesitareis emapagar do direito pátrio a única exceção que nele figura, emantagonismo com o espírito cristão e liberal das nossasinstituições.”

Desponta va o sol de 13 de maio. Reunida a Câmara, consti-tuem-se a mesa e as comissões. Lucena fica na presidência da Casa, naprimeira secretaria Carlos Peixoto, pai. Rodrigues Alves vai para aComissão de Justiça. A comissão redatora da resposta à fala é integradapor Duarte de Aze vedo, Sil va Ta vares e Rosa e Sil va (mais tarde membrodo gabinete).

Essa resposta só foi apresentada à regente no dia 21; por istopôde conter referência expressa à Lei Áurea:

“Senhora. – A fortuna permitiu que à Princesa ImperialRegente, em nome do Imperador, fosse reser vada a glória depresidir os dois atos mais importantes da nossa vida política,depois da reforma da constituição do Império. O último, dedata recentíssima, e pelo qual há de caber a Vossa AltezaImperial o mais in ve já vel título, coloca o Brasil em circunstânciasque, árduas embora, afiguram-se à Câmara dos Deputadoscomo o ponto de partida mais firme de sua progressi vaevolução econômica.”

O gabinete conser vador de 10 março, além do presidente doConselho, era composto de Costa Pereira (ex-presidente de São Paulo,como Rodrigues Alves) substituído depois por Ferreira Viana, no Império;Ferreira Viana (mais tarde Rosa e Sil va), na Justiça; Antônio Prado

152 Afonso Arinos

Page 150: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rodrigo Sil va (depois Antônio Prado), na Agricultura; Vieira de Lima,na Marinha; e Tomás Coelho, na Guerra.

O gabinete se apresentou à Câmara a 7 de maio, e logo no dia8 ofereceu o seu pro jeto, extinti vo da escra vidão. A redação era a maissimples e enérgica: “Art. 1º – É declarada extinta a escra vidão no Brasil. Art. 2º – Re vogam-se as disposições em contrário.”

Com uma ligeira emenda, que enfatiza va o caráter imediatoda medida, ultimou-se a 13 de maio a grande batalha nacional, tão carregadade antecedentes e conseqüências.

Quem apresentou, em nome do go verno, o pro jeto de 8 demaio? Foi o ministro da Agricultura, aquele mesmo Rodrigo Sil vaque, exercendo idêntica função sob Cotegipe, escre via a Rodrigues Alves a carta cujo tópico aqui será lembrado: “Nós não aceitamosnem aceitaremos jamais o programa da imediata emancipação.”

Rodrigues Alves, que iria votar a fa vor desse pro jeto, já nãopensava mais nas duras pala vras do seu discurso de 1885, naquele mesmorecinto, na quais estigmatiza va como “anárquico e re volucionário” o princípio“de que o escra vo não podia constituir propriedade legal”.

Em 1916, quando termina va o seu terceiro período degoverno em São Paulo, Rodrigues Alves, agradecendo homenagem decorreligionários, recorda o tempo distante em que go verna va a Pro víncia.Começa o discurso dizendo:

“Há muitos anos, foi em no vembro de 1887, coube-mea honra de presidir pela primeira vez a antiga Pro víncia deSão Paulo [....]. Agita va-se, naquele tempo, a questão abolicio-nista, e os chefes do Partido Conser vador, ao qual pertencia,esta vam em di vergência quanto ao modo de ser resol vido omomentoso problema [....]. Eu mesmo fui envol vido nomovimento e dominado pela propaganda, concorrendo como meu voto, na Câmara dos Deputados, para que fosse aprovadaa lei que aboliu o elemento ser vil.”

 Assim o senhor de escra vos, o conser vador que combateraa abolição sem indenização vota va agora por ela “en vol vido edominado”.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 153

Page 151: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Votaram a fa vor da abolição 83 deputados.22 Contraria-mente só votaram 8 cora josos representantes: o Barão de Aracagi,23

Bulhões de Car valho, Frederico Castrioto, Alberto Bezamath, AlfredoCha ves, Lacerda Werneck, Andrade Figueira e Cunha Leitão, todosconser vadores. Afora o Barão de Aracagi, os demais vinham da Pro vínciado Rio de Janeiro, justamente considerada a mais escra vocrata do Império.

Digno de reparo é o fato de que o Deputado Cunha Leitão,que no dia 8 votou contra a lei, não chegou a vê-la proclamada, poismorreu no dia 10, quem sabe se, em parte, por causa da amargura causadapela derrocada a que assistia impotente.

 A vitória da causa abolicionista não demo veu alguns recalcitrantes.Depois do 13 de Maio, no decorrer da sessão legislati va, sucederam-serepresentações de lavradores de várias Pro víncias do Império, pedindoao Tesouro indenização pelo valor dos ex-escravos. Não se lhes dava,porém, nenhuma atenção séria.

Rodrigues Alves, apesar dos interesses que o de viam estarreclamando em Guaratinguetá, naquela fase de profunda transformaçãoda la voura que era a base de sua fortuna, continuou a freqüentar aCâmara até o fim da sessão, em 31 de outubro. Mas não fala quase nunca eparece não ter desen vol vido ação de realce. Produz somente bre vesinter venções, como relator do orçamento.

SESSÃO DE 1889

Com Lucena sempre na presidência, instalou-se a sessão de1889. Rodrigues Alves foi para a Comissão de Orçamento.

 Já no mês de maio João Alfredo sentia que a vida do gabinete de10 de março seria curta, e que se aproxima va o fim do domínio conser va-dor, apesar, ou mesmo por causa, da glória da Lei Áurea. O recurso da dis -solução da Câmara, com nova consulta eleitoral, não o atraía, pois conheciaa di visão do seu partido e a força dos liberais, demonstrada pelas sucessivas

154 Afonso Arinos

22 O autor, além do voto de Rodrigues Alves, permite-se salientar outro votofavorável de que se honra, o de Cesário Alvim.

Page 152: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 vitórias nas eleições para o pro vimento de cadeiras vagas ocorridas du -rante a legislatura.

 A Questão Militar e o avanço republicano eram outrosmotivos de desânimo para o presidente do Conselho.

Resol vido a retirar-se, João Alfredo pensou, a princípio, empassar o poder a outro correligionário, mas a cisão partidária não lhe fa vo-receu tal solução. Afinal assentiu em dissol ver a Câmara, mas o Conselhode Estado a isto se opôs. Sem mais saída, demitiu-se simplesmente, e o im -perador foi le vado a con vocar os liberais, por intermédio de Sarai va.

Este, porém, que já sentia próxima a República, e muito difí-cil a aceitação, pelo trono, das medidas avançadas que poderiam retar-dar sua marcha, declinou do con vite. Foi então in vestido o Visconde deOuro Preto, chefe impetuoso, que vinha com grande bagagem de dedi-cações e antipatias, entre partidários e ad versários, pro vindas de antigaslutas. Formado o gabinete a 7 de junho, seguiu-se o tremendo embateda sessão de sua apresentação à Câmara, no dia 11.

É capítulo famoso da história da República. O programa deOuro Preto, embora ousado e valentemente defendido, não obstou a que aonda republicana viesse arrebentar no recinto, pelas vozes do conser vadorpotiguar Padre João Manuel e do liberal mineiro Cesário Alvim.

Campos Sales, presente à cena histórica, depõe que o discursode Alvim causou tal impacto que tumultuou a sessão, a qual foi suspensapor vários minutos.

Quem fez o maior discurso em defesa do Império foi JoaquimNabuco. Ele pressentiu e denunciou o ad vento das oligarquias republica-nas. Para ele, o regime futuro não seria popular, não go vernaria em fa vordo povo. “Na República (exclamou com pro vá vel surpresa para os ou vin-tes despreparados) não há lugar para os analfabetos, para os pequenos, paraos pobres. As oligarquias republicanas, em toda a América, têm mostradoser um temí vel impedimento à aparição política e social do povo.”

Pala vras proféticas que o futuro, por largo tempo, viria confirmarno Brasil.

 Apresentada moção de desconfiança pelo conser vador

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 155

Page 153: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

o go verno a dissol ver a Câmara a 17 de junho, con vocando outra para20 de no vembro a qual, ob viamente, foi impossibilitada pela República.

Rodrigues Alves vi veu os últimos dias do parlamento imperial.Este ve presente às sessões de 11, 12 e 13 de junho, sendo que, nestas duasúltimas datas, a falta de número impediu a reunião. Também seencontrara na Cadeia Velha no derradeiro dia da Câmara antiga, 17 de junho, data da dissolução. Melancólica cerimônia. O decreto, assinadopelo Barão de Loreto, foi lido pelo primeiro-secretário Almeida Nogueira.Não houve oradores no recinto. Assim apagou-se a luz que, desde aIndependência, brilhou na Cadeia Velha.

156 Afonso Arinos

Page 154: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo Segundo

 Deputado à Constituinte– Deputado federal por São Paulo – Ministro da Fa zendadeFloriano Peixoto.

DEPUTADO À CONSTITUINTE

Ogolpe militar de 15 de no vembro, instalando inespera-damente a República, deixou o poder ci vil nas mãos do pequeno grupode conspiradores que ha viam atuado em comum com os chefes doExército.

Este grupo, para restaurar o estado de Direito, tinha forço-samente de ampliar as suas bases. Não possuía quadros nem influência nopaís para dominar sozinho a situação, além de não ser coeso interna-mente. Tornou-se, assim, fatal o apelo a alguns liberais e conser vadoresprogressistas, para que viessem engrossar as fileiras dos “casacas”,sem o que as túnicas de botões dourados seriam a roupagem daRepública.

O adesismo, depois tão malsinado pelos republicanos puros,foi uma imposição das circunstâncias, por eles mesmo pro vocadas.

Nos dois Estados politicamente mais importantes, Minas eSão Paulo, deram-se fatos significati vos.

Em Minas, Deodoro nomeou o adesista Cesário Alvimgovernador pro visório do Estado e, após, ministro do Interior, sendo Alvim prestigiado pelo histórico João Pinheiro. Em São Paulo, os

Page 155: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

históricos Prudente, Campos Sales e Bernardino para integrarem abancada estadual na Constituinte, sendo que Rodrigues Alves veioposteriormente ocupar a pasta da Fazenda, chamado por Floriano.

O liberalismo desambicioso dos republicanos, embora viesse criar dificuldades mais tarde, muito contribuiu para aconsolidação da República ci vil. Em São Paulo, o terreno ha viasido preparado pelos monarquistas. Dias depois do Quinze deNovembro os partidos monárquicos, ausente apenas João Mendes de Almeida, entre os chefes mais importantes, em reunião pública, num teatroda capital paulista, ha viam reconhecido o fim do Império e proferido atode submissão à República. Os conser vadores ti veram como porta-voz Antônio Prado, companheiro antigo de Rodrigues Alves, na ala progressista,e, como ele, indicado para a Constituinte.

Explica va-se assim, pela marcha normal dos acontecimentos,que o prestigioso chefe de Guaratinguetá fosse chamado a colaborarna estruturação do novo regime.

Tantas vezes e tão doutamente se tem feito a história dagrande assembléia de 1890 que seria escusado insistirmos aqui sobreesta etapa da nossa evolução político-jurídica, de que resultou odocumento de 24 de fe vereiro de 1891.

No recinto da antiga residência imperial, reuniram-se oshomens, vindos do Império, que dominariam a ribalta brasileira duranteseguidos lustros, alguns até depois da Primeira Guerra Mundial.

Da obra realizada para a Primeira República, não participoupraticamente Rodrigues Alves que, no entanto, emergiria como o maiordos seus políticos e homens de Estado.

 Assim, no traçado da sua vida, o que cabe, quanto à AssembléiaConstituinte, é apenas recordar alguns nomes que com ele con vi veram nosalão da Quinta da Boa Vista, e que ti veram maior participação, favorá velou hostil, no seu futuro. Entre os senadores vamos encontrar Prudente,Campos Sales, Amaro Ca valcânti, Floriano Peixoto, Rui Barbosa, JoaquimMurtinho e Pinheiro Machado e, entre os deputados, Serzedelo Correia,Lauro Sodré, Barbosa Lima, Epitácio Pessoa, Rosa e Sil va, J. J. Seabra,Nilo Peçanha, Francisco Glicério, Rodolfo Miranda Leopoldo de Bulhões,

158 Afonso Arinos

Page 156: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf
Page 157: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Alguns destes foram, mais tarde, seus auxiliares, defensores eamigos; outros, ad versários e, mesmo, inimigos tenazes. Muitos sentimen-tos de aproximação ou hostilidade já de viam datar daquela fase de transi-ção, entre o Império e a República, e a ela se liga vam por moti vos di versos.

 Ao percorrer os anais da Constituinte, verificamos que a liderançada bancada de São Paulo era exercida por Bernardino de Campos. Os doisque com ele poderiam competir encontra vam-se impedidos. Prudente seacha va na presidência da casa e Campos Sales no ministério de Deodoro.

Os paulistas interessa vam-se principalmente pelo andamentorápido dos trabalhos, a fim de que o Estado conquistasse a sua autono-mia. Como corolário desta, defendiam os interesses regionais. Pugnarampela grande naturalização, que integraria os já numerosos imigrantes, causacombatida pelos positi vistas, por inflexibilidade dogmática. Aqui, comoem outros pontos, os sectários de Augusto Comte, ao seguirem à riscaas diretrizes do mestre, obedientes às condições de um país totalmentediferente do nosso, distancia vam-se penosamente dos interesses nacionais.O sentido nacionalista da grande naturalização não funcionou para ospaulistas quando se abordou o problema da na vegação de cabotagem. Omonopólio nacional dela, importante por várias razões, para o Brasil, foihostilizado por São Paulo, interessado na liberdade do tráfico marítimoentre os portos do país.

Rodrigues Alves passou despercebido pela Constituinte,embora fosse deputado muito assíduo, faltando raríssimas vezes equase sempre com causa justificada. Sua freqüência, porém, não eraparticipante. Não fala va, não apartea va, não assina va proposições, eas poucas declarações de voto que apresentou foram em con juntocom outros. Não proferiu nenhum discurso em plenário. Não hostili-zou a República, nem, dentro dela, di vergiu das instituições que esta- vam sendo criadas. Votou, sem exceção, com a liderança da sua ban-cada. Não faltou às sessões importantes, desde a de instalação, noPasseio Público, até a de encerramento, na Quinta da Boa Vista.Este ve presente no momento da apro vação da Lei Magna, de que éum dos signatários. Votou por Deodoro e Floriano, no dia 25 defevereiro, contra Prudente e Wandenkolk, sempre seguindo os seuschefes estaduais. Assistiu à posse dos dois mandatários, no dia 26.

160 Afonso Arinos

Page 158: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

das torrenciais manifestações republicanas à memória de Ben jamimConstant, morto no dia 22. Rodrigues Alves parecia esperar pelotempo. Sabia-se forte no seu Estado e tal vez pre visse que o futuroindica va o seu próximo domínio em São Paulo.

DEPUTADO FEDERAL POR SÃO PAULO

 A Assembléia Constituinte ha via sido con vocada na pre visãode transformar-se, findos os seus trabalhos especiais, em CongressoNacional ordinário. Foi o que ocorreu, a partir da eleição de Deodoro.Rodrigues Alves passou, então, a integrar, como deputado federal, abancada de São Paulo.

 A Câmara continuou funcionando no antigo paço da Boa Vista, o que pro voca va descontentamento entre os representantes ereclamações por parte de alguns deles.

 As sessões preparatórias se instalaram somente em 10 de junho. Foram eleitos presidente da Câmara, em 1891, sucessi vamente, ocearense João Lopes e o mineiro Mata Machado.

Rodrigues Alves, eleito para a Comissão de Finanças, foi feitoseu presidente. Então, como mais tarde, as Comissões de Orçamentoe de Justiça eram consideradas as mais importantes da casa. Eram seuscolegas de comissão, entre outros, João Pinheiro, de Minas Gerais; Serze-delo Correia, do Pará; Rosa e Sil va, de Pernambuco; e Demétrio Ribeiro,do Rio Grande do Sul.

 Alves, sem ser freqüentador constante da tribuna, discursou,contudo, algumas vezes durante o ano, sempre sobre assuntos financeiros,econômicos e administrati vos. Não fala va nunca sobre política, que era noentanto a matéria preferida pelos grandes oradores, como Barbosa Lima.

 A 18 de julho, alegando seus de veres de presidente da Comissãode Orçamento, reclamou a falta do go verno no tocante à remessa dosdados indispensá veis à elaboração da lei orçamentária. A imprensaglosava o atraso e o Jornal do Comércio imputa va à Câmara a responsabili-dade pelo mesmo. Rodrigues Alves lembra os maus hábitos do Império,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 161

Page 159: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Está se procedendo como outrora [diz], vai-se organizaros orçamentos da despesa parcialmente, sem conhecer-se osencargos que pesam sobre as diferentes repartições, semconhecer os recursos que há para cobrir-se essas despesas. A matéria é urgente.”

Requereu que se oficiasse ao ministro da Fazenda (que era oBarão de Lucena) solicitando os dados oficiais para que o Congressopudesse elaborar o orçamento.

 A questão financeira atraía a atenção da Câmara. A situaçãoeconômica, especialmente na praça do Rio de Janeiro, aquela onde seprocessa vam as maiores transações, era muito delicada em virtude do esgota-mento da euforia inflacionária e do conseqüente início de uma situação decrise.

O Conde de Figueiredo e o Conselheiro Francisco de PaulaMayrink, duas das personalidades de maior pro jeção no mundo dosnegócios e ati vos participantes do Encilhamento, eram deputados. OConde de Figueiredo dizia-se republicano, mas foi o grande homem denegócios do fim do Império. Por meio da Ga zeta deNotícias e outros jornais ataca va o Ministro Rui Barbosa. Mayrink era o pupilo financeiroda República. CompraraO País e defendia Rui e o emissionismo.

O Conde de Figueiredo, em 1891, esta va sendo muito criticadopor irregularidades que diziam ha ver cometido durante a inflação, namanipulação de bancos e empresas.

 A 25 de agosto, o Deputado Mayrink falou explicandoantecedentes da crise e criticando o Ministro da Fazenda, Alencar Araripe, que sucedera a Rui. O Conde de Figueiredo, ocupando-se domesmo assunto, no dia 26, defendeu-se das acusações de que era alvo.No dia 28, Mayrink atacou diretamente o colega de Câmara e de ati vidadesfinanceiras, dizendo que ele tinha “palácios nos Campos Elísios”, emParis, e en viara para a França perto de 25 milhões de francos.

Essa era a situação confusa na qual Rodrigues Alves, embreve, seria chamado a ocupar a pasta da Fazenda.

 Aproxima va-se o fim do go verno de Deodoro. Desde algunsmeses o generalíssimo Lucena (que era uma espécie de primeiro-ministro)pensa va na dissolução do Congresso, contra o qual Deodoro guarda va

162 Afonso Arinos

Page 160: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O desacordo entre Executi vo e Legislati vo foi se agra vandono correr do ano, até que explodiu com o pretexto da votação da leireguladora dos crimes de responsabilidade do presidente da República.

Na sessão de 2 de no vembro, a que Rodrigues Alves seencontra va presente, foi lida a exposição de moti vos do generalíssimo, vetando aquela lei, sendo que o veto ha via sido recusado pelo Senado,com a participação ati va de Prudente de Morais.

No dia 3, data da dissolução, nada parecia indicar a crise.Rodrigues Alves compareceu ainda à sessão, a qual transcorreu tranqüila-mente, esgotando-se a matéria da ordem do dia às 4 e meia da tarde. Jáentão devia estar assinado o decreto de Deodoro, referendado pelo ministroda Justiça, Desembargador Luís Afonso de Car valho. No manifesto comque procurou justificar o golpe de Estado, Deodoro queixou-se amarga-mente do Congresso e, em muitos pontos, com razão. O Congresso, comose sabe, reagiu. No dia 4 veio o manifesto redigido por Campos Sales, oqual ataca va a ditadura instaurada. No Rio Grande, a agitação manifes-tou-se desde logo, com a deposição do Presidente Júlio de Castilhos, no dia12. No Rio de Janeiro, a Marinha, que se sentia marginalizada desde aproclamação da República, começou a se rebelar sob a chefia de Custódiode Melo e Eduardo Wandenkolk. A prisão deste, no dia 22, desfechou omo vimento do dia seguinte, chefiado por Custódio que, de bordo do Aqui-dabã, disparou um tiro de canhão que veio atingir uma das torres daCandelária. Naquela mesma manhã Deodoro renunciou.

MINISTRO DA FAZENDA DE FLORIANO PEIXOTO

Em 23 de no vembro de 1891, com a renúncia de Deodoro,Floriano subia à presidência.

Preparado política e psicologicamente para o mais alto posto,o Marechal deu, de início, demonstrações de que também queria obterêxito na administração. A composição de seu primeiro ministério erauma indicação desse dese jo. Assim ficou composto o novo go verno:Rodrigues Alves, na pasta da Fazenda; José Higino, na Justiça; Fernando

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 163

Page 161: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Viação; Almirante Custódio José de Melo, na Marinha; e Marechal JoséSimeão, na Guerra. Com este go verno, no qual se conta vam algunsnomes de homens respeitados e experientes, Floriano poderia cumprir oseu mandato de maneira pacífica e pro veitosa para o País.

 A crise política, porém, que se avoluma va em parte à sua re velia,para chegar até o drama gra víssimo da guerra ci vil, não permitiria tal desfecho.E essa crise era ine vitá vel. O golpe de Estado de Deodoro, dissol vendo oCongresso, cindiu irremedia velmente o meio ci vil, agra vando a antigadivisão entre os republicanos históricos e os adesistas. E, como sempreacontece, quando o meio ci vil se di vide irremedia velmente, as Forças Armadas procuram unir-se e dominar os acontecimentos.

Esta primeira etapa cumpriu-se com a expulsão dos go vernadoressolidários com Deodoro e o fortalecimento de Floriano como poderfederal. Posteriormente, o espírito do adesismo e do saudosismo monár-quico veio refugiar-se na Marinha tradicionalista e no parlamentarismogaúcho, fundindo com esses dois elementos as armas da sedição queensangüentou o Sul, oprimiu o Rio de Janeiro e lançou o país na ditadura.

 A passagem de Rodrigues Alves pelo ministério foi curta,apenas nove meses.

Floriano, ao con vidá-lo, obedecia ao seu seguro instintopolítico. Atendia à força ascendente dos republicanos de São Paulo,fundadores ci vis do novo regime sem, no entanto, colocar um históricoa seu lado, o que poderia fazer sombra ao seu poder político, que nãopensa va em di vidir. Ao mesmo tempo, coloca va à testa da economia edas finanças um estadista competente, já experimentado no Executi vo erepresentante das forças produtoras mais importantes do país, homempúblico que se re velara, na presidência da Comissão de Orçamento da Câmarados Deputados, a um só tempo enérgico e moderado, capaz de enfrentaras dificuldades do momento.

Com a queda de Deodoro, afastou-se naturalmente da pasta oprincipal conselheiro do generalíssimo, Barão de Lucena, que a vinhaexercendo desde 4 de julho. Ficou na interinidade, durante três dias, Antãode Faria, à espera que Rodrigues Alves aceitasse o con vite de Floriano, oque parecia du vidoso.

O deputado paulista pre via as dificuldades políticas e se

164 Afonso Arinos

Page 162: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

No dia 24, seguinte ao da posse, Floriano telegrafou aRodrigues Alves, então em Guaratinguetá, nos seguintes termos:“Pátria carece vossos ser viços pasta da Fazenda, com todo vossopatriotismo. Mandei la vrar decreto. Venha quanto antes.” Do dia 25é este despacho: “Campos Sales apresentou-me vossa escusa. Sintonão poder aceitá-la; decreto publicado. Bom patriota como sois nãome de veis recusar ser viço tão rele vante. Vossa persistência em escusaserá para mim moti vo grande descontentamento.” Este telegrama foipublicado no Correio Paulistano, provavelmente por ordem de CamposSales, no mesmo dia 25. Do dia 24 é um telegrama coleti vo, pedindo aRodrigues Alves que aceite a pasta. Vem assinado por Campos Sales,Bernardino, Alfredo Ellis, Adolfo Gordo (cunhado de Prudente), Glicério,Cesário Mota e o irmão de Prudente, Manuel Morais Barros, além deoutros. A pressão se acentua.

Campos Sales alude a “gra ve transtorno à nossa política”causado pela recusa e pede que Rodrigues Alves vá esperá-lo na estaçãona sua passagem para São Paulo. O mesmo tenaz Campos Sales en viouesta carta, não datada, pro va velmente de 25.

“Acabo de con versar com o Floriano a seu respeito.Disse-me que não pode absolutamente condescender, pormaior que seja o seu sacrifício, que ele, como chefe de famíliareconhece. O momento, diz ele, é exatamente de sacrifício, ecada um de nós o suportará, na medida do seu patriotismo.Pensa também que, estando feita a organização ministerial, la- vrados e publicados os decretos, a sua escusa importaria uma re -composição, o que seria mal visto pelo país, como sinal de fra-queza da nova situação. Acrescenta que seu nome tem tido geral einequívoca apro vação e isto torna, além de difícil, inexplicá- vel a substituição. Enfim ele não aceita de modo algum asua escusa. Por minha parte direi que é caso de submeter-se.O transtorno seria enorme. É extraordinária a confiança queesta população está depositando no atual go verno. Tenhoapalpado a opinião e ela nos é inteiramente fa vorá vel. Até ocâmbio já deu sinal significati vo de cordial adesão. Vocêpoderá tomar uns quatro dias para seus arran jos mas venha o

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 165

Page 163: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

si e de honra para o nosso São Paulo e para a República.Deve ter recebido a suma desta carta em telegrama meu e doFloriano.”

Em pós-escrito Campos Sales acrescentou:

“Têm causado péssima impressão as suas hesitações:todos querem vê-lo aqui e eu vou assegurando que verão.”

 A 26, Bernardino volta à carga e dizendo, entre outrascoisas, no telegrama:

 “PEDIMOS TODOS QUE EMBORA SACRIFÍCIO, PRESTEESTE SERVIÇO AO PAÍS E S ÃO P AULO. S ALVE INEVITÁVELDESASTRE. IMPOSSÍVEL CONTRARIAR AGORA CONFIANÇA POLÍTICA.”

O velho colega e sempre amigo Abranches ha via mandadoeste recado lacônico: “Aceite”.

Não parece ha ver outro exemplo, na República, de pressãoigual sobre um político para que ele aceitasse função tão rele vantequanto a pasta da Fazenda. Poderia Rodrigues Alves resistir? O estado desaúde da esposa era delicado, delicadíssimo o estado da fazenda pública,praticamente exangue após a hemorragia do Encilhamento. O ambienterepublicano, ele o sentia, senão hostil, pelo menos, desconhecido. Eraum homem do Império. Mas já dava a impressão de se ter tornado umestadista nacional, para quem os go vernantes apela vam e em quem aopinião confia va. Já a 25, Rodrigues Alves embarca para o Rio, resignadoa atender ao con vite do presidente e à vontade dos amigos, entre osquais se destaca vam Campos Sales e Bernardino, seus chefes e responsá veispela sua con vocação ao ser viço da República. Instalou-se no Hotel Vitória, à Rua do Catete, e empossou-se no dia 26.

Neste dia chegam as primeiras mensagens de congratulaçõesdos seus amigos. Rubião Júnior e Bernardino estão entre eles, sendo queo último anuncia ter-se comunicado com Campos Sales. Floriano tele-grafa também, nos seguintes termos:

“MUITO ME SATISFEZ VOSSA RESPOSTA. N ÃO

166 Afonso Arinos

Page 164: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Antônio Prado, seu velho companheiro do Partido Conser vador,escre veu-lhe a 1º de dezembro, transmitindo o sentimento pro vá vel dosantigos monarquistas:

“Conquanto inteiramente arredado da vida pública,não posso deixar, como brasileiro e paulista, de felicitá-lo econgratular-me com a pátria por vê-lo ocupar um lugarproeminente na administração pública. Entretanto devodizer-lhe que estimaria mais vê-lo na presidência do Estadode São Paulo, porque essa seria a melhor, a única soluçãoàs dificuldades com que lutam os políticos aqui. É indis-pensá vel pôr um termo às lutas atuais, e não vejo outromeio senão a sua colocação à testa do Estado. O seu nomeseria bem aceito por todos e, sob a sua inspiração, poderiaformar-se, com a fusão das atuais facções, um grande e for-te partido republicano conser vador. É o que pretendiadizer-lhe de viva voz, fazendo-o por meio desta, para quetome a minha lembrança na consideração que merecer. Demodo algum quero quebrar o propósito de vi ver retiradoda política mas, para o fim de realizar este plano, que meparece sal vador, ponho-me completamente à sua disposi-ção, contanto que não tenha de ocupar qualquer posiçãopolítica. Vejo as coisas aqui muito mal paradas, e todos pensamque é indispensá vel um acordo entre os chefes políticos, que sedigladiam em pre juízo dos reais interesses do Estado.”

 Antônio Prado via com grande lucidez a situação paulista, epre via com acerto seu próximo desen vol vimento.

Para boa compreensão do que ocorreu em São Paulo naquelesdias, é necessário um pequeno retrospecto dos acontecimentos.

No dia 15 de no vembro de 1889, com as notícias da re voluçãomilitar triunfante no Rio, começou a agitar-se a capital. Tudo se desenroloupacificamente. Grupos populares percorriam as ruas em manifestações deregozi jo, enquanto a força policial mantinha-se em expectati va nos quartéis.No dia 16, o presidente da Pro víncia, que era o ilustre sertanista e escritorGeneral Couto de Magalhães, passou o go verno a uma Junta, constituída

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 167

Page 165: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de Sousa Mursa,1 sendo chefe de Polícia Bernardino de Campos. A Secretaria de Go verno foi ocupada por Júlio Mesquita, sendo nomeadopara a Tesouraria José Alves de Cerqueira César, sogro deste. A Junta tomouposse, em solene festi vidade, perante a Câmara Municipal.

 A atmosfera daquelas horas espelha-se em ofício do dia 20, dirigidopela Junta ao Go verno Pro visório. Começa ele descre vendo a formatriunfal por que foi recebida a República em São Paulo e conclui pelo pedidode exoneração, a fim de facilitar a nomeação de um go vernador. A desordeminicial no estabelecimento dos no vos órgãos de go verno patenteia-se no fatode que, embora Prudente comunique a 3 de dezembro a sua posse comogovernador, existe ofício assinado pela Junta, no dia 5, anunciando a Cesário Alvim, ministro do Interior, a abertura de um crédito extraordinário.

 A preocupação da autonomia estadual domina va os chefesrepublicanos paulistas. No ofício citado, em que comunica a sua instalação,a Junta Pro visória pondera que “a medida de uniformização do go verno(refere-se ao Decreto nº 1 do Go verno Pro visório) é aqui mal aceita e háde produzir sensí vel retraimento nas manifestações de apoio à República”,por causa “do espírito de autonomia, bem conhecido”, de São Paulo.2

Prudente, guardião inflexí vel dessa autonomia, go vernouaté ser eleito senador à Constituinte, retirando-se em 18 de outubrode 1890 para ser substituído por Jorge Tibiriçá,3 nome articulado junto aDeodoro por Francisco Glicério, que começa va a sua carreira deprestigioso líder parlamentar.

Tibiriçá pertencia à ala chefiada por Prudente. A candidaturadeste contra Deodoro, na Constituinte, em disputa da presidência daRepública, indispôs naturalmente o generalíssimo contra os amigos paulistasdo presidente da Assembléia. Por isto, em decreto de 4 de março de1891, uma semana depois de empossado presidente, Deodoro demitiu

168 Afonso Arinos

1 Joaquim de Sousa Mursa, nascido no Rio Grande do Sul, era coronel do Exércitoe residia em São Paulo, como diretor da fábrica de ferro de Ipanema. Foi convidadopara a Junta de Governo por ser militar e pelas suas conhecidas convicçõesrepublicanas.

2 V. a respeito o estudo de June Hahner “The Paulistas Rise to Power” in The HispanicAmerican Historical Review, maio 1967.

3 Tibiriçá dotado pelo político pa lista. O obre de f íli

Page 166: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Tibiriçá do go verno de São Paulo e nomeou outro republicano histórico, Américo Brasiliense, para seu sucessor. A irritação de Prudente ficouevidenciada pelo telegrama por ele en viado a Tibiriçá:

“P ARABÉNS PELA VOSSA DEMISSÃO. C AIU CONVOSCOO P ARTIDO R EPUBLICANO P AULISTA. A COMPANHAM-NOSOS APLAUSOS DE TODA A POPULAÇÃO DESINTERESSADA.”

 Jorge Tibiriçá, à noite, foi homenageado no Clube Republicano,em cerimônia de que foram oradores Bernardino de Campos e CarlosGarcia, os quais profligaram o Go verno Pro visório pela sua demissão. Abriu-se, assim, a cisão, referida por Antônio Prado.

Com a renúncia de Deodoro, o processo de deposição dosgovernadores, solidários com o golpe de Estado do generalíssimo, manifes-tou-se com violência em São Paulo, chefiado abertamente por Prudente deMorais, vice-presidente do Senado, e Bernardino de Campos, presidente daCâmara. Foi este processo re volucionário que Rodrigues Alves, pro va- velmente contra os seus sentimentos e a sua vontade, teve de acompanhar, junto a Floriano, mal se ha via instalado na pasta da Fazenda.

Campos Sales, que se separara de Prudente na Constituinte,ao adotar, contra a dele, a candidatura de Deodoro, agora junta va-se denovo ao velho companheiro, na luta contra Américo Brasiliense. Semqualidades de liderança no republicanismo histórico, Rodrigues Alvesser via de instrumento dos seus patrícios naquela luta.

 Ve jamos a marcha dos acontecimentos por meio de algunsdespachos telegráficos a ele dirigidos.

 A 7 de dezembro, Campos Sales, Bernardino e Prudente4

comunicam que Brasiliense solicitara a Floriano a conser vação da forçafederal. Pedem que o ministro atue em sentido contrário, solicitaçãoreiterada por Campos Sales no dia 8. A 9 Rodrigues Alves é alertado porPrudente de que Brasiliense pretende a nomeação de um oficial doExército a ele fiel, o Ma jor Castelo Branco, para chefe da polícia estadual.Urge que tal medida não se concretize. No mesmo dia, em outro telegrama,Prudente recomenda como pro vidência “urgente e indispensá vel” a cha-mada, para o Rio, de alguns oficiais do 10º Regimento, pro va velmente

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 169

4 Os três republicanos paulistas (Bernardino nasceu em Minas Gerais) eramcompanheiros de mocidade. Os três nasceram em 1841 e formaram-se juntos, naFaculdade de Direit de Sã Paulo, 1863 Foram m bros, vimos, da

Page 167: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

contrários à deposição do go vernador. Insiste em medidas semelhantes, nodia 13.

Retira va-se, assim, o apoio militar de Brasiliense.No mesmo dia 13, Bernardino já pode comunicar:

“São Paulo está em re volução. Jundiaí, Rio Claro, Bra -gança, São Manuel, São Simão e outros pontos depuseram in -tendências e autoridades e aclamaram Doutor César, Floriano,Constituição Federal e do Estado. Ine vitá vel a queda de Amé -rico.”

Os líderes do mo vimento, como se vê, tinham escolhidoCerqueira César para a chefia do go verno.

Mas a onda não rebentara ainda na capital. Igualmente a 13,Bernardino comunica que o General Sólon não recebera instruções deFloriano.

 A 15 Prudente e Bernardino fornecem um panorama dasinquietas condições da capital:

“Continuaram as correrias toda a noite. Na capital nãoha via mo vimento re volucionário. O go verno pretextou ataqueà Federação simulado e mandou a força agredir oCorreio Paulistano,onde trabalha vam empregados despre venidos, para impedir apublicação. Violências inauditas. Todo o Estado re volucionadoem armas; re volução triunfante em toda parte, menos emalguns pontos onde não pronunciou-se [sic]. Santos ontemlevantou-se aderindo à força local, assumindo o go verno a Associação Comercial. Américo quis entregar ontem o go vernoao comandante de Polícia Castelo Branco, nosso inimigo, paracontinuar a desordem. Tenente Miranda açula violência. DécimoRegimento impedido no quartel. Material doCorreio Paulistanoe Estado5 destruído por soldados. Estes atira vam a esmo. Hámortos e feridos. Continuam choques tremendos.”

Mas, no mesmo dia, às 8 e 55 da noite, Prudente já pode anunciar:

“Nosso Estado la vou-se da nódoa. Américo, verificandoo triunfo completo da re volução no interior, abandonou o

170 Afonso Arinos

5 O E t d d S. P l , antigo P í i d Sã P l  J l li d lt

Page 168: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

palácio, entregando o go verno ao comandante da Polícia.Este imediatamente passou-a ao vice-presidente,6 que assu-miu o exercício. Satisfação geral. Renasce a confiança.”

 Assim, no Estado pioneiro da federação republicana,começa vam a funcionar os tristes métodos do novo regime.

Sendo Deodoro coagido à renúncia pela sedição na val, osEstados, inclusi ve o mais importante, seguiam o exemplo do go vernocentral, depondo os seus mandatários.

 A tranqüila compostura com que Couto de Magalhães trans -mitira o poder monárquico era contrariada pela desordem e violênciadas sucessões republicanas. Em bre ve o mesmo aconteceria no outrogrande Estado federal, o de Minas Gerais.

Em 15 de no vembro de 1889, o Visconde de Ibituruna passara,com a maior dignidade, o go verno da Pro víncia aos líderes republicanosque o transmitiram, poucos dias depois, ao escolhido por Deodoro,Cesário Alvim. Este ficou solidário com Deodoro a 3 de no vembro de1891. Logo os florianistas tramaram a sua derrubada. Alvim, apoiadopelo povo mineiro, pôde resistir mais tempo que Brasiliense. Mas afinalfoi igualmente le vado à renúncia, diante de uma re volução separatistafor jada no sul de Minas, a 17 de fe vereiro de 1892.

Implanta va-se, com Floriano, apoiado pelas dissensões ci vis, aditadura republicana.

Em São Paulo, a partir da posse de Cerqueira César, todos ostelegramas e grande número das cartas en viadas a Rodrigues Alves, porele, Bernardino, Campos Sales, Adolfo Gordo (cunhado de Prudente),diziam respeito à mo vimentação de militares, pedidos de armamentosou nomeações e exonerações de empregados de confiança política.Representante do Estado economicamente mais forte, o ministro daFazenda só recebia dos seus patrícios ad vertências militares e empenhosempreguistas.

Em 8 de março de 1892, o go verno paulista já não confia vano General Machado Bittencourt, comandante da guarnição, segundo sedepreende deste telegrama de Bernardino:

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 171

Page 169: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“DENÚNCIA PARECENDO FUNDADA DESIGNA PARA HOJE À NOITE ATAQUE AO GOVERNO DE S ÃO P AULO.OBTENHA OUTRA VEZ ORDEM DE FLORIANO AOGENERAL  BITTENCOURT PARA MANDAR A FORÇA AQUIESTACIONADA SUSTENTAR O GOVERNO LOCAL.”

 A este despacho está apenso um bilhete da mesma data doministro da Guerra, General Francisco Antônio de Moura, que diz:

“ ACABO DE TELEGRAFAR AO GENERAL BITTENCOURT7

ORDENANDO-LHE QUE PRESTE TODO APOIO AO GOVERNODE S ÃO P AULO.DE V .EXª AMIGO AFETUOSO E COLEGA.”

 A crise político-militar em São Paulo transcorria em um dosmomentos mais difíceis e dolorosos da vida particular de Rodrigues Alves. Aliás, todo ano de 1891 lhe foi funesto, sob esse aspecto.

Nos primeiros meses ele perdeu a filha mais velha, Guilhermina(chama va-se como a mãe), moça de quinze anos, vitimada pelo tifo, emGuaratinguetá. Até o fim da existência o pai saudoso não esquecia afilha desaparecida. Quando aludiam à sua felicidade doméstica, já velho,ele dizia sempre que se esqueciam dos sofrimentos que atra vessaraquando mais jo vem.

O pior, porém, foi a perda da esposa e prima, que morreu departo, também em Guaratinguetá, a 28 de dezembro, um mês depois dasua posse no ministério. Deixa va oito filhos, dos quais o mais velhotinha quatorze anos e a caçula alguns meses de nascida.

Rodrigues Alves tudo fez para sal vá-la. Quando se manifestavamsintomas de infecção puerperal, o esposo aflito pediu licença doministério e seguiu para Guaratinguetá, em trem especial, le vando consigouma das sumidades médicas do tempo, o Professor Francisco de Castro,que nada pôde fazer. O sofrimento de Rodrigues Alves foi intenso, segundorecorda va o filho mais velho. Voltou ao exercício da pasta em 10 de janeiro de 1892. Daí por diante dedicou-se des veladamente à criação eeducação dos filhos e filhas, tudo fazendo para substituir a mãe ausente. E,no testemunho dos íntimos, reforçado por documentos de família, o pai

172 Afonso Arinos

7 O M chal Bitten t viria depoi r heroica nte, def ndendo a vida de

Page 170: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

nunca deixou de cumprir os seus de veres, por maiores que fossem, emcertos momentos, as preocupações do político ou do estadista.

 Avoluma vam-se no Rio, em começos de 1892, as pressõespara que Floriano procedesse à eleição de presidente da República, nostermos da Constituição, uma vez que Deodoro ha via renunciado antesde transcorrida a metade do período, mas o Marechal não era homemde largar o poder. Valendo-se de interpretação sofística de um artigo dasdisposições transitórias, entendia-se com direito ao resto do período.Rodrigues Alves, formado no desinteresse e no legalismo do Impérionão concorda va, no fundo, com a atitude do chefe do go verno. Erafrancamente partidário de nova eleição presidencial, e sentia que a suaposição de ministro torna va-se constrangedora. Em 7 de fe vereiro,Bernardino de Campos escre ve-lhe de São Paulo:

“Quanto às coisas, penso que o senhor nada tem comelas, por ora. Não con vém mudanças no go verno. Cumprepoupá-lo.”

Em fins daquele mês, Campos Sales reuniu-se secretamentecom Rodrigues Alves na cidade de Petrópolis, em casa do senadorfluminense Tomás da Porciúncula, à Rua Paulo Barbosa. Ficou combinadoque se sondasse Floriano, sobre a realização do pleito presidencial.Rodrigues Alves, seguindo o combinado, reuniu os ministros e expôs-lhesseu pensamento. Segundo Campos Sales, Custódio de Melo foi incumbidode interpelar Floriano, que reagiu desfa vora velmente.

Em 10 de março Bernardino escre ve:

“Recebi sua carta sobre a eleição presidencial e telegra-fei-lhe imediatamente, exprimindo as apreensões que me assalta-ram ao ler que a questão trouxera di vergências e que pedirademissão. Desculpe-me, mas acho que é um desastre abrir crisepor esta questão. O momento não comporta crise dessa ordem. Acho que podia expressar a opinião em conferência, como estudo,no intuito de dar uma solução às dificuldades então existentes;não penso porém que se deva le var o caso ao extremo de umacrise ministerial, máxime quando já não há necessidade de

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 173

Page 171: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Bernardino deCampos, umdos patriarcas da República emSão Paulo. Reprodu zido deJoséMaria dos Santos,Bernardino de Campos

e o Partido Republicano Paulista(Editora JoséOlympio)

Page 172: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A carta é longa. Desen vol ve copiosa argumentação para de -mo ver Rodrigues Alves do seu propósito de retirar-se. A saída, ao ver deBernardino, abalaria o país; di vidiria São Paulo, onde ha via correntes floria-nistas; politicamente era um desastre pois “não há militar capaz para substi-tuir o Floriano e nenhum ci vil se poderia agüentar na sela, diante do Exér -cito e Armada indisciplinados”; Floriano ficaria enfraquecido e “entregueaos botes da canalha8 oposicionista”. Assegura que Campos Sales e osdemais amigos pensa vam como ele.

Realmente, Campos Sales, que era, no fundo, responsá velpela atitude de Rodrigues Alves, pensa va como Bernardino no caso dademissão. Em carta de 9 de março dizia ele ao amigo:

“Vejo pela sua carta que ainda não se acha deliberada aquestão da eleição presidencial, parecendo que será contrária aopinião do Floriano. Continuo a pensar que o melhor al vitreserá o da eleição, pelos moti vos que já ponderamos, mas pensoque, no caso de ser o Floriano contrário à idéia, todo oministério9

deve acompanhá-lo, porque uma crise ministerial neste momen-to e por tal moti vo importaria a morte da situação [....]. É o casodo sacrifício das opiniões indi viduais para sal vação da coleti vida-de [....]. Enfim, o que penso é que, haja o que hou ver e sejacomo for, de vemos sustentar o Floriano a todo transe, porquenele reside toda a garantia. Acompanhá-lo é a única política.”

No dia 18 insistia:

“Vi a sua carta ao Bernardino e, de combinação com ele,escre vo-lhe esta. Parece-me que, no momento atual, nãopodemos nem de vemos ter outra preocupação que não seja ade fortalecer o go verno, evitando tudo quanto possa de levediminuir-lhe a autoridade moral.”

Repete os argumentos de que o enfraquecimento de Florianoera o fortalecimento da oposição, e a liquidação deles, paulistas.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 175

8 Sublinhada no original.

Page 173: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rodrigues Alves tivera um incidente com Floriano, ao sustentarseu ponto de vista. Campos Sales procura tranqüilizá-lo:

“Demais, não vejo em que a sua posição pessoal possatornar-se tão difícil, como você supõe. Conheço muito o tem-peramento do Floriano e o juízo que ele forma a seu respeito;por isso posso garantir que ele acolherá sempre as suasopiniões como filhas das melhores intenções. Di vergindo,não deixará contudo de acatar o seu patriotismo e a sualealdade: respeitá-lo-á do mesmo modo, sem guardar pre vençõesou ressentimentos. Tenho disto a mais completa con vicção[....]. Sabemos que você está aí fazendo um sacrifício enorme;mas assim é preciso, e cada um de nós tem a sua vez nestaordem de sacrifícios.”

Rodrigues Alves teve de inclinar-se aos apelos dos compa-nheiros, aos quais de via a sua integração na política republicana.

No dia 12, Bernardino já podia escre ver-lhe manifestando aalegria dos amigos “quanto à sua permanência no go verno”.

Mas, em bre ve, a opinião de Campos Sales re velar-se-ia errônea.Ressentido e dissimulado, Floriano não tardaria a descobrir as

garras, despedindo praticamente o seu ministro de uma função em queele não queria permanecer.

 A política financeira do Go verno Pro visório é conhecidapopularmente pela ação do ministro da Fazenda, Rui Barbosa, ao qual secostumam imputar, em visão apressada dos acontecimentos, todas as iniciati vasarro jadas e as malfadadas conseqüências daquele dramático período.

 A verdade, porém, já mais de uma vez ressaltada por especialistasem finanças, é que o ovo da inflação republicana ha via sido fecundadono fim do Império.

Em 1858, o Ministro da Fazenda, Sousa Franco, autorizou a

176 Afonso Arinos

Page 174: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

do Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul. Este é o maisantigo precedente da obra de Rui Barbosa.

Mais tarde, a abolição, a imigração, a Questão Militar e ou -tros fatores da década 1880-1890 ha viam determinado concentração decapital, surto de iniciati vas financeiras, ambição das classes médias urba-nas, espírito de imitação para soluções estrangeiras (sobretudo nor-te-americanas) e outras conseqüências que modificaram profundamenteos hábitos e as idéias das classes dominantes.

Na imprensa diária e na Câmara dos Deputados, ao findar-se aMonarquia, discutia-se sobre os temas da unidade ou pluralidade dos ban -cos emissores; con versibilidade ou não do papel-moeda do Tesouro.

 João Alfredo, presidente do Conselho e ministro da Fazenda nogabinete de 10 de março de 1888, ha via expedido, a 24 de no vembro da -quele ano, o Decreto nº 3.403, “permitindo às companhias anônimas, quese propuserem a fazer operações bancárias, emitir, mediante certas condi-ções, bilhetes ao portador e à vista, con versí veis em moeda corrente”.

Rele va obser var que, nos termos dessa lei, as emissões bancá-rias seriam permitidas, não com lastro ouro, porém com garantia deapólices da dí vida pública até o mesmo valor. Os bilhetes seriam “con ver-sí veis em moeda corrente do Império”.

Era o mesmo plano de Sousa Franco.Estabelecia-se a pluralidade bancária (forçada pela necessidade

de numerário, por sua vez exigida agora pelo imperati vo do pagamentode salário aos trabalhadores li vres) entregue a bancos particulares. Osucessor de João Alfredo, Visconde de Ouro Preto, em aplicação dessedecreto, concedeu a faculdade emissora a três bancos, entre os quais oBanco Nacional, do Visconde de Figueiredo, figura dominadora nosmeios financeiros e bolsistas da época. Para acentuar o caráter do pri vilégio,o Banco Nacional fica va com a faculdade de dar curso forçado aos seusbilhetes, em caso de “crise política ou financeira”. De fato, era a emissãode papel-moeda incon versí vel, com garantia de papéis, por banco pri vado.Portanto, era o início do futuro Encilhamento.

Quando Rui assumiu a pasta, a 15 de no vembro, o esquemainflacionário esta va pois montado. As causas determinantes e o aparelho

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 177

Page 175: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

legal preexistiam. O agra vamento daquelas causas le vou-o a completareste aparelho de forma tal vez desarrazoada. Eis o que aconteceu:

Logo nos primeiros dias do Go verno Pro visório, dez bancossediados de Sul a Norte do País requeriam fa vores iguais aos que OuroPreto facultara ao Visconde de Figueiredo. Entre 26 de no vembro e 8 dedezembro, Rui Barbosa concedeu autorização de emitir aos dez, sendo quequatro eram da Bahia, o que não deixa de mostrar o caráter político do ato.

 A situação era bem mais difícil que no Império, porque a quedado câmbio, resultante da evolução e da ditadura, torna va a con versibilidadedo papel para o ouro inexeqüí vel. A marcha para o papel incon versí velseria inexorá vel.

 A política inflacionária de Rui esta va, assim, traçada de antemão.Chamado à pasta por causa da vigorosa campanha que, em 1889,empreendera contra a política financeira de Ouro Preto, pelo Diário de Notícias, Rui teria fatalmente que nadar nas mesmas águas, cada vez maisre voltas, da inflação vertiginosa. Calógeras, que não lhe poupa críticas,reconhece isto, como homem de boa-fé: “As teorias financeiras aplicá veisem épocas pacíficas não podiam ser admitidas in vulnerá veis em ummomento histórico” como aquele.

Em 17 de janeiro de 1890, o ministro expediu os famososdecretos com que procurou, inutilmente, pôr um pouco de ordem na voragem. A ino vação principal era di vidir o Brasil em três zonas bancárias,o Norte (da Bahia ao Amazonas), o Centro (do Espírito Santo a SantaCatarina) e o Sul (que compreendia o Rio Grande, Mato Grosso e Goiás).

Não precisamos fazer a história do Encilhamento, a vertigemdo jogo inflacionário e de proliferação de empresas, na qual alguns poucosenriqueceram e muitos perderam o que tinham. Essa história impressionouinclusi ve os ficcionistas, como o Visconde de Taunay, no romance quetraz o nome do período e até Machado de Assis, no Esaú eJacó.

Rodrigues Alves, ao assumir a pasta, vinha encontrar aindafumegante o rescaldo do incêndio que fora o Encilhamento.

Para ter-se uma idéia da situação, basta recordar que, em finsdo Império, a circulação de papel-moeda mal passa va de 200000 contos;

178 Afonso Arinos

Page 176: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

somado das empresas do país pouco ultrapassa va de 800.000 contos;em fins de 1891 já tinha subido além de três milhões.

Re vela va-se também a corrupção, que reinara naquela loucuradas emissões descontroladas de papel-moeda e de aventuras financeiras.Nenhum dos pri vilegiados bancos emissores realizara sequer o capitalestatutário; nenhum se munira do lastro efeti vo, em ouro ou títulospúblicos, pre visto pela lei. Negociatas de toda ordem ha viam enriquecido aalguns poucos, inclusi ve diretores de bancos, e arruinado a muitos.

Calógeras recorda como os dois ministros que antecederama Rodrigues Alves (Tristão de Alencar Araripe e o Barão de Lucena)ha viam concedido empréstimos no montante de dois milhões e seiscentasmil libras a três bancos, recebendo em pagamento letras sacadas sobre oestrangeiro. Esta garantia fictícia ser viu de base à emissão de 54.229contos, soma enorme para a época, em benefício daqueles bancosprotegidos. Esta operação ruinosa só veio a ser liquidada, com perdas,na segunda gestão de Rodrigues Alves na pasta, ao tempo de Prudente.

O desmando chegou ao ponto, lembra ainda Calógeras(e Rodrigues Alves confirma no seu relatório de ministro), de Lucenaordenar a transferência dos saldos do Tesouro a um banco à beira dafalência. “Felizmente [acentua o ilustre historiador] esta operação incon-fessá vel pôde ser impedida a tempo pelo seu sucessor, Sr. Rodrigues Alves.”

Examinando a ação do primeiro ministro da Fazenda deFloriano, Calógeras ajunta outras obser vações que merecem transcrição:

“Em situação semelhante, como eliminar as manifestaçõesde desconfiança? Como trazer confiança a todos, alarmados à vista das desordens? Como pacificar os espíritos? Esta foi a tarefado novo ministro das Finanças, Sr. Rodrigues Alves.”

Dunshee de Abranches, outro estudioso de nossa históriafinanceira, discursando na Câmara dos Deputados em 1915, sobre aobra financeira de Rodrigues Alves, avança uma obser vação ainda maiscategórica que a de Calógeras:

“Assumindo a presidência o Marechal Floriano, entregou apasta da Fazenda ao benemérito estadista Sr. Conselheiro

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 179

Page 177: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

rupções, jamais deixaria de orientar a nossa política financeiraaté 1906, ou, pelo menos, inspirá-la assiduamente com as suasluzes e experiência. Por outros termos, pode dizer-se que daídata o concurso direto do que já hou ve quem denominasse ainfluência paulista nos altos destinos da República.”

Realmente, as linhas mestras da política que seguiu o go vernofederal desde a presidência Floriano até a presidência Rodrigues Alves fo -ram, de certo modo, coerentes, e encontra vam-se firmadas nas idéias e naação do ministro de Floriano e Prudente, em seguida presidente da Repú-blica. De ve-se reconhecer que aquelas linhas mestras não eram o produtode opiniões pessoais de Rodrigues Alves, mas claramente o instrumentodas forças econômicas conser vadoras e progressistas (os ad jeti vos não secontradizem) que encontra vam mais forte expressão no Estado de SãoPaulo. Rodrigues Alves era, assim, o homem que, como ministro, come-çou a praticar, com indisputada honestidade, uma certa orientação, a qualassessorou como senador, aconselhou como amigo e de que, afinal, co -lheu os frutos, como presidente, na sua consagrada obra de go verno.

 A situação, quando ele assumiu a pasta, era crítica.O Congresso mal ha via votado o orçamento, desde que se ha via

reunido de novo, após o recesso imposto por Deodoro. As falências se su -cediam, algumas com enormes passi vos. A fraqueza política do go verno di -ficulta va a ação do ministro. Seus planos não eram executados, ou se apli -ca vam mal, porque não venciam as resistências. Assim o imposto em ourosobre as importações, que ele dese jara, não pôde ser decretado.

Todo seu esforço concentrou-se, então, nas políticas credití-cia e monetária. Da primeira ele cuidou logo, evitando o perigoso plano, já em andamento, da con versão do empréstimo interno de 280.000 con-tos em apólices, com juros de 5% papel, em outro que renderia 4%ouro. Com a desordem reinante no mercado financeiro e a desconfiançageral na estabilidade do mil-réis, seria certo que a con versão dos jurosem ouro, apesar do abaixamento da taxa, viria a dar garantias desmesu-radas aos detentores das apólices, enquanto toda a massa da populaçãoficaria sofrendo os azares da des valorização. Era uma espécie de corre-ção monetária para um grupo pri vilegiado. O aumento imediato do valordos títulos, caso fosse adotada a medida, seria outra fonte de especulação

180 Afonso Arinos

Page 178: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em seguida preocupou-se Rodrigues Alves com outros de ve-res importantes: suspender as emissões, recolher o papel-moeda emexcesso e garantir o reembolso das notas emitidas, para restaurar a confiança.

 A cessação das emissões bancárias foi por ele feita drastica-mente, no decreto de 17 de dezembro de 1892, que cassou aos bancos odireito de emitir e concentrou-o somente no Banco da República doBrasil (semi-oficial), o único, aliás, que ha via obedecido ao plano do de -creto de 17 de janeiro de 1890, diz o ministro no seu relatório.

O papel em circulação ia a mais de 500 mil contos, de 350.000 deemissão dos bancos e menos de 170.000 em notas do Tesouro, sendo que asemissões bancárias eram garantidas por apenas 35.850 contos em títulos.

Rodrigues Alves, ao mesmo tempo em que procura va estimulara exportação e restringir a importação, plane jou encampar pelo Tesouro asemissões bancárias, mediante condições justas, de forma a restaurar o con -trole da moeda pelo Tesouro, como exigiam a correção administrati va e aprópria soberania nacional. Uma comissão de técnicos, por ele nomeada,chegou a conclusões semelhantes. No Congresso, a maioria apoia va o mi -nistro, apesar das hesitações. A fa vor das suas idéias manifestaram-se, noSenado, Campos Sales, Rangel Pestana e Saldanha Marinho.10

O ministro não se iludia, contudo, sobre as dificuldades. Norelatório de 1892 começa por dizer:

“Tem sido ob jeto das mais sérias preocupações, no país, a cri -se econômica e financeira com que lutamos afliti vamente há muitosmeses. A baixa constante do câmbio, atingindo a uma taxa desespe-radora, a des valorização de todos os títulos, a retração do capital e oreceio do decrescimento das rendas públicas de um lado, e, do ou -tro, a carestia dos gêneros de primeira necessidade, agra vando as di -ficuldades da vida, a exigência de salários ele vados, os embaraços aodesen vol vimento da produção, pro venientes dessas causas e muitoparticularmente da falta de braços e anarquia na indústria dos trans -portes, têm criado uma situação tão melindrosa que só o esforçotenaz, dedicado e patriótico dos poderes públicos, em harmo-nia completa de vistas, poderá remediar com vantagem.”

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 181

Page 179: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Fac-símiledeuma carta deAfonsoPena a Rodrigues Alves, ao tempo emqueexerciama presidência do Banco do Brasil eoMinistério da Fa zenda. Arquivo da família Rodrigues Alves. O texto da carta éo seguinte:Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1893 / R. Alves. / O resultado da con fe-rência é o que eu espera va. O Banco da República não tem feito pressão alguma sobreo mercado, como sabe. Quando o câmbio este ve firme e para alta tomamos algunssaques; mas nos afastamos logo que se afrouxou. / Não fui hoje ao Banco receando aumidade, pois ontem não me dei bem com o excesso que fiz. Nada sei, pois, do quehou ve na praça. Li na “Notícia” que tem ha vido animação no mercado de títulosbrasileiros. / Pelos jornais ontem vindos da Europa vejo que nos mercados monetáriostem ha vido certo retraimento que afetam as próprias consolidadas. Ainda há poucotempo eram cotadas a 113, 114, e agora estão a 109 e 1091/ 4. O mal-estar é geral.Dis nha do / Col.ª A º velho / Aff so Pen

Page 180: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Para o ministro, porém, essas dificuldades poderiam perfeita-mente ser superadas com uma política de saneamento financeiro, a qualse apoiaria nas magníficas perspecti vas da exportação do café e da borra-cha. Urgia, porém, normalizar os transportes, ati var a imigração agrícola,supleti va dos braços nacionais, que se desloca vam em massa para as cida-des, cessar as emissões bancárias, reduzir as despesas públicas. Rui Barbo-sa, que tomara posse como senador poucos dias antes da renúncia de Ro-drigues Alves, di vergiu do programa do seu antigo colega em discursosno Senado. Fê-lo, porém, em termos amistosos. Entretanto, no mês de junho, assim se referiu Rui a Rodrigues Alves:

“Está no Ministério da Fazenda um ad versário meu. Seipor amigos comuns que a sua linguagem a respeito da irrepre-ensibilidade da minha administração no Tesouro é a maisinsistente, a mais categórica, a mais lison jeira.”

Rodrigues Alves, portanto, defendia a honorabilidade de Rui,como este mesmo o reconhece. Não se entende bem, portanto, aquelequalificati vo de ad versário. Só se, cedendo a um mo vimento da memó-ria inconsciente, Rui esti vesse pensando no liberal do Império, em facedo ex-conservador.

Mas Rodrigues Alves foi le vado a deixar a pasta sem poderrealizar o seu programa, especialmente o plano que alimenta va de umareforma geral do Tesouro. Referindo-se à sua saída, Calógeras empregaas seguintes expressões:

“A 29 de agosto este estadista, um daqueles a quem oBrasil deve os mais eminentes ser viços pela sua reabilitação fi-nanceira, demitiu-se, com grande pesar para todo o comérciodo Rio e para os círculos políticos conser vadores, que viam,na sua administração e na sua política monetária, o melhor ca -minho para sair da trilha em que o ha viam lançado os abusosde crédito de toda sorte.”

De fato, a demissão de Rodrigues Alves foi determinada,além de moti vos técnicos, por outros de natureza política, como jádeixamos dito e agora vamos relatar.

Serzedelo Correia (ministro do Exterior desde 12 de fe vereiro),

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 183

Page 181: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

reram para a demissão de Rodrigues Alves, a alguns dos quais este vepresente. O início da di vergência entre o presidente da República e oministro da Fazenda remontou, também, segundo Serzedelo, à atitudede Rodrigues Alves no caso da sucessão de Deodoro.

“Outro fato deu-se com Rodrigues Alves, [José] Simeão e José Higino. Ha via na imprensa uma grande campanha em fa vorda eleição presidencial. O Marechal era contrário a ela. Rodrigues Alves reuniu o ministério na Secretaria da Viação, para assentaremos ministros a sua opinião a respeito. Reunimo-nos e delibera-mos todos con vidar o Marechal a fazer a eleição presidencial.Simeão queria que fosse eu o encarregado, em despacho, deamarrar o guizo no pescoço do gato. Recusei-me e ficou delibe-rado que Simeão le vantaria a questão. Assim aconteceu: naprimeira conferência ministerial, Simeão le vantou a questão11 eFloriano o ou viu em silêncio. Depois pediu a opinião de JoséHigino e Rodrigues Alves, que corroboraram, com outrosargumentos, a opinião de Simeão.”

Serzedelo, continuando a narrati va, informa que Floriano dispensou-ode opinar. Já tinha plano assentado. Demitiria os ministros da Fazenda, da Justiça e da Guerra e chamaria Serzedelo, de quem era amigo, para a Fazenda,embora depois o prendesse por longos meses, como suspeito na Re voltada Armada. Foi o que fez, com a frieza que lhe era habitual.

O episódio narrado por Serzedelo prendia-se ao pedido dedemissão de Rodrigues Alves, no mês de março, que já ficou documen-tado acima, atra vés de cartas de Bernardino e Campos Sales. Agora vejamos o seu remate, sempre seguindo as memórias de Serzedelo:

“O Marechal, em um despacho, atendeu a todas aspastas, deixando a Fazenda para o fim. Quando chegou a vezde Rodrigues Alves, le vantou-se e não voltou. No despachoseguinte reproduziu-se o fato. Eu, que nada tinha percebido,disse a Rodrigues Alves: como, você não despacha a sua pasta?Rodrigues Alves sorriu e encolheu os ombros.”

184 Afonso Arinos

11 A ão de Srzedelo dif i da de Ca pos S les, pa foi Custódio de

Page 182: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Essas cenas, se exatas, de vem ter ocorrido em agosto, porque,dias depois, Floriano comunica va a Serzedelo que “o nosso bom amigoDr. Rodrigues Alves” queria deixar a pasta e que o seu interlocutor de - veria substituí-lo.

Serzedelo ha via discutido bastante na Câmara o programa deRodrigues Alves, e poderia ser considerado um estudioso de assuntos fi-nanceiros.

 A carta de Rodrigues Alves a Floriano, datada de 25 de agosto,é a seguinte:12

“Ex.moSr. Marechal,

Tenho procurado até este momento corresponder como maior esforço à confiança de V. Exª honrando-me com apasta da Fazenda. Não podendo, porém, continuar no exercíciode tão ele vado cargo por moti vos da maior ponderação, venho com todo o respeito comunicá-lo a V. Exª.

Sem uma perfeita unidade de vistas entre o ministro daFazenda e o chefe do Estado, não só quanto ao modo de en-carar a questão financeira, como os meios de resol vê-la, a admi-nistração não pode caminhar regularmente. Como V. Exª sabe,essa questão domina no momento todas as outras e está a re -clamar o esforço constante do go verno, que não será eficazsem a mais completa harmonia entre os seus membros.

Essa unidade de vistas não existe. As minhas idéias, porinfelicidade que lamento, não combinam com as de V. Exª e asituação não permite que o ministro da Fazenda, no meio dasdificuldades que nos cercam, possa agir sem a firme segurançade que o chefe do Estado confia absolutamente na execuçãoe eficácia dos seus planos.

  Tornando-se impossível a minha permanência noministério, rogo-lhe digne-se conceder-me exoneração docargo de ministro da Fazenda. Asseguro-lhe que esta resoluçãonão altera por forma alguma as relações dos meus amigos doCongresso para com o go verno.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 185

12 A f cilidade de daçã de Rodrig s Alv s, velho j lista, patenteia-se nesta

Page 183: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Apro veito a ocasião para agradecer a V. Exª as atençõescom que me tem honrado e, fazendo votos sinceros pela felicida-de do go verno, firmeza do regime e prosperidade da República,apresento-lhe os protestos da mais alta consideração e apreço.”

 As causas concretas da di vergência ficam esclarecidas com ascartas que em seguida transcre vemos. A primeira é de Sousa Correia, nossoministro em Londres, en viada a Rodrigues Alves a 9 de setembro de 1892:

“Recebi com pesar o telegrama que V. Exª ser viu-se diri-gir-me, em 28 de agosto último, anunciando-me ha ver pedido asua demissão, por não ter o Sr. Vice-Presidente da República con-cordado com as idéias que V. Exª apresentou, de conformidadecom as dos Srs. Rothschild e outros banqueiros da praça deLondres, em relação à nossa situação financeira.”

 A di vergência entre o ministro e o presidente em exercíciopro vinha de que o primeiro dese ja va, como dissemos, encampar asemissões bancárias pri vadas pelo Tesouro, medida de saneamentomonetário e controle financeiro, com que não deixariam de concor-dar nossos credores estrangeiros, enquanto o segundo opunha-se atal decisão. Ve jamos agora, em carta do próprio Rodrigues Alves a Afonso Pena, escrita no Rio, a 20 de setembro, a explicação porme-norizada da crise pelo principal figurante:

“Pena

Recebi e agradeço sua carta. Não me foi possí vel conti-nuar no ministério por falta de acordo com o chefe de Esta -do, principalmente na questão bancária. As minhas idéiascombinam perfeitamente com as suas. Tive mesmo ense jode referir-me, por mais de uma vez, à sua esclarecida opi -nião. O Marechal, porém, não compreende que haja vanta-gem em assumir o go verno a responsabilidade pelas emis -sões bancárias e reputa essa pro vidência radical e perigosa.Compreende você que, estabelecido o desacordo em umponto capital da administração da minha pasta, não me res -

186 Afonso Arinos

Page 184: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Havia muito tempo eu insistira por uma solução. Conseguipôr-me de acordo com as Comissões de Orçamento doCongresso. Ouvi a opinião dos nossos homens mais compe-tentes. Apesar de tudo, as minhas idéias não alcançaram oapoio do chefe de Estado. Retirei-me. Não acha que nãopoderia proceder de outra forma?

Logo que tenha instalado os filhos no colégio, retirar-me-eipara São Paulo. Como sempre, amigo e colega.”

 A resposta de Floriano ao pedido do seu ministro só veio cincodias depois, a 30 de agosto:

“Ex.moSr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves.Tenho presente a carta de V. Exª datada de 25 deste mês,

em que me declara não poder continuar no exercício da Secre-taria de Estado dos Negócios da Fazenda, pela falta de unidadede vistas no modo por que encaramos a questão financeira.

Por mais di vergentes, por mais opostas que se jam as nossasidéias no modo de encarar essa questão, me parece que era aindamuito cedo para moti var ela a retirada de V. Exª, tanto maisquanto, competindo ao Congresso a solução de tão magnoassunto,13 mais a ele do que a nós caberia a responsabilidade oua glória das conseqüências que de fato se podem originar.

Reconheço que a questão financeira domina, nomomento, todas as outras, e exige esforços ingentes por partedaqueles a quem cabe resol vê-las; reconheço também que éda dita questão que depende o futuro da nossa pátria e asegurança da República, cu jos inimigos dia a dia mais seempenham na faina de desacreditá-la, empregando para isso osmeios mais inconfessá veis. É justamente dessa campanha dedescrédito e mais dela do que mesmo dos nossos embaraçosfinanceiros que pro vêm as maiores dificuldades que, nestemomento, assoberbam a República e particularmente ao seugo verno.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 187

13 Estava discu ção a lei sobre a f finan ira, proj to muito combatido

Page 185: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Não devo ir ao encontro do modo de ver de V. Exª;respeitando as suas idéias e os seus escrúpulos, não dese jandomesmo contribuir para que o seu nome e a sua reputaçãosejam pre judicados por mera solidariedade com os meus atos,nessa complexidade de embaraços que nos cerca, aceito aexoneração pedida por V. Exª a quem, com a maior sinceridade,agradeço a dedicação e, sobretudo, a honradez com quesempre me auxiliou na gerência da pasta da Fazenda.”

Malgrado a insinuação maliciosa do último período, vê-se quea carta de Floriano fazia justiça ao seu auxiliar. Rodrigues Alves deve tersentido alí vio com a resposta do presidente pois, segundo confidenciouà família, hou ve momentos, naqueles dias, em que pensou ser preso porordem do presidente.

 Antes de ser nomeado, Serzedelo Correia procurou Rodrigues Alves para se aconselhar. O ministro demissionário instou com osucessor para que aceitasse o cargo, pois espera va da boa influênciaque pudesse exercer sobre o Marechal. Pro va velmente a pedido deSerzedelo, Rodrigues Alves redigiu para ele, no dia em que se afastou,uma série de esclarecimentos e sugestões que pudessem ser vi-lo nasno vas funções. Eis alguns tópicos:

Em mãos dos Rothschild, em Londres, o Tesouro dispunhado saldo de 592.281 libras, mas os compromissos para setembro iam de860.500 esterlinos. Enquanto se não realizasse a con versão das apólices,em discussão no Congresso, poder-se-ia utilizar, em fa vor dos agentesingleses, do saldo aproximado de 280.000 libras existentes no Tesouro. Além disso Rodrigues Alves, por cautela, ha via tomado, nos últimosdias, cambiais de exportação no valor de 150.000 libras e tinha possibilidadede recolher novas di visas com os saldos da alfândega de Santos. O câmbioencontrava-se em alta, e assim continuaria, se prosseguisse a saída da safrade café.

O documento continua com o relato da situação dos bancosemissores, que o ministro não pudera regularizar. Só um deles, o Banco daRepública, de via 900.000 libras ao Tesouro, de garantias para suas emissões,além de 450.000 que ficara a de ver na praça de Londres, de saques venci-dos e não pagos. O Banco de Crédito Popular era de vedor ao Tesouro de1.300000 libras. Esta va com o crédito muito comprometido, e tinha mudado

188 Afonso Arinos

Page 186: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Os lucros cambiais de viam ser aplicados, em parte, no resgate dasemissões, e em parte em fortalecer as caixas dos bancos para ele vação docrédito. Mas isto só seria possí vel com a extinção das emissões bancárias.

Depois de abordar outros assuntos, Rodrigues Alves reafirmaas suas idéias: a encampação das emissões bancárias, o fim do pri vilégiodos bancos emissores (que já ha via decretado) e um plano sério (“sériomesmo”, insiste) de economia, inclusi ve em di visas, eram medidas quele vantariam a situação, a qual não era desesperada, como pretendiam“os inimigos e mesmo o maus amigos da República”.

 Apesar das circunstâncias que cercaram a sua retirada, Rodrigues Alves nunca fez oposição a Floriano, nem, segundo é de nosso conheci-mento, a ele se referiu como a um desafeto.

Durante sua permanência no ministério, foi solidário com asmedidas que o Marechal considera va necessárias à sustentação daordem. A 13 de abril de 1892 assinou, com os demais ministros, odecreto que punia os implicados na tentati va de sedição do dia 10, entreos quais se encontra vam militares como Wandenkolk e Almeida Barreto;parlamentares, como Seabra; capitalistas, como o Conde de Leopoldina eescritores como José do Patrocínio, Pardal Mallet e Ola vo Bilac.

Essa solidariedade permaneceu quando Rodrigues Alvesentrou para o Senado. Dias depois do irrompimento da re volta na val, naBaía de Guanabara, ele foi um dos signatários do manifesto dos quinzesenadores, documento de rigoroso apoio ao go verno e violenta condenaçãodos re voltosos.

Demitido, Rodrigues Alves seguiu para Guaratinguetá, onderetomou suas ati vidades pri vadas, sem descurar dos interesses políticos locais.

Sobre essa fase de sua vida, as memórias de Serzedelo contêmum tópico que deve ser recordado. Serzedelo, suspeitado de ligaçõescom a Re volta da Armada, foi preso na Casa de Correção, por ordem deFloriano. Escre veu a propósito:

“Preso, demitido do Exército e de lente, sem um vintémpara dar de comer à minha mãe e uma irmã, devi à caridadede Pais de Car valho, de Ferreira Ramos, de Gaffré, Buarquede Macedo e do eminente e bondoso Rodrigues Alves, que veio expressamente de São Paulo oferecer-me dinheiro e tudoque precisasse, recursos que não tinha. De vido a isso não

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 189

Page 187: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo Terceiro

Senador por São Paulo – Ministro da Fa zenda dePrudentedeMorais – Senador por São Paulo.

SENADOR POR SÃO PAULO

De agosto de 1892 a março de 1893, Rodrigues Alves ficousem posição política.

Em janeiro de 1893, Prudente de Morais, em carta a Bernardinode Campos (ele vado ao governo de São Paulo), sugeria que Rodrigues Alves fosse feito deputado federal, na vaga do próprio Bernardino. Afinal obte ve ele coisa melhor. A 23 de março daquele ano, os chefesdo PRP o fizeram eleger senador por São Paulo, a fim de terminar omandato de Rangel Pestana, o qual ha via renunciado para assumir oposto de presidente do Banco da República do Brasil, instituto semi-oficial,resultante da fusão dos Bancos do Brasil e da República e antecessor doatual Banco do Brasil.

Reconhecido e proclamado a 9 de abril pelo vice-presidente doSenado, Prudente de Morais, e empossado a 11 de maio, Rodrigues Alvesfoi eleito para a Comissão de Finanças, cuja presidência passou a exercer.

Sua ação como senador, durante aquele ano, desen vol veu-sesempre (tal como acontecera na Câmara) no trato de matérias finan-ceiras e econômicas.

 A cena política esta va no entanto, con vulsionada. A oposição

Page 188: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

se espalhara pelo Sul do país. Na tribuna da Câmara, Epitácio Pessoa, no Jornal do Brasil, Rui Barbosa, foram, em 1893, os extraordinários comba-tentes em fa vor da liberdade, do poder ci vil e das nossas tradições decivilização.

Rodrigues Alves, enquadrado no esquema oficial, dele nãoousa sair. Limita sua ação de senador a estudar e discorrer sobre osassuntos da Comissão de Finanças, a que pertencia.

Quem ler os seus discursos de 1893 tem a impressão de que oBrasil vi via em plena normalidade política.

Ocupou a tribuna por várias vezes, estudando assuntos tribu-tários, combatendo concessões de estradas de ferro, condenando pri vi-légios fiscais a empresas pri vadas, discorrendo (com grande proficiên-cia) sobre tarifas ferro viárias, pleiteando a criação de uma alfândega nacapital do seu Estado. Nesses discursos, voltam-lhe manifestações deentusiasmo pelo progresso paulista, que fazem lembrar os seus temposde deputado pro vincial. Alude, com efeito, ao progresso “vertiginoso,extraordinário, estupendo” de São Paulo; refere-se às no vas plantaçõesde café, às grandes fábricas que esta vam sendo instaladas. Elogia os esforçosdo go verno estadual para, sem auxílio da União, conseguir “a torrenteprodigiosa da imigração”.

São Paulo cria va um novo tipo de político republicano, e esteera o conselheiro do Império. Rodrigues Alves, senador, era o mesmoenérgico propugnador do desen vol vimento nacional que já se re velarano deputado pro vincial e que atingiria a glória na presidência da Repú-blica. Era o representante genuíno da nova burguesia em ascensão; ohomem que se prepara va para, dentro de poucos anos, vir colocar oBrasil no século XX.

Embora não se ocupasse de política no exercício do seu man-dato, Rodrigues Alves não deixa va de se interessar por ela fora do palá-cio do Conde dos Arcos.

De 11 de abril de 1893, por exemplo, é uma carta sua aBernardino, em que punha o amigo a par de uma con versa com Florianosobre o desen vol vimento da guerra ci vil no Sul. Alerta va o presidente deSão Paulo para a impressão corrente de que o Estado não esta va

192 Afonso Arinos

Page 189: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

em pacificação, mas o Marechal não queria aceitá-la, senão em posição deforça, depois de uma vitória importante das armas legais. Em certo trechoobser va va:

“Não encontrei-o [sic] com grande firmeza na pala vra,mas sempre o conheci retraído e meio hesitante [....]. Acheino Rio a opinião muito inclinada aos federalistas: a opinião, jáse vê, da Rua do Ou vidor, animada pela imprensa da tarde egrande parte pela da manhã. O que, porém, mais me aborre-ceu foi que, entre os amigos do go verno, não encontrei muitoentusiasmo; usaram mesmo uma linguagem de esfriar a gente. A mais de um repro vei esse mau vezo.”

 A última vez em que Rodrigues Alves discursou naquela ses -são foi em defesa de sua gestão na pasta da Fazenda, que fora ob jeto decríticas na Câmara. Seu extenso discurso é uma explicação cabal de todosos atos que ha viam sido ob jeto de apressada e mal informada censura.

Em 1894, hou ve reno vação do terço do Senado. Em SãoPaulo o senador cessante era Rodrigues Alves, que foi reeleito para omandato de nove anos, conforme a Constituição de 1891.

Reconhecido e proclamado na sessão preparatória de 3 de maio,prestou compromisso a 9 do mesmo mês. Entre os seus colegas conta- vam-se João Barbalho, de Pernambuco; Quintino Bocaiú va, do Estado doRio; Saldanha Marinho, do Distrito Federal; Cristiano Otôni, de MinasGerais; Leopoldo de Bulhões, de Goiás; Rui Barbosa, da Bahia; Gomes deCastro, do Maranhão; e Pinheiro Machado, do Rio Grande.

 A bancada de São Paulo era composta dos três futuros presi-dentes da República: Prudente, Campos Sales e ele próprio. A fechadaaristocracia republicana paulista consolida va-se nas posições.

Reeleito presidente (vice-presidente) da casa, Prudente resig-nou por já estar eleito presidente da República e caber à mesa do Senadoparticipar da apuração das eleições presidenciais. A presidência foi entãopara Ubaldino do Amaral, republicano histórico do Paraná.

 A mensagem de Floriano, lida a 7 de maio, é um documentopolítico impressionante. Toda ela ressuma paixão e mesmo ódio mal

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 193

Page 190: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 PrudentedeMorais, o grandelíder paulista.Re vista Ilustrada. Coleção Plínio Doyle

Page 191: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rodrigues Alves, que saíra do go verno nas condições járelatadas, conser vou-se durante todo o ano em absoluta discrição.Indicado para a Comissão de Finanças, é assíduo às sessões mas nãofala. Não profere um só discurso em plenário durante todo o ano de1894. Procede no Senado como já procedera na Constituinte. Apaga-se.

Campos Sales, ao contrário, freqüenta assiduamente a tribuna.Como Prudente se licenciara, pode-se dizer que ele é a bancada paulistano Senado.

Em abril, sendo já Prudente presidente eleito, JoséCarlos Rodrigues, pre vendo a influência futura do senador paulista, con vi-dou-o para o posto de redator-chefe do Jornal do Comércio. O mais impor-tante órgão da imprensa carioca encontra va-se então sob ameaça deFloriano. O Marechal, inconformado com a atitude independente dodiário, considera va-o hostil ao seu go verno e dava inequí vocas demons-trações dessa má vontade. Foi receando o pior que José CarlosRodrigues apelou para Rodrigues Alves. Apesar da recusa deste, a simplesnotícia de que fora con vidado para o posto – foi o que se disse na ocasião– impediu Floriano de le var a efeito alguma violência contra o jornal.

 A recusa de Rodrigues Alves ficou expressa na seguinte carta,datada de 11 daquele mês, de Guaratinguetá:

“Il.mo Amigo Dr. Rodrigues,Recebi sua carta de 4 agradecendo muito as expressões de

bondade com que me obsequia. Con versei com o seu sobrinhoa respeito do assunto da sua carta. A incumbência que me querconfiar, exagerando merecimentos que não tenho, apresenta difi-culdades que creio não poder vencer. Temo principalmente que,em vez de auxiliar o go verno do Dr. Prudente, a aceitação doposto que me quer dar no Jornal aguce mais as desconfianças ouantipatias que há, como sabe, contra os paulistas, o que seriapara mim muitíssimo desagradá vel. Aquelas dificuldades sei quepodem ser resol vidas pelo esforço e pelo trabalho; estas não. Vou ou vir dentro de poucos dias o Dr. Bernardino e mais doisamigos de São Paulo, com a reser va necessária, e expor-lhes asdú vidas que tenho quanto a esta última parte. Se os amigos

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 195

Page 192: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

aumentar ou criar desconfianças contra nós, ou contra o go ver-no esperado do Dr. Prudente, compreende bem qual deve ser aminha atitude [....]. Con versei muito com seu sobrinho e ele lhetransmitirá as expressões da nossa con versa. O nosso grandepaís, espero cheio de confiança, há de ter bre vemente o seu pe -ríodo de sossego, de paz e garantias para todos.”

Não se engana va o senador. Prudente, le vando avante a políticade conciliação, conseguia, depois de muito esforço, fazer a paz no Sul.

No Senado, Rodrigues Alves compareceu às sessões até o dia13 de no vembro, ante véspera da sua posse no ministério da Fazenda,que veio no vamente ocupar, tendo renunciado ao seu mandato de senadorno dia 15.

Prudente se empossou como presidente no mesmo dia, peranteo Congresso, em cerimônia de marcante simplicidade.

 A eleição direta do novo chefe de Estado era uma experiênciasem precedentes no Brasil, desde os tempos da Regência, à qual foi,como bem lembrou Nabuco, um ensaio de república.

Para construir o poder ci vil organizara-se o Partido Republi-cano Federal, organização de cúpula, bastante heterogênea. Sua con - venção, que de veria contar quarenta e dois delegados (dois por unida-de federada, inclusi ve o Distrito Federal), só reuniu vinte e sete, poissete Estados, entre os quais dois grandes, Minas Gerais e Rio Grandedo Sul, não se fizeram representar.

Prudente não deixou de encontrar resistência, bem como oseu companheiro de chapa, o baiano Manuel Vitorino. Na con vençãosurgiram os nomes de Lauro Sodré (florianista), Afonso Pena e RangelPestana. Lauro Sodré, a partir desse momento, foi sempre um ressenti-do político. Sua hostilidade aos paulistas re vela va-se pela oposição aPrudente e chegou até a re volução, contra Rodrigues Alves. Sodrérepresenta va bem o militarismo ditatorial e positi vista da propaganda.Manuel Vitorino foi outro ressentido. Sua vitória na con venção deu-sepor apenas um voto. No pleito, Prudente teve 290.000 votos redondos,contra mais de 52.000 distribuídos entre vários candidatos. Destes o

196 Afonso Arinos

Page 193: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Con vidado para integrar o go verno, Rodrigues Alves resignouà cadeira de senador no princípio do mandato. Por mais duas vezes viriarepresentar São Paulo na câmara alta.

MINISTRO DA FAZENDA DE PRUDENTE DE MORAIS

O go verno de Prudente de Morais ficou assim constituído:Exterior, Carlos de Car valho; Interior e Justiça, Gonçal ves Ferreira;Fazenda, Rodrigues Alves; Viação, Antônio Olinto; Guerra, GeneralBernardo Vasques; e Marinha, Almirante Elisiário Barbosa. O prefeitodo Rio de Janeiro foi o médico Furquim Werneck, florianista nomeadopor influência de Francisco Glicério.

Os meios políticos contrários a Floriano recebera Prudentecom expectati va simpática, mas confiança moderada. Corria como certoque a eleição de Prudente resulta va de um acordo entre os republicanoscastilhistas do Rio Grande e os históricos de São Paulo, com vista à sus -tentação de Júlio de Castilhos, naquele Estado. A subida de um ci vil eraponto fa vorá vel, mas esse ci vil tinha compromissos com o jacobinismoflorianista. Enquanto Floriano foi vivo, perdurou a equí voca situação. Pru -dente não tinha força para enfrentar, como con vinha, os inimigos da lealda-de, quando os amigos desta eram acusados de restauradores e sebastianistas.Muitos antigos monarquistas ha viam aderido à república, mas eram sem -pre suspeitos de infiéis. O jornal de Quintino, O País, alimenta va talsuspeição com a autoridade do respeitado chefe. Por outro lado os anti-florianistas não escondiam suas preferências pelos federalistas. No Sul,Prudente era acoimado de fraco, de indeciso, às vezes de hipócrita.“Prudente de Mais” era como o chama vam. Por vezes via-se rudemen-te atacado por diários como aGa zeta deNotícias, de Ferreira de Araú jo,ou semanários como o D. Quixote, de Angelo Agostini. A primeira men-sagem que en viou ao Congresso, em maio de 1895, foi recebida debaixode vaia pelos antiflorianistas.

Por tudo isso, no princípio do quatriênio, o aspecto dramático

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 197

Page 194: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

liquidação da guerra ci vil; a afirmação do poder constitucional do presiden-te contra os restos do militarismo; o dissídio entre Prudente e a liderançado Congresso; o choque entre ele e o vice-presidente. Todos estes fatospro voca vam, desde o começo de 1895, grande agitação no meio político,que às vezes descamba va para desordens e violências nas ruas, com agres -sões a jornais ou pessoas consideradas antiflorianistas, ou antimilitaristas.

 A situação política era, na verdade, muito confusa. Prudente,dese joso de pacificar o Rio Grande, onde se aprofunda va a re volução,desperta va a oposição de Castilhos, empenhado no extermínio dos ad - versários, e de muitos grupos ci vis e militares, que tira vam vantagenscom os grandes dispêndios que o go verno federal fazia no Estado para aba -far a guerra ci vil. No Rio jornais florianistas ataca vam Prudente, principal-mente Quintino Bocaiú va, em O País, jornal que redigia sub vencionadopor Castilhos. A imprensa contrária a Floriano, por sua vez, não poupa- va o presidente, acusando-o de tibieza. Só a morte do marechal veio, na verdade, consolidar o poder ci vil. No crepitar das agitações, escondia-sea administração econômico-financeira. No entanto, era nesta que reper-cutiam as crises política e militar.

Procuraremos indicar os processos adotados para enfrentá-la,atra vés da ação de Rodrigues Alves e do seu sucessor na pasta da Fazenda,Bernardino de Campos, ação que veio culminar (com rigor tal vez excessi vo)na política de Campos Sales e Joaquim Murtinho, no quatriênio seguinte.

Os excessos emissionistas e as insurreições armadas do come-ço da República1  encontra vam contrapartida fa vorá vel ao Brasil no incre-mento constante do valor ouro de suas exportações, principalmente ocafé. Por sua vez, essas exportações (que, como vimos, eram uma dascausas do otimismo re velado por Rodrigues Alves no seu relatório de1893) decorriam de circunstâncias benéficas então vigentes no exterior.Com efeito, o aumento da população européia e a melhoria dos seus ní- veis de vida permitiam um acréscimo no consumo do nosso produtobásico; para isto também concorriam a melhoria dos transportes transa-

198 Afonso Arinos

1 Dunshee de Abranches informa que as despesas com a revolta naval, nos governosde Floriano e Prudente, foram maiores do que os gastos que o Império fez na

Page 195: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

tlânticos e ferro viários no Brasil, bem como o incremento da imigraçãorural, igualmente assinalado por Rodrigues Alves.

Mas, concomitantemente, outro fator de influência foi se ins -talando no sistema econômico brasileiro: a presença do capital estrangeiro,representado pelos bancos e firmas exportadoras, que, em bre ve, iamtomar praticamente conta do nosso mercado internacional, ditando suasleis nem sempre coincidentes com os interesses do país.

Foram esses especuladores estrangeiros, que joga vam na baixados preços do café e das taxas de câmbio, o principal obstáculo com o queo go verno brasileiro teve de lutar, luta que terminou na meia capitulação do funding. No resumo que a seguir se fará do desen vol vimento desse pro -cesso, será acompanhada sobretudo a ação de Rodrigues Alves.

Os problemas mais gra ves com que se defrontou, logo depoisda posse, foram o resgate do papel-moeda, a con versão das emissões de tí -tulos oficiais e as indenizações reclamadas pelos bancos emissores, por cau-sa da cessação, por ele determinada em 1892, do seu direito de emitir.

Internamente, os recursos do Tesouro eram insuficientes. Namensagem que en viou ao Congresso, em maio de 1895, Prudente histo-riou a situação financeira encontrada ao assumir o go verno. Pela lei deorçamento, votada em dezembro, recebera autorização para negociaroperações de crédito, o que fez con vencionando com a Casa Rothschildum empréstimo de dois milhões de libras, com garantia de bônus doTesouro, emitidos ao tipo de 97 e juros de 5%. O pagamento seria emtrês prestações a curto prazo. Em fe vereiro de 1895, Rodrigues Alvesteve permissão de lançar um empréstimo interno em apólices, no valornominal de um conto, emitidas a 95% com juros de 5%. Esse empréstimodestina va-se ao resgate do papel-moeda emitido por Floriano. A confiançaera grande, pois o empréstimo foi coberto duas vezes. Começou, então, oresgate do papel, sendo desde logo retirada a soma de 20.000 contos.Como se vê, o ministro da Fazenda não perdeu tempo para atuar comenergia.

Quatro trabalhos fundamentais de Rodrigues Alves elucidamos áridos e complexos problemas que lhe foram entregues: a exposiçãosobre as reclamações dos bancos, apresentada a Prudente de Morais em8 de fe vereiro de 1895; a exposição de moti vos de 14 de março, sobre o

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 199

Page 196: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Já como ministro da Fa zenda dePrudentedeMorais,surgemas primeiras caricaturas emqueRodrigues Alves éapresentado como

dorminhoco. Revista Ilustrada.Coleção Plínio Doyle

Page 197: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

mesmo ano, e o último relatório, remetido ao chefe do Estado em 1896,antes que deixasse a pasta por ato de Manuel Vitorino.

Não caberia no plano desta biografia pormenorizar os aspec-tos técnicos, clara e minuciosamente expostos pelo ministro nos referi-dos trabalhos, re veladores da sua aplicação à tarefa e do honrado zelocom que defendia, sempre, o interesse público contra as descabidas pre -tensões de homens de negócio, entre os quais não poucos eram seusconterrâneos. Recorde-se que Rodrigues Alves, então com quarenta esete anos, esta va em plena maturidade intelectual e com suficiente expe-riência de vida pública, o que, sem dú vida, contribuía para o desempe-nho das difíceis e perigosas incumbências da sua pasta.

O resgate do papel-moeda foi autorizado pelo referido Decretonº 1.976, de 25 de fe vereiro de 1895. Esse decreto foi seguido do denúmero 1.987, de 14 de março, que estabeleceu o processo de recolhimen-to da moeda-papel, à medida da emissão das apólices.

 A con versão das apólices da dí vida pública, emitidas paragarantir as emissões bancárias, ha via sido regulada pela Lei nº 183-C, de23 de setembro de 1893, sendo ministro da Fazenda Felisbelo Freire,que sucedera a Serzedelo Correia, incompatibilizado com Floriano.

Rodrigues Alves expôs a Prudente os pre juízos que o sistemapre visto na lei acarreta va, sendo que a própria interpretação desta, se -gundo demonstra, era muito obscura. “Nunca fui simpático ao mecanis-mo adotado para a con versão, sal vo o respeito ao poder que o decre-tou!” – afirma ele no relatório de 1895.

Coisa mais difícil era resol ver as exigências dos bancosemissores, por causa dos tipos de pressão que eles podiam exercer junto ao poder público. Nesse particular, o relatório de 1895 re ves-tiu-se de grande energia e completa franqueza. Salientou como “dealteração em alteração, de concessão em concessão” o plano de RuiBarbosa, expresso no decreto de 17 de janeiro de 1890, foi sendodesfigurado em pro veito dos bancos. Mostrou como os pedidos queagora faziam (pedidos que nem uniformidade tinham) “eram exage-rados; cada um dos bancos encaminha va as suas alegações no sentidode justificar o quantumpretendido, sem se preocupar com a situação

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 201

Page 198: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O Visconde de Ouro Preto, no seu li vro A Década Republicana,publicado já no go verno de Campos Sales, transcre ve precisamente essecora joso trecho do relatório de Rodrigues Alves. De passagem podemossalientar que, de todos os ministros da Fazenda da República, é a eleque Ouro Preto trata com maior respeito.

No relatório, Rodrigues Alves demonstra longamente, comapoio em cifras, aquela afirmati va para concluir:

“Exposta, assim, a questão em termos simples e claros,conhecer-se-á a improcedência da argumentação dos bancos ecomo os seus cálculos estão em desacordo com as disposi-ções da lei a que se socorrem, para pedir a indenização que julgam ser-lhes de vida.”

Os bancos regionais emissores, não se conformando com ase veridade do ministro, pediram que suas reclamações fossem encami-nhadas ao Congresso, onde espera vam tal vez obter maior êxito, atra vésdos grupos de pressão que sempre se formam nesses casos.

Rodrigues Alves assentiu ao pedido, en viando a matéria à de -cisão do Legislati vo.

Na sessão de 1895 a Câmara apro vou pro jeto regulando de for -ma muito incon veniente a matéria. Esse pro jeto foi re jeitado pelo Senadoem 1896, ha vendo a câmara alta preparado, pela sua Comissão de Finanças,outro pro jeto mais próximo do pensamento de Rodrigues Alves.

Por esse último pro jeto (apresentado na sessão de 1º de agosto)o Tesouro Nacional assumiria a responsabilidade exclusi va dos bilhetesbancários em circulação, passando a pertencer-lhe os lastros garantidoresrespecti vos. Esses bilhetes seriam substituídos por notas do Tesouro.Paralelamente, extinguia-se o monopólio emissor do Banco da Repúblicado Brasil,2 concedido pela lei de 23 de setembro de 1893. Eram as teses doacordo entre o Tesouro e o Banco, firmado no mesmo ano, como veremos.

 202 Afonso Arinos

2 O Banco da República do Brasil, às vezes chamado somente Banco da República,havia sido instituído por decreto de 17 de dezembro de 1892, através da fusão dedois outros estabelecimentos abalados pelo Encilhamento: o Banco da República

Page 199: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rodrigues Alves, desde a sua primeira gestão na pasta, as defen-dia, sendo que foi expressamente declarado na discussão no Senado (pelosSenadores Gomes de Castro e Leopoldo de Bulhões) que o pro jeto fora“apresentado com perfeita e continuada audiência do ministro da Fazen-da”. Obser ve-se que o presidente da República, na mensagem en viada aoCongresso, em maio daquele ano, incluía também um tópico fa vorá vel àoperação pre vista no pro jeto. Apro vado este, na sessão de 22 de agosto,foi logo en viado à Câmara, onde sofreu tormentosa discussão.

 A Comissão de Finanças, a 26 de no vembro, introduziu nopro jeto artigos relati vos ao resgate do papel-moeda, mediante arrendamento(inclusi ve a estrangeiros) das estradas de ferro nacionais. Contra essamedida não pre vista, e em desacordo com a decisão anterior do go verno,levantou-se a indomá vel eloqüência do Deputado Barbosa Lima.

 A 1º de dezembro ele proferiu longo e admirá vel discurso, verdadeiramente pioneiro, por defender os trabalhadores e os interessesnacionais. Há nessa peça oratória trechos como este:

“Ao passo que um número relati vamente pequeno, aburguesia, tem o supérfluo, o operário sente a falta do neces-sário, estando, por assim dizer, acampado no seio da socieda-de moderna.3 Vindo ao caso brasileiro, obser varei que, uma vez arrendadas a empresas, seguramente estrangeiras, passa-rão ao regime, que, pela ganância sórdida e lucros seja lácomo for, produz na Europa os males a que aludi, determi-nando as greves, cada vez mais freqüentes. Ninguém terádúvidas que quatro quintos desse pessoal será da noite para odia despedido, e que o quinto restante será naturalmentesubstituído na sua maioria pelo elemento alienígena.”

 Apro vada a 4 de dezembro, foi a sugestão da Câmara confirma-da pelo Senado no dia 7, ficando des virtuado, assim, o pensamento do go - verno e confirmadas as pre visões dos que espera vam maior tolerância doCongresso para com os interesses pri vados. O Visconde de Ouro Preto criti-ca, com razão, no li vro citado, a fraqueza do Congresso, ao atender aos ban -cos emissores nos seus interesses não amparados pela lei anterior.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 203

Page 200: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Naquele ano de 1895, a crise financeira agra vou-se princi-palmente por causa do aumento das importações feitas pelo comércio, paraescapar às no vas tarifas alfandegárias, pre vistas na lei de orçamento. Foientão o go verno le vado a contrair novo empréstimo, desta vez bemmais vultoso e em piores condições, com os Rothschild. Montou a opera-ção a 6 milhões de libras, tipo 85,4 e, segundo Prudente, “foi realizadapara o fim de acudirmos ao pagamento do empréstimo anterior de 2 mi -lhões de libras e ficarmos habilitados a satisfazer os nossos compromissosno exterior”. Na verdade, nem o resgate do papel-moeda, nem a satisfa-ção dos compromissos puderam ser alcançados.

 A República não conseguia desprender-se do círculo viciosofinanceiro que lhe legara o Império. Déficits orçamentários, emprésti-mos externos, aumento de compromissos, no vos empréstimos. Tristecondição que resulta va na satisfação dos credores e na diminuta aplica-ção no nosso desen vol vimento.

 Ve jamos, agora, como decorreram certos aspectos da luta dogo verno, para a sustentação do câmbio.

 A 14 de setembro de 1895, Rangel Pestana solicitou demissãodo cargo de presidente do Banco da República do Brasil. Sua carta, depoucas linhas, é seca, e denota séria di vergência com Rodrigues Alves.Dirige-se ao “Exmº Sr. Ministro da Fazenda”, sem sequer mencio-nar-lhe o nome. Termina com a seguinte frase: “Dese jo que o pedidoseja considerado renúncia do cargo, guardando assim os de veres de cor -tesia e respeito. Saúde e fraternidade.” Nem uma pala vra de estima ouconsideração para com o companheiro que o ha via substituído no Sena-do, quando ele foi para a direção do Banco. Parece que o desentendi-mento foi suscitado por uma sugestão, de Rangel Pestana a Rodrigues Alves, no sentido de se liquidar, por meio de operações contábeis, aconta de lastro do Tesouro, a fim de que, no balanço, o ati vo do Bancosaísse fortalecido. Há uma carta de Rangel Pestana com essas idéias, do-cumento amistoso, mas não se encontra datada. Possi velmente o minis-tro não terá aceito a proposta e daí o pedido de demissão.5

Fernando Lobo, vice-presidente do Banco, acompanhou RangelPestana, demitindo-se no dia 16. Fê-lo em missi va discreta, porém cordial,

 204 Afonso Arinos

4 O que elevava o montante real da dívida de 7.442.000 libras.5 Muitos anos depois Nereu Rangel Pestana filho do republicano histórico, escreveu contra

Page 201: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

a qual Rodrigues Alves respondeu, lamentando que ele não dese jassecontinuar no posto, como queria o go verno. Outro diretor também seafastou, Antônio de Lima Castelo Branco, este por meio de longa,afetuosa e explícita carta ao ministro.

Por proposta de Rodrigues Alves, Prudente nomeou AfonsoPena para substituir Rangel Pestana. Com o velho amigo e colega enten-der-se-ia perfeitamente o ministro, na tarefa comum.

 A carta de con vite, datada de 18 de setembro, é a seguinte:

“Pena:O Dr. Rangel Pestana pediu demissão do cargo de

presidente do Banco da República e insiste por ela. Lembra-mo-nos de você para substituí-lo. A presença naquela casade um homem de caráter, de força de vontade e de reconhe-cida competência alentará a instituição, ele vando-se a me -lhor ní vel. Será você, ao mesmo tempo, um auxiliar muito valioso para o go verno e um conselheiro para o ministro daFazenda, no meio das grandes dificuldades que conhece.

 Você tem aqui morado sempre e as condições sanitáriassão muito boas. Acresce que ficará perto do urbi mineiro, quepoderá freqüentar à vontade e ajudar-nos até quando puder.

O Dr. Prudente tem em tão alta conta o seu concurso,porque conhece as grandes qualidades que você possui, que teráum grande prazer quando eu lhe comunicar que você anuiu aosseus dese jos e aos meus.

Tenha paciência. Se é um grande sacrifício, faça-o a bemdo país, que já deve tanto a você e tanto espera ainda do seuconcurso.

 Aqui nada de novo. Abraços. Responda logo ao amigo velho.”

 Afonso Pena deixara ha via pouco a presidência de Minas, aqual fora ele vado em 1893, pela renúncia de Cesário Alvim, forçada porFloriano.

Suas relações com o ministro eram, já o vimos, antigas e estreitas.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 205

Page 202: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Alves salientara na carta que lhe escre veu quando se demitiu de ministro deFloriano.

Como todo mineiro, preca vido, Pena recea va a febre amarelado Rio, mas o amigo tranqüiliza va-o. Era difícil recusar o sacrifício.

O problema principal, no momento, era a liquidação das contasentre o Tesouro e o Banco.

Parece que desde 1892 Rodrigues Alves pensa va em utilizaro então Banco da República como auxiliar do go verno, na tarefa dosaneamento financeiro. Com efeito, de 12 de dezembro daquele ano éuma carta sua a José Carlos Rodrigues, escrita do gabinete de Floriano,pedindo a atenção do poderoso jornalista para a in justa campanha que,na Europa, se fazia contra o crédito do Banco.6 Quando se achou pelasegunda vez na pasta, o ministro pôs logo mãos à obra.

Começou-se pela reforma dos estatutos do Banco, sendo osno vos apro vados pelo go verno a 8 de março de 1896. A 19 de maio, as -sinou-se o acordo entre o Tesouro e o Banco, representado aquele pelodiretor do contencioso e este por Afonso Pena (o Banco, no documen-to, já é chamado apenas Banco do Brasil). Eis algumas das condições dotrato, que pode ser considerado a liquidação final do Encilhamento:extinguiu-se a faculdade emissora do Banco, passando ao Tesouro a res -ponsabilidade das notas e a posse do lastro respecti vo; o Banco reco-nhecia sua dí vida para com o Tesouro no valor perto de 160.000 contosem papel e mais 574 mil libras-ouro; por conta dessa dí vida, o go vernorecebia imó veis (inclusi ve a sede atual do Banco no Rio de Janeiro), títu-los vários, dí vidas numerosas a liquidar, vapores em construção e outros valores. Entre os imó veis esta vam casas do Conselheiro Mayrink e oSanatório de Barbacena. O Palácio do Catete (que também pertencera aMayrink) já ha via sido recebido antes, mas o acordo fez menção deobras de reparos e decorações no mesmo.

O con vênio entre o Tesouro e o Banco ha via sido precedidopelo decreto legislati vo de 16 de dezembro de 1895, complementado

 206 Afonso Arinos

6 Essa carta, constante do arquivo de José Carlos Rodrigues, é curiosa. Rodrigues Alves não era mais ministro, desde agosto. O papel timbrado indica que Florianoo chamara a palácio. Outro pormenor: o Banco da República estava em vias de

Page 203: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

por um regulamento expedido pelo ministro. Essa lei organiza vatodo um rigoroso sistema, fundado na experiência alemã e destinadoa coibir a especulação cambial. Mas não teve êxito, como salientouOuro Preto. Falta vam ao go verno os elementos efeti vos para deter aespeculação.

Em nota não datada, num dos seus cadernos, Rodrigues Alvesmanifesta a opinião de que o acordo sobre o Banco “é seguramente umdos fatos mais culminantes da história financeira da República e que muitohá de contribuir para o le vantamento das finanças nacionais”.

 A propósito, existe outro minucioso depoimento de Rodrigues Alves, constante de um dos seus cadernos de notas, que vamostranscre ver, porque re vela não somente a segurança com que ele cuidavados negócios da sua pasta, como também o cuidado que tinha em sedocumentar, visando ao futuro. A anotação é de 1913, quando Rodrigues Alves se encontra va na presidência de São Paulo, e reporta-se a umacrítica do Senador Pinheiro Machado, que era hostil aoex-presidente da República, e partidário insatisfeito da inter vençãofederal no Estado a que ele agora presidia. Diz o seguinte:

“Na sessão de 30 de dezembro de 1913, no Senado,defendendo a caixa de con versão e respondendo ao Dr. Leopoldode Bulhões, o Senador Pinheiro Machado disse o seguinte:

Sr. Presidente, nunca fui papelista. Lembro-me quequando presidente da República o venerando republicanoPrudente de Morais, sendo a situação financeira e econômicado país mais gra ve ainda do que a atual, ilustres políticosforam con vidados pelo ministro da Fazenda de então, o Sr.Rodrigues Alves, entre os quais creio que esta va o Sr. SenadorFrancisco Glicério, para al vitrarem um remédio àquela gra vís-sima situação. Então o Banco da República corria também orisco de falência e aquele ministro nos declarou categorica-mente que ha via duas soluções, ou deixar quebrar o Banco,ou emitir dinheiro sem lei. Opus-me tenazmente a essa emis -são, declarando que era preferí vel deixar quebrar o Banco. Ale -

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 207

Page 204: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

a República, porque o Banco tinha o seu nome. Lembro-mebem que fui vencido; mas apesar do meu protesto emitiu-sedinheiro para fa vorecer os acionistas do Banco da República.”

Continua o escrito de Rodrigues Alves:

“Não tenho idéia de ha ver o General Pinheiro Machadomanifestado aquela opinião na conferência a que se referiu. Pa -rece que quis falar de uma reunião celebrada a 29 de outubro de1895, na casa da Rua do Senador Vergueiro, no Rio. Das notasque tenho sobre essa reunião consta o seguinte: Fez o ministroda Fazenda a exposição do estado do Tesouro e da praça e pe -diu: a) a con versão dos bônus; b) a mobilização dos lastros; c)ampla autorização de crédito, podendo dar as garantias que en -tender para sua mobilização. Acha vam-se presentes os mi -nistros (menos o General Vasques) Glicério, Quintino Bo -caiú va, Gonçal ves Ramos, Artur Rios, Rosa e Sil va, JoãoCordeiro, Pinheiro Machado, Bernardino de Campos, Se - verino Vieira, João Lopes, Porciúncula e o Senador Este - ves, que se retirou ao começarem os trabalhos. O GeneralQuintino disse que a crise era mais política do que financei-ra e abundou em considerações para o pro var. Antes de fa -lar sobre as pro vidências indicadas, disse que todos tinhamo pensamento de dar ao go verno a força necessária paradominar a crise, podendo apenas di vergir quanto à nature-za das medidas. Na discussão, teve ob jeções a formularquanto aos bônus, quanto à mobilização dos lastros e mes -mo quanto à autorização lembrada; esta va pronto, porém, adar ao go verno o que fosse preciso. Não seria oportuno,perguntou ele, a criação de um novo banco emissor combase na propriedade predial desta capital? O Sr. Rosa e Sil - va aceita a idéia dos bônus; a da mobilização dos lastrosnão lhe agrada, mas votará, se for preciso. Dá a autoriza-ção. Com relação à Estrada de Ferro Central, a que se temfeito referência, disse que é contrário à venda ou arrenda-mento desse próprio, que pode, no entanto, ser vir degarantia a alguma operação de crédito. O Sr. Se verino mos -

 208 Afonso Arinos

Page 205: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

mas aceitará, por disciplina ou necessidade. É pela vendada Central. O General Pinheiro Machado7 disse que se devedar o que o go verno julgar preciso, para vencer as dificuldades.Depois de outras reflexões e largo debate venceu-se: a con versãodos bônus, a mobilização dos lastros, a autorização lata para crédi-tos e cobrança de 40% dos direitos de importação em ouro. Per -guntou, afinal, o Sr. Porciúncula se, com tais recursos, ficaria ogo verno habilitado de pronto a acudir às necessidades que surgis-sem. O ministro declarou que não; que no caso de uma corridacontra o Banco da República e outros estabelecimentos de crédito,a exemplo do que se deu na Caixa Econômica, só a pro vidência dalei de 1875, ele vada conforme as circunstâncias, poderiaconstituir remédio eficaz. Todos se declararam de acordo.Falou-se muito, durante a reunião, na conveniência de ser ogo verno partidário8 e de atender às exigências políticas do partido.Respondeu-se que outra coisa não tem feito o governo e que ha via dese manter nessa atitude.”

Obser va-se pelos apontamentos de Rodrigues Alves o caráter debarganha que os políticos empresta vam ao seu apoio ao go verno, em mo -mento de crise gra ve. O caráter “partidário” reclamado era um eufemismoque acoberta va ospoil systemdo presidencialismo nascente.

Rodrigues Alves enfatiza esse aspecto nas seguintes notasfinais:

“O General Quintino acentuou com muita insistência ocaráter político da crise, antes do que financeiro, e mostroua con veniência de ser dada aos negócios uma orientação par-tidária firme. Em certo momento, aludindo às dificuldadesda situação, disse que o choque contra o go verno ou a Re -pública tinha de se dar e que de víamos estar preparados.Não desen vol veu esse pensamento mas emitiu-o. O País dodia seguinte trouxe um editorial alarmante, manifestamentehostil ao go verno.”

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 209

7 Sublinhado no original.

Page 206: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

De pouco depois dessa reunião, sobre a qual Pinheiro Machadourdira tantas fantasias, é uma carta de Rodrigues Alves a Afonso Pena,que mostra como as manobras políticas continua vam a dificultar asmedidas financeiras do go verno.

 A carta é de 30 de no vembro, e diz o seguinte:

“Pena.Hoje recebi duas cartas suas, uma de 28 e outra de 30.

Estou de acordo quanto às obser vações gerais que você faz edisse tudo hoje ao nosso amigo Bulhões, pedindo-lhe queprocurasse dar outra orientação a outros negócios no Senado.

Felizmente você é experimentado na vida pública parasaber que certas ordens de argumentos não têm mais alcancena opinião.”

Pela carta vê-se que Rodrigues Alves pedia a Leopoldo deBulhões (então senador por Goiás e depois ministro da Fazenda do seugo verno) que esclarecesse o Senado sobre “certas ordens de argumentos”avançados por outros senadores, como Quintino Bocaiú va, a quem elese refere na nota acima transcrita.

 Voltemos à luta de Rodrigues Alves para sustentar o Banco.

Preparado o Banco do Brasil como instrumento de go verno,começou este a enfrentar os institutos bancários estrangeiros representadosno país, os quais agiam, não concertadamente, no propósito de auferiraltos lucros no jogo e na especulação cambial, sem atenção aos interessesda nossa economia.

Eram três esses bancos, um alemão e dois ingleses, e a elesnos referiremos mais adiante.

O trabalho do go verno se fazia por meio da estreita colabora-ção do diretor do Banco e do ministro da Fazenda, com a super visão dopresidente da República, conforme se depreende deste bilhete sem datade Afonso Pena:

“Meu caro Rodrigues Alves. Posso comparecer hoje à

 210 Afonso Arinos

Page 207: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

sua carta. Irei jantar com você,9 e depois seguiremos para aconferência no Itamarati.”

De 3 de junho (1896) são umas notas de Rodrigues Alves, apropósito da execução do acordo firmado entre o Tesouro e o Banco:10

“Con vém não demorar a realização do acordo com o Banco,pois é preciso fornecer ao Congresso dados positi vos sobre oquantum a aplicar anualmente para resgate do papel-moeda.Deve-se quanto antes iniciar o pro jeto que seja con veniente adotar,para execução das idéias lembradas no relatório sobre papel-moeda,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 211

9 A moradia de Rodrigues Alves era, naquela fase, o Alto da Tijuca. Tendo sofridouma crise de beribéri, foi aconselhado pelo médico a morar em clima puro e atomar banho de cascata (uma forma natural de ducha). O ministro da Fazendainstalou-se então no Hotel White, no Alto da Boa Vista, local que ainda possuía,naquele tempo, todo o encanto rústico da época em que ali morou e escreveu Joséde Alencar. Segundo informa Gastão Cruls, carioca amoroso da sua cidade, oHotel White ficava além do Alto “do lado direito da estrada em direção àsFurnas”. Diz ainda Gastão que o hotel era no ponto final da linha dasdiligências, que tomavam os passageiros dos bondes elétricos. A 25 de agosto arevista ilustrada D. Quixote, de Angelo Agostini, publicou esses jocosos versos, emque o refúgio do ministro era misturado com a queda do câmbio:

Desceu há dias o Rodrigues,Rodrigues Alves veio há dias,Lampeiro veio da Tijuca,Todo catita. Ai! Deus! Não brigues Assim meu bem! Assim machuca! Vinha liró... Musa, não rias!....................................................Descemos ambos, os dois descemos,Tu da Tijuca, eu dos meus nove; Ambos fizemos um bonito.De glórias ambos já vivemos!Sus! Financeiro de granito!Quem contestar que venha e prove!

10 O Itamarati ainda era a residência presidencial. O Catete, também chamado PalácioFriburgo, recebido pelo governo em pagamento de dívida do Banco, só começou

Page 208: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

aplicação da dí vida do Banco, etc. Urge igualmente resol ver atéque ponto con vém utilizar-se o go verno da autorização orçamen-tária de receber, em pagamento da dí vida, prédios do Banco daRepública. O Tesouro lucrará, recebendo pagamento e ali viandoas verbas do orçamento ordinário pela instalação dos ser viços emedifício próprio, e o Banco pela diminuição de suas responsabili-dades, o que redunda em elemento para fortalecer a confiança re -manescente. Penso que se deve apro veitar a alta pro vá vel que teráo câmbio no 2º semestre11 para que o Tesouro tome boa partedas cambiais de que por ventura venha a precisar no ano próximo,de modo a afastá-lo do mercado nos primeiros meses de 97.12 Ésabido que, em abril e maio de cada ano, por ser fim de safra decafé, dá-se falta de letras de câmbio. A vantagem de não entrar oTesouro no mercado em tais circunstâncias é ób via e compensaqualquer diferença resultante do dinheiro.”

 Vê-se a simplicidade e o bom senso das medidas preconizadaspelo ministro da Fazenda, nessas notas escritas tal vez para leitura dopresidente.

 A luta em defesa do papel-moeda, internamente, e do câmbio,externamente, tra va va-se, porém, com interesses de especuladores estran-geiros, que, por meio dos financiamentos bancários, ha viam pouco a poucodominado o comércio do café. Abrindo crédito às casas comissárias deSantos, esses bancos pressiona vam pela compra ao produtor por preçosbaixos, sem que os preços do mercado consumidor se alterassem.

Neste ponto é elucidati va a série de cartas que Afonso Penaescre veu a Rodrigues Alves, entre os meses de outubro e dezembro. Opouco uso do telefone força va os membros do go verno a se corresponderempor escrito. Pena escre via ao ministro assiduamente, às vezes duas cartas nomesmo dia.

No Congresso ataca va-se o go verno e a direção do Banco,fazendo-se questão política de assuntos delicados da administração.

 212 Afonso Arinos

11 Provavelmente Rodrigues Alves aludia ao afluxo de letras de exportação devidas àsafra do café.

12 O ministro devia estar pensando aqui na compra de divisas que o governo seria

Page 209: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Como empréstimo interno, Rodrigues Alves procura consolidar  a situação financeira.Revista Ilustrada. Coleção Plínio Doyle

Page 210: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Afonso Pena ad vertiu mais de uma vez o ministro da necessidade dogo verno prestigiar o Banco, liquidando-lhe a dí vida mediante o recebi-mento dos valores de que dispunha, sem ser dinheiro, e a redução dos juros.

Em meados de outubro, Pena anuncia va a possibilidade deremeter cerca de 350 mil libras em letras aos Rothschild, mas a caixa doBanco, em moeda brasileira, preocupa va-o. Fizera um dos diretores,Silva Porto, procurar o Conde de Figueiredo, pro va velmente para obtera colaboração desse potentado financeiro na defesa do Banco. Mas o finalda carta de 15 de outubro não é animador: “Disseram-me que ontemcontinuou a corrida sobre a Caixa Econômica. Que situação!”

Fecha va-se o círculo da pressão estrangeira contra a nossa eco -nomia. Com efeito, no dia 10 daquele mês, Rodrigues Alves ha via escritoa José Carlos Rodrigues, diretor do Jornal do Comércio, este bilhete:

“Tive hoje do nosso ministro em Paris13 o seguinte tele-grama:Times publicou notícia terrorista 300 quebras no Rioe concessão moratória. Impressão péssima! De Londres fi -zeram-me igual comunicação.14  Telegrafei imediatamentepara as duas praças. Parece-me, porém, que uma pala vra do Jornal a respeito será de muito bom efeito. Não acha?”

 Ve ja-se esta outra carta de Afonso Pena, de 22 de outubro:

“Os bancos abriram hoje com as taxas de 8, mas reti-raram-na [....] e isto vai produzir na praça péssimo efeito. Entre-tanto concordam todos que não há no comércio necessidade deletras que justifique a depressão, e que as liquidações estão findasou por pouco a terminar. Acabo de saber que o Banco da Ingla -terra ele vou a taxa de desconto a 4%. De todos os lados as coi-sas conspiram para aumentar as nossas dificuldades. Estou à es -pera de receber a qualquer momento as 400 ou 500.000 libras daDumont15 o que habilitará o Banco a fazer forte remessa aosRothschild. O Sr. Porto julga con veniente que você ouça os

 214 Afonso Arinos

13 Gabriel de Toledo Piza e Almeida.14 Era ministro em Londres o Conselheiro José Artur de Sousa Correia

Page 211: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

principais bancos, apro veitando também a presença do Hardman,que é diretor em Londres do London and Ri ver Plate Bank.Pouca confiança tenho no resultado de conferências, sendo tal - vez preferí vel ou vir cada um separadamente e con versar sobre aobtenção de meios para superar a dificuldade da ocasião. Po -der-se-á tentar uma operação, por intermédio dos bancos, deuns dois milhões, pelo prazo de 18 a 24 meses, de modo a ob -ter-se recursos já, e con vencionar sobre o fornecimento de letrasde que o Tesouro possa carecer no decorrer de 97 pelos bancos,repartidamente, para que não se faça pressão no mercado dechofre. São questões a examinar. Hoje hei de ir à sua casa paracon versarmos sobre estas coisas.”

Era já o pro jeto do fundingque se apresenta va, sob os auspíciosdos bancos estrangeiros, como veio afinal a ser concluído no go vernoCampos Sales, com tão penosos sacrifícios para o país. De um lado aimpotência brasileira, do outro a ganância estrangeira, dando-se as mãospara explorar o nosso povo.

 A carta de 27 de outubro é muito interessante, pela referênciaa José do Patrocínio:

“Os bancos abriram a 8 e, por lembrança do Hardman,combina vam nada tomar, isto é, o Ri ver Plate, London, Repú-blica e British. O Alemão tinha fixado tabelas abaixo de 8, masdepois teve de adotar esta. O Ri ver Plate e o British ti veram co -municação de Londres que a Casa G. Mill autorizou os saquespor conta do negócio Dumont. Receberemos, pois, 400 a 500mil libras. Ainda bem. A cidade do Rio de hoje, diz horrores ementiras do Banco. Que fazer? O Banco perdeu dinheiro com oPatrocínio e não quer perder mais [....]. Conversei ontem lon -gamente com o Hardman sobre a Leopoldina e parece-me acei-tá vel, em princípio, a proposta. Não será difícil encontrar-se omeio de conciliar os di versos interesses, de modo a liquidar-seesse gra ve assunto. Perguntou-me se o Banco anuiria a tornar-seacionista pela sua dí vida, ao que retorqui que tendo nós a garan-tia do go verno, isso não seria eqüitati vo. Ele espera le vantar

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 215

Page 212: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

da estrada e complemento das linhas, e eu quero ver se por essemeio obtemos também o pagamento da dí vida flutuante. Nãome parece difícil.”

No dia seguinte, 28, des venda va a pressão sofrida por partedo Banco Alemão:

“O Banco Alemão alegara necessidade de não ficar adescoberto de soma ele vada, o que o le vara a entrar nomercado. Para obter que se afastasse, diminuindo a pressão,tomou o Banco da República o al vitre de acudir ao apelo quenos fez: dar-lhe cobertura de 50.000 libras até 31 de dezembro a83/ 16, de vendo liquidar-se a operação, por conta do Alemão,logo que as taxas melhorassem. Depois disto declarou o Alemão que não entra no mercado, e está afixando câmbiofirme a 8, taxa que amanhã afixará. Nos bancos estrangeirosfaz [sic] sempre gra ve impressão os boatos referentes àinstabilidade do go verno.”

 As cartas se sucedem, mais ou menos no mesmo tom. No dia29 são duas, a segunda alarmada com a baixa das ações do Banco e dasreser vas de caixa. Aquelas passa vam de 120 a 42 mil réis. Esta tinhapouco mais de 2.000 contos.

Pena atribuía isto à desconfiança gerada pelos ataques, noCongresso, à gestão financeira. A situação torna va-se, a seus olhos,“melindrosíssima” e ele urgia por uma autorização ao go verno para emi-tir papel-moeda. Termina com estas pala vras amargas: “Que tormenta!”

Não se iludia Afonso Pena sobre as manobras dos credoresingleses. Em carta não datada, mas pro va velmente desses dias, refere-seironicamente a um telegrama dos “nossos bons amigos de Londres”.

No dia 30 anuncia va melhora na cotação das ações, o queevidenciava a especulação que se fazia. No fim pergunta pela saúdede Prudente. A doença deste era novo fator de apreensões e dificuldades.

 A 31 informa:

“Os boatos desde ondem desapareceram. É o que me

 216 Afonso Arinos

Page 213: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

relatar as suas proezas [....]. Tive hoje notícias fa vorá veis doPrudente.”

 A 4 de no vembro:

“O Banco Alemão acaba de en viar-me um telegramaque recebeu dos Rothschild, dizendo que a eleição de McKin-ley16 produziu excelente resultado na Europa, e perguntandocomo foi aqui recebida a notícia e qual a taxa do câmbio. Épro vá vel que dê alguma resposta que vá apagando a impressãodesfa vorá vel, que reina na Europa a nosso respeito.”

 A 5 de no vembro:

“Recebi uma carta do Campos Sales, falando-me sobre acon veniência de liquidar-se o negócio da indenização ao Ban-co União de São Paulo, que teve já uma sentença fa vorá vel[....]. Ao Campos Sales escre vi hoje, dizendo que me causoumá impressão a exorbitância do pedido pelo Banco em juízo,e que isto me desanima de encontrar alguma solução prática.”

No dia 7 propunha dar uma percentagem ao Banco Alemão,para que ele auxiliasse o go verno na sustentação das taxas. Patentea va-se,mais uma vez, a fragilidade dos instrumentos oficiais no choque contra aação dos interesses estrangeiros. Remata:

“A notícia da saúde do Dr. Prudente produziu, como erade esperar, apreensões. Diga-me como vai ele.”

Prudente, de fato, afastar-se-ia no dia 10, passando o posto,em seca mensagem, ao Vice-Presidente Manuel Vitorino.

 Afonso Pena escre veu, então, esta carta a Rodrigues Alves,bem representati va da modelar educação política de ambos:

“Rio, 10 de no vembro de 1896.Meu caro Rodrigues Alves,Pela passagem do go verno ao Sr. Vice-Presidente da

República é bem pro vá vel que o ministério apresente a sua

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 217

Page 214: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

demissão, e, nesse caso, peço-lhe que não se esqueça do pedi-do que lhe fiz, há tempos, de obter a minha exoneração, logoque você tenha de retirar-se. São de tal maneira estreitas asrelações entre o Banco da República e o Tesouro, que éimprescindí vel que o presidente do Banco seja da inteira con-fiança do ministro da Fazenda, de modo a poderem vi ver namais completa harmonia de vistas. Para não se supor quepeço a minha demissão pela entrada deste ou daquele homempolítico para a pasta da Fazenda, é que lembro-lhe [sic] o pe -dido que desde muito lhe fiz. O novo ministro da Fazendadeve ter a mais ampla liberdade de ação desde o começo.Disponha do colega e amigo velho Afonso Pena.”

 A síntese da situação financeira enfrentada por Rodrigues Alvesnaquele ano de 1896 ficou bem expressa na mensagem presidencial doano seguinte.

O aumento das importações coincidira com a queda daexportação de café e, portanto, com a carência de di visas necessárias asaldar nossos compromissos externos.

O noticiário do Timesde Londres, mencionado pelo ministroda Fazenda, e que fora remetido do Rio por especuladores, causougrande depressão nos nossos títulos vendidos na Inglaterra, os quais,comprados na baixa, vieram po va velmente locupletar aqueles parasitas. A tudo, porém, resistiu o bom estado da nossa economia e a honestida-de de intenções e de processo do go verno. Mas a solução do fundingcomeça va a aparecer (embora não conste da mensagem) como a única viá vel. Rodrigues Alves, mesmo fora da pasta, iria participar dela.

Como pre vira o conselheiro mineiro, na carta que ficou transcrita,curta seria a permanência do conselheiro paulista na pasta da Fazenda.O afastamento de Prudente, pro vocado por moti vos de saúde, davaorigens a muitos boatos. Ha via quem supusesse que não voltaria ao po-der, e, mesmo, que não sobre vi veria aos riscos da operação a que de viasubmeter-se, pois muito atrasada era, entre nós, a cirurgia.

Manuel Vitorino, possi velmente, senão pro va velmente, entra- va no go verno alimentando esperanças de um longo interregno; não lheseria, mesmo, estranha, a idéia de terminar os dois anos de go verno, que

 218 Afonso Arinos

Page 215: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Médico, o vice-presidente avalia va perfeitamente os riscosque se expunha o seu chefe, com a operação dos cálculos na bexiga.Como político, também, sua atitude não podia ser de sincera solidarie-dade para com o presidente.

 Ao termo de dois anos do mandato, o go verno Prudente deMorais enfrentara, sempre, um ambiente político e institucional,confuso e delicado.

Em 1895, a liquidação da guerra ci vil no Sul fora causa demuitos abalos e dificuldades, inclusi ve financeiros. Os remanescentes domilitarismo, abrigados na legenda florianista (Saldanha da Gama eFloriano morreram com poucos dias de diferença, em junho de 1895)dificulta vam tanto quanto podiam a ação do go verno federal, na obten-ção da paz no Rio Grande. A política local de Júlio de Castilhos tinhainteresses em prosseguir na luta. Os interesses dos chimangos eram deduas ordens: queriam esmagar de vez osmaragatos e, também, usufruir asgrandes verbas federais aplicadas na guerra ci vil, sem controle e, infeliz-mente, com des vios considerá veis, a ser viço da cobiça de ci vis e militares.Em agosto de 1895, afinal, conseguiu-se a pacificação.

No Congresso, o partido que elegera o presidente voltara-secontra ele, sob a chefia de Glicério, cuja audácia substituía a posse deuma estrutura partidária real.

No campo internacional, as pretensões inglesas sobre a ilha daTrindade eram o resultado da fraqueza e da di visão internas do país. A Inglaterra queria abocanhar mais essa escala no caminho das suas frotas,presumindo que o Brasil di vidido e exangue, não teria condições deprotestar eficazmente. A gra vidade da questão re vela va-se no fato de queo prestigioso Jornal doComércio inclina va-se pela tese do arbitramento, inteira-mente inaceitá vel, porque a posse mansa e pacífica brasileira nunca forasu jeita a dú vidas. Prudente, porém, resistiu. As arruaças sucediam-se noRio e nos Estados, sendo freqüentes os assaltos aos jornais go vernistas.

 Agora, para tornar ainda mais complicada a vida do país,sobre vinham a gra ve enfermidade do presidente e o deslocamento geralde rumos, causado pela in vestidura do vice-presidente.

O ressentimento de Manuel Vitorino (homem de incontestávelinteligência) contra os paulistas era transparente. Filho de Estado histo-

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 219

Page 216: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Nabuco – mas que ocupa va situação subordinada na Primeira Repúbli-ca. Manuel Vitorino era um frustrado no quadro político brasileiro deentão. Na Constituinte, ele di vergia de Rodrigues Alves; no go verno,sua atitude para com Prudente era fria, senão hostil; no quatriênio se -guinte, integrando o corpo de colaboradores doCorreio da Manhã, com -bateu abertamente Campos Sales.

Como obser vou, justamente, Francisco de Assis Barbosa,Manuel Vitorino “começa a dirigir a nação como se fosse completar oquatriênio”. Seu primeiro cuidado foi o de reorganizar o ministério.Substituiu todos os ministros, com exceção de Dionísio Cerqueira, titulardo Exterior, porque era baiano.

O sucessor de Rodrigues Alves na pasta foi Bernardino deCampos, que deixara o go verno de São Paulo a 1º de maio daquele ano,e viera ocupar, no Senado, o posto que Campos Sales deixara vago, paraassumir, naquela mesma data, o go verno de São Paulo.

Como se vê, os paulistas conquista vam as posições ajustada-mente, como peças de uma bem combinada partida de xadrez. Dentrodessas regras, alguns meses depois, Rodrigues Alves viria sentar-se, noSenado, na cadeira de que se le vantara Bernardino.

Nos poucos dias em que Rodrigues Alves permaneceu na Fa -zenda, depois da licença de Prudente, os dois futuros presidentes da Re -pública corresponderam-se ainda sobre assuntos públicos. A 12, AfonsoPena insistia na sua demissão. No mesmo dia, em curta carta, informa vaque Cândido Gaffré ha via comprado 45.000 sacas de café em Santos,por conta dos Rothschild, mas que o Banco não dispunha, naquela pra -ça, de recursos para a tomada das letras.

“Vamos telegrafar a Rothschild indagando para que portode verá seguir o café, e se quer os conhecimentos à sua ordem ouà disposição de quem. Pode-se arran jar as 50.000 libras, mas acaixa do Banco desceu hoje a pouco mais de 2.000 contos. É ur -gente, como vê, aumentar a soma do empréstimo nos moldes dalei de 1875, para sairmos de uma situação tão perigosa.”

No dia 14 a situação melhorara. Afonso Pena conseguira colo-car 3000 contos em bônus no Banco Ri ver Plate e encontrara tomadores

 220 Afonso Arinos

Page 217: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Esti ve ontem com o Sr. Vice-Presidente no Itamarati eapenas pude fazer referência rápida e genérica às dificuldades da si-tuação. S. Exª disse-me que dese java ou vir-me, ao que retorquique esta va pronto, e que julga va urgente essa conferência,porque dese ja va fazer-lhe uma exposição sobre a situação dapraça.”

 A delicadeza desta era de vida, em parte, aos boatos que corriamsobre a possibilidade de gra ves acontecimentos no dia 15 de no vembro. A data republicana era um marco para os choques com forças que vinham do florianismo, e, que, em bre ve, se manifestariam, de fato, contraPrudente, na crise parlamentar e no atentado pessoal.

Mas naquele dia nada ocorreu de importante.No dia 20, em que Rodrigues Alves deixou a pasta, Campos

Sales escre via-lhe de São Paulo:

“Felicito-o muito sinceramente por vê-lo li vre dascontrariedades e reais desgastes da pasta da Fazenda. Semprereconheci os seus ser viços e aplaudo a sua atitude. O tempohá de justificá-lo.”

Passados eram os tempos em que Campos Sales insistia paraque ele aceitasse a pasta com Floriano.

Também a 20, Afonso Pena escre via:

“Até agora não sei quem é o ministro da Fazenda. Deuconhecimento ao vice-presidente da minha carta sobre a demissão?”

Do dia seguinte é a última carta que, como ministro, Rodrigues Alves recebeu do amigo. Este lhe agradecia as expressões com que, aopassar a pasta, referia-se à administração do Banco, sob sua gestão. Eajunta va:

“Sabe que, de minha parte, fiz o que pude, e nissocumpri um de ver de patriotismo e amizade. Prolongando-se,como se prolongará, a crise, resol vi dirigir-me ao vice-presidente da República solicitando minha demissão, o quefiz ontem, antes de saber da composição ministerial. Parece-me

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 221

Page 218: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

das qualidades compro vadas de homem de go verno, éamigo do Dr. Prudente de Morais.”

 Afonso Pena foi con vidado por Bernardino para continuar napresidência do Banco, lá permanecendo até 1898. Mas, embora não sendomais o ministro, Rodrigues Alves ainda recebia do antigo colega informaçõessobre a marcha dos negócios financeiros e, principalmente, sobre a maisespinhosa das questões, que era a defesa do câmbio, o qual continua va ainfligir pesados pre juízos ao go verno, no pagamento das diferençascambiais de vidas aos bancos estrangeiros, nas transações feitas a prazo.

 A carta de 29 de dezembro é, a esse respeito, particularmenteelucidati va. Nela encontramos o seguinte:

“O Comendador Porto17  trouxe-me hoje a nota dasoperações de câmbio, indicando-me o pre juízo sofrido comas diferenças no fornecimento de cambiais aos bancos estran-geiros e saques do próprio Banco da República, para evitargrande depressão do câmbio, durante a crise política queatravessamos. O pre juízo sobe a 3.700 e tantos contos.18 Jánão estando no Tesouro o Dr. Bernardino, incumbi o Barãodo Rosário19 de falar-lhe sobre o assunto.”

 Depois de indicar as medidas cabí veis, acrescenta:

“É o que me parece acertado, e con vém que você con versecom o Dr. Bernardino a respeito, antes dele entender-secom o vice-presidente da República. O sacrifício feito evitou,com certeza, que a crise tomasse proporções medonhas, diantede uma queda maior do câmbio, e isto é de valor enorme.”

Termina va, assim, a gestão de Rodrigues Alves na pasta daFazenda.

Liberado dos penosos encargos, ficou ora no Rio ora emGuaratinguetá, à espera da eleição para o Senado, que não tardaria.

 222 Afonso Arinos

17 Luís da Silva Porto, um dos diretores do Banco da República.18 Como se viu, soma bem maior do que o total contido em caixa.

Page 219: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Na Câmara Alta, sua ação prosseguiu energicamente, e a elese de vem, em grande parte, as pro vidências preparatórias para a políticafinanceira de Campos Sales.

 Agora um pormenor, referente à vida pri vada, oportuno porse referir à época focalizada.

Quando era ministro da Fazenda de Prudente de Morais, Ro-drigues Alves veio residir na casa da Rua Senador Vergueiro, que ficousendo a sua morada carioca durante todo o resto da vida, e onde mor -reu. Essa casa, centro político do Brasil por várias vezes, entre 1895 e1919, foi construída pelo Visconde de Ca valcânti (Diogo Velho Ca val-cânti de Albuquerque) por volta de 1868, e, em 1891, vendida a Rai-mundo de Castro Maya. Este, por sua vez, transferiu a Luís da RochaMiranda, que, em 1895, vendeu o prédio à firma Viú va Borges e Gen -ros. Rodrigues Alves, sócio da firma, era condômino do prédio na pro -porção de um terço. Somente em 1915 adquiriu ele, da sociedade, osoutros dois terços da mansão imperial em que morou até morrer.20 Atual-mente (1970), pertence à sua filha, Zaira Rodrigues Alves.

SENADOR POR SÃO PAULO

Em 4 de março de 1897, Prudente de Morais reassumiuinesperadamente a presidência, comunicando este ato a Manuel Vitorinopor meio de um bilhete tão lacônico como aquele que lhe en viara, quandodo seu afastamento.

Rodrigues Alves, em fe vereiro, manifestara-se contrário à voltapróxima de Prudente, por moti vos políticos. Tanto ele como o presidentetinham muitas restrições à conduta de Manuel Vitorino, como se verificadas cartas do primeiro ao segundo, escritas naqueles dias.

 A 22 de janeiro, Rodrigues Alves informa va que a mensagemde Vitorino “foi mesmo um verdadeiro fiasco”, e dava sugestões sobre

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 223

20 As informações acima foram gentilmente fornecidas pelo Dr. Maurício José Azicoff, assessor jurídico do governo da Guanabara, por recomendação doGovernador Negrão de Lima e pelo Dr. Valdemar Loureiro, ex-oficial de registro de

Page 220: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

a que Prudente de veria en viar, no início da sessão ordinária (no mês demaio), depois de reassumir a presidência.

Na mesma carta, Rodrigues Alves informa va que AndréCavalcânti, chefe de Polícia, pensa va em demitir-se por di vergências comManuel Vitorino, e que este pensa va nomear “um jacobino” (florianista)para o Supremo Tribunal.21

No dia 1º de fe vereiro, escre vendo da Ti juca (onde se refugia-ra por causa do calor e da febre amarela), Rodrigues Alves insistia paraque Prudente não reassumisse, senão depois de se sentir com a saúdeconsolidada. Só estaria de acordo com a volta prematura do presidentese se confirmassem os boatos da retirada de Bernardino de Campos.Lança va um dardo irônico a Vitorino ao dizer que já se acentuam as de -silusões sobre a “espumarada baiana”.

 Antes, porém, que o presidente consolidasse a sua cura, veri-ficaram-se no Rio as agitações de março, de vidas aos insucessos das tro-pas federais em Canudos.

O JornalGa zeta da Tarde, órgão dos monarquistas, foi empas-telado e o seu diretor, Gentil de Castro, assassinado por sicários jacobinosna praia Formosa, ao tomar um trem juntamente com o Visconde deOuro Preto, que escapou por pouco à fúria dos homicidas.

 Prudente, com a bra vura e o senso de autoridade que o distin-guiam, ha via se reinstalado no poder dias antes e desafia va a borrasca dademagogia, aliada ao saudosismo florianista.

O ingresso de Rodrigues Alves no Senado só ocorreu emmeados do ano. Com efeito, a eleição senatorial em São Paulo pro-cessou-se a 26 de junho, para pro vimento da vaga aberta com a re -núncia de Cerqueira César, possi velmente combinada na cúpula doPRP.

 As eleições, naquele tempo, eram simples formalidade ratifi-cadora das decisões dos grupos dirigentes. Por isso mesmo que se apre -senta vam tão fáceis, não era difícil obter-se a renúncia dos ocupantesdos mandatos eleti vos.

Reconhecido e proclamado senador a 10 de agosto, Rodri-gues Alves prestou compromisso e empossou-se no dia seguinte. Entreos seus colegas de Casa, vinha encontrar Justo Chermont, do Pará;

 224 Afonso Arinos

21 André Cavalcânti era candidato ao posto de ministro do Supremo. Foi nomeado

Page 221: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf
Page 222: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Benedito Leite, do Maranhão; Pedro Velho, do Rio Grande do Norte;Rosa e Sil va, de Pernambuco; Rui Barbosa e Se verino Vieira, da Bahia;Fernando Lobo e Feliciano Pena, de Minas; Quintino Bocaiú va e To -más Porciúncula, do Estado do Rio; Leopoldo de Bulhões, de Goiás; Antônio Azeredo e Generoso Ponce, de Mato Grosso; Pinheiro Macha-do e Ramiro Barcelos, do Rio Grande do Sul.

 A organização política que elegera Prudente, como já ficoudito, era o Partido Republicano Federal, constituído praticamente pelasbancadas estaduais no Congresso Federal. Não se tinha ainda formadosatisfatoriamente (sê-lo-ia em bre ve), com vista à política nacional, aconstelação dos PR estaduais, com uma espécie de diretório nacional,que seria a marca da política dos go vernadores inaugurada por CamposSales, política dos Estados, que passou a ser de fato dos grandes Esta -dos, e destruída com a re volução de 1930. Os PR estaduais, que corres-ponderam à realidade da ausência dos partidos nacionais, foram organi-zados, até certo ponto, em conseqüência do rompimento de Prudente como Partido Republicano Federal. O Senador Pinheiro Machado, um poucomais tarde, no dia 11 de agosto de 1901, falando na reunião preparatóriada con venção política que adotou a candidatura Rodrigues Alves, reco-nheceu expressamente a situação descrita. Segundo noticiário do Jornal doComércio, para ele trata va-se de “estabelecer um laço entre os partidos lo-cais representados na reunião, pois que não há, neste momento, umgrande partido nacional”. O poder ci vil republicano, ao se instalar comPrudente, tentara ser vir-se de um instrumento nacional, pro va- velmente levado pela imitação ao sistema do Império. Mas a realidade fe -derati va, que a República impusera – ou melhor, reconhecera – não eranaquele tempo compatí vel com os partidos nacionais. Por isso mesmo, oPartido Republicano Federal não passa va de uma construção postiça,que, em meio do go verno de Prudente, começou a desabar.

O sinal precoce da decadência foi o dissídio aberto entre osPoderes Executi vo e Legislati vo, ou, mais concretamente, entre Prudente,chefe do primeiro, e Francisco Glicério, líder da Câmara dos Deputados,ambos republicanos históricos e paulistas.

O afastamento entre Prudente e Glicério vinha de longe,como mostra esta carta escrita pelo segundo a Rodrigues Alves, em 4 de

 226 Afonso Arinos

Page 223: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Pelas notícias que me chegam do Senado, não podemoscontar com o orçamento para 1896. É certo que maiores fo -ram as dificuldades no ano passado e conseguimos votá-lo.Mas no ano passado, ainda confia va em mim, e a maioria doSenado seguia a direção e conselhos do líder da Câmara.Hoje, a maioria só recebe o santo e a senha do Prudente (e doSenado) e, portanto, não sou responsá vel por coisa alguma. Emais: empreendeu-se a campanha de difamação contra a Câ -mara, para castigar o seu exasperado legalismo; o Senado nãoquer abrir mão do seu direito de discutir amplamente os orça-mentos – isto tudo quer dizer que o ministro da Fazenda22

deve estar pre venido para principiar o exercício sem orça-mento. Ainda mais: como eu e o Quintino estamos conspi-rando, nada mais eficaz para os fins em vista do que deixar-mos o Prudente sem orçamento até maio vindouro, pois nãosei mesmo se, dado o primeiro passo, no primeiro erro23 nãoiremos pelo precipício abaixo. De modo que o go verno ci vildeu-nos: 1º o partido monarquista organizado; 2º exercíciofinanceiro sem orçamento.”

Dadas as relações amistosas entre Glicério e Rodrigues Alves,esta carta (que aquele sabia seria mostrada ao presidente), chega va a serameaçadora.

Quando Prudente reassumiu o go verno, em março de 1897, aluta política concentrou-se no Congresso, principalmente na Câmara. Masela não pode ser entendida, na sucessão dos fatos di versos, se não seprocurar uma interpretação mais larga dos seus moti vos determinantes.

De fato, por meio do choque parlamentar que en vol via algunshomens, esta va se desen vol vendo o largo processo do confronto entre osrepresentantes do militarismo ditatorial (que compreendia também ci vis,como Glicério ou Júlio de Castilhos), deslocado pelo fim do go verno deFloriano, e o legalismo ci vil, centralizado na pessoa de Prudente de Morais.Tra vada a luta no palco parlamentar, a ala radical foi derrotada, mas deixouresíduos que vão fermentar na tentati va de deposição de Rodrigues Alves,

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 227

22 Era então o próprio Rodrigues Alves

Page 224: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

em 1904, e, de certa maneira, na própria candidatura Hermes, em 1909. Asações posteriores dos grupos e indi víduos trazem a marca dessa di visão.

Prudente, Campos Sales e Rodrigues Alves solidarizaram-sena defesa do legalismo ci vil, contra Glicério, ligado aos históricos milita-res ou militaristas. E foram se sucedendo no go verno. Quanto a Rodrigues Alves, sempre apoiou aos que ti veram atitude idêntica à sua naquelesdias, como Bernardino, que ele, por duas vezes, quis fazer presidente;Rosa e Sil va, que fez vice-presidente de Campos Sales; e Seabra, quesustentou energicamente como seu ministro do Interior.

Do outro lado ficaram políticos prestigiosos, como PinheiroMachado, Barbosa Lima e Lauro Sodré, que sempre fizeram oposiçãoaos bacharéis paulistas, inclusi ve en vol vendo-se direta ou indiretamenteem atos terroristas (como contra Prudente) ou em rebeliões (como con-tra Rodrigues Alves).

 A ligação mais íntima de Rodrigues Alves era com Bernardinode Campos. As cartas deste, que o sucedera na pasta da Fazenda, compro- vam a amizade que os aproxima va. Bernardino ora pede ao amigo que es -cre va um artigo respondendo às críticas deO País, ora solicita-lhe procurarapoio parlamentar contra Glicério, ora submete-lhe trabalho que escre veucomo ministro, pedindo-lhe “que o corri ja e emende como entender”.

 A 19 de setembro de 1897, manifesta-lhe seu dese jo de largara pasta, porque di vergia de Prudente:

“Estou comunicando em reser va, e só a você, que voupedir exoneração de ministro, porque o go verno não propõetodas as medidas de economia possí veis, sobretudo cortes noExército; porque nem o partido nem o Congresso dão o apoiodedicado, constante e sistemático que a situação exige.”

Nessa carta, Bernardino queixa-se amargamente da incompre-ensão, indiferença e hostilidade dos correligionários. Afirma que só acei-tara a pasta por moti vos políticos, mas não queria continuar naquela si-tuação, em que o país marcha va para a bancarrota e os amigos não sedispunham a auxiliar o go verno. Disse le var o fato ao conhecimento deRodrigues Alves, antes de fazê-lo a Prudente porque aquele era repre-sentante de São Paulo e membro da comissão do Partido Republicano

 228 Afonso Arinos

Page 225: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Voltando à crise de 1897, recordemos que ela se decidiucom a derrota de Glicério, na Câmara, no episódio da votação da soli-dariedade a Prudente, proposta pelo deputado baiano Seabra, depoislíder e ministro.

 Ali também se resol via a pendência contra Manuel Vitorino,que, das alturas do go verno, cai na oposição, vindo depois a escre ver noCorreio da Manhã, órgão de combate a Campos Sales.

Prudente, como era do seu feitio, não tergi versou em aparecerna luta. Pelo Jornal do Comércio, de 19 de maio, sob circunlóquios transpa-rentes, deu mão forte aos que derrubaram o “general das vinte brigadas”(Glicério) fracionando, deliberadamente, o Partido Republicano Federal.

Naquele mês de maio oficializou-se, por assim dizer, a cisãoentre os republicanos. Com o go verno federal ficou a grande maioriados Estados, enquanto para a oposição se encaminharam Amazonas,Pará, Rio Grande do Norte e Paraná. Essa di visão pro jetou-se, comoera ine vitá vel, no Congresso Nacional.

Rui Barbosa, naquele mesmo ano, tenta va a fundação de umPartido Republicano Conser vador, cedo afogado na sua eloqüência torren-cial e irrealista. Essa “tentati va frustrada”, como ele mesmo a chamou, nãopoderia nunca mudar a marcha dos acontecimentos. Neste episódio, comoem outros, Rui demonstra va a sua incapacidade para a liderança política.

No Senado as posições se definiram. Os go vernistas, praticamentesem partido,24 conta vam com Rodrigues Alves. Os oposicionista, que ul-trapassa vam uma vintena, acolhiam-se sob a bandeira esfarrapada doPRF, mas exibiam nomes prestigiosos, como Lauro Sodré, FernandoLobo, Pedro Velho, Antônio Azeredo, Pinheiro Machado e Ramiro Barce-los. Alguns destes iremos encontrar no go verno de Rodrigues Alves, em opo -sição aberta. Rui Barbosa estava entre os dois fogos e o proclamavaamiúde.

 Aos poucos, como tanto acontece no Brasil, a oposição degene-rou em conspiração. A 5 de no vembro, o processo infeccioso veio a furo,com o atentado contra Prudente, que custou a vida ao seu heróico ministro

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 229

24 A coligação dos PR estaduais tinha um diretório nacional, de que Rodrigues Alves

Page 226: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

da Guerra, Marechal Machado Bittencourt. Eis como o próprio presidenterelata o atentado, na mensagem en viada ao Congresso, a 3 de maio de 1898:

“Cerca de uma hora da tarde desse dia, volta va eu de bor -do do vapor Espírito Santo, onde tinha ido receber o General João da Sil va Barbosa e alguns batalhões que regressa vam vitoriosos da Bahia, quando, ao atra vessar a alameda do Arse -nal, fui brusca e violentamente acometido por uma praça doExército que, avançando contra mim, tentou insistentementedesfechar-me, à queima-roupa, sobre o peito, uma garrucha dedois canos. Apesar do esforço empregado pelo soldado, os tirosnão partiram. Por essa ocasião, o Marechal Machado Bitten-court, ministro da Guerra, que vinha ao meu lado, agarrou-se aosoldado, procurando sub jugá-lo e desarmá-lo. Inter vieram outraspessoas, entre as quais o Coronel Mendes de Morais, chefe daminha Casa Militar, e alguns ajudantes-de-ordens, que esforça- vam-se para obstar às repetidas in vestidas do soldado. Tra vou-seentão rápido e temí vel conflito, que terminou com a prisão doagressor; mas, infelizmente, desse conflito saíram feridos, mor -talmente, o ministro da Guerra, que expirou momentos depois,e o chefe da Casa Militar com largo ferimento no baixo-ventre.”Prudente prossegue descre vendo os fatos imediatos, para, em

seguida, afirmar que as circunstâncias do crime “denunciaram a existên-cia de uma conspiração” e que “o anspeçada Marcelino Bispo era meroinstrumento dessa conspiração”.

O assalto de Marcelino Bispo contra Prudente fora precedi-do de ameaças públicas a muitos chefes políticos. No momento doatentado, junto ao cais e, segundo alguns depoimentos, até mesmo a bordodo na vio, hou ve rumores afrontosos contra o chefe de Estado e, na confu-são do crime antes que se soubesse que o presidente saíra ileso, ou vi-ram-se vivas a Manuel Vitorino, segundo declarou o próprio Rui Barbosa.Na linguagem dos oposicionistas encapuçados, Marcelino Bispo foi cha -mado o “anspeçada de ferro”, em clara alusão à figura de Floriano.

O enterro do Marechal Bittencourt, no dia 6, constituiu-se emenorme demonstração popular de apoio ao presidente e à legalidade

 230 Afonso Arinos

Page 227: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

o corte jo, na maior manifestação pública de que ha via memória na cida-de, segundo depôs o Jornal do Comércio.

Nesse mesmo dia discutiu-se, no Senado, a trama. Se verino Vieira, da Bahia, falou acusando abertamente os membros do PRF decumplicidade no crime. Esses deram pro vas de destemor e galanteria.Negaram qualquer participação no atentado, mas o fizeram com digni-dade, defendendo a oposição. Ramiro Barcelo nega va caráter político aofato, e Pinheiro Machado proferiu belo e cora joso discurso. Renunciariaàs imunidades se fosse necessário. Não tinha medo. Era contra o estadode sítio. Esse foi votado no dia 12 (pro jeto vindo da Câmara) e passouno Senado por 33 votos contra 19. Rui, Quintino e Rodrigues Alves es -ti veram entre os fa vorá veis.

Embora votasse, como sempre, disciplinadamente, o senadorpaulista conser va va o hábito de não se imiscuir nos debates políticos. Sófalou na sessão de 6 de dezembro, defendendo a proposta de orçamentode Prudente.

No ano seguinte, 1898, seria a eleição de Campos Sales para apresidência. Desde setembro de 1897, pelo menos, sua candidatura já seacha va assentada. Com efeito, no dia 11 daquele mês, o então presiden-te de São Paulo escre via a Rodrigues Alves:

“Quanto à eleição do candidato à vice-presidência, estoupela escolha. Acho muito bom o Rosa. Creio mesmo seragora o único, visto estarem incompatibilizados os minis-tros... Ouço agora falar no Feliciano Pena, como meio de aco-modar a política mineira. Para este fim não acho má a lem -brança, mas contanto que isto se faça de combinação com oRosa, que deve ter a última pala vra na questão. Tal vez que umacordo geral, harmonizando os mineiros, trouxesse vantagenspara o go verno na Câmara, dando-lhe bons elementos eestrangulando de vez a oposição. Em política, a concentraçãode elementos exerce poderosa força de atração.”

Estas expressões finais exprimem a filosofia presidencialistade Campos Sales.

 A 15 de setembro, o futuro presidente recua do seu propósito

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 231

Page 228: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Em con versa, hoje, com o Cincinato [Braga], reconsi-derei a opinião emitida na minha última carta, acerca de umaterceira candidatura à vice-presidência. Penso que o melhormesmo será permanecer no primeiro ponto de vista, do qual,aliás, nunca me afastei. O Rosa será o laço de união entre oNorte e o Sul.”

 A eleição de 1º de março de 1898 foi marcada pela con -corrência da minoria, que, com isso, queria antecipar sua posição deluta. Não ha vendo inscrição de candidatos por partidos, o númerode nomes votados não tinha limite legal. Campos Sales recebeu420.286 votos, contra 38.929 dados ao seu principal opositor, quefoi Lauro Sodré. Além de ambos, hou ve cerca de uma centena denomes votados, sendo que eleitores fantasistas escolheramRothschild, o Conde d’Eu e o Visconde de Ouro Preto. Rosa e Sil varecolheu 412.074 votos para vice-presidente, enquanto FernandoLobo chega va a 40.629.

Rodrigues Alves, desde a posse de Campos Sales, funcionou vir -tualmente como líder do go verno no Senado. Como de hábito, não era assí-duo à tribuna, e, quando fala va, nunca personaliza va os debates, e procura va,sempre que possí vel, evitar os casos que pro voca vam paixão política.

No dia 18 de julho vai à tribuna para, em substanciosa e do -cumentada oração, defender a ação financeira de Prudente e Bernardi-no, ao mesmo tempo em que expõe, sem rodeios, a gra ve situação dasfinanças nacionais.

 As condições eram, a esse respeito, particularmente ad versas.O orçamento fora votado com déficit considerá vel. O câmbio caíra dacasa dos 8 pences para a de 5. Completando o quadro, declina vam, tam-bém, os preços do café. Em 1895, as exportações desse produto ha viamsubido a 28 milhões de libras; em 1896, baixaram para 21.250.000 e em1898 não chegariam a 12.700.000. O go verno tinha compromisso imediatono exterior, da ordem de quase um milhão de libras. Era o triste legado doEncilhamento e da guerra ci vil. Tornou-se ine vitá vel a moratória. O go vernotentou negociar com os credores, diretamente, mas foram os bancosestrangeiros do Rio que acabaram por negociar com o go verno. Rodrigues

 232 Afonso Arinos

Page 229: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O Jornal do Comércio, de 31 de maio, ha via analisado e elogiadoa transação. Nesse discurso Rodrigues Alves refere-se a Campos Sales,chamando-o “chefe e amigo”.

Prudente pensou a princípio em en viar Rodrigues Alves àEuropa, para formalizar as negociações do funding. Este, porém, escusou-se,alegando moti vos de saúde.

Embora haja recusado o con vite para ir ao exterior, Rodri-gues Alves teve parte saliente nas negociações do fundingle vadas a efeitono Brasil. Circunstâncias ocasionais afastaram Bernardino das con versas:gra ve enfermidade em pessoa de sua família. Bernardino, a este propó-sito, chegou a escre ver a Rodrigues Alves: “Eu já perdi de todo a cabeçade ministro; só tenho a de chefe de família; pelo que lhe peço que venha cá para dizer-lhe algumas coisas.” Essas coisas eram os assuntosdo funding. Chegara ao Brasil o Sr. Tootal, emissário dos Rothschild, eBernardino confiou a Rodrigues Alves a incumbência de negociar asbases da operação com ele. O senador paulista as conduziu comaplicação, sempre assistido pelo ministro da Fazenda e pelo presidenteda República. Rodrigues Alves, depois de cuidadosos debates, conseguiuatenuar considera velmente as primeiras condições trazidas pelo representantedos credores.25

 A 15 de fe vereiro de 1898, Rodrigues Alves foi a São Paulo afim de con vidar Campos Sales, presidente do Estado e candidato àpresidência da República, para a missão à Europa, que ele recusara e queo outro aceitou. A viagem de Campos Sales à Europa está minuciosa-mente relatada no li vro do seu secretário particular, Tobias Monteiro,composto com os artigos remetidos para o Jornal do Comércio.

 Já presidente eleito, Campos Sales partiu a 19 de abril, chegou aParis em princípios de maio, e em Londres no dia 15 desse mês. Na capitalfrancesa entrete ve con versas com o Crédit Lyonnais, e na inglesa com osRothschild, bem como com outros banqueiros, industriais e negociantesligados ao Brasil. Os resultados do acordo, salienta Tobias, foram os maisauspiciosos, a ponto de ha ver melhorado em trinta por cento a cotação donosso papel-moeda, em apenas um mês.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 233

25 Por causa do nome do intermediário, passou a correr, inclusive no Congresso, a

Page 230: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Do li vro de Tobias verifica-se que Joaquim Murtinho seria cha -mado para a pasta da Fazenda, pelas suas idéias firmemente indi vidualistase contrárias à estatização; e Joaquim Nabuco (cujo li vro, então recente,Campos Sales lia a bordo) de veria também ser apro veitado em alto posto.

 Além da política financeira, Rodrigues Alves fazia a políticacorrente. De Barbacena, onde encontra va-se, Afonso Pena escre via-lhecartas, cheias de obser vações e conselhos sobre a situação financeira epolítica. Quanto à primeira, pede que lembre a Bernardino a execuçãode medidas que correspondiam, no fundo, às “idéias antigas” do desti-natário. Quanto à segunda, é de parecer que as in vestigações do atenta-do de 5 de no vembro se jam conduzidas pelo go verno com espírito detolerância, a fim de que a nação di vidida e inquieta fosse sendo pacifica-da. Refere-se, em carta de 22 de maio, a um financista argentino, cujaobra recomenda, citando capítulos e páginas, pois considera semelhantea situação entre os dois países. Insta por medidas do Congresso “paraencaminhar a administração do Dr. Campos Sales, pois destarte coloca-rá a oposição na triste contingência de agitar esterilmente o país, se nãose resol ver a fazer trabalho útil em pro veito da República”.

 Ainda sobre política, depois de informar que escre vera ao Dr.Bias “no Belo Horizonte”26acrescenta:

“Conforme escre vi-lhe, parecia-me que o go verno só de- via insistir pela apro vação dos atos praticados durante o esta-do de sítio, que é a questão política fundamental, que de pertolhe toca. Quanto à licença para processar27 é de ordem secun-dária e que mais se prende aos agentes do Poder Judiciário.”

 A carta, de 19 de dezembro, mostra como Pena sentia suasaúde fortemente abalada, o que explica, de certa forma, a debilidade físicacom que, anos mais tarde, chegou ao go verno:

“Agora é que sinto quanto eu precisa va de descanso,pelo prazer e bem-estar que experimento depois que saí doBanco. De 1892 a 98 esti ve em constante tensão de espírito,

 234 Afonso Arinos

26 Bias Fortes, presidente de Minas, transferira a capital do Estado, no ano anterior,para Belo Horizonte.

Page 231: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

exercendo funções melindrosíssimas, o que não podia deixarde afetar a minha saúde.”

 A correspondência de Bernardino é igualmente abundante,em 1898. Envia a Rodrigues Alves esboços de trabalhos: comunica-lhe amarcha das con versas com banqueiros estrangeiros; con voca-o reitera-damente ao Tesouro mandando-lhe o carro para transporte, combinaencontros no palácio, com Prudente; solicita-lhe que coordene os votosde senadores para obstar emendas ao orçamento por parte “da gente doRio Grande”;28 pede que interceda junto ao ministro do Exterior.

Depois de terminado o go verno de Prudente, em 5 de março de1899, Rodrigues Alves recebeu carta em que Bernardino de Camposagradece-lhe a colaboração, “tanto fiquei de vendo pelas suas luzes, critérioe competência”. Na mesma carta o líder paulista comunica que vai a“Piracicaba, escondido, para ou vir o Prudente sobre as questões que temosa resol ver”. Essas questões já eram o prenúncio da dissidência dentro doPRP, chefiada pelo próprio Prudente, com o apoio de Júlio Mesquitae outros.

Rodrigues Alves falou ainda várias vezes no Senado, em 1898,raramente sobre assuntos estranhos à administração financeira. No dia 6de agosto respondeu energicamente ao Senador alagoano Leite e Oiticica,que declarara ha ver sido o seu discurso de 18 de julho publicado no Jornal do Comércio como matéria paga. Afirmou Rodrigues Alves:

“Durante todo o tempo em que exerci alto cargo naadministração, qual o de ministro da Fazenda, nunca aquelegrande órgão de publicidade recebeu do Tesouro um ceitilsequer por publicações de qualquer natureza.”

Seu acusador não treplicou.Outro discurso que se destaca é o proferido em defesa de

Prudente de Morais, no dia 17 de novembro. Tendo deixado o governo,Prudente fora atacado da tribuna pelo senador do Paraná, Vicente

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 235

28 Em outra carta (21 de setembro) insiste neste ponto: “Há dias pedi-lhe quechamasse a atenção dos chefes senadores para o trabalho rio-grandense, aplicadoao restabelecimento do contrabando no Rio Grande, por meio da alfândega de Porto

Page 232: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Rodrigues Alves inicia os preparativos do funding loan de1898. Emsegundo plano, apareceo banqueiro CondedeFigueiredo.

Re vista Ilustrada. Coleção Plínio Doyle

Page 233: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Machado, cujo Estado integrava, já vimos, o grupo oposicionista doPRF. Rodrigues Alves acorreu em defesa do ex-presidente, a quem chamade “honrado amigo e preclaríssimo chefe”.29

Durante aquele ano de 1898, outra atividade pública atraiu eocupou fortemente Rodrigues Alves: o jornalismo.

No Senado, como vimos, ele atuou discretamente quanto àpolítica. No jornal, porém, sua ati vidade foi intensa e constante. O diárioem que escrevia eraO Debate, jornal do partido, que tinha em Rodrigues Alves o orientador e em Fonseca Hermes o redator secretário. Era umafolha bem feita e bem redigida, embora modesta. Nela existia bemcuidada parte literária, na qual colabora vam os simbolistas, como CarlosGóis, Raul Pederneiras, Graça Aranha, Oscar d’Alva, Cruz e Sousa eFélix Pacheco. O li vro  Pelo Sertão, do primeiro Afonso Arinos,recém-aparecido, mereceu longo e consagrador artigo, assinado com opseudônimo A. de Viledo, que encobria o então jo vem escritor AntônioSales, recém-chegado do Ceará.

O Debate, sem ser um jornal oficial, era contudo o órgão oficiosodo partido do go verno, o que quer dizer do próprio go verno.

No findar do século, a imprensa carioca conta va com vários jornais, que diferiam tanto no conceito de que desfruta vam, quanto nosprocessos de ação. O melhor diário, e o mais conceituado, era o velho Jornal do Comércio, sob a direção de José Carlos Rodrigues.O País sofria ainfluência de Quintino Bocaiú va e, por isso, não se inclina va pelo go verno;aGazeta deNotícias desfruta va de bastante prestígio, tal como o Jornal do Brasil,enquanto na cidade do Rio o velho José do Patrocínio, outrora respeitado eglorioso, extinguia-se na aventura e na venalidade. O Jacobino era oporta-voz do florianismo vermelho, dirigido por um exaltado, de fato umpsicopata, Diocleciano Mártir, panfletário feroz, mais temido que respeitado.Bastante agressi va na oposição, embora mais prestigiosa, porque redigidapor um grande jornalista, Alcindo Guanabara (infelizmente também nãoalheio às seduções do dinheiro público), era A Tribuna, que depois passouàs mãos de Antônio Azeredo.

Rodrigues Alves não foi um jornalista do porte de Rui, Patrocínio,Quintino, ou mesmo Ferreira de Araújo. O jornalismo, que exerceucom a maior lisura pessoal, foi-lhe apenas instrumento de ação política, e,nesse caráter, não se pode negar que Rodrigues Alves foi um excelente

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 237

Page 234: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 jornalista político, como também ótimo orador parlamentar, quandonecessário. Sua colaboração direta emO  Debatenão era assinada, a não sercom o pseudônimo deGide(nome do economista francês Charles Gide, tiodo grande escritor André Gide), quando versava assuntos financeiros. O Debate, durante o ano de 1898, atacou violentamente Manuel Vitorino, que,depois da volta de Prudente ao poder, passara a ser um oposicionistaimplacável, e, mesmo, um conspirador. Não se pode saber se os artigoscontra Vitorino eram diretamente de Rodrigues Alves, ou por ele orientados,mas o certo é que a sua responsabilidade na conduta do jornal era conhecida,e nunca foi posta em dúvida. Alguns editoriais de ataque a Vitorino foramcertamente dele, pois tratavam de questões financeiras, que só ele, comoex-ministro da Fazenda, poderia conhecer daquela forma. Defendia a própriagestão e a de Bernardino, contra os ataques contidos em manifesto publicadopelo vice-presidente da República. Nesses escritos, Rodrigues Alves refere-seàs explosões de vaidade e rancor do outro, que levavam “a duvidar daintegridade do seu ânimo”. A série de artigo sobre finanças, que julgamosserem da autoria de Rodrigues Alves, aparecem durante todo o ano de 1898,e neles Vitorino é zurzido sem contemplação. Falavam em “operaçõesmonstruosas” do seu tempo de presidente; acusavam-no de ter sidoenvolvido por um quase chantagista norte-americano; atacavam-no porconceder aos bancos emissores indenizações maiores do que podiam pleitear.Sobre os bancos estrangeiros há o seguinte trecho, no dia 9 de abril: “Algunsbancos de câmbio que exploram este país, contando com a sua legislaçãodefeituosíssima, vão caminhando sempre prósperos, fazendo crescer os seusdividendos de um modo descomunal e até tendo, lá do outro lado, na caixadas suas matrizes, grande parte dos depósitos, que receberam sem juros.” O Debatenão recuou também diante da necessidade de atacar O País, jornal deQuintino, por causa do habeas corpus que o Supremo Tribunal concedeuaos indiciados do atentado de 5 de novembro (acórdão de 16 de abril), entreos quais se achavam Glicério, Barbosa Lima, Alcindo Guanabara e IrineuMachado, todos deputados.

Em tudo isso era muito estranho que Manuel Vitorino,também implicado no processo, voltasse a presidir o Senado, fazendodo posto, abertamente, uma trincheira de oposição.O Debatenão deixoude atacá-lo por esse motivo. Devia ser bastante constrangedor paraRodrigues Alves encontrar-se diariamente, no Senado, com Vitorino ecom Quintino, contra os quais terçava armas todo dia. O jornal nãopoupava, por outro lado, críticas ao Supremo Tribunal e ao MinistroLúcio de Mendonça, rel tor do acórdão.

 238 Afonso Arinos

Page 235: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Na parte financeira (artigos assinados Gide), Rodrigues Alvesapro veitou de perto subsídios que Afonso Pena lhe en viara de Barbacena,onde residia, inclusi ve com a indicação de li vos e páginas. Não faltaramdissabores aos jornalistas de O Debate, acusados naTribuna de estipendiadospelo Tesouro. Lúcio de Mendonça era redator desse jornal.30 O Debatereagiu energicamente contra a acusação, em artigo de 20 de junho.

No segundo semestre prosseguiu ininterrupta a colaboração deRodrigues Alves, ora sob a assinatura de Gide, ora em artigos políticosque, embora não assinados, traíam a sua autoria, pelo estilo enérgico e mode-rado e pelos assuntos que aborda vam. Lauro Sodré, candidato derrotado àpresidência e líder da oposição no Senado, é tratado com rigor.31 Glicério éfreqüentamente criticado, mas os ataques mais constantes e mais fortescontinuam a ser dirigidos contra Manuel Vitorino. A 8 de julho, por exemplo,um editorial alude às “suas paixões e seus cálculos de partidário frenético e semescrúpulos”. A Câmara é condenada ao negar licença para processar deputadosen vol vidos no 5 de No vembro (também em julho). Em agosto, o jornal re ju-bila-se com a chegada de Campos Sales da Europa, no dia 22. O presidenteeleito este ve vários dias no Rio, e, no dia 1º de setembro, recebeu um grandebanquete no Cassino Fluminense (hoje Automó vel Clube), onde leu oseu programa de go verno para todo o meio político. Em setembro, o jornaldefende os atos de Prudente durante o estado de sítio, em bem cuidados artigos.

 A política externa era também ob jeto de estudos atentos.32

Lendo-se hoje o velho jornal tem-se a impressão de que o esforçoempreendido por Rodrigues Alves em defesa da política do go vernodeve ter ajudado muito a sua escolha para presidente de São Paulo.

 Acompanhemos o início do go verno Campos Sales.

Na sua primeira mensagem ao Congresso, escrita no tom forte eafirmati vo que bem lhe marca va a personalidade, o presidente asseguravaque a principal preocupação do seu go verno seria a financeira. Paraele, a política esta va decididamente em segundo plano:

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 239

30 Lúcio de Mendonça, mais tarde, no Supremo Tribunal, continuou a atacarRodrigues Alves, que, veremos, paga-lhe na mesma moeda.

31 Lauro Sodré é outro adversário incansável de Rodrigues Alves.32 Um dos colaboradores sobre política exterior era Graça Aranha, sob o pseudônimo

Page 236: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“O que deve ser proscrito, porque é um mal social e umgra ve embaraço às soluções do presente, é o espírito partidário,com as suas paixões e violências, ora perturbando a evoluçãobenéfica das idéias, ora contrapondo-se ao desdobramentotranqüilo da ati vidade go vernamental.”

Queria uma política de concórdia partidária, para poder restauraro caos financeiro, e, para isso, confia va no que chamou a política dosgo vernadores, ou dos Estados, a qual era, no fundo, a tranqüilidade daUnião, que dava em contrapartida o seu amparo às oligarquias locais.Campos Sales cumpriu esta determinação, segundo é pacífico nahistoriografia republicana. A fidelidade aos rigorosos esquemas financeirostraçados, os quais encontra vam no talentoso e cora joso Ministro daFazenda Joaquim Murtinho o executor ideal e implacá vel, é, ao mesmotempo, moti vo de glória para Campos Sales, por parte dos queconsideram acertada a sua orientação, e razão de crítica, às vezes violenta,por parte daqueles que a consideram errada e pre judicial aos interessesdo país.

O historiador objeti vo deve, antes de tudo, colocar-se noquadro das idéias e processos go vernati vos da época, para poder julgar aorientação financeira de Campos Sales. Nesse quadro, o saldo de suaadministração é francamente positi vo. A idéia de desen vol vimentonacional, baseado na industrialização e na tecnologia, não podiadominar naquela passagem do século. O interesse nacional repousa va,segundo acredita va todo o grupo dirigente, na solidez do créditoexterno e na balança comercial fa vorá vel. O lado negati vo foram ossacrifícios penosos impostos ao povo pelo regime de austeridade.

Rodrigues Alves era o homem de confiança de Campos Salesno Senado; o seu porta-voz autorizado.

Desde antes da posse, o novo presidente indica nas suas cartasao amigo que isto aconteceria. Político que dizia não fazer política, as cartasde Campos Sales, já presidente eleito, são às vezes curiosas. A 10 de setembro,pede que promo va o andamento do tratado de extradição com os EstadosUnidos “pelo qual muito se interessa o respecti vo ministro”. E ajunta: “Acho

 240 Afonso Arinos

Page 237: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Campos Sales retorna da Europa, cheio deesperanças, antes deassumir apresidência da República. Re vista Ilustrada. Coleção Plínio Doyle

Page 238: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A 28 do mesmo mês, empenha-se em saber onde se acha osoldado Antônio da Costa, praça do 25º Batalhão, e exige a sua baixa.Como se vê, política externa em grande e interna, pelo miúdo.

 A 24 de outubro, instrui Rodrigues Alves para que não permi-ta, no Senado, emendas ao orçamento, vindo da Câmara:

“Já agora é ato de patriotismo apro veitar o Senado estaúltima semana para dar e não emendar os orçamentos.”

 A dificuldade de comunicações fazia com que o presidenteescre vesse de próprio punho suas impressões, mesmo reser vadas, ao líderdo Senado, que lhe merecia toda confiança. Contam-se por dezenas essespapéis, no ano de 1899, entre cartas e bilhetes. Alguns são particularmenteinteressantes, porque constam de uma pergunta, escrita pelo líder, e arespecti va resposta, de mão do presidente, ambas no mesmo papel.

De 5 de abril é uma carta impressionante de Campos Sales,denunciando a exploração dos financistas ingleses à custa do povo bra -sileiro. Antes dessa data, em 2 de fe vereiro, escre vendo de Petrópolis, jáCampos Sales mostra va-se preocupado com o assunto.

“Há dias escre vi ao Prestes,33 lembrando a con veniênciade tratar do empréstimo externo para São Paulo, agora, vistoque, se se conseguisse realizar a operação, ter-se-ia a dupla van -tagem de um tipo ele vado coincidindo, com um câmbio baixo eisto porque a cotação fa vorá vel dos títulos nacionais faz esperarfacilidade na negociação, vantagens que seriam melhoradas napassagem do ouro ao preço do câmbio atual. O Prestes nãomostrou-se [sic] muito propenso a isto, parecendo que ele prefe-re vi ver com as reser vas obtidas à medida que as necessidadesforem surgindo, até que o seu sucessor [Rodrigues Alves] assu-ma o go verno e empreenda a operação que entender.”

De passagem, deve ser obser vado que, de acordo com os pro -cessos do tempo, já em fe vereiro de 1889 esta va assentada a ida de Rodri-gues Alves para o go verno de São Paulo no começo do ano seguinte.

 242 Afonso Arinos

33 Fernando Prestes, que sucedera a Campos Sales na qualidade de presidente de

Page 239: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em seguida, Campos Sales, nessa carta, expõe longamente ecom firmeza a execução do seu plano financeiro, cu jas normas rigorosasnão pretendia afrouxar, apesar de saber que elas tinham “causado desagradoa muita gente”, mas eram “o único caminho para regenerar isto”.

 Voltava ao empréstimo paulista, achando que ele podia serfeito com a garantia da mesa de rendas de Santos, porque a União nãorecua va diante de garantias semelhantes, e que, se fosse bem negociado,poderia ser emitido ao tipo de 90.

 Vamos transcre ver agora trechos principais da carta de 5 de abril:

“Que lhe parece o empréstimo de São Paulo? Acho quefoi um desastre. Pelo prospecto, vejo que o empréstimo foiespecialmentegarantido pelo produto do imposto do café(mesa de rendade Santos); no entanto, dizia-se que a operação se fazia semgarantia alguma, visto que esta só ser viria para melindrar ocrédito paulista. Agora recebo informações de Londres,deboa fonte, afirmando que o Schröder contratou o empréstimo aopreço de82 e transferiu o seu contrato a um sindicato ao preço de87, para ser emitido ao público a 90. Veja bem quanto negó-cio e os próprios preços indicam que se deu a garantia, quealiás, parecia tão repugnante, quando eu aconselha va.

Tendo o Estado recebido somente 76½%, segue-se queSchröder ganhou de mão bei jada, isto é, pelo trabalho detransferir a outrem, a bagatela de 10½% – que é a quantocorresponde a diferença entre 76½% e 87. Se, porém, se fizer aconta entre o que recebeu o Estado (76½%) e o preço dacomissão,34 verifica-se que a corretagem do empréstimoele vou-se a 13½%.35 Assombroso, não acha?”

Esta carta, escrita em papel timbrado do gabinete do presidenteda República, é um triste testemunho da exploração que sobre nós exerciamos banqueiros estrangeiros.

 A 15 do mesmo mês de abril, Campos Sales en via este jocosobilhete:

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 243

34 O presidente aludia aqui à comissão de 3% constante do contrato, à qual vieramse somar todos os demais ganhos dos intermediários.

Page 240: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Você não pode imaginar que eu venho fazer um pedidoao futuro presidente de São Paulo. Pois é isso mesmo. Tenhomuita afeição, muita amizade ao meu ajudante-de-ordens, Ca -pitão Jaime Marcondes. É um excelente rapaz, muito leal esobretudo muito dedicado. O Prestes o substituiu, não pornão querê-lo, mas porque pediram por outro [....]. Se você jánão tem compromissos, peço que tome nota do meu pedidoe reser ve-lhe o lugar. Creia que é um grande fa vor.”

 As primeiras dificuldades encontradas por Campos Salesforam relati vas à eleição das Mesas das duas Casas. Os remanescentesda oposição contra Prudente, aliados a mineiros e paulistas, queriam darcombate à orientação do Catete.

“No Rio de Janeiro [escre ve Rodrigues Alves a Prudentede Morais] o nosso amigo Alberto Torres dirige o mo vimento jacobino (florianista).”O Senador Augusto Montenegro confirma isto, ao escre ver a

Rodrigues Alves, que, no reconhecimento do Rio de Janeiro, “o Bueno[Brandão] tem estado verdadeiramente incon veniente”.

No primeiro semestre de 1899 veio a debate no Senado umgra ve caso político estadual, que se prolongaria durante anos, em episó-dios de violência e que, no declínio do go verno de Rodrigues Alves, se -ria causa de uma derrota política por ele experimentada no Congresso.Foi o caso de Mato Grosso, para cujo acompanhamento e compreensãosão necessários alguns antecedentes.

 A luta em Mato Grosso, desencadeada desde os primeiros diasda República, era, de fato, um prolongamento das inconciliá veis ri validadesentre os dois partidos do Império. Os antigos liberais e conser vadores con -tinuaram a se hostilizar implaca velmente, pelas intrigas e pelas armas, noseio do Partido Republicano, a que todos vieram a aderir.

Entre os liberais esta vam Generoso Ponce, chefe de grandeenergia e real prestígio; os irmãos Antônio e Joaquim Murtinho e Antônio Azeredo. Esses vão se constituir no núcleo do sistema que obstinadamentedominou o longínquo Estado, pelas urnas ou pelas carabinas, e enfren-tando quando necessário, o poder federal, fosse ele encarnado no republicano

 244 Afonso Arinos

Page 241: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Antes da República, a situação dos liberais era forte naProvíncia: Joaquim Murtinho, com o apoio de Ponce, ha via sido indicadopara senador do Império.

Com o novo regime, vem já o dissídio. O go vernador militar,nomeado por Deodoro, General Antônio Maria Coelho, propende paraos conser vadores, e isto expressa os antigos ad versários, sobretudoporque aqueles insistem em fazer toda a representação mato-grossense àConstituinte federal.

Empregando métodos de compreensão armada, o go vernadorpro visório le vou a antiga ala liberal a se abster no pleito. Nas vésperasda eleição da Constituinte estadual (janeiro de 1891), a qual osoposicionistas ha viam decidido comparecer, o go vernador mandouprender Manuel Murtinho, um dos chefes que ha viam recomendado aparticipação. Ponce, Azeredo e Joaquim Murtinho, na capital federal,trabalha vam intensamente junto a Deodoro, que cedeu e destituiu ogovernador pro visório, nomeando o Coronel Sólon,36 depois o CoronelMallet.37 As eleições estaduais foram anuladas por decreto do Go vernoPro visório – exatamente por Campos Sales, ministro da Justiça – e anova Constituinte elegeu Manuel Murtinho presidente constitucional doEstado. Com a queda de Deodoro e a ascensão de Floriano, Murtinhoficou entre os go vernadores depostos, e a facção contrária assumiu opoder. Formou-se uma junta go vernati va, mas Ponce organizou forçasirregulares que in vadiram Cuiabá e colocaram no poder outra Junta, estade amigos seus. Floriano inter veio, fazendo seu emissário o GeneralEwbank,38 que, no entanto, foi detido na subida do rio Paraguai,quando vinha de Assunção para Cuiabá. Alastrou-se a desordem. Ponceorganizou outra força de pro visórios, mais numerosa que a anterior, ein vestiu de novo contra Cuiabá, em maio de 1892. Seguiram-se dias deluta feroz dentro da capital, concluída com a rendição dos contingentesdo Exército, entrincheirados em uma caserna. Foram, então, massacradospelos partidários de Ponce dois jo vens oficiais, depois de receberemgarantias de vida. O chefe não foi responsá vel pelo crime, mas o fatopro vocou penosa repercussão no país.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 245

36 Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro. Teve grande atuação no 15 de Novembro.Foi o mensageiro incumbido de levar a Pedro II a ordem de exílio. Sogro deEuclides da Cunha.

37 João Nepomuceno de Medeiros Mallet, mais tarde marechal e ministro da Guerra

Page 242: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Murtinho foi reconduzido à presidência do Estado em julhode 1892. Em 1893 a situação esta va assegurada para o grupo, com Antônio Azeredo na Câmara Federal e Joaquim Murtinho no Senado da Repúbli-ca. O chefe supremo em Mato Grosso era, porém, Generoso Ponce,eleito também para o Senado.

Em 1897, o forte grupo de Ponce começa va a apresentar umadissidência, liderada pelo Coronel Antônio Pais de Barros, o Totó Pais. Em1898 o Go vernador Antônio Correia da Costa renunciou, também em di ver-gência com Ponce. Assim, desde o início do go verno Campos Sales, a lutapelo domínio entre as oligarquias de Mato Grosso tomou caráter de guerra.

 A posição do presidente não era cômoda. A política dos go verna-dores, que erigira em norma para o go verno federal, ia sofrer, em MatoGrosso, uma exceção aberrante e, mesmo, escandalosa. Em termos claros, apolítica dos go vernadores significa va o apoio da representação do Estado noCongresso Nacional. Mas, em Mato Grosso, Campos Sales, premido pelanecessidade de manter o ministro da Fazenda, mola mestra do mecanismoda sua administração, procedeu de modo in verso, isto é, apoiou a oligarquiados Murtinhos, na oposição, contra a oligarquia dos Ponce, no go verno.

 A posição do presidente complica va-se ainda mais porque, jurista e com responsabilidades na construção do mecanismo constitu-cional da República, foi le vado a infringir a Constituição Federal, paramanter sua proteção aos irmãos Murtinho.

 A crise verificou-se quando da sucessão do Vice-Governador Antônio Pedro, que sucedera ao presidente renunciante Correia da Costa. A eleição verifica va-se a 1º de março de 1899 e o mandato tinha início a 15 deagosto. Os chefes regionais indica vam Ponce como candidato, mas este, queseria aceito sem discrepância de monta, recusou a oferta, pro va velmente por -que, senador no Rio de Janeiro, não se dispunha a voltar a Mato Grosso coma família, para ali residir. As razões por ele apresentadas, como justificati vasda recusa, não con vencem, com efeito. Ponce indicou, como candidato, aoengenheiro João Félix Peixoto de Aze vedo. Abriu-se, então, nova dissidência,tendo os Murtinhos (Joaquim, ministro da Fazenda, e Manuel, ministro do

 246 Afonso Arinos

Page 243: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A ri validade exacerbou-se e, como era habitual em Mato Gros -so, de vido à enorme distância, à situação de fronteira e práticas caudilhes-cas, ambos os partidos recorreram às armas.

Totó Pais, ex-amigo de Ponce, juntou-se aos Murtinhos, le van-tou 3.000 homens com 600 ca valos e in vadiu Cuiabá a 10 de abril, quandose reunia a Assembléia estadual, de que Ponce era presidente, para apurar oque então se chama vam as eleições. Sentindo-se coactos, a Assembléia e o Vice-Governador Antônio Pedro pediram a Campos Sales a inter vençãofederal, de acordo com o artigo 6º da Constituição e a copiosa doutrina jáentão existente. Mas o presidente e antigo ministro da Justiça fez ou vidosmoucos. Encastelou-se em olímpica “imparcialidade”, enquanto os capan-gas armados de Totó Pais derruba vam o go verno constituído e anula vam aeleição de Peixoto de Aze vedo. A força federal, seguindo instruções dopresidente, assistiu impassí vel ao combate das ruas.

 As possibilidades do Exército eram, sem dú vida, muitodiminutas. Em Cuiabá só ha via cerca de 100 praças, contra milharesde pro visórios armados. É verdade que o Exército dispunha de melhorescomando e armamento e, colocado a lado da autoridade, poderia mudar opanorama.

 Alguns aspectos dessa confusa luta de famílias39 exigiram aação de Rodrigues Alves, líder do Senado, em defesa da difícil posturado presidente.

 Anuladas, como vimos, as eleições, pela Assembléia, num arre-medo de deliberação, tratou-se de escolher um candidato conciliatório. Onome sugerido pelos Murtinhos foi o de Antônio Pedroso de Barros. Ospartidários de Ponce incumbiram Rodrigues Alves de negociar a aceitação, junto a Campos Sales, desde que o vice-presidente fosse deles. Os Murti-nhos recusaram. No Senado, Antônio Azeredo, em enérgicos discursos,ataca va fortemente Campos Sales. Cabia a Rodrigues Alves responder.

Fê-lo a 29 de maio e recebeu a seguinte carta de Campos Sales,datada de 30:

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 247

39 Manuel Murtinho, certa feita, ao lembrar a candidatura de um filho para deputadofederal, na vaga de um genro, diz com o maior desembaraço que a cadeira

Page 244: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Venho engrossar 40 por carta, visto que você não vemreceber de cara a cara os meus mais francos agradecimentos eaplausos pelo seu discurso de ontem, que, segundo ouço ge -ralmente, produziu a impressão dese jada. A não ser a gente deMato Grosso, todo mundo julga justificada a conduta do go - verno. Veja que lucrei com o debate e que fui bem inspiradoquando mostrei dese jo de que você interviesse no debate.”

Rodrigues Alves ainda tentou um acordo, como se vê destatranscrição que traz as caligrafias dos dois presidentes:

“Campos Sales

Tem alguma notícia a dar-me sobre Mato Grosso? Oshomens não me deixam, alegando a iminência da eleição noEstado. Do amigo e colega F. P. Rodrigues Alves. 14 de junho.”

E, embaixo:

“Nada, infelizmente, para acrescentar ao que já disse. Forados termos da proposta de que lhe falei, considera-se impossí veluma combinação. Do amigo afetuoso Campos Sales.”

Ponce tentou ainda le vantar forças nas suas terras, mas dessa vez não conseguiu. Resol veram, então, ele e seus amigos, escolher a abs -tenção, no novo pleito. Pro va velmente sob a pressão de Ponce, o vi -ce-presidente em exercício renunciou, em proclamação de 4 de julho.

Diante da recusa dos substitutos legais de assumirem o go ver-no, Campos Sales, usando costume do tempo do Império, determinouao comandante da guarnição que empossasse um dos vereadores da ca -pital. É o que explica a Rodrigues Alves, em carta do dia 11:

“A ordem que dei ao comandante do distrito foi quechamasse sucessi vamente os vereadores pela ordem de vota-ção. Ele comunicou-me que, de acordo com esta recomenda-ção, chegou ao vereador que assumiu o go verno, con vidandosucessi vamente os que o antecediam, menos um, que não foichamado por estar ausente.”

 248 Afonso Arinos

Page 245: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Eram elementos para os discursos do líder. O vereador queassumiu o go verno chama va-se Antônio Leite de Figueiredo, e o trans -mitiu, afinal, a Antônio Pedro Alves de Barros, oficial de Marinha, veterano do Paraguai (esti vera em Humaitá) e irmão de outro oficial da Armada, José Pedro Alves de Barros, chefe da Casa Militar de CamposSales. Sobre ele recaíra a escolha dos Murtinhos.

Em defesa de Campos Sales, Rodrigues Alves ocupou várias vezes a tribuna do Senado. Falou a 16 de junho, defendendo a tese daneutralidade do go verno federal; e a 20 de julho, discutindo com LauroSodré, de quem – acentua – di vergia desde os seus tempos de ministro daFazenda. Como veremos, essa di vergência transformou-se em verdadeiroódio, por parte de Sodré. Mas o melhor dos discursos de Rodrigues Alves,naqueles dias, foi o de 22 de julho. Defendeu brilhantemente o presidentedas acusações pessoais que lhe faziam os vencidos de Mato Grosso.

Campos Sales – vê-se pela correspondência – auxilia va direta-mente o amigo. Acusado de antigo escra vocrata, en viou a Rodrigues Alves, no dia 6, este bilhete:

“Neste li vrinho estão a minha conferência no Amparo (aprimeira que se fez no Brasil sobre o pro jeto Dantas) e odiscurso que proferi na Câmara, combatendo a moção Moreirade Barros. Ambos vão marcados. Verá por aí como soucaluniado pelos que me atribuem espírito escra vagista.” (Sic.)

No dia 7 Rodrigues Alves escre via:

“Recebi o li vro. Diga-me qual é a disposição de que mefalou ontem, tomando a Constituição de Goiás como supletivada de Mato Grosso.”

Campos Sales respondeu, no mesmo papel:

“É o art. 2º das disposições transitórias, mas não o achoaplicá vel ao caso. Acho que a Constituição de Goiás pode serin vocada com auxílio à interpretação doutrinal. É casosemelhante. P. S. Se quiser referir-se à reunião dos fazendeirospaulistas sobre a questão ser vil pode dizer que ela teve lugar a

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 249

Page 246: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Tendo-se preparado cuidadosamente, recolhendo dados e ar -gumentos, Rodrigues Alves falou a 22 de julho. Foi, sem exagero, umaesplêndida oração. Defendeu o presidente no caso da Abolição, no epi-sódio da candidatura de Prudente dentro da Constituinte, e entrou nodebate dos fatos recentes, sustentando, tanto quanto possí vel, a imagemdo go verno. No dia seguinte, 23, Campos Sales remeteu-lhe o seguintecartão:

“O seu discurso encheu-me as medidas. Foi completo atodos os respeitos, tanto defendendo a conduta do go verno nocaso de Mato Grosso, como rebatendo as calúnias do coléricoex-juiz municipal de Porto Feliz, de sombria memória. Agora foique ficou, de verdade, liquidada a questão. Não há necessidadede mais uma só pala vra. Obrigadíssimo.”

O senador paulista falou outras vezes em defesa do seu presi-dente, como, por exemplo, a 16 de setembro, contestando acusaçõesfeitas a propósito das despesas aplicadas na recepção de Julio Roca, pre -sidente da Argentina. Proferiu, ainda, discursos encaminhando a votaçãodo orçamento e um em resposta ao seu colega Feliciano Pena, primo ecunhado de Afonso Pena, o qual costuma va atacar o go verno.

Mas Rodrigues Alves prepara va-se para assumir, ele próprio,o go verno de São Paulo. De lá Bernardino de Campos escre via-lhe,como se já fosse presidente do Estado, expondo problemas internos doCongresso estadual, no qual o Coronel Virgílio, irmão de Rodrigues Alves, senador, adquirira natural prestígio. Também as eleições de 1899para a Câmara e o Senado estaduais se aproxima vam, e Bernardino estu-dou a formação das chapas em carta minuciosa, da qual se depreendeque o cuidado maior era destruir as forças remanescentes de FranciscoGlicério.

Igualmente se acerca vam as eleições federais, e Bernardino,em carta de 21 de agosto, realça va a necessidade de se reunir o dispersoorganismo do Partido Republicano, sob a chefia de Rodrigues Alves.Luís Viana, go vernador da Bahia, fora a São Paulo, onde se entreti veracom Prudente de Morais, que não recusara colaborar, apesar de afasta-do. Entre outras medidas, Bernardino acentua va a necessidade de re vita-

 250 Afonso Arinos

Page 247: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Para garantir a orientação do jornal e evitar os riscos daempresa, pelo lado moral e político, dese jam todos que vocêseja o seu supremo diretor, a fim de orientá-lo na de vida linha.Sua posição no Senado lhe gran jeou o sufrágio, pela demons-tração do critério com que se hou ve, des viando o partido dasciladas ad versas e prestando apoio de vido ao Campos Sales.”

O Debatefoi ainda ob jeto de uma carta de Rodrigues Alves aPrudente, no princípio do ano (23 de janeiro). O passi vo da folha eragrande, cerca de 40 contos. Rodrigues Alves havia concorrido comrecursos pessoais para sua manutenção. Na mesma carta, congratulava-secom o ex-presidente da República pelas pro vas de apreço que vinharecebendo em São Paulo: “Estou con vencido de que o tempo há de tor -nar mais grandiosa a memória do seu go verno.” Comunicou no fechoque, apro veitando as férias, ia para as fazendas de São Manuel, que não visita va ha via um ano.

De 26 de outubro é uma carta dramática de Bernardino. A peste bubônica irrompera em Santos e a notícia fora di vulgada no Rio. A situação era gra ve. O go verno do Estado dispunha-se a enfrentar omal e ha via tristeza pela má vontade da imprensa contra São Paulo.Falava-se até que São Paulo pesa va à federação.

Campos Sales, em 26 de outubro, ocupou-se dos riscos dapeste no Rio, “o que infelizmente não deve ser excluído das pre visões”.Nesse caso o Congresso se es vaziaria, pois deputados e senadores fugi-riam para os seus Estados.41

 A ação no cenário federal não pre judica va a outra, que osenador paulista exercia na política de São Paulo. Membro da comissãoexecuti va do PRP, e daquela mesma comissão no PR federal, Rodrigues Alves era o chefe incontestá vel de todo o chamado Norte paulista. DinoBueno, seu vizinho de zona (fazia política em Pindamonhangaba), escre- via-lhe sem reser va, a 14 de janeiro de 1899, comunicando que “oBernardino disse que aqui no Norte o que o senhor resol vesse, isso seria”.

Os problemas eram às vezes difíceis, porque, na ausência deuma oposição viá vel, as facções municipais se digladia vam pela conquista

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 251

41 Adiante veremos que, como presidente de São Paulo, Rodrigues Alves já se fixara

Page 248: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

da situação oficial. Assim os dirigentes fica vam às vezes em palpos dearanha, para escolher entre os dois grupos, quando ambos se extrema- vam em demonstrações de apoio.

O chefe geral era, porém, Bernardino, que dirigia o barcodepois da eleição de Campos Sales e da rebeldia de Glicério. Este nãoera poupado. Em carta de 12 de dezembro, Bernardino escre via aRodrigues Alves, a respeito das eleições para o Congresso:

“Creio que venceremos em todos os distritos, mesmono 7º, onde o Glicério, apesar da lavoura,42 não será eleito.Este homem, que não quis apro veitar a sua força política parao bem, tal vez vítima de erro de inteligência, prestando-se aser instrumento da escória do Rio, está purgando sozinho opecado de todos. Não sei se terá já percebido de que laia eramos companheiros. No íntimo, já me inclino a ter pena, mas,como político, irei até o fim, logicamente.”

Muito interessante, pelo que re vela da psicologia e da posiçãoentão assumida pelo signatário, é esta outra carta, também de dezembrode 1899, dia 17:

“Dr. Rodrigues Alves.

 Acabo de receber a sua carta com o telegrama do Luís Viana. Ontem respondi por telegrama a carta análoga do Dr.Bernardino, dizendo que não fiz nem faço questão da eleiçãodo Fausto Cardoso, como declarei a Felisbelo43 e MartinhoGarcez, em cartas de 9 e 11 do corrente. Meteram-me nessahistória da politicagem de Sergipe, como Pilatos no credo, amim que não me en vol vi nem na designação dos candidatosde São Paulo e que tenho me conser vado só no meu canto,evitando inter vir em negócios públicos ou eleitorais do meuEstado e até do município onde resido. Parece-me que ele,

 252 Afonso Arinos

42 Sublinhado no original. Glicério, excluído da chapa oficial, apresentara-se como“candidato da lavoura”, grupo ocasional a que se filiou também, em Batatais, o jovem Washington Luís Pereira de Sousa

Page 249: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Garcez, dese ja incluir o Felisbelo e procura, para conseguirisso, acobertar-se com uma carta minha, que aliás não se presta aisso. Há meses o Fausto Cardoso, que conheci no ano passa-do quando redigia O Debate, escre veu-me dizendo que suacandidatura era muito bem aceita pelo Padre Olímpio44  epelo Garcez e pedindo-me que eu me interessasse por ele juntoa este. Escre vi ao Garcez, que ainda esta va em Sergipe, repe-tindo as informações do F. Cardoso e dizendo que eu estima-ria a eleição deste, seisso não contrariasseinteresses da política deSergipeou combinações ecompromissos anteriores.45 Eis aí como fizquestão da eleição de F. Cardoso. Não fiz nem podia fazerquestão por eleição de alguém de Sergipe, quando não tivenem tenho candidato na eleição de São Paulo. O M. Garcezdeve ter recebido a 12 do corrente a carta em que eu lhe disseisto mesmo, acrescentando que não dese ja va absolutamenteque minha carta anterior pudesse contribuir para a exclusãodo Felisbelo. Por isso, se o Felisbelo for excluído, não serápor causa daquela minha carta. Dese ja-lhe saúde e aos filhoso colega e amigo obrigadíssimo Prudente de Morais.”

Era natural que causasse estranheza o apoio de Prudente ao im -petuoso deputado sergipano. Fausto Cardoso mo via implacá vel oposição aCampos Sales. Em fins de 1900 le vou tal oposição a extremos de um per -sonalismo inconcebí vel. Grande orador, Fausto era um neurótico.

Com o fim do ano, aproximou-se o termo do mandato deRodrigues Alves, pois, no primeiro semestre de 1900, estaria no go verno deSão Paulo. Campos Sales continua va a escre ver-lhe freqüentemente. A 3 deno vembro queixou-se do Senador Leopoldo de Bulhões, achando “vene-noso” e “insidioso” um seu discurso. Dizia preferir “mil vezes o auxílio deuma hostilidade desembuçada a essas manhas goianas”.

O presidente chama va freqüentemente Rodrigues Alves aoCatete. Às vezes fazia-o em forma bonachona, como neste bilhete:

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 253

44 Padre Olímpio Campos, governador de Sergipe, adversário de Fausto

Page 250: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Quando sair para barbear-se chegue até aqui.” Como Bernardino,acha va que o inimigo na política paulista era Glicério:

“Recebi esta carta de Bernardino. Acho que ele temrazão quanto à especulação dos inimigos da República, hojealiados naturais do Glicério” – escre via em carta não datada.

Em dezembro, Campos Sales já agradecia a Rodrigues Alves osgrandes ser viços que lhe prestara no Senado. Esta carta é do dia 1º:

“Quero ter o prazer de oferecer um jantar, em família,ao meu amigo – futuro presidente de São Paulo – e se vocêconsentir designar o dia 3 do corrente, às 7 horas. São con vi-dadas as suas filhas e os seus filhos, que espero não faltarão.É sem cerimônia, sendo con vidados, além dos seus, somenteo Tobias46e Sampaio Ferraz.”

No dia 3 confirmava:

“Mandarei às 6½ dois carros para trazê-los a palácio. O jantar é às 7, mas uma meia hora de antecedência não serádemais, para a prosa. Não sei se disse que é sem casaca. Fica-semais à vontade.”

Rodrigues Alves ainda atuou politicamente, como senador,em princípios de 1900, pouco antes de assumir o go verno de São Paulo,o que de via ocorrer dias antes da abertura da sessão legislati va. Seutrabalho foi o de coordenar as forças go vernistas, na questão doreconhecimento de poderes dos no vos senadores eleitos. Em carta de25 de fe vereiro, Campos Sales forneceu-lhe instruções a respeito. Fiel àpolítica que inaugura va, o presidente recomendou ao amigo que promo- vesse, em princípio, o reconhecimento de todos os candidatos que seapresentassem como representantes das forças go vernamentais de cadaEstado. Vimos anteriormente como transcorreram alguns episódios nodecurso desse período penoso de ajustamento.

 254 Afonso Arinos

46 Tobias Monteiro, secretário de Campos Sales e redator principal do Jornal do

Page 251: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Livro III 

Capítulo Primeiro

 PresidentedeSão Paulo – Candidato à presidência da República – A dissidênciapaulista – Plata forma degoverno – A eleição presidencial.

PRESIDENTE DE SÃO PAULO

Em 1898, ao assumir a presidência da República, CamposSales fora substituído interinamente, no go verno de São Paulo, pelo Vice-Presidente Peixoto Gomide. Mas, de acordo com a Constituiçãoestadual, o período presidencial de veria ser completado por outro presidenteeleito. Foi, então, indicado e eleito pelo PRP o Coronel Fernando Prestes(pai de Júlio Prestes), prestigioso e fiel chefe político em Itapetininga. Emdezembro, realizaram-se eleições para o Congresso Federal. Os pleitosestadual e federal foram perturbados por desordens em Santos, Itu, Avarée Pira ju. A situação interna da política paulista não era tranqüila como amineira. A dissidência dos republicanos históricos, de tonalidade florianis-ta, chefiados por Glicério, não se deixa va absor ver. Também Prudente eseus amigos se mantinham retraídos. Como demonstração dessas di ver-gências, a imprensa paulistana publica va cartas e comunicados denuncian-do a opressão exercida pela oligarquia partidária contra a oposição em

Page 252: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

por dois políticos. Um era o velho republicano Francisco Glicério. Ou-tro era um jo vem e obscuro postulante à eleição, cuja carreira começa- va. Chama va-se Washington Luís Pereira de Sousa.

Prestes go vernou até fins de abril de 1900, passando o postoa Rodrigues Alves, no dia 1º de maio.

Na mensagem que dirigira ao Congresso estadual a 7 de abril,antes de deixar o go verno, o Presidente Prestes consigna, com estas pala- vras de elogio, o prestígio nacional de que vinha cercado Rodrigues Alves:

“Notá vel brasileiro, estadista ilustre a quem as urnaseleitorais, em li vre pleito, acabam, sem di vergência apreciá vel,de confiar os nossos destinos, e que em bre ves dias assumiráa posse das suas funções, por entre as mais justas esperançase em meio das manifestações sinceras de júbilo comum.”

Eleito a 15 de fe vereiro e proclamado a 25 de abril, Rodrigues Alves tomou posse, como ficou dito, a 1º de maio.

No dia 29 de abril, com membros da família e vários amigos,embarcou em Guaratinguetá rumo à capital, onde ficou hospedado noGrande Hotel.1

No dia da posse perante o Congresso do Estado, o Correio Paulistano, órgão do partido, dedicou longo editorial ao novo presidente,eleito sem competidor oficial. Exaltou os seus reconhecidos dotes dehomem público e enalteceu a figura do estadista, político e administra-dor, experimentado e respeitado desde o Império.

No dia 2, o Correio abriu a página de rosto com o noticiáriosobre o novo go verno exibindo os retratos dos seus componentes. Ao lado dopresidente figura vam Bento Bueno, republicano da primeira hora, secretário doInterior, pasta política; Cândido Rodrigues,2 engenheiro conceituado,

 256 Afonso Arinos

1 O Grande Hotel, que ocupava todo um quarteirão entre as Ruas de São Bento eSão José (Líbero Badaró), era renomado. Na minha tradução do livro Imagens do Brasil, de Carl von Koseritz, lê-se o seguinte: “Este hotel [....] é o melhor doBrasil. Nenhum hotel do Rio se lhe compara [....]. Nem o Rio nem todo o restodo Brasil possui nada de parecido em matéria de luxo.”

2 Em 1906, Antônio Cândido Rodrigues, então deputado federal, foi dos maisardorosos opositores a Rodrigues Alves nas questões do Convênio de Taubaté e

Page 253: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

secretário da Agricultura; Francisco Malta, vindo dos liberais da Mo -narquia, secretário da Fazenda e Oli veira Ribeiro, juiz de direito, chefede Polícia. O prefeito da capital era o Barão de Duprat, depois substi-tuído pelo Conselheiro Antônio Prado.

No banquete de despedida oferecido a Fernando Prestes (queembarca va, com o filho Júlio Prestes, para Itapetininga, onde volta vam aresidir), Rodrigues Alves proferiu importante discurso de definição polí-tica e programa de go verno.

Como sempre procederia depois, confessa va modestamenteas suas deficiências para o alto cargo. Não o pleiteara. Pedia, por isso, aajuda dos competentes, para que pudesse go vernar em benefício dacoleti vidade paulista. Declarou que seu dese jo, além da manutenção daordem, esta va em estimular a la voura, o que só poderia ser conseguidocom uma enérgica política de transportes e imigração.

Mas a situação sanitária viria exigir-lhe esforços a que nãoaludira naquela fala. A febre amarela manifestara-se em forma epidêmicaem alguns municípios do interior, inclusi ve Sorocaba, onde fizera maisde mil vítimas.3 A peste bubônica, que constituía, com a febre amarela,o pesadelo do Brasil, irrompera em Santos, naquele mesmo mês demaio. Segundo os sanitaristas, ela vinha trazida pelos imigrantes portu-gueses, pois em Portugal era endêmica, sobretudo nos bairros pobres esuperpo voados do Porto. A mortalidade se apresenta va ele vadíssima, napeste, e os seus sintomas alarmantes logo se denunciaram. Começaram aaparecer ratos mortos nas docas e, em bre ve, imigrantes portugueses,homens e mulheres, exibiam os sintomas indisfarçá veis do mal. Em SãoPaulo, ha via tal vez o melhor ser viço de higiene pública do Brasil, sob adireção do sanitarista Emílio Ribas. No go verno de Fernando Prestes,ha via iniciado o trabalho de erradicação da febre e da peste. Rodrigues Alves considera va o assunto prioritário e, como fizera já no Império,enfrentou cora josamente o problema. Na sua opinião, a cidade de SãoPaulo, pelo clima e pela configuração urbana, era menos vulnerá vel aosataques das epidemias. O mal esta va nas cidades quentes do litoral,como Santos, e, principalmente, Rio de Janeiro.

 Já então se tinha uma idéia exata da relação entre o amontoadoanti-higiênico da população pobre, nas vielas estreitas da capital da República,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 257

3 Como veremos em tempo oportuno, essa epidemia foi vitoriosamente enfrentadapor Emílio Ribas que empregou então, de forma pioneira, as medidas recentíssimas

Page 254: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

cidade de aspecto colonial, e o problema da saúde pública, cada vez maisgra ve por causa do aumento da população. Muita gente percebia que oBrasil pestoso e amarelento precisa va empreender grandes obras de urba-nismo para tornar possí vel a ação sanitária. A imagem do país no estran-geiro era a pior possí vel. Perdíamos longe para a Argentina. O DeputadoLopes Tro vão, representante carioca, apresentara à Câmara, naquele ano,um pro jeto que visa va exatamente à reforma urbana em benefício da saú-de pública. Os jornais de São Paulo fala vam nos estudos que se faziam nolaboratório oficial de Manguinhos, dirigido pelo Barão de Pedro Afonso,4

instituto onde começa va a sua formidá vel obra um jo vem cientista pornome Osvaldo Cruz. Rodrigues Alves que, desde deputado pro vincial, erahomem do progresso, não conhecia, pro va velmente, os problemastécnicos, nem os cientistas que deles se ocupa vam. Mas sua sensibilidadepolítica o alerta va para a situação. Ele pensa va, como outros, que, sem areforma do Rio de Janeiro e sem uma vigorosa ação administrati va embenefício da saúde pública, o Brasil não entraria no século XX.

Demonstração impressionante dessa obstinada vontade deprogresso que anima va o já então estadista é o artigo sem assinatura publica-do pelo CorreioPaulistanoa 29 de outubro de 1900, sob o título: “A via-gem do presidente”. Campos Sales, com efeito, seguira em missãotriunfal para a Argentina. Acompanha va-o numeroso séquito de per -sonalidades políticas, como os Senadores Pinheiro Machado e Quinti-no Bocaiú va, o Deputado Gastão da Cunha, ou intelectuais, como Ola vo Bi -lac, além de militares, jornalistas e assessores. Toda essa elite brasileiradeslumbrou-se com Buenos Aires, que somente alguns poucos, comoQuintino ou Pinheiro, conheciam. O orgulho nacional sentia-se espe-zinhado com a sanidade, a fragrância, a ma jestade da capital portenha. As correspondências de imprensa fala vam nas luzes, nas avenidas, nosnobres edifícios de Buenos Aires. Ao lado daquela pequena Parissul-americana, cintilando nas galas da belleépoque, os brasileiros recor-da vam, humilhados, a cidade pro vinciana dos cortiços, das vielas e dapeste, acocorada junto às praias deslumbrantes da Guanabara. O artigoreferido é a exteriorização dessa espécie de humilhação patriótica. Temos porpro vá vel que seja da autoria do próprio Rodrigues Alves, e por seguro que foi,pelo menos, de sua inspiração. Todo ele ressalta a necessidade da refor-ma da capital brasileira. Estes são os seus tópicos finais:

 258 Afonso Arinos

4 Pedro Afonso Franco, médico formado pelas Faculdades do Rio e de Paris.

Page 255: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Que, como esses estadistas argentinos cuja obra estáadmirando, hasteie, pois, o Dr. Campos Sales, ousadamente,o estandarte do progresso à americana, não desse progressoque, sem dú vida, perlustramos no passado, lento e solene comoo que mo vimenta as velhas sociedades européias, mas desse pro -gresso vertiginoso que faz num dia o que para aquele foi precisoséculos; que promo va, desde logo, com todo o poder e prestígiode sua posição, ao menos a reforma radical dessa velha cidade,única entre as capitais sul-americanas que conser va ainda as rou -pagens coloniais, tornando-a o encanto e a in ve ja das suas ri vais,despedaçando-lhe os miserá veis, estreitos e pesados andra jos,para substituí-los pelos vestidos le ves, amplos e elegantes, quepermitam admirar-se-lhe as formas sem iguais com que a dotoua natureza. É a sua missão. É a gloriosa, posto que dificílimamissão dos go vernos democráticos sul-americanos.”

 A missão e a glória de Campos Sales foram outras: as de pre -parar as condições que permitissem ao sucessor trazer, para o Brasil,uma ra jada do espírito americano do século XX.

Com os limitados recursos de que dispunha (limitados sobretu-do quanto aos conhecimentos científicos dos ser viços oficiais) o presidentedo Estado empenhou-se a fundo na luta contra a febre amarela e a pestebubônica, em São Paulo. Paralelamente, le va va a efeito obras públicas e desaneamento, que auxilia vam aqueles ob jeti vos. Na mensagem que dirigiu aoCongresso do Estado, em 7 de abril de 1901 (a sua primeira mensagem),deu contas do que pudera fazer, em matéria sanitária, no decorrer do anoanterior. Como complemento e fixação dessa ati vidade sanitária, Rodrigues Alves instalou o Instituto Butantã, aparelhado para a seroterapia.

 As dificuldades de ordem financeira, com que se defrontouem 1900, não foram poucas, nem pequenas. Tudo pro vinha, nofundo, da crise econômica causada pela baixa dos preços internacionaisdo café. A enorme expansão dos cafezais brasileiros – principalmente ospaulistas – trouxera uma superprodução mundial que afetara as culturasde Sumatra, Java, América Central e México. Era geral a queixa dessesmercados produtores contra a política de produção do Brasil. Rodrigues Alves preocupa va-se com a baixa de di visas necessárias à importação ecom os problemas da arrecadação interna do Estado.

Em 15 de no vembro de 1900 (a data já não lhe traria agora as

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 259

Page 256: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

do Brasil na questão com a Inglaterra, relati va à Guiana, escre via deLondres a Rodrigues Alves. Nabuco, nos duros anos que vi veu em seguidaà República, chegara a admitir, sob a influência de Eduardo Prado, serfazendeiro de café em São Paulo. Agora, porém, esta va no seu verdadeiroambiente: era ministro em Londres, incumbido de missão especial.Não esquecia, porém, o amigo de infância, que dirigia o Estado brasileiroonde se produzia a maior quantidade de café do mundo. Na carta referida,Nabuco comunica va a Rodrigues Alves a remessa de várias publicações“muito interessantes” sobre o café, e anuncia va o en vio próximo deoutras. Ficaria, diz, atento a todas as informações que pudesse prestar. Otom da carta é afetuoso:

“Você pode ficar descansado, por estar em mãos dequem toma o maior interesse pelo sucesso de sua administração[....]. Disponha de mim, meu caro Rodrigues Alves, paratudo que for do ser viço do seu Estado em Londres, e, aindacom mais liberdade, para o que for particularmente seu. Do velho camarada e amigo de infância.”5

Mas Rodrigues Alves percebia bem que o problema básico docafé não se reduzia aos preços do mercado internacional. De viam-seconsiderar, também, os fatores ligados à produção, inclusi ve parabaixar-lhe o custo, facilitando a expansão do consumo.

 260 Afonso Arinos

5 Rodrigues Alves fora dos que se alegraram com a aceitação, por Nabuco, da missãodada pela República. Os dois se encontraram, quando Rodrigues Alves era senador,em casa de José Carlos Rodrigues, onde Nabuco, por amável conspiração deamigos, entrou em contato com dirigentes do novo regime. Quando assentiu emexercer a missão, Nabuco foi duramente atacado por monarquistas intransigentes.Mas Rodrigues Alves, adesista e republicano em ascensão, escreveu-lhe, a 29 demarço de 1899, de Guaratinguetá, esta carta:“Nabuco.Sou muito provavelmente dos últimos, mas creia que não é menos viva a minhasatisfação por ver que, afinal, a grande inteligência do meu amigo vai se dedicar aoestudo e solução de altos interesses de nossa pátria. Sempre alimentei essa esperança emais de uma vez, junto a amigos do governo, tive ocasião de exprimir a seu respeitoos meus sentimentos. Não quero que V. parta do Brasil sem a segurança da estimaque tenho o prazer de renovar, que aqui fica sempre o mesmo admirador e amigo.”

Esta carta deve ter tocado o coração de Nabuco, ferido pela injustiça de antigos

Page 257: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Um pormenor que não deve ser esquecido, pela sua impor-tância, é a atenção com que ele seguia, naquela época, a vida do seu anti-go colega de ginásio, agora grande diplomata, Barão do Rio Branco. Noarqui vo deste, encontra-se uma carta de Rodrigues Alves, datada de 3 de julho de 1901, em que o presidente de São Paulo en via felicitações a RioBranco por ter ele assumido o cargo de ministro plenipotenciário na Alemanha. As vistas de Rodrigues Alves, que não se desprendiam deNabuco, já se volta vam para aquele a quem depois praticamente obri -gou a aceitar a direção do Itamarati.

No limitado tempo que lhe resta va na chefia do Executi vo es -tadual, Rodrigues Alves fez o que pôde para cumprir os compromissosassumidos na posse. Apesar da queda dos preços do café, sua adminis-tração financeira acusou superá vit orçamentário em 1901, não obstantea série de gastos que empreendeu com trabalhos públicos, construindopontes, escolas e outras obras em di versas zonas do Estado.

Homem da la voura, procurou amparar a produção agrícola,introduzindo técnicas de conser vação da terra e protegendo o agricultor.

Mas sua obra administrati va ficou mais ou menos interrompi-da, desde princípio de 1902, porque a sua candidatura à presidência daRepública, já então notória nos círculos políticos nacionais, mobiliza vanaturalmente a atenção e os esforços do go verno paulista.

 As principais realizações do seu go verno encontram-se expostasnas mensagens que en viou ao Congresso. Na primeira (a já referida, deabril de 1901), depois de abordar pormenorizadamente a situaçãoeconômica e financeira do Estado e do país, entrou na prestação decontas do que ha via feito. Problemas que o preocupa vam desde os tem -pos de deputado pro vincial eram agora atacados pelo presidente repu-blicano. Empreendeu a reforma judiciária; melhorou tanto quanto pôdea saúde pública, quer combatendo as epidemias, quer realizando obrasde saneamento; estimulou a instrução que teve, nas suas própriaspala vras, “um impulso magnífico”; pôs sua experiência de velho la vradorna procura de solução para a crise do café; este ve atento à imigração,não só contratando, na Europa, a vinda de dezenas de milhares detrabalhadores agrícolas, como estudando o gra ve problema da suafixação à terra; construiu pontes, estradas, escolas e outros edifíciosna capital e no interior. Com toda essa ati vidade, pôde executar sa-dia política financeira, de forma a obter, no primeiro ano dogoverno, um saldo orçamentário correspondente a mais de 30% da

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 261

Page 258: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em 1902, a mensagem ao Congresso do Estado não é maisen viada pelo presidente, mas por seu substituto. Com efeito Rodrigues Alves renunciara, no princípio do ano, para atender às necessidades dasua candidatura à presidência.

CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA 

Campos Sales, no seu li vro, expõe com pormenores asorigens da candidatura de Rodrigues Alves.

Desde fins de 1900, com a precocidade pre judicial que nuncapôde ser evitada, colocou-se o problema da sucessão. A condição, que aprincípio pareceu exigí vel pelos meios dominantes, era a de que o futuropresidente de veria ser um republicano histórico. Essa exigência, possi- velmente, obedeceria ao propósito de afastar uma terceira candidaturapaulista, no caso a de Rodrigues Alves, que era a mais pro vá vel, pela po-sição por ele ocupada e pela notória preferência de Campos Sales. Este,embora considerasse justificá vel a tese, preferia ver no candidato sobre-tudo um administrador capaz e comprometido a continuar a sua obra derestauração financeira. Rodrigues Alves, indubita velmente, preenchia asduas condições. Suas qualidades de administrador e de financista ha viamsido sobe jamente compro vadas nos postos exercidos no fim do Impérioe no começo da República. O grande ad versário desse processo deencaminhamento era ob viamente Pinheiro Machado. Republicanohistórico, con vinha-lhe restringir o círculo dos papá veis com a exigênciadessa condição, porque, assim, elimina va nomes possí veis, viessem dos doisgrandes Estados, como Afonso Pena e Rodrigues Alves, ou de Estados demédia importância, como Rui Barbosa. Ele, Pinheiro, era republicanohistórico, vinha de um Estado forte, conta va com o apoio do seu go vernoe lograra enorme influência no Congresso. Seu prestígio de combatente naRe volução Federalista também se estendia às forças armadas; sua graça decondottiere fazia-o simpático à imprensa e à opinião. Pinheiro foi semprecandidato, e a impossibilidade de se fazer aceitar é que o le va va aopor-se a qualquer candidatura que não le vasse o seu patrocínio. Quando

 262 Afonso Arinos

Page 259: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A 7 de no vembro de 1900, Campos Sales en viou o mineiroOlinto de Magalhães, seu ministro do Exterior, a Belo Horizonte, para consultarSil viano Brandão, presidente do Estado, sobre o nome de Rodrigues Alves.

O presidente de Minas Gerais recebeu bem a sondagem,sugerindo porém o nome de um mineiro – no caso Afonso Pena – paraa vice-presidência. Firma va-se, assim, a aliança mineiro-paulista, quetanto influiu na Primeira República. A idéia de um vice-presidente doNorte, que viesse equilibrar a candidatura de São Paulo, válida nosgovernos de Prudente e Campos Sales, mostra va-se, agora, superada. Oapoio dos mineiros compreendia a participação de Minas.

Olinto voltou ao Rio no dia 15, com o resultado das suasconversas, e, naquele mesmo dia, Campos Sales telegrafou ao Go vernadorSe verino Vieira, pedindo-lhe o apoio da Bahia. O telegrama de CamposSales é a um só tempo enérgico e hábil. Dá-se por ciente que Se verinoaceitaria Rodrigues Alves, mas, receoso pro va velmente de que ele pretendessea vice-presidência, avança logo o trago mais amargo:

“TENHO MOTIVOS PARA ACREDITAR QUE MINAS SÓ ACEITARÁ A COMBINAÇÃO EM QUE ENTRAR TAMBÉM UMMINEIRO, E, PARA EVITAR EMBARAÇOS, JULGO CONVENIENTEINDICAR SILVIANO PARA V ICE-PRESIDENTE, ASSEGURANDO, ASSIM, APOIO DECISIVO DAQUELE GRANDEESTADO.”

Dois conselheiros adesistas pareciam demais. Campos Salesrecusou o nome de Pena e lançou o do próprio Sil viano, o que conferia àchapa certa coloração de republicanismo histórico, ao mesmo tempo emque, sem dú vida, torna va mais forte o compromisso do go verno mineiro.

Felizmente, para Campos Sales, Se verino Vieira concordoulogo, sem ressentimento:

“ A CABO RECEBER TELEGRAMA.  A GRADEÇO PROVA GENEROSA CONFIANÇA. COM DECISÃO E ENTUSIASMO ACEITO COMBINAÇÃO QUE CONSIDERO INSPIRAÇÃOPATRIÓTICA. PENSO, ENTRETANTO, DEVE HAVER TODA CAUTELA A FIM DE EVITAR MANEJOS SUBTERRÂNEOS.INVEJOSOS TERIAM AINDA MUITO TEMPO PARA AGIR ANTE

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 263

Page 260: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Realmente, Se verino via justo. Pinheiro ou qualquer outro poderiaacenar para Minas com um nome mineiro, fiado no seu maior contingenteeleitoral.

Campos Sales, sentindo-se garantido pelos dois apoios,dirigiu-se então, por carta, a quase todos os demais go vernadores deEstado, consolidando o dispositi vo.

Os go vernadores responderam no correr de dezembro, de talmaneira que, terminado o ano de 1900, parecia definiti vamente assentada,nos meios oficiais, a sucessão presidencial, com o nome de Rodrigues Alves. Falta va apenas o assentimento do próprio candidato, pois CamposSales le vara a efeito toda a operação antes de consultá-lo formalmente.

 A 6 de janeiro de 1901, mal iniciado o novo século, o presi-dente da República escre veu ao presidente de São Paulo uma longacarta, cujo período inicial demonstra o alheamento deste em relação aoque se processa va:

“Propositadamente deixei até agora de le var ao seuconhecimento o que tenho pensado e o que me parececonveniente fazer, a fim de bem encaminhar a minha sucessãona presidência da República.”

Depois dessa obser vação inicial, Campos Sales desen vol veem largueza o seu procedimento e as razões que o moti varam. Acha vaque a República ainda não atingira a um funcionamento normal, especi-almente pela ausência de verdadeiros partidos políticos nacionais. A lacuna justifica va a inter venção do chefe de Estado, para evitar agitações sembase que perturbariam a boa marcha da administração. Como presidente,ele colocara a administração acima da política, apesar das resistênciasencontradas. Faz restrições a Prudente, nestas frases:

“Fala va-se, então, no de ver que me cabia, de continuaruma certa política, em alusão mais ou menos clara à política domeu antecessor. Bem quisera fazê-lo; confesso, porém, quenão encontrei na dupla esfera go vernati va e administrati va oscaracteres dessa política. Se ela existiu, não conseguiu,contudo, deixar patentes os seus desígnios. Só pude ver delaa face ingrata: os ressentimentos que ficaram, a animosidadeprofunda que separa va os homens em grupos opostos, a

 264 Afonso Arinos

Page 261: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Repudiei francamente e formalmente a onerosa herança.Estou em mais de metade do meu período e ainda não tive,por isso, moti vos de arrependimento.”

Cabe aqui uma digressão. As relações políticas entre Prudentee Campos Sales sofriam alternati vas, como se sabe. Ainda na Constituinte,Campos Sales optou pela candidatura de Deodoro, contra a do seuconterrâneo, porque sentiu que a intransigência deste agra varia aQuestão Militar.

Posteriormente, em 1897, quando se abriu a cisão entre Pru -dente e Glicério, ou melhor, entre o Executi vo e o Congresso, CamposSales, presidente de São Paulo, veio ao Rio pretendendo apaziguar a si-tuação, mas não conseguiu. A forma pela qual ele relata esse episódiomostra certa mágoa para com Prudente.

 A candidatura de Campos Sales surgiu pouco depois, e o seupapel conciliador durante a crise não deve ter sido fator de pequenamonta para o surgimento do seu nome. Mas Prudente de Morais nãodeu nenhum passo em fa vor dessa candidatura. Ela apareceu no seio doCongresso e foi robustecida pela ação fa vorá vel de Minas Gerais.Campos Sales anota expressamente no seu li vro:

“O Sr. Prudente de Morais, no desempenho das suasfunções de chefe da dissidência paulista, teve por con venientedeclarar, em certa solenidade, que a sua consciência não oacusa va do pecado de ha ver concorrido para a minha apre -sentação ao alto cargo de presidente da República.”

 Voltando à carta de 1901, vê-se que ela, depois de recordados vários antecedentes, coloca a continuidade de sua administração, princi-palmente na parte financeira, como fator determinante para a escolhado seu sucessor. Essa orientação política e administrati va de veria conti-nuar para evitar “a ruína definiti va da República”.

 Vem, então, a pergunta direta: “Depois do que fica dito, peçoque me declare com toda a franqueza: terá você qualquer dú vida em sero continuador desta política?”

Mostra que o nome de Rodrigues Alves encontra va boarecepti vidade por toda parte, sendo que o Sul (Pinheiro Machado) ainda

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 265

Page 262: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

tinha esperança de conseguir uma sucessão tranqüila, o que permitiriaao seu go verno continuar até o último dia a administrar como entendiaser do bem do país.

 A resposta de Rodrigues Alves compro va a sua prudência e asua desambição. É de poucos dias depois, mas Campos Sales não lhefornece a data.6

Começa o futuro presidente lembrando que concorda va com apolítica do congraçamento, estabelecida por Campos Sales no início do seugo verno, tendo em vista as necessidades de uma administração supraparti-dária. Isto não deixara de irritar os chefes do Partido Republicano Federal,que se pretendiam únicos agentes, e também beneficiários, da eleição deCampos Sales. Sob a chefia ostensi va de Glicério e do Vice-PresidenteRosa e Sil va, o PRF hostilizou Campos Sales, mas Rodrigues Alves sempreprocurou influir para que se criasse um ambiente de concórdia, dados ospropósitos do go verno e a delicadeza da situação financeira nacional.Depois de recordar bre vemente esses episódios, Rodrigues Alves mani-festa-se sobre a política financeira, fazendo-o no entanto de forma poucoexplícita. Daí passa a considerar diretamente o problema da própria candi-datura:

“Lison jeou-me a lembrança do meu nome e muito agra -deço essa bene volência. Sei que você conhece a minha índolepacífica, o meu espírito de tolerância e a minha vocação paraharmonizar, em vez de separar, e é daí tal vez que veio a idéiado meu nome. Reflita bem que essa indicação deve caber aoutro, que reúna melhor elemento e possa despertar maisconfiança aos diretores da opinião. Deixei há pouco tempo oMinistério da Fazenda e sei que não tive ocasião de agradar senãoa um número muito limitado de amigos, parecendo-me grande odos descontentes. Acresce que a minha origem há de despertarsuspeitas,7 e sempre entendi, por mais que os amigos genero-samente me contradigam, que não é prudente ir de encontro auma tendência muito natural, muito humana, neste período

 266 Afonso Arinos

6 Nos papéis de Rodrigues Alves, em nosso poder, não encontramos rascunho nemcópia dessa carta.

Page 263: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de formação, que ainda estamos atra vessando. Por que o meunome, quando há, para não falar em outros, o de Bernardino,que, estou certo, será acolhido com grande satisfação, e, prin-cipalmente, sob este último ponto de vista, terá a adesão ge -ral? Minhas vistas sempre se voltaram para este nome, comonaturalmente indicado para substituí-lo, se lícito for ainda aoEstado de São Paulo dar-lhe substituto, o que con vém pon -derar muito para não suscetibilizar o melindre dos outrosEstados. Creio será esta a melhor solução para o país, e estouconvencido que o nosso Estado recebê-la-á com muito agrado.Há muito tempo para o trabalho, ponha nisso a contribuiçãodo seu espírito superior e deixe-me ficar aqui para ajudá-lo eao seu sucessor, com a mesma boa vontade e de votamento desempre.”

Nos tópicos transcritos, Rodrigues Alves demonstra va sereni-dade e agudeza na análise da con juntura política. Campos Sales, autori-tário, emparedado no seu inflexí vel plano financeiro, não se detinhasobre os aspectos políticos da situação, os quais, contudo, de veriaminfluir considera velmente nas dificuldades encontradas pelo seu sucessor,entra vando até a execução da sua obra administrati va.

O republicanismo histórico, identificado por Rodrigues Alves como o primeiro ad versário do seu nome, atormentou-o de fatodurante todo o quatriênio, quer na ação às vezes dissimulada, às vezesfranca, de parlamentares influentes como o Senador Pinheiro Machadoou o Deputado Barbosa Lima, quer na rebeldia aberta, como no casode Mato Grosso ou na re volta de 14 de no vembro, fruto da aliança dopositi vismo com o republicanismo histórico ci vil e militar, a qual quasedepôs o presidente em pleno prestígio. Bernardino de Campos, repu-blicano histórico e administrador comprovado, não pro vocaria taisreações. Obser ve-se, também, a sinceridade e a constância com queRodrigues Alves tentou ele var ao poder esse amigo, não o conseguindopela aliança de velhas oposições.

Outro ponto importante, fixado por Rodrigues Alves, era anatural antipatia por um terceiro período paulista. Minas, cu jas possibilidadeseleitorais eram enormes; o Rio Grande, com sua agressi va política repu-

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 267

Page 264: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

sentada no Congresso por Pinheiro; e, finalmente, a Bahia, eram forçasque seria imprudente esquecer, pois abriga vam ambições que facilmen-te poderiam se apresentar. Foram de fato o Rio Grande, com Pinheiro;Bahia, com Rui; e Minas, com as aspirações naturais de Afonso Pena,que vieram derrotar o esquema político de Rodrigues Alves na presidên-cia. Aliás é pouco compreensí vel que ele, que vira o problema comocandidato, não o ti vesse visto como presidente.

Nem Campos Sales, nem outros amigos que ti veram conheci-mento da resposta de Rodrigues Alves ficaram satisfeitos com os seustermos pouco explícitos. Por isso o presidente da República, a 29 demarço, dirigiu-lhe nova missi va, na qual, depois de acentuar que a suacandidatura conta va já “com todas as probabilidades de êxito” porqueencontra va “franco apoio nos elementos políticos dos dois lados”, insis-tia quanto a uma declaração formal de continuidade go vernati va. “Nãopeço um documento para a publicidade, que neste momento seria ino -portuno [esclarecia], apenas dese jo que me habilite a definir os seus in -tuitos ante os amigos, a fim de que eles possam, por sua vez, dar a ori -entação que lhes cabe, para a solução do problema eleitoral que se apro-xima.”

Rodrigues Alves teve, então, que se definir, e o fez em cartade 5 de abril. Começa va reconhecendo a naturalidade das resistências aoseu nome, dados sua origem monarquista e também – insinuou – opapel que representou no apoio a Campos Sales contra os históricosdesa vindos. (Esta passagem é um lembrete disfarçado ao reconhecimentode Campos Sales.) Mostra va depois como a política de congraçamentoinstaurada por Campos Sales assegurou-lhe o bom andamento daadministração (sempre o seu pensamento de colocar a políticacomo condicionadora da administração, o que era o contrário damaneira de ver de Campos Sales). E concluiu:

“Estou procedendo aqui, no go verno do Estado, comaquela conformidade de vistas que você adotou para o seugo verno na parte política e administrati va, e será essa a minhanorma de conduta, se a condescendência, a generosidade ou afraqueza dos chefes políticos julgarem-me em condições de

 268 Afonso Arinos

Page 265: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Ao transcre ver esse fecho, Campos Sales anota:

“A resposta não podia ser mais categórica nem mais ex -plícita. A concordância do seu com o meu pensamento eracompleta e sem evasi vas, ponto por ponto.”

Mera suposição, fora da realidade. Vê-se que Rodrigues Alvesresistiu até o fim a um ato de submissão, que tornasse seu go verno sim -ples continuação do outro. Continuação seria, mas no sentido de conse-qüência transformadora, com processos e ob jeti vos próprios. O que eleafirmou, no momento mais delicado, é que faria, no país, em grande, oque esta va fazendo em São Paulo. E foi o que fez.

O certo é que Campos Sales não teria outra solução, no mo -mento. Recuar seria criar conflitos e problemas que viriam abalar a admi-nistração na parte final do go verno. E Rodrigues Alves, que era bom polí-tico, bem de via perceber que o afastamento do seu nome era, àquela altu-ra, opção muito difícil. De qualquer maneira, os termos de sua carta de 5de abril não conflitam com a intenção de ser um go vernante autônomo.

O forte dispositi vo montado por Campos Sales não represen-tou a unidade política nacional. Pernambuco, cuja situação era chefiadapelo Vice-Presidente Rosa e Sil va, hostiliza va, como vimos, o presiden-te. Maranhão seguia Pernambuco, e o Estado do Rio sustenta va, comlou vá veis razões, a candidatura de Quintino Bocaiú va.

 A 11 de agosto (data escolhida possi velmente por ser o ani - versário da fundação dos cursos jurídicos no Brasil), realizou-se no Riode Janeiro, na sala de sessões do Senado Federal, ao fim da tarde, umareunião política destinada a debater o problema da sucessão. Compare-ceram parlamentares de quase todos os Estados. Presidiu a mesa oDeputado Nogueira Acióli, do Ceará, participando dela os Senadores Álvaro Machado, da Paraíba; e Tomás Delfino, do Distrito Federal. O pri -meiro orador foi Pinheiro Machado, que falou cautelosamente. Reco-nheceu a inexistência de partidos nacionais, dizendo que ha via somentegrupos no Congresso. Aludiu às di vergências existentes entre Estados,mas, dada a delicadeza da situação nacional, pensa va que os políticosde viam unir-se em torno do go verno para a escolha de um candidato àpresidência, o que beneficiaria a defesa das instituições.

Mais ou menos nos mesmos termos manifestou-se o Deputadobaiano Paula Guimarães. O Senador paranaense Vicente Machadoformulou em seguida uma proposta concreta: a de que se reunisse uma

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 269

Page 266: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

poderes para indicar os nomes do presidente e do vice-presidente daRepública para o quatriênio seguinte. A Assembléia apro vou a proposta,fixando o dia 20 de setembro para a con venção.

 A participação ostensi va de Vicente Machado nas combinaçõesobedecia prova velmente a um propósito, porque marca va uma adesão. Vicente Machado, com efeito, integrara o grupo ati vista do PRF, e ata -cara no Senado o go verno de Prudente.8 A sua fala, como, até certoponto, a de Pinheiro, eram pro vas de uma volta à unidade política, quede resto não duraria muito.

O Senador goiano Leopoldo de Bulhões obser vou que essacon venção de representantes de partidos locais “não en vol via a idéia deum partido federal, já constituído e homogêneo”, embora reconhecessea necessidade de tal organismo.

 A reunião terminou às 9 e meia da noite, sem que se falasseem nome de candidatos, segundo o noticiário do Jornal do Comércio.

No dia 19 de setembro, procedeu-se à reunião preparatória dacon venção, às 7 horas da noite, no plenário da Câmara dos Deputados.Funcionou a mesma mesa de 11 de agosto. Esta vam representados osEstados do Pará, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernam-buco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, SantaCatarina e Rio Grande do Sul, ausentes apenas Amazonas e Maranhão. A reunião destina va-se ao exame das credenciais dos delegados e maispro vidências para a con venção do dia seguinte.

Esta teve lugar no Senado, sempre com a mesma mesa, e igual -mente à noite. Os votos foram dados em cédulas, colocadas em duas urnas.Dos 38 con vencionais, Rodrigues Alves obte ve 37 votos para presidente eSil viano Brandão o total para vice-presidente. Hermógenes Sil va, do Estadodo Rio, votou em Quintino Bocaiú va. Suspendeu-se a sessão para que fosseredigido o manifesto de apresentação, por uma comissão composta de Pinhei-ro Machado, Vicente Machado, Coelho e Campos, J. J. Seabra e FranciscoTolentino. O manifesto, lido e apro vado, começa historiando a cisãoentre os republicanos e a dissolução do PRF. Diz, em seguida, queCampos Sales pudera reunir os republicanos em torno do seu go verno.

 270 Afonso Arinos

8 Por isso mesmo Vicente Machado, em 1895, fora muito atacado pela imprensa que

Page 267: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Depois disso, o manifesto declara que os con vencionais, reconhecida-mente representantes de 19 das 21 unidades federadas, nessa qualidadeindica vam ao sufrágio popular, para a presidência e vice-presidência, osdois nomes votados na con venção.

 A DISSIDÊNCIA PAULISTA 

Pouco após essas decisões, manifestou-se a dissidência pau-lista, chefiada por Prudente de Morais.

O ex-presidente, ascético e firme como um velho cal vinista,afastara-se da política mas não pensa va senão nela. A carta, que atrástranscre vemos, mostra que a sua abstenção era ainda uma forma deação. O ex-presidente não se conforma va com a idéia de que decisõesfundamentais esti vessem sendo tomadas sem sua anuência, e até semseu conhecimento.

No primeiro semestre de 1901, e até pouco antes do lança-mento da candidatura do seu sucessor, Campos Sales ainda tentou contem-porizar e negociar com Prudente. Em carta a este, de 15 de janeiro, o presi-dente comenta com o ex-presidente as dificuldades surgidas no seio doPartido Republicano Paulista e sugere que as resol va, de comum acordocom Rodrigues Alves, amigo de ambos e líder no Senado.

 Ainda em 5 de julho, depois que as di vergências só se tinhamagra vado, Campos Sales, em outra carta, comunica a Prudente os nomesda comissão diretora do PRP, organizada por sugestão do último. A comissão ficara composta de J. A. Guimarães, Alfredo Guedes, PáduaSales, Frederico Abranches e Lacerda Franco. Mas o dissídio tornara-seirre versí vel, porque Campos Sales não transigia na escolha de Rodrigues Alves e Bernardino de Campos para candidatos federal e estadual. A escolha do PRP, foi publicada no manifesto de 7 de setembro de 1901,o qual apareceu assinado por vinte e um deputados e senadores estaduais,apenas sete deputados federais (numa bancada de vinte e dois) e umsenador federal, Manuel de Morais e Barros, irmão de Prudente. Esteúltimo decidiu-se, então, a chefiar a oposição contra o oficialismo republi-

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 271

Page 268: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

No dia 20 de julho, viera a São Paulo, de Piracicaba, hospedando-seno Hotel de França. Foi logo cercado pelos correligionários que comele dissentiam de Campos Sales e das candidaturas por este encaminhadas.

Leal e franco, como sempre fora, Prudente foi ao palácioconversar com Rodrigues Alves, no dia 21. A conferência transcorreulonga e reser vada, mas dela se conhecem pormenores conser vados portradição oral.9

O presidente paulista recebeu amistosamente o seu antigochefe e dele soube que, dissentindo dos processos políticos do presiden-te da República, ia opor-se às candidaturas oficiais. Depois de ou vi-locom toda deferência, Rodrigues Alves obser vou, sorrindo: “Agrade-ço-lhe o aviso, mas você vai perder.” – “Por que tem essa certeza?” –indagou Prudente. Em resposta, o outro, sempre sorrindo, bateu com apalma da mão no braço da poltrona em que esta va sentado e disse cate-górico: “Por causa desta cadeira. Eu estou sentado nela; e quem nela sesenta não pode ser vencido, dentro do Estado.”

Prudente de Morais, que já dirigira firmemente o Estado e aRepública, não de via ter muitas dú vidas sobre o acerto da obser vaçãodesabusada. Mas nem por isto deixou de se empenhar na luta.

 Antes de entrarmos na exposição dos fatos da dissidência,con vém traçar nela um panorama geral. Este panorama encontra-sedelineado no discurso com que Rodrigues Alves agradeceu, em São Paulo,a 12 de maio de 1902, sua eleição para a presidência da República. Vamossegui-lo.

Quando, em 1900, assumira o go verno do Estado, procurarasinceramente reunir todos os velhos companheiros do PRP.

 A união não se pôde, porém, realizar, por causa da sucessãodele próprio, no go verno paulista. Desde que se tornou claro que CamposSales viria buscá-lo para o supremo posto, a escolha do seu sucessor, emSão Paulo, tornou-se questão primordial. Ninguém se opunha à indi-cação do futuro ocupante do Catete, mas as ambições se desataramquanto à cobiçada cadeira de presidente do Estado. O nome que sofriamaiores restrições dos chefes desa vindos era, precisamente, aquele queatraía as preferências dos que detinham o poder: Bernardino de Campos.

 272 Afonso Arinos

Page 269: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Não hou ve possibilidade de que homens como Prudente de Morais,Cerqueira César e outros se acomodassem com a escolha de quem já ha- via tão brilhantemente presidido os destinos do Estado. O pretexto en-contrado foram os trabalhos do Congresso estadual, incumbido de re vera Constituição. Como as decisões só podiam ser adotadas pela maioriade dois terços, os di vergentes, tendo conseguido impedir essequorum, lo -graram impedir a apro vação final da reforma, já adotada em duas vota-ções. Daí, partiram para a contestação das eleições municipais, para a abs -tenção nas eleições do Congresso estadual (fe vereiro), e, finalmente, para arecusa do apoio ao próprio Rodrigues Alves no pleito de 1º de março. O valor real de tal oposição ficou patenteado com a confrontação dosnúmeros de votos na eleição presidencial, dentro do Estado. Rodri-gues Alves teve mais de 50.000 e o seu competidor nominal, menos de3.000.10

 Voltemos, agora, à descrição pormenorizada dos aconteci-mentos.

Depois da con versa ha vida com Rodrigues Alves, a 20 de julho de 1901, Prudente de Morais tratou de assentar as bases domovimento com os seus amigos, entre os quais se destaca vam CerqueiraCésar e o genro deste, Júlio Mesquita, o qual influía já decisi vamente naorientação deO Estado deS. Paulo. No dia 23 regressou a Piracicaba.

Começou, então, aquele jornal, a campanha da dissidência, quese apresenta va sobretudo na forma da re visão da Constituição Federal.

Con vém lembrar aqui que Prudente de Morais, depois de deixara presidência, quando se cuidou de organizar os estatutos do PartidoRepublicano Federal, sustentou que essa agremiação de veria postular areforma da Constituição de 24 de fe vereiro.

Em 1901 o ex-presidente e seus amigos voltaram, pois, à tesere visionista, que já fora agitada no seio mesmo da Constituinte.

Na primeira página de O Estado deS. Paulo sucederam-se, apartir de então, os artigos re visionistas, assinados por Júlio Mesquita

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 273

10 Dois nomes foram votados pelos eleitores que, em todo o país, não apoiaramRodrigues Alves: Quintino Bocaiúva, que alcançou 52.359 sufrágios, e Ubaldino

Page 270: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

(em maior número), Alberto Sales (irmão do presidente da República), Alonso da Fonseca e outros.

No Rio, o Correio da Manhã, no víssimo jornal de EdmundoBittencourt, lançou-se de corpo e alma na luta contra a situação.Edmundo, Manuel Vitorino (agora de acordo com Prudente a quemtanto combatera), Leão Veloso (com pseudônimo, depois famoso, deGil Vidal) e mais alguns, defendiam a dissidência paulista e combatiamCampos Sales e sua orientação.

Edmundo Bittencourt, que era rio-grandense, tentou o golpeda candidatura de Júlio de Castilhos, mas não teve êxito, pois o chefesulino, Pinheiro Machado, assegurou solidariedade a Campos Sales. Pinheiro,fiador dessa atitude, começou a ser atacado desabridamente porEdmundo, o qual apresenta va a candidatura de Rodrigues Alves como acontinuação do go verno Campos Sales.

No Senado, Pinheiro fez três discursos, defendendo-se valen-temente das agressões do seu coestaduano, a quem dizia não conhecer.São excelentes essas orações do condottieregaúcho. Não denotam culturanem especial eloqüência, mas transbordam de coragem, dignidade e fi -nura política. Nelas, Edmundo é tratado à altura dos seus ataques, ouseja, com grande violência de linguagem.

Le vado pela lógica re visionista, Júlio Mesquita, no dia 4 de agos -to, publicou emO Estado deS. Paulo artigo assinado, defendendo franca-mente o regime parlamentar.11 Essa atitude não poderia deixar de estarcombinada com os autênticos parlamentaristas gaúchos, herdeiros inte-lectuais de Sil veira Martins, que, pouco antes, tinha morrido. Com efei-to, no dia 4 de setembro, apareceu na imprensa o conhecido manifestoparlamentarista assinado por Pedro Moacir, Rafael Cabeda, Barros Cas -sal e Alcides Mendonça Lima, que seria, em seguida, a carta ideológicadosmaragatos.

Ocorrida a reunião de agosto, Prudente ainda tentou conciliar. Veioa São Paulo e con versou com Rodrigues Alves. Resol veram ambos en viar umemissário a Campos Sales. Foi Alberto Sales, o irmão do presidente. Mas,

 274 Afonso Arinos

11 Não deixa de ser curioso recordar aqui que fomos muito atacados, no mesmo O Estado deS Paulo, por Júlio de Mesquita Filho, quando de nossa adesão à tese

Page 271: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

naquela altura, o acordo já se torna va impossí vel, pois Prudente e os seusamigos exigiam a retirada das candidaturas federal e estadual. Falou-semesmo numa candidatura Prudente de Morais, mas não se pode afirmar queo ex-presidente teria participado de tal mo vimento. No dia 7 de setembro, osdissidentes paulistas publicam o “Manifesto aos republicanos de São Paulo”.

Dizia o manifesto que a oposição se organizara desde os pri -meiros meses do go verno Campos Sales, em face da política autoritáriado presidente. Salienta va que Prudente de Morais fora ali jado “dosassuntos gra ves da vida partidária”.12 Prosseguia com estas pala vras:

“Assim corriam as coisas até que surgiu a candidatura doDr. Rodrigues Alves à presidência da República. Em pleno efranco exercício da sua ditadura, o Dr. Campos Sales, que játinha designado o seu sucessor na União, imediatamentedeterminou que aqui sucedesse ao Dr. Rodrigues Alves o Dr.Bernardino de Campos. E a todos foi transmitida a ordem do verdadeiramente único soberano diretor da política brasileira[....]pelas colunas doCorreio Paulistano.”

Esse primeiro manifesto é um documento pro vinciano, semidéias nem programa, ressumando mágoas personalistas. Não causou,por isso, maior impacto fora do Estado. Dentro dele, porém, a dissidênciase alastra va. A maior parte dos jornais do interior inclinou-se a fa vor dePrudente. Diretórios foram se fundando em vários municípios.

Como tantas vezes aconteceu no Brasil, a opinião politizadaparecia arregimentada contra o go verno, mas a máquina política deste iase re velar in vencí vel.

 Aspecto que merece ser ressaltado no dissídio político era o fatode que ele se apresenta va também como briga de famílias ou no seio deuma família, o que compro va va o caráter oligárquico do regime. AdolfoGordo, líder parlamentar oposicionista, era cunhado de Prudente. CerqueiraCésar era cunhado de Campos Sales, de quem era irmão Alberto Sales,outro dissidente; Júlio Mesquita era genro de Cerqueira César.

O jornal oficioso Correio Paulistano (no qual Rodrigues Alvespro va velmente escre via, e que passara à direção de Almeida Nogueira eHerculano de Freitas) era o porta-voz da situação, em São Paulo.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 275

Page 272: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

No Rio, os jornais tradicionais mantinham imparcialidadesimpática ao mo vimento, como o Jornal do Comércioe o Jornal do Brasil. ATribuna, de Alcindo Guanabara, pendia francamente para o go verno, as -sim como a A Notícia, de Oli veira Rocha.

No dia 5 de no vembro (ani versário do atentado contra Pruden-te), apareceu o segundo manifesto da dissidência paulista, este dirigido ànação: “Manifesto político aos nossos concidadãos.” Começa va obser- vando que Campos Sales ha via destruído os partidos e abandonado aadministração aos seus ministros, para dedicar-se somente à políticapessoal. Denuncia va os vícios da “política dos go vernadores”: violênciasnos Estados, pressões sobre o Congresso e imposição dos nomes deRodrigues Alves à União e de Bernardino, a São Paulo. Protesta vacontra tudo isso e afirma va o dese jo dos dissidentes de estruturarem-seem partido nacional. Delinea va, em seguida, a reforma constitucionaldese jada: eleição do presidente da República pelo Congresso; supressãodo cargo de vice-presidente; comparecimento dos ministros perante oCongresso; diminuição do número de deputados; possibilidade da pror -rogação do orçamento; supressão do monopólio nacional da na vegaçãode cabotagem; restrição à aquisição de terras por estrangeiros.

Como se vê, à exceção do tópico sobre a na vegação, todos osdemais foram adotados, em um ou outro momento, pelas reformas posteriores.

Entre os signatários de maior prestígio, além de Prudente,estavam seu irmão Morais Barros; seu cunhado Adolfo Gordo; CerqueiraCésar e o genro Júlio Mesquita; Cincinato Braga e Alfredo Pu jol.

Lançado o manifesto nacional. Prudente regressou a Piracicaba,deixando organizada a comissão diretora do partido dissidente, da qualfaziam parte ele próprio e Cerqueira César.

 Acompanhada, assim, a organização da dissidência paulista,cuja importância no tempo foi maior do que hoje pode parecer, voltemo-nos para os fatos diretamente relacionados com a eleiçãopresidencial de Rodrigues Alves.

No Congresso Federal, a partir de agosto, o assunto foidebatido por amigos e ad versários da situação.

No Senado, Antônio Azeredo, aceitando embora o nome de

 276 Afonso Arinos

Page 273: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

companheiro de chapa, Sil viano Brandão, que considera va insignificantee desconhecido. Na Câmara, Adolfo Gordo criticou Rodrigues Alves edenunciou as violências que o PRP pratica va em São Paulo, na capital eno interior, coagindo os congressistas dissidentes, prendendo einvadindo residências de chefes municipais. Tudo isso era verdade efoi sempre, infelizmente, até 1930, o sistema político do PRP.

Realmente, pelo noticiário de O  Estado de S. Paulo vê-seque o go verno estadual de Rodrigues Alves não se afastou doshábitos de prepotência política que vinham desde o Império. Osituacionismo não podia compreender a oposição, e isto é o monó-tono ritornello que sempre ecoou nas câmaras, em cada eleição, desde oantigo regime. O sistema eleitoral republicano não facilita va em nada osdireitos das minorias (só em 1940, o go verno nacional Rodrigues Alvespôde mais ou menos consegui-lo), e as garantias políticas eram negadasaos opositores.

 Veio a derrubada das autoridades locais; a entrega da políticaa homens de confiança nos municípios; a ação dessa polícia obediente ainstruções dos coronéis go vernistas, com prisões sem causa, peregrinaçõesdomiciliares humilhantes e todo o corte jo da pressão go vernista quetanto conhecemos.

 Alegou-se o suicídio de um chefe dissidente, em certo municípiodo interior, determinado por humilhações que naturalmente adquiriamintolerá vel repercussão no pequeno círculo do prestígio local.

Tolerante e infenso às violências, como sempre fora e continuaráa ser, não de via ser agradá vel para Rodrigues Alves, responsá vel pelofuncionamento da implacá vel máquina perrepista, de que era o beneficiário.Mas, homem do seu tempo, político por vocação, mas poderia escapar àsregras do jogo e aos únicos processos existentes para subir em política.

Não se deve esquecer, por outro lado, que a violência eratambém habitual, na linguagem e nos atos da oposição. No Rio de Janeiro, a campanha de agitação deflagrada pelo Correio da Manhã inten-sificou-se depois da reunião de 11 de agosto.

No dia 22 daquele mês, os Deputados go vernistas Seabra,Germando Hasslocher, Fausto Cardoso (este, oposicionista a CamposSales, mas partidário da eleição de Rodrigues Alves) e Adalberto Ferrazforam agredidos na saída da Câmara, por uma malta de vagabundos edesordeiros. Adalberto Ferraz foi atingido na cabeça por uma pedra,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 277

Page 274: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

o revól ver para se defender. Esses incidentes foram, até certo ponto,pro vocados também pelo Deputado Barbosa Lima, que então represen-ta va o Rio Grande do Sul. O eloqüente e cora joso tribuno não tinhaponderação na escolha dos meios. Saudosista do florianismo, ataca va atudo e a todos, dando bordoadas de cego. Acusou o go verno de corrom-per a imprensa e o Congresso (sem especificação de nomes), de fazer ne -gociatas no Banco da República. O País (então redigido por Medeiros e Albuquerque, desde que Quintino assumira o go verno do seu Estado)ataca va também o go verno e o situacionismo.

O principal argumento contra Rodrigues Alves era, sempre, omonarquismo.

Seabra, a 23 de agosto, fez ótimo discurso de condenação àsatitudes de Barbosa Lima.

Fosse como fosse, a partir de 20 de setembro de 1901, esta vaassentado que o futuro presidente da República seria Rodrigues Alves. Nãose poderia conceber, na época, que o dispositi vo político oficial viesse a serderrotado por um candidato oposicionista, como se deu, mais tarde, comGetúlio Vargas e Jânio Quadros. A segurança da eleição transparece dotelegrama com que o candidato agradeceu ao presidente da con venção,Deputado Nogueira Acióli, a notícia da indicação do seu nome:

“EXTREMAMENTE PENHORADO COM A VOSSA COMUNICAÇÃO DE HAVER SIDO ESCOLHIDO PELA CONVENÇÃO REPUBLICANA, ONTEM REUNIDA, PARA CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA R EPÚBLICA, NA ELEIÇÃODE 1º DE MARÇO VINDOURO, PEÇO QUE ACEITEIS, COM A EXPRESSÃO DO MAIS PROFUNDO AGRADECIMENTO, MINHAS AFETUOSAS SAUDAÇÕES.”

Candidato sem competidor, nem lhe ocorria manifestar suaesperança na vitória. É que não ha via esperança: ha via certeza.

PLATAFORMA DE GOVERNO

Rodrigues Alves lançou a sua “plataforma” de go verno (comoentão se chama va), em banquete realizado no salão nobre do CassinoFluminense (Automó vel Clube) na noite de 23 de outubro. A festa ofere-

 278 Afonso Arinos

Page 275: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

comentada nos artigos dos jornais e nas caricaturas das re vistas, e odiscurso do futuro presidente causou grande impressão em todo o país.

Na parte política, visando diretamente à propaganda re visionistada dissidência republicana em seu Estado, o orador manifestou-se franca-mente contrário à reforma constitucional. Tinha a firme con vicção de quea Constituição de 24 de fe vereiro encerra va “princípios do mais ele vadoliberalismo e que estes, executados lealmente, ha viam de assegurar à nossapátria a sua prosperidade e grandeza”. Isto não o impedia de reconheceros vícios gra víssimos do sistema eleitoral, que (como ele bem sabia desdeo Império) transforma vam em burla o nosso pretendido regime represen-tati vo. A reforma eleitoral, assegurando a correção do alistamento e aliberdade do voto para todas as opiniões, ha veria de restaurar a confiançana República, “impondo silêncio a murmurações e impaciências”. Aíestava indicada a lei da reforma eleitoral de 1904.

 Ao abordar a questão financeira, o antigo ministro da Fazenda,ao mesmo tempo em que cumpre o compromisso de seguir a política dedefesa da moeda, assumido com Campos Sales, discorre sobre as suaspróprias idéias, que vinham de larga experiência na matéria.

Para ele a questão financeira era primordial. De via ser continuadaa obra de valorização da moeda, tendo em vista, mesmo, a sua con versibi-lidade metálica. Mas insiste em que uma política monetarista por si só nãoresol veria o problema brasileiro. As finanças esta vam ligadas à economia,e sem o estímulo à produção econômica não ha veria boas finanças. Nesteponto, as metas do futuro presidente iam muito além das de CamposSales, rígido na sua política de sacrifícios. O mais importante, porém,quanto a este tópico, é que Rodrigues Alves, repetindo ainda conceitosque formulara anteriormente, colocou o “grande problema” do sanea-mento do Rio de Janeiro como um dos fatores básicos da política econô-mico-financeira que con vinha ao país. Não se trata va, pois, para ele, deeconomizar, mas de gastar dinheiro em pontos estratégicos do desen vol- vimento nacional. Veremos adiante que, no manifesto inaugural do seugo verno, Rodrigues Alves deu maior ênfase e energia a essa idéia de que asaúde pública esta va diretamente ligada ao êxito da administração geral.Presidente da Pro víncia e presidente do Estado, o chefe paulista se ha via

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 279

Page 276: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em fe vereiro de 1901, Rodrigues Alves renunciara ao governode São Paulo, passando-o ao vice-presidente, Domingos Correia deMorais, que assumiu no dia 13 daquele mês. O candidato à chefia danação libera va-se dos encargos estaduais para poder acompanhar asmedidas políticas preparatórias da sua eleição à presidência da República. Ao deixar São Paulo, legou uma situação promissora. As finançasapresenta vam, em 1901, balanço positi vo no orçamento. O domíniopolítico do PRP era esmagador. A dissidência chefiada por Prudente seesboroara, tal como acontecera em Minas Gerais, onde anteriormente(1897) ha via se esboçado também uma cisão interna do PRM, mo vidapelas mesmas razões de combate à oligarquia partidária, cisão em quetomaram parte homens ilustres como Mendes Pimentel, Pandiá Calógeras,Sabino Barroso e Olegário Maciel.

Nos dois grandes Estados, dominadores da Primeira República,logo patenteou-se que fora do oficialismo não ha via sal vação.

 A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL

 A eleição de 1º de março de 1902, como era de rigor naqueletempo, não fez senão oficializar a decisão tomada pelas cúpulas políticas.Talvez nem se possa chamar de decisão aquela concordância, pois a simpatiados republicanos históricos ia antes para velhos companheiros, como oparanaense Ubaldino do Amaral, político hoje esquecido, mas que dispôsde enorme prestígio no início da República. Na verdade, a decisão foi deum homem: Campos Sales. A ele, mais que a qualquer outro, coube aresponsabilidade e a glória da entrada no Catete do seu sucessor.

Rodrigues Alves foi eleito com 592.039 votos, enquanto Afonso Pena, seu sucessor, só conseguiu 288.285. Rodrigues Alves foi opresidente mais votado até a eleição de Washington Luís, em 1926, quenão chegou a superá-lo por 100.000 votos.

 Vindo como criatura de Campos Sales, o presidente eleitoherda va o seu pesado espólio de ódios. O go verno do campineiro ha viasido duro, inflexí vel nas resistências e nas restrições. Por isso mesmo, osinteresses contrariados, as ambições frustradas, os ressentimentos sopi-

 280 Afonso Arinos

Page 277: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de queixas e de insultos. A honra pessoal do presidente se via atassalhadapelos mais exaltados, em agressões às vezes ignóbeis e de tremendainjustiça. Na verdade, poucos homens públicos no Brasil terão sido tãoin justamente tratados como o presidente Campos Sales, nos últimostempos do seu go verno.

Rodrigues Alves, já o dissemos, herda va essas pre venções.Mediocremente experimentado no cenário federal (não se destacara noLegislativo e a pasta da Fazenda era demasiado especializada para atrair acuriosidade popular) apresenta va-se como um político dependente, sempersonalidade, submisso aos chefes Campos Sales, Glicério e Bernardi-no de Campos. Além disso, não se sabe bem por que, espalhara-se afama de que ele era um velhote mandrião: um preguiçoso que passa vadormindo a maior parte do tempo. O boato, que o perseguiu durantetoda a primeira fase do go verno, era geral. Caricaturas, artigos, poesiassatíricas, tudo era pretexto para exibi-lo ao país, em camisolão, barretenoturno e aos boce jos. Fama antiga, deri vada tal vez da sua vida discreta de viúvo com filhas moças, homem da casa e do aconchego, avesso às noitadasboêmias em que se compraziam tantos contemporâneos ilustres.

Quando ministro de Prudente, já morador na Rua Senador Vergueiro, Rodrigues Alves chega va certa manhã da praia doFlamengo, onde toma va banhos de mar como remédio (à moda dotempo) e encontrou no portão duas velhinhas. Uma dizia à outra queali naquela casa “mora va um homem importante que passa va o diadormindo”.13 

Não se pode, pois, dizer que o ambiente em que o novopresidente subia ao poder fosse agradá vel. Sabia-se que era homem sérioe competente, mas a opinião popular o considera va fraco, indeciso,preguiçoso. Um conselheiro do Império, pouco disposto a enfrentar asurgentes necessidades republicanas. Essa opinião generalizada só se foidissipando com o tempo, pela evidência da sua energia criadora, pelosatos de coragem que praticou, pela dureza da sua vontade e, afinal, pelaaceitação, também uni versal, ao fim do seu go verno, de que ele fora ocoordenador geral do próprio êxito. Os aplausos extraordinários que lhe

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 281

Page 278: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

coroaram a partida, no fim do quatriênio, demonstraram, afinal, a con vicçãodo povo brasileiro de que, naquela escola de grandes homens, ochefe, sem se impor a nenhum, por nenhum, nem mesmo pelos maiores –um Rio Branco, um Passos, um Osvaldo Cruz – se deixou sobrepu jar.Porque, sem ele, os outros não seriam o que foram.

 

 282 Afonso Arinos

Page 279: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo Segundo

 Presidente eleito – Afonso Pena sucede a Silviano Brandão – A formação doministério.

PRESIDENTE ELEITO

Dois meses e dias depois de eleito, a 10 de maio, Rodrigues Alves recebeu, em São Paulo, um banquete oferecido pelos seus correli-gionários do PRP.

Ele ha via renunciado ao go verno do Estado, que passara aosubstituto legal, e recolhera-se a Guaratinguetá, com o propósito de nãodiminuir em nada o prestígio e a força do go verno nacional expirante. Suapresença no Rio, ou mesmo em São Paulo, determinaria visitas de próce-res, intrigas de imprensa, pretensões pessoais e outros incon venientes quelhe cumpria evitar, para manter, até o fim, a força de Campos Sales. Noretiro da velha casa onde contraíra matrimônio, onde lhe nasceram váriosfilhos, e onde se refugia va nos inter valos bre ves de uma carreira ascen-sional, que agora chega va ao cume, Rodrigues Alves de via demorar-serecordando o passado, encarando com apreensão os problemas que ofuturo lhe propunha, e meditando na formação do go verno.

Suas viagens a São Paulo e Rio eram curtas; sempre comobjeti vo determinado.

No discurso em agradecimento da homenagem dos amigos,discurso de que já nos ocupamos, o presidente eleito, além da crítica à

Page 280: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de espírito, naqueles dias de recolhimento. Seu tom não parecia prazenteiro,embora fosse firme. Começa va dizendo aos amigos que “não fora a certezada sua solidariedade nos bons como nos maus momentos e ninguémpoderia suportar com ânimo forte as agitações da vida política”.

Deixando São Paulo pelo país, preocupa va-se com a defesado seu go verno, e dela incumbia os correligionários. Re vela va decepçãoe mágoa pela hostilidade de antigos companheiros e declara va, de público,“ao Estado onde nascera, onde residia, onde tinha família e interesses ea quem de via as posições que tinha ocupado no país, que não pro vocaraa cisão do Partido Republicano e procurara evitá-la, quanto lhe forapossí vel, por todos os meios ao seu alcance”.

Este não era o discurso de um homem otimista e alegre, partindode alma leve para o comando da nação. Ao contrário, soa va como o ecode sofrimentos curtidos em silêncio; aparecia como a exibição de cicatrizesmorais, abertas pelos golpes da in justiça. Mas logo a fibra do estadista serecupera, e o tom do velho lutador aparece no seu timbre forte:

“Não a pro voquei, repito, mas se tenho no espíritotodas as tendências para a harmonia e para o congraçamento,não me arreceio das lutas quando sou a elas impelido, pelaconduta de companheiros in justos e imprudentes.”

No decorrer do quatriênio, o Brasil viu, como São Paulo já vira, que isto era a expressão mesma da verdade.

 Ao fazer as declarações até certo ponto pessimistas, nas vésperasda posse, Rodrigues Alves já estaria pro va velmente informado da marchade uma conspiração que se urdia, dentro do seu Estado, contra ele. O fatopouco conhecido transparece de documentos do seu arqui vo. De 24 deagosto é o telegrama circular que o chefe de Polícia de São Paulo, Cardosode Almeida, remeteu aos delegados municipais. Eis os seus termos:

“CORREM BOATOS DE TENTATIVA DE MOVIMENTOSEDICIOSO NO ESTADO; RECOMENDO TODA VIGILÂNCIA EPROVIDÊNCIAS NO SENTIDO DE EVITAR AÍ QUALQUER PERTURBAÇÃO DA ORDEM, PODENDO ATÉ ARMAR POPULARES CASO SEJA PRECISO.  A MIGOS DAÍ DEVEM SECONGREGAR E REPELIR QUALQUER DESORDEM PLANEJADA PELOS INIMIGOS DAS INSTITUIÇÕES A CUSANDO ESTE,

 284 Afonso Arinos

Page 281: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Os conspiradores situa vam-se entre antigos componentes dadissidência paulista e republicanos históricos, militares, os mesmos queficaram na oposição durante o go verno e pro vocaram a luta gra víssimade no vembro de 1904.

 A informação consta de uma carta de Custódio Coelho aRodrigues Alves, de 25 de setembro. A certa altura escre ve o missi vista:

“O Dr. Edmundo Barreto contou-me minuciosamente oplano da última conspiração e mostrou-me cartas do Dr. Moacirao Senador L. [Lauro] Sodré, com referências positi vas ao J. [Júlio] Mesquita e C. [Cincinato] Braga [....] Tambéminformou-me que o Senador L. Sodré procurou sondar oGeneral Argolo, sendo repelido.”Desse episódio abortado, pode-se concluir que as dificuldades

políticas que acompanharam o go verno Rodrigues Alves, e culminadas naderrota do presidente infligida pela coligação que impôs a candidatura de Afonso Pena, existiam, latentes, desde antes do início do quatriênio.

Nos termos da Constituição, o Congresso Nacional, reunidoa 3 de maio, procedeu à apuração da eleição presidencial, sendo Rodrigues Alves reconhecido e conclamado presidente no dia 27 de junho.

 Já então presidente eleito, mantém-se a maior parte do tempoem Guaratinguetá.

 A 7 de agosto, Campos Sales lhe escre ve, falando sobre ofuturo go verno. O presidente em função manifesta interesse direto porduas das maiores realizações do seu sucessor, o saneamento do Rio de Janeiro e as obras do porto. Sente-se que o campineiro compreendiaperfeitamente a importância de tais empreendimentos, que não puderale var a termo no seu período, pela política de restrições financeiras quese impusera, em vista da recuperação do crédito nacional. Mas este eoutros indícios tornam evidente o propósito deliberado de Campos Salesde le var ao poder o homem que pudesse realizar a obra, cu jos alicercesin visí veis ele próprio preparara.

 As atenções do presidente eleito volta vam-se, naturalmente,para a formação do futuro go verno. A tarefa era delicada, pois exigia oequilíbrio da competência dos homens escolhidos, com vista a umagrande administração (quanto a isto Rodrigues Alves não transigia) com

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 285

Page 282: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

grandes, sem cujo apoio um presidente não se podia eleger, muitomenos go vernar.

 AFONSO PENA SUCEDE A SILVIANO BRANDÃO

 A primeira dificuldade foi o pro vimento do cargo de vice-presidente da República. Sil viano Brandão, eleito para o posto a 1ºde março, falecera em Belo Horizonte no dia 20 de setembro, menos dedois meses antes de assumir a função.

Nascido em 1848, no município de Pouso Alegre, no sul de Minas,Sil viano Brandão ha via sido um dos signatários do manifesto republicanode 1870 e elegera-se deputado, pelo Partido Liberal, na última legislatura doImpério. Senador à Constituinte mineira, em 1891, fora secretário do Inte -rior de Afonso Pena e ele vado à presidência do Estado em 1892, pelarenúncia de Cesário Alvim. No vamente senador estadual, presidiu o Senadomineiro para ser eleito em seguida presidente do Estado durante o períodode 1898 a 1902. Ao deixar o go verno, em 7 de setembro, foi sucedido porFrancisco Sales, como ele vindo dos tempos da propaganda e, como ele,originário do sul de Minas, pois nascera no município de La vras.1 As preo-cupações em torno da vaga de Sil viano começaram a se manifestar antesmesmo que ele morresse, quando se tornou público que seu estado desaúde era irrecuperá vel. Do retiro de Guaratinguetá, Rodrigues Alvesseguia de perto os acontecimentos, ou vindo opiniões, recebendo conselhos,sopesando os di versos dados do problema. Em carta confidencial de 14 desetembro, o go vernador baiano, Se verino Vieira (cuja lucidez e desprendi-mento eram notá veis) ocupa-se do assunto:

“A questão do momento, com alcance mais imediato noseu go verno, é a substituição do nosso inditoso amigo Sil via-no Brandão, que está infelizmente perdido. Da capital federaltenho recebido algumas cartas de que ressumbram pa vores[sic] do espectro do Pinheiro Machado. Não vejo razão para

 286 Afonso Arinos

1 Francisco Sales foi o político de maior prestígio em Minas nos primeiros anos doséculo. Foi ele que levou João Pinheiro à presidência e que prestigiou jovenscomo Carlos Peixoto, João Luís Alves, Gastão da Cunha, Calógeras e Melo Franco.

Page 283: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

isso. Em minha humilde opinião o sucessor do Sil viano devesair ainda de Minas: Sabino Barroso, Olinto Magalhães ou Afonso Pena. Não sei se por ser mais velho, ou mais conhecido,eu acho este melhor para vice-presidente; e depois o Sil viano,quando se tratou da combinação, antepunha ao próprio o nomedo Pena.2 Mas isto não importa muito: seja o que for mais bemacolhido em Minas, a Bahia apoiará essa candidatura. Terá SãoPaulo razão para impugnar uma candidatura dessa procedência,desde que o candidato seja digno? Penso que não. Logo estáainda desta vez fechado o triângulo. Pode-se ainda contar comGoiás e Pará, que são dos nossos, e o mais vem por si. O que épreciso é de não ficar quedo. Enquanto não ti vermos partidos éde necessidade que o presidente tome a decisão política para nãoser sub jugado pelas dificuldades que lhe nasceriam da abstenção.Lembre-se dos dois primeiros anos do período do Prudente. Se V. conta, como estou certo que conta, com São Paulo, escre vaao Sales que façam lá por Minas a seleção do candidato, porquenós preferimos candidato mineiro. Sei que o Sales, pelas mani-festações que lhe ouvi, mostra-se mais inclinado pelo Pena.”

 A solução do caso vice-presidencial não dependia, porém,somente, da escolha do nome mineiro. Os ad versários potenciais deRodrigues Alves, no seio do Congresso, cria vam para ele um obstáculo,que era a própria constitucionalidade de uma nova eleição.

Em 1891, alguns meses depois da renúncia de Deodoro, oCongresso, pressionado pelo poder militar, que impunha a permanênciade Floriano por todo o quatriênio, entendera que não se de veria proceder aoutro pleito para a vice-presidência. Prudente de Morais se opusera aesta doutrina, escudado no verdadeiro entendimento da Constituição,mas fora vencido pela maioria florianista. O artigo 42 da Constituição de1891 era taxati vo: obriga va à eleição do presidente caso a vaga ocorresseantes de transcorrida a metade do período presidencial. Mas o parágrafo2º do artigo 1º das disposições transitórias, redigido de forma ambígua,dizia que “o presidente e o vice-presidente, eleitos na forma deste artigo

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 287

2 Já vimos que foi esta, realmente, a resposta de Silviano a Olinto de Magalhães,

Page 284: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

[eleição pelo Congresso] ocuparão a presidência e a vice-presidência daRepública durante o primeiro período presidencial”. Não hou ve eleiçãopara vice-presidente. Agora a situação era, sem dú vida, distinta. A reda-ção do artigo das disposições transitórias, in vocado por Floriano, não seaplica va senão ao primeiro quatriênio, e Sil viano não ha via tomado pos -se do seu cargo, ao contrário do que ocorrera com o Marechal de Ferro,que se empossara juntamente com o generalíssimo.

Nada disso impedia que a intriga prosperasse no Congresso ena imprensa. Ha via quem fizesse o le vantamento, na Câmara e no Sena-do, dos que tinham votado contra a eleição quando da vaga de Deo-doro, a fim de ressaltar possí veis contradições. Mas a candidatura de Afonso Pena ia se impondo naturalmente.

Rodrigues Alves en viou cópia da carta de Se verino Vieira aBernardino de Campos, para se aconselhar com ele. A 26 de setembro,o presidente de São Paulo concorda va, em resposta escrita, com ogovernador da Bahia:

“Há algum tempo, falando-me uns e outros sobre a suces-são do Dr. Sil viano Brandão, tenho ou vido as opiniões e res-pondido que não me compete a iniciati va. Tinha a certeza deque V. e o Campos Sales, sobretudo V., cogitariam do caso.Desde então que reflito e cheguei à seguinte conclusão: o nomeaceito para a vice-presidência só pode sair de Minas ou da Bahia.Entre a Bahia e Minas é preferí vel esta, porque, além de já estarde algum modo indicada, por ser de lá o Sil viano Brandão, nãosofre a competição de outro pretendente à preeminência noNorte, o que, não é da Bahia [sic].3 Isto tudo arrefecerá osatritos possí veis logo ao aproximar-se o seu governo. Possodizer que, neste assunto ou idéias, entram, além dos Estadoslembrados pelo Se verino, também Paraná, e Santa Catari-na, tanto quanto posso julgar pela sua linguagem e atitude,porque tem muito o estouro geral que seria para eles quaseinaceitá vel. Eu estou de pleno acordo com o Se verino. Entreos vários mineiros, tem a preferência o Dr. Afonso Pena. De lá

 288 Afonso Arinos

Page 285: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

nem pode ser outro, a não ser o Bias Fortes, sal vo se nenhumdeles quiser, pois que os outros são ainda muito no vos.4 O Afonso só poderia ser dispensado no caso de se reser var essenome para posto de mais responsabilidade no futuro.”

 A frase final permite a con jetura de que Bernardino cogita va já do nome de Pena para uma possí vel presidência da República. Assimse urdiam, prematura e pacificamente, as soluções políticas naquelestempos.

Os dirigentes estaduais pensa vam com ob jeti vidade e realismo.No Congresso a situação era di versa. Le vados pela atmosfera peculiaràs câmaras legislati vas, onde a con versa ociosa e mal informadapredomina, apareciam contestações. O Senador goiano Leopoldo deBulhões, que em bre ve iria ocupar a pasta da Fazenda, foi escolhido porRodrigues Alves, naqueles dias, como seu principal informante no Senado,sede das con versas.5

Por meio de cartas e telegramas, o presidente pedia ao senador,de quem era amigo pessoal, que procedesse à sondagem quanto ao vice-presidente e formação no ministério. O maior empecilho esta va emPinheiro Machado que, no dia 9 de setembro, fez excelente discurso,recordando as posições de 1892 e mostrando que, naquela época, CamposSales e Rodrigues Alves, então no Congresso, ha viam sido declaradamentecontra no vas eleições.

 A 25 de setembro Bulhões escre veu a Rodrigues Alves,transmitindo informações colhidas com Pinheiro Machado. Contara ogaúcho que o paranaense Vicente Machado escre vera a Se verino Vieira eBernardino de Campos, sugerindo para vice-presidente o nome do Sena-dor potiguar Pedro Velho. Aceitando-se isso como verdade, o trabalhoera inútil, à vista dos antecedentes relatados. Bulhões con versou tambémcom Campos Sales. Pareceu-lhe que o presidente inclina va-se, no íntimo,por Sabino Barroso, mas, con vencido da inelegibilidade deste (artigo 33, §2º, da lei eleitoral vigente), admitia como preferencial o nome de Afonso

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 289

4 Bernardino pensava aqui, talvez, em João Pinheiro.

5 Bulhões, como já ficou dito, havia sido colega de Rodrigues Alves nos parlamentos

Page 286: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Afonso Pena, escolhido vice-presidenteda República,emconseqüência do falecimento deSilviano Brandão. Foto da revista Kosmos.Coleção Plínio Doyle

Page 287: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Pena. Se verino Vieira continua va a recusar a indicação do seu próprionome.

Bulhões, a 1º de outubro, relata:

“Acaba o Vicente Machado de dizer-me ter ou vido do Dr.Campos Sales que não se deve proceder à eleição para preenchi-mento da vaga. Não tomei a sério a declaração, mas o Vicenteinsiste em afirmar que é essa a opinião do presidente da Repúbli-ca, e que eu lesse o Diário6 de hoje, em que, de modo categórico,se atribui ao go verno a declaração... Esti ve com o Dr. CamposSales a 25 ou 267 e, tratando do assunto, ele disse-me o que jálhe comuniquei. O Vicente é muito pre venido contra o Pinheiro,pensa que depois da conferência deste com o presidente daRepública foi que surgiu a declaração do Diário.”

Como se vê, Pinheiro chefia va a intriga. De um lado espalhaque Vicente Machado trabalha va por Pedro Velho. De outro faz crer aomesmo Machado que Campos Sales se opunha à eleição. Não é impossí- vel que o senador gaúcho – como tantas vezes aconteceu – pensasse emsi mesmo, para surgir afinal como solução do impasse, que ele própriotenta va suscitar.

O pensamento de Campos Sales é exposto a Rodrigues Alves em cartas de 1º e 2 de outubro, pelas quais manifesta a opinião deque não se de via proceder à eleição. Na primeira carta escre veu ele:

“Acho bem complicada a questão da eleição do vice-presidente. Há mineiros que recusam formalmente acandidatura do A. Pena, assegurando que ela produzirá sériacrise na política mineira, de tal forma que preferem adotarum candidato de outro Estado. Também, aqui, há muitospolíticos que repugnam esta candidatura [sic], acrescentandoalguns que ela representa idéias opostas às da situação, noque respeita à situação financeira. Alude-se, ainda, com des -fa vor à gestão do Banco da República, sob a presidência

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 291

6 V. adiante carta confirmatória de Campos Sales.

Page 288: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

dele. Enfim, vejo complicações por todos os lados. Agoraparece tomar a questão um outro aspecto. Um jornal daqui,o Diário, que eu nunca leio e que é de gente saída do Correioda Manhã, simulou comigo uma entre vista e deu em seguidao parecer e o discurso que fiz no Senado a propósito da legi-timidade do go verno do Floriano. Deve ou não ha ver elei-ção para vice-presidente? Esta é a questão que se le vanta.Mando junto o Diário que deu tais publicações. Verá que aminha opinião é francamente no sentido negati vo. O pare-cer foi adotado no Senado por 27 votos contra 7. NaCâmara, por essa ocasião, votou-se uma solução idêntica,isto é, a conclusão de um parecer, cópia fiel do parecer doSenado, aceito por 74 votos contra 55. A bancada paulista votou toda, exceto Lopes Cha ves, pela conclusão. Formaráisto um aresto? Re vendo agora a minha opinião, acho-a verdadeira e bem firmada, sob o ponto de vista jurídico.Não posso repudiá-la, nem a repudio. Estou, pois, resol vidoa não mandar proceder à eleição e a não praticar ato algumque re vele em mim a intenção de modificar as minhasidéias de 1892. É visto, portanto, que não me en vol vereina questão das candidaturas. Resta a V. meditar no quelhe compete fazer.”

Embora seu ponto de vista pessoal, exposto com a cos-tumeira franqueza, fosse contra a eleição de novo vice-presidente,Campos Sales opina va junto a Rodrigues Alves sobre a hipótesede decisão contrária ao seu pensamento. No dia 2 de outubro, es -cre veu:

“Na hipótese de se proceder à eleição do vice-presidente, aquestão das candidaturas terá, conforme os precedentes, de serresol vida pela Con venção, competindo à [sic] esta fazer a indica-ção embora tirando o candidato de entre os políticos mineiros.Deste modo, será dirimida a dificuldade que a respeito da esco-lha possa ha ver em Minas, desaparecendo as complicações dasua política interna. A questão é da União, e não de um Estado.Se V. quiser ver nos anais a discussão do caso do Floriano, que

 292 Afonso Arinos

Page 289: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

1892, quer do Senado, quer da Câmara. Aí encontrará subsídiospara o seu estudo.”

Mas as coisas se esclareciam. No dia seguinte, 3, mandouBulhões esta carta:

“Há certa propaganda no sentido de fazer-se opiniãosobre o caso-presidencial. Dizem os amigos de certo grupo8

que o Congresso já interpretou as disposições constitucionaise andam a tomar nota dos deputados e senadores que vota-ram a fa vor de tal interpretação. O Rui, a quem visitei nodia 28 do mês passado, é de opinião que se deve fazer aeleição embora, pela letra da Constituição, se possa sustentaropinião contrária.9 No tempo de Floriano receou-se a eleiçãopor causa da agitação pro vocada pelo golpe de Estado. OCongresso não teve outro intuito, votando o pro jeto, quehoje desentranham dos papéis velhos, senão evitar umaconflagração.”

Rodrigues Alves di vergiu de Campos Sales na questão e, anosso ver, ele é que esta va certo. No dia 5 de outubro respondeu àsduas cartas do presidente nestes termos:

“O pronunciamento do Congresso em 1892 foi pro vo-cado pelas gra víssimas circunstâncias políticas do momento enão pode, a meu ver, constituir aresto. O período presidencialnão começou ainda, não sendo lícito antes da posse cogitar-sede vagas ou de impedimentos, nem se poderá a 15 de no vem-bro ter completamente constituído o go verno para o quatriê-nio sem o vice-presidente que, além de suas funções comoExecuti vo e nas hipóteses da lei, tem de ser o presidente doSenado, ameaçado de ficar sem o seu diretor constitucional,por um quatriênio inteiro. Respeitando muito os seus escrúpulos,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 293

8 Alusão velada a Pinheiro Machado.9 Em 1892, Rui Barbosa opinou igualmente em favor das eleições. Quanto à

possibilidade de se poder “sustentar opinião contrária”, deve ser engano de

Page 290: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

penso, entretanto, que ainda quando o voto de 1892 pudesseconstituir aresto não teria aplicação no caso atual, por tra-tar-se de um período de go verno que vai começar. A 15 deno vembro o go verno não estará integralmente constituído, porfaltar-lhe o vice-presidente.”

 Juridicamente, Rodrigues Alves esta va certo. Politicamenteseria uma imprudência deixar o Senado, durante o quatriênio, sob apresidência de Pinheiro Machado. Ele não disse isto mas de veria estarpensando na hipótese. Assim, se Campos Sales não queria fazer aeleição do vice-presidente, ele a faria. E foi o que ocorreu.

Rodrigues Alves não podia deixar de preferir o nome de Afonso Pena, seu colega de Faculdade e amigo de ju ventude; comoele, conselheiro do Império e adesista à República. Aquilo que Pinhei-ro Machado mais de via temer, uma chapa de conselheiros era, pro va- velmente, o que mais sorria ao presidente. Seguindo a opinião de Se ve-rino Vieira, ele deve ter escrito a Francisco Sales sugerindo o nome dePena logo em fins de setembro ou princípios de outubro, porque de 5daquele mês é a resposta do presidente de Minas, em telegrama expe-dido para Guaratinguetá:

“R ECEBI CARTA QUE RESPONDEREI SEM DEMORA PODENDO ASSEGURAR  V . EXª COMPLETA HARMONIA POLÍTICAMINAS.S AUDAÇÕES.”

Que Rodrigues Alves tinha assentado o nome de Pena antesde consultar Francisco Sales é pro va este trecho da carta de Bulhões,datada de 1º de outubro:

“Recebi a sua de 29 do mês findo. O candidato a vice-presidente é digno do cargo e está na altura de presidir oSenado, impondo-se a todos pela respeitabilidade de seu caráter.Com a melhor vontade trabalharei para que triunfe semprovocar ressentimentos e despeitos.”

 Afinal, Afonso Pena foi indicado em “con venção republi-cana” (de congressistas delegados dos Estados) reunida no SenadoFederal a 12 de dezembro, quase um mês depois de empossado o

 294 Afonso Arinos

Page 291: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Eleito a 18 de fe vereiro de 1903, Pena empossou-se na vice-presidência a 23 de junho do mesmo ano. Recebera 652.247 votos,a maioria de “bico-de-pena”, segundo os jornais da oposição.10

 A FORMAÇÃO DO MINISTÉRIO

 Acompanharemos agora a formação do ministério. Já vimos adelicadeza do trabalho que isso representa va, de vendo-se adicionar aosfatores acima indicados mais um: a gra vidade da situação política naque-le crepúsculo do go verno de Campos Sales.

O talentoso e eloqüente, mas algo desequilibrado Deputadosergipano Fausto Cardoso – morto tragicamente antes de findo o manda-to de Rodrigues Alves – apresentou à Câmara Federal, depois da eleiçãodeste, a 9 de junho, uma indicação que caiu como uma bomba sobre aimprensa e a opinião. Fausto Cardoso (que, romanticamente, deu nome auma rosa vermelha) queria nada menos que um go verno con vencionaltransitório e, em seguida, a eleição de um ditador pelo Congressotransformado em Con venção. Na imaginação túrgida e descontrolada dosergipano, de viam perpassar imagens dramáticas da Re volução Francesa.Segundo sua proposta, logo retalhada pela pena dos articulistas e pelolápis dos caricaturistas, a Constituição de veria ser re vogada, as corrupçõessindicadas e punidas por comissões especiais, os bancos estrangeirosfechados, o café e a borracha tornados monopólios públicos, além deoutras medidas de iguais teor e possibilidades.

Por mais fantasista que fosse a indicação, não deixa va ela deexprimir a agitação reinante no Rio e em outras capitais politizadas. Eramnessas condições que se de via processar a organização do futuro go verno.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 295

10 Rodrigues Alves procurou dar solenidade à posse de Afonso Pena. Fê-lo conduzir,em carro da presidência, do Hotel dos Estrangeiros ao Senado, acompanhado dochefe de sua Casa Militar. No Senado havia um Batalhão da Guarda de Honra,ministros de Estado e corpo diplomático. Na volta ao hotel, Pena entrou noCatete para visitar Rodrigues Alves, sendo recebido com guarda de honra e

Page 292: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O mi nis tério deRo dri gues Alves só foi revela do à úl ti ma hora. Era uma ca i xa desurpresas...O Malho. Coleção Álvaro Cotrim

Page 293: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rodrigues Alves fecha va-se em Guaratinguetá, consultando umou outro elemento de confiança, debaixo da maior reser va, tomando ainiciati va de sondar esse ou aquele nome, enquanto os boatos fer vilha vam.

O seu primeiro con vite, feito com grande antecedência e com suaabsoluta responsabilidade, foi endereçado a Rio Branco, como veremos adi -ante. Mas, se esta lembrança foi aceita com entusiasmo por todos, as outraspastas não tinham destinatário certo. Seu obser vador preferido, Bulhões, en - via-lhe a 25 de setembro o resultado das sondagens a que procedera.

Para a Guerra, fala va-se nos Generais Bernardo Vasques(que ocupara a pasta com Prudente) e Sil vestre Tra vassos, depois ini-migo do go verno e morto em conseqüência da re volução de 14 deno vembro. Para a Marinha, os nomes cogitados eram os dos Almi -rantes Júlio de Noronha (de fato escolhido), Pinheiro Guedes, Elisiá-rio Barbosa e Huet Bacelar. Para o Interior e Justiça, os boatos fa vo-reciam um paulista como o Professor João Monteiro, o Senador esta-dual Frederico Abranches e o Deputado Dino Bueno, ou então oConselheiro Barradas, considerado “o Rui maranhense”. No dia 28 jápareciam assentadas as preferências por Júlio de Noronha, para aMarinha. Ha via restrições ao General Vasques, no seio do Exército,notando-se preferências pelo General Mallet. Ha via também apoioao General Tra vassos, que Bulhões curiosamente considera “discipli-nado e disciplinador”. Quintino Bocaiú va parecia preferir Vasques, acrer-se em declaração do seu genro, o futuro Ministro do SupremoTribunal Godofredo Cunha. Para a Viação, fala va-se no talentosoFrancisco Sá. Rodrigues Alves se informa va, refletia, e ia decidindopor si mesmo.

Seu primeiro con vite foi, já o dissemos, a Rio Branco. A históriada entrada do Barão no Itamarati tem sido contada mais de uma vez nosestudos e biografias sobre ele publicadas. Mas, considerada a importânciada sua gestão na chefia da política externa, a qual é reconhecida sem dis -crepância no Brasil, como em toda a América Latina, e tendo-se em vis -ta o prestígio quase lendário do Barão como homem público – sem dú - vida o estadista ci vil mais respeitado entre nós, inclusi ve nos meios mili-tares – será sempre mais uma contribuição o fornecimento de dados, al-guns dos quais vêm des vendar facetas menos conhecidas da curiosa

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 297

Page 294: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

episódio justifica o seu tratamento extensi vo. É que, no jogo de negaçase sutilezas que precederam à vinda de Rio Branco, ressaltam igualmenteaspectos marcantes da psicologia de Rodrigues Alves.

Os boatos sobre a escolha do Barão desde cedo apareceramnos jornais.

No dia 2 de julho, Campos Sales escre veu a Rodrigues Alves,sempre em Guaratinguetá, a seguinte carta, “confidencial”11:

“Rodrigues Alves,

 A Ga zeta deNotícias de hoje diz que o Rio Branco, con vi-dado, aceitou a pasta do Exterior no seu próximo go verno. A Ga zeta, segundo declaração particular, julga-se informada deboa fonte.

Se é verdadeiro o fato, felicito-o por isso, con vencidocomo estou de que é uma excelente escolha. Mas o que agoradese jo é que V. me informe se está isso definiti vamente assen-tado, não por simples curiosidade, mas porque, estando pla -ne jado um mo vimento diplomático, ser-me-ia de grande van -tagem conhecer o que há com relação ao Rio Branco.12 Issotraria certas facilidades. Escusado é dizer que a sua informa-ção só será conhecida por mim. Descanse e prepare-se.

 Amigo afetuoso Campos Sales.”

Rodrigues Alves deve ter percebido que o presidente estra-nhara não ter sido informado, antes da imprensa, de tão importante de -cisão. Daí o teor da resposta datada de 5, na qual ele pede ao amigo quese associe à sua iniciati va:

“A notícia da Ga zeta não tem fundamento. Nem diretanem indiretamente con videi o Rio Branco para a pasta doExterior, no próximo go verno. Parecia-me inoportuno fazê-loantes do reconhecimento. Apenas ao Bernardino, que aqui es -

 298 Afonso Arinos

11 A carta manuscrita, como quase todos os papéis do tempo, contém na páginadeixada em branco o rascunho da resposta de Rodrigues Alves, que adiantetranscreveremos.

Page 295: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

te ve, perguntei que fundamento ha via na notícia de que pre -tendia ele vir para o Brasil e não obti ve informação alguma. Ainsistência com que os jornais têm se referido ao nome dessediplomata pode significar que não se negará em auxiliar-meno go verno naquele cargo, se for consultado a respeito, e eudese jo que V. faça a consulta em meu nome.

 As questões internacionais têm assumido entre nós certaimportância e vão se prestando frequëntemente às explora-ções dos descontentes.13 O nome do Rio Branco tem bastan-te autoridade para fazer calar, ou, pelo menos, enfraqueceresse clamor, e o diplomata bastante competência para estudaros negócios, propondo as melhores soluções.

Recordo-me que V. o ano passado falou-me em outronome.14  Parece-me que o Rio Branco ser vir-me-á melhor,pelo prestígio do nome e ser viços prestados ao país.

 V. tem aí facilidades para ou vi-lo com todas as cautelase eu dese jo e peço que o faça ou, se achar esse caminho in -con veniente, o que não me parece, que me sugira o queachar melhor.”

No dia 10, Campos Sales dá conta do que fizera:

“Rodrigues Alves,

Em vista do que me disse na sua carta de 5 do corrente,transmiti ao Rio Branco, com data de 6, o seguinte telegramareser vado:

‘R ODRIGUES  A LVES DESEJA CONFIAR-LHE PASTA EXTERIOR E ENCARREGOU-ME CONSULTÁ-LO, ESPERANDO

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 299

13 Naquele ano, Campos Sales estava sendo duramente atacado pela imprensaoposicionista a propósito das pretensões dos Estados Unidos (TheodoreRoosevelt) contra o Acre, e da Alemanha (Guilherme II) em relação a SantaCatarina. Artigos e caricaturas repetiam-se a respeito desses assuntos, na imprensacarioca.

14 É possível que fosse o de Joaquim Nabuco. Campos Sales, desde sua viagem àEuropa, como presidente eleito (na qual fora lendo o recém-aparecidoUmestadista

Page 296: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

DE SEU PATRIOTISMO NÃO RECUSARÁ. S ÃO ESSES TAMBÉMMEUS VOTOS.’

 A 7 recebi de Berlim o seguinte telegrama:

‘ A SSEGURO A  V OSSAS EXCELÊNCIAS MEUS BONSDESEJOS DE LHES SER AGRADÁVEL. R OGO MEPERMITIREM RESPONDER CORREIO: CARTAS CHEGARÃO A 28.R IOBRANCO.’

Tenho como satisfatória esta resposta e, nesse pressu-posto, felicito-o pela colaboração de um brasileiro, cujo nomedará lustre ao seu go verno. Con vém, entretanto, guardar absolu-ta reser va até que chegue a esperada solução.” A carta prometida pelo Barão não chegou a 28 de julho,

porque só foi escrita no dia 18. É este o seu texto:15

“Berlim, 18 de julho de 1902Kurfürstendamm nº 10 – W. 50.Il.mo e Ex.mo Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves.No dia 7 do corrente recebi, em telegrama do Sr. Presi-

dente Campos Sales, o con vite com que V. Exª me honrou.São tantas as considerações a que devo atender, que ain -

da por esta mala não posso escre ver detidamente a V. Exª,como dese ja va. Hei de fazê-lo impreteri velmente pela seguin-te, que chega ao Rio no dia 11 de agosto, e limito-me agora aremeter a V. Exª uma cifra e algumas pala vras con vencionais,para que o dese já vel segredo seja mantido na correspondênciatelegráfica que possamos ter.

 Agradeço muito a V. Exª a confiança com que me honrae asseguro-lhe, de novo, que tenho o melhor dese jo de corres-ponder a ela. Preciso, porém, ver se praticamente é possí velrealizar em tão pouco tempo mudança para tão longe.

De V. Exª admirador e muito atento e agradecido criado  Rio Branco.”16

300 Afonso Arinos

15 Vai copiado do original manuscrito. O mesmo foi feito com os demais documentos

Page 297: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A cifra anunciada acompanha va a carta. Rio Branco a tinhapreparado cuidadosamente, caprichando na caligrafia, em uma página depapel almaço.

O código da cifra era simples. Em uma coluna figura vam asletras do alfabeto, em maiúsculas, e em mais quatro colunas sucessi vas enumeradas de 1 a 4 vinham, em minúsculas, as quatro versões que cadaletra de via tomar.

Por exemplo: A seria gna primeira letra da pala vra, f  na se -gunda,s na terceira ep na quarta. A cada letra maiúscula correspondiamassim quatro minúsculas, conforme a ordem em que figurassem na pala- vra cifrada. Cada pala vra usada, segundo este código, seria decifrada dequatro em quatro letras.

Em outra página, Rio Branco propôs duas pala vras con vencionaispara ele e quatro para Rodrigues Alves.

Ei-las, com os respecti vos significados:

“A) De Rio Branco para o Ex.mo  Sr. Dr. Rodrigues Alves, presidente eleito.

 Bradley : – Aceitarei o posto em que V. Exª me quer colocarse entender que não me deve dispensar. Peço permissão parapartir em... (indicarei o mês de no vembro ou dezembroconforme o trabalho que me der a mudança).

 Brasidas: – Sinto muito que negócios de família e o presenteestado de minha saúde me não permitam aceitar agora agrande honra que V. Exª dese ja va conferir-me. Em maio próximoespero poder ir apresentar pessoalmente os meus respeitos eagradecimentos a V. Exª.

B) Para as respostas do Ex.mo Sr. Dr. Rodrigues Alves aRio Branco:

Galileu: – Continuo a dese jar que aceite a pasta do Exterior.Goethe: – Pode partir meado no vembro, para chegar

princípio de dezembro.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 301

16 Como é sabido, o Barão assinavase Rio-Branco (com hífen). Não adotamos a

Page 298: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Grutli: – Pode partir dezembro para chegar meado oufim mês.

 Horácio: – Fico ciente de que moti vos de saúde e outroso impedem de aceitar agora a minha oferta.”

Mais abaixo o Barão acrescenta va ainda estas instruções:

“Para que haja maior segredo e não se saiba a quem V.Exª se dirige, peço-lhe que diri ja assim os seus telegramas:Ombou-Londres.

Sem pôr o meu nome. De Londres os telegramas me se -rão transmitidos para aqui.

Berlim, 17 de julho de 1902.”

Residindo ha via tantos anos fora do Brasil e tendo exercido asduas grandes embaixadas das Missões e do Amapá, ambas tão cheias desutilezas e complicações, Rio Branco integrara-se completamente nos hábitosda diplomacia européia de então, sempre en volta nos véus dos segredos.Um dos dois irmãos Cambon, diplomatas típicos dabelleépoque, lastimou,em li vro de recordações, o fim daquelas negociações e tratati vas pordetrás dos reposteiros, e lamentou (na década de 1930-1940) os no vosprocessos brutalmente publicitários da diplomacia mundial.

Rio Branco foi um dos grandes diplomatas de formaçãoeuropéia da escola anterior à Primeira Guerra Mundial, escola que aindaconser va va muitos hábitos da Europa monárquica, de que Talleyrand éo clássico modelo.

Con vém não esquecer que, quando se entabula va essa corres-pondência, ha via um quarto de século que Rio Branco residia na Europa.Tornara-se verdadeiramente um europeu, que do Brasil conser va vasomente honradas e enternecidas lembranças, resumidas na sua conhecidadi visa –Ubiquepatriaememor .

O dístico correspondia, no fundo, a um programa: em qualquerlugar, lembrar a pátria.

 Além das razões de natureza estritamente pessoal, outrashavia que intensifica vam a hesitação de Paranhos. Recea va a desordempolítica republicana, o desabrimento da imprensa (de que a gloriosa

302 Afonso Arinos

Page 299: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Frio e a posição errada do go verno Campos Sales na questão do Acre, amais importante do momento.

Rodrigues Alves, habituado aos jogos mutá veis da políticainterna, em que era mestre, não deixaria tal vez de achar excessi vos(quem sabe se meio pueris) aqueles cuidados do seu antigo condiscípulodo Colégio Pedro II.

Mas não hesitou em prestar-se a eles de bom grado, tãoardentemente dese ja va a colaboração, no seu go verno, do homem já en-tão considerado o mais glorioso do Brasil.

 A 25 de julho, Rio Branco escre veu ao presidente eleito estasegunda carta:

“Os cumprimentos que devo a V. Exª pela sua eleição àprimeira magistratura da República chegam depois de muitosmilhares de outros que V. Exª terá recebido, mas espero que,por tardios, os não considere menos sinceros nem menoscordiais os votos que tenho feito e farei pela felicidade eglória do seu go verno.

Sem ter a honra de conhecer pessoalmente a V. Exª,conheço-o de muitos anos pelas relações elogiosas de amigoscomuns, alguns deles seus condiscípulos de colégio,17 e, comotodos os brasileiros, conheço-o pela sua dedicação à causapública e pelos pro vados méritos de estadista que o ele vamagora, com aplauso geral, ao difícil posto que V. Exª vai ocupar. Apreciei, portanto, em todo o seu valor a honra que me faz,dese jando confiar-me, na sua administração, o Ministério dasRelações Exteriores, repartição que aprendi a amar desde me -nino e que durante anos vi funcionar, para assim dizer, em casade meu pai. Teria não só muita honra, mas também sumo pra -zer em ser vir de perto sob as ordens de V. Exª. Devo, porém,confessar-lhe com grande pesar, que me não julgo com forçassuficientes para ser, nessa posição e na quadra atual, o auxiliarútil que V. Exª dese ja. Sinto-me alquebrado, mal de saúde, e

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 303

17 Já recordamos que o Barão fora contemporâneo de Rodrigues Alves no Colégio

Page 300: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

não tenho podido cuidar de a fortalecer, porque tanto os tra -balhos e inquietações de espírito destes últimos anos como asremoções precipitadas e conseqüentes desordens me não têmdeixado tempo para isso. De meu pai disse18 Joaquim Nabu-co que não ser viria para épocas de re volução ou de agitação.De mim se pode dizer isso, com mais razão ainda. Vivo no es -trangeiro desde 1876, tendo deixado, então, o Brasil, com o pro -pósito de me não en vol ver, mesmo em tempos relati vamente cal -mos como eram aqueles, nas questões da nossa política interna.Hoje, e como então, penso poder ser mais útil à nossa terra ser - vindo-a no estrangeiro e utilizando, sobretudo agora que poderiater algum descanso, os materiais que fui reunindo desde a minhamocidade, com o dese jo de publicar certos trabalhos históricos.Indo agora para o Brasil, teria que renunciar por alguns anos – enão posso contar com muitos – a esses meus queridos pro jetos, eiria vi ver no meio de uma agitação que não estou habituado a verde perto. Bem sei que a pasta das Relações Exteriores não é, ounão deve ser, pasta de política interna; mas é sempre difícil paraquem a desempenha, entre nós, destacar-se inteiramente dasquestões interiores.

 Depois de tão longa vida de retraimento, fechado comos meus li vros, mapas e papéis velhos, receio mostrar-medesa jeitado na vida inteiramente di versa que de veria ter naposição de ministro de Estado. Devo ainda ponderar que osencargos de família que pesam sobre mim são grandes; queacabo apenas de me instalar aqui com muito dispêndio e depôr em alguma ordem o meu arqui vo e biblioteca depois detantas peregrinações. Esta nova mudança de tão pesada ecomplicada bagagem, parte da qual deve ficar aqui e outraseguir para o Brasil, seria para mim um verdadeiro desastrefinanceiro.

Eu faria, entretanto, com prazer o sacrifício se pudesse ter aesperança de, no Ministério, prestar bons ser viços a V. Exª e aopaís, mas não tenho essa esperança, pelas razões apontadas e por -

304 Afonso Arinos

Page 301: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

que as continuadas reduções de pessoal no ser viço tão importantedas nossas Relações Exteriores o têm pre judicado grandemente.

Sou, assim, obrigado a pedir a V. Exª que me dispense deocupar o alto cargo em que dese ja colocar-me e que, estou per-suadido, eu não poderia desempenhar como entendo que deveser desempenhado. Confirmarei esse pedido pelo telégrafo nodia 15 de agosto, empregando a pala vra con vencional – curius.Não é como V. Exª vê, uma recusa: é um pedido de dispensa.Se V. Exª não julgar atendí veis as considerações que faço e en -tender, depois do meu telegrama, que deve manter o seu con vi-te, peço-lhe que me autorize a partir em fins de outubro ou nosprimeiros dias de no vembro. Na incerteza sobre qual seja a suaresposta, começo desde já a pôr em ordem o arqui vo da missãoespecial em Berna, que ainda não remeti, e a cumprir os últi-mos de veres que me incumbem por essa missão. Insistindo V.Exª em que eu vá para o seu gabinete, tratarei de preparar-mepara a viagem com a possí vel bre vidade.

Peço licença para dizer a V. Exª que, em minha humildeopinião, o homem que melhor estaria à frente do Ministério dasRelações Exteriores, sobretudo no momento atual, seria o Dr. Joaquim Nabuco. Não só possui todas as habilitações para o car -go, mas também qualidades brilhantes que não possuo, e que otornariam um auxiliar precioso para a solução que possa ter adesagradá vel questão do Acre. A primeira Memória que ele estáescrevendo para o árbitro, na questão da Guiana, ficará terminadabre vemente. No Rio, ocupando o cargo de ministro, ele poderiaescre ver e mandar para Roma a Réplica e a Dúplica.

Se V. Exª me quiser autorizar a con vidá-lo em seu nome,peço-lhe que me telegrafe esta simples pala vra – Corot. Se elenão pudesse aceitar, eu ficaria de novo à disposição de V. Exª.

 V. Exª pode telegrafar para aqui, dirigindo assim o telegrama: Riobranco – Berlim.

Ou para Londres, com este endereço que vou fazerregistrar, para que de lá me en vie logo o telégrafo as suas

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 305

Page 302: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Empregando as pala vras con vencionais ou a cifra que lhemandei com a minha primeira carta, ou também a pala vraCorotagora indicada, não precisa V. Exª assinar o telegrama. Sabereique é seu, e no Brasil não saberão a quem V. Exª telegrafa.

Esperando que V. Exª desculpe os meus escrúpulos e memande as suas ordens, subscre vo-me com a mais alta conside-ração e vivo reconhecimento.

De V. Exª o admirador e muito atento e obediente criado  Rio Branco.”

No dia 1º de agosto o Barão en viou esta nova missi va, queparecia mais próxima da aceitação, embora muito condicionada:

“A carta que tive a honra de escre ver a V. Exª no dia 18 de julho deve chegar às suas mãos por estes quatro ou cinco dias,mas a de 25, em que respondi ao con vite com que fui honrado,só poderá ser entregue em São Paulo ao mesmo tempo em queesta, a 19 de agosto. Pelo atraso de dois minutos perdeu a malasuplementar que ia alcançar em Lisboa o paquete francês.

Confirmo em todas as suas partes essa segunda carta eaguardo a decisão de V. Exª pelo telégrafo.

Se entender que é indispensá vel isso que para mim seriaenorme sacrifício e que não será para outros, eu me disporei apartir, pedindo-lhe porém que me conceda o prazo mais largopossí vel, a fim de que possa fazer sem grande atropelo os ar -ran jos necessários para desmontar a casa e acomodar o quedevo deixar aqui ou le var comigo.

Continuo cada vez mais firme na crença de que o melhorauxiliar que V. Exª poderia ter na pasta das Relações Exterioresseria o Dr. Joaquim Nabuco. Ele poderia, como já lembrei,escre ver no Rio as duas memórias complementares sobre a nossaquestão com a Guiana Inglesa e V. Exª poderia mandar-me paraRoma em missão permanente e especial, a fim de entregar essestrabalhos, dar as informações verbais e complementares que oárbitro possa pedir e acompanhar assim o processo.

Devo acrescentar que em dezembro de 1900, depois da

306 Afonso Arinos

Page 303: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

dese jou passar-me a defesa da causa que lhe esta va confiada ede que eu ha via desempenhado antes, escre vendo, entre outrostrabalhos, uma memória que foi apresentada ao go verno in -glês pela nossa legação em Londres. Ele fez-me em carta estaproposta, mas era tal a necessidade que eu sentia de repouso etratamento sério de minha saúde que lhe declarei formalmen-te não poder aceitar terceira missão da mesma natureza. Ago-ra, para evitar o grande transtorno e enorme pre juízo que euteria indo para tão longe ocupar posição em que, pre ve jo, te -ria que lutar com dificuldades superiores às minhas forças eboa vontade, eu aceitaria com prazer esse encargo, relati va-mente menor e fácil, ficando ali viado do trabalho, que está fa -zendo e continua a fazer, o Dr. Nabuco, e sem lhe tirar demodo algum a honra e o mérito da defesa da causa. Eu ficariasendo apenas, no teatro dos acontecimentos, um auxiliar e man-datário dele, e poderia até, a chamado do go verno, ir parao ano passar uns meses no Rio, a fim de receber instru-ções e ajudar no que pudesse com o meu parecer a V. Exª eao ministro das Relações Exteriores na reforma que se im -põe para que os diferentes ramos dessa importante reparti-ção possam funcionar bem, quando desparecer o atual, compe-tentíssimo e benemérito diretor-geral da Secretaria.19

Eu muito estimaria que a V. Exª pudesse agradar acombinação que tomei a liberdade de sugerir. Naturalmente nãoconsultei sobre ela oDr. Nabuco, porém eu não poderia fazersem autorização de V. Exª. Creio, porém, que se for auto-rizado para fazer-lhe o con vite, ele o aceitará. O Dr. Joa-quim Nabuco é, quanto a mim, o homem mais completoque o Brasil possui para a pasta das Relações Exteriores,pela preparação especial de que tem dado tantas e tão belaspro vas em atos e escritos notá veis, pelo tato do diplomata epelas qualidades brilhantes que possui e também pela coragemde reformador.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 307

19 Visconde de Cabo Frio. Rio Branco respeitavao mas não o estimava: de certa

Page 304: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Agradecendo as ordens de V. Exª., tenho a honra de lhereiterar os protestos de minha dedicação e os de ele vada estima ereconhecimento com que sou de V. Exª admirador e obrigado criado

  Rio Branco.”

Esta carta confirma a relutância do Barão em vir para o seupaís. Casado com francesa, tendo os filhos nascidos na Europa, o Brasilera para ele um amor e uma de voção a distância. Era o país de “lálonge” (delà-bas) cuja história ele conhecia como poucos, cu jos interessesele defendia como ninguém, mas era a terra do calor, da febre amarela,da mulatada republicana. No fundo, o Barão tinha aquele mesmo horrorde voltar à pátria que tem fixado tantos diplomatas nossos no estrangeiro,depois de aposentados.20

Mas o Barão sentia a grande obra que poderia realizar noItamarati. Por isso se embaraça va na decisão. No fundo, Rio Branconão sabia o que queria, ao passo que Rodrigues Alves, mais experientedos homens e da política, sabia-o muito bem. Qualquer outro tal vez seinclinasse às instâncias das cartas acima transcritas e se dirigiria a Nabuco.Mas Rodrigues Alves deve ter pressentido, por detrás dos véus de dúvidas,a pequena luz da certeza. O Barão, no fundo, aspira va ao posto mas nãoqueria reconhecê-lo (é uma inclinação natural dos homens públicosaspirarem aos postos exercidos pelos pais, de quem foram amigos). Opresidente de via manter-se insistente e confiante. E foi o que ele fez,com lou vá vel humildade.

Sem esperar que o destinatário recebesse a carta do dia 1º,Rio Branco, tomado de súbito desânimo, escre veu outra a Rodrigues Alves, no dia 7 de agosto:

308 Afonso Arinos

20 Possuímos a este respeito um documento curioso. Em 1934 o então ChancelerMelo Franco escreveu ao presidente Getúlio Vargas pedindo que mantivesse naEuropa Raul do Rio Branco, filho do Barão, aposentado como nossorepresentante em Berna. Raul que, como o pai, era casado com francesa (senhoraque nunca veio ao Brasil), escrevera a Melo Franco, alegando, como fizera o pai,motivos de saúde para não voltar à pátria. De fato, morreu na Europa. Raul,nascido na França, era um francês, até na maneira de falar. (V sobre ele o meu A

Page 305: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Referindo-me às minhas cartas anteriores venho, comgrande sentimento, dizer a V. Exª que, quanto mais penso noassunto mais compreendo que, além de sumamente pesadopara mim, seria de todo estéril o sacrifício que eu faria indoagora ocupar o posto de ministro das Relações Exteriores.

Tenho grande pesar em não poder ser, como tanto dese- ja va, o auxiliar ati vo e competente que V. Exª quer ter e nãoposso pelo estado presente da minha saúde, pela regulamenta-ção em vigor, pela atual organização dos ser viços e pelos há -bitos introduzidos desde muitos anos.

Sou portanto obrigado a pedir instantemente a V. Exªque se digne me dispensar de ir ocupar mal o cargo tão hon -roso que me quer confiar, e rogo-lhe que fique muito certodo meu profundo e inalterá vel reconhecimento pela manifesta-ção desse seu dese jo. Em maio do ano próximo,21 depois de for -talecer um pouco a minha saúde, poderei ir ao Brasil comuma licença de seis meses a que tenho direito, e então, semser ministro de Estado, terei sumo prazer em expor particulare reser vadamente a V. Exª o meu modo de pensar sobre aorganização que deve ser dada ao Ministério das RelaçõesExteriores e aos nossos ser viços no exterior.

Devo acrescentar que, a propósito do banquete que oDr. Nabuco deu ultimamente em Londres, em honra do Chilee da República Argentina, pelo tratado de arbitramentopermanente, eu lhe disse em carta que ele é hoje o brasileiroreunindo maior soma de qualidades para o posto de ministrodas Relações Exteriores. Ele pediu-me em resposta que não olembrasse a ninguém para esse cargo, porque o não poderiaaceitar, ocupado como está com o arbitramento da questãode limites entre o Brasil e a Inglaterra.

No Senado ou na Câmara dos Deputados, ou fora doCongresso, V. Exª encontrará facilmente quem, ajudado pelodiretor-geral da Secretaria, possa bem desempenhar as funções

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 309

Page 306: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

do cargo, tendo, além disso, a vantagem de dispor de forçapolítica em algum Estado, força de que não disponho.

Como V. Exª terá visto, aGa zeta deNotíciasde 2 de julho22

– antes de receber eu o telegrama do Sr. Presidente CamposSales, só expedido no dia 6 – disse que o Sr. Abranches mecon vidara, em nome de V. Exª, para a pasta do Exterior e queeu aceitara o con vite. A notícia foi assim publicada no Rio daPrata, no Chile e aqui na Europa. Fiz por isso o Brésil de 27 de julho dizer, depois de reproduzir o trecho daGa zeta:

‘Podemos afirmar que, sobre o assunto, o Senhor Barão do RioBranco não recebeu do presidente eleito, Dr. Rodrigues Alves, ou doSenador Abranches nem telegrama, nem carta, e que não deu a en -tender a pessoa alguma que poderia aceitar a pasta de que se trata.’

Tenho guardado e guardarei sobre o assunto a maior reser- va. Escre vo agora ao meu velho amigo, Dr. Abranches, que, sei,é amigo dedicado de V. Exª e deixo para essa carta pormenoresque ele exporá resumidamente a V. Exª e que, espero, explicarãomelhor as minhas hesitações do princípio e a con vicção a quecheguei, apesar do ardente dese jo que tinha de ser útil na posi-ção que V. Exª me destina va.23 Reiterando as minhas desculpas,o meu cordial agradecimento e os protestos da minha dedicação,tenho a honra de ser, com a mais ele vada estima e consideração.

De V. Exª o admirador e muito certo obediente criadoRio Branco.”

O “muito certo obediente criado” (expressão francesa, cor -rente nos escritores do século XVIII que Rio Branco punha no fecho dassuas mutá veis cartas) não parecia disposto a obedecer. Nabuco tambémnão. Que ninguém falasse no nome dele para o Itamarati; que ninguémse lembrasse de tirar “Quincas, o Belo” da sua querida Londres, onde ele

310 Afonso Arinos

22 Tratava-se da mesma publicação que motivara a indagação de Campos Sales,anteriormente referida.

23 A carta do Barão a Frederico Abranches tem sido publicada, total ou parcialmente,em estudos sobre o primeiro. Nela, Rio Branco apresenta novos fundamentos para

Page 307: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

recorda va pro va velmente as quadras felizes da mocidade, dos seus sucessosde fidalgo formoso, da sua con vi vência com o Barão de Penedo.

Mas Rodrigues Alves não se deixa va abalar com as lamúriasdo Barão. Ele também não escolhera o posto de presidente. Recea va-o.Fora chamado por Campos Sales. Aceitara. O outro ha veria de ceder.

 A 14 de agosto, respondendo à carta de 25 de julho, reitera vaseu interesse pela aceitação. No dia 19 insistiu em outro despacho, transmi-tido no código proposto pelo Barão e por este traduzido:

“Continuo a desejar queaceitea pasta do Exterior agradecendo es for-ços estar aqui posse.”

Rio Branco sentia-se em apuros. O cerco aperta va. Respondeu,também por cabo, no dia 20:

“Penhorado rogo reservar decisão atéler carta nº 4. Mesmo dia Abranches receberá carta.”

 Ao Senador Abranches, o Barão telegrafou naquela data:

“DEPOIS LER MINHA CARTA HOJE ESPERO  ADVOGUEMEU PEDIDO DISPENSA, MAS SE RAZÕES APRESENTADAS NÃOPUDEREM SATISFAZER E ENTENDER ELE DEVO FAZER ESSEGRANDE SACRIFÍCIO, FÁ-LO-EI POR ELE E NOSSA TERRA.”

 Além da carta endereçada a Abranches, o Barão, na ânsia de es -capar, escre veu outra a José Carlos Rodrigues, diretor do Jornal do Comércio:

“Confidencialíssima.  Berlim, 22 de agosto de 1902

Meu caro Rodrigues,Mil agradecimentos pelas belas fotografias que V. me man -

dou, da inauguração do monumento de meu pai. Penso queMarc Ferrez terá feito alguma outra, só do monumento, tomadode mais perto. Se hou ver assim, peço-lhe que me mande umexemplar.

Pela sua cartinha de 25 de julho vejo que V. está infor-mado do con vite que recebi. Eu fiz o Brésil de 27 deste mêsafirmar a tal respeito que eu não tinha recebido carta ou tele-grama do presidente eleito, ou do Senador estadual Abran -

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 311

Page 308: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Eu estimaria muito ir ocupar por algum tempo a posiçãoem que o Dr. Rodrigues Alves dese ja colocar-me, e que meupai por vezes ocupou. Aprecio de vidamente a grande honraque assim me faz o presidente eleito.

Nada me seria mais agradá vel do que poder correspon-der à sua confiança e ser de perto um colaborador dele; masfui obrigado a escre ver-lhe pedindo-lhe instantemente dispen-sa e com o maior pesar. A demora da minha resposta definiti- va mostra bem o grande dese jo que eu tinha de aceitar o con - vite. Procurei até fazer-me ilusões, mas estudando por todosos lados a questão cheguei à conclusão de que seria para mim,com os grandes encargos de família que tenho, na Europa eno Brasil, um sacrifício que me le varia em pouco tempo àcompleta ruína. Além da questão pecuniária há três outrasmuito importantes para mim: da minha saúde, que está exi -gindo cuidados e vida calma, ao menos por algum tempo, e asda minha regularização na carreira diplomática e da entradado Raul para o quadro. A esse respeito hei de escre ver-lhepela primeira mala, explicando bem o caso, para que V. con - verse com o Campos Sales. V. compreende que, como minis-tro, eu não poderia tratar de mim nem de meu filho, que játem 29 anos, mais de 5 dos quais em ser viço diplomático, ecujo futuro eu sacrificarei completamente.

Em confiança dir-lhe-ei que o Olinto, em telegrama de5, perguntou-me se eu aceita va o lugar de ministro junto aoQuirinal. O lugar está vago pela remoção do Régis.24Peço-lheque não contrarie, antes ajude esta idéia. Em Roma, poderei vi ver sossegado, cuidar de trabalhos que interrompi desde1893 e ser de algum préstimo para o Nabuco, na missão. Pensoque posso ser mais útil no ser viço exterior do que no Ministérioe que, depois de tantos anos de surmenage ou estafa, tenhodireito a algum repouso relati vo.25

312 Afonso Arinos

24 Régis de Oliveira. Seu filho foi também diplomata.25 De fato, em 9 de agosto de 1902, Rio Branco, sem comunicar a Olinto de

Magalhães o convite que recebera para sucedê-lo, escreveu ao ministro doExterior uma carta de aceitação do posto de embaixador em Roma. Olinto

Page 309: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em maio, na boa estação, eu iria, com licença, passar uns6 meses no Brasil.

Se, porém, o Dr. Rodrigues Alves não entender reparose insistir em que eu vá para o Ministério, obedecerei, emboracerto de que o meu sacrifício será estéril.  Seu do coração  Rio Branco.”No dia 29 de agosto, em telegrama de São Paulo, Rodrigues

 Alves enfrentou a recusa, que parecia definiti va. O presidente, enfadadotal vez com as negaças dos dois grandes homens, Nabuco e Rio Branco,fazia valer sua autoridade e dizia ao Barão que aceitasse. Sua mensagemera quase uma intimação. Eis o texto que o Barão conser vou no seuarqui vo, anotando as horas da expedição e do recebimento:

“ V  ALIOSAS PONDERAÇÕES CARTAS NÃO ME CONVEN-CERAM. NOME V . EXª SERÁ MUITO BEM RECEBIDO NÃOPODENDO NEGAR PAÍS SACRIFÍCIO PEDIDO. CONFIRMO ANTERIOR TELEGRAMA.R ODRIGUES A LVES.”

Rio Branco deve ter percebido que a insistência na negati vapoderia criar uma situação desagradá vel para ele, tal vez de risco à suacarreira diplomática, portanto à sua permanência na Europa. Como rea-giria o presidente?

Esses moti vos pessoais compreensí veis, e outros, mais ele va-dos, concernentes à obra que sabia poder realizar, decidiram-no aagüentar o desagrado da vida no Rio que, afinal, ele supunha temporá-rio. Sacrificaria por alguns anos o conforto de Londres, Paris, Berlim eNova Iorque. Telegrafou, afinal, no dia 30, sempre de Berlim:

“F AREI SACRIFÍCIO QUE  V OSSÊNCIA JULGA NECESSÁRIO PELO MUITO QUE DEVO NOSSA TERRA E V OSSÊNCIA.R IOBRANCO.”

Na mesma data dirige-se a Campos Sales:

“R ESPONDO AGORA SEGUNDO TELEGRAMA ACEITOCONFORMANDO-ME DESEJO V OSSÊNCIA.R IOBRANCO.”

Em carta de 31, Campos Sales en viou a Rodrigues Alves o

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 313

Page 310: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Ao aceitar, depois de tanta relutância, seguramente não pre via oBarão que ficaria onze anos (que lhe resta vam de vida), à frente da pasta.Tal vez não percebesse também que esta va largando seus hábitos europeuspara entrar definiti vamente na história do Brasil e do continente.

O presidente exultou com a decisão que conseguira arrancar.No dia 3 de setembro dirigiu-se ao futuro auxiliar em carta

que demonstra a sua confiança e reitera um espírito de humildade quesó poderia engrandecê-lo:

“Ex.mo Sr. Barão do Rio Branco,Tive a satisfação de receber oportunamente as cartas de

 V. Exª de 18 e 25 de julho e 1º e 7 de agosto p. findos. Emresposta à de 25 de julho telegrafei a 14 de agosto nestestermos: ‘Galileu agradecendo esforços estar aqui posse’, acujo telegrama replicou V. Exª no dia imediato ‘rogando quereser vasse minha decisão até ler em 26 de agosto carta nº 4 eque no mesmo dia o Dr. Abranches receberia carta’. Emresposta às outras, no dia 24 do mês findo telegrafei dizendo que‘valiosas ponderações cartas não me con venceram; nome de V. Exª será muito bem recebido não podendo negar paíssacrifício pedido. Confirmo anterior telegrama’.26 Imediatamente V. Exª obsequiou-me com o seguinte: ‘Farei sacrifício que V. Exª julga necessário pelo muito que devo nossa terra e vossência’, e ao qual respondi en viando agradecimentos.

 Além dessas cartas e telegramas tive conhecimento dascomunicações feitas por V. Exª ao Sr. Dr. Campos Sales e dacarta que escre veu ao nosso amigo comum Sr. Dr. Abranches.

Reno vando a V. Exª meus agradecimentos, sinto grandeprazer em poder contar com a ilustrada cooperação de umbrasileiro, cujo nome há de dar lustro ao go verno do país.Quando pedi ao Sr. Dr. Campos Sales que o con vidasse, emmeu nome, para o cargo de ministro do Exterior, disse-lheque as questões diplomáticas têm assumido entre nós tal

314 Afonso Arinos

26 Os originais destes despachos foram conservados por Rodrigues Alves. Um deles é

Page 311: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

importância que eu precisa va do concurso de um nome dereconhecida autoridade para bem estudá-las e de real compe-tência para indicar as melhores soluções. Era para V. Exª umsacrifício, eu bem sabia, mas é preciso que os homens bons ofaçam em benefício do país, quando o seu esforço é reclama-do em nome de seus grandes interesses.

 A pasta do Exterior não deve estar subordinada a in -fluências partidárias, mas con vém que seja prestigiada por umnome de valor, que inspire confiança à opinião, impedindoque ela se apaixone ou se des vaire [sic]. Não são também pe -sados os seus encargos de representação, porque felizmente anossa vida oficial é muito modesta e sem exigências. Tive oca -sião de responder isso ao Sr. Dr. Abranches e V. Exª há de teroportunidade de verificar.

Não posso ainda dizer quais serão os auxiliares do novogo verno. Foi V. Exª a primeira pessoa a quem me dirigi, porter necessidade de se preparar com antecedência para a longa viagem. Tenho-me conser vado nesta pequena cidade, afasta-do completamente dos mo vimentos políticos e mantendo amais absoluta reser va, como meio de não embaraçar ogoverno central no último período do seu exercício. Esperoencontrar, porém, auxiliares dignos e habilitados.

Fiquei contente com as belas referências que fez ao nossoilustre patrício Joaquim Nabuco, meu velho companheiro deestudos, e estou inteiramente de acordo com os conceitos que V. Exª externou sobre seus notá veis conhecimentos. É umbrasileiro ilustre, que está prestando e há de continuar a prestarser viços à nossa pátria com grande brilho.

 Já escre vi ao Sr. Dr. Campos Sales pedindo que autorize a vinda de V. Exª oportunamente e peço que aceite as segurançasda grande consideração, apreço e estima com que sou de V. Exªatento patrício, admirador e colega Francisco de Paula Rodrigues Alves. Guaratinguetá, 3 de setembro de 1902.”

Decidido a deixar de lado sua tarefa de historiador, suas

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 315

Page 312: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Prado, o Barão do Rio Branco iniciou os preparos para a aventura. A transferência de toda a sua família e da volumosa bagagem, que incluíalivros, papéis e arqui vos demoradamente acumulados, não era, de acordocom os hábitos do tempo, empreendimento fácil nem apressado.

 A 23 de setembro o futuro ministro escre veu ao presidenteeleito comunicando ter tomado passagens no na vio francês Atlantique,que partiria de Bordeús a 14 de no vembro, de vendo chegar ao Rio a 30daquele mês ou a 1º de dezembro. Lamenta não estar presente à posse eacentua o trabalho da mudança da biblioteca e arqui vos pessoais. Pedeque o substituto interino se entenda com o Visconde de Cabo Frio.

Diz que as duas questões urgentes eram a do Acre e a di ver-gência com a Itália a respeito de tarifas e intercâmbio comercial. Com aItália era preciso negociar com muita cautela, pois o Rei Vítor Manuelha via aceito a posição de árbitro na nossa questão de limites com aInglaterra. Ele, Rio Branco, con versara com o Rei e com um dos seusauxiliares, durante a recente visita daquele a Berlim, e sentira-lhes apreocupação a propósito da relações com o Brasil. Mencionaram o problemados colonos italianos em São Paulo.27 Recomenda que Rodrigues Alves,na primeira recepção que oferecesse ao corpo diplomático, “diga algumascoisas amá veis ao Príncipe Cariati”.28 Queixa-se dos artigos incon veni-entes de Parlagreco29  – na Ga zeta de Notícias.  Promete explicar, emRoma, a permanência de Nabuco em Londres (quando a sede da missãodeste era a capital italiana). Recorda que ele próprio, Rio Branco, tinhaficado em Nova Iorque para escre ver a sua memória na questãodas Missões, em vez de residir em Washington; e em Paris, durante opreparo das razões brasileiras no litígio com a França, quando de viafixar-se em Berna.

316 Afonso Arinos

27 A questão dos chamados “protocolos italianos” criara situação delicada entre oBrasil e a Itália no começo da República. Eduardo Prado, nos seus escritos polêmicos,ocupou-se com esse assunto.

28 Marquês Lorenzo de Friozzi, Príncipe de Cariati, ministro da Itália no Brasil desde1901; só foi substituído em 1907.

29 Carlos Parlagreco era jornalista. Machado de Assis, aludindo, em crônica, ao grupo da

Page 313: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Fac-símiles do trecho da correspondência entreRodrigues Alves eRio Branco,quando serevela o código ci frado adotado pelo futuro chanceler.

 Arquivo da família Rodrigues Alves

Page 314: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Continuação da correspondência entreRodrigues Alves eRio Branco

Page 315: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Partefinal do documento reprodu zido nas páginas anteriores

Page 316: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Algum tempo depois, entretanto, a 6 de no vembro, o instá vel Ba -rão, sempre enredado nas suas dú vidas e hesitações sobre a grande mudançade vida que ia realizar, surpreendia o presidente com o seguinte despacho:

“Como V. Exª sabe tenho passagens paquete francêsque chega primeiro dezembro mas se V. Exª puder permitirtransfira para seguinte francês que chega 15 me fará grandefa vor. Também rogo dizer se depois estudo situação Rio achacon veniente manter sua escolha ou preferí vel dispensar-me.Ga zeta deNotícias 16 outubro me faz acreditar escolha desa-grada certos círculos políticos. Rio Branco.”

Não consta do arqui vo de Rodrigues Alves qualquer respostaàquela última tentati va de escape.

 A resposta, se hou ve, deve ter sido negati va, porque RioBranco desembarcou no Rio a 1º de dezembro, tal como pre visto aprincípio, recebendo consagradora manifestação popular, antecipada-mente preparada.30

Não será in justo pensar que o grande brasileiro dese jassechegar à cidade do seu berço alguns dias depois da posse do presidente,para que a sua própria in vestidura, no Itamarati, não ficasse dissol vidana sucessão de cerimônias congratulatórias. Isolando-se, destaca va-se.

Quem conhece a maliciosa experiência do diplomata, e a sua justa vaidade, não pode afastar esta interpretação do fato. O Barão vinha de mãos amarradas, como certos “voluntários” do Paraguai. Urgiapara ele tirar o máximo pro veito do sacrifício.

Falta va ainda um pormenor administrati vo para completar a vinda do Barão.

Naqueles tempos de ditosa modéstia e escrupulosa aplicaçãodas despesas de pessoal, um diplomata não recebia ajudas de custosem cumprimento de estreitas regras. Como pagar a viagem de RioBranco e de sua volumosa tralha se ele vinha ocupar posto político enão de carreira?

320 Afonso Arinos

30 Custódio Coelho, em carta de 25 de setembro, informava: “As festas com que vão

Page 317: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rodrigues Alves, desde 1º de setembro, escre vera a CamposSales sugerindo que o Barão, caso aceitasse a pasta, fosse beneficiadocom as vantagens permitidas em lei que lhe facilitassem a viagem.

Campos Sales consultou a respeito o seu ministro do Exterior,Olinto de Magalhães, e este informou, a 6 daquele mês, ao presidenteeleito, que “o único precedente que existe no meu Ministério é o quese refere à minha pessoa” e relaciona va-se com a autorização, dada porPrudente de Morais, para que ele, Olinto, viesse, em 1898, assumir oposto com Campos Sales. “É con veniente [acrescenta va Olinto] que oSr. Barão do Rio Branco tome a iniciati va, solicitando uma licença ou di-zendo o que melhor lhe con vém, se ser chamado a ser viço ou ser postoem disponibilidade.”

No dia 9, Rodrigues Alves, a quem Campos Sales teria en via-do a opinião do seu ministro, escre veu de Guaratinguetá a Olinto cartade que guardou o rascunho. Não queria, pro va velmente, melindrar oministro, mas dava sua opinião. “Parece-me que o Sr. Barão do RioBranco só pode vir a ser viço tendo sido solicitado para exercer aqui, empróximo futuro, uma comissão. É justo, em tais condições, que tenha as vantagens necessárias para o seu transporte e de sua família. Quis, diri-gindo-me ao Sr. Dr. Campos Sales, exatamente dispensar aquele funcio-nário de um possí vel constrangimento para solicitar vantagens a fim deacudir a um con vite que lhe fiz, não sendo ainda go verno. Se hou vernecessidade, somente depois de 15 no vembro a sua posição no funcio-nalismo poderá ficar definida.”

E assim encerrou-se a no vela da volta de Rio Branco.Outra pasta de que Rodrigues Alves cedo cuidou foi a da

Fazenda. Decidira chamar para ela o seu amigo Leopoldo de Bulhões,antigo colega na Constituinte Republicana, agora senador por Goiás e,como já vimos, seu informante de confiança dentro do Congresso.31

 A 20 de setembro escre veu-lhe, fazendo o con vite. A carta,datada de Guaratinguetá, era esta, nos pontos essenciais:

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 321

31 Leopoldo de Bulhões, descendente dos povoadores de Goiás, exibia em 1902longa vida pública, embora bem mais moço que Rodrigues Alves, pois nascera em1857. Deputado liberal no Império, fora ardoroso abolicionista e federalista. Na

Page 318: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“ Reservada. Bulhões [....]. No empenho de ter na pasta doExterior um homem de autoridade e competência con videipara exercê-lo o Sr. Rio Branco, que, há poucos dias, decla-rou-me que aceita va [....]. Para a Fazenda conto com você queconhece os negócios dessa importante repartição pelo estudoque vem fazendo de longa data e, sobretudo, pela concordân-cia de suas opiniões e tendências com as minhas. Espero que você me prestará esse auxílio e peço que não me apresentedú vidas ou ob jeções. É natural que o elemento político ‘histó-rico’ conte com representação no go verno e eu prometi acei-tar a colaboração de todos que se mostrarem dispostos a tra -balhar e ti verem competência.”

No dia 25 Bulhões respondeu:

“Diz-me que conta comigo para a Fazenda e que eu nãoapresente dú vidas ou ob jeções. Disponha de mim como enten-der: ocuparei no seu go verno o posto que me designar, semdúvidas ou ob jeções. Peço não obstante que me permita algu-mas ponderações, às quais dará a atenção que julgar merecerem.

Os meus estudos de finanças não são sistemáticos. Têm-selimitado aos problemas submetidos à deliberação do Congresso.

Nunca exerci cargos de administração. Eleito presidentedo meu Estado, não tomei posse. A minha vida tem sido par -lamentar. Nestas condições, que valor poderia ter o auxílioque quer que lhe preste na tormentosa pasta da Fazenda?

 A minha candidatura ao Senado já está le vantada emGoiás e as circulares impressas recomendando-a já foramdistribuídas. Não acha que no Senado, onde já escasseiam oshomens de atividade e de trabalho, posso prestar ao seugoverno auxílio mais eficaz? Um representante do elemento‘histórico’,32 no ministério é indispensá vel.”

Bulhões tinha pena de deixar o seu posto praticamente vita-lício no Senado. Trocar um novo e tranqüilo mandato de nove anos poruma “tormentosa pasta” em que ficaria no máximo quatro, su jeitando-se

322 Afonso Arinos

Page 319: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

depois a impre visí veis negociações para a volta à Câmara Alta, não eraperspecti va sedutora.

Mas Rodrigues Alves podia exigir o sacrifício do amigo. Elepróprio já fizera um, semelhante, ao abandonar a recém-conquistada ca -deira de senador por São Paulo para vir ocupar “a tormentosa pasta”, naqual se assentou por poucos meses. Bulhões teria de se inclinar às ra -zões de Estado e da amizade.

Os outros ministérios foram preenchidos sem maiores dificulda-des. Os nomes dos componentes do go verno, porém, só foram di vulgadospoucos dias antes da posse. A imprensa chega va a reclamar contra o segre-do. As tratati vas, como acontece no regime presidencial, eram encaminha-das pelo próprio presidente, mas ele atendia, como já ficou acentuado, aduas ordens de fatores: a competência para a execução do plano de go ver-no e as rei vindicações dos Estados. Nos primeiros dias de no vembro deentre os seus ministros, só era certo o nome de Rio Branco. Fala va-se cominsistência em Bulhões, Lauro Müller e Almirante Noronha, para as pastasque vieram a ocupar. Mas, oficialmente, nada fora confirmado. Corria comsegurança que Amaro Ca valcânti (que, ao que se dizia, pretendera a pastada Fazenda) ia ser o prefeito do Distrito Federal. O nome de Francisco Pe -reira Passos ainda não saíra do limbo das cogitações presidenciais, emboraafamado como engenheiro e antigo diretor da Central do Brasil.

 A pasta do Interior e Justiça coube a José Joaquim Seabra,que, à qualidade de republicano compro vado, junta va a origem baiana,o que vinha prestigiar o Estado que tanto apoiara a ascensão do novopresidente. Corria como certo que outro deputado baiano, Inácio Tos -ta, era aspirante ao ministério. Para o pro vimento da pasta, Rodrigues Alves ou viu a opinião de Campos Sales, o qual indicou Seabra, que ha - via ser vido como seu líder, na Câmara dos Deputados. Se verino Vieiranão foi consultado sobre a nomeação de Seabra, o que deve ha vê-losurpreendido, dados os antecedentes. Leopoldo de Bulhões, amigo deSe verino (possi velmente com anuência de Rodrigues Alves), chegou aprocurar Seabra e pedir-lhe que não aceitasse o con vite, mas o con vidadoalegou que o fato já era do conhecimento público, sendo-lhe difícilrecuar. Na verdade, no dia seguinte, a imprensa (tal vez pro vocada pelointeressado) confirma va a notícia.33 De qualquer forma, a escolha do

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 323

Page 320: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

ministro nos termos em que foi feita era estranhá vel e gerou conseqüências.Seabra foi dos mais vi vos, cora josos e tenazes políticos da PrimeiraRepública. Quando chega va ao ministério, embora moço (nascera em1855), a intensidade da sua experiência pública era notá vel. Muito jovem, conseguira uma cátedra na Faculdade de Direito do Recife.Deputado, combatera Floriano e esti vera entre os desterrados de Cucuí.No go verno de Prudente foi o autor da célebre moção que di vidiu aCâmara, fracionou o Partido Republicano Federal e liquidou a liderançade Glicério. Sua permanente ati vidade parlamentar e eleitoral não lhepermitira culti var a inteligência viva, mas nem por isso deixa va de ser umorador ágil, cora joso e temí vel nos embates de plenário. Como líder deCampos Sales na Câmara saíra-se bem, enfrentando ad versários do portedo incandescente Barbosa Lima. Capaz de ações e de transações dediscutí vel ética nos processos políticos, era pessoalmente homem deprobidade imaculada (como nos referiu certa vez Otá vio Mangabeira).

Glicério tentou então evitar sua volta à Câmara, o que nãoconseguiu, graças ao apoio que encontrou Seabra no go vernador baianoLuís Viana.

Foi um excelente ministro da Justiça até a parte final do go verno,considerando-se o caráter predominantemente político de que então serevestia a função. A colaboração de um homem das qualidades de Seabrafoi também importante por outros moti vos. Com efeito, não existindona época a pasta da Saúde Pública, os ser viços deste ramo da adminis-tração se inseriam no Ministério que era também do Interior. Assim, aluta gloriosa e tão cheia de lances dramáticos tra vada contra a febreamarela, a peste e a varíola encontrou em Seabra um excelente colaborador,sobretudo quando assumiu nos momentos culminantes, como na rebelião da vacina, tonalidade eminentemente política. No declínio do quatriênio, asincompatibilidades que criou com a situação baiana não somente serefletiram sobre a sua carreira, como repercutiram sobre o presidente daRepública, que foi atingido pela profundidade da luta local. Rodrigues Alves, porém, nunca faltou com a solidariedade ao seu ministro, emboraisso lhe trouxesse pre juízos políticos de monta. De certa maneira,o desprestígio em que se encontrou no fim do go verno acentuou-segraças à candidatura de Seabra a uma senatoria por Alagoas.

 A vida de Seabra teve altos e baixos (alguns destes dolorosos,como o caso do bombardeio da Bahia), mas a fibra do velho lutador

324 Afonso Arinos

Page 321: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de Rui Barbosa), desterro, exílio, ingratidões, pobreza, nenhum revésabateu aquele ânimo valoroso, aquele combatente que até a extrema velhiceatacava e defendia-se com ímpeto ju venil. Ancião, cur vado ao peso de tantaslutas, não fugia a elas, quando, no crepúsculo da existência, subia ainda àtribuna da Constituinte de 1933 para enfrentar e repelir alguns agressores,no vos representantes dos velhos ódios baianos. E já perto da morte –ocorrida em 1942 – comunicou-nos certa feita estar preparando um trabalhode reminiscências sobre o go verno Rodrigues Alves.34

Lauro Müller foi um grande ministro da Viação e ObrasPúblicas. Seu nome é hoje mais conhecido que sua obra e não se tematualmente a medida exata do que foi no go verno e do prestígio quedesfrutou. Não fosse originário de um pequeno Estado e muito pro va- velmente teria sido o sucessor de Rodrigues Alves.

Fala-se com justiça em Passos e em Osvaldo Cruz, quando serecorda a transformação e o saneamento do Rio, com todas as suas con-seqüências nacionais e internacionais. Mas ol vida-se, in justamente, aparticipação de Lauro Müller nesse ciclo de vitórias. A ele, assistido porFrontin e o seu grupo, de veu Rodrigues Alves o porto e a AvenidaCentral, elementos essenciais do plano geral de saúde pública e urbanização.

Lauro Müller trouxera também para o go verno o seu grandeprestígio político de militar e republicano histórico. Participara pessoal-mente, como jo vem oficial, do 15 de No vembro.

Na madrugada desse dia, foi ele quem acordou Ben jamimConstant, batendo violentamente com o copo da espada na porta do Institutodos Cegos, onde mora va o ídolo da mocidade militar republicana. ELauro Müller este ve no Campo de Santana, junto a Deodoro, Quintinoe os demais, na hora incerta que precedeu à abertura das portas doquartel-general. “Raposa de espada à cinta” – chamou-o Rui Barbosa empeça oratória, que ainda fazia as delícias de declamadores nos temposda minha infância.35

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 325

34 Seabra morreu em 1942. Pouco antes de sua morte telefonou-me certa noite paradizer-me que tinha a intenção de escrever um trabalho sobre Rodrigues Alves.Pediu-me que solicitasse documentos à família. Prometi interceder, mas Seabranão mais me procurou.

35 Em menino, assisti Lauro Müller, em casa de meu pai, referir-se risonhamente aos

Page 322: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Na verdade, em Lauro a raposa desfizera-se da espada. Seusexcessos de habilidade, sua “raposice”, eram quase lendários e, por isso,temidos.

 João Pinheiro, por exemplo, nunca se acercou de LauroMüller sem grandes desconfianças sobre as suas intenções supostamente veladas. Essa fama deve ter-lhe pre judicado a carreira. Mas sua passagempelo go verno, ao lado de Rodrigues Alves, é uma glória inapagá vel.

 As pastas militares, então inteiramente apolíticas, foramentregues a dois homens de reputação firmada em larga experiência vivida prestigiados pela autoridade e disciplina da sua conduta.

O ministro da Guerra, General Francisco de Paula Argolo, eo da Marinha, Almirante Júlio César de Noronha, pertenciam à mesmageração. Formados na escola do Império, nascidos ambos pouco depoisda Maioridade, ha viam conquistado os altos postos da carreira emlongos ser viços de paz e de guerra. Tanto Argolo quanto Noronha eram veteranos do Paraguai e possuíam condecorações brasileiras e argentinasconferidas pelo seu comportamento na luta.

Pereira Passos e Osvaldo Cruz, embora não deti vessem pastasde ministros, exerciam de fato funções ministeriais. Deles nos ocuparemosoportunamente.

O chefe de Polícia do Distrito Federal foi o baiano Antônio Augusto Cardoso de Castro, que exercia o cargo de ministro do SupremoTribunal Militar.

 A 28 de outubro de 1905, Rodrigues Alves nomeou-o ministrodo Supremo Tribunal Federal.

326 Afonso Arinos

Page 323: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo Terceiro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA 

R odrigues Alves recebia do antecessor um país prepara-do para a ação do seu espírito reformista. A República se ha via consoli-dado, com a desesperança dos últimos saudosistas imperiais e tambémcom a submissão do radicalismo republicano. De qualquer maneira, em1902, tal como acentuou o próprio Rodrigues Alves, o país esta va politi-camente em paz e as instituições pareciam consolidadas.

 A política dos Estados, de Campos Sales, viera de fato asse-gurar a supremacia legal de São Paulo, na sucessão dos três prócerescivis. (Mais tarde, o processo re volucionário iniciado em 1922 determi-naria, com a mesma naturalidade, a supremacia do Rio Grande do Sul.)Rodrigues Alves era um autêntico expoente daquela supremacia pau-lista. Ele representa va, acima de qualquer dú vida, a base agrária e cafe-eira dominante na economia e nas finanças, apesar dos protestos doNorte e do Sul; representa va o legalismo da Faculdade de Direito de SãoPaulo; era o porta-voz autorizado da burguesia progressista do grandeEstado, nos seus ideais de reforma, de soluções técnicas, de paz políti-ca, de predomínio ci vil, de imigração, transporte e po voamento, de con-ser vadorismo econômico e social.

 Antes de se empossar, Rodrigues Alves já era alvo da sátirapolítica da imprensa carioca. Como de hábito na vida jornalística brasileira,tudo ser via de pretexto para os ataques e as irre verências de ad versários,

Page 324: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O presidente eleito chegou ao Rio no dia 29 de outubro,sendo recebido na Estação da Central do Brasil por grande manifesta-ção oficial e popular. Vinha de São Paulo, mas até pouco antes se refu-giara na Fazenda das Três Barras, velha propriedade próxima a Guara-tinguetá, que pertencera a José Martiniano de Oli veira Borges, filho do Visconde e avô de sua esposa e prima. Ali se recolhera, pro va velmente,para isolar-se ainda mais naquelas vésperas de assumir o poder. A resi-dência de Guaratinguetá, situada a poucas horas do Rio e de São Paulo,com trens diários, lhe terá parecido tal vez acessí vel demais para os jor -nalistas e postulantes de cargos, fauna esta ine vitá vel, aqui como nosEstados Unidos, em torno de um novo presidente.1

O  Malho, panfleto político recém-aparecido no Rio,2 desde asprimeiras edições procura va ridicularizá-lo. Um dos redatores principaisdo semanário era Oscar Rosas, poeta paranaense, amigo de PinheiroMachado. O Senador Azeredo, cu jos interesses em Mato Grosso nemsempre foram sustentados pelo presidente, era o principal mentor políti-co da re vista, que logrou enorme êxito durante alguns anos.

Na edição de 18 de outubro, O Malho fazia-se eco do boatode que Rodrigues Alves era um dorminhoco preguiçoso:

“Nasceu dormindo e dormiu a vida inteira, no colégio,na faculdade, na Câmara, no Ministério, no Senado e nogoverno de São Paulo.”

Sobre a chegada de Rodrigues Alves, assim se manifestouO Malho:

“Na estação do Campo de Santana, com as suas calçascor de pinhão, com o seu chapeuzinho coco... parecia simples-mente o presidente da Câmara Municipal de Guaratinguetá.”

328 Afonso Arinos

1 A Fazenda das Três Barras é ainda hoje a maior do Vale do Paraíba. Suas terras seestendem, na planície, pelos municípios de Guaratinguetá e Lorena, e sobem asencostas da Serra da Bocaina em sucessivos tabuleiros, de onde se desdobram vistas admiráveis sobre o vale e a distante Mantiqueira. Foi adquirida em meadosdo século XIX pelos Oliveira Borges, mas seus papéis datam do tempo daColônia. Em 1970 foi vendida pelos descendentes de Rodrigues Alves.

Page 325: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Reproduçãoda car ta deCampos Sa les, cujotrechoéreferi donas

Page 326: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Continuação da carta deCampos Sales

Page 327: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Fac-símileda partefinal da carta

Page 328: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Outro ponto que concentra va as críticas era o baile de galacom que o Congresso resol vera homenagear o presidente, em vez darecepção tradicional. Esse “baile do Cassino” foi assunto de abundantescomentários.

Rodrigues Alves tentara evitá-lo e participou a Campos Salesos seus sentimentos. Mas o presidente não concordou com as ponderaçõesdo sucessor e escre veu-lhe isto:

“Rio de janeiro, 2 de outubro de 1902.

Rodrigues Alves,

Não acho procedentes os seus escrúpulos a respeito dasfestas que lhe preparam. O falecimento do Sil viano, embora venha a trazer uma nota triste, não é toda via moti vo paraimpedir as manifestações, nem isso está nos estilos. Demais,não seria de bom efeito estender o luto até o momento daposse, que assim se daria sob uma atmosfera de frieza, quenão con vém. A vida oficial tem destes contrastes, que nãose podem evitar. É preciso que assim seja e você não devecontrariar os intuitos dos amigos.”

Realizou-se afinal o baile no dia 4 de no vembro, no belo edifícioda Rua do Passeio, testemunha de tantos acontecimentos, e foi brilhante.

Todo o Rio social e político esta va presente. Na porta, tropas emuniformes de gala protegiam a entrada dos con vidados e continham verdadeiramultidão de curiosos. Hou ve sal vas de morteiros e fogos de artifício nofronteiro Passeio Público. Dentro do famoso salão imperial, Rodrigues Alvesnão pôde recusar uma contradança, mas ocupou-se especialmente em seramável, con versando com vários grupos. Ceou com a família e algumasautoridades em sala especial, retirando-se logo que pôde. É pro vá velque, entre as músicas executadas, não ti vesse faltado um “dobrado”,para piano, da autoria de Costa Júnior e com o nome do presidente.

 A posse solene teve lugar, como de regra, perante oCongresso, no Senado, a 15 de no vembro. A sala encontra va-se repletade parlamentares e as tribunas de con vidados.

O Vice-Presidente Manuel Vitorino falecera dias antes, a 10

332 Afonso Arinos

Page 329: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

da República. Só o foi a 18 de fe vereiro de 1903, assumindo a presidênciado Congresso, depois de reconhecido pelo mesmo.3

Funcionou como presidente do Congresso o Senador PinheiroMachado que, nessa qualidade, presidiu à sessão solene. A Comissão de re -cepção foi composta dos Senadores Almeida Barreto, Júlio Frota e ArturRios, e dos Deputados Oli veira Figueiredo, Urbano Santos e Francisco Sá.

 Ao instalar-se, com os numerosos filhos, no Palácio do Catete,tornado em residência oficial pelo Vice-Presidente Manuel Vitorino, Rodri-gues Alves continuou a mesma vida simples de chefe de família patriarcal,ainda próximo das origens rurais, típica do Brasil de então. Viú vo, pai decinco filhas e três filhos, todos solteiros, fazia go vernar a casa pela filhamais velha Ana (Catita). Depois do casamento desta, em outubro de 1904,na sala da capela, com o seu oficial-de-gabinete Cesário Pereira, a segundafilha, Marieta, tomou o leme do barco familiar.

No dia 11 de no vembro a esposa do presidente cessante, Anade Campos Sales, escre veu à sua sucessora no go verno interno do Cateteesta carta, bem expressi va da vida simples de então:

“D. Catita: Apresso-me em responder à sua carta, dando-lhe os

esclarecimentos precisos. Há três anos que tenho aqui ao meuser viço um casal de ser viço, copeiro e cozinheira, que játinham me ser vido em São Paulo mais de um ano. São muitosérios, já de meia-idade, preenchem muito bem as funções emostram dese jos de continuar ao ser viço do palácio. Pensoque seria acertado tomá-los pelo menos para os primeirostempos, até a senhora conhecer bem a casa e as suas necessidades,reser vando-se o direito de despedi-los, se não agradarem. A criada de quarto vai comigo. Quanto à la vagem da roupa,penso também que a senhora deve começar la vando a roupafora, até poder ajuizar por si mesma se con vém fazer esseser viço em casa. Se quiser, lhe recomendarei a la vadeiraque me ser viu durante quatro anos. É muito séria, muito

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 333

3 A eleição estava marcada para 28 de dezembro de 1902, mas o Congresso, por viade resolução sancionada pelo Presidente da República, adiou-a para 18 de fevereiro

Page 330: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

pontual, lava e engoma bem. Mora na ladeira do Ascurra, enão em cortiço, o que é uma garantia. O palácio possui roupade cama completa e de mesa, para uso diário e banquetes.

Desculpe ter descido a particularidades, se o faço élembrando-me do embaraço em que me vi, entrando para opalácio alheia a tudo, e tendo ao meu ser viço um pessoalincompetente. Pretendo deixar a casa muito em ordem, demodo que a senhora encontrará tudo aquilo de que precisa.”

Rodrigues Alves conser vou, durante a presidência, o casal deser vidores. Para o ser viço particular da família, só tinha mais duas emprega-das, arrumadeiras, sendo que uma delas, Olímpia, veio a ser vir em casa dafilha mais velha, onde morreu muito idosa. Olímpia (Babá, como a chamavamas netas), baiana de nascimento, era bem a empregada que acaba pessoa decasa, como de regra nas famílias patriarcais.

O ser viço doméstico era custeado pelo dono da casa. Somenteos contínuos e outros ser vidores da parte oficial do palácio percebiampelos cofres públicos.

Não hou ve grande mudança, na vida da família presidencial,quando transferiu residência da mansão de Senador Vergueiro para opalácio vizinho, da Rua do Catete.

Campos Sales, impopularizado pela política financeira restritivaque praticara, saiu do go verno sob demonstrações de desagrado. Mas oenérgico campineiro não alimenta va dúvidas sobre o acerto de suaconduta, e isso ele proclamou aos que procura vam consagrar a sua obra. A 17 de no vembro, dois dias depois de deixar o go verno, falando embanquete que lhe foi oferecido no Rio, assim se exprimiu.

“As [manifestações] que hoje recebo, após a terminaçãoda penosa tarefa, são recompensa ambicionada pelos queconsagram energias, ati vidade e o próprio repouso ao ser viçoda pátria.”

 A 18 de dezembro, discursando na cidade paulista de Rio Claro,disse o seguinte:

“Não vos direi [....] tudo quanto encontrei de mágoas e

334 Afonso Arinos

Page 331: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

homem público que não quer resignar-se à inércia ou à passi- vidade. O que posso afirmar é que tenho ser vido à minha pá -tria com sincero de votamento e como me permitem as forçasde que disponho.”

 A obra ainda hoje con vertida do estadista esta va concluída, eele bem o sabia. Sabia também que, sem ela, não poderia ser alcançada aobra do seu sucessor.

Naqueles primeiros dias do quatriênio, a luz da ribalta focali-za va principalmente o vulto de Rio Branco. Ele e Rui Barbosa eram osdois homens públicos mais gloriosos do Brasil, sendo que o Barão, aocontrário de Rui, não se desgastara nas lutas internas e não tinha, a bemdizer, ad versários.

O presidente, apesar de sua longa vida política e da sua experiên-cia legislati va e executi va, no antigo e no novo regime, não podia disputarpopularidade com aqueles dois contemporâneos. Foi aos poucos, graças àsqualidades humanas de que dispunha, que sua liderança se foi impondo aogo verno e ao país, até que, no termo do seu mandato e para a História, aexpressão “go verno Rodrigues Alves” veio a significar não apenas umaépoca, mas um fato incontestá vel. O go verno foi dele.

O presidente sabia que o sucesso da sua administração dependiamuito do ímpeto inicial. Resol vido a fazer grandes coisas, tinha deiniciá-las logo, para que ti vesse tempo de finalizá-las, e para que oimpulso se tornasse irre versí vel. Contemporizar seria ceder às resistênciasdos interesses, da male volência e do ceticismo; seria cair na rotina dospreconceitos, das idéias falsas, dos costumes arraigados.

O presidente vinha disposto a fazer do seu go verno umarevolução autêntica na história republicana, como obser vou agudamenteGilberto Amado. E uma re volução, mesmo pacífica, não se faz comprazos e adiamentos.

No manifesto que endereçou à nação no dia da posse sali-entou algumas das idéias de go verno que o acompanha vam desde otempo do Império: o amparo à produção, o estímulo à imigração e àocupação dos solos férteis, o incremento dos transportes, a proteção àentrada de capitais. Mas alguns aspectos concretos dessa ação futura se

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 335

Page 332: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

capital estrangeiro, o desen vol vimento nacional, em suma, dependiamde medidas sanitárias e de progresso material. Estas eram, igualmente, antigasconvicções que o presidente recorda em pala vras claras:

“Aos interesses da imigração dos quais depende emmáxima parte o nosso desen vol vimento econômico pren -de-se a necessidade do saneamento desta capital, trabalhosem dú vida difícil porque se filia a um con junto de pro vi-dências, a maior parte das quais de execução dispendiosa edemorada. É preciso que os poderes da República a quemincumba tão importante ser viço façam dele a sua mais sériae constante preocupação, apro veitando-se de todos os ele -mentos de que puderam dispor para que se inicie e caminhe. A capital da República não pode continuar a ser apontadacomo sede de vida difícil, quando tem fartos elementospara constituir o mais notá vel centro de atração de braços,de ati vidades e de capitais nesta parte do mundo.4

Os ser viços de melhoramento do porte desta cidadede vem ser considerados como elemento de maior ponderaçãopara esse empreendimento grandioso.”

Não se trata va, via-o bem o presidente, de le var avanteuma obra restrita, um go verno municipal. Trata va-se de dar ao Brasillargas perspecti vas; de trazê-lo para o novo século XX, que aqui nãodespontara ainda..

Com alguns meses de go verno, ao en viar ao Congresso amensagem de 3 de maio, reiterou aquelas posições:

“Em documentos anteriores tenho aludido ao ser viço desaneamento desta capital, e cada vez me sinto mais con vencidode que aí se encontrará o elemento primordial para o reerguimentoda vida econômica do país. Tal ser viço abrange, não hádúvida, um con junto de pro vidências de execução difícil edispendiosa, mas são de tal ordem os benefícios esperados

336 Afonso Arinos

4 Aqui revelase a emulação com Buenos Aires, que motiva em parte a remodelação

Page 333: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

que é preciso empreendê-lo. Os defeitos da capital afetam eperturbam todo o desen vol vimento nacional. A sua restauraçãono conceito do mundo será o início de vida nova, o incitamentopara o trabalho em área extensíssima de um país que temterras para todas as culturas, climas para todos os povos eexplorações remuneradas para todos os capitais.”

Depois destes períodos, nos quais fica va patenteada a nitidezconsciente de uma orientação e a energia do seu seguimento, o presi-dente ressalta va a importância que teriam as obras do porto no conjuntodo plano. Daí saiu a Avenida Central, futura Rio Branco, cujo caráter deobra federal, acessória do porto, foi ressaltada, como veremos, por RuiBarbosa. Não se trata va de um simples programa de embelezamento doRio de Janeiro, como pareceu a certos críticos superficiais da época, eainda parece aos seus poucos sucessores contemporâneos. Rodrigues Alves tinha noção exata da importância nacional da modernização doRio, como Kubitschek compreendeu, depois, a importância nacional deBrasília, geradora da Belém–Brasília e da Transamazônica.

O presidente e sua grande equipe foram a um só tempo causa eefeito das forças latentes de transformação que pressiona vam, na al vo-rada do século, a sociedade brasileira. Eles representa vam autentica-mente essas forças porque, de um lado, sofriam sua influência e, deoutro, as pro voca vam. Com efeito, se alargarmos nosso campo deobser vação da órbita do go verno federal para o con junto social brasi-leiro, veremos que o país oferecia um profundo panorama de mudança,mal contida pela implacá vel política financeira de Campos Sales. Opro jeto do Código Ci vil, de Cló vis Be viláqua; Os Sertões, de Euclidesda Cunha; o Canaã, de Graça Aranha; a série de obras-primas deMachado de Assis; as poesias de Ola vo Bilac; o Correio da Manhã deEdmundo Bittencourt; o ensino médico de Miguel Couto; os balõesdirigí veis de Santos Dumont – tudo isso eram demonstrações dasnovas correntes espontâneas que procura vam abrir caminho peloscondutos esclerosados que o Império ha via deixado.

Para felicidade sua, a República ha via le vado à presidênciao homem mais capaz de coordenar, sob forte liderança, essas forças

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 337

Page 334: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Trata va-se de realizar, pacificamente, a re volução burguesa doprogresso, que, na América do Sul, alcança va até então apenas a República Argentina.

Em exata síntese histórica pode-se, com efeito, dizer isto dogoverno Rodrigues Alves; foi a re volução da burguesia nacional, queabriu para o Brasil as portas do século XX. Portas que a implacá vel políticafinanceira de Campos Sales manti vera trancadas.5

338 Afonso Arinos

5 Tão rigoroso foi Campos Sales na execução do seu programa de economias que oBrasil foi o único país que, convidado, não se fez representar na exposição

Page 335: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Livro IV 

Capítulo Primeiro

 Rio Branco ea política externa – A questão do Acre– Limites como Equador – Limites como Peru – Limites coma Colômbia – Acordoda lagoa Mirim– Cardinalatobrasileiro– A primeira embaixada – O incidenteda canhoneiraPanther – A Con ferência Pan-Americana de1906 – Relações entreRodrigues Alves eRio Branco.

RIO BRANCO E A POLÍTICA EXTERNA 

Oproblema internacional mais urgente e gra ve com quese defronta va a chancelaria brasileira, quando veio ocupá-la o Barão doRio Branco, era o do Acre.

Por isso mesmo, os documentos oficiais destacam as questõesde forma um pouco surpreendente para o leitor de hoje, que vê com di-ficuldades o con junto da política externa do período, por tal maneiraavultam as negociações do Tratado de Petrópolis. Tanto a primeiramensagem presidencial quanto o resumo final do seu go verno, prepara-do pelos ministros em 1906, destacam especialmente o caso do Acre,deixando a orientação política geral em relati va penumbra.1

1 Nos aponta ntos, Rodrig Alv ign blicação f ita sobre

Page 336: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Os pormenores das negociações e vitórias diplomáticas deRio Branco, não apenas nas questões do Acre e do Peru (esta de certaforma prolongamento daquela), como nos demais acordos de limites;das suas relações com a Argentina e os Estados Unidos; dos problemasque teve de enfrentar na Europa – como, por exemplo, com a Alemanha –são páginas mais da biografia do Barão, e não especialmente da vida deRodrigues Alves. Aqui o que se impõe é extrair uma linha geral napolítica externa do quatriênio, e relatar a parte de Rodrigues Alves nassuas relações com Rio Branco.

O glorioso ministro das Relações Exteriores entrou naGuanabara e pisou a terra do seu berço a 1º de dezembro, duas semanasapós a inauguração do go verno de que vinha participar.

Se for procedente a con jectura de que ele adiara sua chegadapara transformá-la em acontecimento desligado das festi vidades dainauguração geral, não se pode negar que pre viu com acerto. A recepçãotributada ao Barão foi consagradora e sensacional. Falando na sede doClube Na val, para agradecer o acolhimento triunfal que lhe dispensavam,2

Rio Branco leu um curto discurso no qual avulta a sua preocupação desobrepor-se às lutas políticas internas e de estabelecer-se no Itamaraticomo um símbolo de união nacional.

 A posição sobranceira, que de fato lhe cabia, era possí velnaquela época, em que as di vergências internas eram superficiais e nãoexprimiam antagonismos irredutí veis, fundados em razões mais sociaisdo que partidárias ou pessoais. Então podia-se falar em frente únicanos negócios externos, porque estes visa vam problemas, como o dasfronteiras, que diziam respeito ao Estado e não ao povo.

Rodrigues Alves, sincero admirador do Barão, só fez facilitara entronização do seu chanceler naquela eminência inatingí vel, na qualse mante ve até a morte, e aonde mal chega vam os ecos dos ataques dealguns poucos iconoclastas, como Barbosa Lima, Edmundo Bittencourt, Jaceguai ou Lima Barreto.

Os compromissos do presidente com o seu ministro eramirretratá veis e significa vam, praticamente, carta branca. O presidente deviasaber que um recuo seu nessa linha deixá-lo-ia em pior postura que a doBarão. Rodrigues Alves não ignora va sua experiência em questões diplo-

340 Afonso Arinos

2 Rio Bra uiria o dia f ília, pa Petrópoli lmente

Page 337: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

máticas, confia va em Rio Branco, prometera prestigiá-lo e manteriafielmente a promessa.

Mais tarde, depois da morte do Barão, é que ele manifestou,em nota íntima, dú vidas sobre o acerto da sua conduta ao deixar mãosli vres a Rio Branco quanto às relações para com os Estados Unidos.

Não tendo se en vol vido diretamente na política externa, para as -segurar todo o prestígio ao Barão, Rodrigues Alves não se esquecia, no en -tanto, de que o êxito indiscutí vel do seu go verno era uma forte componen-te do prestígio reconquistado pela República. Esta era a sua parte, a suaconcepção da política internacional. Em carta a Joaquim Nabuco, do anode 1906, o presidente manifesta suas restrições a uma interpretação inconsi-derada da doutrina de Monroe, que podia realmente, no go verno de Theo-dore Roose velt, assumir aspectos impre vistos e perigosos para a AméricaLatina.

Os triunfos incontestá veis de Rio Branco ao fixar, atra vés deatos jurídicos inatacá veis, as imensas fronteiras do Brasil, são, como jádissemos, vitórias da sua biografia, duas delas conquistadas antes de suain vestidura no Itamarati.

Mas o delineamento está vel do território nacional corres-pondia, também, a uma orientação política de grande magnitude, queera independente dos conhecimentos histórico-geográficos e da mes -tria diplomática do Barão. Essa orientação política geral dizia respei-to à nossa tradição de resol ver pelo direito, e não pela força, os litígiosinternacionais.

Na América do Sul – e também na do Norte – as questõesterritoriais foram as causas primeiras dos conflitos bélicos. Resol- vê-los por via jurídica correspondia a um propósito político definidodo Brasil que, como acentua va Rio Branco, só cedendo a circunstân-cias in vencí veis, por três vezes, entrara em guerra com seus vizinhos.Ninguém mais capaz que o Barão de executar essa política territorialfundada na negociação e no tratado. Ninguém melhor do que Rodrigues Alves – que se definira como homem de acordo e composição – paraapoiar tais propósitos.

 A QUESTÃO DO ACRE

O primeiro problema a ser atacado pelo Barão do Rio Branco

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 341

Page 338: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

amazônico pro voca va fortes ataques ao go verno de Campos Sales porparte dos que considera vam pre judicados os direitos do Brasil e ultra jada asua soberania em virtude da ação boli viana e dos interesses internacionaisconcentrados naquela região.

Nenhuma outra questão diplomática resol vida por Rio Branco,como ministro, agitou tanto os espíritos, nem pro vocou tantos estudos epolêmicas. Vimos como, antes da eleição de Rodrigues Alves, o go vernoCampos Sales era acusado de inércia e omissão, porque, respeitando assituações jurídicas constituídas, não dava mão forte aos brasileiros queporfia vam por incorporar o Acre à nossa soberania.

Durante e depois da ação de Rio Branco, continuaram osestudos e debates. Em primeiro lugar de ve-se, naturalmente, fazer mençãoda própria Exposição deMotivos do Barão, datada de 27 de dezembro de1903, que acompanhou a remessa do Tratado de Petrópolis aoCongresso Nacional. No parlamento, homens da estatura de Rui Barbosae Barbosa Lima familiarizaram-se com o assunto, sendo que o trabalhode Rui sobre o direito do Amazonas ao Acre é dos mais memorá veis deentre os saídos de sua pena de ad vogado, embora incontesta velmentefalho nos elementos de fato e nas razões de direito. A imprensa tampoucose omitiu, e o caso do Acre foi por Rui no vamente debatido anos depoisdo seu encerramento, até perto da morte do Barão.

Posteriormente, estudos importantes foram dedicados à matéria,tais como os constantes das memórias de Olinto de Magalhães; dos váriosescritos de Dunshee de Abranches sobre a gestão de Rio Branco no Itama-rati; da introdução de Araú jo Jorge às obras de Rio Branco; do li vro deLeandro Tocantins sobre a formação do Acre; do ensaio de CassianoRicardo sobre o Tratado de Petrópolis; sem falar nas biografias de RioBranco, nos li vros de História Diplomática e até em trabalhos estrangeiros,como o de Bradford Burns, sobre a política do Barão para com os EstadosUnidos.

Não é, assim, por falta de fontes, que deixaremos de porme-norizar o desen vol vimento daquele episódio que tanta celeuma pro vocou, eque hoje se encontra felizmente encerrado, mas pela consideração deque o seu exame minucioso não caberia no plano deste li vro. Paranós, basta recordá-lo nas suas linhas mais gerais e significati vas sem

342 Afonso Arinos

Page 339: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Alves, época em que as grandes realizações de outros ser viços ainda nãose tinham adiantado a ponto de centralizar atenções.

Síntese perfeita da situação em que se encontra va o Acre em1902 é a seguinte, retirada ao li vro de Araú jo Jorge:

“Para o nosso propósito, basta assinalar que, do pontode vista jurídico, todo o Território do Acre era boli viano,consoante a in variá vel interpretação dada ao Tratado de Limitesde 1867 pela nossa repartição dos Negócios Estrangeirosno Império e na República, segundo a qual a linha oblíqua Javari–Beni constituía a di visória entre o Brasil e a Bolí via,embora, no mais agudo do conflito, numerosas corporaçõestécnicas e associações científicas brasileiras, autorizadosprofissionais, eminentes homens públicos e membros doCongresso Nacional ad vogassem uma interpretação extra-oficialdaquele tratado, que nos reconhecia como fronteira o paralelo10º 20’ em vez da mencionada oblíqua.

Mas se, de direito, o Acre pertencia à Bolí via, de fato oseu território, dependência geográfica do Brasil e só facilmenteacessí vel pelas vias flu viais do sistema amazônico, de via serbrasileiro, pois por brasileiros fora, de longa data, descoberto,po voado, colonizado e valorizado, sem inter venção de nacionaisde qualquer país.”

Na sua exausti va pesquisa, Leandro Tocantins parte dessamesma consideração da “fatalidade geográfica que separa va de maneirairremediá vel a Bolí via do Acre”.

Essa “fatalidade geográfica” le vou o território do Acre, natu-ralmente, a ser po voado e explorado por brasileiros, apesar da sua su jeiçãoà soberania boli viana. O curso dos rios con vergia para leste, para o Amazonas, mas transporte para oeste, para a Bolí via, era impossí velnaquele sertão de florestas.

 A grande arma política e jurídica de que dispunha o Brasil erao domínio da na vegação do rio Amazonas, caminho forçado de escoamentoda produção do Acre. Muito antes das re voltas promo vidas pelos habitantesbrasileiros, no fim do século, contra a soberania da Bolí via, que na

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 343

Page 340: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

habilmente a cha ve da na vegação amazônica e alega va in varia velmente oseu direito de trancá-la, quando lhe con viesse.

Essas cautelas eram especialmente dirigidas contra o expan-sionismo norte-americano, então em plena ascensão. Com efeito, emmeados do século, depois da guerra do México e das anexações territoriais,os Estados Unidos volta vam as vistas para a penetração econômica na Amazônia. Car valho Moreira (depois Barão do Penedo), ministro emWashington, comunicou, em nota ao Ministro dos Estrangeiros, Paulinode Sousa (Uruguai), no ano de 1852, sua con versa com o secretário daGuerra dos Estados Unidos, na qual essa autoridade manifestou intensointeresse sobre possibilidades de exploração econômica do valeamazônico pelos capitais americanos.

Realmente, os propósitos de colonização da grande área pelosEstados Unidos, em primeiro lugar, acompanhados da França e Inglaterra– que espera vam o êxito das tentati vas daquele país – eram patentes epreocupantes.

Usando a técnica habitual de proteger os interesses e asiniciativas dos seus compatriotas, os go vernantes de Washingtonpressiona vam o Brasil.

Car valho Moreira pre veniu o Ministro brasileiro Limpo de Abreu (Abaeté) da crescente pressão. Sociedades sábias, ao prepararestudos sobre a Amazônia, faziam-se batedoras de sociedades mercantis,que se organiza vam publicamente para explorá-la, isto é, colonizá-la, àmoda africana e asiática. Expedições na vais organiza vam-se para forçaro curso brasileiro do rio, visto que o Peru e a Bolí via tinham já concor-dado em abrir as suas águas. Como dizia com forte acento o diplomataSérgio Teixeira de Macedo, os norte-americanos prepara vam-se para“arrombar a porta do Amazonas”.

Limpo de Abreu pre via que não poderíamos resistir por muitotempo. Mas as cautelas do Império eram fundadas. Uma vez asseguradaa penetração, quem garantiria a unidade do próprio território, naquelascondições? Daí as interpretações restriti vas brasileiras, que vieram,afinal, a ganhar o Acre para o Brasil.

Em 1854, Limpo de Abreu, em nota à legação dos EstadosUnidos, contestou a tese da Secretaria de Estado de que o Amazonas

344 Afonso Arinos

Page 341: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em 1866 o Império cedeu, abrindo a todas as bandeiras a na - vegação do grande rio, mas, em 1869, o Conselheiro Nascentes de Azambu ja, ministro na Colômbia, explica va ao go verno desse país que oImpério se reser va va o direito de suspender a concedida liberdade“quando para isso existisse moti vo poderoso”.

Tinha pois razão o Barão do Rio Branco quando, em nota de 20de fe vereiro de 1903, ad vertia a legação dos Estados Unidos no Rio de que“o Brasil sustentou sempre que, quando um rio atra vessa o território dedois ou mais Estados, a liberdade de na vegação ou de trânsito para o ribei-rinho superior depende de pré vio acordo com o ribeirinho inferior”.

Realmente. O decreto de 1866 era um ato jurídico de direitointerno, e poderia ser re vogado pelo poder competente. As obrigaçõesdo Brasil, no plano internacional, só seriam aquelas decorrentes de trata-dos com outros países.

Tais tratados foram de fato estabelecidos, depois de resol vidaa questão do Acre, com os go vernos da Bolí via, Colômbia e Peru, inte-ressados no sistema flu vial amazônico.

Recordemos agora rapidamente os principais sucessos entre aproclamação da República e o Tratado de Petrópolis.

Em 1898, a Bolí via começara a fundar postos alfandegáriosno território que era juridicamente seu, mas ocupado pelos vizinhosbrasileiros. Para isso en viou, como delegado especial, o seu ministro noRio de Janeiro, Para vicini, que, chegando ao Amazonas em fins dedezembro, não encontrou dificuldades entre as autoridades locais.

 A expedição boli viana en veredou pelo rio Acre, atingindo, nosprimeiros dias de 1899, a altura da fronteira considerada válida entre oBrasil e a Bolí via. Ali estabeleceu uma estação oficial, Porto Alonso, emhomenagem ao presidente do país, que tinha esse nome. Autoridades esta-duais brasileiras, que tripula vam outro vapor fundeado próximo aolocal, recusaram-se a reconhecer os atos praticados pelos boli vianos.

Em Manaus ocorreram manifestações populares, apoiadaspelo go verno estadual, contra o que se acredita va ser uma usurpaçãoestrangeira aos direitos do Amazonas sobre o rico país da borracha.

Naquele ano verificou-se o primeiro le vante dos brasileiros

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 345

Page 342: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

sob a chefia do enérgico José Car valho, os seringalistas brasileiros expul-saram as autoridades boli vianas de Porto Alonso. O go verno amazonense(Go vernador Ramalho Júnior) esta va de acordo com os re voltosos e oPresidente Campos Sales, embora preso, como o seu ministro do Exterior,à letra dos tratados, não parecia hostilizar os patrícios rebeldes, visto querecusara inter vir no Amazonas, o que correspondia a deixar a seqüênciados acontecimentos às comprometidas autoridades locais.

No entanto, as tentati vas norte-americanas, com o compreen-sí vel apoio da Bolí via, prosseguiam. Uma canhoneira dos Estados Uni -dos subiu o Amazonas, apesar da oposição do Go vernador Ramalho.Em meados do ano, o jornalista espanhol Luís Gál vez, radicado na Amazônia, publicou o texto de um documento que representa va, defato, o esboço de negociações entre autoridades consulares americanas eboli vianas, em Belém, pre vendo o apoio dos Estados Unidos às rei vin-dicações territoriais da Bolí via, mediante concessões importantes, emcontrapartida.

Foi então que o go vernador amazonense decidiu patrocinaruma expedição armada, cujo comando foi entregue a Gál vez, paraocupar de qualquer maneira a zona contestada. Encontrando a esperadarecepti vidade da população brasileira, Gál vez proclamou, a 14 de julho,a “República do Acre”, da qual se intitulou presidente, na localidade deSão Jerônimo, à margem do Purus, em território considerado boli viano.Os ministros do novo Estado independente eram todos brasileiros ericos comerciantes de borracha.

Criou-se, em seguida, uma situação muito confusa. O go - verno federal não podia aceitar o simulacro da independência do Acre,primeiro porque afasta va de sua jurisdição cidadãos brasileiros e territó-rios a que, no fundo, aspira va; segundo porque, oficialmente, continua- va a reconhecer os direitos da Bolí via. O resultado foi a destituição dopretenso go verno independente, em março de 1900, por uma flotilha deguerra brasileira.3

Foi então que a Bolí via entendeu executar o plano, anterior-mente cogitado, de entregar-se à dominação capitalista anglo-americana,

346 Afonso Arinos

3 O livro de Olinto de M lhã s tr z dados importante obre obsc isódio,

Page 343: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

para conser var sua teórica soberania territorial. Repetia-se a ameaçacon jurada na década de 1850 a 1860.

O instrumento escolhido foi uma associação de capitais ingle-ses e americanos, os quais incluíam, embora dissimuladas, organizaçõespoderosas, como os Vanderbilt. A empresa conta va com o apoio indire-to do go verno norte-americano, cujo representante no Brasil informouque os Estados Unidos não poderiam ficar indiferentes aos interessesdos seus súditos. O tecedor de tal trama foi o milionário boli viano Ara -ma yo, ministro do seu país em Londres, o qual, segundo denúncias mui-to verossímeis, esta va diretamente en vol vido nos resultados financeirosda manobra que urdia diplomaticamente. O Boli vian Syndicate, comofoi chamado, assumiu de fato poderes de direito público em toda a re -gião desbra vada, po voada e desen vol vida por brasileiros. Era a concreti-zação mesma da expressão “Estado no Estado”.

 A opinião brasileira excitou-se ainda mais. Em 1900formou-se em Manaus, com o apoio do novo Go vernador Sil vério Néri,outra expedição de reconquista, que não teve êxito e foi reforçada pelosboli vianos, no início de 1901. Instalada a alfândega em Porto Alonso eaberta a na vegação do Amazonas pelo Brasil (a República conser vara osistema estabelecido no Império), a Bolí via podia gozar tranqüilamenteo fruto do trabalho dos brasileiros instalados no seu território.

Daí veio a re volta decisi va de 1902, chefiada pelo gaúchoPlácido de Castro, veterano maragatoda Re volução Federalista e caudilhode grande valor militar.

Iniciado em agosto, no rio Acre, esta va praticamente vitorioso omo vimento em no vembro.

Esse foi o legado que o go verno Rodrigues Alves recebeu doseu antecessor e, para deslindá-lo, Rio Branco inter veio logo, com suaformidá vel bagagem de conhecimentos, experiência e patriotismo.

Negociações tão complexas sobre matéria tão confusa nãopoderiam progredir sem avanços e recuos de ambas as partes. É o quemostra Rui Barbosa na sua Exposição deMotivos do Plenipotenciário vencido:

“No vertente caso todos varia vam. Varia vam os plenipo-tenciários boli vianos, desde a intransigência absoluta em maté-ria de satisfações pecuniárias até a substituição das suas exigên-

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 347

Page 344: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Varia va o nosso ministro, com o seu ilustre companheiro desdea entrega a que esta vam dispostos, sendo necessário, da mar -gem direita do Madeira, até a concessão, em que fica vam de3.463 quilômetros quadrados, no Amazonas e em MatoGrosso.”

Rui termina confessando ter variado ele próprio das concessõesque pretendia fazer até a recusa a qualquer transferência territorial.

Desde 1900, escre vendo no jornal A Imprensa, Rui participou ati- vamente da questão do Acre. Daquele ano é a troca de correspondênciaentre o senador brasileiro e o Ministro boli viano Salinas Vega, pela qual se vê que Rui Barbosa mante ve, na defesa das negociações do tratado, a in -transigência de pontos de vista que já tinha quando dos episódios do tem -po de Campos Sales. No caso do Acre, Rui Barbosa não foi um opositorpolítico, mas um impugnador por moti vo de consciência.

Opositores políticos, influentes pelo prestígio, foram Oli veiraLima, Pinheiro Machado, Joaquim Murtinho e Barbosa Lima. Oli veiraLima já não tolera va o Barão e dava vasas ao seu ressentimento “fazendofogo de qualquer lenha”, como dizem os franceses. Pinheiro, Murtinhoe Barbosa Lima combatiam o go verno, como fizeram até 1906.

Foi pena que Rui, tão lúcido na apreciação dos moti vos quele vam as negociações diplomáticas a constante variação, não aplicasseessa lucidez ao caso concreto e ficasse inabordá vel em exigênciasimpossí veis. Seu erro foi total, quando, no remate de sua Exposição de Motivos, escre veu: “As minorias nunca têm razão. Esta é, em política, a verdade que não falha. A da História, porém, é outra.” Rui não tinha razãonaquele momento nem hoje. A História ficou com os negociadores dotratado, contra o qual votaram no Senado, a 12 de fe vereiro de 1904,entre outros, os Senadores Pinheiro Machado, Lauro Sodré, BarataRibeiro, Joaquim Murtinho,4 Metelo e Azeredo, todos ad versários políticosdo go verno.

 A atitude de Pinheiro Machado, pela liderança política queexercia, teve destaque especial e foi ob jeto da atenção, também especial,

348 Afonso Arinos

4 Rodrigues Alves em uma das suas notas atribui a oposição de Murtinho ao fato denão ter sido consultado sobre a cláusula do tratado que previa a construção da

Page 345: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

do presidente. Bem depois dos acontecimentos do Acre, a 18 de outubrode 1906, Rodrigues Alves escre veu o seguinte, em seus pensamentos:

“Con versei com o Barão do Rio Branco sobre o mó vel doPinheiro Machado, hostilizando o Tratado de Petrópolis. O Barãodisse-me que atribuía essa conduta à suspeita que o Pinheiro tinhade que ele fosse candidato à presidência da República e busca vaeliminar esta suposta aspiração. Acrescentou que o Pinheiro le voua mal também a nomeação de Assis Brasil para ministro dotratado [sic], porque temia o ressurgimento da [sua] influência noRio Grande do Sul. Por tudo isto, em sua opinião, influiu noespírito do Rui para que tomasse o rumo que conhecemos.”

Triste coisa é a paixão dos homens, quando pretende subordinaro passo dos séculos à passagem dos minutos.

Rio Branco, irrestritamente apoiado por Rodrigues Alves, sópoderia fazer o que fez, em um procedimento sem mácula. A situaçãoera irre versí vel. O Acre era fatalmente brasileiro.

Mas readquiri-lo para sempre, sem faltar às normas jurídicasdo respeito aos tratados nem à política de solução pacífica, foi umaconquista fulgurante do go verno Rodrigues Alves, logo nos seus primeirosmeses de duração.

O Brasil resol veu as exigências do Boli vian Syndicate pagandoaos milionários que o sustinham, e atendeu aos direitos da Bolí viamediante as justas disposições do Tratado de 1903.

Não empregou a força, senão que se aprestou para enfrentá-la.Não impôs soluções in justas. Resol veu, da única maneira possí vel, umproblema que a Bolí via não poderia resol ver, e que os Estados Unidosresolveriam em pre juízo de ambos, conforme reconhecia a Prensa deBuenos Aires. Naturalmente as imprensas norte-americana e inglesasustenta vam ponto de vista oposto. Assim é que o NewYork Tribunee o MorningPost, de Londres, ataca vam o Brasil e o ameaça vam veladamente pelofato de não aceitar a vergonhosa concessão do go verno boli viano ao grupode flibusteiros capitalistas.5 O que aqui rele va particularmente consignaré o empenho demonstrado por Rodrigues Alves na solução do caso.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 349

5 Artigos tr itos no já r ferido tr balho O D R dri s Al O se

Page 346: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O Barão, mal-investido nas funções, pareceu, a princípio, he -sitar. Protela va as decisões e as pro vidências. Foi então que o presiden-te, segundo testemunhos idôneos, começou a se ocupar pessoalmentedo assunto, estudando-o e colocando o peso da sua indiscutida autori-dade sobre o grande diplomata.

No caso do Acre – o primeiro do seu go verno no plano inter-nacional –, Rodrigues Alves deu logo a plena medida do seu feito, doseu poder.

Confia va no colaborador, sabia-o muito mais competente queele próprio. Mas era o chefe que conduzia, não o figurante que acompa-nha va. O problema pessoal de Rio Branco, como mentor das negocia-ções, era gra ve, e ele o compreendia mais do que ninguém. Trata va-sede anexar o Acre, ine vita velmente nosso pelas condições geográficas epopulacionais, mas cumpria igualmente fazê-lo sem quebra da in variá veltradição jurídica e pacifista do Brasil, iniciada por Alexandre de Gusmãoe exaltada até a glória pelo próprio Rio Branco, nos episódios das Missõese do Amapá.

Só ele, o timoneiro experiente, podia le var o barco evitando asposições extremadas, como a de Rui Barbosa, que considera va excessi vasas concessões feitas ao Acre, ou a de Olinto de Magalhães, preso aos com -promissos jurídicos dos tratados vigentes. Este foi o grande momento deRio Branco. Nas suas vitórias anteriores agiu sozinho, de mãos li vres, afun -dado entre li vros e mapas, longe do Brasil que defendia. Agora esta va ex -posto ao fogo da crítica no parlamento e na imprensa, aos impactos de opi-niões apressadas, mas, nem por isso, menos influentes.

Na Câmara, vários oradores, alguns dentre eles muito presti-giosos, vergasta vam o tratado, le vantando hipóteses e sugestões ineptas.Na imprensa, Edmundo Bittencourt, com a bra vura, a desen voltura e atruculência que lhe eram habituais, parecia mais do que um censor,tornara-se um agressor do presidente, do Barão, da maioria parlamentar(que de veria ser corrida a chicote) e de Gastão da Cunha, contra o qualnão hesita va em insinuar ambigüidades infamantes.

Mas o ministro, e o presidente que o prestigia va, eram homensde luta. O Itamarati prosseguia firme na sua marcha como que despercebido

350 Afonso Arinos

Page 347: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf
Page 348: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A re volução de Plácido de Castro era um empecilho difícilde ser afastado pelo go verno da Bolí via. Rio Branco, com autorização deRodrigues Alves, propôs, em fins de 1902, a compra do Acre, queaquele go verno recusou; em seguida, a oferta de compensações, mui-to semelhantes às que vieram a pre valecer no Tratado de Petrópolis,também foi rechaçada. Em janeiro de 1903, coincidiu a chegada darepresentação do Boli vian Syndicate a Manaus com uma expediçãomilitar boli viana à região contestada, comandada pelo General Pan -do, presidente da República, em pessoa. O go verno Rodrigues Alvesfez, então, o que de via. Enviou, por seu lado, guarnições militarespara a zona de fronteira. Ao mesmo tempo, o Barão fala va ao Sindi-cato a linguagem do dinheiro, que era a que ele entendia. Com-prou-lhe a concessão, já então ociosa, evitando a presença, nas nego-ciações, dos Estados fortes e predatórios.

Neste ponto é in justa a crítica de Olinto de Magalhães, fundadano fato verídico de que o go verno brasileiro comprara por 100.000libras uma concessão caduca.

 A verdade está na explicação oficial do go verno brasileiro(sem assinatura, mas redigida, como já ficou dito, pelo DeputadoGastão da Cunha), quando diz:

“Ao Boli vian Syndicate o Brasil não comprou direitos,que lhos não reconhecia e, quando válidos fossem, aquelaempresa não podia transferir sem anuência do go verno daBolívia. O que fizemos foi obter daquela sociedade estrangeira arenúncia pura e simples da concessão.”

Sopesando as perspecti vas de lucros e perdas, os argentáriospreferiram retirar-se sem estas.

 Afastado o Sindicato, o Brasil renunciou francamente – e estefoi o ponto mais vulnerá vel do seu comportamento, imposto entretantopela força das coisas – à interpretação tradicional do Tratado de 1867, aodeclarar unilateralmente litigiosa a região acima do paralelo 10º20’. O mapada linha oblíqua – a famosa linha verde – foi considerado inexistentepelo Barão, quando, de fato, encontra va-se nos arqui vos do Itamarati.

 Aqui merece todo respeito a atitude exemplar de Olinto de

352 Afonso Arinos

Page 349: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

defendeu no seu li vro de 1941, no qual demonstrou a existência domapa e o conhecimento desse fato pelo Barão, que lhe pediu silêncio arespeito, silêncio por ele escrupulosamente obser vado durante tantosanos. Admirá vel exemplo.

Com a participação de Rui Barbosa e Assis Brasil, nomeadosa 17 de julho delegados plenipotenciários,6 as negociações prosseguiramceleremente. Em setembro, o presidente con vocou uma reunião doministério para ou vir a exposição de Rio Branco sobre as condições doacordo. Estas já eram conhecidas e combatidas na imprensa e no Con -gresso, por serem consideradas excessi vas. Segundo O Malho, Rodrigues Alves não fazia nada, vi via dormindo.

 Já a 17 de no vembro era assinado o Tratado de Petrópolis,que, sem humilhações nem violências, deu ao problema uma solução aomesmo tempo jurídica e natural.

 Ao terminar sua exposição de moti vos a Rodrigues Alves,submetendo-lhe o texto do Tratado, Rio Branco deixou perceber queconsidera va o feliz desfecho da missão mais importante do que suas vi -tórias anteriores, nos casos das Missões e do Amapá, e, também, ressaltao apoio direto que recebeu do presidente. Estas são as suas pala vras:

“Com sinceridade afianço a V. Exª que, para mim, valemais esta obra em que tive a fortuna de colaborar sob ogoverno de V. Exª e graças ao apoio decidido com que mehonrou, do que as duas outras, julgadas com tanta bondadepelos nossos cidadãos e que pude le var a termo em condiçõessem dú vida muito mais fa vorá veis.”

LIMITES COM O EQUADOR 

O feliz desfecho da pendência com a Bolí via representou o passoinicial da fixação definiti va das fronteiras do Brasil com os países da

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 353

6 Rui afastou-se em outubro, por não aceitar as condições do acordo, queconsiderava prejudiciais ao Brasil. O seu afastamento provocou “grande

Page 350: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 América do Sul, obra encetada no go verno Rodrigues Alves, com a autori-zação do presidente e o seu atento acompanhamento das negociações.

O trabalho preparatório dos diplomatas do Império, fossedos ministros dos Negócios Estrangeiros, como os Viscondes do Uruguai,de Abaeté e do Rio Branco, fosse de hábeis diplomatas, como o Conse-lheiro Pontes Ribeiro ou o Barão de Japurá, tinha conseguido fixar osrumos geográficos e os assentamentos jurídicos das fronteiras, mas nãochegara até o processo de demarcação.

Rodrigues Alves compreendeu – no dizer de Rio Branco – “aincon veniência e os perigos de continuarmos sem fronteiras demarcadascom alguns dos países vizinhos”, e autorizou o seu ministro a prosse-guir nas negociações interrompidas ha via tanto tempo.

Durante o go verno Rodrigues Alves, entretanto, apenas com oEquador ficaram concluídas as negociações e, em conseqüência, firmou-seo Tratado de 6 de maio de 1904, cuja execução permanecia, como pre vistoem uma de suas cláusulas, dependente da solução do litígio existente entreo Peru e aquela república. Esse litígio foi juridicamente concluído em fa vordo Peru, embora politicamente seja causa, ainda hoje, de tensas relaçõesentre os dois países. De qualquer forma, o tratado de 1904 tornou-seinaplicável, porque a vitória diplomática do Peru fez com que o Equadordeixasse de ser fronteiriço com o Brasil.

LIMITES COM O PERU

 A fixação da nossa fronteira com o Peru chegou a assumir,entre 1902 e 1904, aspectos bastante gra ves, aproximados, mesmo, dosque se verificaram com a Bolí via, visto que hou ve choques armados, in-clusi ve com a participação de forças regulares.

Rio Branco, considerando que a questão com o Peru tinha vi-sí vel tendência a aprofundar-se, cortou-a energicamente pela raiz, aindaem 1904, trabalhando sem parar dia e noite, como era do seu extraordi-nário temperamento.

 A 3 de junho de 1904, o ministro americano Dawson telegrafou

354 Afonso Arinos

Page 351: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“De vido à tensão das relações, o ministro do Exteriornão se encontrará com o ministro peruano. Circular impressado Peru ao Brasil, distribuída às legações, relaciona-se communição interceptada em Manaus, o que irritou o ministrodas Relações Exteriores, o qual, pelo que fui informado de boafonte, pediu declaração de guerra, mas o presidente recusou.Creio que a atitude do ministro do Exterior é insincera. Estoumuito confiante em que não ha verá guerra.”7

Rio Branco, diplomata da escola européia, fazia pro va velmentecircular versões como essa, para acentuar a pressão contra os peruanos.Mas ainda que o Barão, inclinado a medidas fortes, esti vesse sendosincero, era evidente que Rodrigues Alves não embarcaria na aventura.Quem tinha tanto a fazer no Brasil não dese jaria dissipar recursos emcustosas aventuras bélicas. Tínhamos que saber, ao mesmo tempo,defender o nosso direito e sal vaguardar a paz.

O colaborador mais útil de Rio Branco, na questão com oPeru, foi o Deputado mineiro Gastão da Cunha, a quem o Barão escre via“caindo de sono”, às 5 e meia da manhã de 27 de julho, uma cartainteressantíssima, revelada por Rodrigo M. F. de Andrade. Dela constao seguinte e magistral resumo dos acordos preliminares (modus vivendi)conseguidos com o Peru, os quais condicionaram o êxito do tratadodefiniti vo de 8 de setembro de 1909:

“Onde há brasileiros go vernamos nós, retirando-se osdestacamentos e autoridades do Peru, e acima de Breu (no Juruá) e de Cataí (no Purus); onde não há brasileiros, funcio-narão as comissões mistas, go vernando nós e os peruanos.”

Com esses acordos de modus vivendi de 1904 selou-se o fechodas negociações, só concluídas um lustro depois. Por aqueles fica va deantemão assegurado o direito inconteste do Brasil, diante das descabidase ameaçadoras pretensões do Peru. Embora improcedentes, da vam elasmaior espaço às dú vidas, porque, ao contrário da Bolí via, o Peru é um

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 355

7 Este e outros de chos da leg çã rica f opiados no D rta nto

Page 352: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

país geograficamente amazônico. Além disso, a ação impatriótica daoposição, sobretudo em alguns jornais, dava mão forte aos que contes-ta vam os lídimos direitos do Brasil.

 A questão com o Peru trouxe a colaboração não só de Gastãoda Cunha como de Euclides da Cunha, duas grandes figuras daquelageração. Gastão abandonou a política para dedicar-se à diplomacia etornou-se amigo sincero de Rodrigues Alves, como demonstra a sua firmesolidariedade, naquele mesmo ano, no episódio de 14 de no vembro.

O presidente, como fizera na questão do Acre, acompanhoupessoalmente e de perto o desen vol vimento das negociações com ogoverno de Lima. No seu arqui vo existe o seguinte documento, escritode próprio punho:

“Peru – A questão de limites do Brasil com o Peru pare-cia trazer-nos as mais sérias dificuldades, maiores mesmo queas da Bolí via, pois o povo peruano é mais pretensioso e baru-lhento. Enquanto se negocia va com a Bolí via, tendo-se dadoao Peru as seguranças de nossa boa vontade, absor vemo-noscompletamente no trabalho com aquela nação, sem nos aper -cebermos da ação in vasora e astuciosa do Peru em territórionosso. As dificuldades tomaram vulto depois da assinatura doTratado do Acre. Repetiam-se os conflitos e mo vimentos deforça nas regiões do Norte e, em Petrópolis, o ministro doPeru8 afasta va-se por completo do nosso,9 deixando de pro -curá-lo e tendo aberturas incon venientes com o pessoal docorpo diplomático e da imprensa. O Correio da Manhã e o Jornal do Brasil pareciam antes ser vir aos interesses do Peruque aos do Brasil e do Sr. Conselheiro Lampreia10 ouvi uma vez que o senhor ministro do Peru, o Sr. Velarde, tinha dispo-sições belicosas e deu-lhe a entender que o seu país não aten -deria por forma alguma às pretensões do Brasil. Era essa alinguagem que tinha geralmente e foi isso que determinou,em certa ocasião, um violento editorial do País, que produziua mais funda impressão. O Sr. Rio Branco, para desmanchar

356 Afonso Arinos

8 Hernán Velarde. Foi quem assinou, a 12-2-1904, o acordo demodus vivendi com o Brasil.9 Rio Branco

Page 353: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

essa impressão, teve de procurar o Sr. Velarde, e o país atépareceu chocar-se com isso.11

Com a negociação domodus vivendi modificou-se a situação.Para chegar a esse resultado foi, porém, mister concentrarforças de terra e mar no Norte e fazer um grande mo vimento,grande e caro.

 Antes do Sr. Velarde, este ve como ministro o Sr. Solar,12

com o qual se deu um incidente relati vo à casa em quemorava, que era do Banco da República e que me ha via sidocedida para passar o verão em Petrópolis. Depois de combinar aentrega da casa, conser vou-a por muitos dias para poder neladar festas a hóspedes que queria obsequiar.13

Tem constado ultimamente [setembro de 1905] que oPeru se arma, encomendando na vios e artilharia; dizem quepara lutar com o Chile. Mas quem sabe as suas intenções?”

Quando o presidente escre ve que ha via jornais que pareciamser vir mais ao Peru que ao Brasil, exprimia uma verdade. Os artigos deataque de Leão Veloso (Gil Vidal) a Rio Branco, na primeira página doCorreio da Manhã, em julho de 1904, são inacreditá veis.

O leitor de hoje dos artigos daquele jornalista e deputado edos discursos de Barbosa Lima fica chocado com o faccionismo e afalsidade daquelas arengas e publicações que só podiam enfraquecer ogoverno e pre judicar o Brasil em assunto tão gra ve e delicado. Felizmente,o Congresso, esclarecido por homens como Gastão da Cunha, sustentou opresidente e o chanceler na defesa do Brasil.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 357

11 O país era orientado por Quintino Bocaiúva, que, como republicano histórico,recebera com reservas a eleição de Rodrigues Alves.

12 Amador del Solar.13 A casa, situada na Avenida Koeller, fora construída pelos Teixeira Leite e

oferecida em garantia de dívida ao Banco da República. Foi adquirida a este peloConde Paulo de Frontin, provavelmente com financiamento hipotecário. Frontinofereceu a casa a Rodrigues Alves, que não quis comprá-la, sendo ele presidente,por causa da dívida com o banco oficial. Mais tarde, o prédio passou àpropriedade do Conde Pereira Carneiro. Em 1904, o governo federal adquiriu o

Page 354: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

LIMITES COM A COLÔMBIA 

Tal como acontecia com outros países da América do Sul,também com a Colômbia tínhamos questões de limites, que data vam dotempo do Império, quando aquela república era ainda chamada NovaGranada, nome que perdeu depois da mutilação do seu território eformação do Estado do Panamá.

 Araú jo Jorge obser va que “a dura lição do Acre não foradesapro veitada” e que “aos seus amargos ensinamentos de vemos ha verRio Branco acelerado a discussão sobre as nossas restantes contro vérsiasde limites e entrado em entendimentos com a Colômbia”.

Os antecedentes diplomáticos do problema eram espinhosos.Os desentendimentos funda vam-se em uma contro vérsia que era mais jurídica que factual. Os colombianos sustenta vam a validade do Tratadode 1777, que dava ao princípio do uti possidetis uma conceituação jurídi-ca, enquanto os brasileiros sustenta vam a conceituação de fato paraaquele princípio, ou seja, a existência douti prossidetis pela ocupação efe -ti va do território. Como se vê, era a repetição, em outros termos, daquestão do Acre. Desde o reinado de Pedro I, passando pelo dePedro II, diversas tentati vas de solução do litígio fracassaram, dentre elasas que, no Segundo Reinado, foram encaminhadas pelos dois notá veisagentes diplomáticos do Brasil, Barão de Japurá e ConselheiroNascentes de Azambuja.

Rio Branco contou, no caso, com a colaboração valiosa doDeputado paraense Enéias Martins, en viado em missão especial à Co -lômbia, no ano de 1905. Quando terminou o go verno Rodrigues Alves,o litígio com a Colômbia, tal como acontecia com o do Peru, esta va pra-ticamente encaminhado. Assim o tratado de 24 de abril de 1907 repre-senta va a formalização do acordo conquistado anteriormente.

Enéias Martins, como o mineiro Gastão da Cunha, deixou apolítica pela diplomacia, em justo reconhecimento das qualidades de ne -gociar, re veladas na questão com a Colômbia.

 ACORDO DA LAGOA MIRIM

 A conclusão da política de fixação pacífica das fronteiras foi

358 Afonso Arinos

Page 355: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

no qual o Brasil cedeu espontaneamente ao Uruguai a co-soberania daságuas limítrofes da lagoa Mirim e do rio Jaguarão. Esta era, como as demais,uma dú vida que se arrasta va desde o Império. Por várias vezes, desdemeados do século XIX, o Uruguai rei vindicou a li vre na vegação daquelaságuas internas, mas nunca se pôde chegar a um acordo.

 A posição do Brasil, no caso, era forte, quanto ao direito contra-tual – considerados os tratados como pactos internacionais – mas eraexcepcional no quadro do Direito Internacional geral. Com efeito, o prin -cípio geral de direito é que as águas internas que marcam limites subordi-nam-se às duas soberanias ribeirinhas, respeitados os limites de cada qual.No caso, porém, da lagoa Mirim e do rio Jaguarão, o Império brasileiro tinhaadquirido o seu domínio em troca do apoio que deu ao Uruguai defendendoa sua soberania contra a caudilhagem interna e as ameaças argentinas.

O Império procurou manter o monopólio daquelas águas e oconseguiu por tratado válido – exatamente para afastar do nosso territórioos riscos de propagação da desordem endêmica no rio da Prata.

Rio Branco procedeu com generosidade, mas também com acertopolítico, ao de vol ver ao Uruguai o que o Direito Internacional reconhecia.

O tratado é de 1909, mas o seu preparo ocorreu, em grandeparte, durante o go verno Rodrigues Alves.

É ob vio que as dificuldades a vencer não se situa vam no pla -no diplomático, pois o Uruguai só tinha vantagens com o tratado. As di-ficuldades concentra vam-se no plano nacional e exprimiam-se na resis-tência dos que, de boa fé, considera vam incon veniente um ato de gene-rosidade sem contrapartida e dos que, de má fé, se rebela vam por hosti-lidade ao go verno nos jornais e nas câmaras.

Pode-se, assim, afirmar que todos os grandes atos internacio-nais praticados pelo Barão do Rio Branco, como ministro do Exterior,foram encaminhados – e algumas vezes praticamente decididos – noquatriênio 1902-1906.

CARDINALATO BRASILEIRO

Outros acontecimentos de importância na vida brasileira

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 359

Page 356: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

daquele período. Entre eles a nomeação, pela Santa Sé, do primeirocardeal da América do Sul e a ele vação da representação brasileira emWashington à categoria de embaixada.

 A concessão da púrpura cardinalícia a um prelado brasileiro vinha sendo pleiteada desde bastante tempo, tendo sido cogitada,mesmo, no antigo regime.

Em 1898, Campos Sales passou por Roma como presidenteeleito, sendo recebido por Leão XIII. Magalhães de Azeredo, que já en-tão ser via como encarregado de Negócios junto à Santa Sé, lembrou aCampos Sales a con veniência de se apresentar a rei vindicação brasileiraem termos concretos. Segundo relata aquele acadêmico e diplomata emcarta a Machado de Assis, Campos Sales aceitou logo a idéia e, poucodepois de empossado, ensaiou as primeirasdémarches em Roma, apresen-tando a candidatura do arcebispo do Rio de Janeiro, que viria, de fato, aser o escolhido.

Quando Rodrigues Alves chegou à presidência, o Brasil tinha, junto à Santa Sé, um excelente representante diplomático, que era oMinistro Plenipotenciário Bruno Gonçal ves Cha ves, nomeado em junhode 1902. Homem hábil e paciente, Bruno Cha ves conseguiu cercar-se deprestígio, não apenas durante o final do reinado de Leão XIII, comoenquanto ser viu sob Pio X.

Foi assim que Leão XIII en viou a Rodrigues Alves a bênçãoapostólica, por ocasião da sua posse, o que muito deve ter des vanecidoo presidente, que era católico e de família católica, neste ponto diferentedo seu ministro do Exterior, que era maçom e filho de maçom.

Rodrigues Alves escre veu a propósito da saudação papal aBruno Cha ves, o qual lhe respondeu em carta de 12 de junho de 1903,na qual existe o seguinte tópico:

“Eu continuarei com a maior dedicação a preparar o ter -reno para que, em ocasião oportuna, possa o Santo Padre daruma pro va da sua paternal estima aos católicos da nossa terra,criando um cardeal brasileiro. Há dificuldades para isso, nãosó no ciúme das repúblicas hispano-americanas, como tam -bém no estado atual da saúde de Leão XIII, que se acha cada

360 Afonso Arinos

Page 357: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rio Branco jogava com cuidado a cartada diplomática com aSanta Sé. Os países latino-americanos manifestavam aquele “ciúme” doBrasil de que falou o diplomata (o Chile pleiteava abertamente a criaçãodo cardeal de Santiago), sob o razoável pretexto de que o mundohispânico era composto de muito mais Estados do que o mundoportuguês, enquanto o Barão não se fechava em tese exclusivista. Elefingiu pleitear a criação de cardeais no Brasil e em outros países da América Latina, manifestando-se sempre nesse sentido. É claro que oseu desejo secreto era uma vitória isolada, mas era bastante astuto parasaber que só a conseguiria à medida que fosse generoso para com osdemais.

 A condição de maçom de Rio Branco, que tinha a correção dea não esconder, e também a circunstância de ser filho do grão-mestre daMaçonaria brasileira, que dera início à penosa questão dos bispos noImpério, de viam criar reticências na diplomacia aveludada do Vaticanodaquele tempo. Mas a personalidade de Rodrigues Alves ia vencendo todasas possí veis resistências.

 A 8 de dezembro de 1904, a filha mais velha de Rodrigues Alves, Ana, casou-se com o oficial-de-gabinete da presidência, Dr. Cesário Pereira.

O novo papa, Pio X, por pro vá vel solicitação de Bruno Cha ves,en viou ao jovem par presente excepcional: sua bênção, que aparecemanuscrita, em latim, por debaixo do próprio retrato.14 Profundamentesensibilizado, o presidente escre veu a Bruno Cha ves, a 13 de fe vereirode 1905, uma carta em que dizia:

“O casamento de minha filha Ana com o Dr. CesárioPereira, realizado no dia 8 de dezembro próximo findo, foihonrado com a bênção de Sua Santidade, que o Sr. Arcebispo Arcoverde15 anunciou, com grande unção, no meio de umabrilhantíssima assistência de católicos, que não puderam ocultaro seu contentamento.

Peço a V. Exª que apresente a Sua Santidade, na primeiraoportunidade que se oferecer, com as minhas respeitosas

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 361

14 Esse retrato de Pio X encontra-se, hoje, na posse do Autor.15 D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcânti, Arcebispo do Rio de Janeiro e

futuro cardeal. F i el celebro nto l da capela do Palácio

Page 358: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

homenagens, o meu profundo reconhecimento pelas graçasconcedidas aos noi vos.”Depois do pai, vinha falar o político, o presidente:

“Tenho conhecimento da correspondência firmementetrocada pelo Sr. Barão do Rio Branco com V. Exª e nutro aesperança de que não será mais adiada a realização da promessade um cardeal, que nos foi feita há cerca de seis anos. OBrasil tem aproximadamente 20 milhões de habitantes, na suaquase unanimidade católicos, e carece, neste momento, dessamanifestação de apreço, a bem mesmo dos interesses da reli-gião. Sei que V. Exª se tem esforçado nesse sentido, e peçocom interesse que não se descuide deste assunto. Será paramim particularmente agradá vel que o meu go verno seja honra-do pela Santa Sé com essa altíssima distinção.”

Homem da família, tocado pela bênção do papa dispensada àfilha, o presidente não esquecia os seus de veres e as suas ambiçõespolíticas. Que viesse o cardeal. Que viesse durante o seu go verno.

Bruno Cha ves respondeu-lhe, a 5 de abril:

“Cumprindo suas ordens, apro veitei a primeira audiência,que poucos dias depois me foi concedida pelo Santo Padre, paraapresentação dos cumprimentos de V. Exª [....] e transmiti a SuaSantidade os agradecimentos de que V. Exª se dignaraincumbir-me, pela bênção especial en viada à sua Ex.ma filha ea seu noivo, Dr. Cesário Pereira. Pio X mostrou-se penhoradopelas expressões de V. Exª, e encarregou-me de dizer-lhe quenada ha via a agradecer, pois essa bênção ele a dera de todo ocoração. Nessa mesma audiência, que foi longa, referi tam -bém ao Santo Padre as recomendações que V. Exª me fizera,na sua carta, para eu continuar a tratar com todo o zelo, a fimde obter o mais bre ve possí vel a criação de um cardeal brasileiro,e ponderei quanto a V. Exª seria particularmente agradável que oseu governo fosse honrado com essa altíssima distinção,pro veitosa para a própria situação da Igre ja no Brasil.

O Papa já esta va informado da carta de V. Exª peloeminentíssimo secretário de Estado,16 que a meu pedido lhe

362 Afonso Arinos

Page 359: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A chegada do Cardeal Arcoverdeao Rio deJaneiro. À direita o arco triun fal erguido no Cais Pharoux. Fotos da revistaRenascença

Page 360: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

falara dela; a inter venção pessoal de V. Exª foi um argumentode grandíssimo valor a bem da nossa causa, e influiu muito napronta decisão do Sumo Pontífice, que já na referida audiên-cia me prometeu satisfazer em bre ve os nossos dese jos.

 V. Exª já teve, pelos seus telegramas ao Sr. Ministro deEstado das Relações Exteriores, a notícia da ele vação à púr -pura de um dos nossos prelados no próximo consistório, quepro va velmente será em maio.17 Pela minha correspondênciacom o Sr. Barão de Rio Branco está V. Exª ao corrente dasnegociações ha vidas nestes três meses. Ficou, pois, consegui-da a primeira e mais importante parte da nossa pretensão.”18

 A concessão do cardinalato ao Brasil não se deu em maio,como pensa va o nosso representante diplomático. Somente em outubrode 1905 o arcebispo do Rio de Janeiro foi chamado a Roma, tendo par -tido no dia 16 de no vembro no na vio italiano Perseo. No seu caderno denotas, Rodrigues Alves escre ve, naquele mesmo dia, com os habituaislaconismo e ob jeti vidade:

“Embarcou para a Itália o Sr. Arcebispo Arco verde, quefoi chamado a Roma, constando que será escolhido cardeal.Foi despedir-se por mim o General Aguiar.”

O Presidente re vela neste apontamento o seu espírito seguroe prudente. Naqueles dias de outubro ele anda va atormentado com oproblema sucessório. Sua insistência errada, embora fundada em razõesmorais, em sustentar a candidatura Bernardino de Campos, le vara-o aofracasso político. Amigos o ha viam abandonado, a imprensa o ataca vacom vigor, sua liderança política parecia es vaziar-se. No entanto, sua

364 Afonso Arinos

17 O Cardeal Merry del Val havia passado nota confidencial escrita a Bruno Chaves,no dia 1º de abril, anunciando que o papa havia decidido elevar à púrpura umbispo brasileiro, na primeira oportunidade.

18 Rodrigues Alves, mais tarde, não parecia bem impressionado com Bruno Chaves.Em nota íntima, depois de relatar queixas do Barão contra Olinto de Magalhães,que lhe não retribuíra uma visita, ajunta: “Bruno Chaves fez a mesma coisa, estetalvez zangado por não ter vindo com o cardeal. Logo que chegou mandeiconvidá-lo para o jantar que dei ao cardeal e ao qual eu assisti. O convitedesencontrou-se e foi para o Rio Grande, de onde o Sr. Bruno agradeceu,

Page 361: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

administração obtinha êxitos indiscutí veis, como aquele da criação deum cardeal de língua portuguesa, num continente onde predomina va oidioma espanhol. Rodrigues Alves, vimo-lo pela correspondência acima,sabia desde abril que o chapéu de cardeal ha via sido conquistado peloseu go verno, e em grande parte por causa do seu prestígio pessoal junto aPio X. No entanto, mesmo em um apontamento dedicado às suaslembranças pessoais, refere-se ao fato sem afirmá-lo: “consta que seráescolhido cardeal”.

Chegado a Roma a 3 de dezembro, D. Joaquim Arco verde foi re -cebido pelo papa no dia seguinte, em audiência pri vada, na qual lhe foi co -municada a auspiciosa notícia. No dia 11, o consistório formalizou a deci-são,19 sendo a cerimônia pública da imposição do chapéu le vada a efeito a16 do mesmo mês. O novo cardeal demorou-se na Europa. Somente a 1º deabril de 1906 desembarcou no Rio de Janeiro, com grandes homenagens.

Segundo a imprensa do dia, os ministros esta vam no cais, e omais glorioso deles, Rio Branco, malgrado a sua hierarquia maçônica,bei jou-lhe o anel.20

 A 11 de abril de 1906, Rodrigues Alves, em Petrópolis,anotou no seu diário:

“Desci para a inauguração das Belas-Artes, na Avenida. Às onze e meia fui visitado pelo Cardeal Arco verde, rece-bendo-o na sala da capela. Mostrou-se muito agradecido àação do go verno. Em Roma se atribuiu a criação do cardina-lato à tenacidade, competência  e dignidade21  com que agiu adiplomacia, ha vendo tantos embaraços a vencer. Ha viapromessas, mas se não fosse o emprego de tanto esforço ecom tanta insistência e dignidade, nada se teria conseguido.Trouxe algumas linhas autografadas do Santo Padre, que memandará depois.”

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 365

19 Diário de Rodrigues Alves: “11 de dezembro. Recebi telegrama de Roma doDr. Bruno Chaves comunicando que, no consistório de hoje, foi feito cardeal oSenhor Arcoverde.”

20 Diário de Rodrigues Alves (nota de Petrópolis): “1º de abril. Chegou o Cardeal Arcoverde. Fizeram-lhe no Rio estrondosa manifestação. O General Aguiar desceupara representar-me. Os jornais são acordes em dizer que a manifestação esteveimponente.”

Page 362: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Na mensagem do presidente ao Congresso Federal, de 3 demaio de 1906, encontra-se este tópico:

“O Santo Padre Pio X deu uma pro va de particularafeto aos brasileiros criando cardeal, no consistório de 11de dezembro último, o arcebispo do Rio de Janeiro, D. Joaquim Arco verde de Albuquerque Ca valcânti. É a primeira vez que tão alta distinção recai em um prelado da AméricaLatina.”

Se Rodrigues Alves foi discreto na mensagem, e omisso nassuas notas, em consignar a participação pessoal que ti vera no aconteci-mento, o mesmo não aconteceu com o Cardeal Arco verde, que, a 18 demaio, escre veu-lhe, da cidade de Conceição, a seguinte carta:

“Em carta que escrevi a V. Exª de Roma,22 manifestei oque sentia com relação à pessoa de V. Exª e o cardinalatobrasileiro. Hoje venho agradecer a V. Exª a referência quesobre isso fez na luminosa e magistral mensagem, com que V.Exª se dirigiu aos digníssimos senhores representantes danação. Daí passará para a história do nosso país o nome doaugusto Pontífice Pio X, como tendo conferido ao Brasil umadistinção, que, até hoje, nenhuma outra nação latino-americanalograra conseguir. Esta menção penhorará grandemente omagnânimo coração do Sumo Pontífice, e eu muito agradeço a V. Exª por tê-lo feito. Como lembrança do Santo Padre Pio X,tenho a grande satisfação de oferecer a V. Exª o autógrafo, queentregará o portador, com o qual o Santo Padre, comabundância de coração, envia a V. Exª um penhor de seu pater-nal carinho. Como atestado de minha pessoal gratidão rogo a V. Exª se digne de aceitar esta fotografia, tirada em Roma, pelacircunstância de minha elevação à púrpura cardinalícia.

Com muita estima e distinta consideração me confessode V. Exª obr.mo e atº ser vo.

Conceição, 18 de maio de 1906.

  J. Cardeal Arcebispo.”

366 Afonso Arinos

Page 363: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Carta do Cardeal Arcoverdea Rodrigues Alves. Arquivo da família Rodrigues Alves

Page 364: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O rascunho da resposta do presidente encontra-se junto àcarta do Cardeal:

“Eminente Cardeal Arco verde.Sou muito agradecido à grande bondade do Santo Padre

e a Vossa Eminência. Guardarei os dois belos quadros comcarinho e terei logo oportunidade de le var pessoalmente aminha gratidão a Vossa Eminência, por uma lembrança tãogentil quanto confortadora.

Com alto apreço, de Vossa Eminência afetuoso e respeitador.”

 A PRIMEIRA EMBAIXADA 

Na mensagem de 3 de maio de 1905, o presidente da Repúblicainforma va o Congresso Nacional:

“A nossa antiga legação em Washington foi ele vada àcategoria de embaixada, nomeando eu, a 10 de janeiro, paraexercer as funções de embaixador dos Estados Unidos doBrasil naquele importante posto o Sr. Joaquim Nabuco. Nomesmo dia, como esta va combinado, o Presidente Roose veltsubmeteu ao Senado a nomeação do Sr. Da vid E. Thompsonpara cargo de embaixador dos Estados Unidos da Américano Brasil.23 Apro vada a escolha no dia 13, foram as credenciaisdos dois embaixadores assinadas no Rio de Janeiro e emWashington no dia 21... A rapidez com que se fez a criaçãosimultânea das duas embaixadas mostra bem a mútua estimaque existe entre os dois go vernos e a boa vontade com que ogoverno e o povo dos Estados Unidos da América correspondemà nossa antiga e leal amizade.” Ao nomear Joaquim Nabuco para primeiro embaixador da

República, Rodrigues Alves obedecia aos sentimentos pessoais quesempre o animaram quanto ao colega de colégio e amigo admirado de

368 Afonso Arinos

23 Thompson já era ministro no Rio de Janeiro desde abril de 1903, tendo permanecidocomo embaixador até junho de 1906. Nos seus impedimentos foi substituído pelo

Page 365: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

toda a vida, e também aos impulsos cí vicos de presidente, dese josode dar ao grande ad vogado do Brasil na questão da Guiana Inglesauma pro va pública do apreço do go verno depois do julgamento inepto ein justo do rei da Itália, condenado por grandes autoridades do DireitoInternacional.

Rui Barbosa chamou os dezoito volumes da defesa deNabuco “trabalho mara vilhoso e colossal”, opinião de peso, partida deum trabalhador intelectual, ele próprio, colossal e mara vilhoso.

 A decisão de 14 de junho de 1904 veio desconhecer a verdadehistórica e jurídica ofuscantemente demonstrada naquele monumentalesforço. Mas a opinião nacional prestigiara o defensor dos nossos direitos,tanto quanto as competências internacionais.

Nabuco enfrentou o re vés com firmeza e magnanimidade.Mas, como obser va João Frank da Costa, no seu estudo sobre

Nabuco e a política externa, a ameaça do imperialismo territorialinglês, ainda vivo naquele tempo, lançou-o de braços abertos na defesado monroísmo. O fortalecimento da doutrina, dirigida contra a Rússiano princípio do século XIX, poderia ser vir contra a Inglaterra, a Alemanha ou outra potência expansionista européia faminta de territórios,no começo do século XX.

Tão impregnado ficara Nabuco dessa con vicção patrióticaque, semanas depois do laudo do rei italiano, insinuou a Rio Branco oseu apro veitamento em Washington, onde espera va realizar o trabalhode aproximação que correspondia aos interesses defensi vos do Brasil.

O Barão não deve ter precisado de muitos argumentos parafazer o presidente aceitar a ele vação do posto a embaixada e apro var onome do embaixador.

Com efeito, desde que se acha va no go verno de São Paulo,Rodrigues Alves acompanha va a missão de Nabuco em Roma, comodemonstra este bilhete sem data de ano, mas, pro va velmente, de1902:

“Nabuco,

 Ainda não pude cumprir o de ver de felicitá-lo pelo êxito de

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 369

Page 366: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

acompanho com interesse. O ano novo oferece-me ense jo defazê-lo e ao mesmo tempo de dar a você e família as boas festas.

Creia-me sempre amigo e colega  F. P. Rodrigues Alves  São Paulo, 1º de janeiro.”Depois do julgamento, o presidente escre veu esta carta a Nabuco,

na qual lhe oferecia a sua solidariedade em face da in justiça praticadacontra o país e contra ele:

“Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1904.Nabuco,Tive ocasião de ler em uma carta dirigida ao Bulhões,

que ha via causado reparo o meu silêncio sobre as memóriasque você escre veu no desempenho da missão junto ao rei daItália. Conhecia, por informações freqüentemente recebidas, aimportância desses trabalhos. Não tive, porém, oportunidadede os examinar senão agora, verificando com muita satisfaçãoo esforço que você empregou para bem cumprir os importantesde veres do seu cargo e a alta competência com que tratou doassunto confiado aos seus estudos.

 Aceite as minhas felicitações e o meu reconhecimento.Todo o país acompanhou com interesse e aplaude os seusesforços. De minha parte não hou ve surpresa alguma. Apreciava já os méritos do nosso ilustre ad vogado, de quem tive a felici-dade de ser companheiro desde a infância.

Quando ti ver tempo dê-me notícias, estimando muitoconhecer as suas impressões sobre os negócios públicos e osgrandes interesses da nossa pátria aqui e no exterior.

Creia-me sempre, amigo e colega  F. P. Rodrigues Alves.”

 A resposta de Nabuco, en viada de Londres a 7 de outubrocomeça desfazendo qualquer resquício de mágoa:

“Sua carta deu-me grande satisfação; eu somente mani-festei ao Bulhões o receio que tenho do juízo de lá. Seu tele-grama, porém, e o do Rio Branco, logo após a sentença tira-

370 Afonso Arinos

Page 367: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em seguida, Nabuco entra em laboriosas explicações paradiminuir a impressão da in justiça que sofrera. Nem seriam necessáriastais explicações, pois o presidente, como toda a opinião brasileira, esta vasolidário com o grande homem.

Uma das versões que circularam no Rio, sobre as causas denosso insucesso, merece ser lembrada. No número de 18 de junho de1904, a re vistaO Malho afirma va que a entrega dos direitos do Brasil àarbitragem do rei da Itália, ha via sido decidida pelo Ministro Olinto deMagalhães sob a influência do escritor e jornalista italiano Carlo Parlagreco,radicado no Brasil.24

 A ele vação à categoria de embaixador do posto de ministroem Washington, anunciada por Rodrigues Alves em sua mensagem de1905, não se fez sem resistências internas e críticas externas.

Le vado pelo dese jo de aumentar o prestígio do Brasil nosEstados Unidos, possi velmente influenciado pelas idéias monroístasde Nabuco, deri vadas da sua desilusão no litígio com a Inglaterra, RioBranco decidiu-se, depois do desfecho infeliz deste último, a criar aembaixada. O México mantinha em Washington um representantecom categoria de embaixador, o qual tinha acesso direto ao PresidenteRoose velt, vantagem de que fica vam pri vados os diplomatas de menorní vel. Assis Brasil, quando nosso ministro em 1903, chamara a atençãode Rio Branco para o fato.

Em dezembro de 1904, o Barão inicia sondagens diretas, porintermédio do nosso ministro em Washington, Gomes Ferreira, sobre aele vação do posto a embaixada. Os despachos en viados pelo chancelerreferem-se ao apoio pessoal de Rodrigues Alves às gestões. Mas, nodecurso delas, não deixaram os ad versários do go verno de se apro veita-rem do pretexto para atacá-lo. O Jornal do Brasil, notadamente, logo apósa nomeação de Nabuco, estampou um ferino editorial em cujo texto, apar de críticas à “megalomania” do go verno e apelos hipócritas à economia,aninha-se uma suja intriga com as forças armadas, que dizia estarem aoabandono no seu despreparo, enquanto os recursos eram dissipados nas verbas das Relações Exteriores. Ora, essa dissipação não passa va de dez

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 371

24 Parlag co teve, na verd de ta influência ios políti intelectu is.

Page 368: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

contos a mais por ano. Também a Prensa de Buenos Aires e o Morning Post de Londres (segundo compro va Frank da Costa no seu estudo)desvirtua vam o sentido do ato da chancelaria brasileira, atribuindo-o aestultos propósitos de dominação brasileira no continente do sul.

Não se pode des vincular a intransigência das críticas internase externas ao Brasil no caso célebre da canhoneira alemã Panther 25 que,naqueles mesmos dias, mantinha tensa a opinião nacional e le vanta vafortíssima onda de ataques ao go verno. De resto, aquela fase do quatriê-nio, subseqüente à derrota de Rodrigues Alves no jogo da sucessão presi-dencial, correspondeu ao ponto mais baixo da maré vazante do seu prestígiopolítico. A evidência do êxito espetacular da sua administração, com o fim dafebre amarela e a inauguração da Avenida Central, não impedia os motinsnos quartéis, as manifestações de apoio do meio oposicionista aos conspi-radores de 1904, como Lauro Sodré, e até denúncias partidas do bispode Petrópolis, do chefe de Polícia do Rio e do Ministro Seabra, sobre oplano de um atentado contra a vida do presidente da República.

Este (vê-se pelos seus apontamentos íntimos) continua vaimperturbá vel na execução da sua tarefa, anotando, com a mesma calma,episódios rotineiros da administração e gra ves sintomas da crise latente.

Com o próprio Nabuco desabafa, em carta de 28 de fe vereiro.Depois de referir-se a cartas recebidas do embaixador e a aspectos dasua missão, escre ve:

“Não tenho feito outra coisa senão trabalhar para que, aífora, se fale bem do Brasil e se tenha fé nos seus grandes recursose nos seus destinos. Chamam-me às vezes de fraco os que nãoquerem compreender que eu prefiro sacrificar àquele trabalho,que me parece tão digno dos go vernos, as preocupaçõesacanhadas deste meio que você conhece tão eriçado de asperezas,de ambições e de desconfianças. Posso sofrer um pouco emmeu amor-próprio, mas não descubro assim as nossasgrandes fraquezas26 e alegro-me quando vejo que um esforçocomo esse está sendo pro veitoso à nossa pátria e que vamosadquirindo, no exterior, um prestígio que parecia perdido.”

372 Afonso Arinos

25 V. adiante, pág. 376

Page 369: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A amizade que ligou desde a infância o presidente e o embaixa-dor nunca sofreu alteração. As contingências da política le varam Rodrigues Alves a esfriar relações com antigos companheiros paulistas, como AntônioPrado, Prudente, Campos Sales e Bernardino. Nabuco, por sua vez, afas -tou-se de Oli veira Lima e até de Rio Branco. Mas nunca Rodrigues Alves eele deixaram de se tratar com deferência pública e carinho particular, tal vezporque nunca se encontraram as órbitas das respecti vas vidas.

Em 1898, Nabuco manifesta va precisamente o teor dessessentimentos em carta a Rodrigues Alves:

“Rio, quinta-feira, 6 de outubro de 1898.Meu caro Rodrigues Alves,

 O telégrafo sem fio, que nos põe em comunicação desdeo Pedro II, já terá registrado, para você, a agradá vel impressãoem que me acho, pelas suas afetuosas pala vras. Você sabe quenão faz senão reciprocar a amizade, com todas as suas conse-qüências, uma das quais é o alto apreço, a fascinação que lheconser vei sempre.”Na carta credencial de Nabuco, dirigida ao Presidente Roose velt,

Rodrigues Alves empregou expressões não comuns em documentos da-quela natureza, as quais, pela forma e pelo conteúdo, re velam ser do seupróprio punho:

“As raras qualidades que nele [Nabuco] concorrem, os seusdistintos talentos e o brilho com que desde muito se tem assina-lado na história política e na república das letras, me dão a certezade que, nesta nova e ele vada missão, ele concorrerá para manterainda mais cordiais, se é possí vel, as relações de boa e antigaamizade que felizmente existem entre os nossos dois países, e deque fará tudo quanto de si depende para poder merecer a honrade vossa estima e as simpatias do povo americano.”Nabuco não ficou atrás nos encômios, no ofício a Rio Branco,

em que dá conta da cerimônia da apresentação de credenciais.

“Não du vido um instante de que a minha atitude na CasaBranca, em 24 de maio de 1905, terá merecido a apro vação de V Exª assim como a do presidente da República. Posso dizer

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 373

Page 370: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

quando disse a este, recordando Washington, Monroe e Lincoln:no vosso cargo, Senhor Presidente, há horas que se tornam épo -cas, gestos que ficam sendo atitudes nacionais imutá veis.”27

 Ambos tinham razão: presidente e seu embaixador represen-ta vam um ponto alto na vida pública nacional.

O monroísmo de Nabuco, do qual não se afastou desde o iní-cio da sua missão, até que foi cortado pela morte, em 1910, tem sidobastante estudado e discutido. Há modernamente quem lou ve a condutaemoti va e racional de Nabuco para com os Estados Unidos, para justifi-car atitudes transigentes e demissionistas das nossas relações para com agrande república, em assuntos de interesse nacional.

Há, em pólo oposto, quem censure o ilustre representantebrasileiro, procurando ver, na sua concepção do monroísmo, um des viosentimental e literário, por isso mesmo irrealista e artificial.

Os dois julgamentos são parciais, e fundam-se numa visão de-formada de atitudes passadas, em função de elementos atuais.

Nabuco, com ser idealista, não deixa va de ser realista, e suaatuação na campanha libertadora dos escra vos é uma larga demonstra-ção desta afirmati va.

Recorde-se que a sua adesão incondicional ao monroísmo –entenda-se ao monroísmo tal como ele o concebia e não a doutrina dobig-stick do Presidente Roose velt – pro veio dos riscos de anexação territo-rial na América do Sul, em benefício das potências coloniais européias.

Para Nabuco, o monroísmo, reconhecida embora a predomi-nância norte-americana, não de via le var a uma política centralizada emWashington, senão que sua prática tenderia normalmente à multipolari-zação das influências. O isolamento étnico e histórico do Brasil (suasorigens portuguesas e monárquicas), bem como sua importância relati vaentre os países latinos, seriam de natureza a aumentar nossa influêncianessa progressão continental do espírito americanista. Esta era, em resumo,a concepção de Nabuco, que, considerada a alteração dos fatoresdeterminantes, parece válida até os nossos tempos.

Não há dú vida de que a apresentação da tese por Nabuco,seja em cartas particulares a amigos, dentro e fora do go verno, seja emdocumentos oficiais, era demasiado enfática e podia prestar-se a equí vocos

374 Afonso Arinos

Page 371: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de apreciação, como o que o le vou a romper com Oli veira Lima. Mas nãohá dú vida, também, de que os entusiasmos verbais de Nabuco eramdevidos à sua suspeita de que Rio Branco não acompanha va sua maneirade pensar. Le vado por essa desconfiança nas intenções do Barão, que,se fundada, representaria o fracasso da sua missão na América, Nabucoforça va a mão no monroísmo.

 A posição de Rodrigues Alves era de apoio leal ao seu ministroe de confiança admirati va no seu embaixador.

Na mensagem de 1906 escre veu:

“Tenho grande satisfação em ver que cada vez mais seestreitam as relações de cordial amizade entre o Brasil e osEstados Unidos da América. Concorrendo para isso, não tenhofeito mais do que seguir a política traçada, desde 1822, pelosfundadores da nossa Independência e in varia velmente obser vadapor todos os go vernos que o Brasil tem tido.”

 Nabuco, historiador político, sabia que isto não era totalmenteexato. Ele próprio, no seu li vro sobre a inter venção estrangeira durantea Revolta da Armada, critica va a ação do almirante norte-americano emáguas brasileiras. Quanto a Rodrigues Alves, vemos por outro trecho dacitada carta de 28 de fe vereiro a Nabuco, que ele, na presidência, esposava aposição do seu embaixador. Eis o trecho referido: “Li também o seulongo ofício confidencial ao Sr. Rio Branco. Há muito tempo que meimpressiona a pujança dessa grande nação, admirando a energia da raça, aousadia do esforço para progredir.”

 Admite “a con veniência de procurar estreitar com ela as nossasrelações de amizade”. Mais adiante obser va que esta opinião encontra vareser vas:

“Aqui nem todos acreditarão nas vantagens de umamais estreita cordialidade em nossas relações com os EstadosUnidos e muitos se assustarão ainda com a doutrina deMonroe.”Com o tempo essas idéias de Rodrigues Alves foram sofrendo

algumas modificações. Veremos, no momento próprio, que ele, no exercícioda última presidência de São Paulo, confiou ao caderno de notas umadú vida sobre a política de excessi vos compromissos com os Estados

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 375

Page 372: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Sua experiência de administrador, no campo interno, a lidarcom problemas econômicos e financeiros, lhe ensinara que os interessesnacionais falam muita vez mais alto que os sentimentos internacionais,por mais nobres que se jam. Vira o que era a finança estrangeira forçandoa baixa do café e a queda do câmbio, quando fora ministro da Fazenda. Vira, no caso do Acre, como a Secretaria de Estado, em Washington, deua entender a obrigatoriedade do seu apoio aos planos imperialistas doBoli vian Syndicate, com o argumento de que não podiam ficar desaten-didos interesses justos de cidadãos dos Estados Unidos. E veria mais tarde,quando presidente de São Paulo, durante a Primeira Guerra Mundial,como a sede de ganho dos especuladores americanos se encarniçou contraa nossa política cafeeira, a ponto de le var-nos quase ao craque.

Em resumo, Rodrigues Alves aceita va como normal a liderançacontinental dos Estados Unidos, e seria irrisório contestá-la. Reconhecia ainfluência benéfica dos melhores aspectos da democracia norte-americana.Sabia que o auxílio dos recursos dos grandes países era indispensá vel aonosso desen vol vimento, e isto ressalta das suas numerosas declaraçõessobre a técnica, o imigrante e o capital estrangeiros, desde seus temposde deputado, no Império. Não ignora va, como gestor das nossas finan-ças, que o eixo das nossas exportações se deslocara da Europa para a América do Norte. Mas, no final da sua experiência de estadista, con - vencera-se de que o go vernante deve sempre, na medida do possí vel,defender decisões nacionais para os problemas nacionais.

O INCIDENTE DA CANHONEIRA PANTHER

O expansionismo territorial, característico das metrópolescolonialistas, iniciara-se com o Estado mercantilista no século XVI eadquirira o apogeu com o Estado industrial do século XIX. Na primeirafase, o Brasil sofrera as conseqüências do mo vimento com as tentati vasfrancesas e holandesas das duas primeiras centúrias do regime colonial.

 A independência encontrou o apoio inglês, e o seu respeitopelo nosso território. Era mais fácil e mais barato para a Inglaterra exercero seu domínio atra vés do controle econômico e financeiro, sem ter dese preocupar com a organização interna do Estado, a não ser na medida

376 Afonso Arinos

Page 373: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A ordenação dos imensos territórios adquiridos na África, Ásia e Oceania pelas duas principais potências colonizadoras, a Inglater-ra e a França, era tarefa demasiado pesada. A posição defensi va dosEstados Unidos quanto à América Latina fazia com que àquele país sóinteressassem bases especificamente militares, como as ilhas do Caribe,o Panamá ou as Filipinas, pois territórios eles já tinham demais.

O grande risco, no princípio do século XX, era a Alemanha, vitoriosa na sua guerra com a França, unida em um só Estado pelasconseqüências daquela vitória, senhora de todo o mundo germânicoeuropeu, e em plena expansão industrial e na val. Chegando demasiadotarde na partilha dos outros continentes, a no víssima Alemanha lança vanaturalmente suas vistas para a América do Sul. Dentro dela o Brasil,pelo seu enorme território e pela sua posição geográfica, seria naturalmentea presa cobiçada.

São conhecidos os antecedentes das pretensões alemãs a umaparte do sul do Brasil. Elas duraram enquanto durou o expansionismoalemão, ou seja, de Guilherme II a Hitler. Somente o esmagamento doespírito prussiano de dominação na Segunda Guerra Mundial pôdeexterminar realmente aquele perigo.

 A Alemanha do princípio do nosso século mo via sua campa-nha em duas direções. Sabendo que não podia competir com a forçados Estados Unidos, não ousa va rei vindicações territoriais na Américado Norte mas organiza va os germano-descendentes, já então poderosose influentes a se oporem à doutrina de Monroe. Quanto ao Brasil, paísfraco, a propaganda anexionista era franca, às vezes afrontosa.28

O irrequieto Imperador Guilherme, que despedira Bismarck,mas pretendia seguir sua obra, fazia incursões dramáticas na política ex -terna, freqüentemente em questões coloniais.

Episódios como o do seu discurso às forças alemãs em partidapara a China, o gra ve incidente de Agadir (no qual en vol veu-se o mes -mo vaso de guerra que anteriormente ha via dado tanto o que falar noBrasil), e o próprio caso da Panther  no nosso país, ilustram a excitação arris-cada do homem que acabaria contribuindo, pela sua insensata ligeireza,para lançar o mundo na tragédia de 1914 a 1918.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 377

28 Contou-me certa vez meu pai que, encontrando-se na Suíça em 1911, protestouao ver um mapa alemão, no qual figuravam partes do sul brasileiro com o dístico

Page 374: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O caso daPanther numa caricatura deO Malho. Na legenda do desenho lê-se:O Brasil: – Para traz, pantera! Ou tu me

 dás uma satis fação d’aqueleataquebrutal quea tua gentefez àminha soberania, ou eu teabaixo a grimpa dos bigodes, ainda

 queseja preciso lutar atéa morte!! / R. Branco: – O meu protesto diplomático ressalva a dignidadenacional! Calma ! Firmeza! Energia! Não tarda o dia da reparação da afronta! Ai deles,seos nossos protestos não forematendidos!/ R. Alves: – Ahi,caboclo turuna! Ahi, Barão cuéra! É assimqueeu vos quero

ver contra qualquer fera do imperialismo insolente! –Coleção Álvaro Cotrim

Page 375: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O Direito Constitucional do Império alemão, construídoracionalmente por juristas autoritários como Laband, seria sempreinstrumento maleá vel para as loucuras bélicas daquele militarismo rapace,como foi mais tarde o Direito Constitucional do Terceiro Reich, elaboradopor homens como Carl Schmitt. No fundo o Fuehrerprin zip já existia, emgerme, na monarquia prussiana.

Compreende-se, assim, as dimensões que assumiu na emoçãonacional e no noticiário internacional o incidente de secundária importância,pro vocado pela canhoneira Panther , em no vembro de 1905. Costeando olitoral de Santa Catarina, em 27 daquele mês, o barco de guerra germânicoancorou por algumas horas em Ita jaí, tendo o capitão en viado à terrauma escolta, comandada por um oficial à paisana, para se informar sobreo paradeiro de certo desertor.

Sem dú vida, a iniciati va do comandante era despropositada,pois ele de via saber que só por intermédio das autoridades nacionais, nade vida forma, poderia encaminhar tal in vestigação.

Os fatos foram também exagerados, e logo se publicou que odesertor ha via sido preso pela escola estrangeira e transportado parabordo, o que não era exato. De qualquer forma, a importância do casotransbordou do incidente em si, e teve enorme repercussão na imprensae no Congresso, espalhando-se também pelos jornais europeus e ameri-canos, pre venidos contra a Alemanha.

Na Câmara dos Deputados foi apresentado requerimento deformação de comissão geral29 para ou vir Rio Branco. Segundo anotaRodrigues Alves, “o Deputado Érico Coelho maltratou muito o Dr. Joaquim Nabuco”. E acrescenta: “Hoje me confirmou isto o [deputado]Paula Guimarães. Érico disse que Nabuco não tinha valor e que emWashington ninguém fazia caso dele.”30

Diante de declarações tão ridículas, o presidente adquiria maiortolerância para os ataques com que esta va sendo, ele próprio, al ve jado.

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 379

29 A Comissão geral era constituída pelo próprio plenário, que passava a trabalharem regime de simples comissão, podendo proceder a sessões secretas. Os ministrospodiam ser convocados perante elas, o que não ocorria com o plenário.

30 Nota de 13 de dezembro. É digno de menção o fato de que Barbosa Lima, quefazia oposição a Rodrigues Alves e a Rio Branco, discursou na sessão de 7 de

Page 376: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rio Branco portou-se com notá vel decisão. Suas exigênciasde reparação moral ao embaixador alemão foram enérgicas, emboraapresentadas de acordo com o protocolo diplomático e o direito inter-nacional. A Marinha aparelhou e fez partir para o Sul três na vios deguerra, e o go verno não hesitaria em fazer hostilizar a canhoneira, casonão recebesse as cabais satisfações reclamadas.

 As explicações, amplas e satisfatórias, vieram da legaçãoalemã a 2 de janeiro de 1906, em nome do Imperador Guilherme.

Procedendo habilmente até o fim, o Barão ad vertiu Rodrigues Alves de que seria melhor não mencionar o caso na mensagem de maio.Segundo alegaram as próprias fontes alemãs, nunca o go verno de Berlimha via dado desculpas tão completas em um incidente diplomático.

Neste pequeno acontecimento, que empolgou durante um mêso meio político, ressaltou a presteza e energia com que o go verno defendeuos seus direitos de soberania, defesa sempre necessária quando parte de umpaís fraco, que os vê desconhecidos por uma grande potência.

Como sempre acontece em casos semelhantes, a imprensa,mal informada sobre as negociações que transcorriam em natural sigilo,passou a atacar rude e demagogicamente o go verno, principalmente naspessoas do presidente e do ministro do Exterior, como se eles esti vessemomissos ou timoratos em face da ameaça estrangeira.

 A idolatria pelo Barão parecia esfumar-se. O Malho qualifica-ode “pateta”. A maioria dos jornais passa a tratar o ministro desrespeito-samente. Assim procediam o Jornal do Comércio (José Carlos Rodrigues;redator pro vá vel, Tobias Monteiro), o Jornal do Brasil (irmãos Mendes de Almeida), A Tribuna (Antônio Azeredo) e oCorreio da Manhã (EdmundoBittencourt, e, principalmente, Leão Veloso, sob o notório pseudônimode Gil Vidal). Em defesa de Rio Branco, sóO País e aGa zeta deNotícias.Note-se que a imprensa procedia com independência. Ha via jornais,simpáticos ao go verno, que o ataca vam, no episódio, e outros, hostis,que o defendiam.

 A atitude mais surpreendente era, sem dú vida, a do Jornal doComércio, cujo diretor, José Carlos Rodrigues, era o chefe da imprensaconser vadora, além de amigo do presidente e do chanceler. Mas José

380 Afonso Arinos

Page 377: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

prestigioso, agia por sua própria conta. É o que se depreende da seguintenota de Rodrigues Alves, de 5 de fe vereiro de 1906:

“Disse-me o Sr. Rio Branco que tinha recebido tele-grama do Dr. José Carlos Rodrigues, de Paris, sobre a ati -tude do Jornal do Comércio na questão da Panther . O Barão seha via queixado por telegrama e o Dr. José Carlos disse-lheque ha via censurado os companheiros e que estes disseramque foram forçados a acompanhar a onda popular. O Ba -rão disse-me que ha via replicado, explicando tudo quantohou ve e batendo [sic] a tal história da onda popular, queera antes o jornal que queria irritar.”

Em nota anterior, de 12 de janeiro, o presidente já se ha viareferido às causas da atitude do jornal líder da imprensa de então:

“Mandei um filho à estação despedir-se do Dr. BeneditoLeite, que veio ontem despedir-se para o Maranhão. Na esta-ção o Dr. Graça Aranha disse a meu filho que a ‘vária’ deontem do Jornal era do Dr. Tobias Monteiro. Tinha-o procuradopara dissuadir o Jornal, folha conser vadora, de escre ver arespeito, mas não conseguiu. Anteriormente o Dr. Tobias seha via queixado a meu filho do caminho que a questão le va vae que o Barão esta va escre vendo demais ao Dr. [Luís] Barbosado Jornal. Pareceu-me despeito de preferências supostas aocompanheiro. Foi, aliás, o Jornal que alarmou a opinião, desdeo princípio, publicando notícias falsas e que se verificou nãoserem verdadeiras.”

Rodrigues Alves era apresentado como um dois-de-paus,alheio ao que se passa va em torno, quando, na verdade, esta va perfei-tamente informado das pro vidências, que ele próprio coordena va,entre o Itamarati e o ministério da Marinha, sempre fiel ao princípiosegundo o qual “os ministros faziam tudo o que dese ja vam, exceto oque ele não queria”.

No dia 8 de janeiro, o presidente, em Petrópolis, registra no seucaderno um artigo da Ga zeta deNotícias, em que sua posição no caso é

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 381

Page 378: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Assinalo isso somente para conser var um espécime damá vontade desta gazeta contra o go verno. Há muitos outrosnesse estilo.”

No dia 11 escreve:

“Os jornais da tarde de ontem e os da manhã de hoje,com exceção da Ga zeta deNotícias, falam mal da solução dadaao caso da Panther . A Tribuna de ontem trouxe um editorialsobre a epígrafe ‘Fiasco diplomático’. É o Salamonde quemestá escre vendo nesse jornal. Desde que tomou conta daredação, começou a mostrar má vontade ao go verno na questãoda Panther . Ainda não sei o moti vo dessa atitude. Foi o defensordo tratado de Petrópolis no País.” A excitação popular causada pelas explorações feitas em torno

da Panther  chegaram a assumir feição ameaçadora, semelhante à darevolta da vacina, em 1904, embora não tão gra ve. Vários dos implicadosna re volução da vacina en vol veram-se na conspiração para eliminarRodrigues Alves em 1906.

 A 30 de dezembro, em Petrópolis, o presidente escre via:

“Fui procurado pelo Padre Teodoro da Sil va Rocha, vigário,para dizer-me que tentarão contra a minha vida, e que ha viaplano para me assassinarem no dia 1º de janeiro, por ocasião darecepção. O assassino se misturaria com os diplomatas.Disse-me que era de confiança a pessoa que lhe ha via referidoisso. Agradeci, lembrando avisos que ha via recebido em outrascircunstâncias, e que procuraria me acautelar. Chegou-lhe a dizera tal pessoa que eu não de via descer no dia 1º.”Os boatos não cessaram com a solução diplomática. Afastado o

pretexto da Panther , ressurgiram os ódios indormidos. A 17 de janeiroanota va o presidente, que retornara a Petrópolis:

“Ontem, às 11 ½ horas da noite, fui despertado por umaviso telefônico do Dr. Seabra, pre venindo-me que subiriahoje e que eu não de veria sair de casa antes dele chegar. A natureza do aviso incomodou-me muito. O que seria? Era,com certeza, alguma coisa importante. Veio hoje, pela barca

382 Afonso Arinos

Page 379: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Polícia,31que lhe mostrara uma carta do bispo de Petrópolis,pre venindo-o de que tentarão contra a minha vida. O bispodiz na carta que foi procurado por uma senhora que lhe con -tou que um rapaz de dezoito anos, seu conhecido, esta va eminteligência com pessoas de São Paulo (3), que lhe darão 50contos; que por carta anônima fez constar a um outro que eusabia do que se trama va, mas teve por isso de descer daqui.Sabe que chegaram de São Paulo esses homens. O Dr. Seabra veio comunicar-me isso. Daqui telegrafou ao chefe de SãoPaulo, pedindo resposta e procura se entender com o bispo.Há dias tive uma carta anônima em que me aconselha vammuito cuidado e fazendo referências ao mesmo fato. Creioque é a mesma pessoa que escre veu para o Rio ao Chefe. Obispo deu explicações ao Dr. Seabra, que não foram muitopositi vas, mas é possí vel que sir vam para orientá-lo nasindagações a que vai proceder.”

 A CONFERÊNCIA PAN-AMERICANA DE 1906

Pode-se dizer que o grande espetáculo do pan-americanismoe também do monroísmo, no seu melhor sentido, vi vido pelo NovoMundo até as concepções oriundas das duas grandes guerras, foi a TerceiraConferência Pan-Americana, reunida no Rio de Janeiro, em 1906. Comela, Rodrigues Alves encerrou brilhantemente o setor de política externado seu go verno.

Grandes personalidades continentais encontraram-se na capitalfederal, remodelada e saneada pelo esforço nacional. O Rio já podia sermostrado com ingênuo orgulho aos estrangeiros, li vre da humilhantereputação que o fazia temido deles até pouco: labirinto de pântanos e vielas,onde a febre e a peste reina vam em meio ao fascinante cenário natural.

O Barão, que aceitara a Conferência com enfado e a assistiameio de fora, ferido tal vez pelo despeito de não se sentir ali a primeirapessoa, porém a segunda e tal vez a terceira, depois de Root e Nabuco,

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 383

Page 380: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

coloca va também o fecho da abóbada da sua grande gestão no Itamarati.Tudo o que fez em seguida, até a morte, em 1912, ou são sucessos demenor importância, ou aparece como resultado e desen vol vimento degestões iniciadas no quadriênio de 1902 a 1906.

Conseqüências são, como já ficou dito, os tratados de limitescom o Peru e a Colômbia. Acontecimento secundário embora estrondo-so e irritante, foi o telegrama número 9, que nos colocou em antagonis-mo com uma pessoa, Zeballos, e não com o seu go verno.

Existe, sem dú vida, a Conferência da Paz de 1907, na qual aação de Rui Barbosa, como comandante, muito de veu ao seguro timo-neiro Rio Branco. Mas, em virtude da personalidade avassaladora de Rui(cuja oratória era capaz de acender sentimentos fortes, ojeriza ou fana-tismo, enquanto a sabedoria do Barão só podia suscitar confiança erespeito), toda a glória da rumorosa presença brasileira em Haia deri voupara a figura do embaixador, apesar da importante participação doministro, demonstrada pelos estudiosos da sua obra. Ainda hoje, depoisdesses estudos, a lembrança de Haia e a imagem de Rui confundem-se.

O próprio Presidente Pena, na mensagem de 1908, faz-seporta-voz da opinião popular:

“Não preciso dizer-vos o inexcedí vel brilho com que oeminente estadista, jurisconsulto e orador representou o Brasilnaquela grande assembléia de nações. Todos vós sabeis e o sabea nação inteira, que o nosso ilustre compatriota não poupou es -forços para corresponder dignamente, como correspondeu, àconfiança que todos deposita vam no seu saber e patriotismo.”32

O Barão, que não podia menosprezar os seus esforços aolado de Rui, compro vados pelos telegramas a este remetidos, de via sentirferida a sua vaidade de primus inter pares na simpatia dos cariocas, tantopor Nabuco, em 1906, quanto por Rui, em 1907.

384 Afonso Arinos

32 Esse trecho é mais devido a Afonso Pena que a Rio Branco. O presidente nãoesquecera a parte que Rui tomara na sua candidatura, e o ministro, segundodepoimentos coevos, demonstrava certo tédio com as retumbantes homenagens à

Page 381: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Gastão da Cunha, que se tornara um dos seus mais próximoscolaboradores, e que tinha a memória maliciosa e a língua afiada, apra -zia-se em recordar pequeno fato, que assegura va autêntico, ocorrido nodia em que chega va Rui Barbosa da sua triunfal embaixada.

Segundo Gastão, Rio Branco compareceu à Rua São Clemente,mas mal entrou no interior da casa, preferindo deixar-se ficar sentado, entreamigos, em um banco do jardim. Aos poucos, admiradores iam deixandoas salas da mansão para virem alargar o círculo em torno a Rio Branco,enquanto Rui, inquieto, surgia vez por outra ao alpendre da fachada, parainspecionar os resultados da maliciosa manobra daquela sereia gorda...

Não de vemos esquecer, também, que os princípios geraisde direito defendidos polemicamente por Rui em Haia, principalmentea teórica igualdade jurídica entre os Estados, na questão do Tribunalde Arbitramento, só lograram oposição dos Estados Unidos, cujogoverno, colocado entre as realidades de Haia e as abstrações do Rio de Janeiro, optou, como era ine vitá vel, pelos seus próprios interesses.Nesse sentido, Haia foi, pela identificação dos Estados Unidos com asgrandes potências, a negação das concepções igualitárias do monroísmo,proclamadas por Root no ano anterior. Joaquim Nabuco, especialmentesensí vel a esta mudança, pela sua presença em Washington e pela suafé monroísta, não deixou de sentir bastante o brusco desmentido dassuas esperanças.

O Brasil não pleiteou diretamente ser sede da conferência. A decisão foi tomada por proposta do representante da Venezuela emWashington, possi velmente por insinuação do secretário de Estado, ElihuRoot, grande admirador de Joaquim Nabuco.

 A atitude de Rio Branco – vê-se pela correspondência oficiale particular de Nabuco – é desconcertante. Fecha-se em uma reser vade esfinge, acolhe com certo tédio a perspecti va e não abre uma frin -cha das suas intenções a Nabuco, que morre de inquietudes pelo riscoem que vê naufragarem a sua fé e o seu prestígio. Até as vésperas da viagem, Nabuco se angustia va sem saber se seria ou não incluído nadelegação do Brasil.

Os discursos do Barão ao abrir os trabalhos e ao encerrá-los,

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 385

Page 382: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de história diplomática, acentuando-lhes o caráter ób vio com a declaraçãode que sabia que eram lugares-comuns da diplomacia. No segundo, ironizasobre a eloqüência latina e leva a malícia (ou indiferença) até o ponto dedizer que a escolha do Rio para sede fora uma surpresa; que a cidade nãoesta va ainda preparada para receber tantos hóspedes ilustres (o que nãodeixava de ser um resmungo contra os de veres de hospedagem) e que asfestas e recepções excessi vas de veriam ter sido uma pro vação para eles.Para um homem de experiência e da finura de Rio Branco, estas expressõesnão podiam ser gafes. Eram demonstrações voluntárias de pouco caso. A saudação de Rio Branco a Root, no banquete a este oferecido, espanta pelasecura.33 É meia página de banalidades.

Rio Branco não parecia tirar da Conferência o rendimentopolítico que esta podia lhe dar. Aborrecido com a repartição de glóriasentre ele próprio, Nabuco e Root, esquecia-se de que os outros dois fi -gurantes do grande espetáculo contribuíam apenas para realçar o seupróprio brilho de astro-rei. O cientista e ad vogado internacional de 1895e 1900 aparecia em 1906, pela sua gestão no Itamarati, como o líderpolítico da América Latina.

E o que ele mais recea va verificou-se pela sua omissão. Passou aser, no Congresso, a terceira figura, depois de Nabuco e de Root.

 A importância da Terceira Conferência, se consideradasomente nos aspectos jurídicos e diplomáticos, foi modesta. Entre oscongressos pan-americanos ela é das que ocupam menor espaço nas expo-sições históricas de tais reuniões. Seu con junto de realizações é resumi-do e pouco marcante: ampliou as funções da União Interamericana(nome que trazia então a atual Organização dos Estados Americanos);remeteu para a Conferência de Haia o estudo das reclamações pecuniárias(assunto decorrente da questão recente entre a Venezuela e a Inglaterra,

386 Afonso Arinos

33 O mau humor do Barão para com os entusiasmos de Nabuco, durante aconferência, chegou a ponto risível. Contou-nos o Embaixador E. Chermont,então secretário de Nabuco, incumbido de se entender com o Barão, que este, às vezes, mal continha sua irritação. Certo dia, instruído pelo chefe para obterrecursos do ministro para a feitura de uma mesa de banquete com a forma das Américas, Chermont entreabriu timidamente a porta do gabinete, no Itamarati.Mal enfiara a cabeça pela fresta e o Barão lhe gritou, da sua mesa, rotundo e

Page 383: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

origem da doutrina de Drago); alterou con venções existentes sobremarcas de fábricas e propriedade artístico-literária; fixou a condição doscidadãos naturalizados e – foi a sua maior conquista – abordou oproblema da codificação do Direito Internacional, embora as opiniões arespeito fossem muito di vergentes. A criação, em 1906, da Comissão de Jurisconsultos, para le var avante a codificação, foi passo importantepara o trabalho futuro, que tantos resultados já deu. As contradiçõesintrínsecas da Conferência aparecem no fato de não ha ver ela sequerdiscutido a re volução pro vocada na Colômbia para formação do Estadodo Panamá, e a abertura do canal. Aquele acontecimento contradizia deforma demasiado contundente as declarações de respeito à igualdade e àsoberania dos Estados americanos.

O significado maior da Conferência foi a sua repercussãopolítica, de vida, em primeiro lugar, à presença do secretário de Estadodos Estados Unidos, que, pela primeira vez na história daquele país,empreendia uma viagem como titular do posto, e, depois, pela demons-tração de união continental em face das gra ves decisões da Europa,prenunciadoras da próxima catástrofe mundial.

 A viagem de Elihu Root, conseguida principalmente pelainfluência de Nabuco – que goza va em Washington de prestígio só igua -lado ao que desfrutou em Londres, no Império, o Barão de Penedo –foi acontecimento de magna importância. O secretário de Estado esten-deu sua excursão de boa vizinhança por vários outros países, depois daConferência, o que tornou mais estranho, se possí vel, o visí vel desinteressede Rio Branco.

 A resistência de Rio Branco ao congresso também era resultadodo seu decadente estado de saúde, como se vê desta nota de Rodrigues Alves:

“20 de julho. Desde ontem começou a aparecer a idéiade ser adiada para o dia 23 a abertura do CongressoPan-Americano, e hoje os jornais noticiam esse adiamento.Ontem o Dr. Pessegueiro34 veio em nome do Barão do RioBranco falar na con veniência desse adiamento. Recusei. Hoje

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 387

Page 384: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

ao meio-dia veio o Dr. Gomes Ferreira,35 insistindo emnome do Barão. Recusei ainda, mostrando a incon veniênciadesse adiamento, depois do esforço feito para concluir opa vilhão de São Luís que está pronto.36 À uma hora veio oDr. Assis Brasil dizer-me que não deixaria o Dr. GomesFerreira dar a minha resposta ao Barão antes de me falar. OBarão está muito doente e os amigos impressionados como seu estado. Os trabalhos do Congresso mortificam-no;tem ainda de preparar o seu discurso, etc. Não deixei con -cluir e disse que, uma vez que me fala va no estado desaúde do Barão, nada mais tinha a dizer, lamentando só ofato. Será, pois, adiado o Congresso para 23.”

Rodrigues Alves, aliás, já sabia da doença do Barão, pois, noarqui vo deste, existe mensagem do presidente, fazendo votos pelas suasmelhoras.

 A preocupação da imprensa carioca com a Conferência eragrande, e manifesta va-se desde antes da sua abertura. Diziam algunsque a delegação brasileira era fraca, de vido à notícia de que, con vidadoa integrá-la, Rui Barbosa ha via declinado. Na verdade trata va-se deuma brilhante delegação. O chefe era Nabuco, que tinha como delegados Amaro Ca valcânti, ministro do Supremo Tribunal; Assis Brasil,ministro na Argentina; Gomes Ferreira, ex-ministro em Washington;Pandiá Calógeras, deputado; Gastão da Cunha, ex-parlamentar e entãoassessor de Rio Branco na questão com o Peru. Outras personalidadesintegrantes da delegação eram Xa vier da Sil veira, Fontoura Xa vier, Graça Aranha e Ola vo Bilac. Seria possí vel um elenco de nomes mais brilhantes?

Rui Barbosa e Joaquim Murtinho, con vidados desde junho,ha viam recusado participar da delegação. Rodrigues Alves recomendouao Barão que escre vesse a Murtinho aceitando a renúncia, feita por

388 Afonso Arinos

35 Gomes Ferreira, ministro plenipotenciário em Washington, quando da criação daembaixada.

36 Atual Palácio Monroe, pavilhão do Brasil na exposição de São Luís, nos EstadosUnidos, em 1904. Naquele palácio reuniu-se a Conferência. Só com parecer deRui Barbosa, no Senado, foi aberto o crédito para as obras feitas no palácio.

Page 385: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

escrito, e le vada ao presidente por Domício da Gama. A propósito, opresidente anota, em 1º de junho:

“Ontem, nas ‘várias’ do Jornal do Comércio, forampublicadas a carta do Dr. Joaquim Murtinho ao Sr. Rio Branco,escusando-se da representação no Congresso Pan-Americano,por causa da atitude do presidente da República no caso deMato Grosso, e a resposta deste ministro. Os jornais não seocuparam do incidente, exceto A Tribuna que disse umastolices37 como de costume, mas um tanto desapontada.Impressionou mal a carta do presidente do Senado [JoaquimMurtinho], escusando-se de um cargo ele vado com o pretextode di vergências de caráter local. Não me referi realmente aoDr. Murtinho, que é, na política de Mato Grosso, uma espéciede figura de proa. O chefe é o irmão38 que dizem ser rancorosoe violento, apesar de juiz do mais ele vado tribunal do país.O outro entra só com o prestígio do nome.”Serviram como secretários os jo vens José de Paula Rodrigues

 Alves e Raul do Rio Branco, filhos do presidente e do ministro do Exterior.Carlos de Laet, Afonso Celso e Andrade Figueira, saudosistas

do antigo regime, não poupa vam Nabuco, considerado trânsfuga damonarquia. Oli veira Lima, mais latino-americanista, rosna va contra osexcessos monroístas do embaixador em Washington.

No dia 23 inaugurou-se a Conferência com grande brilho, nonovo palácio, da nova Avenida, da nova cidade. O presidente relata:

“24 de julho. Teve lugar ontem a inauguração do 3ºCongresso Pan-Americano. A inauguração se deu no pa vilhãode São Luís, que ficou concluído no dia 21, por um prodígiode ati vidade do General Aguiar. Ha via completa increduli-dade sobre a possibilidade de terminação das obras e, porisso, a inauguração foi um sucesso. O jardim lateral foi outramaravilha, de vida ao esforço do Dr. Frontin. Hou ve na Avenida um grande, um extraordinário concurso de povo e aimpressão foi magnífica. O Sr. Rio Branco fez um excelentediscurso, e toda a notícia dada pelos jornais do dia atestou aregularidade e o brilho da festa.”

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 389

37  A Tribuna obedecia à orientação do Senador Antônio Azeredo, de Mato Grosso.

Page 386: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A delegação brasileira à Con ferência Pan-Americana do Rio deJaneiro, presidida por Nabuco. Da esquerda para a direita, emcima: Assis Brasil, JoaquimNabuco, Gastão da Cunha; na parte

central: Xavier da Silveira, Amaro Cavalcânti, Pandiá Calógeras; embaixo: Alfredo deM.Gomes Ferreira e Fontoura Xavier. Foto da revistaRenascença.

Coleção Plínio Doyle

Page 387: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Root goza va de toda a confiança do Presidente Roose velt,que preferiu escolhê-lo secretário de Estado em lugar de Taft, futuropresidente e juiz da Suprema Corte. Quando chegou ao Brasil, o Secre-tário Root já cumprira variada vida pública. Fora secretário da Guerra,administrador de Cuba, Porto Rico e ilhas do Pacífico e participara denegociações internacionais.

Sua tarefa, contudo, não era fácil na Terceira Conferência.Cumpria-lhe fornecer à América e ao mundo uma imagem dos EstadosUnidos, que apagasse aquela pro vocada pela agressi vidade do seu jo vempresidente.

De resto, a política do big-stick não era produto pessoal dapersonalidade de Theodore Roose velt. Ela decorria necessariamentedas condições dos Estados Unidos e do resto do mundo, na época. Emprincípios do século XX, a grande república havia praticamenteterminado a obra de reconstrução de uma economia devastada pelaGuerra de Secessão; seu progresso industrial a havia tornadoprovavelmente a maior potência militar e financeira uni versal; aimigração em massa da segunda metade do século anterior aumentava e variava a sua população. Nova Iorque superava Londres e Paris emefetiva importância; todo o Oeste estava integrado; em suma, atingidosos limites do expansionismo interno, era inevitável o expansionismointernacional. E este havia de se produzir nos estilos da época doimperialismo, isto é, colocando abertamente a força material ao lado dapenetração econômica.

Mas, por outro lado, os Estados Unidos ansia vam por apre -sentar ao Continente a sua face amistosa e pacífica. Nada que lembrasseos precedentes do Canal do Panamá, ou a emenda Platt, da constituiçãode Cuba.

Falando na Conferência, em discurso muito lou vado, Rootentoa a homilia da boa vizinhança:

“Não dese jamos mais vitórias que as da paz; nem terri-tório algum fora do nosso; nem mais soberania que a soberaniasobre nós mesmos. Acreditamos que a independência e aigualdade de direitos do menor e mais fraco membro da

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 391

Page 388: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

do maior império e executamos a obser vância desse respeitocomo a garantia principal do fraco contra o forte.”

Root e Nabuco foram as personalidades de primeiro plano daconferência. Ainda recentemente (1970), Alceu Amoroso Lima recorda- va que, jo vem estudante em 1906, teve verdadeira emoção ao encontrar,certa tarde, os dois grandes diplomatas flanando sozinhos pela reno vadaPraia de Botafogo, então a porta ci vilizada da cidade em direção ao sul.39

Rubén Dario, já então feste jado em toda a América Latinacomo o grande poeta do continente, integra va, na qualidade de secre-tário, a delegação da Nicarágua. Em conferência escrita em 1912 sobre Joaquim Nabuco, o poeta manifesta a grande auréola de respeito e glóriaque cerca va o embaixador brasileiro. Dario via jara no na vio inglês quetrouxera Nabuco e outros delegados.40 Fala da curiosidade com que ospassageiros se acercavam de Nabuco “el gran senõr, un gran señor deotrostiempos”. Nabuco vinha corrigindo, a bordo, as pro vas do seu li vro Pensées detachées et souvenirs.

Sobre a visita de Root, Rubén Dario escre veu uma espécie deode em lou vor da águia americana. Nesse poema, composto no Rio de Janeiro em 1906, o grande poeta revê de certa maneira a posiçãoantiianque que assumira na poesia sobre Theodore Roose velt, compostaem Málaga, Espanha, no ano de 1904. A Roose velt, dizia: “Tende cuidado!Há mil filhotes soltos do leão espanhol!” Mas, falando à águia, dizia queela tinha “nas garras uma palma de glória e no bico a oli veira de uma vasta e fecunda paz”.

 A atmosfera da Conferência funciona va sobre o poeta. Maistarde, em poema dedicado à esposa de Leopoldo Lugones, compostoainda em 1906, mas depois de deixar o Brasil, Rubén Dario, sem dú vidaa maior figura intelectual da Conferência, depois de Nabuco, fornece os

392 Afonso Arinos

39 Botafogo estava no auge do prestígio. A enseada, com as obras terminadas, era oesplendor do Rio. À noite reuniam-se milhares de pessoas pelo cais e pelas alamedas.Pelas pistas desfilavam luxuosas carruagens de cavalos e os primeiros barulhentosautomóveis. Bandas de música militares alegravam o povo.

40 Nabuco teve acolhimento triunfal no Rio de Janeiro. Rodrigues Alves escreveno seu caderno a 17 de julho: “Chegou o Joaquim Nabuco. Teve uma boa

Page 389: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

mais interessantes pormenores sobre reações pessoais que lhe pro vocouo congresso diplomático carioca. Sentiu “um calor atroz” mas encan-tou-se com a nova capital brasileira. Foi feste jado pelos escritores, ocolorido tropical, deslumbrou-o e ninguém temia mais o vômito negro,pois “ya no existealla fiebreamarilla”.

Cabe lembrar ainda que, durante sua passagem pelo Rio em1906, Dario dedicou duas quadras – pobres quadras – a Machado de Assis. Voltemos a Root.

Sucediam-se festas e homenagens em honra do secretáriode Estado, ora nos salões residenciais, ora nos pitorescos arredores.Grande recepção popular no dia da chegada, jantar e baile no Itamarati,excursão a Petrópolis, passeios à ilha Fiscal e à Ti juca, subida aoCorcovado, brilhante manifestação estudantil, corridas, jantar noCatete, comparecimento à Câmara e ao Senado, seguiram-se em cordialanimação.

 A propósito da recepção oferecida no Catete, na noite de 27,anotou o presidente, no dia seguinte:

“Deu-se ontem, em palácio, a recepção oferecida ao Sr.Root e Congresso Pan-Americano. A idéia era, a princípio,fazer a recepção expressamente para o Sr. Root e os con vitesforam assim feitos, mas os membros do Congresso (Nabucoe Assis) disseram que os congressistas esta vam se queixandodas festas a Root e do abandono em que esta vam ficando eachou-se melhor tirar dos con vites o nome de Root, falando[sic] simplesmente em uma recepção do presidente. A festaeste ve admirá vel. Muita gente, muita luz, muita flor. Os jornaisfalaram bem da festa. O Jornal do Comércioescre veu uma ‘vária’dizendo que nem a festa da coroação de Eduardo VII foisuperior. A impressão de todos foi que a festa teve grandemagnificência. Cho veu às 11 horas.” Afonso Pena, presidente eleito, viera de São Paulo para

homenagear o secretário norte-americano, interrompendo assim sua visitaàquele Estado. Comparecera ao banquete do palácio e presidira à sessãodo Senado, a que Root compareceu.

Na noite de 3 de agosto, Root seguiu para Santos, com a

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 393

Page 390: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

pessoalmente a bordo para despedir-se, acompanhado das filhas e dospessoalmente a bordo para despedir-se, acompanhado das filhas e dosseus ministros.

De São Paulo, onde foi também muito feste jado, Root partiua 7 de agosto, para Monte vidéu e Buenos Aires.

Rodrigues Alves, queixoso de Tibiriçá, presidente do Esta -do, que o combatera recentemente, quando do Con vênio de Taubaté41

(e que agora pensa va em rompimento), não deixa de anotar o que lhecontara Antônio Prado.

“A propósito da visita de Root, de quem falou muitobem [Antônio Prado] contou-me vários episódios para mos -trar o pouco jeito de Tibiriçá. Recebendo Root e Griscon [oembaixador] no palácio, deixou este ficar de pé na sala, e sómuito depois fez com a mão sinal para se assentar. Grisconqueixou-se por isso e outros fatos e quis mesmo se retirarlogo da capital, mas ele, Prado, falou ao Nabuco e este, emcon versa com o Tibiriçá, sugeriu alguma coisa que desfezaquela impressão. Disse que a casa em que Root se hospedouesta va muito bem arran jada: todos da família42  deram osmelhores ob jetos que tinham para a decoração. A Sra. Root,entrando nos seus cômodos, disse que a dona da casa eracom certeza uma parisiense, porque só em Paris se via coisaigual no arran jo do leito, etc. O Tibiriçá agradeceu por carta acasa em termos muito singulares: ‘Agradeço a cessão da casapara a aposentaçãodo Sr. Root e senhora e os familiares para a viagem à fazenda,43 Como é ridículo o homem! Foi o Pradoque me referiu isto, para me mostrar o valor do presidente deSão Paulo, de que, a princípio, tinha formado bom juízo.”

 Vê-se que Rodrigues Alves amarga va a derrota que sofrera com aimposição, por Tibiriçá, à candidatura de Bernardino de Campos.44

394 Afonso Arinos

41 V. adiante a exposição deste assunto.42 Família Prado.43 Fazenda de Santa Veridiana, dos Prados.

Page 391: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rodrigues Alves ficara satisfeito com o brilho da Conferência,que se transformara em uma espécie de consagração continental aoseu go verno. Confia ao seu caderno:

“A visita constituiu um acontecimento internacional eo Brasil está sendo obser vado pelo mundo com atenção einteresse. O discurso de Rui, no Senado, assinalou comeloqüência o alto valor desse acontecimento na vida daRepública.”

 A recepção do Senado fora a 2 de agosto, véspera do embarquede Root. Introduzido na tribuna diplomática por Pinheiro Machado,Ramiro Barcelos, Alfredo Ellis, Alexandrino de Alencar e Pedro Borges,o Secretário Root  vê assumir a tribuna o senador baiano, que profereuma das suas grandes orações, da qual o homenageado só deve tertomado conhecimento ao ler a tradução. Inicia o tribuno:

“Oito dias há que a sua estada entre nós enche este país,transporta esta capital, al voroça as nações vizinhas e fixa nesteobscuro ponto do mundo os olhos da Europa.”

Entrando a seguir na história política americana, na sucessãodos seus grandes homens, Rui esta va como peixe na água. Era o seudomínio predileto. Discorrendo sobre a matéria em tempo tal vez excessivopara as circunstâncias, Rui terminou propondo que o Senado se transformasseem comissão geral, a fim de que Root pudesse ter entrada no recinto, oque foi feito, tomando o visitante lugar à mesa.

Depois de bre vemente saudado em língua inglesa peloSenador Alfredo Ellis, Root fez um notá vel discurso, no qual analisa asfunções do Senado e insiste na sua missão de paz, terminando pormanifestar sua admiração pelo novo Brasil.

Com a partida do secretário de Estado, empalidece o brilhoda Conferência, aquele clarão final que iluminou para o mundo o vitorioso

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 395

Page 392: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

RELAÇÕES ENTRE RODRIGUES ALVES ERIO BRANCO

Luiz Viana Filho, na biografia de Rio Branco, fundado emdepoimento pessoal, informa que, até 1902, o ministro não conheciapessoalmente o presidente a quem ia ser vir. Realmente isto é verdade, sepensarmos no conhecimento direto entre os dois homens. Mas é possível,e mesmo pro vá vel, que Rio Branco ti vesse conhecido Rodrigues Alves quando foram contemporaneamente alunos do Colégio Pedro II.O Rio era uma pequena cidade, os estudantes do educandário constituíamreduzido grupo, e mesmo a diferença social que os separa va (Rio Branco,filho de político importante, Rodrigues Alves, filho de humilde imigranteportuguês), não impediria, pro va velmente, que o jo vem Juca Paranhosti vesse se apercebido do brilhante “menino de Guaratinguetá”. Isto,porém, são con jeturas difíceis de pro var.

 A ascensão política dos dois homens foi, porém, fazendo-osnotórios um ao outro. Ambos eram monarquistas e conser vadores, e vieramser vir à República em funções de destaque. Rodrigues Alves sem nunca sairdo Brasil, o Barão sem nunca deixar o estrangeiro, foram se acompanhandode longe, com toda segurança. A fixação do nome de Rio Branco, poriniciati va pessoal do presidente, era pro va de sua alta opinião do homem. Ea aceitação de Rio Branco, com todos os sacrifícios que lhe causou,demonstra va o respeito dele pelo chefe de Estado.

Sem nunca se tornarem íntimos (nem o presidente nem oministro foram jamais de intimidades), passaram a se estimar respeitosamente. Apesar de mais moço, a personalidade de Rodrigues Alves desperta vano Barão, cortesão no melhor sentido monárquico da pala vra, uma espéciede veneração. Vários pequenos episódios, narrados pelo filho e chefe da CasaCi vil da presidência, confirmam essa afirmati va. Vá um como exemplo.

Rio Branco, terrí vel fumante, não ousa va fumar diante dopresidente. Nos seus freqüentes despachos, arran ja va pretextos paralevantar-se e ir puxar umas tragadas no corredor. Percebendo isso, opresidente mandou pro videnciar alguns maços do cigarro usado peloBarão e, no primeiro despacho, colocou-os, ele próprio, sobre a mesa,diante da cadeira do ministro. Parece que o Barão acendeu com naturalidade

396 Afonso Arinos

Page 393: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O fato de serem ambos viú vos e com filhas, era outro elementode contato entre os dois homens. Sem se freqüentarem muito assiduamente,as duas famílias mantinham as melhores relações e trocavam cortesias, noRio e em Petrópolis. Rodrigues Alves sempre con vida va Hortênsia, a filhaquerida do Barão, para as cerimônias sociais do palácio, onde hou vessesenhoras. Assim procedeu até para o banquete de 31 de outubro de 1906,dado em despedida ao ministério. E, a 17 de no vembro, dirige-se ainda aoBarão, desculpando-se por não ha ver, com a família, se despedidopessoalmente dele e de Hortênsia.

Quando tinha de tomar uma decisão que não fora recomendadapelo seu ministro, o presidente fazia-o com explicações. Em telegrama de17 de julho de 1903, expedido para Petrópolis, assim se exprime:

“EX.MO SR. B ARÃO. TIVE QUE ME CONFORMAR COM AS

INDICAÇÕES DO SR. MINISTRO DA GUERRA, PROMOVENDO

O SR. [....] QUE É O MAIS ANTIGO DA LISTA [....]. PEÇO

DESCULPAR AO AMIGO E COLEGA F. P. R ODRIGUES A LVES.”

 Às vezes pedia o interesse do Barão para alguns políticosprestigiosos, como Carlos Peixoto, ou Cardoso de Almeida, cujoapoio lhe era necessário. Informa va sobre o andamento de men -sagens que interessassem à pasta, como a de designação de diplomatas,inclusi ve Enéias Martins (1904); acompanha va o empenho de verbasdestinadas à construção do edifício anexo ao Itamarati (o que ficasobre o jardim interno, à esquerda de quem se encontra no fundo),obra plane jada pelo engenheiro Comendador Bezzi, velho amigo doBarão.

Rio Branco também era muito delicado nos pedidos, como se vê de carta de 17 de no vembro de 1903, em que solicita a promoção dooficial do Exército Andrade Ne ves, neto do Barão do Triunfo.

 As relações entre o ex-presidente e o permanente ministrocontinuaram cordiais, depois do quatriênio.

Em 1907, quando de sua única viagem à Europa, Rodrigues Alves escre ve ao Barão (7 de julho) dando notícias da sua excursão e

  Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 397

Page 394: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

De Nice, en via carta a 23 de março de 1908. Vinha da Itália,onde passara dois meses. Cumprimenta o Barão pelo êxito da delegaçãobrasileira à Conferência de Haia. Relata, depois, o seu encontro com VítorManuel III. O rei lhe dissera ha ver conhecido o Barão em Berlim. Emseguida vinha esta nota curiosa:

“Falou-me também na sentença que deu na questãodas Guianas, parecendo-me, pela insistência com que se refe-riu ao assunto, que tinha o intuito de apagar ressentimentospor ventura existentes de nossa parte. Limitei-me a dizerque o Brasil recebeu com muito respeito a decisão e sódevia reconhecimento a S. M., por ha ver aceitado a missãode julgador”.

Em abril de 1909, Rio Branco recebeu homenagens nacionaispelo seu ani versário, ocorrido no dia 20. Desta mesma data é o telegramade Rodrigues Alves, en viado de Guaratinguetá, solidarizando-se comelas.

Em 1911 surgiu ameaça de inter venção federal em SãoPaulo, fomentada por Pinheiro Machado, que queria a todo custo evitar aposse de Rodrigues Alves no go verno do Estado, pro va velmenteporque, astuta raposa, percebia que a volta à ati vidade política do imperialConselheiro seria o fim das suas aspirações presidenciais de caudilhorepublicano. O Presidente Hermes, abúlico e submisso, acompanha vaos planos de Pinheiro. Mas Rio Branco, tão responsá vel pela candidaturaHermes, colocou-se ao lado do seu antigo presidente.45

Essa última atitude do Barão deve ter sensibilizado aqueleque, pela obstinada confiança, completara a sua glória.

Nas notas pessoais de Rodrigues Alves, existe esta, não datada,que marca o fim das suas relações com o ex-contemporâneo do Pedro II, oadmirado defensor do Brasil no estrangeiro, o insuperá vel ocupante doItamarati:

“Rio Branco – Faleceu a 10 de fe vereiro de 1912, àsnove e meia da manhã, tendo uma agonia lenta e dolorosa.

398 Afonso Arinos

Page 395: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf
Page 396: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Os seus funerais, realizados poucos dias depois, foram deuma pompa extraordinária. O país inteiro prestouhomenagem ao grande brasileiro. Não me lembro de ter vistocoisa igual.”

O “grande brasileiro”, como o denominou com acerto opresidente, seria sempre grande pelas suas vitórias diplomáticas, nas questõescom a Argentina e a França. Mas, hou vesse ele permanecido e morridona Europa, como pretendia, não teria alcançado a glória nacionalimorredoura que lhe ilumina o nome. Seria este menor que o do pai,quando, hoje, de muito o supera. Ele não tinha condições para, comoNabuco, erigir a sua própria estátua, ao construir o monumento literáriodo pai. Se não foi um escritor do porte de Nabuco, nem orador dasdimensões de Rui, não pôde ser tampouco um historiador da estaturade Varnhagem. Não sendo estadista, nem escritor, nem orador, nemhistoriador, nem político, Rio Branco teria ficado na história diplomática,mas não no panteão nacional. Ele foi um dos maiores brasileiros do seue de todos os tempos, porque pôde dar, voltando ao Brasil, a medidadas suas qualidades excepcionais de diplomata, e popularizar a sua rica esedutora personalidade humana. O coroamento da sua obra e da sua vida foi a longa gestão no Itamarati. E ele, que não a dese ja va decomeço, de ve-a afinal ao chefe que o con vocou, para morrer na pátria esobre vi ver na sua memória.

 400 Afonso Arinos

Page 397: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo Segundo

 As grandes reformas – Passos ea renovação do Rio deJaneiro – Lauro Müller easobras do porto – O Canal do Mangue– Frontin ea Avenida Central.

 AS GRANDES REFORMAS

 A   re volução nacional empreendida pelo governoRodrigues Alves concentrou-se principalmente na con jugação de planos emedidas urbanísticas, sanitárias e portuárias executadas na capital daRepública. Os obser vadores menos informados, ou mais ligeiros, nãodeixam de comparar o pequeno centro da dramática ação go vernati vacom o imenso território do país, para concluir daí que Rodrigues Alvesfoi uma espécie de grande prefeito municipal. Essa concepção restriti vadeve ser re jeitada, e o será, seguramente, por quem avaliar com ob jeti vidadeos aspectos mais gerais e profundos dos fatos históricos e não a suaaparência imediata e visual.

 A escassa população brasileira daquele tempo, a insuficiência dostransportes (pequena rede ferro viária e quase inexistente sistema rodoviário),a economia da exportação, tudo vinha aumentar desmedidamente aimportância das cidades marítimas, dos portos de mar. A circulação depassageiros e cargas entre o Norte e o Sul fazia-se somente por na vios; esem na vios não poderíamos exportar o café, a borracha e outrosprodutos de que dependia a entrada das importações indispensá veis à

Page 398: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

trabalhar no vas terras no oeste paulista, nos altiplanos do Paraná. Sem omar, sem os portos, sem as poucas cidades da costa, que se entreabriamcomo portas estreitas do desmesurado território, o Brasil não podia viver.

 Acontecia, porém, que os dois mais importantes portos dopaís, Rio de Janeiro e Santos, aqueles que centraliza vam o comércio deexportação, a vida bancária, o embarque e desembarque da mais valiosaprodução, bem como a entrada de estrangeiros, eram centros abomináveisde doenças infecciosas, lugares de lúgubre notoriedade no país e emtodo o mundo.

O caso do Rio de Janeiro, o Distrito Federal, a capital daRepública, era especialmente gra ve.

Um dos dois principais, se não o principal centro econômico efinanceiro do país; o seu núcleo mais populoso; sede e cabeça política eadministrati va do Brasil; depósito e estuário da cultura nacional na litera-tura, no jornalismo, nas artes, na educação, a cidade atraía e repelia aomesmo tempo. Ninguém podia gabar-se de ter um nome ou uma situaçãonacional, se os não conquista va na velha capital da Colônia e do Império. A tribuna parlamentar forma va os go vernantes, ou as estrelas políticas; ascolunas dos jornais cria vam a fama dos poetas, romancistas e teatrólogos;os salões sociais lança vam as belas mulheres ou os homens de espírito; osescusos escritórios nas vielas estreitas, ocupados pelos bancos e empresas,cria vam ou derruba vam potentados, do Visconde de Souto ao Barão deMauá, do Conde de Figueiredo ao Conde Modesto Leal.

Este era o lado positi vo. Mas o lado negati vo infundia medo,para temperar as ambições. A morte reina va sobre a extensa capital, eela aparecia à imaginação dos brasileiros e estrangeiros como uma enfermamiserá vel, estendida em um luxuoso leito natural.

Sob o Império, artistas visitantes morreram de febre, causandoconsternação e vergonha. O corpo diplomático refugia va-se grandeparte do ano em Petrópolis, porque a experiência ensinara que na serraas garantias eram maiores. Também os brasileiros, quando podiam,evita vam a cidade letal. Eduardo Prado, que tinha horror à febre amarela,fugiu de dormir aqui, na sua última visita ao Rio, regressando a SãoPaulo no mesmo dia da chegada, mas já ferido de morte Rio Branco

 402 Afonso Arinos

Page 399: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

para aqui ficar durante a boa estação. Como também vimos, no dia mesmoda sua chegada rumou para Petrópolis e lá, praticamente, tinha o seudomicílio familiar, enquanto durou a febre. Rodrigues Alves também fica valongas temporadas em Petrópolis, prolongando o verão presidencial tantoquanto lhe era possí vel, principalmente depois de que dispunha do PalácioRio Negro.

No verão de 1903, O Malho critica va Rodrigues Alves pelofato de ter se refugiado em Petrópolis, aonde não chega va a febre, dei-xando o povo da capital entregue a ela. Na verdade foi Rodrigues Alveso presidente que oficializou, na República, o verão petropolitano.1

Quanto aos estrangeiros, era geral o pa vor que lhes infun-dia o clima do Rio no verão. O poeta suíço Ferdinand Schmidt(1823-1888), hoje esquecido, mas que teve notoriedade européia como pseudônimo de Dranmor, compôs sobre o assunto um poema queo jornalista teuto-brasileiro Carl von Koseritz recolheu em um li vroescrito quase todo no Rio e do qual fizemos esta tradução de alguns versos expressi vos:

 Rio deJaneiro! Na avançada Hora crepuscular repousas, já vencida, Aconchegada à seqüência demontanhas, Des falecendo, depois da fadiga quentedo dia.

 Agora, atéquedespontea manhã, Atéqueos galos cantemsobreos tetos, A mortevai espiar as vítimasQuea sortehojelhereservou.

Oh! sombra, sobrea imagemencantada.Cores escuras pousamsobreos campos eflorestas,O mal da natureza paira, poderoso,Sobrea florida super fícietropical.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 403

1 Em 1903, Rodrigues Alves esteve em Petrópolis de 19 de fevereiro a 7 de maio;em 1904, de 21 de janeiro a 7 de maio; em 1905, de 22 de janeiro a 11 de abril; e,no verão seguinte, de 18 de dezembro de 1905 a 7 de maio de 1906. (O Verão

Page 400: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O poder supremo

 DesteImpério não édenenhumHerodes,

 No entanto éa terra da mortediária,

Túmulo insaciável do estrangeiro.2

 A febre desembarcara no Rio em meados do século XIX, e seestabelecera para ficar. Mas, com o andar da centúria, progrediram tambémas ciências médicas e a higiene pública. O interesse de Pedro II pelaobra de Pasteur era pro va da confiança que os go vernantes brasileirostinham na ciência. Todos acredita vam que, sem o saneamento do Rio, opaís não se desen vol veria, não se ci vilizaria, e todos sabiam que só pelaaliança da ciência com a administração o Brasil se veria li vre do humi-lhante obstáculo ao seu progresso. Mas o saneamento não seria atingí velsem uma reno vação da cidade, cuja massa predominante era ainda colonial. As ruas e becos sem sol, os casarões úmidos e sombrios, as praias cheiasde detritos, tornavam impossí veis o transporte rápido, o comérciolimpo, a iluminação e aeração adequadas dos logradouros públicos eambientes fechados. Portanto, ao higienista do futuro de veria juntar-se ofuturo demolidor e construtor, ambos prestigiados e defendidos por umestadista capaz.

Falta va o encontro de vontades, de energias, de homens: ogo vernante, o cientista e o engenheiro. Isto ocorreu naturalmente quandoRodrigues Alves se encontrou com Francisco Passos, Lauro Müller eOsvaldo Cruz.

Desde o Império que se prepara va esse encontro, mas ascondições necessárias ainda não tinham amadurecido.

O urbanismo imperial era ronceiro e tímido, tal vez porqueos meios técnicos do tempo não permitissem coisa melhor. O imperador,homem de li vros e de con versas, não simpatiza va com as grandes obrasmateriais. Dizia-se que ele costuma va afirmar que temia muito o“Haussmannismo”. Em todo caso foram instalados esgotos embairros da cidade, assentaram-se trilhos para os bondes de burros, cuidou-sedo abastecimento de água encanada, pensou-se freqüentemente em arrasar

 404 Afonso Arinos

2 Dranmor está na história da literatura suíça. Sobre sua presença no Brasil v. o

Page 401: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

morros do Castelo e Santo Antônio, na esperança de que os espaços aber -tos permitissem, com a ventilação, a melhoria do estado sanitário. Mas o

que se fazia era pouco; o mais importante fica va em planos irrealizados.

Em 1886, sendo presidente do Conselho o Barão de Cotegipee ministro do Império o Barão de Mamoré, foi expedido, a 3 de fe verei-ro, o Decreto nº 9.554, que reorganiza va o ser viço sanitário do país. Naresposta à fala do trono daquele ano, redigida por Ferreira Viana, RodrigoSilva e o Barão de Lucena, admite-se que, executadas com perse verançaas disposições daquela lei, “desapareceriam as causas da in vasão periódi-ca de moléstias epidêmicas”.

Na fala do trono de 1887, Pedro II referiu-se à epidemia decólera que in vadira Corumbá e aludiu aos estudos referentes ao sanea-mento do Rio, solicitando à Assembléia Geral que resol vesse sobre “tãoimportante assunto”.

Em 1888, na resposta à fala daquele ano, a Câmara insistiu nanecessidade de resguardar a saúde pública por meio de medidas como “osaneamento da capital do Império, apro veitando-se os planos e estudosexistentes”. No discurso de encerramento da mesma sessão legislati va, disseo imperador: “A salubridade pública e, sobretudo, o saneamento da capitaldo Império recomenda-se aos vossos cuidados.” Pala vras significati vas, seconsiderarmos o laconismo in variá vel das falas do trono.

Depois da República, deu-se um passo muito importante naadministração sanitária: a Lei nº 85, de 20 de setembro de 1892, transferiupara a competência do go verno federal o ser viço de higiene de defesa dacapital da República. Reconheceu-se, com esta lei, a importância nacionaldo problema e também ampliaram-se considera velmente os recursos po-tenciais da defesa sanitária, tanto em verbas quanto em valores humanos.

Rodrigues Alves aparecia como o go vernante escolhidopela Pro vidência para realizar essa tarefa de reabilitação nacional.

 Já vimos a energia e a fé na ciência com que enfrentara, quandopresidente de São Paulo, os problemas ligados à saúde do povo.

 Já indicamos também a maneira pela qual encara va a necessidadeda reno vação do Distrito Federal e como pro va velmente era ele oinspirador, senão o autor, do artigo do jornal oficioso que exortara

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 405

Page 402: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Quanto ao combate à febre amarela, o presidente não proce-dia só por moti vos de ordem pública. Ha via em Rodrigues Alves, quanto aeste ponto, uma espécie de apaixonada decisão pessoal. Em 1895,residindo ele na Rua Senador Vergueiro, a febre amarela entrou-lhe emcasa, e le vou-lhe uma filha pequenina. A partir de então, Rodrigues Alvesrepetia à família que, se algum dia exercesse posto em que pudesse fazero que dese ja va, ha veria de lançar mão de todos os recursos para enfrentar omonstro que empesta va a cidade e lhe enlutara o lar.

Instalado na presidência, deve ter visto sua grande oportuni-dade. Vontade não lhe falta va, nem descortino, nem fé, nem experiência. As condições preparadas pelo seu antecessor eram as mais fa vorá veis,pela recuperação financeira, pela estabilidade política, pelo fortalecimentoda autoridade presidencial ci vil. Chega va ao ápice da sua carreira antesda decadência física, com uma idade, com um passado que o torna- vam respeitá vel, mas não passi vo ou inerte.

Por circunstâncias felizes, tinha ao alcance da mão grandeshomens, dos maiores que o Brasil já produziu nos setores em causa, osquais ansia vam também por ser vir e por vencer.

Urgia que o chefe respeitado os chamasse, desse-lhes força,recursos e autonomia, desse-lhes também confiança e tempo, para que ogrupo pudesse trabalhar.

Foi o que ele fez, iniciando aquilo que Gilberto Amado cha -mou, com acerto, a maior re volução do Brasil.

PASSOS E A RENOVAÇÃO DO RIO DE JANEIRO

Por mais interligados que fossem os programas setoriais dogoverno, concernentes à reno vação e ao saneamento da capital da Repú-blica, bem como à construção do seu porto, impõe-se a exposição separa-da de cada um desses assuntos, para maior nitidez da síntese histórica.

O povo do Rio de Janeiro não estaria pro va velmente avaliandoa intensa era de trabalho e luta, de destruição e construção, que empoucos anos iria transformar a fisionomia da metrópole e pro vocar um

 406 Afonso Arinos

Page 403: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 407

 Pereira Passos, o grandeprefeito do Rio deJaneiro. Foto da revistaKosmos. Coleção Plínio Doyle

Uma das primeiras obras dePassos: a remodelação do Jardimda Glória. Foto da revistaRenascença. Coleção Plínio Doyle

Page 404: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Ainda em fe vereiro de 1903, uma das sociedades carna vales-cas, no desfile (préstito) que então constituía o principal atrati vo dagrande festa popular (naquele tempo não ha via escolas de samba), apre -sentou um carro de crítica no qual o presidente aparecia dormindo aolado da República.

O povo via ainda em Rodrigues Alves o dorminhoco lendá-rio, sem desconfiar que os seus sonhos reno vadores iam se realizar embre ve, aos olhos estupefatos de todos.

Em abril, O Malho estampa va uma caricatura de Rodrigues Alves diante de um quadro em que se liam as pala vras “pro jetos,grandes reformas, idéias, planos, boas intenções” e, riscada, a pala vra“execução”. Os sonhos do dorminhoco ainda não con venciam a opi-nião, ela sim adormecida. Bre ve despertaria com o violento tufão damudança.

No entanto o presidente, ao assumir o go verno, já se fixarano nome do prefeito a quem ia entregar uma das principais tarefas doseu programa. O homem era Francisco Pereira Passos.

Fluminense, de origem rural e aristocrática,3 Passos, nascidoem 1836, era, com sessenta e seis anos, o mais velho membro da equipedo go verno. Formara-se muito moço, em engenharia, pela Escola Centraldo Rio de Janeiro, e logo passou à França, onde completou sua formaçãotrabalhando em obras portuárias e estradas de ferro. De ve-se consignar,também, que Passos assistiu ao final dos trabalhos de remodelação de Paris,empreendidos por Haussmann. Nesse período europeu o jovemengenheiro fluminense estudou, na Suíça, o sistema de ferro vias demontanha por cremalheira, aplicado ainda no Império ao ramal dePetrópolis. Em 1871 conheceu o Barão de Mauá, em outra viagem àEuropa. Em 1874, como engenheiro do Ministério do Império, entãoocupado por João Alfredo, Passos trabalhou num pro jeto de reforma doRio, sendo de se notar que esses estudos de urbanização visa vam melhoraras condições higiênicas da cidade.

Sua experiência de trabalho na França deixou-lhe considerá- vel influência. A língua francesa lhe era familiar. Entre os papéis do seu

 408 Afonso Arinos

Page 405: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

arqui vo pessoal,4 encontram-se minutas várias do seu punho, escritasem francês corrente e correto.

De 1881 a 1885, como representante da Compagnie Généralede Chémins de Fer Brésiliens (sociedade incorporada em Paris, com vultoso capital, que adquiriu o contrato de construção da estrada deferro do Paraná), Passos dirigiu comercialmente aquela empresa noBrasil, além de chefiar a construção do ramal que liga Paranaguá aCuritiba.

Diretor da Central do Brasil (1897-1899) Passos ali realizoufecundo trabalho. Como fez em outras oportunidades, e referindo-se aoutros postos que ocupara, Passos defendeu vigorosamente a sua admi-nistração na Central de ataques contra ela proferidos na Câmara, em1907. Sua brilhante direção na Central deve ter sido a causa mais fortedo con vite para a prefeitura do Rio.

Desde o Império ligara-se aos maiores nomes da engenharianacional, como Cristiano Otôni, Francisco Bicalho, Teixeira Soares,Buarque de Macedo ou André Rebouças.

 Além da experiência profissional, Passos era também autor deli vros da sua especialidade.

Com todas essas qualificações, o prefeito escolhido porRodrigues Alves era homem ci vilizado, com o gosto das viagens deobser vação pelo mundo, que percorrera em grande parte.5

Consultado, em dezembro de 1902, pelo Ministro Seabra, emnome do presidente, sobre se aceitaria o go verno do Distrito Federal,Passos não anuiu logo. Pediu tempo para responder e acentuou que aresposta afirmati va dependeria do compromisso do presidente de lheassegurar ampla autonomia de ação.

Esta autonomia não era viá vel sem fundamento legal. Rodrigues Alves não ignora va isto, e, antes de en viar o con vite a Passos, já esta va

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 409

4 Hoje depositado no Museu da República (Palácio do Catete).5 Sua morte ocorreu na noite de 28 de fevereiro de 1913, a bordo do navio inglês

 Araguaia, ao aproximar-se da ilha da Madeira. Nesta ilha foi o corpo de Passosembalsamado por um médico local e o médico de bordo, seguindo para Lisboa,

Page 406: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

pro videnciando, no Congresso, a feitura de uma lei que permitisse apresença de uma administração municipal vigorosa, fosse com o enge-nheiro escolhido ou com outro, no caso daquele se escusar.

No dia 29 de dezembro de 1902 entrou em vigor a lei quedaria a Passos os poderes necessários para a sua ambiciosa tarefa.

 A cidade do Rio de Janeiro, antigo Município Neutro noImpério, a partir do Ato Adicional (1834), fora colocada “sob a ad -ministração direta do Go verno Pro visório”, no dia 15 de no vembrode 1889, pelo decreto que instalou a República. No mesmo ano, emdezembro, foi dissol vida a Câmara Municipal e criado um Conselhode Intendência, composto de membros nomeados pelo Go vernoPro visório. Esse regime vigorou até 1892, quando foi apro vada a leiorgânica do Distrito Federal.

Esta lei federal de organização da capital da República erapermitida pela Constituição de 1891, a qual, no artigo 34, nº 30, dava aoCongresso competência “para legislar sobre a organização municipal doDistrito Federal”.

 Além desse dispositi vo, a Constituição não traça va nenhumanorma para a organização do Distrito, pois os poucos artigos em queele é referido (são três) dizem respeito a assuntos circunstanciais. Por -tanto, a competência do Congresso só encontra va limite na raia dosseus próprios poderes. Dentro deles, podia regular a administraçãocarioca como entendesse.

Presidente em começo de mandato, fácil foi a Rodrigues Alves fazer apro var, pela maioria, todas as normas que seus assessoresconsideraram adequadas ao exercício de um poder forte na capital. Porisso mesmo, a lei de 29 de dezembro é, na verdade, uma lei de plenospoderes. No dia da sua promulgação, Passos foi chamado ao Catete erecebeu o con vite oficial do presidente. Tendo-o aceitado, foi nomea-do por decreto no dia seguinte, 30, e tomou posse no dia 3 de janeirode 1903, no antigo Paço Municipal, ao meio-dia, recebendo a prefeituradas mãos do mandatário interino, Coronel Carlos Leite Ribeiro.6

 410 Afonso Arinos

6 O edifício-sede da administração municipal, desde o Império, foi demolido para a

Page 407: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A nova lei de organização municipal era, a bem dizer, dra -coniana.

Começa va por adiar por seis meses as eleições para a CâmaraMunicipal, o que vinha deixar ao prefeito, desde logo, as mãos li vres dequalquer algema oposicionista. O artigo 3º declara va que, nos recessosda Câmara, “o prefeito administraria e go vernaria o Distrito de acordocom as leis municipais em vigor”, isto é, com ela própria, a lei nova, quesupera va as posturas locais. O artigo 16, de constitucionalidade du vido-sa, dispunha que as autoridades judiciárias, federais ou locais, não pode-riam “re vogar as medidas e atos administrati vos, nem conceder interdi-tos possessórios contra atos do go verno municipal, exercidos rationeim-perii”. Era impedir a ação da justiça na apreciação das reclamações dosparticulares. O artigo 18 acaba va com qualquer controle ou adiamentoburocrático, ao determinar que “os autos la vrados pelos funcionáriosadministrati vos municipais farão fé sobre os fatos a que se referirem, atépro va em contrário, e independentemente da confirmação em juízo pe -los ditos funcionários”. Assim a aplicação da legislação excepcional po -deria fundar-se em autos la vrados, nos locais, pelos representantes dogo verno da cidade, sem qualquer possibilidade de contestação, ainda mes -mo sobre os fatos alegados. O artigo 23 completa va a disposição, pois, se -gundo ele, quando se tratasse de demolição, despe jo, interdição e outrasmedidas, ha veria apenas um auto afixado no local, que pre via penalidadescontra as desobediências. Daí vieram os numerosos casos de demolição,com as famílias recalcitrantes ainda dentro dos prédios. O artigo 24fazia tábula rasa do direito processual. Por ele considera vam-se “em -bargadas” (sem inter venção do Poder Judiciário) as obras em curso,nas quais fosse afixado edital da Prefeitura, determinando aquela pro - vidência. O artigo 25 dispunha que o despe jo dos residentes nos pré-dios a serem demolidos, bem como a remoção dos respecti vosmóveis e pertences, seriam feitos pela polícia. Completando o sis -tema de exceção, o artigo 26 estabelecia que os assentamentos nos li- vros das repartições municipais, sobre transferências de imó veis para osfins da lei, valeriam como escritura pública, independentemente da ou -torga uxória e da transcrição do título. Aí já não era mais o direito pro-cessual que fica va em causa, mas o direito ci vil E mesmo o constitucio-

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 411

Page 408: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

tão grande diferença no regime de bens (dispensa da outorga uxóriapara transferência de imó veis) entre os proprietários do Distrito Federale os de todo o resto do país, os quais continuariam su jeitos à legislação ci- vil comum.

Nas disposições transitórias, a temí vel lei de 1902 entra va noterreno propriamente político. Punha em recesso o Conselho Municipal(artigo 1º); marca va nova eleição somente para seis meses depois, fican-do, no inter valo, o prefeito como go vernador, e na verdade quase dita-dor (artigo 2º); autoriza va o prefeito a demitir funcionários e suspenderaposentadorias ilegais, sem especificar quem lhes declara va a ilegalidade(artigo 4º); e autoriza va o go verno federal a contratar um empréstimo deseis milhões de libras “para ocorrer ao saneamento da capital federal”.Esta última pro vidência demonstra va bem as finalidades sanitárias, alémdas urbanísticas, que trazia o plano de reno vação do Rio de Janeiro.

Poucas são as leis, em toda a história do nosso direito, tãoprofundamente re volucionárias. Por meio delas, os interesses pri vados,por mais subsistentes e arraigados que fossem, fica vam submetidos aointeresse público, ao interesse da saúde, do bem-estar, do progresso dopovo. E isto foi feito com instrumentos legais, por um presidente mo -derado e mesmo conser vador, por um político ci vil que nunca ha viasido exaltado ou radical.

Passos foi muito acusado, no tempo, de go vernar a cidadecomo ditador. Na verdade o foi, mas exerceu uma ditadura de certa for -ma legal, pois os poderes de que dispunha tinham origem na lei. A dú vi-da estaria na compatibilidade dessa lei, votada pelo Congresso, com aConstituição. A rebeldia contra a lei, que influiu na re volução de 14 deno vembro, é que não se justifica va.

 A propósito da ditadura legal de Passos, um jornal carioca,poucos dias após o falecimento de Rodrigues Alves, publicou o depoi-mento de um contemporâneo sobre o apoio que ao prefeito dava o pre -sidente. O depoimento, embora anedótico, merece ser fixado. O casofoi que certo grupo de magnatas – as grandes fortunas então se concen-tra vam em imó veis bem situados – foi visitar o presidente, para quei-xar-se das violências do prefeito. Referiram casos de abusos arbitrários,principalmente o de um importante membro da colônia portuguesa, o

 412 Afonso Arinos

Page 409: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

sem qualquer aviso. Rodrigues Alves, segundo a publicação, aceitou ascríticas e queixou-se também de Passos, que não atendia nem a ele, pre -sidente. Animados, os visitantes perguntaram: “Então vai demiti-lo?” Ao que o Conselheiro respondeu, sorridente, “que isso não, que nãopodia, porque tinha compromisso com ele”.

 A lei de 29 de dezembro foi um dos pretextos mais fortespara a conspiração política e militar que culminou em no vembro de1904. Contraditoriamente, eram os republicanos, os homens mais jo - vens, os demagogos radicais que atirariam o povo, em nome da liberda-de, contra o progresso; em nome da República, contra o go verno queesta va tentando abrir as portas do futuro. Paixões e interesses pessoaisle variam elementos de elite das forças armadas, da imprensa e do Con -gresso a uma tremenda contradição histórica.

Na mensagem de 3 de maio de 1903, Rodrigues Alves insistiuna sua conhecida opinião de que saneamento e urbanização não podiamser separados.

“As condições de salubridade da capital [lê-se nodocumento], além de urgentes melhoramentos materiais reclama-dos, dependem de um bom ser viço de abastecimento deáguas, de um sistema regular de esgotos, da drenagem dosolo, da limpeza pública e do asseio domiciliar. Parece-me,porém, que o ser viço deve começar pelas obras de melhora-mento do porto, que têm de constituir a base do sistema ehão de concorrer não só para aquele fim utilíssimo, como,evidentemente, para melhorar as condições de trabalho, as docomércio e, o que não deve ser esquecido, as da arrecadaçãode nossas rendas.”

Tudo se coordena va na empresa do progresso. As obras do porto compreendiam, como medida complemen-

tar, a abertura de uma grande avenida, que rasgasse as entranhas do ve -lho centro urbano, abrindo-o de mar a mar. Essas pro vidências custosasexcediam as possibilidades do Tesouro; exigiam cooperação financeirado exterior. Até que tudo isso se acertasse, o tempo iria correndo, e a Ave-

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 413

Page 410: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

1904, depois de vencidas todas as etapas legais, administrati vas e finan-ceiras preliminares.

Passos teve que apro veitar os seus primeiros meses de go vernoem obras menores, como os melhoramentos do antigo Cais Pharoux, ocalçamento da Praça Quinze de No vembro e da Rua do Ou vidor, o alar -gamento da Rua Primeiro de Março. Retoques em zona limitada do velhoRio. Um pouco mais longe, começou a transformar a estreita Rua do Sa -cramento na avenida que tomaria o seu nome, artéria de ligação entre oantigo Rossio e a antiga Rua Larga de São Joaquim. A Avenida Passos foiinaugurada a 27 de junho de 1903. Rodrigues Alves prestigiou, com a suapresença, aquela primeira realização importante do seu prefeito.

 As oposições conser vadoras inquieta vam-se com a irrupçãodas no vidades que iam modificando a fisionomia da velha capital. Ummédico prestigioso, Sousa Lima, remeteu à Academia de Medicina, nasessão de 19 de no vembro de 1903, longa comunicação na qual, apretexto de alertar contra os riscos que a saúde da população podia corrercomo conseqüência do re vol vimento da topografia do centro carioca,na verdade formula va se vera crítica à administração de FranciscoPassos. Censurou a “preocupação de renome e a questão de capricho”do go verno, e sobre a Avenida Passos disse:

“A pro va disso está no açodamento, no entusiasmo pue-ril com que se promo veu a inauguração oficial e espetacularda primeira avenida, apenas efetuada a demolição necessáriapara o alargamento parcial de uma pequena rua, ainda com oespetáculo triste e lúgubre dos escombros.”

Lamenta a “faina arrasadora” e “as sangrias à bolsa do contri-buinte sem resultados que compensem tantos sacrifícios”.

Crítico de muito maior monta foi Rui Barbosa, que, emdiscurso de 29 de outubro de 1903, quando da discussão do pro jeto dogo verno, que reforma va a lei orgânica do Distrito Federal, protestoucontra a latitude dos poderes de Passos:

“Digo que, com a faculdade de regular o policiamento, otrânsito, o arruamento, o embelezamento, a irrigação, os esgotos,

 414 Afonso Arinos

Page 411: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

homem essa autoridade, ele poderá ser senhor absoluto destacapital, um ditador insuportá vel, poderá criar para todos osseus habitantes uma situação intolerá vel de opressão e de vexames.”

Indiferente a tudo, Passos prosseguia na sua obra. Modestosinícios que pro voca vam às vezes, também, impaciência dos jornais,despertados com a propagação de planos muito mais importantes.

Note-se que estas obras menores foram sendo executadascom os recursos normais da Prefeitura, que só mais tarde, em finsde 1903, obte ve o empréstimo externo de 4 milhões de libras, quefinanciou a maior parte da transformação do Rio de Janeiro. Segundouma exposição do próprio Passos,7 a situação municipal era muitodifícil, em 1902. O empréstimo externo, com os descontos decomissões e con vertido ao câmbio de 17½ a 18 pelo Banco daRepública, rendera 55.000 contos. Desse modo, Passos pagou umadí vida flutuante de 4.700 contos e uma dí vida consolidada de17.000. Com o saldo de cerca de 33.000 contos, acrescido de 5.000 da venda de terrenos pro venientes das avenidas no vas, ele financiou tudo,até 1905. Novo empréstimo, em 1906, e outros pequenos recursoselevaram a 45.000 contos, na estimati va de Passos, o total com queele pôde contar para todas as obras de seu extraordinário período deadministração. Rui, do discurso acima citado, combateu muito oempréstimo externo.8

 A nomeação de Passos foi otimamente acolhida. Um amigoinglês, Frank Gotta, escre veu-lhe de Londres em fe vereiro de 1903,manifestando entusiasmo pela notícia que recebera naquela capital, e dizque esta va certo de que Passos faria com a cidade do Rio obra parecidaà que realizara quando diretor da Central do Brasil.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 415

7 Exposição contida em longa carta a Oliveira Rocha (Rochinha), diretor de A Notícia. Nessa carta Passos fornece ao amigo, em 1907, elementos para defendê-lo deataques que então sofria da Gazeta deNotícias (servimo-nos do original existente noarquivo de Passos).

8 Em 1906, Rui Barbosa não se opôs ao empréstimo muito maior de 15 milhões delibras, para financiamento da valorização do café e da Caixa de Conversão. É que,

Page 412: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Passos, ele próprio, esta va inquieto com as responsabilidadesque assumira. Em discurso feito perante os intendentes municipais, nofim do seu período, re velou o estado de insegurança com que aceitou oconvite. Não conhecia o numeroso funcionalismo, era alheio aos assuntosmunicipais, tinha que arran jar recursos e fiscalizar despesas, sabia queprecisa va reformar a legislação. Tudo isso ele confessa, quatro anos de -pois, já consagrado e vitorioso.

Mas não há negar que, de um modo geral, toda a imprensa,ainda mesmo aquela que mais combatia o go verno, manifesta va interes-se e esperança quanto à re volução urbana, que se opera va à vista detodos. Neste ponto, os jornalistas ti veram visão mais larga que muitospolíticos. Os pre judicados se irrita vam, as paixões sectárias procura vampretextos para agitação, mas o povo via o que esta va acontecendo, queentrava pelos olhos. Na edição de 10 de janeiro de 1903, confessa va O Malho, referindo-se ao prefeito: “Começou a administrar há meia dúzia dedias o Dr. Passos, e já a enumeração dos seus atos é quase tão grandecomo a de uns três prefeitos juntos, durante anos.” A população principioua acreditar no que via. E o que via, o que viu, não tinha precedentes nemparalelo, na história da cidade nem do país. Foi um re ju venescimento, umdesatar de energias sopitadas, o fim do temor público e da humilhação na -cional, o le vantamento de uma espécie de orgulho popular pela consciênciada vitória, que era de todos, e a transformação da mentalidade das elites,que começa va a se despro vincianizar. Foi, principalmente, a demonstraçãoda capacidade brasileira, às vezes esquecida por nós mesmos, não raronegada dos nossos momentos de cólera ou depressão, mas que, tantas vezes, e com tantas faces diferentes, ressalta fresca e vigorosa, quando seencontram fatores e circunstâncias fa vorá veis.

 As obras municipais, conduzidas impetuosamente pela compe-tência e dinamismo do Prefeito Passos, mudaram em quatro anos o Distri-to Federal. Pode-se dizer, sem ênfase, que a capital mudou duas vezes: umasem sair do lugar, entre 1902 e 1906; outra com a construção de Brasília.

No dia 5 de setembro de 1906, Passos leu perante o ConselhoMunicipal a sua derradeira mensagem de prefeito. De fato, não foi umaprestação de contas, vinda de um administrador urbano. Foi um relatode uma experiência vitoriosa que orgulha va e como via toda a nação. O

 416 Afonso Arinos

Page 413: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

congressistas federais e outras autoridades, que enchiam o recinto doConselho da cidade para ou vir e aplaudir Passos.

O documento é discreto, quase lacônico, e isto aumentatalvez a sua importância. Enuncia va o turbilhão de realizações quasesem comentários. Sua linguagem é das cifras, dos planos comparati vosda cidade, das estatísticas, das fotografias. A mensagem de 1906 vinhaconsolidar as exposições anteriores e, sobretudo, vinha consagrar ogrande administrador. Ele mexeu em tudo, derrubou e construiu, arre-cadou e gastou, cuidou das ruas, dos transportes, da arquitetura, da pai-sagem, dos jardins, das escolas, das habitações populares, dos ser viçosadministrati vos. Foi um velho Hércules sacudindo, com ímpeto ju venil,não uma cidade, mas uma geração. Seria inadequado pormenorizar umaação que entrou não apenas nas páginas da história, porém, o que é maissignificati vo, na memória do povo.

 As críticas que se fazem à arquitetura reno vada de vem se diri-gir mais ao gosto do tempo. Um artista como Ola vo Bilac dedica uma desuas crônicas a exaltar a beleza daquelas formas caprichosas, daquelas fa -chadas cheias de figuras e alegorias de gesso, máscaras, mulheres nuas, plu -mas e guirlandas, que, agora, vistas nos seus derradeiros exemplares, fa-zem-nos sorrir enternecidamente daquele tempo feliz. Mas a mudança doRio data daquele tempo. O espírito progressista do presidente, homem quenunca saíra do Brasil, sem cultura literária nem artística, foi de grande valia.Tão capaz era Rodrigues Alves de coordenar aquele grupo reno vador, reu-nido à sua sombra, que, mais tarde, chegou a proclamar a falta de arro jodas obras feitas. De fato, quando foi à Europa, em 1907, e viu as perspecti- vas inconfundí veis de Paris, declarou a pessoas da família que, se as ti vesseconhecido antes, faria muito mais larga a Avenida Central.

O alargamento das vias do centro foi uma das realizaçõesde Passos. Estas são, em resumo, as principais: abertura das Aveni-das Mem de Sá, Sal vador de Sá, Gomes Freire, Passos, Beira-Mar e Atlântica, todas no vas; alargamento das Ruas Treze de Maio, Cario-ca, Assembléia, Sete de Setembro, Marechal Floriano, Visconde deInhaúma, Acre, Visconde do Rio Branco, Frei Caneca, Camerino,Catete, Laran jeiras e Bule var Vinte e Oito de Setembro; construção

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 417

Page 414: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Passos, comFrontin eLauro Müller, os três grandes auxiliares da administração Rodrigues Alves na modernização do RiodeJaneiro.O Malho. Coleção

 Álvaro Cotrim

Page 415: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Glória, do Rossio, do Machado, de S. Domingos, do Paço e do Cam-po de S. Cristó vão. As obras mais importantes foram as aberturasdas Avenidas Mem de Sá e Beira-Mar. Além disso, cortaram-se ou ar-rasaram-se morros, como o do Castelo e do Senado, para abrir espa-ço às no vas vias.

Quase todo o velho calçamento colonial foi substituído. Deze-nas de jardins apareceram nos largos e praças, nos bairros baixos, nas en -costas e até no Alto da Ti juca, cujo jardim data de então. Cortiços, hospe-darias, estalagens, pardieiros, restos vi vos de um passado morto, confun-diram-se no pó das derrubadas. Foi-se a cidade dos imperadores, do rei edos vice-reis. Delineou-se a metrópole republicana.

Instalações modernas de luz, de sanitários, de assistência forampostas à disposição do povo. A instrução foi estimulada, escolas abertas(entre elas a que le vou o nome do presidente, vizinha do Catete),9 omonumental Teatro Municipal erguido e quase externamente concluídoantes do fim do go verno.10

 A importância futura das praias não escapou ao prefeito. Otúnel Novo de Copacabana foi rompido (1905), nele colocados bondeselétricos, abrindo-se assim o progresso do novo bairro.11

Na mensagem de 1906, Copacabana já aparece delineada noplano da cidade. Poucas eram as ruas traçadas e em menor número asnomeadas. Estas últimas eram a Nossa Senhora de Copacabana, a SantaClara, a Barroso (atual Siqueira Campos) e a Sal vador Correia (hojePrincesa Isabel). As ligações entre Copacabana e Ipanema (a chamada VilaIpanema, pequeno núcleo praieiro) ainda não apareciam na planta. Toda aatual praia de Ipanema trazia o nome de praia do Arpoador, enquanto alagoa Rodrigo de Freitas e o Leblon não se acha vam ainda em processo de

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 419

9 Nota de Rodrigues Alves, de 21-8-1905: “Assisti à inauguração da EscolaRodrigues Alves. É a segunda escola que inauguro. A primeira foi aPrudente deMorais, que foi no Asilo Bom Pastor.”

10 A pedra fundamental do Teatro Municipal foi colocada em fins de maio de 1905,na presença do presidente da República.

11 O túnel Novo, inaugurado em 4 de março de 1906, foi aberto em terrenos de umachácara pertencente à Santa Casa. No mesmo dia inaugurou-se a linha de bondes

Page 416: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

urbanização. Em compensação, inicia vam-se os trabalhos de traçamento eabertura da Avenida Atlântica, “em toda a extensão da praia de Copacaba-na, passeio que constituirá, no futuro, um dos encantos da cidade”.

Como vimos, o custo de todas as grandes obras municipaisnão atingiu, na estimati va do prefeito, a 50.000 contos.

No seu arqui vo existem especificações de despesas feitas queatraem a curiosidade do leitor.12 A “construção de uma avenida à bei-ra-mar entre a Rua Chile e o fim da praia de Botafogo” importou 9.292contos. O alargamento das Ruas Assembléia e Carioca (compreendidopro va velmente o preço das desapropriações) foi a 12.887 contos. Naabertura da Avenida Passos gastou-se 9.635 contos e na da Mem de Sá12.005 contos.

Desde o dia em que terminou o seu go verno, FranciscoPassos deve ter tido a confortadora impressão de que deixara a prefeituraconsagrado pelo povo como o maior go vernador que a cidade já ti vera. A manifestação popular que lhe foi feita era das que não podiam enga-nar, pela espontaneidade, pelo calor, pela afluência de enorme multidão.Eis o que diz Luís Edmundo, velho carioca da fase de transição, que viveu no Rio antigo e no Rio moderno:

“Foi preciso que viesse a República e, com ela, o glorio-so quatriênio Rodrigues Alves, para que a cidade-chiqueirofosse transformada na cidade mara vilhosa que aí está, dignada América e de nós [....]. Só os que conheceram, como euconheci, a capital que foi da Monarquia, a mesma que se es -tendeu depois, atrasada e mofina, até quase o albor do séculoque corre, é que pode avaliar, com segurança, as grandestransformações que nela se operaram. Transformações até deusos e costumes. Abandonamos hábitos portugueses, despe-dimo-nos de vários preconceitos e con venções vindas dotempo em que éramos colonos, criando, dessa forma, ambi-ente melhor e mais consentâneo com o meio americano emque sempre vi vemos. Mudamos tudo, chegando até o ponto

 420 Afonso Arinos

Page 417: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de mudar, por completo, a nossa mentalidade, peada por lon-gos anos de casmurrice e rotina.”

Esta compreensão, exata e importante, de que a reno vaçãomaterial implica va também uma mudança intelectual (até certo pontoera resultado dela) não se manifestou só em testemunhos posteriores,como o de Luís Edmundo.

 Antes das obras prontas já os comentadores a entre viam. Assim se exprime, por exemplo, o redator deO Malho, a 20 de agosto de1904:

“Quando se acompanha um instante a série de coisasno vas que se estão fazendo nesta cidade, quando se imagina oque será o Rio de Janeiro cortado na sua parte comercial pelagrande avenida de mar a mar, da Ajuda à Prainha, quando se vê, estendendo-se pela cur va do Flamengo e Botafogo, a Ave -nida Beira-Mar entremeada de passeios e jardins, quando seobser vam as grandes avenidas que se estendem ao longo doCanal do Mangue, e se vê, orlando o mar, do Arsenal de Guerraà praia Formosa, o cais a que atracam os transatlânticos eonde chegam os vagões das vias férreas, carregando e descar-regando incessantemente, quando, concentrando o espírito,se percebe de um golpe o con junto dessa nova cidade, fica-secertamente meditando sobre a profunda modificação que vaisofrer nas suas idéias, nos seus hábitos, nas suas aspirações,na sua educação, esta população que vai sair da rede estreita,intrincada, suja, de ruas mal calçadas, sem ar, sem luz, sem as -seio, para a radiância desse deslumbramento. Há nisso comoum golpe de mágica.”

E Passos foi decisi vo nessa mudança de mentalidade. Até hoje a administração de Francisco Passos não foi igualada

por nenhuma outra. Todo o atual desen vol vimento da metrópole, atra - vés de obras le vadas a cabo com os recursos modernos e, por isso mes -mo, obras bem maiores, em certos casos, do que as que ele pôde reali-zar, não obscurece o fato de que a cidade atual do Rio criou-se entre

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 421

Page 418: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

principais criadores sob a chefia de Rodrigues Alves. Nós, cariocas deagora, de nascimento ou de adoção, nutrimos pela nossa cidade um sen-timento de orgulho que supera as apreensões e cuidados com os seusdefeitos, ou mesmo com as suas chagas; uma espécie de segurança con-templati va, que supera o espírito de campanário, porque sabemos que oRio é uma realidade nacional e, seguramente, internacional.

Esse amor brasileiro pelo Rio não existia até o princípio doséculo. Ha via, sem dú vida, o predomínio da corte, a importância do po-der presidencial. Mas o Rio de Janeiro não prepondera va por si mesmo,como agora, com o direito de considerar pro vinciano – e o é, realmente,em relação a ele – o imenso São Paulo.

São Paulo é o centro formidá vel da economia e do progresso.Brasília vai se tornando cada vez mais o centro do poder. Mas o Rio écomo Nova Iorque frente a Chicago e a Washington; é como Romadiante de Milão. O Rio é a metrópole brasileira; tudo o mais é pro víncia.Essa posição seria impossí vel sem as transformações materiais e osaneamento do governo Rodrigues Alves. É seguro que os outrosgovernos fariam o mesmo, porque as condições históricas o impunham.Mas a coordenação daquele grupo de homens – sem esquecer Rio Branco,que figurou como o seu instrumento de propaganda internacional – foidesses acasos que aceleram a história e que marcam a vida dos po vos;que condensam em poucos anos a tarefa de uma geração. Passos foi osímbolo mais nobre desse processo acelerati vo; seu nome é que ficoupreponderando, até in justamente, pela freqüente confusão que pre valeceentre a sua obra e a dos construtores do porto e da Avenida Central.Para o povo, Passos é o mágico criador da metrópole brasileira.

LAURO MÜLLER E AS OBRAS DO PORTO

 Já vimos a importância que, para o desen vol vimento econô-mico nacional, Rodrigues Alves atribuía à construção de um porto marítimomoderno na capital da República. Esta melhoria se lhe afigura va tãoprioritária, para os interesses do país, como o próprio saneamento do Riode Janeiro Seriam pro vidências paralelas, que marcariam o fim de uma tra -

 422 Afonso Arinos

Page 419: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

pelo esforço em facilitar as trocas comerciais e em conseguir a segurançahigiênica, no grupo das nações ci vilizadas do século XX.

O problema do porto do Rio de Janeiro preocupa va os go ver-nantes desde o Império, mas, até o go verno Rodrigues Alves, não tinhasido atacado com decisão.

Segundo relata autor competente,13“os ser viços de expediçãode mercadorias para o exterior e para os Estados, por via marítima,eram efetuados geralmente por meio de sa veiros, que atraca vam a pontesquase todas construídas de madeira, apiers ou cais de pequeno calado deágua; apenas a algumas dessas construções acosta vam vapores depequena cabotagem”.

O tráfego marítimo comercial fazia-se, ou nas praias situadaspara dentro da baía, entre S. Bento e o Caju (como veremos abaixo) ou,mais para a barra, entre S. Bento e o Calabouço, zona na qual se acha vaa Alfândega, com suas docas, o Cais dos Mineiros (nome dado pelos via jantes que vinham de Minas e atra vessa vam em barcos a Guanabara)e o desembarcadouro de escra vos. Esta era a parte mais antiga do porto.

Luís Edmundo, nas suas Memórias, descre ve o que era aquelaponta da cidade até o go verno Rodrigues Alves:

“Vinha depois disso [do edifício da Alfândega ainda hojeexistente]14 um longo e estreito cais margeando a doca, ondeprimiti vos guindastes, acionados a mão, suspendiam de cha -tas, sa veiros e pontões, a volumaria que se retira va do ventredos na vios de carga, que ancora vam entre a ilha das Cobrase a ilha das Enxadas.”

Quanto ao embarque dos passageiros, como lembra GastãoCruls,15 era ele feito na Prainha (Praça Mauá) para os que se dirigiam aofundo da baía, e no Cais Pharoux (Largo do Paço) para os que se desti-na vam ao estrangeiro ou aos portos de outros Estados.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 423

13 Alfredo Lisboa, Portos do Brasil, 1922-1923.14 A então Alfândega, antiga Bolsa (Praça do Comércio), fora construída no tempo

do rei, por Grandjean de Montigny. Edifício tombado pelo Patrimônio Históricoe Artístico Nacional.

Page 420: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Entre o morro de S. Bento e a ponta do Caju, o litoral da Gua-nabara se desenrola va em caprichoso desenho, numa sucessão de angras,entradas e saliências, praias lodosas e ilhotas cobertas de vegetação (comoa dos Melões, a das Moças, a Panqueca e a de Santa Bárbara), bocas depequenos cursos de água ou de torrentes plu viais, tudo entremeado depontões de ferro ou de madeira, pequenos cais de pedra, construções várias, mais ou menos junto ao mar, acostadouros de sa veiros e barcaças,sem falar nos espaços baldios, nos quais se acumula vam detritos. Emboraalterado pelas construções mais recentes e alu viões descidas das encostaspróximas, aquele canto de terra carioca conser va va, em 1902, bastante dasua aparência antiga, dos tempos do rei ou do imperador.

Entre o trapiche Mauá, na Prainha, e a ilha dos Melões, situa-da na altura das praias das Palmeiras e de S. Cristó vão, alinha vam-se vá -rios estabelecimentos, públicos e pri vados, estes titulares de concessõese ser vidões sobre as águas. As Docas Nacionais, antigas Pedro II, outro-ra empório da exportação do café imperial do Vale do Paraíba, eram dasmais importantes. Seu belo edifício-sede erguia-se na Praça Municipal esó mais recentemente foi destruído por um incêndio.16 As DocasNacionais possuíam cais e armazéns próprios, de ampla capacidade. Naenseada da Saúde, ao pé do morro deste nome, acha va-se o MoinhoFluminense, também pro vido de desembarcadouro próprio e aparelha-gem para ele vação de cereais importados a granel. Pouco adiante fica va odique Mortona, do Lóide Brasileiro, estaleiro na val e oficina de reparaçãode na vios.

Mais para além era o Moinho Inglês, com aparelhamentosemelhante ao Fluminense. No saco da Gamboa, que se abria sob omorro do mesmo nome, erguia-se a importante estação marítima daCentral do Brasil, cuja linha férrea prolonga va-se, como hoje, até o cais.

Desde meados do século XIX cogitou-se de aparelhar con ve-nientemente o lado oeste do porto, aquele que se estendia entre omorro de S. Bento e a ponta do Caju, com obras que retificassem o litoral,erigissem um cais de calado profundo, le vantassem armazéns públicos e

 424 Afonso Arinos

16 Nos nossos tempos de aluno do Internato Pedro II, em São Cristóvão, jáadmirávamos a construção antiga quando a divisávamos do bonde que nos levava

Page 421: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

particulares e abrissem vias francas de comunicação com as zonas nortee sul da cidade.

Em 1853 pensou-se em colocar o porto mais para a entrada dabarra, entre o Arsenal de Marinha, junto a S. Bento, e o da Guerra, na pontado Calabouço. O pro jeto, elaborado pelo engenheiro inglês Charles Neale,nunca foi concluído. Dele se construíram alguns trechos, que vieramsubstituir as velhas docas coloniais da Alfândega, próximas à atual PraçaQuinze de No vembro. Para a zona do porto de hoje, entre a Prainha e oCaju, vários pro jetos foram também traçados, mas nunca executados.

Em 1890, a Empresa Melhoramentos do Brasil, presidida porPaulo de Frontin, foi habilitada por decreto do Go verno Pro visório aconstruir um moderno cais no referido trecho. A empresa apresentoupro jeto baseado em outro anterior, feito pela Cia. Docas Pedro II, queha via sido aceito pelo go verno imperial. Em 1899 o Presidente CamposSales apro vou o plano geral da construção, que de veria ligar a Prainha àpraia de São Cristó vão, na altura da atual saída do Canal do Mangue,onde se acha va a ilha dos Melões, daí seguindo até a ponta do Caju.

Em 1901 a Empresa de Melhoramentos, para obtenção demaiores recursos, procurou fundir-se com outra companhia, a Rio de Janeiro Harbour, que como ela goza va dos fa vores concedidos por umalei de 1869, mas a operação não chegou a se ultimar e as obras nãoforam iniciadas.

Torna va-se evidente que, com os insuficientes recursos finan-ceiros e técnicos nacionais, o novo porto não poderia ser uma realida-de. A técnica e o dinheiro estrangeiros eram indispensá veis. CamposSales bem o sabia. Pouco antes do termo do seu go verno, tendo Joa-quim Murtinho deixado a pasta da Fazenda para candidatar-se a senadorpor Mato Grosso, Campos Sales con vidou Olinto de Magalhães para di-rigir interinamente aquele ministério, ao que não anuiu o chanceler. Mas,na con versa entabulada com o presidente, segundo depõe o próprio Olinto,aquele falou das negociações em curso para o lançamento do emprésti-mo externo destinado a financiar as obras do porto, “cu jos estudosesta vam terminados e apro vados”. Acrescentou Campos Sales que nãofinaliza va a operação por entender que não de via fazê-lo em fim de go verno

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 425

Page 422: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

deliberação sobre o assunto, reser vando-lhe, para início do seu go verno,um ato desta importância”.

Rodrigues Alves, como espera va o seu amigo e antecessor,atirou-se cora josamente à tarefa, desde o início do mandato, apoiado nadedicada e competente colaboração do ministro da Viação.

Conta-se que, quando Lauro Müller, em 1912, candidatou-seà Academia Brasileira de Letras na vaga de Rio Branco, alguém pergun-tou-lhe que obras apresenta va para pleitear a cadeira. Ao que respondeuo malicioso senador catarinense: “As obras do porto.”

Realmente, se obser vado o critério da eleição de personalida-des representati vas do meio social – os chamados “expoentes” – a Aca -demia premiou, em Lauro Müller, um grande realizador administrati vo,expoente do intenso go verno a que ser viu.

Desde a mensagem inaugural, de 15 de no vembro de 1902,Rodrigues Alves indicou que atribuía prioridade ao problema do portodo Distrito Federal.

No orçamento do ano seguinte (Lei nº 957, de 30 de dezembrode 1902) começou a concretizar as suas intenções. Obser ve-se que, noorçamento da despesa, as verbas mais ele vadas competiam ao Ministérioda Viação, Indústria e Obras Públicas (que também engloba va o de-partamento da Agricultura), só superadas, como era ine vitá vel, pelas verbasda Fazenda, em cu jas rubricas figura vam todos os pagamentos das dí vidasexterna e interna. Em números redondos, as despesas com a pasta da Justi-ça iam a 16.424 contos; com a do Exterior, a 631 contos-ouro e 905 con -tos-papel; com a da Marinha, a 26.700 contos; com a da Guerra, a 47.569contos; com a da Fazenda, a 36.710 contos-ouro e 85.105 contos-papel; ecom a da Viação, a 3.783 contos-ouro e 68.030 contos-papel.

 As obras federais na capital da República dispunham deimportantes verbas próprias no orçamento de 1903, entre elas o abaste-cimento de água, a reno vação da rede de esgotos e a expansão da ilumina-ção pública (artigo 21 nos 11, 12 e 13).

Quanto ao porto, as disposições constantes da lei são completas.Pelo artigo 21, nº XXV, fica va o go verno autorizado “a realizar

as obras necessárias ao melhoramento dos portos da República, podendo,

 426 Afonso Arinos

Page 423: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

por seus juros e amortização, às responsabilidades que para cada portopossam ser pro vidas pelas taxas que aí serão cobradas, estabelecidaspelas leis e concessões em vigor”.

O mesmo número XXV da lei dispunha ainda que “as obraspoderão ser executadas por administração ou por contrato, modificadosou não os respecti vos planos de orçamento, e podendo-se acrescen-tar-lhes a execução de obras fora do cais, mas necessárias para facilitar otráfego das mercadorias para os mesmos cais e a exploração comercialdelas será estabelecida segundo o regime que mais con venha a cada porto”.

Esta disposição, de grande importância, visa va a permitir que ogo verno federal construísse uma via pública ao longo do porto, le vantandoarmazéns públicos e vendendo terrenos para a construção de armazénsparticulares (é a atual Avenida Rodrigues Alves), e também que pudesseconstruir, fora do porto, grandes vias de circulação. Fica va legalizado o planode construção das Avenidas Central e do Mangue, esta com seu prolonga-mento até o mar. Com essas medidas de urbanização, cora josas e avançadaspara o tempo, a circulação de mercadorias ficaria assegurada por viasmodernas, ao longo do porto, em direção à zona norte e à zona sul da cidade.

Mais adiante dispunha ainda o inciso referido:

“Para o fim a que se refere a disposição constante dopresente número, poderá o go verno entrar em acordo com asempresas concessionárias de melhoramentos do porto do Riode Janeiro, cu jos contratos este jam em pleno vigor, podendofazer todas as despesas indispensá veis para efeti vidade dosacordos que forem celebrados.”

E, como remate de pro vidências, ordena va a lei:

“Para as despesas de que trata a presente alínea e paratodas as que forem necessárias à execução dos melhoramentosde portos, a que se refere a presente autorização, ficamtambém autorizadas as precisas operações de crédito.”

Estava, portanto, o go verno aparelhado para indenizar osdetentores de concessões e contratos na área do porto, in vestindo-se comoúnico titular dos empreendimentos não realizados pelas empresas particulares,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 427

Page 424: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Rodrigues Alves esua “idéia fixa” às obras do porto do Rio de Janeiro. Caricatura deO Malho. Coleção Álvaro Cotrim

Page 425: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

crédito nacional, consolidado por Campos Sales, na busca de recursostécnicos e financeiros do exterior, que le vassem avante a grande obra.

No empenho de exercer os poderes conferidos pelo orçamentode 1903, o go verno federal tomou logo as pro vidências necessárias.

Em janeiro de 1903, Lauro Müller organizou uma comissão detécnicos, de que foi o presidente, incumbida de preparar o plano das obrasdo porto. Esta comissão era composta pelos engenheiros Francisco de PaulaBicalho,17 Paulo de Frontin, Gabriel Osório de Almeida, J. F. ParreirasHorta, Domingos Sérgio de Sabóia e Sil va e Manuel Maria de Car valho.

 A 30 de abril, a comissão apresentou seu relatório ao minis-tro. Declara, de início, que o trabalho fora muito facilitado em virtudeda existência do plano anterior da Empresa Melhoramentos (Paulo deFrontin), estudo este que a dispensara de sondagens e trabalhos de campo,em terra.

 A comissão considera va excepcionalmente abrigada a zonacompreendida entre a Prainha e o Caju, e entendia que nela de via serconstruído o porto, por meio de cais corrido e, tanto quanto possí vel,sem cur vas. O pro jeto apresentado cobria apenas parte da área, entre aPrainha e S. Cristó vão, na extensão de 3.500 metros.

Fica va pre vista uma faixa longitudinal de 100 metros paraserviço do porto, sendo 25 metros para carga, descarga e mo vimento docais; 35 metros para os armazéns sobre o porto e 40 metros para umalarga avenida de trânsito público. Como se vê, o plano correspondiaexatamente ao que hoje existe.

O plano da Avenida Central (Rio Branco) era exposto nosseguintes termos:

“Todas as vantagens, entretanto, desta organização,serão pre judicadas se, ao mesmo tempo, não forem tomadaspro vidências para a fácil comunicação entre a avenida do porto

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 429

17 Nascido em 1847 na Província de Minas Gerais, Francisco de Paula Bicalhoprocedia de família que deu outro engenheiro de renome: Honório Bicalho. FranciscoBicalho tornarase conhecido depois de ter integrado, com Aarão Reis, em 1897 a

Page 426: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

e as ruas centrais da cidade; o que, aliás, já o Congresso emsua sabedoria pre viu, autorizando o go verno a fazer, fora docais, as obras que forem necessárias para o tráfego das mercadorias. A grande avenida,18 ao desembocar no Largo da Prainha, sóencontraria para seu escoadouro as estreitas ruas e vielas quehoje existem, e nas quais basta a parada de um veículo, paradescarga ou por qualquer incidente, para que toda a circulaçãose paralise. É, pois, indispensá vel que se elimine tão grandetropeço, prolongando-se a avenida atra vés da cidade epondo-a em comunicação com todas as ruas do centrocomercial, muitas das quais terão de ser naturalmente alargadasno futuro.19 Esta avenida central20 já foi por V. Exª indicadae adotada pela comissão, com 33 metros de largura e 1.800metros de comprimento, em linha reta, desde o Largo daPrainha até a praia de Santa Luzia, no prolongamento da RuaChile, e terminará no cais que a Municipalidade pro jetaconstruir nesta parte do litoral, na direção da Glória,21o queconstituirá um valiosíssimo melhoramento, quer para facilidadede comunicações, quer para o embelezamento e salubridadeda cidade.”

 Agora a Avenida do Mangue:

“Para um cais com 3.500 metros de extensão e pelo qualtem de passar todo o mo vimento de importação e exportaçãoda capital federal, não bastará um só escoadouro ou via decomunicação com a cidade; no outro extremo da sua avenida,no prolongamento da Rua de S. Cristó vão, será tambémindispensá vel, desde já, uma ligação que o ponha em comuni-cação com essa parte da cidade e também com o centro docomércio, por intermédio das Ruas Senador Eusébio e Viscondede Itaúna, que comportam bastante tráfego. Esta ligação é

 430 Afonso Arinos

18 Avenida Rodrigues Alves.19 Já vimos que Passos fez isso.20 O nome da futura avenida vinha em letra minúscula; ainda não se havia imposto.

Page 427: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

tanto mais necessária quanto, de vendo a construção do caisser começada pela ilha das Moças, para não embaraçar o atualser viço do porto, ficariam sem ser ventia e apro veitamentoimediato os trechos concluídos nos primeiros anos, por faltade boa comunicação com a cidade [....]. Por estas razõespro jetamos, e acha-se indicada na planta, uma avenida, des -de o cais até a ponte dos Marinheiros, no Canal do Mangue,constituindo o prolongamento das Ruas Senador Eusébio e Vis -conde de Itaúna até o mar. Neste percurso existe o mencionadocanal, representado por uma tortuosa e imunda vala, que terá deser substituída por um canal com 20 metros de largura, pelomeio da avenida, regularmente construído. Este melhoramento,que assim fica fazendo parte das obras do porto, é, há muito, re-clamado, pelo público [....]. A Avenida do Mangue, que terá ne -cessariamente grande mo vimento de circulação, deve cruzar oleito da Estrada de Ferro Central, cujo tráfego já é embaraçadopor outras passagens de ní vel de muito menor importância nacidade. Há muito que a sua administração cogita em libertar aEstrada deste embaraço e parece chegada a oportunidade de rea-lizar esse melhoramento.”

Os períodos finais da transcrição referem-se ao viaduto daCentral, que cruza o Mangue na área referida, o qual foi, também, cons -truído ao mesmo tempo que a parte nova do canal.

O relatório apresenta, em seguida, as especificações do plano.Descre ve as muralhas do cais, com as suas fundações e profundidades,de grandes aterros que de veriam ser feitos entre o cais e a terra firmepara o alinhamento (“a vasta superfície atualmente coberta de água”),aterro no qual seriam apro veitadas terras obtidas com o arrasamento domorro do Senado; a dragagem do fundo da baía para construção dasmuralhas; o aparelhamento do porto e as vias de comunicação pre vistas.O custo total da obra era estimado, em números redondos, em 168.216contos.

Para terminar, a comissão propunha que as obras do porto doRio de Janeiro fossem realizadas, pelo seu caráter especial, por meio deempreitada fora da concorrência pública, “contratando-a com quem já

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 431

Page 428: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de idêntica importância, este ja de vidamente aparelhado para realizá-lascom presteza e disponha de recursos para garantir o exato cumprimentodas obrigações e responsabilidade que deve assumir”. Concluindo orelatório, a comissão ofereceu, em separado, as bases do contrato queentendia de vessem ser adotadas com os futuros empreiteiros.

Utilizando-se da permissão legal, Rodrigues Alves baixou, no dia18 de maio, o Decreto nº 4.839, pelo qual permitiu o ajuste de um emprés-timo de 8.500.000 libras com os banqueiros Rothschild, de Londres. Nodia 20 foi assinado, na capital inglesa, o contrato de empréstimo da citadasoma, com aqueles banqueiros. Segundo declarou mais tarde Leopoldo deBulhões, esse empréstimo foi o que se re vestiu de melhores condições parao Brasil, desde a fundação da República.

 Ao câmbio da época, o empréstimo correspondeu a cerca de136.000 contos, quantia considerá vel, se recordarmos que o orçamento dareceita da União não ia além de 312.000 contos. Descontados os 45.000contos despendidos na construção da Avenida Central, restaram, pois,cerca de 90.000 contos do empréstimo, que, com as somas recebidas dataxa-ouro e das vendas de terrenos, constituíram a massa de recursosaplicados nas obras do porto.

 A 16 de junho, por meio do Decreto nº 4.865, o go vernolançou um empréstimo interno para completar o financiamento dasobras. O empréstimo foi feito mediante a emissão de 17.300 contos emapólices especiais.

Para satisfazer as duas operações de crédito, o presidenteexpediu o Decreto nº 4.879, de 7 de julho, estabelecendo a taxa-ouro de1 ½ por cento, sobre o valor das importações feitas no Rio de Janeiro.

Outros atos de 1903 vieram completar essas medidas prepa-ratórias.

O Decreto nº 4.911, de 28 de julho, abriu crédito especial de300 contos “para ocorrer às despesas com o custeio das propriedadesnecessárias às obras do porto do Rio de Janeiro e ser viços preliminaresdas mesmas obras”. A frase final indica que, em meados do ano, asobras começa vam de fato.

O Decreto nº 4.939, de 28 de agosto, declara sem efeito todos

 432 Afonso Arinos

Page 429: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

setembro, modificou o processo de desapropriação por utilidade públi-ca, para todas as obras da União e do Distrito Federal, de acordo comautorização legislati va anterior, facilitando e economizando grandementea iniciati va pública nesse setor.

O Decreto nº 4.969, de 18 de setembro, apro vou os planos,plantas e orçamentos das obras pro jetadas e criou a comissão fiscal e ad -ministrati va das obras do porto. Esse mesmo decreto determinou ainda aaplicação, na execução dos planos apro vados, do montante do empréstimocontraído com Rothschild, e, sempre no mesmo ato executi vo, o go vernodeclarou a desapropriação dos prédios e terrenos compreendidos no perí-metro das obras, já nos termos da nova lei de desapropriações.

 A firma escolhida para execução das obras plane jadas foiC. H. Walker e Cia. com sede em Londres. O contrato com ela foi la vra-do a 24 de setembro, no Ministério da Viação, figurando Lauro Müllercomo representante do go verno. Pelo contrato (cláusula VIII) os em -preiteiros obriga vam-se a iniciar os trabalhos antes de 31 de março de1904 e a concluí-los antes de 30 de junho de 1910. Pre via-se, também, oescalonamento cronológico do andamento das obras.

Walker, que trouxe da Europa todo o material pesado, inclu-si ve as dragas, estabeleceu suas oficinas do lado de Niterói, na ponta da Areia, antigos estaleiros do Barão de Mauá.

Pelo Decreto nº 5.031, de 10 de no vembro, Rodrigues Alvesapro vou minuciosa regulamentação dos trabalhos da comissão do portoe dos seus órgãos auxiliares, técnicos, administrati vos e contábeis. Opessoal ficou distribuído em di visões, a primeira com os encargos finan-ceiros, a segunda com os trabalhos da construção e a terceira com aadministração do pessoal.

 A superintendência ficou entregue a um conselho deliberativo,subordinado ao presidente da comissão. O pessoal, relati vamentenumeroso, distribuiu-se em engenheiros especializados em obras terrestres,outros em obras marítimas, além dos operários e quadros burocráticos de várias ati vidades. Entre técnicos e pessoal de escritório (sem contar osoperários) ha via mais de 100 pessoas.

Foram nomeados presidente da comissão e chefe da primeira

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 433

Page 430: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

segunda di visão, Francisco Bicalho; e diretor-gerente e chefe da terceiradi visão o engenheiro Manuel Maria de Car valho.

Concluindo as pro vidências preparatórias, o go verno nomeou, a27 de no vembro, para representantes da Fazenda Nacional junto às obras(função correspondente à de fiscal na percepção da receita tributária e apli -cação da despesa nos ser viços) os bacharéis Alfredo Pinto, Francisco Leitee Oiticica e Joaquim Xa vier da Sil veira, todos três homens públicos deprestígio, ocupantes mais tarde de cargos políticos de rele vo.

 Vê-se que, durante o ano de 1903, Rodrigues Alves fez tudo oque era necessário, nos terrenos executi vo, legislati vo e administrati vo,para le var avante a obra que até então ha via desafiado, desde o Império,a competência e a tenacidade dos go vernos.

 Apesar disso, as críticas não o poupa vam. No mês de abril, aimprensa carioca ataca va o go verno pela demora das obras do porto,como se elas pudessem ser iniciadas sem a indispensá vel infra-estruturatécnica, jurídica e financeira.

Em maio, a notícia do empréstimo foi fa vora velmente comen-tada. O Malho, de 23 de junho, publicou reportagem ilustrada sobre ostrabalhos da comissão do porto, vendo-se, em fotografia, FranciscoBicalho explicando o pro jeto. Acentua va o semanário:

“O go verno está fazendo o saneamento da cidade e as obrasdo porto [....]. Atra vessamos uma época de ati vidade e de trabalho. A população carioca anda contente da vida, esperançada, orgulhosa.”

Nos termos da cláusula XVI do contrato com Walker, tinha-lhesido entregue, a 24 de dezembro de 1903, o primeiro trecho de cais a serconstruído. Eram 600 metros, que começa vam na margem direita do vazadouro do Mangue sobre o mar, em frente à pequena ilha dasMoças, já ligada à terra pelas obras da Empresa Melhoramentos e depoisincorporada, pelo aterro, ao litoral. O trecho termina va diante do trapi-che da Gamboa. Os empreiteiros delinearam a área por meio de estacas,providas à noite de pequenos faróis protetores da na vegação, e sondaramo fundo, para efeitos de dragagem.

Os planos do aterro dessa área eram antigos, alguns pro vidos de

 434 Afonso Arinos

Page 431: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O início oficial das obras dentro do mar verificou-se, com aprimeira dragagem, a 29 de março de 1904 e foi feste jado como se fosseuma solenidade cí vica. Rodrigues Alves compareceu, acompanhado dafamília, de todo o ministério e de numerosos congressistas.

Defronte do cais das Docas Nacionais concentrou-se grandequantidade de embarcações, empa vesadas e floridas. Na vios de guerra, va -pores de passageiros, lanchas, barcas, rebocadores, baleeiras, escaleres, bar -cos de remo, dragas e embarcações da empresa concessionária cruza vam-seou estaciona vam defronte ao local, enchendo o mar até o meio da baía.

Rodrigues Alves veio de Petrópolis, tendo atra vessado a Guana-bara, desde o Porto de Mauá, no iateSilva Jardim. Ao aproximar-se da mar-gem carioca, foi saudado pelos canhões do glorioso couraçado Riachuelo,que, com os veteranos companheiros República e Aquidabã, integra vam adi visão na val.

Dezenas de bandas de música, nos di versos na vios, romperam oHino Nacional. Os marinheiros nos tombadilhos e o povo em terra acla -ma vam o presidente, que se mostra va no portaló acompanhado de duas fi -lhas, Ana e Marieta, e dos três filhos, Francisco, Oscar e José. Depois do al-moço, que lhe foi oferecido no edifício das Docas, Rodrigues Alves embar-cou na draga Lauro Müller , de onde pôde assistir ao início da dragagem. Emseguida dirigiu-se para bordo do na vio Desterro, onde recebeu no vas home-nagens. Daí retornou a Mauá e a Petrópolis, com a família.

Durante o ano de 1904, as obras principais foram de dragagem,aterro e preparo das fundações do cais. À draga Lauro Müller  juntaram-semais duas: Rodrigues Alvese a Brasil. As sondagens re velaram solo subma-rino irregular às vezes de difícil remoção. O material dragado de via seratirado fora da barra, em alto mar, por meio de batelões especiais defundo falso, que fizeram, durante o ano, milhares de viagens redondaspara aquele fim.

O Correio da Manhã via as coisas a seu modo. Para ele a dra -gagem era inútil, pois o lodo remo vido era logo substituído por no vascamadas que se forma vam.22 O seu redator-chefe, Leão Veloso, ajuntava atão extraordinárias informações algumas outras, por sua conta. Escre via

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 435

Page 432: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

que o mo vimento das obras ia ser funesto à saúde da cidade, gerando epi -demias perigosas.23

 As três dragas trabalha vam a maior parte dos dias, durante 1904e 1905, sendo de se notar que hou ve uma interrupção em junho do últimoano, “de vido à coação exercida por gre vistas sobre o pessoal das dragas ebatelões de transporte”, segundo informa o relatório do ministro.24

 A construção das muralhas começou com grandes dificuldades,apesar do emprego de métodos até então desconhecidos na América doSul. Utilizaram-se docas flutuantes, que faziam o papel de andaimes, e gran -des caixões de ferro, com cerca de 24 metros de comprimento, 7 de largurae 3 de altura, os quais funciona vam com fundações submersas e fica vamincorporadas à obra. Lançados ao fundo dragado, eram esses caixões deferro completamente cheios de concreto e, sobre eles, le vantaram-se as mu -ralhas do cais atual. O trabalho, começado em dezembro de 1904, repetia aexperiência obtida com a construção do cais de Antuérpia, na Bélgica.

Em 1º de maio de 1905 feste jou-se oficialmente o le vantamentoda muralha sobre as águas, na presença de Rodrigues Alves e outras altasautoridades. Ha via já, então, centenas de metros de cais terminados.

O aterro da área situada entre o cais e o litoral principiou emsetembro de 1905 com o desmonte das terras ele vadas das ilhas dosMelões e das Moças. Em junho de 1906 já ha via 500 metros de caisnivelados com o aterro.

Como fora pre visto no contrato, as obras do porto de viamprolongar-se pelo quatriênio seguinte.

Na mensagem de 3 de maio de 1907, dizia o Presidente Afonso Pena:

“Prossegue com regularidade a execução das obras doporto desta capital, de vendo achar-se concluída até fins dedezembro de 1910.”

Em maio de 1908 esta vam concluídos quase 1.500 metros decais, devidamente aparelhado. Desde o início daquele ano, o Lóide Brasi-

 436 Afonso Arinos

23  Ibidem, 10 de junho.

Page 433: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

leiro fazia ali atracar os seus na vios, em caráter experimental. No fim domesmo ano, o cais já conta va com mais de 1.900 metros e 5 armazénsachavam-se prontos.

Com a morte de Afonso Pena não arrefeceu o andamento dasobras. Nilo Peçanha, em maio de 1910, informa va que a construção docais já atingia a quase dois quilômetros e meio e mais 6 armazéns esta- vam sendo construídos. Pronto esta va o aparelhamento necessário: a es -trada de ferro, os guindastes, os ser viços de força elétrica. O porto doRio de Janeiro podia funcionar. Em 20 de julho de 1910, foi ele inaugu-rado oficialmente pelo Presidente Nilo Peçanha. O cais atingia 2.700metros, desde a antiga praia de S. Cristo vão até as Docas Nacionais.Pronta esta va a grande avenida, mais larga do que a central, e que to -mou o nome de Rodrigues Alves.

O CANAL DO MANGUE

Quem hoje percorrer o largo espaço de terra carioca que seestende das fraldas do morro de Santo Antônio até a ponta do Caju, nãopode fazer idéia do que era essa extensa planície nos tempos do Rio an-tigo. Dentro dela sucediam-se lagoas, cursos de água e braços de mar(“rias”, como dizem os portugueses) entre montes.

No seu Aparência do Rio deJaneiro, Gastão Cruls escre ve:

“A lagoa da Sentinela [....] que cobria toda área depoisocupada pela Cidade Nova, estendendo-se até os mangues deSão Diogo, foi por muito tempo o maior óbice à penetraçãopara o oeste. Visando drená-la, foi que se abriu o Canal doMangue, propício ao seu aterro, realizado aos poucos. Por Aterrado era mesmo conhecido esse trecho da cidade, depoisque desapareceram a lagoa da Sentinela e os mangues adjacentes.Esses mangues, em con junto designados por saco de S.Diogo, eram de tal monta que separa vam completamente docontinente os morros de S. Diogo, Li vramento e Conceição. Além disso, prolongando-se até onde está a Praça Mauá faziam

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 437

Page 434: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

separados por uma língua de mar os morros de S. Bento e daConceição.”

Com a expansão da capital em direção ao interior, foi-seconstruindo, depois da vinda da Corte, a chamada Cidade Nova, su -cessão de ruas bem construídas, situadas entre a Lapa e o Campo deSantana. Em 1860, o Barão de Mauá, que fizera erigir para sede daCompanhia do Gás o belo edifício ainda existente (hoje tombadopelo Patrimônio Histórico), empreendeu a importante obra de cons -trução de um canal que drenasse, naquela zona, as águas acumuladaspelos alagadiços, pelas cheias dos pequenos cursos perenes e pelastorrentes plu viais que desciam das encostas.25 Os pântanos primiti- vos já esta vam bastante diminuídos pelos sedimentos de terra dasmarés, pelos aterros naturais, arrastados nas enxurradas decorrentesdo desmatamento dos morros, e pelas construções da Cidade Nova.Entre o Rossio e S. Cristó vão, procedeu-se a um aterro mais urbani-zado, que ser via de caminho de ligação entre a cidade e o Paço daBoa Vista. Ao lado dessa língua de solo firme (o Aterrado, de queainda fala Machado de Assis),26 abriu-se estreita vala de proteção, aqual foi origem do primeiro Canal do Mangue. Este, quase na formaatual da sua primeira seção, foi obra do Barão de Mauá. Mas o canalsó ia até a ponte dos Marinheiros, a qual era a obra de arte com que o Aterrado transpunha o canal, cu jas águas, a partir dele, infletiam paraleste, rumo à enseada de S. Cristó vão. Toda esta zona, em que aságuas do canal se mistura vam com as da maré montante, constituía osaco de S. Diogo, e era su jeita a freqüentes inundações. Aterros naorla marítima diminuíam ainda mais o vazamento insuficiente da co -municação do canal com o mar, impedindo a drenagem das águasacumuladas naquele. Lauro Müller, no relatório de 1905, assim des -cre ve a situação:

 438 Afonso Arinos

25 Mauá morava, desde 1858, no antigo palacete do Caminho Novo, mandadoconstruir por Pedro I para a Marquesa de Santos. Esse solar, à entrada da Quintada Boa Vista, só tinha a lucrar com o canal.

26 O Aterrado correspondia à antiga Rua do Senador Eusébio, que tanto conheci nomeu tempo de aluno do Internato Pedro II rua desaparecida com a construção da

Page 435: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“O desen vol vimento da cidade, a tra vessia da estrada deferro,27 os aterros e construções feitos nas imediações, unidasa outras causas naturais [....] foram pouco a pouco restringin-do a área ocupada pelo mar.”

Em começo do século a vazão se fazia por estreita valeta, queprendia mais que drena va o canal, transformado em represa imunda, noqual desemboca vam dezenas de galerias, que lhe aumenta vam periodica-mente as águas pútridas.

Estudada a alternati va do aterro total ou da abertura de umanova seção do canal, entre o mar e a ponte dos Marinheiros, optaram ostécnicos pela segunda solução.

Feito e apro vado o pro jeto geral da obra, iniciou-se ela em fe - vereiro de 1904. Corrigiu-se e melhorou-se o traçado da parte antiga econstruiu-se toda a parte nova do canal, o que veio melhorar enorme-mente a higiene da zona e terminar com as inundações de verão. Aomesmo tempo, ni velou-se por meio de aterro toda a extensão entre aenseada de S. Cristó vão e a praia Formosa, de onde saíam os trens daLeopoldina, não longe de sua atual estação central. Nesse aterro foiempregado, pela primeira vez na América do Sul, custoso aparelho queextraía mecanicamente a terra da ilha dos Melões e a transporta va, porsistema ele vado, até o ponto em que de via ser lançada. Le vantaram-se asmuralhas, abriram-se, asfaltaram-se e arborizaram-se as avenidas laterais,em todo o percurso do canal. Surgiram no vas vias de acesso, fizeram-sepontes nos ní veis das ruas, em substituição às antigas, ele vadas, e, final-mente, como obra de especial utilidade, le vantou-se o ní vel da linha daCentral, fazendo com que os trens transpusessem o canal pelo viadutodo Mangue, entre as estações de S. Diogo e S. Cristó vão. A construçãoda linha ele vada fora iniciada em maio de 1905, mas o viaduto só foiinaugurado, pelo Presidente Afonso Pena, em 12 de outubro de 1907,em grande festa, à qual compareceram, além da família presidencial, osMinistros Miguel Calmon e Ta vares Lira, o Prefeito Sousa Aguiar, semfalar na multidão acumulada ao longo da estrada, entre S. Diogo e

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 439

Page 436: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

S. Cristó vão. No mesmo dia, em justa homenagem ao go verno do seuantecessor, Afonso Pena inaugurou a nova estação de Lauro Müller.

FRONTIN E A AVENIDA CENTRAL

Pela lei de orçamento referente a 1903 – já o vimos – ficou ogo verno federal autorizado a construir as obras públicas necessárias aotráfego das mercadorias procedentes ou destinadas ao porto.

 A construção da seção nova do Mangue, os melhoramentos dasua seção antiga e a urbanização da extensa zona compreendida entre a praiade S. Cristó vão e o Rossio corresponderam à ligação do porto com a zonanorte e parte do centro comercial da cidade. A Avenida Central foi ocomplemento necessário à ligação com outra parte do centro e a zona sul.

 A grande avenida, sonho e orgulho daquela geração, tinha carac-teres urbanísticos e sociológicos bem diferentes da do Mangue. Seu signifi-cado de via comercial de acesso ao porto era largamente superado pelo seuaspecto de moderno bule var, artéria do outro lado da ci vilização brasileira:lado do aparato, do bom gosto, do mundanismo e da cultura.

 A velha Rua do Ou vidor, estreita fresta pela qual penetra va aci vilização européia – sobretudo francesa – com as suas modistas, li vra-rias, joalheiros, seus jornais e cafés, o vai vém constante de políticos, in -telectuais, homens de negócio e belas mulheres, centro de atração e irra-diação das glórias e vaidades, boatos e mexericos, já não podia compor-tar a mudança que se opera va nos costumes e nos sentimentos, mudan-ças de que o go verno Rodrigues Alves foi, ao mesmo tempo, instru-mento e conseqüência.

 A fascinação de Paris e a emulação com Buenos Aires vinhamacentuar esta espécie de aspiração, que deixara de ser carioca para se tornarnacional, da construção da grande avenida que viesse eliminar o complexode inferioridade e inflar o ingênuo orgulho das elites brasileiras.

Também o povo, sempre solidário com as expressões de afir-mação nacional, deu constantes demonstrações de apoio à esperadarealização, de cu jos benefícios diretamente veio a participar, embora

 440 Afonso Arinos

Page 437: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A construção de uma via pública, como a Avenida Central,assumiu importância que tal vez seja difícil de entender para o obser vadororiginário das grandes nações ci vilizadas.

Mas, no Brasil daquele tempo, o feito teve lances de heroísmo.Era a vitória contra a rotina, o atraso, o desconforto, a falta de higiene, asu jidade. Vitória da energia, da capacidade técnica e do otimismo de umgrupo de go vernantes.

 A arquitetura caprichosa de ti jolo, caliça e gesso não prima va peloapuro ou beleza, nem mesmo diante de certos modelos coloniais. Mas, comobem obser va um moderno historiador da arte, Clari val do Prado Valadares,os valores que compõem o que se chama “o bom gosto” são essencialmentemutá veis, e, conseqüentemente, não cabe ridicularizar os brasileiros que seextasia vam ante as formas embonecadas dabelleépoque, triunfantes na Avenida,pois elas correspondiam à maneira de ser dos homens daquele tempo. Semesquecer que abelleépoque vê-se, modernamente, compreendida e lou vada porcríticos competentes, que exigem a preser vação dos seus testemunhos maissignificati vos em Paris, no Rio e outras metrópoles.

 Alguns comentaristas bené volos entre viam em sonhos, desde1902, a realidade da futura avenida.

 Assim o redator deO  Malho, que escre veu o seguinte, para aedição de 13 de junho daquele ano:

“Quando, daqui a quatro anos, o Sr. Lauro Müller condu-zir o Sr. Rodrigues Alves pela grande avenida afora, até o cais;quando o Sr. Rodrigues Alves vir esta cidade saneada, limpa,com largas ruas bem calçadas, bem edificadas, bem are jadas, ea população acrescida vi vendo como na Mimi Bilontra feliz econtente [....] S. Exª al vissará o seu grande ministro e poderádizer, como Tito: ‘Graças aos deuses não perdi o meu quatriê-nio’ [....]. E pode ficar certo de que a posteridade o repetirá.”

Na mesma edição, o semanário carioca estampa va amplonoticiário sobre as realizações do go verno. Abria página de homenagem,com retratos de Rio Branco, Lauro Müller, Leopoldo de Bulhões,Seabra, Passos e Frontin. Publica va plantas da transformação da cidade,nas quais apareciam o porto, as avenidas marítimas e a Avenida Central

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 441

Page 438: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

morro do Senado viria abaixo e sua terra encheria a orla do mar; oMangue seria uma bela rua. Mas a grande esperança era a Avenida Central.

“Parte ela [dizia o texto] em linha reta da praia de SantaLuzia e vai ter ao Largo da Prainha, ligando, portanto, duaspartes opostas da nossa baía. Tem a extensão de 1.800 metrose a largura de 33 metros.”

Uma caricatura indica va que a glória do presidente começa va ase ombrear com a do seu chanceler. Nela aparecem os dois, e o primeirodiz ao segundo: “Sr. Barão, só temos dois homens capazes de endireitaristo; um é V. Exª nas relações exteriores.” Ao que Rio Branco respondia,mesureiro: “O outro é V. Exª, Sr. Conselheiro, nos negócios interiores.”

Em agosto de 1903, apareceu uma re vista que se proclama vamodern-styleeart-nouveau, a qual tomou o título de A Avenida. Seu diretorera Carlos Magalhães; como diretor-secretário figura va Domingos RibeiroFilho28 e o caricaturista-chefe era Crispim do Amaral.

Nela colaboraram com desenhos, entre outros, J. Carlos eHélios Seelinger.

No primeiro número (1º de agosto) de A Avenida, em traba-lho de Crispim do Amaral, aparece na capa uma mulherbelleépoque, queatira flores sobre a perspecti va de uma larga rua, edificada com prédiosde vários andares. O go verno da República ia realizar esse sonho.

O emprego de verbas federais em obras municipais, fato cuja ex -plicação era ób via, dado o interesse nacional das mesmas obras, não pro vo-cou resistências de monta. Mesmo mais tarde as críticas a esse fato não fo -ram importantes e origina vam-se sempre de moti vos políticos.

Em 1914, por exemplo, o Senador Francisco Glicério, cu jasrelações políticas com Rodrigues Alves sofreram alternati vas de aproxi-mações e desencontros, falando no Senado na sessão de 6 de outubro,afirmou que, no período do go verno de Rodrigues Alves, hou vera

 442 Afonso Arinos

28 Domingos Ribeiro Filho era funcionário civil do Ministério da Guerra. Colaboroumais tarde em A Careta e evoluiu para o comunismo, quando da fundação do

Page 439: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“despesas ilegais e avultadíssimas”. E acrescentou: “A Avenida RioBranco, esta beleza que legitima qualquer ilegalidade [....], foi aberta semnenhuma autorização legislati va.”

No dia 8 Rui Barbosa, oposicionista ferrenho ao go vernoHermes, que Glicério apoia va, contestou a afirmati va do senadorpaulista e historiou a legalidade de todo o procedimento. Em certomomento, afirmou:

“A comissão de obras do porto desta cidade, estudando oassunto, considerou a abertura da Avenida como complementonecessário dessas obras, ha vendo-a por indispensá vel parafacilitar o tráfego de mercadorias em embarque ou desembarquepor esse cais [....]. Conformando-se com esse parecer, que seacha no relatório da Viação de 1905, o Conselheiro Rodrigues Alves lhe dá forma executi va, expedindo, em 18 de maio de1903, o Decreto nº 4.839, no qual o presidente [....] autorizou oministro da Fazenda a contratar com os banqueiros N. M.Rothschild and Sons, de Londres, o empréstimo de 8 ½ milhõesde esterlinos [....] destinado às obras de melhoramento do portodesta cidade e outras complementares.”

Concluiu o orador:

“Assim como este, poderia eu buscar outros exemplos,para que se evidenciasse a iniqüidade com que o meu ilustreamigo, no intuito de exaltar uma situação condenada, ofendeu,depreciou as situações dignas de outro respeito, encaradaspelo país com outra consideração e, certamente, de futuro,qualificadas pela História com outra justiça.”

Rui fala va, de fato, pela História. Comparar um go vernocomo o de Rodrigues Alves, re volucionário dentro da lei, com o deHermes, ilegal sem re volução, era o cúmulo da desfaçatez.

No dia seguinte ao do discurso de Rui, o seu velho compa-nheiro dos tempos acadêmicos passou-lhe agradecido telegrama. Ruirespondeu em despacho no qual há esta bela frase: “Não conheço maiorprazer do que fazer justiça.” Pormenor picante: o mesmo Rui Barbosa,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 443

Page 440: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

da Avenida Central, no discurso já citado, de 29 de outubro de 1903.Então disse:

“Peço a Deus que o resultado de intuito tão bem inspiradonão seja unicamente deixar em ruína uma grande parte desta capital[....]. Rasgada a Avenida, desapropriados os prédios necessários àsua abertura, terá o go verno federal, terá o go verno municipal queencarar dificuldades ainda maiores. Será preciso guarnecê-la de pré -dios; será preciso construir essa faustosa Avenida que se pro jeta eeu du vido atualmente do concurso dos capitais indispensá veis [....].Será preciso o emprego de grandes capitais; será preciso a constru-ção de prédios custosíssimos. Nesse meio tempo, a situação do co -mércio, a situação de parte da população, cu jas raias hou verem deser atra vessadas por essa nova artéria [....] terá criado para os seusmoradores, terá criado sobretudo para o comércio [....] grandes pre - juízos, grandes dificuldades [....]. Não é fácil deslocar, mudar o co -mércio acumulado até hoje à margem das ruas por onde vão passaras no vas avenidas. As primeiras desapropriações, acredito eu, absor- verão a importância dos recursos agora pro jetados.”

Nenhum desses prognósticos de Cassandra se confirmou. Asdesapropriações atingiram ní veis muito razoá veis, dado o espírito decooperação dos proprietários, estimulados pelo povo. As edificaçõesno vas fizeram-se com grande rapidez. Tudo deu certo.

Pelo decreto de 21 de no vembro de 1903, foi tomada aprovidência preliminar e básica para a construção da Avenida.

Com efeito, naquele ato, o presidente resol veu “nomear o Dr. André Gusta vo Paulo de Frontin para o cargo de engenheiro-chefe da Co -missão Construtora da Avenida Central, com os vencimentos que lhe com -petirem”. A 24, Frontin entrou no exercício das suas funções.29 A Comis-são Construtora estabeleceu sua sede na casa da Rua da Quitanda, 49.

 444 Afonso Arinos

29 No livro Presença dePaulo deFrontin (ed. de 1906, p. 75), Luís Dodsworth Martinsinforma que Frontin foi nomeado chefe da Comissão Construtora a 2 de janeiro.O relatório de Lauro Müller para 1904, entretanto, declara que a nomeação verificou-se a 21 de novembro (p. 651). Adotamos a versão oficial.Provavelmente, Frontin foi nomeado em janeiro para orientador do plano e

Page 441: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf
Page 442: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Por portaria de 21 de no vembro de 1903, Lauro Müller apro- vou as instruções para a Comissão Construtora da Avenida Central.

 A Comissão era instituída de conformidade com o decreto queregulamentou as obras do porto, e as despesas com a futura Avenida seriamsatisfeitas mediante os recursos pre vistos em lei para aquelas obras.

 A Comissão tinha por chefe um engenheiro, cuja ampla com -petência fica va minuciosamente definida. Ele podia negociar as desapro-priações, encaminhar a venda dos terrenos e materiais das demolições,adquirir materiais, fixar salários, organizar pro jetos, regular as construções,dirigir, em suma, a grande obra. Era assistido por engenheiros, ad vogados,contadores e pessoal administrati vo, além dos operários.

O corpo de engenheiros da Avenida compunha-se de 23,chefiados, em diferentes seções, pelos seguintes: Henrique CoutoFernandes, José Clemente Gomes, José Valentim Dunham, Manuelda Sil va Oli veira, Gabriel Denis Junqueira e Eugênio de AndradeDodsworth.

O pro jeto apro vado pre via traçado que partia da Prainha etermina va na praia de Santa Luzia. De veria o traçado costear, de umlado, os morros de S. Bento e do Castelo e, do outro, o morro de Santo Antônio. Além disso, cumpria preser var a integridade do tradicionalPasseio Público, obra do Vice-Rei D. Luís de Vasconcelos. Essas con -dições topográficas limitaram a largura da Avenida que, no entanto, mediantepequeno corte no morro do Castelo, pôde atingir 33 metros. Frontininsistira nesta dimensão, para superar a Avenida de Mayo, de Buenos Aires, que conta somente 30.

Frontin foi o grande plane jador da Avenida. Lauro Müller, aoque diz, traçara, sobre uma planta da cidade, a sua direção. Mas umacoisa é fazer isto e outra é transformar uma aspiração em planoexeqüível, e foi o que fez Frontin. O jo vem chefe lobrigou, pela primeira vez, o traçado futuro, subindo à torre do Con vento da Ajuda, próximo àpraia de Santa Luzia, e tomando como ponto de referência os telhadosdo Liceu Literário Português, então situado na Prainha.

Passou logo depois a estudar, com grande rapidez, a locaçãodo eixo da Avenida, certificando-se do número, dimensões e situações

 446 Afonso Arinos

Page 443: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Para isto publicou, a 25 de no vembro, edital que dava aosproprietários interessados o prazo até 15 de dezembro para entraremem entendimento amigá vel com a Comissão. A boa vontade geral queexistia quanto à reno vação da cidade fez com que não hou vesse dificul-dades maiores no trato com os proprietários.

Logo a 26 de dezembro foi assinada a primeira escritura dedesapropriação de dois prédios, nas ruas Municipal e dos Ouri ves, per -tencentes ao Barão de Vidal.30 Até o fim daquele mês já ha viam sidodesapropriados 29 prédios.

 As demolições começaram na Rua da Prainha nº 27, no dia 26de fe vereiro de 1904. Era um pardieiro colonial. O material da demoli-ção dessa casa foi logo adquirido por um capitalista, o ComendadorConrado Jacob de Nieme yer, e por ele transportado para a localidade deS. Conrado, ao fim da avenida litorânea que hoje traz o seu nome, a fimde ali construir uma casa. Este pequeno fato ilustra o ambiente de quasemisticismo que cerca va a construção da Avenida.

O início oficial das obras, contudo, só ocorreu a 8 de março,solenemente, na presença do presidente da República.

 As fotografias dos jornais mostram Rodrigues Alvesassistindo à bênção do terreno e ao lançamento da primeira pedra da Avenida.

O terreno em que se lançou a pedra fundamental correspon-dia ao quarteirão limitado pela Avenida e pelas Ruas Acre e S. Bento.Para ni velá-lo foi preciso proceder a um corte na pedra do morro deS. Bento.

O  Jornal do Comérciodo dia 9 dá circunstanciada notícia doacontecimento. O presidente chegou às 2 horas, acompanhado do mi -nistério, à exceção de Rio Branco, que daria nome à Avenida. Dirigiu-seao Liceu Literário Português, na Prainha, onde foi recebido por Frontin,o Bispo D. Joaquim Arco verde e numerosas autoridades. Depois decurta recepção, o presidente dirigiu-se ao ponto escolhido, onde proce-deu ao lançamento da pedra fundamental do primeiro edifício, perten-cente a Eduardo Guinle. La vrou-se a ata da inauguração, que assinaram,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 447

Page 444: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

além do presidente, seus ministros, o prefeito e outras autoridades,numerosos representantes da sociedade carioca de então, em todos osseus setores. Entre os nomes figuram os de Camelo Lampreia, UrbanoSantos, Antonio Azeredo, Hermes da Fonseca, Manuel Vilaboim, EduardoGuinle, Barão Homem de Melo, Barbosa Rodrigues, RodolfoBernadelli. O Malho  comentou no dia 12:

“É de se esperar que, desta vez, os mestres-de-obrasfiquem metidos nas encolhas com seus estafados pro jetos de janelões, caixotes e compoteiras no cocuruto dos prédios, nãofalando das ignóbeis figuras de louça dos frontões e das por -teiras. Sempre é mais agradá vel ver-se uma coisa com jeito dearte e estilo do que esses pardieiros acha vascados do tempoem que Cairu abriu os portos do Brasil.”

O redator, le vado pelo gosto do tempo, despreza va os belossobrados coloniais e debica va dos vasos e figuras de louça das fachadas,que hoje constituem raridades disputadas nos antiquários. Preferia osfestões, an jos e sereias de gesso.

Esses prédios art-nouveau, que se manti veram até a febreimobiliária trazida pela inflação, eram pro jetados pelos melhoresarquitetos do tempo.

 Aqui vai a relação daqueles que ti veram seus pro jetosaprovados pela Comissão Construtora: A. Morales de los Rios, Antônio Jannuzzi, Antônio Raffin, Antônio Vanini, Fried e Ekman, Gastão Baiana,Gusta vo Adolfo, Heitor de Melo,31  John Oberg, José Gonzales,Manuel do Amaral Segurado, Oscar Pareto Torres, Tomazzo G. Bezzi,Tra jano de Medeiros e Vicente de Car valho.

 448 Afonso Arinos

31 Heitor de Melo, filho do Almirante Custódio de Melo, era arquiteto de gosto francês.Um dos edifícios que ainda restam da velha Avenida, o Jockey Clube, é projeto seu. Além deste subsistem ainda (1970), como testemunhos da Avenida Central e obras de vários autores, o Palácio Monroe, a Biblioteca Nacional, a Escola de Belas-Artes e aCaixa de Amortização. O Teatro Municipal, inspirado na Ópera de Paris, foi obra deFrancisco Passos e do seu filho do mesmo nome, também engenheiro; só foiinaugurado em 1909, no governo Nilo Peçanha. Rodrigues Alves assistiu ao

Page 445: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Os trabalhos de locação e demolição prosseguiram dia e noite.Começaram a correr boatos sobre erros no pro jeto, que logo ecoaramnos jornais. Dizia-se que o eixo da Avenida esta va torto e que otraçado pre visto no papel não esta va sendo executado. O principal veículodesta balela era o Correio da Manhã.

Rodrigues Alves chegou a preocupar-se, mas Frontin tranqüi-lizou-o.

 As demolições continua vam com fúria, e eram ob jeto de fo -tografias da imprensa. Frontin obte ve que a Companhia Jardim Botâni-co, que já fazia este ser viço para a Prefeitura, montasse uma linha pro vi-sória de vagonetes elétricos, que transporta vam o entulho dos casarõesdemolidos para ajudar os aterros que o prefeito fazia no mar. Para issoperfurou-se um arco nas paredes de antigo sobrado que obstruía o ca -minho. Era a casa comercial Costa Pacheco e Cia. Agora poder-se-ia as -sentar uma pequena linha de trilhos de fora a fora, de mar a mar, o quese fez, para transporte dos materiais das demolições.

 Já depois de terminada a sua presidência, Rodrigues Alves re -petia aos filhos uma anedota que muito o di vertia. Contou-lhe um ami -go que certo conhecido de ambos, de Guaratinguetá, viera ao Rio emplena febre das demolições para a abertura da Avenida, e contemplara,assombrado, as ruínas do que fora a velha capital do Império. De voltaa Guaratinguetá declarou ao amigo comum que ha via votado em Rodri-gues Alves com grandes esperanças, mas que, agora, quando ti vesse de es -colher um presidente da República, iria procurá-lo no hospício.

Em agosto caiu o último casarão. Fica va ao fim do traçado, naRua da Ajuda, já próximo a Santa Luzia. Ao todo foram demolidos 641prédios.

 A 7 de setembro, desafiando vitoriosamente a ignorância dosmaldizentes, Frontin inaugurou o eixo da Avenida, retilíneo e desimpedi-do. Hou ve festa; distribuíram-se cartões postais comemorati vos. Na mes -ma data inaugurou-se a iluminação elétrica pro visória no traçado do eixo.Rodrigues Alves percorreu-o em toda a extensão, de Santa Luzia à Prai-nha, pela via aberta ao trânsito, que conta va apenas 8 metros de largura.

O percurso foi feito em um corte jo de carros elétricos, sendoo primeiro ocupado pelo presidente e autoridades e os demais por con-

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 449

Page 446: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Rodrigues Alves ePaulo deFrontin veri ficamseo eixo da avenidaestava ou não errado. Caricatura deO Tagarela, cuja legenda é

 a seguinte:R. A. – Quebela vista d’aqui! /  Dr. Frontin. – Não há nada como a genteestar decima.. Coleção Plínio Doyle

Page 447: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Foi um passeio festi vo, sendo que, ao passar pelo edifício emconstrução dos Guinle, hou ve uma parada, sendo oferecidos refrescos elicores à comiti va.

Na véspera, Leão Veloso, um dos que sustenta vam a pretensatese do eixo torto da Avenida, ha via estampado um artigo em queprocura va ridicularizar ao máximo a festa do dia seguinte, a qual nãodeixa va de ser uma espécie de reação contra as mentiras reiteradas doCorreio da Manhã.

 Já se tornara evidente que a má vontade e o pessimismo dealguns poucos não abala va a onda de confiança e entusiasmo do povo,que via diretamente o resultado das obras. Começa vam a chegar quanti-dades crescentes de brasileiros do interior, que vinham ao Rio somentepara ver as transformações que se opera vam.

No dia 27 de março de 1905, deu-se a inauguração doprimeiro prédio da nova Avenida Central, o então nº 68, próximo àRua S. José, onde mais tarde funcionou a Tabacaria Londres.32Era oseu construtor e proprietário o arquiteto Antônio Jannuzzi. A inaugu-ração foi solene e dela se la vrou ata, publicada no Jornal do Comércio de28. Vemos por esta que esti veram presentes homens prestigiosos napolítica, nos negócios, na vida intelectual, como Lauro Müller, Frontin,Cardoso de Castro, Alfredo Pinto, João do Rio, Cândido Gaffré,Guilherme Guinle. Dias depois inaugurou-se o segundo prédio. Tinhaquatro andares, fica va entre Sete de Setembro e Ouvidor, e pertencia aManuel de Magalhães Melo.

 A 10 de abril, a Comissão Construtora assinou contrato parapa vimentação da Avenida, com a firma norte-americana The HastingsPa vements Co., de Nova Iorque, mas os trabalhos só foram iniciadosem setembro, quando as obras de infra-estrutura (esgotos, iluminação eoutras) terminaram. O calçamento, disseO Malho, ia “com rapidez quase

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo  451

32 Recordo-me perfeitamente dessa loja. Tinha teto estucado, no estilo da época. Osbalcões corridos, cobertos de vidro, exibiam charutos, cachimbos, latas de fumo.Havia um bico de gás sempre aceso, para os fumantes acenderem os cigarros echarutos. Aluno do Pedro II, eu passava por ali fardado e acendia o meu cigarro,

Page 448: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

incrí vel”. Em um mês esta va terminada essa primeira pa vimentação dagrande artéria. Em no vembro, começa va o re vestimento, em mosaicoportuguês, dos passeios laterais, feito por calceteiros mandados vir deLisboa, com permissão da Câmara Municipal daquela cidade.

Em outubro começou o plantio de ár vores, em cerimônia quetomou caráter mundano. Além das autoridades, várias senhorascompareceram. Rodrigues Alves anota, no dia 21 daquele mês:

“Fez-se a plantação das primeiras ár vores na Avenida,com solenidade. Os jornais falam com elogio da obra. Foramduas ár vores de pau-brasil as primeiras plantadas.”

O pau-brasil foi utilizado na arborização central, hoje infelizmentesuprimida, e na dos passeios empregou-se o chamado jambeiro brasileiro( Eugenia speciosa).

No dia 14 de no vembro, véspera da entrega da Avenida aopúblico, o presidente inaugurou o edifício da Caixa de Amortização, cujapedra fundamental fora lançada em março, tendo sido, portanto, construídoem oito meses. Situado na esquina da Rua Visconde de Inhaúma, era dosmais discretos e harmoniosos edifícios daquele con junto meio disparatado.Próprio nacional, foram nele empregados materiais mais nobres, que lhederam maior duração e dignidade, como se vê ainda hoje.33

 A Avenida esta va praticamente concluída em pouco maisde um ano e oito meses de trabalho. Custara aos cofres públicos –com o auxílio do empréstimo inglês, de ve-se recordar – a soma de41.330 contos, em números redondos. Só hou ve um acidente demonta no empreendimento: o desabamento do edifício, em construção, doClube de Engenharia, na esquina da Rua Sete de Setembro, com doismortos e vários feridos. Durante tempos foi o fato pretexto de pilhériaspouco amá veis para a engenharia nacional. Na ocasião debateu-se oassunto entre os técnicos, entrando no debate o próprio Frontin,presidente do Clube. Mas as causas reais do desastre nunca ficaramesclarecidas.

 452 Afonso Arinos

33 Por proposta do autor ao Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

Page 449: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O dia 15 de no vembro, grande data para o carioca, não foifavorecido pelo tempo. Cho veu fortemente, o que comprometeu a belezada festa, embora não chegasse a diminuir o entusiasmo da massa popularque encheu a grande via.

Com a discrição de sempre, Rodrigues Alves anota:

“15 de no vembro – Foi inaugurada a Avenida Central,ha vendo re vista às tropas às 9 ½ da manhã. Cho veu muitomas a festa correu bem, notando-se muita alegria na população.Os jornais descre vem bem esse acontecimento.”

O último parágrafo indica que o presidente rabiscou a suanota no dia 16, no qual a imprensa abriu colunas à grande notícia. Veiogente do interior para presenciar o fato. Depois do desfile de tropas,Rodrigues Alves rompeu a fita de seda que atra vessa va a Avenida. Nota- va-se, entre os assistentes da classe mais alta, que a modernização dostra jes masculinos começa va a dominar. As sobrecasacas e as cartolaspareciam sair da cena, como os sobrados escuros e as vielas úmidas. Alguns dos próprios membros da alta administração, demonstrandoespírito pioneiro, ostenta vam tra jes de flanela clara, chapéus de palha,caras raspadas. “O Rio ci viliza va-se”, como dizia o cronista social FigueiredoPimentel.

 Ve jamos alguns comentários e descrições da imprensa, alusi vosà inauguração:

Na edição de 23 de no vembro, a re vista Os Anais, dirigidapelo escritor Domingos Olímpio (a qual, juntamente com a Kosmos,eram as publicações de melhor ní vel intelectual do Rio), transmite aatitude do presidente no dia da festa. Diz a re vista:

“Bem se via que o presidente da República esta vasatisfeito no seio do povo, despreocupado do pungente acicatedas idéias sub versi vas, das instigações deletérias das paixões, domurmúrio das queixas, como se uma ampla trégua generosalhe inspirasse aquela atitude de veneração agradecida aogoverno, cuja iniciati va patriótica o dotara com um melhoramento

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 453

Page 450: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A Ga zeta deNotícias do dia 16 relata como o presidente emtan-dem descoberto,34  acompanhado dos Srs. Lauro Müller e Rodrigues Alves Filho, começou a passar em re vista às forças em parada, percor-rendo toda a extensão da Avenida Central.

O País faz literatura republicana:

“A esperança de um belo dia sagrando uma bela data euma bela obra desfez-se infelizmente; o sol não veio e foi sobum aguaceiro impenitente e odioso que se fez ontem a inau-guração da formosa Avenida que foi, no dia da festa da Repú-blica, a concretização mais evidente e irrecusá vel das duaspromessas de melhores dias. O céu amanheceu tur vo e tor vose conser vou até a noite, como uma carranca de sebastianistaimpenitente [....]. Não hou ve sol mas hou ve entusiasmo; e amultidão que veio para a rua e que, a despeito do chu veiro, sederramou pela grande via, encheu-a de vida e mo vimento[....]. A grande via esta va aberta oficialmente para o Rio de Janeiro e, por entre a massa popular vibrante, exaltada, movidapor excepcional e justo entusiasmo, a carruagem presidencial,onde se acha vam as figuras do chefe de Estado e do ministroque fizeram a construção admirada, desfila va vagarosamentediante das continências da di visão e das aclamações dopovo.”

O austero Jornal do Comércio depôs:

“Raras vezes um acontecimento público terá atraído auma extensa área da cidade mais gente do que a inauguraçãoda Avenida Central atraiu ontem, desde pela manhã, à zonaurbana. O estrangeiro que visitar agora a nossa capital já temna Avenida um belo exemplo do progresso material que o

 454 Afonso Arinos

34 Carro de cavalos, também chamado à Daumont. Foi usado em ocasiões solenes,pelo menos até o governo Venceslau Brás. O Conde Modesto Leal conservava nasua chácara das Laranjeiras um carro à Daumont, recolhido talvez das equipagenspresidenciais. A elegante carruagem causava minha admiração infantil, quando, na

Page 451: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rio de Janeiro se sente resol vido a realizar [....]. A festa esta vabela: bela em si e bela pela expressão de íntima satisfação, deimensa alegria que punha em todos os semblantes. Ninguémse queixou demais da hostilidade do tempo, do incômodo dalama, do martírio do calor.”

O risonhoO  Malho embandeira-se em arco na edição de 18. Abre página em homenagem a Rodrigues Alves, Lauro Müller e Pau-lo de Frontin. A reportagem é entusiástica. Fala em “suntuosidade[....], amplas perspecti vas [....], primores de arquitetura”. Diz: “Estasgrandes obras [.....] não só ilustram para sempre os períodos de go vernoque as iniciam, continuam e terminam, mas, principalmente, afirmama energia do caráter nacional.”

Nos dias seguintes continua vam a ser inaugurados algunsdos novos edifícios da Avenida, sempre com afluência e alegriapopular.

No dia 19 Rodrigues Alves escre veu: “Visitei o edifícionovo de O País e assisti a duas inaugurações, uma da Associação dosempregados do Comércio,35 outra do Pa vilhão S. Luiz,36 e, à noite,percorri a Avenida de automó vel. Era extraordinária a concorrência.População contentíssima.” No dia 7 de abril de 1906 inaugurou-se obelo edifício, em estilo francês, da Escola Nacional de Belas-Artes.Rodrigues Alves  veio de Petrópolis para a festa.

O presidente prestigia va o hábito, que logo se instalou, de“fazer Avenida”, isto é, percorrê-la, flanando, nos seus trechos maisatraentes. Fazer Avenida foi moda carioca, até o desen vol vimentodo bairro de Copacabana, moda que perdurou mesmo depois daRe volução de 1930.

Deslocara-se, assim, o centro do Brasil da Rua do Ou vidor, via colonial, intransitá vel para os recentes automó veis e também para os

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 455

35 Rodrigues Alves assistira, provavelmente, ao lançamento da pedra fundamental da Associação, pois o levantamento do edifício só começou em março de 1906.

36 Palácio Monroe, que tomou este nome porque foi sede da ConferênciaPan-Americana em 1906. O jardim do palácio foi feito por Frontin, segundo se

Page 452: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

no vos hábitos, as no vas idéias. Ficara superada a Avenida de Mayo.Paris surgia à vista com a miniatura, embora em começo, da sua Ópera ea cópia do seu bule var. Esta va criado um símbolo nacional da nova ci vi-lização. Abria-se visi velmente, materialmente, o caminho do século XX.

Em dezembro de 1907, a Diretoria de Obras do Ministério da Viação propôs a passagem da Avenida Central para a administração daPrefeitura, pois não se justifica va que permanecesse ela entregue ao go - verno federal, seu financiador e construtor. Essa proposta já ha via sidoformulada, em no vembro daquele ano, por Francisco Bicalho, que con-tinua va a dirigir as obras do porto e, portanto, a administrar a Avenida.De ve-se mencionar que um dos despachos do processo está firmadopelo funcionário Machado de Assis.37

 456 Afonso Arinos

37 É estranho como a remodelação do Rio de Janeiro figura pouco nas crônicas enos romances de Machado de Assis. Seria matéria para estudo de algummachadiano. Talvez a sensibilidade do mestre ficasse marcada pela cidade imperial,em que se formou o seu espírito e ele precisasse daquele ambiente para cenário

Page 453: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Rodrigues Alves inaugura a Avenida Central.  Na fotoaparecemPaulo deFrontine Lauro Müller. Foto da

Careta. Coleção Álvaro Cotrim

Page 454: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo Terceiro

Osvaldo Cruz eo saneamento – A febreamarela – A pestebubônica – A varíola ea vacina – Revolução contra a vacina – A anistia.

OSVALDO CRUZ E O SANEAMENTO

 A  re vista carioca D. Quixote, no número de 15 demarço de 1902, elogiou, em artigo, o programa de go verno deRodrigues Alves, contido na plataforma lida no banquete do Clubedos Diários.

 A propósito das possibilidades que seriam abertas ao go verno quese empossaria em no vembro, o D. Quixotepublicou as seguintes e justasobservações: “S. Exª vem encontrar as condições do Tesouro profundamentemodificadas.” Campos Sales,  preso ao programa de restauração financeira,ficara “no exterior amarrado a um contrato em que esta va empenhada ahonra nacional”. No interior tinha ele de enfrentar os empréstimos emapólices, os bilhetes do Tesouro, o débito para com o Banco da República,além dos encargos ordinários do orçamento. Feito este exato le vantamento,concluía a re vista:

“A situação que o Sr. Rodrigues Alves  vem encontrar émuito diferente, e o que de sacrifícios e trabalhos ela custou éobra cuja análise não pode ser feita enquanto a permanênciadas responsabilidades dos que a fizeram não se afasta dos

Page 455: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O julgamento histórico sobre a participação do go vernoCampos Sales nos êxitos do go verno Rodrigues Alves já era antecipado,como se vê, pelos contemporâneos, antes mesmo que o segundoti vesse início. Pre vendo e esperando a construção futura, alguns homenslúcidos e imparciais, como o redator do D. Quixote, não deixa vam deacentuar a solidez com que fica vam assentados os seus alicerces. Opresidente empossado em 1902 iria utilizar, sempre dentro da lei, osrecursos financeiros postos em ordem e o crédito externo le vantadopelo go verno anterior, de maneira a fornecer os elementos necessários àciência e à técnica modernas, personificadas em Osvaldo Cruz, a fim deresol ver grandes problemas sanitários nacionais, até então insolú veis.

Logo depois de empossado, Rodrigues Alves iniciou as pro vi-dências para debelar os gra ves flagelos que afligiam a capital do país: apeste, a febre amarela e a varíola.

 Já temos insistido no fato de que as suas idéias a esse respeitonão eram no vas; tinham norteado sua ação de presidente de São Paulo,ainda no Império. Rodrigues Alves, desde moço, não aceita va a imagemde um país vencido pelas doenças. Acredita va, já então, na ciência, noprogresso, na energia dos go vernantes. Confia va no futuro. Luís PereiraBarreto, o grande higienista de São Paulo, relembra que, no momentoem que embarca va, na Estação do Norte, para assumir a presidência daRepública, Rodrigues Alves disse-lhe reser vadamente:

“O meu programa de go verno vai ser muito simples. Vou limitar-me quase exclusi vamente a duas coisas: o sanea-mento e o melhoramento do porto do Rio de Janeiro.”1

 A 29 de dezembro de 1902 (no mesmo dia em que sancionou alei de reorganização do Distrito Federal, que permitiu a Passos aceitara Prefeitura), o presidente expediu decreto que abria crédito de 990contos para os ser viços de defesa da higiene no Rio de Janeiro. Essedecreto era fundado na Lei nº 85, de 20 de setembro de 1892 (art. 58,parágrafo único), que ha via transferido para o go verno federal os ser viçosde defesa da higiene do Rio.

 460 Afonso Arinos

Page 456: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Trata va-se, agora, de encontrar o homem com as virtudesrequeridas de cientista e de administrador, que pudesse fazer no setorsanitário o trabalho que Rio Branco, Lauro Müller ou Frontin iam le varadiante nos seus respecti vos departamentos.

O médico e cientista Egídio Sales Guerra, autor de importantebiografia de Osvaldo Cruz, recorda nesse li vro que, em no vembro de1902, mantinha “freqüentes encontros com o Dr. J. J. Seabra, recente-mente nomeado ministro da Justiça e do Interior”.

Em janeiro de 1903, aplicando a lei que proibia acumulaçõesremuneradas no ser viço público, o presidente exonerou, de comissõesque exerciam, vários ser ventuários, entre eles o diretor da Saúde Públicado Rio de Janeiro. Era ele o Conselheiro Nuno de Andrade, médicoacatado, professor da Faculdade e presidente, então, da Academia Nacionalde Medicina.2

Para sucedê-lo, o Ministro Seabra con vidou Sales Guerra, querecusou, alegando não se ter especializado em higiene e não dese jar funçãopública.

Le vando avante o seu natural espírito de desprendimento ecooperação, Sales Guerra indicou para o posto um jo vem amigo, desco-nhecido nos meios políticos e da imprensa, embora muito respeitado empequenos círculos profissionais e científicos do Rio de Janeiro. Chama va-seOsvaldo Gonçal ves Cruz. Tinha nascido em São Luís do Paraitinga, Estadode São Paulo, no ano de 1872. Era filho de um médico, Dr. Bento Cruz, deorigem fluminense. Aos quatorze anos matriculara-se na Faculdade deMedicina do Rio de Janeiro, formando-se aos vinte, em 1892. Sua precoceinclinação para a higiene pública ficara aparente, desde antes da formatura,pois, como estudante, foi auxiliar de preparador do laboratório de bacterio-logia da cadeira de Higiene e, mais tarde, criado o Instituto de Higiene daSaúde Pública, também ali foi auxiliar de laboratório.

Sua tese de formatura versou sobre aVeiculação Microbiana pelas Águas. Tinha exercido a clínica no Rio de Janeiro até 1894, ano em que seencontrou com Sales Guerra à cabeceira de um doente. Suas relações se

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 461

Page 457: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Osvaldo Cruz, numa caricatura deJ. Carlos.O Tagarela. Coleção Plínio Doyle

Page 458: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

estreitaram quando, pouco depois, Osvaldo Cruz chamou o colega paraexaminar uma filhinha enferma.

Recorda Sales Guerra que, nesse dia, visitando pela primeira vez a casa de Osvaldo Cruz, surpreendeu-se com um laboratóriodemasiadamente bem pro vido para um médico moço, no início da vidaprofissional. É que, já então, não era tanto a clínica que atraía o jo vemdoutor, mas a pesquisa científica.

Em dezembro de 1896, Osvaldo Cruz seguiu para Paris, a fimde aperfeiçoar, no Instituto Pasteur, sob a chefia de Emílio Roux, o seuprograma de estudos.

No prosseguimento desses estudos europeus, o cientista brasileironão esquecia o Brasil, os seus homens, as suas crises, principalmente assuas deficiências sanitárias.

Em 1898, em carta a Sales Guerra, assim se expressa va sobrea febre amarela:

“Quando nos libertaremos dessa peste? É a nossa túnicade Néssus. É como uma mancha indelé vel que nos degrada enos humilha. Tenho acompanhado a discussão que os traba-lhos de Sanarelli, sobre os mais gra ves dos nossos problemasatuais – a febre amarela –, pro vocaram na Academia Nacionalde Medicina. O nosso bom amigo Sil va Araú jo teve a gentilezade me en viar alguns folhetos sobre o assunto.”

Enquanto permaneceu em Paris, publicou vários trabalhosde pesquisa3 e freqüentou, como operário, uma fábrica de artefatos delaboratório, de forma a poder juntar, aos seus conhecimentos teóricos, aexperiência prática. Segundo informa Phocion Serpa, na sua também valiosa biografia de Osvaldo Cruz, o jo vem cientista brasileiro recusoucon vite do sábio russo Metchnikoff  para ir trabalhar no império esla vo.De regresso ao Rio, em 1899, já no go verno Campos Sales, foi en viadoa Santos, no mês de outubro, pelo Instituto de Higiene, para averiguarsobre um surto de peste bubônica, que ali (como ha via tantos anos) se

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 463

3 Até 1902 Osvaldo Cruz havia publicado 26 trabalhos em português, francês ealemão, todos eles de caráter científico. Em 1901 publicou estudo, existente na

Page 459: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

manifesta va. Na sua volta ao Rio, remeteu às autoridades responsá veisdetalhado relatório sobre as obser vações procedidas em Santos.

No go verno Campos Sales, Cesário Alvim, prefeito do DistritoFederal, aconselhado pelo Barão de Pedro Afonso, decidiu criar um institu-to de fabricação de vacina contra a peste. Para esse ob jeti vo Cesário Alvim pôs à disposição a fazenda de Manguinhos, propriedade do Dis -trito Federal. Eis a origem do atual Instituto Osvaldo Cruz, inicialmentedenominado Instituto Seroterápico Federal.

Pedro Afonso solicitou a Roux o en vio de um especialistafrancês, que viesse organizar o novo instituto vacínico, mas o receiouni versal que desperta va a febre amarela do Rio impediu o atendimentoda solicitação. Roux, então, sugeriu o nome de Osvaldo Cruz, que comele colaborara e que julga va perfeitamente capacitado para a obra.

O pessoal técnico do Instituto de Manguinhos ficou, aprincípio, composto de Osvaldo Cruz e Ismael Rocha, microbiologistas; Augusto Paulino e Ezequiel Dias, estudantes. Mais tarde vieramacrescer o grupo inicial Antônio Cardoso Fontes e o veterinário francêsCarré.4

Por ato do go verno federal, de 9 de maio de 1900, o Institutode Manguinhos passou ao domínio da União, ficando subordinado àDiretoria-Geral de Saúde Pública. De ve-se ainda a Campos Sales essefator importante no seu desen vol vimento.

 A 9 de dezembro de 1902, o Barão de Pedro Afonso, administra-dor enérgico e honrado, demitiu-se da chefia do Instituto, sendo a ela ele vadoOsvaldo Cruz, a con vite de Nuno de Andrade, diretor da Saúde Pública.5

Foi neste posto que veio encontrá-lo o con vite de Rodrigues Alves para assumir a direção que Nuno acaba va de deixar.

Tendo recusado, como já foi dito, o cargo para si próprio, SalesGuerra obte ve o acordo de Seabra para a nomeação de Osvaldo Cruz,

 464 Afonso Arinos

4 Cardoso Fontes e Ezequiel Dias tiveram fecundo destino, como homens deciências. Ezequiel Dias, cunhado de Osvaldo Cruz, fixou-se em Belo Horizonte,onde fundou e dirigiu o Instituto Científico Oficial que hoje traz o seu nome.

5 Informação fornecida ao autor por Henrique Dodsworth, neto de Pedro Afonso.Da mesma fonte são vários dados sobre a campanha contra a febre amarela e a

Page 460: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

mas nada disse ao colega. Seabra solicitou a Sales Guerra que le vasseao gabinete “o seu amigo”, cujo nome possi velmente já ha via esquecido.O ministro obti vera a apro vação de Rodrigues Alves, e nem seria possí velque este não fosse ou vido para o pro vimento de função a qual atribuíaimportância primordial no seu programa de go verno. Antes de concordar,Rodrigues Alves pediu informações a seu filho Oscar, médicorecém-formado, que confirmou ao pai o grande prestígio de que goza vaOsvaldo Cruz na nova geração de médicos.

Sempre ignorando a iminência do con vite, Osvaldo Cruz acompa-nhou Sales Guerra até a sede do Ministério da Justiça, então situado no Largodo Rossio.6 Só no vestíbulo do edifício foi Osvaldo Cruz cientificado do queo go verno federal espera va dele, e a re velação, diz Sales Guerra, causou-lhesurpresa e perturbação.

Confirmado o con vite pelo ministro, que lhe fez perguntas sobreseu programa, Osvaldo Cruz desen vol veu logo o plano de combate à febreamarela, de acordo com os métodos que tão grande sucesso ha viam logradoem Cuba.

No seu entendimento com Rodrigues Alves – que, antes, nãoconhecia nem de nome – Osvaldo Cruz obte ve firme promessa de versatisfeitas as condições que impunha. Elas se resumiam na disposição detodos os recursos compatí veis com as possibilidades do go verno, na confiançadeste quanto aos métodos científicos a serem utilizados e na autoridadeexclusi va do diretor quanto à parte administrati va, compreendida aí a suadecisão única sobre nomeação e dispensa de funcionários.

Osvaldo Cruz queria entregar-se à tarefa, absor ver-se nela,seguro de que não sofreria pressões políticas, nem empenhos pessoais.

Uma das glórias do go verno Rodrigues Alves foi exatamente afirmeza com que o velho presidente cumpriu escrupulosamente, até o fim,a pala vra que empenhara com o obscuro médico que pouco passara dametade da sua idade.7 Episódio marcante da atitude presidencial ocorreu

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 465

6 É o atual Departamento de Trânsito da Guanabara. Prédio que vem do BrasilReino, foi a luxuosa residência do  Visconde do Rio Seco, talvez o homem maisrico do tempo deD. João VI

Page 461: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

com a nomeação do secretário da nova Diretoria de Saúde Pública. Nomesmo dia em que le vou a Rodrigues Alves o decreto de nomeação deOsvaldo Cruz (23 de março), Seabra apresentou-lhe outro ato, este denomeação, para secretário, do jo vem médico baiano Júlio Afrânio Peixoto.O presidente, no pressuposto de que ha via assentimento pré vio do diretor,assinou-o. Mas Osvaldo Cruz, vendo logo descumprida uma das condiçõesda sua in vestidura, fez saber ao presidente que não mais aceitaria o car -go.8 Surpreso, o presidente fez chamar Osvaldo Cruz ao palácio e, infor-mado, con vocou Seabra, a quem pediu que desfizesse o ato impugnado. Oministro, político e baiano, mostrou ao presidente a difícil postura em quese encontraria no seu Estado, caso anulasse a nomeação do coestaduano.Mas o presidente insistiu e Seabra, por sua vez, pediu demissão, aludindoaos excessos de autoridade do jo vem diretor. Rodrigues Alves, diante dofato novo, de ine vitá vel repercussão política, não se perturbou. Falandoquase paternalmente a Seabra, aconselhou-o a refletir no passo que esta vadando. E lembrou-lhe o argumento decisi vo: ele, presidente, é quem esta vaem jogo, pois sua pala vra fora ignorada ou esquecida pelo ministro. Não setrata va de cur var-se à vontade de Osvaldo Cruz, mas de obser var umcompromisso do presidente. Seabra retirou o pedido de demissão. E Afrânio Peixoto ficou reser vado para vida da cultura, com maior pro veitopara o Brasil.

No relatório apresentado por Osvaldo Cruz a Seabra, referenteao ano de 1903, o episódio é consignado, mas de forma a não melindrarnem o ministro nem o candidato afastado, depois de tão ilustre cientista eescritor. Osvaldo Cruz assinala simplesmente que Afrânio, nomeado a 23de março, “não ha via aceito” o cargo, sendo substituído pelo Dr. JoãoPedroso Barreto de Albuquerque.

Naquele mesmo 23 de março de 1903, Osvaldo Cruz assumiua direção da Saúde Pública, posto federal, que se sobrepunha, dentroda lei, às funções municipais, correlatas, no Distrito Federal, além depossuir jurisdição nacional.

 466 Afonso Arinos

8 O intermediário da comunicação deve ter sido Rodrigues Alves Filho  de quem

Page 462: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A FEBRE AMARELA 

Pelas hipóteses mais assentes entre os doutos, a febre amarela émal americano. Identificada nas Antilhas, desde pouco depois do descobri-mento, manifestou-se pela primeira vez no Brasil, na cidade do Recife, em1686, e, no ano seguinte, na Bahia. Rocha Pita, na sua História da América Portuguesa (primeira edição, 1730), oferece dramática descrição do que sesupõe ser a febre amarela, chamada então “bicha”. Diz ele que:

“Principiou este terrí vel contágio em Pernambuco, noano de 1686 [....]. Este se foi ateando no povo do Recife comtanto excesso, que morreram mais de duas mil pessoas [....].Daí foi passando logo à cidade de Olinda e ao seu recônca vo,sendo muito poucas as pessoas que escapa vam daquele acha -que [....]. Da calamidade de Pernambuco chegou com anotícia o contágio à Bahia [....]. Foram logo adoecendo eacabando tantas pessoas, que se conta vam os mortos pelosenfermos. Hou ve dia em que caíram duzentos e não escaparamdois [....]. Era em uns o calor tépido e o pulso sossegado,noutros inquieto e grande a febre. Uns tinham ânsias e delírios,outros ânimo quieto e discurso desembaraçado. Uns comdores de cabeça, outro sem elas, e finalmente desiguaisaté na crise mortal do contágio. Morreram o bispo, umdesembargador da Relação, o tenente-general e o capelão dogo vernador, entre médicos e cirurgiões e o próprio filho doMarquês das Minas, que era o go vernador.”

Obser va Rocha Pita que a grande maioria das vítimas era damais alta classe social (os brancos) visto que “deste contágio não enferma vamnegros, mulatos, índios nem mesclados”.

 Até o fim do século a “bicha” fez milhares de vítimas nas duasCapitanias; pro vocou pânico em portugueses e estrangeiros que vinham emfrotas de comércio e deu origem a vários estudos médicos e a pro vidênciasadministrati vas, no Brasil e Portugal. Até o século XIX não se repetiuepidemia tão forte, embora haja pro vas de que a moléstia continua va agrassar endemicamente, fazendo vítimas aqui e ali.9

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do Presidencialismo 467

Page 463: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Expressão das ameaças comqueRodrigues Alves sedefrontou no início do seu governo.O Tagarela– Coleção Plínio Doyle

Page 464: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A primeira grande epidemia, sob o Império, pro veio, como sesabe, de um na vio norte-americano que passara por Ha vana.

Identificada no Rio em fins de 1849, a febre logo se alastroupelos bairros populares da cidade, fazendo considerá vel número de vítimas. A mais famosa de entre elas, cuja morte deu caráter dramático a essaprimeira incursão da epidemia no Rio de Janeiro, foi um grande estadistado Império: Bernardo Pereira de Vasconcelos.

Nos meses de calor, que fa vorecem a proliferação dos mosquitos,morreram, em 1850, mais de 4.000 pessoas no Rio. Entre aquele ano e o de1902, o número de mortos superou 58.000. Iniciada com Bernardo de Vasconcelos, a lista de vítimas ilustres estendeu-se, sinistra, por todo oSegundo Reinado e princípio da República. Os estrangeiros pareciam ser apresa preferida, tal vez por falta da imunização trazida por formas frustras. Artistas, diplomatas, tripulações de na vios mercantes ou de guerra (ficoucélebre o caso de um barco de guerra que perdeu parte considerá vel desua tripulação) vinham ao Rio para morrer, espalhando a fama sinistra queacompanha va o nome da capital brasileira.10

 Até a re velação de Finlay, as causas da moléstia não eramseguramente conhecidas pela ciência. Aqui e ali, obser vadores fixa vam acoincidência do mal com a presença de mosquitos, mas, habitualmente, aextinção dos mosquitos entra va no quadro geral da limpeza e desinfecção.

No Brasil, sumidades médicas imperiais atribuíram a febre àscondições do tempo, do clima e do solo; tinha e não tinha caráter contagioso;propaga va-se ou não pelos micróbios. Em outros países, as dú vidaseram as mesmas, o que gera va grande ceticismo, inclusi ve entre osmédicos, quanto aos recursos terapêuticos aplicá veis.

Os cientistas resvala vam pela verdade, quando enfatiza vam aligação entre o mosquito e a febre. Mas não a atingiam, porque supunhamque o inseto inocula va no doente um micróbio colhido em ambientesinfectados, principalmente a água. Não lhe ocorria a transmissão de doentea doente, por meio do sangue infectado sugado pelo mosquito.

Foi em 14 de agosto de 1881 que Carlos Finlay, médicocubano, filho de pai escocês e mãe francesa, deu o passo definiti vo.Em memória apresentada à Academia de Ciências de Ha vana, ele apresentouum mosquito, o Culex, depois Stegomya Fasciata, finalmente chamado

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 469

Page 465: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Aedes aegypti, como intermediário indispensá vel à transmissão da febreamarela. Sua comunicação, produto de um sentido genial de obser vação,não despertou nenhum interesse especial. Em 1886 Finlay desen vol veucabalmente a sua hipótese, confirmada por várias experiências positi vas,no American Journal of theMedical Sciences.11

 A aplicação da teoria de Finlay, sustentada incansa velmente, sófoi le vada a efeito no ano de 1900, em Ha vana, pelo ser viço sanitário doExército dos Estados Unidos, sob a chefia de Walter Reed. Compro vada atese científica por experiências vigorosas, a que se prestaram voluntários,começou o ser viço de isolamento dos doentes e liquidação dos transmissoresem princípios de 1901 e, já no fim do ano, encontra va-se extinta a febreamarela em Ha vana. Era o sucesso pleno, ofuscante, espetacular.

No Brasil, a experiência americana repercutiu logo, a partir de umtrabalho de Emílio Ribas, publicado ainda em 1901. Hilário de Gou veia,segundo Sales Guerra, fez imprimir em 1902 um trabalho de divulgaçãoda teoria americana, logo depois da sua compro vação em Cuba. AdolfoLutz fazia no Rio experiências em idêntico sentido. Em janeiro de 1901,Ribas empregou, de forma pioneira, o método americano para combateruma epidemia em Sorocaba (quando a doutrina de Finlay, emboracomprovada cientificamente, ainda não obti vera o êxito que logrou nofim daquele ano), e conquistou os seus ob jeti vos, embora o sucesso fossecontestado por médicos mal informados, que atribuíram o êxito da expe-riência pre venti va a outras causas. Ribas prosseguiu a campanha em SãoSimão e Ribeirão Preto, no ano de 1902. Na mesma quadra Ribas e seusauxiliares procederam a experiências com mosquitos trazidos de áreainfectada para São Paulo, onde não ha via casos de febre, e logo os pacientespicados a contraíram. Era a compro vação, também no Brasil.

Foi em época bem próxima à sua nomeação para a chefia daSaúde Pública que Osvaldo Cruz chegou à aceitação plena da teoria deFinlay. Sales Guerra, que relata o fato, não lhe precisa a data. Diz o seguinte:

“Certo dia, porém [Osvaldo Cruz] chegou mais cedo; vinha animado com certa expressão de contentamento e [....]disse com ênfase que lhe não era habitual: trago uma notícia

 470 Afonso Arinos

Page 466: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

que deve alegrar a todos os brasileiros, a dos magníficos resultadosda campanha contra a febre amarela em Havana. Confirma-sea doutrina de Finlay: o mosquito é, de fato, o transmissor damoléstia.”

Como há referência aos resultados da campanha americana,fica certo que a opinião de Osvaldo Cruz firmou-se em fins de 1901, ouprincípio de 1902.

 A tese da transmissão pelo mosquito tinha sido, também, espo-sada por Nuno de Andrade. De ve-se le var a crédito do go verno CamposSales os trabalhos realizados por Emílio Ribas em São Paulo e os pro jetosde Nuno de Andrade, que não conseguiu le vá-los avante por ter sidoexonerado.12 Recorde-se ainda que em fe vereiro de 1903, depois dademissão de Nuno de Andrade e antes da posse de Osvaldo Cruz, a SaúdePública distribuiu 40.000 boletins no Rio de Janeiro, recomendando a lutacontra os mosquitos para acabar com a febre amarela.

 Assim, quando Osvaldo Cruz se empossou, a 23 de março de1903, já suas con vicções esta vam assentadas em opiniões e experiênciasestrangeiras e nacionais, e coincidiam com a experiência oficial do ser viçopúblico brasileiro. O que ha via, agora, de novo, era o aspecto nacional daluta, diretamente empreendida pelo go verno federal, o ímpeto, a coragem,o ardor apostolar com que Osvaldo Cruz ia lançar-se de corpo e alma àtarefa, e o apoio sem reser vas do presidente da República.

Logo no dia 1º de abril, Cruz en viou a Seabra a Exposição nº 225, verdadeiro programa administrati vo, a qual começa va com esta afirmati vaque diz tudo:

“A extinção da febre amarela é um problema que jáencontrou uma solução prática: podemos, pois, considerá-louma questão resol vida.”

O plano é admirá vel pela concisão, simplicidade e energia. A sua aplicação, durante quatro anos de inexorá vel persistência, arrostando aignorância, a incompreensão, os interesses, as mentiras e resistênciasorganizadas, consagrou, no Brasil e no estrangeiro, a capacidade técnica,administrati va e política do go verno.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 471

12 Justa foi, por isso, a homenagem que a Academia de Medicina lhe prestou, por

Page 467: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A ação federal contra a febre amarela iria concentrar-se no Riode Janeiro, não apenas por ser a capital o foco de maiores proporções detoda a República, como porque a vitória contra o mal, dentro do Rio, virialiquidar a triste notoriedade que, na Europa, cerca va o nome do Brasil.

Cidade de 750.000 habitantes, o Rio de então tinha o centrocomercial e administrati vo intensamente po voado. A área não se com -punha somente de locais de trabalho, mas de residências populares,onde a aglomeração era grande e as condições higiênicas deficientes.Por isto mesmo, dados os meios conhecidos da transmissibilidade, a febreamarela possuía, ali, sua zona de maior incidência. Foi, portanto, no centro,que a ação da Saúde Pública se fez sentir mais fortemente.

 A certeza científica de que determinado mosquito era o únicotransmissor conhecido da febre amarela consolidara-se no estreito círculodos especialistas, mas encontra va dificuldade em propagar-se nas elitesmal informadas e no povo ignorante. No próprio meio médico, e até noseu mais alto cenáculo, a Academia de Medicina, contesta va-se aberta-mente a teoria de Finlay e critica va-se Osvaldo Cruz por ha vê-la tomadocomo diretriz de sua ação.

Segundo o Professor Pedro Nava, três eram as correntes dopensamento médico brasileiro de então. Uma aceita va sem restrições ateoria de Finlay: o estegomia como único transmissor. Outra apega va-se a velhas concepções, como a do contágio direto, a da água, a do clima, a dosmiasmas. A terceira, finalmente, aceita va a tese compro vada do mosquito,mas admitia outras formas de contágio. Esta era a mais di vulgada entre osleigos, e era a que respalda va a exigência de medidas complementares àextinção dos mosquitos, tais como desinfeções ou tratamento de águas.Tem-se a impressão de que Rodrigues Alves, que nada sabia de medicina,era desta última opinião, embora nunca haja tentado influir sobre OsvaldoCruz, que, não a partilhando, recusa va-se a agir de acordo com ela.

Na sessão de 4 de abril de 1903, na Academia de Medicina,poucos dias, portanto, após a posse do novo diretor da Saúde Pública, omédico acadêmico Costa Ferraz disse que o combate à febre amareladeveria ser feito por meio do saneamento do solo. Esta manifestaçãoprecoce foi apenas o sinal de alarme da grande campanha organizada

 472 Afonso Arinos

Page 468: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

de mentiras, de agressões, de ameaças, que só foi cedendo quando oprogresso da vitória se foi tornando inegá vel, no decorrer dos dois anosseguintes. Viu-se, então, que os chefes da oposição se encolhiam, e quea mesma imprensa hostil cobria de flores os vitoriosos.

Na verdade, a luta contra a febre amarela no Rio de Janeirorevestiu-se de lances memorá veis, dentro dos quais deve a História ressaltara resistência indômita e paciente de um punhado escasso de cientistas,fortalecidos por con vicções inabalá veis, e o apoio a eles dado por homensde go verno confiantes na ciência, obstinados na execução de compromissosassumidos, indiferentes às agressões às vezes torpes dos inimigos, e àhostilidade da opinião pública.

No ápice do go verno federal, Rodrigues Alves encarnou demaneira exemplar esse espírito de resistência e essa autoridade do go verno.Paciente, tolerante, moderado, mas inamo ví vel na posição assumida, jogoutodo o prestígio do posto ao sustentar, em plena borrasca, um médico dageração dos seus filhos, sem nenhuma ligação especial com ele, e a quemmal conhecia. É que o presidente firmara-se em considerações poderosíssimas,que escapa vam à maioria dos obser vadores.

Rodrigues Alves alimenta va, ha via muito, uma espécie deobsessão no dese jo de eliminar a febre amarela. Suas reiteradas afirmati vas,e o testemunho de várias personalidades, confirmam que ele conser va vaesta aspiração ha via muito. Segundo era corrente entre os parentes, o seudese jo de luta contra a doença vinha desde quando, ministro de Prudente,perdera uma filha pequena, vitimada pela febre amarela, fato mencionadoneste li vro. Dataria de então o compromisso assumido consigo mesmo, delutar contra o flagelo nacional, aparentemente in vencí vel, desde que dispusessede meios para tanto.

 Já vimos que, como presidente de São Paulo, em 1901, puderaacompanhar a experiência do Diretor de Higiene, Emílio Ribas, em Sorocaba.Posteriormente assistira à repetição do êxito em outros pontos do Estado.Não era, assim, da boca para fora que declarara a Pereira Barreto, nomomento de embarcar para o Catete, que enfrentaria resolutamente o mal.

Como presidente da República, dispunha dos poderes e dos meiosnecessários para fazer o que lhe ditava a consciência. Nada, daí por diante, o

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 473

Page 469: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A grandeluta parlamentar, emquesedestacou Barbosa Lima,decombateà vacina obrigatória eàs medidas sanitárias.

 O Tagarela. Coleção Álvaro Cotrim

Page 470: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

estadista: confiar nos homens capazes, saber distinguir essa capacidade, terautoridade para mantê-los e fazer-se respeitado por eles, ser modesto bastantepara não querer impor sua vontade onde não era competente.

 Assim ele fez com Rio Branco, com Passos, com Lauro Müller,com Frontin. Assim fez com Osvaldo Cruz e seus assessores. Daí, comtoda procedência, ter passado à História como um dos elementos centraisda luta contra a febre amarela, a peste e a varíola no Brasil.

Digno do presidente foi o diretor da Saúde Pública. Homemdedicado exclusivamente à ciência e ao serviço público, sem ambiçõesmateriais, sem fome de notoriedade, desprezando os baixos recursosdos adversários, dispondo daquela certeza de opinião que só a razãoconfere, corajoso e simples, Osvaldo Cruz não discutia, não se defendia,não perdia tempo. Em uma palavra, não atribuía nenhuma importânciaaos detratores, nem aos seus intuitos. Absorvia-se na tarefa, seguia paraa frente, certo de que estava certo. A única coisa que pedia era confiançae recursos do governo. Por mais de uma vez ameaçou demitir-se, nãopor desânimo ou fraqueza, mas, ao contrário, para forçar o governo afortalecer a sua posição. E isto conseguiu sempre.

Pode-se dizer que o Brasil tem travado muitas batalhas gloriosas,contra os franceses, os holandeses, os portugueses, os argentinos, osparaguaios, os alemães. Mas nenhuma delas foi mais gloriosa que abatalha travada pelos bacharéis e doutores, de 1903 a 1906, contra aignorância, a rotina, a má fé, o sectarismo, na frente de combate daSaúde Pública. Nem todas as guerras são armadas, nem todos os heróissão militares. Osvaldo Cruz é um dos nossos maiores heróis.

 A oposição às medidas sanitárias distribuiu-se organizadamentepor três setores: a imprensa, o Congresso e os meios científicos.

Na imprensa, em publicações anônimas ou assinadas, surgiramtoda sorte de argumentos, todas as espécies de invenções. Reclamava-secontra a dissipação de verbas, duvidava-se da teoria de Finlay, forjaram-setelegramas de Havana, comunicando nova epidemia de febre amarela, oque foi logo desmentido por despacho do próprio Finlay. Advertia-se opresidente sobre sua responsabilidade, ao entregar o destino de toda umapopulação às experiências caprichosas de um jovem pretensioso. Usava-se

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 475

Page 471: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

aviso de boa fé, a lamúria desesperada, tudo servia, tudo era lenha para afogueira da ignorância, do sectarismo e do ódio.

No Congresso, a eloqüência agressi va jorra va sem cessar.Misturavam-se nela o fanatismo de certos sectários positi vistas, oressentimento do republicanismo militarista contra a eleição do presi-dente ex-monarquista, os interesses contrariados e, também, o gostogrosseiro do exibicionismo, não raro nas assembléias. No caso da longaoposição ao pro jeto do go verno, de 1903, hou ve também a pseudociênciade certos congressistas, que pretendiam negar fundamento às tesesdominantes sobre a profilaxia da febre amarela.

Nos meios médicos, estrondou o despreparo presunçoso, aliadoaos ine vitá veis despeitos que medram nas profissões. Com di vertidasuficiência, certos doutores molierescos impugna vam as verdades científicasem nome de falsas alegações, falsas experiências, falsos resultados.

Um fato foi particularmente gra ve. Rocha Faria, professor deHigiene da Faculdade e autoridade respeitada, publicou naGa zeta Clínica,periódico científico, lições em que combatia a teoria ha vanesa. Essaopinião daquele a quem Osvaldo Cruz não deixa va de chamar “ilustreDr. Rocha Faria” veio dar alento à campanha de ignorância, na imprensae no Congresso, contra a Saúde Pública e o go verno federal.

Em setembro de 1903, a imprensa publicou uma nota, naqual é afirmado que Rocha Faria, na Faculdade de Medicina, ha viareiterado sua opinião de que o mosquito não era o único transmissorda febre amarela. Sem aludir ao nome do colega, Osvaldo Cruz afirmava ocontrário, de público, toda vez que se lhe oferecia oportunidade. Até emreunião social de beneficência ele, solicitado a dar um autógrafo, escreveusustentando sua opinião.13

 As enfáticas opiniões do professor de Higiene vinham, natural-mente, ser vir de apoio aos que, na imprensa e no Congresso, combatiam aapro vação do pro jeto que o go verno en viara àquele, solicitando o créditoespecial de 5.000 contos, precisamente para combater o mosquito.

 476 Afonso Arinos

13 O cartão postal colorido em que Osvaldo Cruzfaz essa afirmativa encontra-se no

Page 472: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

De ve-se ressaltar que esses pretensos cientistas viam-se logocontraditados por médicos que estuda vam realmente o assunto, os quaisdefendiam cora josamente Osvaldo Cruz.

Na Academia de Medicina o principal acusador era CostaFerraz. Combateu a teoria do mosquito e a administração de OsvaldoCruz em várias sessões, sendo logo contestado por Teófilo Torres eTeodoro Autran. No dia 4 de setembro, Costa Ferraz fez-se porta-voz,na Academia, da notícia propalada em jornais de que a febre não foraextinta em Ha vana, sendo contraditado por Miguel Pereira, que logo setornaria grande nome da medicina nacional.

 A maioria dos acadêmicos sustenta va as teses e a pessoa deOsvaldo Cruz. A 7 de maio, Gurgel do Amaral ha via proposto que a Academia se congratulasse com a sua nomeação, o que foi apro vado comdeclaração fa vorá vel do Presidente Nuno de Andrade. Em 1º de setembrode 1904, quando o êxito da campanha já podia ser pre visto, Abreu Fialho leuresumo do relatório da comissão de médicos alemães que viera estudar ostrabalhos de Osvaldo Cruz, o qual era inteiramente fa vorá vel aos mesmos.

Finalmente, quando já não ha via mais dú vidas, a 24 de maiode 1906, Carlos Seidl proferiu na Academia solene elogio de Manguinhos,“mais conhecido no exterior do que entre nós”, gabando os estudos alirealizados, no campo da saúde pública, por Osvaldo Cruz e CarlosChagas.

Cabe ressaltar que o apoio às medidas do go verno federal nãoera dado somente pelos mais conscienciosos cientistas brasileiros. Tambémno estrangeiro aquelas medidas repercutiam. Em no vembro de 1904, omédico Hilário de Gou veia, homem de grande prestígio social, cunhado de Joaquim Nabuco e amigo de Rio Branco, escre veu a Seabra, da Europa,comunicando que o Congresso Sanitário de Copenhague apro vara umamoção de lou vor ao presidente do Brasil. Na mesma época o Times, deLondres, elogia va a campanha sanitária do go verno brasileiro.

Para tra var a sua grande batalha contra a febre, Osvaldo Cruzcontou com um grupo de colaboradores entusiastas e dedicados. O chefedeles foi, a princípio, Carlos Carneiro de Mendonça, que lançou as basestécnicas da profilaxia antiamarílica, mas que morreu prematuramente em

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 477

Page 473: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Outros elementos, logo con vocados, foram os médicos JoãoDias de Freitas, Raul Gomes Sobral, José Inácio de Oli veira Borges,  JoséMarcondes Romeiro e Eduardo Gusmão Lobo. Mais tarde foram chama-dos ao ser viço outros médicos, a saber: Augusto Cerqueira da Sil va, José de Aragão Bulcão, José Barbosa, Luís Barbosa, Adolfo Lutz, Cássio Resende,Carlos Seidl, Graça Couto, Pacheco Leão e Alberto da Cunha.14 Ha viatambém dezenas de “auxiliares acadêmicos” (estudantes de medicina) entreos quais figurou o futuro cientista Artur Nei va.

 A nominata de jo vens doutores, alguns mais tarde conhecidos,outros esquecidos, merece ser relembrada. A eles, ao seu esforço e à suaconstância, muito ficou de vendo Osvaldo Cruz.

Com bre vidade coordenou-se a ação da Saúde Pública com ado Executi vo.

Em maio de 1903, o presidente en viou ao Congresso mensagemacompanhada de pro jeto de reforma dos ser viços de higiene, justificado emnotá vel exposição de Osvaldo Cruz.

 A primeira e inadiá vel pro vidência a ser tomada era a unificação,sob autoridade federal, dos ser viços de saúde do Rio, até então di vididosem jurisdições distintas, federal e municipal. Para o êxito do combate aser tra vado isto era, de fato, indispensá vel, especialmente porque asautoridades médicas da Prefeitura não concorda vam com a orientaçãodo diretor federal.

Ha via já, é verdade, o decreto de Campos Sales nº 4.463, de12 de julho de 1902, que transferia para a União o ser viço de “higienedefensi va” do Distrito Federal, mas sua aplicação não era satisfatória.Necessita vam-se medidas definiti vas de subordinação.

No que concerne à febre amarela, as pro vidências propostas –que não cabe pormenorizar aqui – correspondiam às que foram executadasna campanha. Elas eram extremamente difíceis, porque en vol viam ser viçoscomplexos de médicos, engenheiros sanitários, hospitais, isolamentos,

 478 Afonso Arinos

14 É com sincera emoção que aqui anoto o nome do Dr. Alberto da Cunha, grandeamigo de meu pai e, também, caro amigo meu na infância e juventude. Admirávelfigura humana, homem de delicados sentimentos e finas emoções, ramo de velhotronco (era descendente do Marquês de Inhambupe), o “Dr. Alberto”, como o

Page 474: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

transportes e fiscalização a numerosos agentes executores de menor ní vel,como mata-mosquitos, carpinteiros, operários de limpeza para calhas,porões, telhados e recipientes de água, e encarregados do expurgo domiciliar. Além disso, a ação da nova Saúde Pública vinha interferir diretamente na vida doméstica de toda uma população mal informada, cheia de preconceitose excitada pela propaganda mendaz de ad versários políticos, ou dedefensores de teses preconcebidas e não compro vadas.

Um fato era indiscutí vel, além de sinistro. Em 1902, ano doinício do novo go verno, o obituário da febre amarela no Rio de Janeiroha via sido de perto de mil casos compro vados.

 Ve jamos, apoiados em di versos autores e principalmente nosrelatórios de Osvaldo Cruz15 ao Ministro Seabra, nas mensagens dopresidente e outros documentos oficiais, como se processaram as etapasprincipais da luta tra vada contra a febre amarela.

Dois dias depois de empossado, Osvaldo Cruz começou a suacampanha de profilaxia contra a moléstia, a qual atribuía absolutaprioridade. Seu propósito inabalá vel era o de seguir o exemplonorte-americano em Cuba. Sua profilaxia seria baseada em dois pontos:extinção dos mosquitos transmissores e isolamento dos doentes infectados.Em conseqüência, iria suspender todos os trabalhos de higiene e dedesinfeção requeridos pela errônea crença do contágio direto.

No retrospecto da administração, documento escrito por seuscolaboradores mais importantes e publicado em anexo à mensagem de1902,16 encontramos o seguinte:

“Quando em abril de 1903, ainda sem lei especial e semtodos os recursos precisos, foi começada a profilaxia nova dafebre amarela, já tinham ocorrido na cidade mais de 500 óbitosdesta moléstia. Eles chegaram, até o fim do ano, a 548; noano seguinte, 1904, baixaram a 53.”Nesta exposição feita sem ad jeti vos, seca e direta como se fizesse

parte de um estudo científico e não de um documento político, está resumida

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 479

15 O primeiro relatório foi assinado “Gonçalves Cruz”.16 Trabalho já citado, publicado em separata da Imprensa Nacional, sob o títuloO Dr.

 Rodrigues Alves o seu governo 1902-1906, e que será mencionado daqui por diante

Page 475: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

toda a vitoriosa campanha do go verno contra o mal que desafia va, desde oImpério, a competência dos nossos higienistas e administradores.

 A razão do sucesso esta va na segurança científica total da profilaxiaadotada, e na energia dos que a aplica vam, contra todas as resistências.

Este ponto era muito importante. Na verdade, era a questãoteórica básica da campanha. Aceitar a tese do trabalho paralelo, ou seja,combater o mosquito e, ao mesmo tempo, prosseguir na desinfeção, seriaconcordar em que a transmissão do mal poderia ser processada por outraforma, além da inter venção do inseto hospedeiro. O resultado seria odesinteresse pela extinção do mosquito e o fracasso da campanha.

 A questão era que somente alguns iniciados esta vam con vencidosda tese ha vanesa. Os leigos, inclusi ve Rodrigues Alves, hesita vamem aceitar-lhe a exclusi vidade. Daí não compreenderem bem porque Osvaldo Cruz recusa va-se obstinadamente a transigir.

Rodrigues Alves chegou a perguntar-lhe, na intimidade, senão preferia ceder naquele ponto. “Não farei a desinfeção”, foi a respostaque ou viu. E o presidente, confiando na competência alheia, e receosode que sua insistência le vasse o jo vem diretor à demissão, encerrou o assunto,para não mais voltar a ele: “Pois não faça, Dr. Osvaldo.”17

 A 1º de abril de 1903, Osvaldo Cruz en viara a Seabra suaexposição-programa, que foi publicada nos jornais. No dia 15 do mesmomês, pelo Aviso Ministerial nº 571, ficou organizado o Ser viço de Profi-laxia da Febre Amarela, de acordo com aquela exposição. Logo no dia20, as normas adotadas começaram a ter aplicação, com o primeiroisolamento domiciliar de um doente, cujo caso ha via sido notificado, ecom as medidas profiláticas correspondentes.

 A 5 de maio, o ministro da Justiça, em nome do presidente,baixou instruções estritas para o funcionamento do Ser viço da Febre Amarela.18 Esta va tra vada a luta, que não mais cessaria até a vitóriatotal, em começo de 1907.

 A cidade foi di vidida em distritos sanitários, cada qual sob achefia de um médico e contando com os ser viços de outros. Foram

 480 Afonso Arinos

17 Em carta a Hilário de Gouveia, então na Europa, Osvaldo Cruz salienta o apoioque estava merecendo do presidente e observa que permaneceria no posto

Page 476: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

criadas as “brigadas sanitárias”, compostas de turmas, formadas por umchefe, cinco guardas (mata-mosquitos) e di versos operários, como carpin-teiros, encarregados de limpeza, carregadores, cocheiros de carros,pedreiros e outros. No período de maior intensidade da campanha, osmata-mosquitos chegaram a 2.500.

Os materiais e utensílios usados eram vários, todos com empregoespecífico. A ação desen vol via-se da seguinte forma: notificado o caso (anotificação era compulsória pela lei) partia para o local a turma de ser viço.Ia acomodada em carros de quatro rodas, puxados por dois muares. Oscarros eram abertos dos lados, cobertos e com dois bancos corridos, nosentido longitudinal.19 Sob o assoalho do carro ha via espaço para escadas,ferramentas e material próprio ao extermínio dos mosquitos, especialmentelatas de petróleo e caixas de pireto. Acomoda vam-se no carro, também, oschamados “tambores”, caixilhos e telas para serem colocados nas portas e janelas. Os tambores eram pequenos corredores de tela, pro vidos de duasportas do mesmo material. Uma delas se adapta va ao quarto ocupado pelodoente e outra abria para o resto da casa. Os caixilhos de madeira com telaeram preparados na hora pelos carpinteiros e ajusta vam-se às dimensõesdas janela da casa isolada.20 Escadas e ferramentas de limpeza ser viam parao acesso a telhados e calhas, naquela cidade em que as construções de maisde dois andares eram muito raras.

Notificado o caso (a notificação era obrigatória para os médicos),partia para o local a turma do Ser viço da Febre Amarela, que procediaao isolamento do doente, ao expurgo antiinseticida do quarto porele ocupado e à limpeza da casa (telhados, calhas, depósitos de água)para extinção de focos. As casas vizinhas, num raio de 100 metros,sofriam a mesma minuciosa vistoria e cuidadoso expurgo. Quandoconseguido o consentimento da família, o doente era transportado para

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 481

18 A legislação dispersa foi consolidada no Decreto nº 5.156, de 8 de março de 1904,que regulamentou minuciosamente os serviços sanitários da União, em terra e nosportos de mar.

19 O relatório de Osvaldo Cruz a Seabra, no ano de 1904, contém numerosasfotografias referentes à campanha da febre amarela.

20 O Instituto Pasteur de Paris enviou comunicação aOsvaldo Cruz aprovando e

Page 477: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

o Hospital de S. Sebastião, onde o isolamento era mais fácil. Às vezes asautoridades sanitárias encontra vam dificuldades dentro da família, nãosó para o transporte dos enfermos, como para a própria visitadomiciliar.

Os padrões morais da época, que muito conser va vam docarrancismo patriarcal, pareciam desrespeitados com o ingresso de pessoasestranhas no que os oposicionistas ao progresso chama vam o “recessodo lar”, ou mesmo “o sacrário do lar”.

 A propósito do trabalho do humilde mata-mosquito, necessa-riamente praticado no interior das casas, diziaO Malho, a 5 de dezembrode 1903:

“Agora são os pais de família que se re voltam contra amedida que se pensa con verter em lei e segundo a qual serápermitido aos funcionários da Higiene o direito de de vassar olar do cidadão, o desrespeito às famílias [....]. São as senhorasbrasileiras que, justamente indignadas, se re voltam contra essemonstrengo.”

O argumento, como veremos, foi dos mais fortes para le var opovo à re volta contra a vacina, em 1904.

Para dar idéia da dificuldade do trabalho de combate aosmosquitos, apro veitamos, como exemplo, os dados referentes a outubrode 1903.

Naquele mês foram le vados a efeito 264 expurgos,limparam-se 1.347 telhados, 2.262 ralos, 29.862 tinas, 17.036 caixas deágua automáticas e registros, 4.751 reser vatórios de água, 2.845 tanquesde la var roupa e 231 sar jetas. Dos telhados e terrenos foram transportados,no mesmo período, 92 carroças de lixo.

Embora surgissem surtos esporádicos em bairros e mesmo,uma vez, na longínqua aldeia de pescadores de Copacabana,21 era naparte central e mais populosa da cidade que o mal se domiciliara. Ali,também, concentrou-se a ação sanitária. De junho a dezembro de 1903,segundo o relatório de Osvaldo Cruz, brigadas de expurgo e isolamentocombateram em 153 ruas, 48 tra vessas, 27 becos, 24 ladeiras, 9 largos, 10praças, 6 morros e 4 praias, quase tudo no velho Rio situado entre o

 482 Afonso Arinos

Page 478: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Na mensagem de 3 de maio de 1904, Rodrigues Alves reconheciae proclama va os resultados auspiciosos que vinha alcançando:

“Ao mesmo tempo que, desta forma, venho procurandodesempenhar uma parte dos compromissos contraídos, organiza arepartição da Saúde Pública uma verdadeira campanha contra afebre amarela, com o propósito irredutí vel de extingui-la de uma vez. A experiência adquirida em outros países e a nossa mesma,baseada em obser vações irrecusá veis,22 fortalece a ação adminis-trativa e assegura o êxito dos esforços dos seus agentes [....].Compenetrada do zelo manifestado pelo go verno em benefícioda saúde pública, a população vai cercando de simpatias o seutrabalho, certa de que, amparado com o seu apoio e confiança, ecoad ju vado com lou vá vel tenacidade por um jo vem profissionalcheio de ardor e con vicção, há de triunfar.”

 Apesar de alguns surtos epidêmicos durante a campanha, princi-palmente em 1905, de vido ao afrouxamento da polícia de vigilância dos focos(o que pro vocou no vas críticas da imprensa hostil e no vas ad vertências doscientistas apegados às doutrinas superadas), foi se tornando patente, mesmoaos olhos dos leigos despre venidos – ou, o que era melhor, pre venidos –,que a ação de Osvaldo e do seu grupo se via confirmada pelos fatos.

O número de casos no vos e de óbitos ia declinando paulati-namente. Os algarismos fornecidos por Odair Franco, retirados depublicações oficiais, são os seguintes, quanto aos óbitos: 1903, 584;1904, 48; 1905, 289; 1906, 42; 1907, 39; 1908, 4; 1909, 0.23

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 483

21 Copacabana já começava a ser um bairro, embora longínquo, como vimos pelaatenção que lhe despertou Francisco Passos. Isto era facilitado pela utilização dotúnel (hoje denominado Alaor Prata) inaugurado em 1891. Em 1903, os bondeselétricos da Companhia Jardim Botânico já serviam o bairro, até a Igrejinha, e daíseguiam pela rua deste mesmo nome até Ipanema, onde ficava o ponto final. Oserviço de bondes, primeira via de entrada da civilização aos bairros praieiros dazona sul, fazia-se até tarde da noite.

22 O presidente aludia aqui, provavelmente, não só às experiências feitas por OsvaldoCruz, no Rio, como à sua própria experiência, no governo de São Paulo, com Ribas.

23 Existem leves discrepâncias entre os algarismos fornecidos por Odair Franco e osconstantes das mensagens de Rodrigues Alves, sobre os anos de 1903 e 1904,

Page 479: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Do mesmo autor retiramos os dados que se seguem, referentesaos trabalhos executados na cidade (que tinha cerca de 65.000 casas),entre 1903 e 1907, portanto quase todos durante o governo Rodrigues Alves.Esses dados são uma demonstração da energia da autoridade públicabrasileira, quando empenhada em uma tarefa apoiada pelo povo.Ei-los:

“Prédios expurgados, 29.835; focos de mosquitosdestruídos, 547.212; limpeza de calhas, telhados e pequenosdepósitos de água, 3.161.954; limpeza e desinfeção dedepósitos maiores e esgotos domésticos, 2.154.433; carroçasde lixo removido, 12.344; visitas domiciliares, 1.534.691.”

 Além do gigantesco trabalho feito em terra (gigantescosobretudo se considerarmos os recursos técnicos da época), a SaúdePública criou também uma eficiente defesa sanitária marítima, para evitarque a febre amarela e outras moléstias infecciosas fossem reavivadas como contágio dos doentes embarcados no estrangeiro e em outros portosnacionais. Osvaldo Cruz fornece ao presidente, nos seus relatórios, osdados neste setor. Em 1903 conseguiu uma barca de desinfeção, equipadacom os mais modernos aparelhos, adquiridos na Europa. Em 1904 foiadquirida nova barca de desinfeção na Inglaterra. Compraram-se lanchaspara a Saúde do Porto no Rio e em outros Estados.

Esse trabalho na velha capital, feito por humildes funcionários,resgatou a injusta mácula que acompanhava o nome do Rio de Janeiro,desde meados do século XIX.

 A PESTE BUBÔNICA 

É difícil fixar, com rigor, a época em que a peste chegou aoBrasil. Mal asiático, próprio das grandes concentrações humanas que vivemem baixas condições higiênicas, a peste é conhecida desde a antigüidade.

 484 Afonso Arinos

Page 480: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Média, trazidas pelas rotas comerciais do Oriente. É possível, assim,que moléstias mortais obscuras, que às vezes atacavam as populaçõesurbanas brasileiras nos primeiros séculos da colonização, descritas peloscronistas do tempo como catarros e outras, fossem peste importadapelas naus portuguesas, de retorno da Índia. De qualquer maneira, depoisde pesquisas científicas, ficou apurado que a peste bubônica éprincipalmente transmissível pela picada da pulga, a qual se infecta nosangue de ratos pestosos.

Os portos de mar são os locais de maior incidência da peste.Ratos infectados passam na carga dos na vios, ou descem pelos cabos deatracação, e tornam-se agentes de difusão da doença.

 Já vimos como Rodrigues Alves, presidente de São Paulo, sepreocupara com a peste bubônica, que aparecera no porto de Santos,trazida por imigrantes, e como o seu diretor de Higiene, Emílio Ribas,tinha podido reduzir o mal.

 Agora, como presidente da República, ele volta va ao combate,dando mão forte a Osvaldo Cruz.

Tal como acontecia com a febre amarela, a peste no Riode Janeiro concentra va-se especialmente na zona urbana superpo- voada, junto à Misericórdia, ao Mercado e ao Cais Pharoux. Vilas ebecos imundos, cheios de hospedarias, cortiços e armazéns dosmais variados produtos, essa zona da cidade era um grande vi veirode ratos e pulgas.

Se os sítios de maior incidência eram os mesmos, para a pestee a febre, nas épocas da sua intensidade culminante diferiam. A febrecrescia no verão, a peste no in verno.

 A moléstia reaparecera no Rio em 1900. Não eram muitonumerosos os casos diagnosticados, e a letalidade ficava abaixo de 15%.Não parecia problema tão dramático como o da febre amarela, masOsvaldo Cruz sabia bem que, no Rio de então, nada se podia prever emmatéria de agravamento de epidemias. Pardieiros infectos e superlotados,sistema deficiente de esgotos e de água, acumulação de lixo nas ruase terrenos e empilhamento de sacos de mantimentos nos insalubres

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 485

Page 481: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

poderia subir a todo tempo, pois era “sujeita a ressaltos, paralelos àimigração variável de ratos infectados, à afluência maior ou menor deforasteiros não vacinados, não imunes, e a outros fatores mais ou menosconhecidos”.

O combate à peste esta va cientificamente assentado e encontra va,por isso, menor oposição nos meios médicos do que o combate à febreamarela.

Basicamente, ele se firma va na notificação do caso, isolamentodo doente e na desinfeção da zona empestada, com enérgica extinçãodos ratos e das pulgas transmissores.

 As dificuldades provinham da lentidão com que o Congressofazia tramitar o projeto de reforma da Saúde Pública, com a criação dosmeios e recursos necessários, e, também, da campanha desatada naimprensa e no mesmo Congresso, por motivos pessoais e políticos, con-tra Osvaldo Cruz e o governo federal. A razão principal do tempoexigido para a liquidação da peste bubônica residia nesses motivoscircunstanciais e externos. Aprovada a lei sanitária pelo Congresso, emdezembro de 1903, e criados, com ela, os instrumentos de ação para aSaúde Pública, já a 25 de abril de 1904 podia Osvaldo Cruz anunciar odesaparecimento dos casos da moléstia e o fim do seu surto epidêmico.

Enquanto no Brasil ainda se discutia e combatia a ação dogoverno, os meios científicos internacionais a sauda vam sem reser vas. AConferência Sanitária Internacional de Paris, reunida em 1903, por pro-posta brasileira, proclamou a certeza científica da teoria da transmissãoda febre amarela pelo mosquito e a extinção deste como processo decombate àquela. Em 1904, reuniu-se no Rio uma Conferência Sanitáriaentre o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, na qual os princípiospostos em prática, no Brasil, foram aceitos e recomendados, quanto àfebre amarela, à peste e à varíola.

Era, portanto, plenamente procedente este trecho, que constado retrospecto da administração:

“A febre amarela, extinta como epidemia, e a ponto deser erradicada completamente; a peste jugulada e em via ded i to; a varíola contra i da pela sua pre ã

 486 Afonso Arinos

Page 482: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

[....] representando o máximo progresso atingido em nossopaís nesse domínio; mortandade geral diminuída; muitodiminuída a mortandade pelas doenças infectuosas.”

O catedrático de Higiene da Faculdade de Medicina de Paris,Professor Chantemesse, pre via o dia em que os países da AméricaLatina começariam a recear “as doenças pestilenciais européias”. E,finalmente, como consagração, a Academia Nacional de Medicina,esquecendo antigos e superados pontos de vista, prestou a Rodrigues Alves a maior homenagem a que ele poderia aspirar, como redentor dasaúde. O seu presidente, Aze vedo Sodré, em como vido discurso, proferidona sessão de 30 de junho de 1906, lembrou os insultos dos incrédulos emaldizentes que cor ve jaram sobre os anos de luta, pregando a re volta,falando em descalabro e bancarrota. Disse, naquele crepúsculo de go verno,que o presidente teria o nome gra vado “no coração de todos os brasileiros,de onde passará à posteridade, coberto de bênçãos”.

Como verdadeiro reconhecimento internacional, o Brasilrecebeu o primeiro prêmio (medalha de ouro) do Congresso Sanitário deBerlim, no ano de 1907. Rodrigues Alves, que então se encontra va naEuropa, mostrou-se muito sensibilizado com essa distinção ao seu go verno.

Eis a anotação por ele tomada a respeito do fato:

“Na exposição de higiene de Berlim, de 23 a 29 desetembro de 1907, coube-nos o 1º prêmio, medalha de ourooferecida pela imperatriz.”

O  Figaro de 17 dá uma longa notícia e, referindo-se aoex-presidente, diz:

“Au jourd’hui grâces aux services sanitaires créés avecun courageet un patriotismesans égaux par l’ancien président dela République, Mr. Rodrigues Alves, Rio est tout à fait délivrédu fléau jaune.”

Em outra nota consigna que, de passagem por Genebra,recebe li l i do por Emílio Ribas, co i do que

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 487

Page 483: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Assim, fora do poder e fora do país, Rodrigues Alves colhiaos frutos do reconhecimento nacional e internacional pela ação do seuquatriênio.

Mas este não terminaria sem que a sua obra vitoriosa na saúdepública fosse causa da mais gra ve crise política que sofreu o go verno.

 A VARÍOLA E A VACINA 

 A crise pro vocada pela ação progressista de Osvaldo Cruz,amparado pelo presidente, iria estourar em forma de insurreição popular ede motim militar, durante os quais foi quase deposto o go verno da República.

 A causa imediata desses acontecimentos foi a lei que torna vaobrigatória a vacina contra a varíola. Na verdade, porém, a re volta de 14de no vembro de 1904 não deve ser imputada exclusi vamente à tentati vade imposição da vacina obrigatória.

Causas mais gerais e mais profundas vinham se formandohavia tempo, especialmente na capital da República, e le varam in venci- velmente às conseqüências do choque que colocou o go verno federal, aum só tempo, diante de uma violenta oposição na imprensa e noCongresso, de um grave mo vimento de rua e de um golpe militar. A  vitória de Rodrigues Alves sobre todos esses desafios à sua autoridade foicompleta, quanto aos acontecimentos imediatos, mas não evitou o seudesgaste político. O desprestígio político que o acompanhou no fim doquatriênio e o sucesso dos seus ad versários no arran jo da sucessãopresidencial decorreram, em parte, da situação econômico-financeira eem parte das resistências le vantadas contra o presidente, em todos ossetores da sua ação go vernati va, pelas fortes correntes nacionais, quenão esta vam preparadas para aceitar as mudanças que aquele go vernore volucionário ia empreendendo na estrutura arcaica do país.

 As causas e os aspectos mais marcantes desse difícil processode rápida transformação do Brasil – umas e outras de origem sociológica ecult ral – são de conhe i to ne ári ta inter t ção do

 488 Afonso Arinos

Page 484: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

No começo deste século, a varíola era doença permanente em vários pontos do Brasil. No Rio de Janeiro, sua incidência crescia noinverno, pois o contágio da moléstia aumenta nos períodos de seca,devido ao fato do germe poder transportar-se pela poeira atmosférica eatacar o indi víduo pelas vias respiratórias.

Desde o tempo da Colônia, a varíola ha via sido um pesadelono nosso país, como em outros, na mesma época. A descoberta da vacina,na Inglaterra, em fins do século XVIII, logo repercutiu em Portugal,onde médicos progressistas, como o mineiro Francisco de Melo Franco,tornaram-se seus defensores públicos, embora rudemente atacadospelos ignorantes. Aquele médico brasileiro, que residiu em Lisboa, até1817, foi apresentado na sátiraOs Burros, do iracundo e temí vel polemistaPadre José Agostinho de Macedo, como assassino, pela sua confiançana profilaxia pela vacina. Foi mais ou menos essa mentalidade refratáriaao progresso que se manifestou, no Brasil, espantosamente, em princípiosdo século XX, quando a segurança científica da vacina não mais podiaser discutida.

Os fundadores da República não ignora vam que a erradicaçãoda varíola repousa va na vacinação obrigatória, tanto que o Go vernoPro visório, ainda em 1889, expediu decreto impondo aquela cautela. A leirepublicana, porém, como tantas outras, ficou letra morta. De qualquerforma, ela marca va uma atitude do novo regime, o que, possi velmente, terácontribuído para que os sebastianistas do Império, em 1904, conspirassemcontra o go verno, apro veitando a agitação causada pela lei da vacina.

Mas, por outro lado, entre os maiores responsá veis pela mazorcade 1904, encontra vam-se republicanos históricos do mais puro quilate,como o Deputado Barbosa Lima e os Senadores Lauro Sodré e BarataRibeiro, ambos representantes do Distrito Federal,24 bem como váriosoficiais do Exército, de altas patentes. A esses elementos de vem seracrescentados jornalistas da oposição, principalmente Edmundo Bittencourt,que transformou o Correio da Manhã em verdadeira tocha incendiária. LimaBarreto, no romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha, descre ve-nos

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 489

Page 485: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

o que era a redação do Correio da Manhã naquele tempo, assim como odes vario que domina va o seu combati vo diretor.

Quanto à ação do go verno, ela não foi diferente, na questãoda varíola, de que ha via sido no ataque à febre amarela e à peste bubônica.Somente ha via muito maior base de segurança para a con vicção, porparte de Osvaldo Cruz – e também de Rodrigues Alves – quanto àspro vidências sanitárias a serem tomadas.

Com efeito, a certeza de que a febre amarela poderia ser liqui-dada com a extinção dos mosquitos, era relati vamente recente na teoriacientífica e muito nova na experiência administrati va, quando se iniciouo go verno Rodrigues Alves.

No que se referia à varíola, o meio científico brasileiro já estavacon vertido à experiência inglesa de Jenner, da imunização por germecruzado, desde antes da Independência. No Rio, a utilização da vacina vulgarizou-se com a vinda da corte portuguesa. A certeza da eficácia da vacina anti variólica, assim, era completa nos meios verdadeiramentecientíficos, no fim do século passado e começo do atual.

É claro que reações impre visí veis, de resultados lamentáveis,podem aparecer, excepcionalmente, com a vacina, como comqualquer outro agente curati vo ou pre venti vo, contra os quais existamintolerâncias orgânicas particulares. Mas são casos raríssimos, estatis-ticamente sem significação. Dependem de condições indi viduaispersonalíssimas e não constituem, portanto, problema social. Oproblema social é evitar a propagação da doença, e isto só se pode fazer, esó se faz, nos países ci vilizados, com a obrigatoriedade da vacina. Mas oBrasil (ao contrário do otimismo do cronista Figueiredo Pimentel) nãose civiliza va facilmente. A pro va disto foi a bárbara reação de 1904, pelaqual os menos culpados foram os mais punidos, ou seja, a massa popularrevoltosa do Rio de Janeiro. Como tantas vezes ocorre, os principaisresponsá veis pela agitação e o golpe, pertencentes todos às classespri vilegiadas, encontra vam meios e modos de se desembaraçarem a baixocusto.

Em 1904 a incidência da varíola, que era constante no Riode J iro le bit te. Até m dos do ha i m sido lhidos

 490 Afonso Arinos

Page 486: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Pública tinha estabelecido postos de vacinação na cidade, mas a populaçãonão os procura va. A solução única era a obrigatoriedade da vacina.

Na Europa, esta pro vidência dera resultados con vincentes. Omais brilhante exemplo era a Alemanha, onde a vacina obrigatória foiinstaurada em 1875, determinando a extinção da varíola no país. Em1888, a Itália seguira o exemplo alemão. A França, retardatária, sofrera asconseqüências do atraso, com grandes epidemias e milhares de mortos, atéque, em 1902, resol vera também adotar a vacinação compulsória. O exem -plo espalhara-se pela Europa continental.

Era, portanto, com a maior naturalidade, que Osvaldo Cruzpreconiza va uma legislação que impusesse, no Brasil, a medida que tãoindiscutí veis resultados conquistara em outros países.

REVOLUÇÃO CONTRA A VACINA 

 Ao ser cogitada essa legislação, ninguém podia pre ver atempestade que iria desencadear. Todas as pessoas razoa velmente informadas,médicos ou não, conheciam os aspectos negati vos da vacina, mas sabiamperfeitamente que, nem por sombra, eram eles de molde a comprometeros seus aspectos positi vos. Sabia-se que a imunização não era perma-nente e que, por isso, a vacina precisa va ser repetida ao cabo de algunsanos. Sabia-se que, entre milhares de pessoas vacinadas, algumas poucaspodiam contrair a varíola. Mas não ignora vam que, nestes casosexcepcionais, a doença vinha branda e a mortalidade era mínima. Sabia-seque, como já ficou dito, em um ou outro caso raríssimo, a intolerânciaindi vidual determina va reações perigosas. Mas, acima de tudo, sabia-seque o terrí vel espetáculo das epidemias mortíferas desaparecia fatalmente,com a adoção da vacina.

Causa, portanto, assombro, ao historiador contemporâneo, areação irracional oposta à obrigatoriedade da vacina, no Brasil, por homenseminentes pela sua ilustração e situação social, mo vidos por le viana precipi-tação, por sectarismo cego, por ódios e frustrações: parlamentares comoRui Barb sa, La ro Sodré, Barb sa Lima, Ba ta Rib iro; jor list

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 491

Page 487: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Ao go verno faltou, por outro lado, desen vol ver maioresesforços de persuasão. É verdade que os instrumentos de comunicaçãode massa, como o rádio ou a tele visão, não existiam. O mais poderosoera a imprensa, e a imprensa fez, em geral, causa comum com amazorca. Rodrigues Alves encontrou-se, naquele momento crucial, quasesozinho. Ele não ignora va que a solução da vacina obrigatória era a únicaindicada, sem alternati va. Seu mandato aproxima va-se da metade ecumpria-lhe agir, mobilizando os instrumentos de que dispunha o governo:sua maioria no Congresso, seu pessoal administrati vo, e, quando sefizesse necessário, sua polícia e sua força armada.

Foi o que fez, gradati vamente, tomando medidas cada vezmais se veras, à proporção que a situação ia se fazendo mais gra ve.

Toda a oposição que pro vocou, os ódios e desconfianças quedespertou com o seu adesismo à República, a sua carreira vitoriosa dentrodela, a questão do Acre, a administração de Passos, a abertura da AvenidaCentral, a campanha da febre amarela, a eleição de Afonso Pena para vice-presidente, o seu orgulho de paulista, tudo se juntou na onda furiosaque quase o submergiu em 1904. Onda que arrasta va de cambulhada ospositi vistas, os monarquistas, os republicanos históricos, os tradiciona-listas, os militares, os agitadores temperamentais, os políticos despeitadosou marginalizados.

O analista desapaixonado de hoje (e não são raros, nos debatesdo tempo, os apelos ao historiador do futuro) reconhece que as medidassanitárias encontrariam menor resistência se fossem tomadas com maiorcuidado de persuasão. Mas não pode, também, deixar de reconhecer queha via muita má fé na resistência, que a ignorância era explorada pelofanatismo ou a paixão, que o tempo urgia e que os meios de comunicaçãofalta vam. A impressão final é a de que Rodrigues Alves, neste como emoutros pontos do seu go verno, chefia va uma verdadeira re volução nopaís, e que nenhuma re volução pode ser feita sem abalos e conflitos,nem vitoriosa sem lançar mão de recursos de exceção.

 Vamos aos fatos.Em 29 de junho de 1904 o Se dor ala no Ma el José

 492 Afonso Arinos

Page 488: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

alemã. O pro jeto era muito simples. Compunha-se de dois artigos. Noartigo 1º estabelecia que “a vacinação e re vacinação contra a varíolasão obrigatórias em toda a República”. No artigo 2º dava poderes aoExecutivo para regulamentar a lei, de acordo com os princípios queestabelecia.

Essa iniciati va encontrou, de imediato, viva resistência, porparte de prestigiosos membros da casa. Barata Ribeiro, republicanohistórico, primeiro prefeito do Distrito Federal, homem de talento epreparo, médico e professor da Faculdade de Medicina, combateu opro jeto na sessão de 5 de julho, com grande veemência. Orador de recursos,Barata Ribeiro era muito popular na cidade, que o elegera para a câmaraalta. Conhecido pela sua campanha contra as anti-higiênicas habitaçõescoleti vas, os chamados “cortiços”, explorados como assunto de romancerealista por Aluísio Aze vedo (campanha que chegara a ser consagrada pelamúsica popular), o republicano histórico e médico humanitário transfor-mou-se em acusador impiedoso de Rodrigues Alves, a quem combateu,sem remissão, até o fim do quatriênio. Seu primeiro discurso contra oprojeto é a medida das suas posições futuras, e da forma geral pela qual acampanha seria conduzida. Sem negar a utilidade da vacina, Barata Ribeiroinsurgia-se contra a sua obrigatoriedade, por ele colocada no terreno daliberdade de consciência. Para o senador, resistir aos agentes daSaúde Pública era defender o lar in vadido e a tranqüilidade domésticaconspurcada.25 Chegou a declarar que, como chefe de família, far-se-iamatar, antes de permitir que os vacinadores entrassem em sua casa.

Prosseguindo a discussão de plenário, falaram, no dia 16, LauroSodré, contra, e Ramiro Barcelos, a fa vor. No dia 20 de julho, o pro jetofoi apro vado, contra os votos de 11 senadores. Alguns destes erampolíticos hostis a Rodrigues Alves: Pinheiro Machado, Joaquim Murtinho,Lauro Sodré, Metelo e Barata Ribeiro. Rui Barbosa, naquela primeiratramitação, não se manifestou. O senador baiano encontra va-se licenciadopor dois meses, desde 23 de junho, em tratamento de saúde.

 A partir de 18 de agosto, começou o pro jeto a ser discutido naCâmara dos Deputados. Ali também encontrou forte oposição. Entre os

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 493

Page 489: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

combatentes mais aguerridos esta vam Brício Filho, pernambucano, querepresentava o Pará; o gaúcho Alfredo Varela e o grande orador queera Barbosa Lima.

No caso da vacina, Barbosa Lima, tal vez a maior figura daCâmara de então, le vou aos mais lamentá veis excessos sua oposição aogo verno Rodrigues Alves, que já combatera na política externa e emoutros setores, inclusi ve na própria Saúde Pública.

O andamento do pro jeto arrastou-se por dois meses e meio,tais os obstáculos criados pelos opositores, que lança vam mão de todosos recursos. O propósito era chegar ao fim da sessão legislati va sem quea lei pudesse ter sido sancionada. As discussões sucediam-se, passandode animadas a monótonas, pela repetição dos mesmos argumentos.Estes eram, fundamentalmente, de dois gêneros. Ou contesta va-secientificamente a eficácia da vacina, ou impugna va-se o seu caráterobrigatório, como atentado contra a liberdade de consciência.

Quando se passou à fase de votação, tornou-se evidente quenão seria possí vel vencê-la, se fossem votadas as emendas, que erammais de 100, uma por uma. A maioria adotou, então, o sistema regimentalde votação em globo, o que foi feito, mas pro vocou furiosas in vecti vas dosad versários do go verno, tanto no momento quanto depois, nos debates doestado de sítio.

Ser viu muito à vitória final do go verno um jo vem deputadomineiro, que começa va a se destacar no meio federal. Seu nome era Venceslau Brás e exercia a liderança da casa.

Falta va apenas a regulamentação pre vista na lei. E foi essaregulamentação o pretexto para o mo vimento de 14 de no vembro, oqual, de fato, já vinha sendo preparado ha via muito.

Os indícios dessa conspiração eram claros.Em janeiro de 1904, quando da votação do Tratado de Petrópolis

na Câmara, o Deputado gaúcho Alfredo Varela fez, da tribuna, esteapelo franco à re volução:

“O povo brasileiro, no qual noto mara vilhosa disposiçãopara a luta, espera que sur ja um elemento coordenador. Eele há de surgir fatal te [....]. E, no dia da pro la, se ã

 494 Afonso Arinos

Page 490: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

seus próprios erros o despenharão no abismo. A obra dedesmoronamento está sendo feita pelo próprio go verno.O orador não precisa conspirar, portanto. Confessa,entretanto, que, se esti vesse em seu poder, não hesitariaem chegar fogo à mecha.”

O deputado que assim fala va em janeiro foi um dos chefesostensi vos da re volução de no vembro. Embora se haja destacado nahora da luta, escondeu-se depois dela, abandonando os companheiros.

 Varela tinha tomado parte na re volução federalista, sustentandoCastilhos e Floriano, com o que recebeu as honras de coronel do Exército.Fora diretor da Federação, o jornal de Júlio de Castilhos. No Rio foi também jornalista, tendo participado da fundação do Comércio do Brasil, jornal ampa-rado pelos monarquistas,26 com redatores do porte de Andrade Figueira, Afonso Celso e Cândido de Oli veira, todos membros do diretório restau-rador. O Visconde de Ouro Preto era outro protetor do mesmo jornal, edenunciou o chefe de Polícia, Cardoso de Castro, por ter violadocorrespondência sua, pedindo recursos para oComércio do Brasil.

Contraditório e inconseqüente, de republicano ardoroso,florianista que lutou contra o liberalismo monárquico, não vacilou emaproximar-se dos monarquistas mais intransigentes, por ambição pessoal.Sua tra jetória na Câmara, onde permaneceu de 1900 a 1905, não foi,tampouco, isenta de incidentes pouco recomendá veis.

Em 1903, já conhecido como exaltado, Varela en vol veu-se emdiscussões escandalosas com os Senadores Barata Ribeiro e VicenteMachado. Este último endereçou-lhe ataques pessoais de extrema violência,a ponto da vergonhosa discussão ser vir de alvo à sátira dos caricaturistas.

Em julho de 1904, o Deputado Varela, em companhia deoutras pessoas, retirou um detento, violentamente, das mãos da autoridadepolicial. O chefe de Polícia solicitou à Câmara permissão para processá-lo,e Rodrigues Alves empenhou nesse pedido a autoridade do go verno.Le vantou-se uma onda de protestos na imprensa e na Câmara, mas alicença foi concedida a 18 de julho, por 106 votos contra 32, tendo se

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 495

Page 491: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

destacado pela primeira vez, em defesa do go verno, o jo vem Deputadomineiro Carlos Peixoto, e, no ataque, o Deputado Barbosa Lima. Nasessão do dia 20, Alfredo Varela e o seu patrício Germano Hasslocheren vol veram-se em um dos mais vergonhosos bate-bocas a que já assistiua Câmara brasileira. Hou ve incursões na vida particular de lado a lado eacusações de estelionato, furto e exploração de mulheres.

Parece que o representante gaúcho tomara-se de especialojeriza pelo presidente, em conseqüência do le vantamento das suasimunidades parlamentares. Para completar o ligeiro perfil desse homem vaidoso, hoje completamente esquecido, recordemos ainda um aspectoda sua personalidade. Interessado na Guerra dos Farrapos, recolheu arespeito enorme documentação, com a qual escre veu uma História emnumerosos volumes. O li vro de Varela é riquíssimo em documentos mas“intragá vel” (a expressão é de Augusto Me yer), por causa do seuinabordá vel estilo. No go verno de Afonso Pena, em 1908, Varela foinomeado cônsul de 2ª classe, tendo se aposentado como cônsul-geral,muitos anos depois.27

Homem de outro ní vel era, sem dú vida, Barbosa Lima. Republicanohistórico, foi uma das mais impressionantes figuras da Primeira República,com ela se identificando desde a ascensão, em 1889, ao declínio, no go vernode Artur Bernardes. Barbosa Lima surgiu moço, com a República,enchendo-a de rumor e glória com a sua eloqüência, sua bra vura, sua persona-lidade às vezes chocante, pelo contraste de atitudes. Ha via em BarbosaLima traços de autoritarismo militar e positi vista (ele foi um pouco essasduas coisas) e de liberalismo anárquico e socializante (coisas que ele tambémfoi). Todas essas inspirações culturais gira vam vertiginosamente dentro deum ebuliente talento, ser vido por formidá vel eloqüência.

Não se pode procurar coerência, nem orientação construti- va, no pensamento de Barbosa Lima. O mesmo, no entanto, nãopode ser afirmado quanto à sua conduta moral. Nisto ele foi impecável,e daí vem a lição verdadeira da sua vida. Se as idéias e as atitudespolíticas de Barbosa Lima sofreram constantes des vios e se desmentiamumas às outras, muito em pre juízo do país e dele próprio, moralmente

 496 Afonso Arinos

Page 492: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

nunca se abateu nem se traiu. Foi uma consciência li vre, em lutapermanente com o poder. Foi, especialmente, um pioneiro na maneira deencarar os problemas do povo na sua realidade social. Daí a sua fraseologiameio comtista e meio socialista, sobre os direitos do proletariado,com os quais tantas vezes se identificou.

Ha via, naquela geração, outros intelectuais que manifesta vamde público inclinações socialistas. Em dezembro de 1903, Alcindo Guanabarafundou A Nação, jornal que se dizia “socialista, nacionalista e protecionista”.Desenhistas de sucesso, como Raul Pederneiras e Calixto Cordeiro, desdeaquele mesmo ano assina vam trabalhos de exaltação ao operário e de crítica aopatrão, representado, às vezes, como burguês ventrudo e insensí vel. Sempreem 1903, no mês de no vembro, hou ve uma manifestação de operários daCentral do Brasil, com a presença e a pala vra de Barbosa Lima. CalixtoCordeiro (Klixto) dedica ao fato um desenho, no O Malho, no qual aparecemos trabalhadores e o barbudo Barbosa Lima, sob as vistas preocupadas de“burgueses” (com esta designação) bem vestidos e nédios. Os traçosesboçados do caráter de Barbosa Lima explicam a sua presença incendiária nasdesordens de rua do mês de no vembro de 1904. Outra razão também a explicaria.

De fato, segundo Dantas Barreto, na sua obra Conspirações,Barbosa Lima, Alfredo Varela e Lauro Sodré constituiriam a Juntaditatorial, caso a re volução fosse vitoriosa e pudesse ser instalada aditadura, com que sonha vam os seus aderentes mais radicais.

Barbosa Lima28 coloca va-se entre os políticos que não distin-guiam fronteira entre oposição e re volução. No tocante à gestão de RioBranco, ele era dos que considera vam catastrófica a “cessão de território”contida nos arran jos do Tratado de Petrópolis. E sabemos como estecaso ser viu de pretexto ao radicalismo dos inimigos do governo, até oponto de suscitar a idéia do atentado pessoal contra o presidente.

Elemento de peso na oposição à obrigatoriedade da vacina foi opositi vismo, corrente religiosa e filosófica ainda então representada pelageração de fundadores da República, discípulos diletos de Ben jamimConstant. Na Constituinte de 1890, os positi vistas tinham tomado posição

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 497

Page 493: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

contra a vacina obrigatória, en viando, a respeito, um memorial à assembléia.Daí por diante fundamenta vam-se em argumentos de ordem científica efilosófica. Cientificamente, nega vam validade à descoberta de Jenner, esustenta vam que a inoculação do vírus pre venti vo poderia trazer resultadosfunestos à saúde do paciente. Filosoficamente, a imposição da vacinapelo poder público era, para os positi vistas, uma violação da liberdade deconsciência, garantida pela Constituição. Com a aplicação, o zelo e aenergia habituais, os discípulos de Comte lançaram-se à luta, imprimindofolhetos, inserindo colaborações nos jornais e instruindo os adeptos daseita nos diferentes campos de ati vidade. O respeito que merece aconduta moral dos positi vistas faz esquecer, de hábito, os males que aseita causou ao Brasil, em várias ocasiões.

No mês de julho, o médico legista da Polícia, Cunha e Cruz,positi vista, firmou o atestado de óbito de uma mulher, no qual dava,como causa mortis, septicemia, em conseqüência da vacina. Os jornaishostis ao go verno exploraram logo o caso, e Barbosa Lima glosou-ocom lamentá vel excesso na tribuna, o que le vou Osvaldo Cruz aprotestar, depois de examinar pessoalmente o cadá ver, dizendo que oatestado era falso e o médico, positi vista. Teixeira Mendes, o grandeapóstolo da Igre ja, escre veu repetidas vezes contra a lei da vacina.

Naquele meado do ano, a campanha tornou-se mais agressi vae demolidora. O go verno era atacado impiedosamente pelos grandesdiários: Jornal do Brasil, Jornal do ComércioeCorreio da Manhã. Os boatos dere volução fer vilha vam. Em junho, Seabra escre veu a Barbosa Lima,advertindo-o do que sabia a respeito de seus mane jos. Em agosto foramespalhados boletins que apregoa vam abertamente a re volução, em nomedos positi vistas, espíritas e homeopatas. Isto não teria muita importância,se a Polícia não esti vesse no encalço de coisa muito mais séria: a conspiraçãomilitar, que conduziria Lauro Sodré, se vitoriosa, à chefia da Junta dogo verno re volucionário.

Lauro Sodré representa va, pela sua formação, as tendênciaspredominantes da mentalidade republicana de 1889. Oficial do Exército,homem honrado, foi aluno, na Escola Militar, de Ben jamim Constant,tor do-se po iti i ta. Era também maçom, tendo atin ido a dig id d

 498 Afonso Arinos

Page 494: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

espécie de exaltação mística pela República, como se vê em um trabalhoque escre veu, já velho, para o Instituto Histórico, sobre a proclamaçãode 15 de no vembro e seus antecedentes. Nesse estudo, Lauro Sodrédefendeu exaltadamente a participação dos militares na vida política.Sobre tais elementos, de ve-se concluir pela sinceridade de Lauro Sodréao querer instalar uma ditadura militar republicana, sob sua chefia.29

Logo após o 14 de No vembro, A Tribuna, jornal de Antônio Azeredo (cujo conhecimento da política republicana era sobretudo experi-mental), publicou um relato das ati vidades conspiratórias de Lauro Sodré.

Segundo A Tribuna, o senador paraense, no final do go vernode Campos Sales, coordenou uma conspiração, com base no Rio Grandedo Sul, cujo propósito era evitar a posse de Rodrigues Alves. Chegou-seaté a marcar a data do mo vimento, que seria 4 de no vembro de 1902,tendo como foco a Escola Militar do Rio de Janeiro.

Também se ha via cogitado de um atentado a dinamite contrao trem que de via trazer Rodrigues Alves para a posse na presidência.Um cadete seria incumbido disso. Tendo falhado tudo, tentaram asconspirações re volucionar o país a propósito do Acre. Finalmente, em1904, chega vam à sedição, promo vendo as desordens no Rio de Janeiro,o mo vimento popular do “quebra-lampião”.

Pouco antes, o próprio Lauro Sodré anunciara, por assimdizer oficialmente, os seus desígnios.

Em longuíssimo discurso, pronunciado no Senado na sessãode 1º de setembro, depois de referir-se à “mentira legal que está fingindode República”, declarou que o povo era “vítima da lei” e, aludindo àsobras do go verno, vaticinou que também “a picareta da demoliçãopassará sobre todas estas ruínas [da República] para que, por cima delas,possa ressurgir alguma coisa de novo”.

Quando a lei da vacina passou no Senado e começou a tramitarna Câmara, a conspiração adquiriu grande alento. As correntes que dela

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 499

29 Lauro Sodré, segundo parece, continuou preso à idéia de revolução. A 3 de marçode 1906, Rodrigues Alves anota: “Vi ontem uma carta de Câmara Leal [Gastão],

Page 495: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

participavam era inconciliáveis, o que retirava, de início, à revoluçãoprojetada, qualquer programa coerente e qualquer possibilidade decriação de um governo que a representasse. Isto não quer dizer,contudo, que o governo não pudesse ser derrubado por ela, como quasefoi, nem que uma ditadura não pudesse ser instalada em lugar dele,como esperavam os seus chefes. O que se afigura impossível, aohistoriador de hoje, é que tal ditadura pudesse durar. A irradiação domovimento para fora do Rio, embora existisse, era muito pequena, enão poderia dominar os governos estaduais naquela federação vigorosa. A federação evitaria fatalmente a ditadura. Mas os líderes, arrastadospelo movimento, não pensavam provavelmente nisso.

 A ação revolucionária desenvolvia-se em atividades convergentes,coordenadas por pequeno grupo, cuja tarefa era auxiliada pela zoeirairresponsável na imprensa e no Congresso. O apoio popular à revoluçãoem preparo tornava-se evidente pela repulsa que o povo começou a oferecerà vacina voluntária. Os postos de vacinação da Saúde Pública registraram23.021 pacientes em julho e só 6.036 em agosto. A massa ignorante,explorada pelos demagogos, acreditava nos exploradores. A 5 de novembrofoi convocada, por meio de boletins lançados ao povo, uma reunião noCentro das Classes Operárias, a qual foi presidida por Lauro Sodré. No violento discurso que pronunciou, o senador carioca apelou claramentepara a revolução, destinada a defender a liberdade do povo, ao quedizia, mas preparada para fazê-lo ditador, segundo ele esperava. BarbosaLima falou contra os antigos escravocratas, o governo de conselheiros ebarões. Ele não desejava envolver-se na campanha fora da Câmara. Mas (ainformação é de Rodrigues Alves) convidado a comparecer ao CentroOperário, não resistiu à pressão do ambiente e aos grandes aplausos que, deindústria, lhe faziam e abriu as comportas do seu verbo.

O estopim maior foi aceso com a publicação pela A Notícia, vespertino do Senador Azeredo dirigido por Oliveira Rocha, do esboçode regulamento da lei aprovada, preparado por Osvaldo Cruz. Comodecreto regulamentar, o texto escapava à aprovação do Congresso, efoi apresentado como ato ditatorial do Executivo.

Sempre confinado na sua visão de técnico, desprezando a

500 Afonso Arinos

Page 496: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

isto é, obrigasse à vacinação maciça em seis meses. Tinha que ser muitoseveras as normas que a tanto se destinassem. Coagiam, praticamente, apopulação a fazer desde logo aquilo que muitos lhe diziam ser, ou umperigo mortal, ou um desrespeito às famílias. A falta de experiência políticade Osvaldo Cruz levou-o, aqui, a cometer grave erro tático.

O estrondo provocado pela publicação não podia sermaior. Subiu a agitação ao paroxismo. De nada valeram asdeclarações moderadoras de Seabra, afirmando que o esboço seriaexaminado, modificado e atenuado. O povo começou a se concentrarnas praças, espontaneamente, sobretudo nos Largos do São Fran -cisco e do Rossio, defronte ao Ministério da Justiça, onde agitadoresusavam da palavra. A polícia montada passou a dispersar oscomícios. Os conflitos surgiram.

Naqueles dias de no vembro, o ambiente da Câmara erapré-revolucionário. A 9, Varela e Hasslocher en vol veram-se em discussões,com desafios para desforço físico. Varela arrota va valentias. Eraevidente que a situação, chegada a tal ponto, não poderia encerrar-sepacificamente.

O mentor popular, escolhido pelos cabeças do movimento,foi o Professor Vicente de Sousa, lente de Lógica no Externato PedroII, que dispunha de certo prestígio no meio operário e, também, namalta de desordeiros recrutada adrede para a mazorca. O Rio de Janeiropassou a viver dias transidos e aflitos. Bandos de facínoras e prostitutas juntavam-se a vagabundos e agitadores industriados (grupos popularescada vez maiores auxiliavam a desordem). No dia 7 de novembro, oComércio do Brasil, que era o leito do conúbio da mazorca com o trono,apelou abertamente para a revolução. Os constantes apelos à desordemsensibilizaram as camadas mais profundas do povo duramenteexperimentadas pelo governo inflexível de Campos Sales.

O Correio da Manhã era um foco de incêndio. Certos jornaiscomeçavam a reagir contra os excessos. Sodré era advertido de que,como senador e oficial do Exército, não podia pregar revolução. Mas,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 501

Page 497: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 A revolução dividiu-se distintamente em duas partes: umapopular, na qual o governo foi impotente por três dias; outra militar,que durou uma só noite e de que o governo saiu vencedor.

 A primeira parte transcorreu entre 11 e 14 de novembro,quando as forças da ordem foram submergidas pela malta desenfreada eo goveno perdeu o controle da cidade. A Câmara funcionava semnúmero, pois os deputados, temerosos, lá não iam. Trabalhadoresamotinados, capangas assalariados, capoeiras e vagabundos pareciamtomar conta da cidade. A população entrava em pânico.

Deslocando-se rapidamente de um para outro ponto da cidade, deforma a desnortear e cansar a polícia (cujos meios de transporte ecomunicação não eram os de hoje), grupos decididos queimavam bondes,destruíam candeeiros de iluminação, invadiam casas comerciais etentaram assaltar o gasômetro, além de quartéis e depósitos de armas. Ocomércio fechou. O Rio ficou paralisado. Houve mais de 20 mortos. Eraevidente que a polícia não mais continha a anarquia. Só as forças regularespoderiam fazê-lo, mas estas não tinham ordem de intervir.

No mo vimento direto de rua, dois indi víduos representa vamos monarquistas: o Deputado Varela e o arruaceiro Pinto de Andrade,de fama naquele tempo e depois, até o go verno Hermes.30

 A participação dos monarquistas, negada em discursos noCongresso, não se apresentava apenas através do Comércio do Brasil. Osexcelentíssimos conselheiros do Império, ulcerados com o ostracismorepublicano, entraram de rijo na conspiração. Isto ficou demonstrado pelascartas de João Alfredo à Princesa Isabel,31 principalmente a de 2 demaio de 1905, da qual constam os seguintes trechos:

“Os jacobinos e positivistas do Lauro Sodré tiveram opoder de atrapalhar e empatar a obra séria e boa. Ou se lhesdava a ditadura a seu modo e para os seus fins, ou eles sustentariama República, a pior que fosse, sempre preferível à Monarquia [....].

502 Afonso Arinos

30 Pinto de Andrade, nome hoje completamente esquecido, foi famoso como capanga e

Page 498: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Na véspera do 14 de Novembro, veio ter comigo o Deputado Varela. Formulei para base da negociação esta alternativa: imediatarestauração da Monarquia [....] ou consulta leal à nação. Aludindo eu à obstinação do Lauro, respondeu o Varela que oseu amigo estava muito modificado; mas não veio mais à fala,sinal de que a ditadura, com um programa de fazer medo,continuava a ser condição essencial e absoluta. Foi isto oque perdeu o movimento, disse o Coronel Jacques Ourique”.32

 João Alfredo supunha contar, para as suas ambições restauradoras,com o General Olímpio da Silveira que, segundo se dizia, entraria na juntade governo. Diz o signatário da Lei Áurea:

 “Senti muito não ver o General Sil veira. Ele esta va tãocerradamente espiado, que não pôde vir à minha casa, comodese ja va, e eu, por minha parte, também vigiado, não podiaandar só e agilmente iludir a polícia.”

 Prossegue João Alfredo:“Sei que o general, teimosamente importunado para ouvir

a pretensão do Lauro, recusou-a. Ofereceram-lhe o nome doGeneral Tra vassos, e ele evadiu a proposta.”

O General Sil veira, como se verifica, não quis colaborar nogolpe, desde que fosse para ele var Lauro a ditador. Veremos que Tra vassosaceitou o papel, e isso lhe foi fatal.

 Além dos cardeais do sebastianismo, que faziam parte doComércio do Brasil, de ve-se lembrar que o Conselheiro Cândido de Oli veira,em 1905, denunciou Rodrigues Alves por crime de responsabilidade, em virtude do estado de sítio. Os monarquistas não perdoa vam ao velhocorreligionário.

 A confusão que reina va nas ruas propaga va-se também entreos elementos do go verno. As forças do Exército não pareciam dispostas aobedecer, nem aos comandantes de corpos nem ao próprio ministro daGuerra. Generais e outras patentes chegaram a reunir-se, no Clube Militar,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 503

Page 499: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

com a presença de líderes da re volta, a fim de assentarem o plano domovimento assim consertado: Lauro Sodré e o General Sil vestre Tra vassospromoveriam a rebelião da Escola Militar da Praia Vermelha, cujo comandoseria assumido pelo segundo. A Escola de Realengo seria levantada peloMa jor Agostinho Gomes de Castro e pelo Capitão Antônio AugustoMendes de Morais, e, em marcha para a cidade, se uniria ao 20º Batalhãode Infantaria e ao 5º Regimento de Artilharia do Campinho.

 As duas colunas, a da Praia Vermelha e a dos subúrbios, fariam junção nas proximidades do Catete, de onde exigiriam a renúncia do presidenteda República, assumindo o go verno, com poderes ditatoriais, Lauro Sodré.

Tomaria o comando do Realengo o General Marciano Botelhode Magalhães, irmão de Ben jamim Constant. Marciano fora o jo vemoficial que assegurara o le vante da Escola Militar, no dia da proclamaçãoda República. Pensa va, assim, repetir, no fim da carreira, os sucessosdo seu início. Lauro Sodré, no estudo já referido sobre o 15 deNovembro de 1889, alude com admiração à ação de Marciano naquelaoportunidade. Isto parece indicar claramente o propósito da missãoatribuída a ele em 1904. Desta forma, os velhos companheiros positivistas junta vam-se de novo para tentar outro golpe, não contra a Monarquia, mascontra a República.

Rui Barbosa, em discurso no Senado, proferido a 16 denovembro, dá a versão que lhe chegou, no dia mesmo dos acontecimentos.Ouviu-a a “um vizinho” que, doente, o chamara em casa para relatá-la.33

 A informação desse vizinho pro vinha diretamente da Praia Vermelha.Era – disse Rui – “um mo vimento deliberado a se apoderar imediatamentedo go verno, substituindo-o por uma Junta go vernista de três membros, doisdos quais são o General Olímpio da Sil veira, com a chefia, e o GeneralTra vassos.34 Contam com a guarnição. Esperam que a Marinha nãodesembarcará. As posições estão distribuídas. É um fato consumado.”

504 Afonso Arinos

33 Possivelmente o Deputado baiano Augusto de Freitas, que morava na ruaS. Clemente, quase defronte à casa de Rui.

Page 500: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Mas as coisas não foram tão simples como ha viam sido dito aRui. No Realengo, o Ma jor Gomes de Castro, incumbido de le vantar aEscola e entregá-la ao General Marciano, foi preso pelo comandante damesma, General Hermes da Fonseca,35 com auxílio dos alunos. Pintode Andrade, que acompanha va o ma jor, foi preso, espancado e feridocom um tiro.

Na Praia Vermelha, Sodré, Varela e Tra vassos foram bemsucedidos. Ali, seguindo as ordens daqueles três, a Escola suble vou-se,destituindo o comandante, General Bibiano Costallat, e entregando ocomando ao General Tra vassos, que logo a organizou como força decombate. O número de alunos insurretos orça va por trezentos, e aoGeneral Costallat foi permitido retirar-se li vremente, o que fez, acompa-nhado por alguns poucos alunos legalistas, entre os quais se encontravamdois que tiveram brilhante carreira no Exército: os futuros generaisCastro Júnior e Leitão de Car valho.36

Enquanto isso, Rodrigue Alves em pessoa, enleado no ceticismode uns e na covardia de outros, prepara va, no Palácio do Catete, aresistência.

Nada melhor, para a descrição dessa noite de agonia, em queo presidente da República defendeu com simplicidade e bra vura o postoque o povo lhe havia entregue e a ordem civil da República, do quetranscrever o texto do curioso documento em que Rodrigues Alvesfixa, logo depois dos fatos, a sua lembrança. Trata-se de um cadernode papel almaço, escrito a lápis, em cursivo apressado e forma singela,provavelmente notas para ulterior desenvolvimento. É a seguinte anarrativa de Rodrigues Alves:

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 505

35 A ação de Hermes, no episódio, valeu-lhe a gratidão pública do governo e osmaiores encômios de Rui Barbosa, no referido discurso de 16 de novembro. Foia resistência do Realengo que colocou em foco o nome do futuro presidente.Rodrigues Alves, mais tarde, dá versão diferente do episódio.

36 O General Estêvão Leitão de Carvalho foi um exemplo raríssimo de fidelidade àdisciplina. Morto quase nonagenário, com as honras de marechal, nunca aderiu a

Page 501: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“1904 Movimentos denovembro

 A lei da vacinação obrigatória produziu umsério movimento nestacapital. O grupo dos positivistas, auxiliados pelos operários, chefiados pelo Dr.Vicente de Sousa e pela imprensa perversa, conseguiu levar ao máximo deexaltação o espírito de desordeme de anarquia. É difícil descrever as cenas quese deramnesta capital e imaginar o número de desordeiros e desclassificados detoda a espécie que surgiramaqui nos dias de novembro de 1904, quebrandolampiões, destruindo casas, apedrejando transeuntes, virando equeimando bondes, ferindo ematando inocentes transeuntes. Era principalmenteno clubedos operários,quea agitação sepreparava. Vicentede Sousa, Lauro Sodré, Varela (Alfredo), Barbosa Lima eramos principais agentes da desordem. Diz-sequeBarbosa Limasempre se negou a comparecer ao clube, mas que, contando-se com o seutemperamento impulsivo, foi feito vice-presidente, exatamentecomo propósito deobrigar a comparecer para tomar posse, eentão seria forçado a falar enão seconteria. Efetivamenteassimfoi. Compareceu a uma das sessões efez umdiscursoviolentíssimo, dequeos jornais deram, propositalmente, uma idéia pálida. Quandoviu os operários suficientementeexaltados, afirmou queo exército estaria comeles,para encorajá-los. No fimdeuma destas sessões, encaminharam-seà noitepara oCatete e postaram-se em frente, com ânimo manifestamente hostil, mas secontiveram, porquehouveprevenção equaseao mesmo tempo queo magotechegouuma força de cavalaria, que formou em frente do palácio. Retiraram-semurmurando. Via-sebemquehavia propósito desair do terreno pacífico, pois osoradores do clubediziamcomarrogância queera preciso levar tudo à bala. À bala foi mesmo a epígrafedeumdos artigos do jornal deVarela, quereapareceu paraanimar a desordem.

 As coisas foramcaminhando assimatéquea 14 denovembro atingi-ramao máximo deintensidade, explodindo demodo violento eselvagem. Foi umdiadegrandes apreensões o 14 deNovembro. Desdecedo quesenotava muita inquieta-ção, mal-estar esustos. Os boatos mais desencontrados começarama aparecer, sendocerto que, desdedias anteriores, mumuravam-secoisas muito sérias. A polícia estavain formada dos movimentos deopinião, mas no quartel-general havia credulidadecom-pl t l não havia de  fi as séri Qu do al u filh foi

506 Afonso Arinos

Page 502: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

a 10 minutos fui avisado dequeaquelegeneral havia chegado ao palácio. Disse-ram-mequeviera emumcarro da polícia, quelhefoi cedido pelo General Piragibe.

 Desci para recebê-lo ecomecei a escrever alguma coisa quando entrou ogeneral. Fi-lo sentar-se na cadeira à minha esquerda e continuei a escrever,perguntando-lhepor sua saúde, achando-o mais magro dequea última vez queo vi. Procurava assimacalmar-meedar-lhetambémtempo para seorientar. O generalvinha à paisana. Começou, em termos respeitosos, a falar nos movimentos, naagitação das ruas, no receio demaiores desordens equetomou a responsabilidadedeprocurar-mepara ver sehavia ummeio deacomodar os ânimos, pois elereceava queas  escolas saíssem. Não pude, depois da conferência, certificar-me seele deu aentender quedesejava como meio deacomodação a retirada do doutor Seabra doministério. Tenho como certo quenada chegou a dizer emeu filho, queouvia aconversa da porta do seu gabinete, diz queelenada dissera a tal respeito. Quando falou na possibilidadedas escolas saírem, interrompi-o para dizer queo governoestava detudo informado epreparado para manter a ordemequemanteria, saíssemounão as escolas. Falei comvigor eenergia para impressioná-lo, o quepenso haver conseguido. Disse-lhequedevia aconselhar os seus amigos ecamaradas para quenão seexcedesseme, ao retirar-se, sendo a minha resolução demanter a ordem, custasse oquecustasse, dissequeia aconselhar aos seus companheiros equeno meu lugar, nãoteria conduta diferente.37  Retirando-se, fiquei muito preocupado coma ousadia deumoficial que, emtal situação, procurava o presidenteda República não para sepôr às suasordens, mas para indicar acomodações, e isto à paisana, embora falando comodevido respeito ao seu superior. Externei estas impressões ao doutor Seabra eincumbi o Chefe de Polícia de levá-lo ao ministro da Guerra, procurando-oimediatamente. O doutor Cardoso de Castro voltou, semmuita demora; deu-meconhecimento da conversa que teve como Marechal Argolo, afirmando-me que noquartel-general não seacreditava emmovimento. E o senhor, queimpressões tem?perguntei-lheeu. Eu estou muito apreensivo, respondeu-me. Pois continuevigilanteevácumprindo como seu dever, quehavemos devencer todas as dificuldades. À tarde, pergunteiao General Glicério seconhecia o General Travassos e pedi-lhe que o procurasse paralhedizer queestava jogandomuitocomoseu nome, quesedizia envolvidonos movimentos.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 507

37 De fato, em nota posterior, tomada em 1906, Rodrigues Alves recolhe a

Page 503: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf
Page 504: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Era meu intuito, prevenindo-o, saber do quesepassava. Glicério não o encontrou, e,pouco depois desair do palácio, fui informado dequeTravassos passava numbondecomLauro Sodrépara o Catete; iamnaturalmentepara a escola.

 Não contentecomo resultado da incumbência quedei ao ChefedePolícia e,continuando os meus sustos, mandei o General Aguiar 38 ao quartel-general conversar como Marechal Argolo sobreo caso do General Olímpio. Ponderou-menessa ocasião oGeneral Aguiar senão achava convenientequeelesugerisseao ministro da Guerra aidéia deconvocar os generais para expor-lhes a situação epedir queestivessemvigilantes. Respondi quenada lhedi zia a tal respeito porqueera esseo dever dos generais, quenãopodiamestar à espera deconvites dequalquer natureza eacrescentei: O senhor éofi cialsuperior, faça o queentender coma idéia sugerida. Saiu o General Aguiar, e, voltando,disse-mequeo ministro não tinha achado boa a sua indicação, e, referindo-mea conversaquecomeleministro teve, ainda não fiquei satis feito epedi queo chamassepelo telefone. Estava jantando comvárias pessoas quando chegou o Marechal Argolo. Fi-lo sentar-seameu lado econversava muito cheio deapreensões. Perguntei-lhesecon fiava no comandanteda escola, a militar; disse-mequesim.39 Quis saber sehavia conversado como GeneralCostallat, o queestelhehavia dito, quais suas palavras eacabei pedindo queo man -dasseaqui para conversar comigo. Saiu o Marechal Argolo einstantes depois chegoumeu filho edisse-meao ouvido queacabava dechegar umoficial quein formava queoGeneral Travassos havia assumido o comando da escola, depondo Costallat equeosalunos sepreparavampara sair. Levantei-mebruscamenteda mesa ecorri para ver seencontrava ainda o ministro da Guerra, que, recebendo igual comunicação, tinhasaído já para o quartel-general.

O ministro da Marinha tinha vindo a meu chamado emeesperava nasala dos despachos. Combinei comeleo movimento desuas forças, mandando as deterra para o palácio e acendendo fogos a todos os navios disponíveis. Felizmenteestavamde prontidão a brigada policial, o corpo debombeiros e a in fantaria da Marinha. Todos tiveramordemdevir para o Catete. O doutor Seabra recebeu aviso pelotelefoneeveio imediatamente. Eramcerca deoito horas da noite.

 Empouco tempo estacionaramemfrenteao palácio as referidas forças. Era uma noiteescura elúgubre, os lampiões apagados davammá impressão. O palá-cio ficou guardado emtodas as direções ea maior vigilância sefa zia entreos Largos da

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 509

38 Francisco Marcelino Sousa Aguiar.

Page 505: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Glória eMachado. Parecia o palácio uma praça deguerra, o movimento dearmas, aabertura decaixões demunições, as ordens devigilância davam-lheessecaráter.

 Havia muita gentena sala dos despachos, ondemeconservei. Quando apareceuo Coronel PedroPaulo, quevinha comandandocento e tantas praças do exército,40

as opiniões sedividiramsobresua bravura, a maior partetinha opinião quenãoera homempara tal empresa. Quando veiooGeneral Piragibe, o movimento foi melhor. Estegeneral foiincumbido decomandar as forças, quepartiramumtantoemdesordem. Era grandea apre-ensão. Di zia-sequeda escola partiram1.000 homens, entrealunos, militares ecivis efoicomgrandeansiedadequeseesperaramos acontecimentos.

Correu, de repente, a notícia do encontro das forças emBota fogo e aretirada41das nossas, tendo havido tiroteio. Emverdade apareceu daí a poucona sala o Coronel Pedro Paulo, e, de pé na porta deentrada, disse, comar espantado, que a sua força havia debandado. Instantes depois, veio o General Piragibe di zendo, como mesmo ar daquele, que a sua força debandou e que sequeriamque ele combatesse, dessem-lhe soldados eboas armas. Foi indescritível acena que se seguiu. Pensei queas forças haviamsido destroçadas equea escola aívinha sobre o palácio. Houve ummomento de pânico, do qual eu mesmo partici-pei. De todos os lados aconselhavam-me que saísse; quefosseorgani zar a de fesano mar; que era honroso isso; quenão devia sacri ficar o governo e as instituições. Era essa a voz geral, parecia o sentimento detodos. Já eu havia reassumido acalma, passado o mau momento. Chamei umdemeus filhos, mandei ver secon -vencia às irmãs a saíremdo palácio para qualquer parte emuma das lanchasque existiamnos fundos do palácio, e, cumprindo esse dever, readquiri toda a mi-nha presença de espírito, declarando que não sairia equeo meu lugar era aqui,que tínhamos elementos para combater comêxito, e, animando a todos, dei or -dempara quesemovessem, falei a todos que saíssempara animar os soldados. Acoragemfoi voltando; as providências começarama ter ordem; as barricadas dede fesa foramemandamento, e, embreve, estávamos preparados para qualquer encontro, porquecomeçarama chegar forças do exército. Cerca deduas horas começou acircular o ferimento de umgeneral – era recado do Afrânio42 do hospício, depois

510 Afonso Arinos

40 Sublinhado no original.

Page 506: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

quea escola voltava emdebandada; mais tardedoPaís davamnotícias e pediamquesemandassemalguémlá para tra zê-las. Foi umoficial, queas trouxe. Deiordemao ministro da Marinha para dar uns disparos e às 2 horas oDeodorodeu 2 tiros de canhão e recomendei quesobrea madrugada atirasse sobrea escolapara fa zê-la render-se.

 As notícias foramsetornando claras. Travassos ferido, Lauro também, al -guns mortos. O encontro teria sido favorável às nossas forças.

 Demadrugada o General Argolo, comforças, foi à escola,43 tomou possedela, prendendo os revoltosos. Travassos, ferido, estava emcasa deuma filha efoi trans fe-rido para o hospital, onde, dias depois, faleceu.

Tivenessa noitea impressão dequeo governo estava semdefesa elia emtodosos semblantes queera inevitável a queda. O ministro da Guerra estava absolutamentesemação ecomevidentíssimo desânimo. Tinha memandadocento e tantas praçaspara ir ao encontro da escola. Ondeestão as forças? – perguntei, mas perguntei semresultado. Quando voltaramos nossos oficiais escorraçados (segundo a opinião geral noprimeiro momento) o ministro da Guerra insistia para queeu fizesseseguir as forças da Marinha queseachavamemfrenteao palácio. O AlmiranteNoronha dizia-meentão – farei seguir mas acho inútil o sacrifício porquetêmforças superiores pela frenteedava-mereservadamentea entender ‘quetemia a retaguarda’, pois receava queas forças, queseesperava da cidade, nos fossemhostis. Foi uma situação tristíssima. Referiu-meGastãoda Cunha que, saindo à rua, na ocasião emqueseprovidenciava para o seguimento das forças, interpelou o Marechal Argolo sobrea situação equeestedissera: ‘Há dois diasestá meparecendo perdida a situação’, inculpando-lheeleesta linguagem, por lhecaber aresponsabilidadeda ordempública. Era o chefedePolícia, queestava presente, umdosmais desanimados. ‘Sei, dizia elea meu filho, queeu serei a primeira vítima, porqueconheço o ódio queessa gentemevota’.44  ‘Senós vencêssemos’, dizia Fernando Prestes ameu filho, no momento agudo da crise... Este (Prestes) na hora emque os conciteià resistência, ficou animado, saiu à rua emuito auxiliou-nos.

 Di zemqueemumdos intervalos da noite, Gastão da Cunha foi à casa(Rua Ferreira Viana), quedá fundos para o parqueemandou arran jar uma escadapara poder seretirar daqui emummomento dado. Depois medisseramqueisso foralembrança da mulher.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 511

Page 507: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O Malho reconhecequeRodrigues Alves venceu a anarquia

Page 508: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Os oficiais da casa militar portaram-semuito bememuito ajudaram,sobretudo o Aguiar.

Comas meninas passarama noiteinteira o Dr. Eugênio deBarros, asenhora eo filho.”

Para rematar a narrati va, juntaremos alguns comentários:

 A pro vidência a que Rodrigues Alves se refere, em relação àssuas filhas, foi pedir ao seu oficial-de-gabinete, Cesário Pereira, noi vo da fi -lha mais velha, Ana, que le vasse as moças para a casa do pai dele, VirgílioPereira, residente nas vizinhanças, no Largo de S. Sal vador. “As meninas”,como as chama va o pai, eram as três mais velhas, Ana, Marieta e Celina,que se recusaram, entretanto, a deixá-lo. Ficariam no terceiro andar, ondese encontra vam. Inutilmente, o chefe da Casa Militar, Coronel Sousa Aguiar, insistiu para que se retirassem. Teimaram em não abandonar o pai.Se não hou vesse risco para ele – disseram – também não ha veria para elas;e se hou vesse risco, com maioria de razão não o deixariam sozinho.45

 A rebelião fora afinal sufocada.

Lauro Sodré, le vemente ferido, abrigou-se, a princípio, nacasa de uma família alemã, na Rua da Passagem nº 30, passando depoispara a residência de um amigo, o médico Alfredo Barcelos. Ficouamoitado até ser preso em um na vio de guerra, como veremos adiante.

O General Tra vassos, gra vemente ferido a bala em umaperna, foi le vado para a casa de um filho e, depois, ao Hospital Centraldo Exército, onde sofreu a amputação do membro atingido, no dia 21.Morreu no dia 22, do choque operatório. Foi enterrado a 23, sem queo go verno lhe concedesse honras militares, o que foi criticado pelaimprensa.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 513

45 Em agosto de 1954, a filha mais velha de Getúlio Vargas ficou também, junto aopai, no Palácio do Catete. Belos exemplos de bravura e dedicação das mulheresbrasileiras. A diferença de épocas condicionava mudança de comportamento.Enquanto as moças em 1904 ficavam enclausuradas no gineceu do terceiro andar,a jovem senhora de meio século mais tarde participou das deliberações políticas emilitares, que precederam ao drama do suicídio. Gastão da Cunha, no seu diário,tem interessantes dados sobre a noite de 14 de novembro. Segundo ele, o Padre Valois de Castro deputado por São Paulo chegou a recear que as filhas do presidente

Page 509: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Varela desaparecera, no frigir dos ovos, recolhendo-se, diz orelatório da Polícia, a “lugar não sabido”, embora incessantementeprocurado pelas autoridades. Era a queda definiti va de um político quenão merecia ter subido.

 A respeito dessa fuga de Alfredo Varela, há uma nota pungentede Rodrigues Alves, no seu caderno íntimo, que põe em causa RuiBarbosa. Diz o apontamento sem data:

“Dias depois do 14 de No vembro, apareceu-me empalácio o Rui, procurando o Seabra que lá se acha va. Con ver-saram: ‘Então, você não vai prender o Varela?’ perguntouele. ‘Quero sim, o que há?’ ‘Está em casa do Conde ModestoLeal, na Fazenda da Serra.’ Em seguida o Seabra con vi-dou-o a me cumprimentar o que fez na sala dos despachos.Em seguida [sic] o Seabra me informou da delação. Maistarde me disse o Seabra que o Pinheiro Machado conhece oincidente.”

Segundo ouvi de Rodrigues Alves Filho, seu pai recusou-se amandar prender o ex-herói Varela. Disse que não faria isto a um vencido, já inofensi vo.

Barbosa Lima, que esteve na Câmara até o dia 12, recolheu-se,durante muito tempo, a prudente silêncio. Não compareceu à Câmarana sessão de 16 de novembro, nem nas seguintes. Em dezembro,tampouco, o fecundo orador dá sinal de vida, ao tramitar a mensagemsobre o estado de sítio. Não comparece à Cadeia Velha. Somente em maiode 1905, quando se discutiu a aprovação dos atos do governo durante o sítioé que o fero oposicionista voltou a vituperar a lei “obscena e nauseabunda”da vacina obrigatória.

 Além de Tra vassos e Sodré, foram presos o Ma jor Agostinho Gomes de Castro e o Capitão Antônio Mendes de Morais.Centenas de populares foram igualmente encarcerados. A Escola Militarfoi fechada e dela desligados mais de trezentos alunos. No dia 15 oCorreioda Manhã foi suspenso e im ra à im

514 Afonso Arinos

Page 510: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

governo. Foi quem sal vou a honra da oposição, enfrentando comsobranceria a in vestida dos vitoriosos enrai vecidos.46

Pelo relatório de Seabra a Rodrigues Alves, verifica-se que omo vimento não esta va circunscrito ao Distrito Federal. Ramificara-separa o Norte. Embora suas possibilidades de sucesso fossem mínimas,pois as situações políticas estaduais, solidárias com a federal, eram muitomais fortes que as oposições locais, a verdade é que os conspiradoresnão deixaram de contar com apoio em alguns Estados.

Na Bahia, por exemplo, esta ligação manifestou-se concreta-mente. Dentro de um quartel do Exército, em Sal vador, um amotinadotentou le vantar a guarnição contra o comandante, sendo, porém,morto no incidente.

No Recife, a atitude da imprensa oposicionista, apoiando omo vimento, mostrou a existência de simpatias locais.

 A liquidação da re volta determinou imediata restauração doprestígio do go verno, combatido pelos ataques que vinha sofrendo ha viameses, a rigor desde o princípio de sua existência, com a questão do Acre.

 Vários daqueles órgãos e pessoas, que se faziam porta-vozesde ataques, calúnias e vinganças contra o go verno e o próprio presidente,apresenta vam-se, agora, embandeirados em seu lou vor.

 A maior figura do cenário nacional, Rui Barbosa, era exemploconspícuo dessa atitude dúbia. Ilustremos a afirmati va com algunsexemplos.

Em abril de 1903, por ocasião de um banquete em homenagema Pinheiro Machado, no Hotel dos Estrangeiros, Rui fez o brinde aopresidente da República. Eis um trecho do seu discurso:

“Não vendo as minhas armas nem ab juro uma linha dosmeus princípios de liberdade e justiça, de legalidade e democracia,quando, na sinceridade de uma emoção nova, me aproximo deum governo para o qual me atrai de uma impressão depatriotismo irresistí vel.”

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 515

Page 511: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

E, pessoalmente sobre Rodrigues Alves, ajunta:“Entendimento claro, espírito equilibrado, índole reta,

consciência sã, alma patriótica.”

Sensibilizado por essa demonstração do velho companheiro,Rodrigues Alves escre veu-lhe:

“Petrópolis, 24 de abril de 1903

“Ao Dr. Rui Barbosa en vio cordiais cumprimentos eagradeço, extremamente reconhecido, o brinde que teve abenevolência de fazer ao chefe do Estado, no banqueteoferecido ao Senador Pinheiro Machado.”

Em resposta, Rui derrama-se naquela espécie de ternura, quenão lhe era rara:

“Peço a Deus que o ajude a confiar em si mesmo, eouvir as inspirações do seu próprio espírito; porque, nessecaso, há de acertar quase sempre, mantendo, apro veitando eaumentando a grande força moral de que dispõe.”

Mas, em outubro do mesmo ano, Rui Barbosa, discursandoem agradecimento a homenagem prestada desta vez a ele próprio, verberaRodrigues Alves, pela cessão da pequena faixa de território nacional,concedido à Bolí via em troca do Acre.

Não desconhecemos que fala va aí uma arraigada opinião, jáexposta, como vimos no momento oportuno, desde o tempo de CamposSales. O que se estranha é a pertinácia em negar apoio ao Tratado dePetrópolis, posição em cuja defesa Rui apela para a História, e que aHistória não pode deixar de condenar.

Na questão da vacina (que en vol via, de fato, toda a autoridadedo go verno na política da Saúde Pública), Rui não é mais feliz. Combateu a vacina, e a sua enorme influência trouxe estímulo, intelectual e moral, àrevolução. Colhido por esta quase às portas de casa, o incansá vel lidadorarreceia-se ante a sua brutal inanidade e fulmina-a, em nome da ci vilizaçãoe da lei mo atentar, t l trib í i çã do

516 Afonso Arinos

Page 512: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

respeito pela autoridade do presidente. Meses após, dissipada a tormenta,atacou a autoridade presidencial e apresentou o pro jeto de anistia.

 Aí estão os caminhos e descaminhos de Rui, durante a primeirametade do quatriênio. Na segunda metade, sua posição hostil foi descober-ta e uniforme, para voltar a ser de entusiasmo e apoio mais tarde, em 1913e 1914, quando quis le vantar o nome de Rodrigues Alves para um novoquatriênio. Já no fim da vida de Rodrigues Alves, a posição de Rui volta aser dúbia, senão inamistosa, ao sonhar com a sua sucessão.

Rui foi o primeiro orador da sessão do Senado de 16 denovembro, na qual se iniciou a discussão da mensagem presidencial que,sem pedir diretamente o estado de sítio, confia va no auxílio doCongresso para “apurar essas responsabilidades, sem o embaraço que asimunidades parlamentares concedem àqueles membros do Congresso,que se acham en vol vidos nos lamentá veis acontecimentos”.

De início sustenta Rui que a “lei da vacina obrigatória é umalei morta” e que sua sanção trouxera ao governo e ao país“irreparáveis dissabores, esparzindo no seio da população malignosgermes de intranqüilidade e ressentimento”. Atira, assim, sobre asanção presidencial de um projeto aprovado, a atmosfera deinquietação criada pelos adversários do governo, da qual fora partemagna. Mais adiante, as afirmativas de Rui contra a vacina sãoinacreditáveis, partidas de um homem da sua estatura intelectual. Ele,que nunca fora positivista, junta-se aos discípulos mais retrógrados deComte, ao declarar a vacina um atentado à liberdade de consciência,em frase meio ridícula: “Assim como o direito veda ao poder humanoinvadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme.” Ereage contra a imposição:

“Logo não tem nome, na categoria dos crimes do poder,a temeridade, a violência, a tirania, a que ele se aventura,expondo-se, voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar,com a introdução, no meu sangue, de um vírus, em cujainfluência existem os mais fundados receios de que seja

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 517

Page 513: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O Sr. Rui Barbosa – O Estado mata, em nome da lei, osgrandes criminosos. Mas não pode, em nome da Saúde Pública,impor o suicídio aos inocentes.”

Isto, dito sobre a vacina contra a varíola em 1904, é inacreditá vel.Com tais afirmações, era tratada a medida pre venti va em uso

obrigatório nos mais importantes países. (É inconcebí vel semelhanteimprecação. O tribuno de 1904 será o mesmo, diga-se de passagem, queproferiu o admirá vel necrológio de Osvaldo Cruz, em 1917, do jo vemcientista cuja con vicção inabalá vel se sobrepunha à retórica de vastadorado grande combatente nunca vencido por ad versários, mas derrotadosempre pelas próprias paixões.)

Mas vai ainda além, na trilha das surpresas, o arauto da justiça, odefensor exímio da função judiciária, o ca valeiro andante da lei, quandodiz:

“Acima de todas as regras, está o direito de legítimadefesa. Quando os tribunais me negarem a mim, como cida-dão, esse direito, eu, em nome dele, como homem, resisto aostribunais.”

Esta extensão do direito pessoal de legítima defesa até aresistência às decisões gerais da Justiça, é outra afirmaçãoincompreensível.

 Vem depois a declaração do direito de re volução:

“Justa é a resistência popular, a reação re volucionária,toda vez que, esgotados os meios legais, os meios constitucio-nais, cerradas todas as vál vulas de respiro à liberdade, já senão ofereça aos que a defendem outro recurso além do apeloàs armas”.

Mas que re volução dese jaria aquele grande ad vogado conser vador?Seria uma re volução sem povo, sem fumaça nem sangue, uma re voluçãode sábios e prudentes, como ele, Rui? E continua:

“Releva, porém, não abusar de uma faculdade tãoext dinári , tão deli da, tão perigosa, não a lbaratar, não a

518 Afonso Arinos

Page 514: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

direito se levantar em armas contra os governos desatinados, háde ser de modo a que possa firmar bem alto os títulos da suareivindicação e o programa da sua conquista.”

Que estranha re volução de via ser a de Rui, re volução flor deestufa, “não exposta nas ruas entre as multidões”, obediente aos discursossutis e aos raciocínios complicados dos doutores!

Como seria possí vel, Rui não o diz. De uma coisa tinha elehorror. Daquilo que se dera, junção temí vel da população com a militança,ou, na sua admirá vel expressão, aquelas “bodas adulterinas da arruaçacom o pronunciamento”.

Rui reconhecia que o fermento da re volta le vedara, com aambição dos políticos frustrados:

“Ha via no mo vimento, ao menos, um princípio geral desinceridade. Mas, logo depois, mergulharam nele exploradoresà cata de uma ocasião, e o des viaram noutro rumo, o en vene-naram de outros sentimentos, o acomodaram a outros fins,absolutamente estranhos à repulsa da vacina.”

Exprimindo o apego ao poder legal, ao poder civil, que oanimava no fundo, Rui Barbosa termina seu longo discursohomenageando Rodrigues Alves e concedendo o estado de sítio:

 “Favorável ao governo, só dentro da lei o apóio. Ohonrado presidente da República teve um grandemomento: o da sua firmeza na hora crítica, em que tantosesmoreceram. Foi já um serviço inestimável ao país e àsinstituições.”

Barata Ribeiro, orador imediato, também concedeu o estadode sítio, sem prejuízo de sua hostilidade à vacina obrigatória.47 Nodiscurso que proferiu, pode-se verificar como a resistência à medidatornara-se um artigo de fé para o iludido povo carioca. Sociologicamente,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 519

47 O Senador Barata Ribeiro, em discurso de 2 de setembro de 1905, diz o seguinte,referindo-se a Rui: “Foi ele quem desfechou sobre a vacinação obrigatória o último

Page 515: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

tratava-se de manifestação cultural irreprimível. Barata Ribeiro relata ocaso de um operário com o filho gravememente enfermo, que se recusava achamar o médico, “para que não venha algum desses da vacinaobrigatória”. E acrescenta outro fato, o de uma mulher idosa queprotestava:

“Se tivesse 100 filhos, os amaldiçoaria a todos se nãoestivessem agora com armas na mão contra a vacinaçãoobrigatória, porque não hei de deixar o governo pegar o braçode minha filha para maculá-la.”

Refere ainda o episódio da criança que disse: “Fujo da casa demeu pai, se me quiser obrigar à vacinação.”

Barata Ribeiro, médico humanitário, dava o estado de sítiopara apagar um incêndio que ajudara a atear.

Tramitando em regime de urgência, o projeto de estado de sítiofoi aprovado, com apenas um voto contrário, o do Senador paraense JustoChermont, provavelmente por solidariedade pessoal com o seu patrícioLauro Sodré.

No mesmo dia 16 de novembro, os autógrafos do projetoaprovado foram enviados à Câmara dos Deputados. Em 15 minutos aComissão de Justiça ofereceu parecer favorável. Não houve discursosimportantes. Praticamente não houve debates.

O líder Cassiano do Nascimento, deputado pelo Rio Grande doSul, que gozava da especial estima de Rodrigues Alves, encaminhourapidamente a votação, acentuando que a capital se encontrava em “estadode guerra”, e que o sítio seria a maneira de restaurar a ordem constitucional.

Calógeras, deputado por Minas, manteve naquele, como emoutros episódios de sua grande carreira, exemplar coerência. Requereu oencerramento da discussão para votação imediata.

O estado de sítio foi aprovado com uma abstenção, a doflorianista Brício Filho, simpatizante do movimento, e um voto contrário,do Deputado carioca Irineu Machado.

Devendo o estado de sítio terminar a 15 de dezembro,Rodri s Al i a 12 da l ês Co

520 Afonso Arinos

Page 516: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O Senado apreciou a mensagem no mesmo dia da sua assi-natura, tendo o Senador Francisco Glicério apresentado o pro jetonecessário de prorrogação, apoiado por 12 colegas da maioria, entre osquais Rosa e Sil va.

O primeiro orador foi Gomes de Castro, do Maranhão, quese opôs à medida. Velho político, antigo deputado conser vador noImpério, sucessi vamente eleito de 1881 a 1889, o representante do Maranhãoera homem digno, moderado e culto.48 Definiu sua posição com argu-mentos procedentes, afirmando que as condições materiais exigidas parao estado de sítio tinham desaparecido, e que o processo contra os impli-cados na re volta de via prosseguir normalmente, pela justiça comum. A oposição de Gomes de Castro não o impedia de reconhecer a lisuracom que o go verno se ser vira dos seus poderes de exceção. Fê-lo noseguinte trecho, depois de declarar que o presidente go verna va com asabedoria que todos lhe reconheciam:

  “Tenho muito prazer em acompanhar o ilustre Sr.General Glicério, no reconhecimento de que o atual go vernotem agido com a máxima moderação.”

De fato, Rodrigues Alves só se servira do estado de sítio paradois fins inatingíveis na plena vigência da Constituição: superar asimunidades dos parlamentares envolvidos (principalmente as de LauroSodré, que foi preso) e desterrar para o Território do Acre, submetido à jurisdição federal, centenas de desordeiros e criminosos que haviamtomado conta da cidade, entre os dias 12 e 14 de novembro, e cujapresença dentro dela provocaria, provavelmente, novos distúrbios. O pontofraco da posição de Gomes de Castro, segundo salienta Glicério na suaresposta, é que ele havia votado o estado de sítio pedido por Prudente,quando do atentado de Marcelino Bispo, embora não existissem, também,as condições que a Constituição exigia para tanto. Gomes de Castro aceita aobservação, com a escusa de que tinha mudado de parecer.

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 521

Page 517: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Depois de se manifestarem Ramiro Barcelos e Azeredo, opro jeto foi apro vado em 24 horas, com apenas dois votos contrários: osde Gomes de Castro e Manuel Barata. Pinheiro Machado votou a fa vor.Nesse mesmo dia desce à Câmara o pro jeto apro vado.

Quem ali melhor combateu a prorrogação foi Irineu Machado,em discurso lúcido e moderado. Declara que não participou darevolução nem com ela simpatizou, mas que tinha “a serenidade precisapara reconhecer os precedentes históricos da nossa vida pública e saberque não se deve desprezar nem odiar os vencidos, como não se devebater palmas precipitadamente aos vencedores”. No dia seguinte, oprojeto do Senado foi aprovado com três votos divergentes, os deIrineu, Brício Filho e Érico Coelho.49

Com o Congresso em recesso, Rodrigues Alves prorrogou osítio até o dia 18 de março por dois decretos, de 14 de janeiro e 15 defevereiro de 1905. Embora, como disse na sua mensagem de 3 de maio,por ocasião da reabertura do Congresso, o governo não tivesse praticadonenhum ato além dos já comunicados anteriormente, e tivesse suspendidoo sítio ainda durante as férias do Congresso, teria sido mais acertado que amedida só houvesse permanecido no prazo previamente autorizado peloLegislativo. Outro erro de Rodrigues Alves foi dizer, naquela mensagem,que o sítio suspendia “todas as garantias constitucionais”. Este não era omelhor entendimento da matéria; os mais acatados escritores a ele seopunham e o direito brasileiro evoluiu posteriormente em sentido contrário.

 Acima das interpretações constitucionais, durante o sítio,ocorreram certamente excessos, muitos dos quais sem o conhecimentoprévio ou a aprovação do presidente, mas de qualquer forma sob suaresponsabilidade de chefe do Estado. Tais excessos ligam-se principalmenteàs condições com que foram transportados para o Acre os desterradosdo ‘quebra-lampião’.

É experiência que toca ao lugar-comum reconhecer-se o fácildeslize, para o barbarismo, dos choques decorrentes das discórdiaspolíticas internas. Os horrores vividos pelos mais cultos países do mundo,como a França, a Alemanha ou a Itália, em plena floração intelectual do

522 Afonso Arinos

Page 518: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Renascimento, por motivo das guerras religiosas ou das disputas dopoder municipal; os tremendos dias do terror na Revolução Francesa; osexcessos e crueldades da Guerra de Secessão nos Estados Unidos sãoexemplos do passado que foram revividos, em grau até entãodesconhecido, pelos massacres e abominações decorrentes da SegundaGuerra Mundial. No Brasil, o mito da cordura e da bondade do homembrasileiro, que durante algum tempo vicejou na obra de alguns poetasnossos, ocupados em observações sociológicas, e espalhou-se para aopinião dominante, não resiste à fria análise da História.

Há uma curiosa revivescência do mito do “bom selvagem”,que tanta influência teve no pensamento europeu do século XVIII, nesteoutro mito do “brasileiro cordial”, que aborrece as crueldades e soluçõessangrentas, lenda cunhada por grandes poetas como Ribeiro Couto eCassiano Ricardo, a qual, no entanto, não encontra apoio na tristerealidade das nossas guerras civis. Nem poderia encontrar, pois não seriacrível que fatores passionais, que levam ao comportamento bestial povos deformação mais aprimorada, não dessem resultados semelhantes em ummeio tão atrasado quanto o nosso, que, no século XX, encontravareceptividade para resistir a uma medida como a vacina antivariólica.Na verdade, desde os primeiros tempos de nossa vida independente, osangue correu em borbotões nos movimentos da elite liberal, ou noslevantes populares dos cabanos e balaios, ao Norte, assim como nosentreveros dos farrapos, no Sul.

 A jo vem República de 1904 já assistira ao entrematar de seusfilhos, esmagados aos milhares em Canudos, ou degolados, também aosmilhares, na Re volução Federalista.

 À tradição dos na vios-fantasmas – as chamadas presigangas –que transporta vam nos porões uma espécie de gado humano, perdidoem imprecações e lamentos, quando não atirado em lutas de desespero,homens en jaulados como feras nos cascos fechados, clamando por água ear, rolando de borco na lama fétida de sangue, vômitos e excrementos,essa tradição de pesadelo não se reduzia apenas aos na vios negreiros, queCastro Alves transformou em símbolos de miséria, re volta e piedade.

Em 1823, ao largo de Belém do Pará, mais de 200 “cel

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 523

Page 519: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Grenfell. Asfixiados e sedentos despedaçaram-se como animais, durantea noite, de forma que, ao amanhecer, apenas quatro esta vam vi vos.Durante o go verno Hermes, o na vio Satélitefoi outra persiganga trágica. Eassim sucederam-se os casos, até o barco que transportou GracilianoRamos para o degredo de Fernando de Noronha.

Depois de vencida a re volta de 1904, sob o estado de sítio,334 indi víduos, participantes das desordens, foram embarcados, emdezembro, no vapor Itaipava, para o Acre. Para defender a tripulaçãocontra a pro vá vel re volta dessa carga humana, ia, além dela, o 12º Batalhãode Infantaria. Oficiais, marinheiros e a guarnição militar via ja vam noscamarotes e tombadilhos, enquanto os detentos amontoa vam-se nosporões, guardados à vista por soldados armados, postados junto àsescotilhas superiores.

Segundo discurso de Barbosa Lima (sessão da Câmara de 27de julho de 1905) outros desterrados foram sendo enviados “por dias,por meses”, para o Acre, o Amazonas e outros Estados do Norte, sendoafinal libertados (mas não transportados de volta) em março, depois desuspenso o estado de sítio.

No Senado, Barata Ribeiro repete a mesma coisa ao falar contrao estado do sítio:

“Quem se arriscará a estabelecer paralelos entre os corposde exército que vão para o Acre [....] e a onda de desgraçadosque entulham as cadeias desta capital, muitos culpados,outros tantos inocentes, atirados em multidão ao fundo dos vasos que os deviam transportar às terras do destino, com talselvageria e desumanidade que a imaginação recua espantada,como se diante das cenas do navio negreiro que inspiraram aCastro Alves.”

 José Maria dos Santos, no livro A Política Geral do Brasil (noqual o autor manifesta-se hostil a Rodrigues Alves), informa que:

“Sem direito a qualquer defesa, sem a mínima indagaçãoular de r bilidad pula itos de artici açã

524 Afonso Arinos

Page 520: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

idades. Bastava ser desocupado ou maltrapilho e não proverresidência habitual, para ser culpado. Conduzidos para bordode um paquete do Lóide Brasileiro, em cujos porões já seencontravam a ferros e no regime da chibata os prisioneiros daSaúde,50 todos eles foram sumariamente expedidos para o Acre.”

Imagina-se bem as horrorosas condições em que se processou a viagem daquelas centenas de infelizes, seminus, cobertos de piolhos,atacados pelos ratos, com água, alimentação e aeração insuficientes,durante os longos dias de mar e rio até o Acre, com escalas em Recife eManaus. Vários jornais estamparam descrições dramáticas dessa cruel viagem e, no Congresso, discursos de oposicionistas insistiram naresponsabilidade presidencial.

Essas vozes de repulsa de vem ter mudado bastante a volú velopinião pública, fazendo-a esquecer as horas de medo e desamparo deno vembro e também empanado a auréola de prestígio que a resistênciade Rodrigues Alves, na noite de 14, ha via criado para a sua figura dehomem e de estadista.

Se as condições de transporte eram de natureza a pro vocarlembranças de fatos anteriores de triste memória, o go verno federal, namedida das suas possibilidades, tratou humanamente os deportados,uma vez chegados ao local de destino.

O futuro general Taumaturgo de Azevedo, então prefeitodo Alto Juruá, no Acre, relatou a Seabra, a 15 de maio de 1905, asprovidências que tomara. Construiu galpões para abrigar os exilados,adquiriu-lhes roupas e gêneros, deu-lhes trabalho remunerado. Levavameles vida equivalente à dos soldados destacados para a região.51 ODeputado Passos Miranda, falando pelo governo, informouminuciosamente à Câmara sobre a situação dos desterrados do Acre.De qualquer maneira, a aprovação dos atos praticados pelo governodurante o estado de sítio foi sujeita a severa análise pelo Congresso,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 525

50 Os prisioneiros da Saúde foram elementos populares, participantes das desordensde novembro, que se concentraram naquele bairro portuário e só foram desalojados

Page 521: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

onde críticas não foram poupadas a Rodrigues Alves por aqueles que,nas horas arriscadas de novembro, tinham se encolhido, ou dadoapoio às medidas excepcionais solicitadas.

 Apresentada a mensagem presidencial à Câmara, no dia 30 demaio, só a 18 de julho recebeu parecer favorável da Comissão de Justiça,demora contrastante com a rapidez quase instantânea com que tramitoua mensagem de 16 de novembro.

Barbosa Lima esbraveja e tonitroa na tribuna. Refere-se àação da Saúde Pública como “carta de corso para a mais infame pirataria,contra a qual todas as insurreições serão eternamente gloriosas” echama a lei da vacina “etimológica e gramaticalmente imoral, imunda,abjeta e degradante”. Acusa o governo de corromper a opinião:

“A verba secreta, com a fecundidade ubérrima dosroedores a parirem entrelinhados, em barrigadas de dezenas acada dia, multiplicando-se por uma enxertia imunda, a fabricaropiniões a tanto por linha, em tudo que é jornal que se podeachegar a essa mamadeira.”

Não deveria ser grande a mossa causada pelos discursosdaquele a quem a crítica afetuosa chamava “Barbosa Fera”. Os sucessosde novembro haviam mostrado, no grande orador, no puro republicano,um tigre de papel.

 A 1º de agosto, foi adotado o projeto de resolução queaprovava os atos do governo, sendo enviado ao Senado no dia 4. Alitambém sofreu a matéria demora anormal, à vista dos precedentes.

O parecer da Comissão de Justiça, relatado por Azeredo, solícitoem servir ou se opor, segundo os seus interesses, só foi oferecido no dia31, e a discussão da matéria iniciou-se a 1º de setembro. Combatido opedido por Gomes de Castro e Barata Ribeiro, defendido por Glicério eRamiro Barcelos, foi aprovado em discussão final no dia 4, com três votos contrários. Pinheiro Machado dessa vez não compareceu.

Rodrigues Alves, como fazia habitualmente, anotou o fato noseu caderno, sem comentá-lo:

526 Afonso Arinos

Page 522: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

contra, 3 (Gomes de Castro, Manuel Barata e Barata Ribeiro).Foram soltos os anistiados, acompanhados de carros e vivas.O Lauro Sodré passou com a sua gente pela Rua Pedro Américo.Fez discurso em sua casa, nos termos conhecidos, louvandoo movimento de setembro52  e os companheiros e secomprometendo a continuar a trabalhar pelo povo, etc.”

 A ANISTIA 

Quando aludiu à soltura dos anistiados, o presidente referia-se àanistia aos re volucionários, apro vada pelo Congresso a 2 de setembro epor ele sancionada no mesmo dia.

 A anistia transitou no Senado, paralelamente ao pro jeto deapro vação dos atos do go verno, desde o dia 5 de agosto, em que RuiBarbosa apresentou proposição, estabelecendo aquela medida declemência para todas as pessoas implicadas no 14 de No vembro, “assimcomo nas ocorrências ci vis ou militares, anteriores ou posteriores, quecom ela se relacionem”.

O pro jeto continha também, entre outras, as assinaturas deBarbosa Ribeiro, Manuel Barata e Joaquim Murtinho, oposicionistas aRodrigues Alves, bem como a de Azeredo, que o não era, mas quenunca lhe ofereceu apoio firme, solidário com a política dos Murtinho emMato Grosso, da qual dependia. No desabafo do seu caderninho, Rodrigues Alves anotou:

“5 de agosto. Foi apresentado o pro jeto de anistia noSenado. Rui Barbosa foi muito prestigiado. Sessão cheia emuitas flores. O Jornal do Comércio, em vária do dia seguinte,diz que deram vi vas ao Rui, futuro presidente da República, e vi vas a Lauro Sodré. É incrí vel! O Glicério me disse que o viva ao Lauro Sodré foi mais estrepitoso do que o do Rui, oque de veria ter desagradado a este. O Correio da Manhã, de 6, diz

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 527

Page 523: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

que o Barata Ribeiro bei jou o Rui e que Afonso Pena foi osegundo a cumprimentar o orador.”

Os sentimentos (ou ressentimentos) pessoais do presidenteeram compreensí veis, nas circunstâncias. Mas a anistia, por sua vez, seapresenta va como iniciati va acertada de Rui. O processo contra oscriminosos de no vembro se arrasta va na instância militar, de forma confusae ener vante, o que só ser via para desprestigiar o go verno e popularizar,como vítimas, os seus ad versários.

Rodrigues Alves, na mensagem de abertura das câmarasdaquele ano, tinha sido o primeiro a reconhecer e lastimar a morosidadedo processo. Naquele documento, o presidente ad vertia sobre “aobscuridade das leis e a confusão no modo de apreciá-las”, sobre asdú vidas existentes quanto “à extensão das imunidades parlamentaresquando deputados e senadores [....] ti verem qualquer responsabilidade” esobre a vacilação da jurisprudência, que “enfraquecia a ação daautoridade”.

O caso de Lauro Sodré era expressi vo. Preso no dia 19 denovembro, ao se apresentar no Ministério da Guerra, por ter sido con vo-cado em edital sob pena de deserção (não esqueçamos que Lauro eramilitar), começou a ser processado, não por desertor, que já o não era,mas como re volucionário, sem que o Senado hou vesse concedido licença.Esta só foi votada a 19 de dezembro. Portanto, o senador esta va preso eprocessado, ha via um mês, sem que nenhum dispositi vo nem jurispru-dência expressos hou vessem declarado a suspensão de suas imunidades.

Coisa semelhante se dava quanto aos desterrados. Se eles oha viam sido, como coni ventes no crime político, de veriam estar sendoprocessados no foro militar conexo e o não esta vam. Se a detenção erapor crime comum, então o processo seria na justiça carioca, e o desterronão se justifica va. As realidades do fato político-social não se enquadra- vam nos meandros de leis confusas e antiquadas. Mas, se a culpa nãoera do presidente, o culpado único perante a opinião esta va sendo ele.

Rui, no discurso com que defendeu o seu pro jeto, no dia 5 deto, põe o dedo na fe ida dos int is dos membros da

528 Afonso Arinos

Page 524: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“Para um se anuncia a melhor comissão do Exército[....], outro foi recentemente promo vido [....], a fa vor de outroos amigos do go verno agenciaram, na outra câmara, a re jeiçãode um veto presidencial [....], outro, enfim, desses julgadores,o mais alto deles, o presidente do tribunal acaba de requerermelhora nas condições da sua reforma, pondo-se, assim, emdependência manifesta com o próprio chefe do Estado.”

Era a triste e inevitável contingência das revoltas e sedições,tantas vezes repetida no decurso da nossa história posterior. A autoridadeameaçada do governo não se restaurava sem concessões e vantagenspessoais aos incumbidos de defendê-la. Rui Barbosa, que tanto atacara amoral política do Império, quando aderiu à República, voltava-se agoracontra o regime que ajudara a implantar e entoava saudosas loas ao quecontribuíra para destruir:

“Em outra época, senhores, fatos desta gravidadeincendiariam a opinião do país. Se ainda fôssemos suscetíveisde impressão, não haveria mister tanto para que a naçãointeira ardesse em cólera e vergonha[....]. Dezesseis anos atrásnenhum estadista brasileiro aceitaria responsabilidades tamanhas. As duas assembléias legislativas se levantariam em peso,compreendendo [....] que não há nacionalidade bastante fortepara se manter neste desleixo completo da sua salubridademoral.”

Nesse discurso, longo e prolixo, Rui lança dardos inflamadoscontra o go verno, cuja valia e destemor tanto apreciara nas horas escurasdas “bodas adulterinas da arruaça com o pronunciamento”.

Em certo momento, recorda asperamente ao velho amigo presi-dente que a ordem “não reside nas exposições e nos triunfos da vaidade e daforça, no sacrifício da honestidade e do direito à expansão dos melhoramentosmateriais, em metrópoles de países arruinados”. Compara o go vernobrasileiro de então ao da Rússia czarista, naquele ano derrotada na guerracom o Japão na desconfiança e na repressão. Esquecido das pala vras com

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 529

Page 525: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

na hora crítica em que tantos esmoreceram”), afirma va agora que, aos 14 deNovembro, tinha-se conquistado “uma vitória oscilante, desconfiada e triste”.

Suas mágoas pessoais ressumam como o mosto no fermentodaquele vinho de eloqüência. “Contra todos os go vernos anteriores[recorda va Rui] vivi sempre de tenda armada em campanha”. Quanto aRodrigues Alves acentuou, queixoso, que o vinha seguindo, ha via trêsanos, “não sem sacrifícios, com uma constância digna das melhorescausas”. Prometeu que não daria mais estado de sítio a presidente algum, anão ser em casos de in vasão estrangeira ou re volução declarada.53

O afastamento de Rui Barbosa não era somente de vido àssuas di vergências quanto à marcha do processo instaurado sobre osacontecimentos de no vembro. As causas mais fortes da separação resi-diam no encaminhamento da sucessão presidencial, que, desde o princípiode 1905, vinha monopolizando atenções e ati vidades no meio político.Naquele presidencialismo fechado, oligárquico e sem autênticas raízespopulares, a política se fazia atra vés de intrigas e combinações vatica-nescas, sem mesmo o respiradouro do debate parlamentar, que ha via noImpério. Só a imprensa dava uma imagem mais larga, embora habitualmentedistorcida, da realidade.

Os ódios acumulados contra Rodrigues Alves e a impopula-ridade que en vol veu o go verno, em rápida sucessão à euforia e aoslouvores de 1904, determinaram a resistência do meio político à orientaçãodo presidente, no tocante à sucessão presidencial. Paradoxalmente,durante 1905 ele atingiu o auge do seu sucesso de go vernante mas desceuao fundo do desprestígio como líder político.

 Assim, a atitude de Rui, em agosto, não ficaria esclarecidasomente com o seu discurso sobre a anistia. Este discurso e o própriopro jeto de anistia eram conseqüências do seu enga jamento na correntede oposição que, sob a liderança de Pinheiro Machado, se organizaradesde o princípio do ano na chamada Coligação, corrente que, como veremos oportunamente, infligiu cruciante derrota política a Rodrigues Alves, com a vitória da candidatura de Afonso Pena.

530 Afonso Arinos

Page 526: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Em agosto, quando Rui desdobra va da tribuna clamando pelaanistia, já a candidatura Bernardino de Campos esta va morta, e Rodrigues Alves passara pelas forças caudinas. Naqueles dias de agosto, a candida-tura de Afonso Pena à presidência ficara definiti vamente assentada. Oinfatigá vel orador podia perorar sem peias em defesa dos que agoraconsidera va oprimidos, que eram os mesmos que ele, menos de um anoantes, tachara de ambiciosos e rebeldes. Embora não inteiramente vitorio-so, pois o candidato não era ele próprio, Rui podia contentar-se com asua meia vitória, que era a derrota do presidente.

Os três colegas da Academia de São Paulo encontra vam-se denovo, assim, numa solução que vinha premiar a um, com o auxílio enfadadodo outro e a aceitação relutante do terceiro. O conselheiro de Minas recebiao prêmio trazido pelo conselheiro da Bahia, contra a vontade do conselhei-ro de São Paulo. Ninguém, no fundo, a não ser o premiado, esta va satisfeito,nem mesmo o caudilho gaúcho, que comandara brilhantemente a manobra,mas que também se sentia frustrado nas suas aspirações presidenciais derepublicano histórico. Rui podia, pois, tro ve jar li vremente contra o go verno já vencido; reclamar que corresse “o véu do pudor público contra as formasde uma justiça caduca, entre vada e paralítica” que representa va “a comédiada repressão legal, que aniquila va as garantias essenciais do direito”. Aotermo da sua profusa fala, fez uma mesura às forças armadas, o que o le voua surpreendente exaltação das armas japonesas que, naquele momento,destruíam “a tirania russa, a mais truculenta e imoral das tiranias”.

E é com este brado de incitamento às forças armadas que ofuturo apóstolo do ci vilismo termina o discurso em que oficializa noSenado o rompimento com o go verno, já le vado a efeito nas combinaçõesde antecâmara.

O súbito interesse de Rui pelas forças armadas era resultadoda influência que, sobre ele, exercia naquele momento Pinheiro Machado,comandante-em-chefe da batalha contra Rodrigues Alves e muito ligadoao meio militar.

No mês anterior, de julho, cuidara-se da criação do CírculoMilitar e Pinheiro Machado ha via sido designado para representar, noCon so, os int ses d i ção. Para isso tro ra tel

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 531

Page 527: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

depois, bombardeou a Bahia com protestos bíblicos daquele. Todosesses fatos autorizam a con vicção de que o discurso de Rui Barbosa, a18 de agosto, ia muito além da anistia que lhe ser via de pretexto. Era aprimeira manifestação oratória de algo que nada tinha a ver com arevolução: a candidatura de Afonso Pena.

O caráter político do discurso ficou patenteado com as reaçõesque pro vocou. No recinto e nas galerias, anota o redator dos debates,houve bra vos e longas sal vas de palmas. As aclamações prolongadas inter-romperam a sessão durante muito tempo. O orador foi coberto de flores.

Enviado à Câmara, o pro jeto de anistia foi apro vado no dia30 de agosto, em segunda discussão. Somente cinco deputados votaramcontra, entre os quais, coerente com sua atitude passada e com suasposições futuras, o mineiro Pandiá Calógeras, sem dú vida um dos maioreshomens da República.

Seabra, com as responsabilidades da pasta política, esforça- va-se para que os atos do go verno durante o sítio fossem apro vadospelo Congresso, antes do pro jeto de anistia. Para conseguir isso, come-tera a imprudência de difundir a falsa notícia de que teria ha vido umareunião de congressistas no Catete, com a presença de Rodrigues Alves,no decurso da qual ficou assentado que seriam consideradas posições degra ve hostilidade ao presidente e lançamento da candidatura Pena e a votação da anistia, antes da apro vação dos atos do go verno.

 A notícia, publicada pelo Jornal do Comércio, pro vocou sensaçãona praça e nos meios políticos. Rodrigues Alves teve que desmentir ahistória de que não participara. Para isso pediu a Carlos Peixoto quefizesse declaração formal, na con venção de lançamento da candidaturade Afonso Pena. Diz a nota que tomou a respeito:

“Escre vi uma carta ao Dr. Carlos Peixoto, dizendo-lhe quenão hou ve em palácio reunião alguma de caráter político paratratar de candidaturas, ou da anistia, e que estes assuntos estãosendo debatidos li vremente pelos chefes políticos, sob suaexclusi va responsabilidade. Acrescentei que não conhecia ostermos do manifesto54 e esta va con vencido que os amigos nada

532 Afonso Arinos

Page 528: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

fariam que me pudesse ser desagradá vel. O Dr. Carlos Peixotofez ontem uma declaração na con venção. [....]”

Melindrado pelo desmentido, Seabra pediu demissão a 2 desetembro, no dia mesmo da sanção da anistia. O presidente, “em longae muito desagradá vel con versa”, pediu-lhe que não insistisse no pedidoque causa va, a ele, presidente, “grande desgosto”. Seabra acedeu eretirou-se “recebendo o abraço”, do seu chefe.

Rodrigues Alves luta va para manter seu equilíbrio e sua auto-ridade, naquela derrocada política. Não perdia a calma. Naquele mesmo2 de setembro, anota va: “Sancionei o pro jeto de anistia, que saiu hoje daCâmara.”

E, no dia 3, escre ve esta nota maliciosa: “A Ga zeta deNotícias,ignorando a sanção da anistia, disse hoje que consta va que seria vetada.”

 A 5 de no vembro, data ani versária de Rui Barbosa, teve ele oagradecimento dos fa vorecidos. Reuniram-se na bela casa de São Clementenumerosos anistiados ci vis e militares, além de políticos e admiradores.Eram cerca de 200 pessoas, que se acomodaram no interior dos salõesmarginados de estantes. Falou, em nome dos alunos das Escolas Militares,o Cadete Modesto Lopes de Lima Barros (cujo nome não é maisrecordado por qualquer feito de monta) e, pelos políticos, discursouLauro Sodré. Foi oferecido ao anfitrião, como lembrança, um medalhãocom a cabeça de Léon Gambetta.

O dono da casa encontra va-se em companhia da esposa e filhos.O discurso de Rui, do qual apenas pequena parte foi conser vada,

parece, por esta, ter sido prudente. Fez, ob viamente, grandes lou vores àsforças armadas, acentuando a auspiciosa reaproximação das de terra com asde mar, separadas desde Floriano, mas acentuou que a missão delas não era“o culto dos caudilhos” nem “a idolatria dos ditadores”.

De ve-se consignar que Rui Barbosa, cedendo aos melhoresimpulsos do seu espírito, que eram a generosidade e o fácil esquecimento dasmágoas (tão fácil quanto o surgimento delas), interrompeu a série de ataquesque vinha fazendo ao presidente, para lou vá-lo no discurso proferido a 15 desetembro. Nesta fala, referindo-se à sanção da anisita, diz: “O go verno que,

m ta ta d m ta ta just tanto bo

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 533

Page 529: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

O festival da anistia verificou-se, porém, dias depois, a 9 denovembro, com grande manifestação pública a Lauro Sodré, no TeatroLírico. Foi entregue ao chefe da revolta uma espada de ouro. LauroSodré agradeceu aquele paradoxal símbolo de vitória com violentodiscurso-programa, no qual justificou abertamente o 14 de Novembro epropôs a fundação do Partido Republicano Nacional. Seria oinstrumento de reunião dos republicanos puros – hoje seriam chamadosduros – contra os compromissos e transações de antigos monarquistas.Essa idéia de um partido que pudesse reunir os militares de todo o paíspudera vingar no Império, porque era um movimento de oposição àsestruturas existentes, sem responsabilidades governativas. Mas não era viável depois da República instaurada, porque os interesses federais, e aforça dos grandes Estados a ela se sobrepunham com irresistível primazia.Glicério já experimentara a inutilidade desses esforços com o seu PartidoRepublicano Federal, um simples aglomerado de cúpula, destinado à partilhadas benesses, partido que funcionava quase que somente dentro doCongresso, sem vinculação eleitoral.

Lauro Sodré, oriundo de Estado de pequena força política,declinaria progressivamente no meio federal, apesar da longa vida queteve e dos postos que ocupou.

Tratando da homenagem àquele que tentara depô-lo, Rodrigues Alves comentou com bonomia:

“9-XI – Entregaram a Lauro Sodré uma espada de ouroe foi lido um longo e enfadonho manifesto. A reunião tevelugar no Teatro Lírico, presidida pelo Deputado Moreira daSilva. 11-XI – O País dá um bom artigo sobre o manifesto deLauro Sodré. O Dr. Teixeira Mendes escreve no Jornal doComércioum artigo analisando-o e na Tribuna se lê nas seções jocosas que a espada devia ser de prata. Prata e a inscrição‘Lauro ... Porto Artur’.”

Em nota aposta a um relato que redigiu sobre a própria

534 Afonso Arinos

Page 530: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

“A anistia foi uma arma de que o Pinheiro Machadoserviu-se para agitar a questão das candidaturas. Dois ou trêsmeses antes do Rui apresentar o seu projeto, constou-me que oPinheiro Machado havia escrito ou mandado prevenir o LauroSodré, preso a bordo do Floriano, que seria apresentado noSenado, pelo Rui, um projeto de anistia. Lauro mostrou-sereservado e incrédulo, mas acrescentou que se isso se desse nãoteria dúvida em aconselhar a seus amigos que acompanhassemPinheiro, no seu trabalho pelo Campos Sales. Foi evidentementeesse trabalho político, ao qual Rui se prestou, adiando aapresentação do projeto, sob pretexto de moléstia, até azar-se aoportunidade.55  Tendo-se precipitado a organização daColigação em favor do Pena, perdeu o interesse a anistia. OPena e a sua gente adiantou-se [sic] tanto pela anistia que mepareceu inábil fazer oposição a essa corrente, tanto mais quantoeu ia a cada passo perdendo a confiança nos juízes militares,trabalhados pelos interesses políticos. Quando Rui fez o seudiscurso, dizem que o Pena, deixando a cadeira, foicumprimentá-lo. Os mineiros da Câmara votaram visivelmenteforçados e já com receio de desagradar o sol nascente.”

Poderá parecer que atribuímos demasiadas páginas à chamadarevolta da vacina. Realmente, se a considerarmos isoladamente, a críticaseria fundada. Mas a extensão que demos ao episódio funda-se naconsideração de que representou e sintetizou todo o complexo processopolítico-social-militar, provavelmente não identificado com clarezapelos seus contemporâneos (inclusive os participantes), processo esse

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 535

55 De fato, o discurso com que Rui Barbosa apresentou o projeto de anistia (sessãode 5 de agosto de 1905) começa com estas palavras: “Enfim, Sr. Presidente, bem

Page 531: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

que vai se desenvolver nos sucessos posteriores, como a morte de Afonso Pena e a candidatura Hermes.

 A análise mais profunda dos acontecimentos de 1904 e 1905interessa muito na elucidação e na interpretação da realidade brasileira,cu jos aspectos atrasados coexistiam, mas não se modifica vam, com asconquistas modernizadoras do go verno Rodrigues Alves.

Sarah Bernhardt triunfava no Lírico, com galanteios do Barãodo Rio Branco, no camarim, e ameaças de vaia dos estudantes, naplatéia; Rui era visitado e Sodré homenageado; soldados da Fortaleza deSanta Cruz massacravam um ma jor, um tenente e um sargento, com visível inspiração da revolução russa de 1905, que pouco antes abalara otrono de Nicolau II; o General Hermes, espada da lei em 1904,ameaçava praticar atos de indisciplina contra a orientação política dopresidente; a Avenida Central inaugurava-se entre gambiarras de luzes einundava-se de multidões boquiabertas; a febre amarela desaparecera;impunha-se ao governo a candidatura Pena, e Rodrigues Alves recebiaem Petrópolis ameaças de morte.

Todo este mosaico de contradições precisa ser fixado, paraque se entenda a vida confusa do Brasil de então, em cujo ventredesenvolvia-se a História posterior da República.

 

536 Afonso Arinos

Page 532: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 ÍndiceOnomástico

 A 

 Abranches, Dunshee de – 20, 25, 33, 179,198, 342

 Abranches, Frederico – 142, 166, 271,297, 310, 311, 314, 315

 Abreu Fialho – 477 Acioli (os) – 27 Adelaide – 87 Adonias Filho – 76 Afonso Celso (conde de) – v. Celso Júnior, Afonso

 Agostini, Angelo – 197, 211 Aguiar (general) – 364, 365, 389 Aguiar, Tobias de – 103 Alba, Adelaide Morosine – 76 Alberdi – 149 Alberto – 478 Albuquerque – 278 Albuquerque, Diogo Velho Ca valcânti de

– 223 Albuquerque, João Pedroso Barreto de –

466 Albuquerque, Ulisses Lins de – 22 Alencar Araripe – 162 Alencar, Alexandrino de – 395 Alencar, José de – 211 Alexandre (czar) – 103 Almeida Barreto – 189, 333 Almeida Nogueira – 142, 156, 275 Almeida Prado – 168

 Almeida, Gabriel Osório de – 429 Almeida, João Mendes de – 101, 158 Almeida, Laurindo de – 133 Álvares – 78 Alves, Antônio Rodrigues – 87, 88, 132 Alves, Domingos Rodrigues – 82, 84, 85,

86, 87, 89, 124 Alves, João Rodrigues – 85, 86, 286

 Alves, José Luís – 105 Alves, Manuel Rodrigues – 82, 85, 86 Alves, Zaira Rodrigues – 223 Alvim, Cesário – 109, 127, 137, 141, 154,

155, 157, 168, 171, 205, 286, 464 Amado, Gilberto – 27, 28, 39, 335, 406 Amália Perpétua – 87 Amaral, Crispim do – 442 Amaral, Ubaldino do – 193, 273, 280 Amaro Ca valcânti – 135, 390 Amasílis – 87

 Ana – 75, 87, 124, 333, 361, 435 Ana Guilhermina – 34 Anah – 78 Andrada, Martim Francisco Ribeiro de –

93, 94 Andrade Figueira – 133, 134, 140, 141,

154, 389, 489 Andrade Ne ves – 397 Andrade, Carlos Drummond de – 77 Andrade, Nuno Ferreira de 461, 464

Page 533: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Andrade, Rodrigo M. F. de – 78, 355 Antônio Carlos – 37, 104, 106, 107, 135 Antônio Pedro – 246 Antunes, Inácio Vieira – 88 Aquino, Tomás de – 50 Aracagi (barão de) – 154 Aragão, José Joaquim Moniz de – 77 Arama yo – 347 Aranha, Graça – 237, 239, 337, 381, 388 Aranha, Joaquim Egídio de Sousa – 146 Aranha, Walter Arantes de Car valho – 78 Arantes, Altino – 37, 68, 75, 76, 106 Arantes, Stela – 75, 77 Araripe, Tristão de – 141 Araripe, Tristão de Alencar – 179 Araú jo Jorge – 343, 358 Araú jo Lima – 83, 84 Araú jo, Joaquim Aurélio Nabuco de – v.

Nabuco, Joaquim Argolo, Francisco de Paula – 285, 326 Arinos Filho, Afonso – 355 Arruda, Marcos – 149 Avelar Brotero – 96 Azeredo – 328, 348 Azeredo, Antônio – 158, 226, 229, 244,

245, 246, 247, 276, 380, 389, 448 Aze vedo Sodré – 487 Aze vedo, João Félix Peixoto de – 246,

247 Azicoff, Maurício José – 223

B

Bacekar, Huet – 297Bacelos, Ramiro – 395

chelard – 15

Baleeiro, Aliomar – 31Balzac – 37Barata Ribeiro – 45, 348, 489, 491, 492Barbalho, João – 193Barbosa Lima – 25, 44, 45, 49, 53, 158,161, 203, 228, 238, 267, 278, 324, 342,348, 357, 379, 474, 489

Barbosa Lima Sobrinho – 77Barbosa Rodrigues – 448Barbosa, Antônio Pires – 89Barbosa, Chico – v. Barbosa, Franciscode Assis

Barbosa, Elisiário – 197, 297Barbosa, Francisco de Assis – 23, 27, 77,78, 220

Barbosa, Januário da Cunha – 85

Barbosa, João da Sil va – 230Barbosa, Joaquim Sil vério de Castro – 91Barbosa, José Leme – 89, 478Barbosa, Luís – 381, 478Barbosa, Rui – 16, 24, 29, 30, 34, 36, 37,42, 45, 48, 49, 52, 53, 67, 68, 72, 75, 76,94, 98, 101, 106, 107, 113, 114, 139,140, 158, 162,176, 177, 178, 183, 187,192, 193, 226, 229, 230, 231, 237, 262,268, 293, 321, 325, 335, 337, 342, 347,348, 349, 350, 353, 369, 384, 385, 388,395, 414, 415, 443, 491

Barcelos, Ramiro – 226, 229, 231Barradas – 297Barreto, Edmundo – 285Barros Casal – 274Barros, Antônio Pedroso de – 247Barros, João Pedro Alves de – 249

538 Afonso Arinos

Page 534: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Barthes, Roland – 15Batista Pereira – 128Belo, José Maria – 32, 33Bernadelli, Rodolfo – 448Bernardes, Artur – 24, 37, 38, 106,107, 110, 111

Be viláqua, Cló vis – 337Bezamath, Alberto – 154Bezzi, Tomazzo G. – 397, 448Bias Fortes – 109, 113, 234, 289Bicalho, Francisco de Paula – 409,429, 434, 456, 463

Bicalho, Honório – 429Bilac, Ola vo – 189, 258, 337, 388, 417Bismarck – 50, 377Bispo, Marcelino – 230Bittencourt, Edmundo – 45, 274, 337,340, 350, 380, 489, 491

Blanc, Louis – 91Bocaiú va, Quintino – 32, 33, 94, 193,197, 198, 208, 209, 210, 226, 227,231, 237, 238, 258, 269, 270, 273,278, 297, 325, 357

Bom Retiro (visconde do) – 93, 94Bonifácio, José – 94, 104, 128, 135Borges de Medeiros – 29, 267Borges, Francisco de Assis e Oli veira – v. Guaratinguetá (visconde de)Borges, José Inácio de Oli veira – 478Borges, José Martiniano de Oli veira –86, 328

Borges, Pedro – 395Botelho, Álvaro – 135Bowen, Catherine Drinker – 13Bradley – 301

Branco, Antônio de Lima Castelo – 205Branco, Raul do Rio – 308, 312, 389Branco, Vicente Ferreira – 133Brandão, Sil viano – 24, 263, 270Brasidas – 301Brasil, Joaquim Francisco de Assis – 37,106, 351, 353, 371, 388

Brasiliense, Américo – 107, 169, 170, 171Braudy, Leo – 15Brotero, José Maria de Avelar – 93Buarque de Macedo – 189, 409Bueno Brandão – 244Bueno, Dino – 251, 297Bulcão, José de Aragão – 478Bulhões de Car valho – 154Bulhões, Leopoldo de – 135, 158, 193, 203,207, 210, 226, 253, 270, 289, 291, 293, 294,297, 321, 322, 323, 370, 371, 432, 441

Bueno, Bento – 256Burckhardt – 15Burke – 52Burns, Bradford – 342

C

Cabeda, Rafael – 274Cabo Frio (visconde de) – 302, 307, 310,316

Cairu – 448Calmon, Miguel – 439Calmon, Pedro – 76Calógeras, Pandiá – 179, 183, 280, 286Camacho, Paula – 88Cambon – 302Camelo Lampreia – 448

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 539

Page 535: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Campos Sales – 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27,28, 29, 31, 32, 33, 34, 37, 38, 39, 40, 48,49, 67, 88, 95, 106, 107, 114, 135, 138,146, 155, 158, 160, 163, 165, 166, 169,171, 173, 175, 176, 181, 184, 193, 195,198, 202, 215, 217, 220, 221, 223, 226,228, 229, 231, 232, 233, 234, 239, 240,241, 242, 243, 244, 246, 247, 248, 249,250, 251, 252, 253, 254, 255, 258, 259,262, 263, 264, 265, 266, 267, 268, 269,270, 271, 272, 274, 275, 276, 277, 279,280, 281, 283, 285, 287, 288, 289, 291,292, 293, 294, 295, 298, 299, 300, 302,310, 311, 312, 313, 315, 321, 323, 324,327, 329, 330, 332, 334, 337, 338, 342,346, 348, 360, 373, 405, 425, 429, 459,464, 470, 478

Campos, Bernardino de – 34, 37, 48, 106,114, 158, 160, 165, 166, 167, 169, 170,171, 173, 174, 175, 176, 184, 191, 192,195, 198, 208, 220, 221, 222, 224, 228,232, 233, 234, 235, 238, 250, 251, 252,254, 267, 271, 272, 275, 276, 281, 288,289, 298, 364, 373, 394

Campos, Carlos Carneiro de – 102Campos, Milton – 78Campos, Olímpio – 134, 253

Cândido Rodrigues, Antônio – 256Cardoso de Almeida – 284, 397Cardoso de Castro – 383, 451

Cardoso Fontes – 464Cardoso, Antônio – 464Cardoso, Fausto – 239, 252, 253, 277,295

Cardoso, Fernando Henrique – 23, 27C i ti (prín ipe) – 316

Carrão, João da Sil va – 93Carré – 464Car valho Moreira – 344Car valho, Antônio Gonti jo de – 76Car valho, Arnaldo Vieira de – 103Car valho, Carlos de – 197Car valho, José – 346Car valho, José Murilo de – 46, 51Car valho, Luís Afonso de – 163Car valho, Manuel Maria de – 429, 434Car valho, Vicente de – 448Cassiano Ricardo – 342Castelo Branco – 169, 170Castilhos, Júlio de – 24, 29, 32, 163, 197,198, 219, 227, 267, 274

Castrioto, Frederico - 154Castro Alves – 52, 94, 95, 98Castro, Antônio Augusto Cardoso de –326

Castro, Francisco de – 172Castro, Gentil de – 224Castro, Miguel José de Morais – 132Castro, Plácido de – 347Catita – 333Ca valcânti (visconde de) – v. Albu quer-que, Diogo Velho Ca valcânti de

Ca valcânti, Amaro – 158, 323Ca valcânti, André – 224Ca valcânti, D. Joaquim Arco verde de Albuquerque – 361, 363, 364, 365, 366,367, 368

Ca valcânti, Ubiratã – 76Caxias (duque de) – 17, 92, 124, 127Celso Júnior, Afonso – 135Celso, Afonso – 389

540 Afonso Arinos

Page 536: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

César, José Alves de Cerqueira – 168,170, 171, 224, 273, 275, 276

Chagas, Carlos – 477Chantemesse (professor) – 487Chateaubriand – 104Cha ves, Alfredo – 134, 154Cha ves, Bruno Gonçal ves – 360, 361,362, 364, 365

Cha ves, Francisco Lopes – 146Chermont, E. – 386Chermont, Justo – 224Coaracy, Ada Maria – 78Coelho e Campos – 270Coelho Rodrigues – 141Coelho, Antônio Maria – 245Coelho, Custódio – 285, 320Coelho, Érico – 379Coelho, Tomás – 153Comte, Augusto – 160Conceição, Francisco José da – 144Constant, Ben jamim – 17, 161, 325Cordeiro, João – 208Correia, José Artur de Sousa – 214Correia, Serzedelo – 158, 161, 183,184, 185, 188, 189, 201

Costa Ferraz – 472, 477Costa Júnior – 332Costa Pereira – 152Costa Rego – 68Costa, Antônio Correia da – 242, 246Costa, Inácio José da – 86Costa, João Frank da – 369, 374Cotegipe (barão de) – 34, 75, 127, 136,137, 140, 141, 142, 144, 145, 146,147, 148, 150, 153, 405

Couto, Deolindo – 77Couto, Miguel – 337Croce – 13, 14Cromwell – 18Cruls, Gastão – 211, 423, 437Cruz e Sousa – 237Cruz, Bento – 461Cruz, Osvaldo – 39, 77, 258, 282, 325, 326,404, 421, 461, 462, 463, 464, 465, 466, 470,471, 472, 475,476, 477, 478, 479, 480,481,483, 484, 485, 486, 488, 489, 491

Cunha Leitão – 154Cunha, Euclides da – 13, 245, 337, 356Cunha, Gastão da – 108, 258, 286, 339, 350,355, 356, 357, 358, 385, 388, 390

Cunha, Godofredo – 297

D

D’Alva, Oscar – 237

D’Eu (conde) – 87, 232Damasceno, Darci – 76Dantas – 98, 135, 136, 139, 140

Dário, Ruben – 392Dawson – 354, 368Delfino, Tomás – 269Dilthey – 14

Divino, Ana Joaquina do – 87Dodsworth, Eugênio de Andrade – 446Dodsworth, Henrique – 77, 464Dores, Guilhermina Maria das – 86

Dória, Franklin – 135, 138, 156Doyle, Plínio – 74, 78Duarte de Azevedo – 152Duarte Manuel José – 492

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 541

Page 537: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

E

Eduardo VII – 393Ekman, Fried e – 448Ellis, Alfredo – 165, 395Ernesto – 87Este ves – 208Ewbank, Luís Henrique de Oli veira – 245Ezequiel Dias – 464

F

Faoro, Raymundo – 77Faria, Antão de – 163, 164Fernandes, Emílio – 351Fernandes, Henrique Couto – 446Ferraz, Adalberto – 277Ferraz, Luís Pedreira do Couto – v. BomRetiro (visconde do)

Ferreira de Araú jo – 237Ferreira Ramos – 189Ferreira Viana – 141, 149, 150, 152, 405Ferreira, Alfredo de Morais Gomes – 390Ferreira, Ernesto – 351Ferreira, João Dias – 478Ferrez, Marc – 311Figueiredo (conde de) – 402Figueiredo (visconde de) – 162, 177, 178,214, 236

Figueiredo Pimentel – 490Figueiredo, Antônio Leite de – 249Figueiredo, Luís Manuel de – 82Finlay, Carlos – 469, 470, 471, 472, 473Flores da Cunha – 27Fonseca, Deodoro da – 16, 30, 157, 160,161, 162, 163, 164, 168, 171, 173, 180,184, 245, 265, 287, 288, 325

Fonseca, Valeriano Ramos da – 91Frontin – 450, 461Fontoura Xa vier – 390Francisco – 435Francisco Belisário – 134Francisco de Paula – 87, 88Francisco Ota viano – 37, 106Franco, Francisco de Melo – 489Franco, João de Melo – 106Franco, Justiniano de Melo – 106Franco, Odair – 470, 483Franco, Pedro Afonso – v. Pedro Afonso(barão de)

Franco, Virgílio de Melo – 97, 106Frank, Júlio – 37, 102, 103, 104, 105, 106,108, 111, 112

Freire, Felisbelo – 201, 252, 253Freire, Glorinha Frontin Moniz – v. Freire,Maria da Glória Frontin Moniz

Freire, Maria da Glória Frontin Moniz– 75, 77

Freitas, Herculano de – 275Friozzi, Lorenzo de – 316Frontin, André Gusta vo Paulo de – 39,42, 75, 357, 389, 401, 417, 425, 429,440, 441, 444, 446, 447, 449, 450, 451,452, 455, 457

Frontin, Paulo de – v. Frontin, AndréGusta vo Paulo de

Frota, Júlio – 333

G

Gaffré, Cândido – 189, 220Galileu – 301Galotti, Luís – 77

542 Afonso Arinos

Page 538: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Gama, Domício da – 351, 387Gama, Luís – 101Gama, Rodolfo Branco da – 133Gama, Saldanha da – 219Gambetta – 109Garcez, Martinho – 252, 253Garcia, Carlos – 169Geraldino – 87Gibbon – 12, 14, 16Gide, André – 238, 239Gide, Charles – 238Glicério – 281Glicério Neto, Francisco – 75, 77Glicério, Francisco – 49, 75, 76, 158,165, 168,197, 207, 208, 219, 225,226, 227, 228, 229, 238, 239, 250,252, 254, 255, 256, 265, 266, 442,443

Godofredo, Lamounier – 137Goethe – 301Goffré, Cândido – 451Góis, Carlos – 237Góis, Zacarias de – 351Gomes de Castro – 134, 141, 155, 193,203

Gomes Ferreira – 371, 388Gomes Landim – 87Gomes, José Clemente – 446Gonçal ves Cruz, Osvaldo – v. Cruz,Osvaldo

Gonçal ves Ferreira – 197Gonçal ves Ramos – 208Gonzales, José – 448Gordo, Adolfo – 165, 171, 275, 276,

Griscon – 394Grocio – 96Gruti – 301Guachalla, Fernando – 351Guanabara, Alcindo – 23, 24, 28, 237, 238,276

Guaratinguetá (visconde de) – 34, 86, 87,118, 124, 131

Guedes, Afredo – 271Guilherme (imperador) – 380Guilherme II – 299, 377Guilhermina – 87, 124, 172Guilhobel, José Cândido – 351Guimarães, J. A. – 271Guimarães, Paula – 379

Guinle, Eduardo – 447, 448Gurgel do Amaral – 477Gusmão, Alexandre de – 348Gusta vo Adolfo – 448

H

Hahner, June – 168Halbout, João Francisco – 89Hambloch – 15Hardman – 215Hasslocher, Germando – 277Hauriou – 16, 18Haussmann – 42, 408Hay – 354Hércules – 417Higino, José – 163, 184Hitler – 377Hobbes – 96H landa, Sérgio Bu que de – 13

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 543

Page 539: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Horta, J. F. Parreiras – 429Hortênsia – 397Houaiss, Antônio – 77

I

Ibituruna (visconde de) – 171Idalina – 87Iggers, George G. – 15Inhanbuque (marquês de) – 478Isabel (princesa) – 134, 142, 150

J

 J. Carlos – 442, 462 Jaceguai – 340 Jannuzzi, Antônio – 448, 451 Japurá (barão de) – 354, 358 Jenner – 490 João Alfredo – 177, 408 João Maciel – 88 João Manuel – 109, 137, 155 João VI (dom) – 465 José – 435 Junqueira, Gabriel Denis – 446

Kant – 50, 96Koseritz, Carl von – 256, 403, 404Kotzebüe, Augusto – 103, 104Kubitschek – 337

L

La Fontaine – 91Lacerda – 23L da Franco – 22, 271

Laet, Carlos de – 389Lafa yete Rodrigues – 52Lamartine – 91Lammenais – 91Lampreia – 356Le Bom, Gusta ve – 46Leão Veloso – 45, 274, 357, 380Leão XIII – 360Leitão, Cândido – 98Leite de Morais – 127Leite, Benedito – 226, 381Leme, Luís Betim Pais – 91Leopoldina (conde de) – 189Lessa, Pedro – 37, 106Líbero, Cásper – 108Lima – 356Lima Barreto – 45, 340, 442, 489Lima, Alceu Amoroso – 392Lima, Alcides Mendonça – 274Lima, Negrão de – 223Lima, Raul – 76Limoeiro, Eduardo Mendes – 91Limpo de Abreu – 163, 344Lincoln – 374Lins, Francisco de Caldas – v. Barão de AracagiLisboa, Alfredo – 423Lobo, Eduardo Gusmão – 478Lobo, Fernando – 163, 204, 226, 229, 232Loefgren, Alberto – 149Lopes Cha ves – 292Lopes Tro vão – 258, 489Lopes, João – 161, 208Loreto (barão de) – v. Dória, Franklin

iro, Vald 223

544 Afonso Arinos

Page 540: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Lucena, Henrique – 141, 152, 154,162, 164, 179, 405

Lugones, Leopoldo – 392Luís Edmundo – 420, 421, 423Lutz, Adolfo – 470, 478Luz, João Dias Ferraz da – 128

M

Macedo Soares – 106Macedo, Joaquim Manuel de – 89Macedo, José Agostinho de – 489Macedo, Sérgio Teixeira de – 344Machado Bittencourt – 16, 171, 172,230

Machado de Assis – 22, 96, 178, 316,337, 360, 371, 393, 438, 456

Machado, Álvaro – 269Machado, Irineu – 238Machado, Vicente – 235/37, 269, 270,289, 291

Maciel, Antunes – 135Maciel, Olegário – 280Magalhães de Aze vedo – 360Magalhães Jr., Raimundo – 77Magalhães Melo, Manoel de – 451Magalhães, Ben jamim ConstantBotelho de – v. Ben jamim Constant

Magalhães, Bruno de Almeida – 77Magalhães, Carlos – 442Magalhães, Fernando de – 461Magalhães, Olinto de – 263, 312, 321,425

Maistre, Joseph de – 52Mallet – 297

Malta, Francisco – 257Mamoré (barão de) – 405Mangabeira, João – 29, 30Mangabeira, Otá vio – 324Mangaratiba (barão de) – 408Mannheim, Karl – 52Maquia vel – 50, 51Marcelino, José – 141Marcondes, Jaime – 244Maria Perpétua – 87Marieta – 333, 435Marinho, Saldanha – 181, 193Marins, Isabel Perpétua de – 85, 86, 87, 124Marshall – 29Martim Francisco II – 135Martim Francisco III – 127, 128, 141Martinho Prado – 125Martiniano, José – 87Martins, Enéias – 358, 397Martins, Luís Dodsworth – 444Mártir, Diocleciano – 237Mata Machado – 161Mauá (barão de) – 402, 408, 433, 438Maya, Raimundo de Castro – 223Mayrink, Francisco de Paula (conselheiro)– 162, 206

Medeiros – 278Medeiros, Tra jano de – 448Meireles, Saturnino Soares de – 89Melo Franco – 37, 72, 106, 286, 308Melo, Custódio de – 163, 164, 173, 448Melo, Heitor de – 448Mendes de Almeida (os) – 380Mendes de Morais – 230

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 545

Page 541: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Meneses, Francisco da Cunha – 86Merry del Val – 362, 364, 365Mesquita, Júlio – 168, 170, 235, 273, 274,275, 276, 285

Metchnikoff – 463Metelo, José Maria – 135, 246, 348Metternich – 104Michelet – 15Minas (marquês das) – 467Miranda – 170Miranda, Luís da Rocha – 223Miranda, Rodolfo – 158Moacir, Pedro – 25, 274, 285Modesto Leal (conde de) – 402, 454Moniz de Aragão (embaixatriz) – 75Monroe – 374Monteiro Manso – 137Monteiro, Antônio – 87Monteiro, Inácio Joaquim – 86, 87Monteiro, João – 297Monteiro, Tobias – 233, 234, 254, 380, 381Montemor, Janice – 76Montenegro, Augusto – 244Montigny, Grand jean de – 423Morais Barros – 276Morais, Domingos Correia de – 280Morais, Prudente de – 16, 18, 20, 32, 34,35, 37, 38, 48, 49, 50, 67, 75, 77, 107,113, 125, 126, 135, 138, 158, 160, 163,165, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 179,180, 191, 193, 194, 195, 196, 197, 198,199, 200, 201, 204, 205, 207, 210, 216,217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224,226, 227, 228, 229, 230, 232, 235, 238,

Mota, Cândido – 106Mota, Cesário – 165Mota, Vicente Pires da – 93Moura, Francisco Antônio de – 172Moura, João Ferreira de – 137Müller, Lauro – 39, 158, 323, 325, 326,401, 404, 418, 421, 426, 429, 433, 436,438, 440, 441, 444, 446, 451, 454, 455,457,461, 475

Mursa, Joaquim de Sousa – 167/8Murtinho, Antônio – 244Murtinho, Joaquim – 27, 32, 33, 158, 198,234, 240, 244, 245, 246, 348, 349, 388,389, 425

Murtinho, Manuel – 245, 246Murtinhos (os) – 246, 247, 249Metternich – 104

N

Nabuco (pai) – 17Nabuco, Joaquim – 13, 17, 18, 19, 36, 38,72, 75, 90, 91, 92, 94, 135, 136, 139,141, 148, 155, 220, 234, 259, 260, 261,299, 304, 305, 306, 307, 308, 309, 312,313, 315, 316, 341, 368, 369, 370, 371,372, 373, 374, 375, 379, 383, 384, 385,386, 387, 388, 389, 390, 392, 393, 394,399, 400, 477

Nabuco, Maria Ana – 75, 77, 91Napoleão – 12Nascentes de Azambu ja – 358Nascimento, Cassiano do – 158Nava, Pedro – 77, 472Neale, Charles – 425N i ( ) 27

546 Afonso Arinos

Page 542: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Nietszche – 50Nogueira (os) – 22Nogueira Acióli – 269, 278Nogueira Filho, Paulo – 22Nogueira, Artur – 22, 23Nogueira, Batista Caetano de Almeida– 89

Noronha – 323Noronha, Júlio César de – 297, 326

O

Oberg, John – 448Odair Franco – 467Oiticica, Francisco Leite e – 235, 434Olímpia – 334Olímpio da Sil veira – 491Olinda (marquês de) – 90Olinto de Magalhães – 287, 342, 346,350, 352, 364, 371

Olinto, Antônio – 197Oli veira Borges – 328Oli veira Figueiredo – 333Oli veira Lima – 348, 373, 375, 389Oli veira Ribeiro – 257Oli veira Rocha – 276, 415Oli veira, Cândido de – 135, 141Oli veira, João Alfredo Correia de –150, 152, 154, 155

Oli veira, Manuel da Sil va – 446Oli veira, Régis de – 312Olympio, José – 78Oscar – 435, 465Otôni, Cristiano – 193Otôni, Francisco – 409

P

Pacheco Leão – 478Pacheco, Félix – 237Pádua Sales – 271Paine, Thomas – 52Pais de Barros, Antônio – 246Pais de Car valho – 189Pais, Totó – 246, 247Pandiá – 388, 390Pando – 352Paranhos – 94, 302Paranhos Júnior, José Maria da Sil va – 297Paranhos, Juca – 396Parlagreco, Carlos – 316, 371Parnaíba (visconde de) – 143, 145Pasin, José Luís – 78Passos – 282Passos, Antônio Pereira – v. Mangaratiba(barão de)

Passos, Ernestina – 77Passos, Francisco Pereira – 39, 40, 42, 75,77, 282, 323, 325, 326, 404, 407, 408, 409,410, 412, 413, 414, 415, 416, 417, 418, 420,421, 422, 430, 441, 448, 482

Passos, Maria – 77Pasteur – 404Patrocínio, José do – 189, 215, 237Paula Guimarães – 269Paulino (conselheiro) – 105, 106Peçanha, Nilo – 24, 33, 49, 158, 437, 448Pederneiras, Raul – 237Pedro Afonso (barão de) – 258Pedro I – 83, 104, 358, 438Pedro II – 87, 89, 136, 137, 150, 245, 358,373 398 404 405 451

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 547

Page 543: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Peixoto, Floriano – 16, 17, 18, 20, 29, 30,35, 48, 49, 89, 157, 158, 160, 163, 164,165, 166, 169, 170, 171,172, 173, 175,176, 179, 180, 185, 187, 188,189, 192,193, 195, 197, 198, 199, 201, 205, 206,219, 221, 270, 287, 288, 292, 293, 324

Peixoto, Júlio Afrânio – 466Pena – 384Pena, Afonso – 34, 37, 52, 68, 75, 94, 98,99, 106, 107, 109, 110, 113, 135, 140,141, 181, 182, 186, 196, 205, 206, 210,212, 214, 216, 217, 218, 220, 221, 222,234, 239, 250, 262, 263, 268, 280, 283,285, 286, 287, 288, 289, 289, 290, 291,294, 295, 332, 384, 393, 436, 437, 439,440, 492

Pena, Feliciano – 226, 231, 250Penedo (barão de) – 311, 387Penido, João – 136Pereira Barreto – 460, 473Pereira Carneiro – 357Pereira da Sil va – 13Pereira Passos – v. Passos, FranciscoPereira

Pereira, Antônio Ola vo – 78Pereira, Astro jildo – 442Pereira, Cesário – 106, 333, 361, 362Pereira, Daniel Ola vo – 78Pereira, Francisca – 82, 86Pereira, Francisco Joaquim – 86Pereira, Luís – 460Pessegueiro do Amaral – 351, 387Pessoa, Epitácio – 24, 27, 38, 158, 159,192

Pestana, Francisco Rangel – 167, 181,191, 204, 205

Pilatos – 252Pimentel (visconde de) – 132Pinheiro Guedes – 297Pinheiro Machado – 23, 25, 28, 32, 37,48, 67, 106, 114, 158, 193, 207, 208,209, 210, 226, 228, 229, 231, 258, 262,264, 265, 267, 268, 269, 270, 274, 286,289, 291, 293, 294, 328, 333, 348,349,395, 398

Pinheiro, João – 106, 157, 161, 286, 289,326

Pinheiro, Joaquim Caetano Fernandes –89

Pinilla, Cláudio – 351Pinto, Alfredo – 434, 451Pinto, José Gabriel da Costa – 76Pinto, Manuel da Costa – 86Pio X – 360, 361, 365, 366Piratininga (barão de) – 127Pires Barbosa – 134Pires Brandão – 149Pitt – 128Ponce, Generoso – 226, 244, 245, 246,247, 248

Pontes Ribeiro – 354Porciúncula, Tomás da – 173, 208, 209,226

Porto – 214Porto, Luís da Sil va – 222Prado (conselheiro) – 145, 147, 151, 394Prado Jr., Martinho – 146Prado, Antônio – 34, 101, 134, 141, 146,150, 152, 153, 157, 158, 167, 169, 257,373, 394

Prado, Caio – 142

548 Afonso Arinos

Page 544: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Prestes, Fernando – 242, 244, 255,256, 257

Prestes, Júlio – 24, 255, 257Pu jol, Alfredo – 276

Q

Quadros, Jânio – 278Querido, Maria Luísa dos Anjos – 85,86

Raffin, Antônio – 448Ramalho (barão de) – 93, 95, 96, 97Ramalho Júnior – 346Ramalho, Joaquim Inácio – v. Rama-lho (barão de)

Ramiz Gal vão (barão de) – 91Ramos de Aze vedo – 103Ranke – 15Rebécque, Ben jamin Constant de – 17Rebouças, André – 409Rego Barbosa – 87Rego, Joaquim Marcos de Almeida –89, 90, 91

Reis, Aarão – 429Resende (barão de) – 144Resende, Cássio – 478Ribas – 470Ribas, Antônio Joaquim – 93, 105, 106Ribas, Emílio – 257, 470, 471, 473,485, 487

Ribeiro Barbosa (barão de) – 134Ribeiro, Carlos Leite – 410Ribeiro, Demétrio – 161

Ribeiro, Sebastião Antônio – 133Rickert – 14Rio Branco (barão do) – 36, 37, 39, 49, 72, 75,91, 106, 107, 108, 119, 120, 124, 261, 282,297, 298, 299, 300, 301, 302, 303, 304, 306,307, 308, 310, 311, 312, 313, 314, 316, 317,318, 321, 322, 323, 335, 339, 340, 341, 342,345, 347, 349, 350, 351, 352, 353, 354, 355,356, 357, 358, 359, 361, 362, 364, 365, 369,371, 373, 375, 378, 379, 380, 381, 384, 385,386, 387, 388, 389, 396, 397, 398, 399, 400,402, 422, 426, 441, 442, 447, 461, 477

Rio Formoso (visconde de) – v. Aracagi(barão de)

Rio, João do – 42, 47, 451Rios, A Morales de los – 448Rios, Artur – 208, 333Robespierre – 16, 17Roca, Júlio – 250Rocha Faria – 476Rocha Pita – 467Rocha, Ismael – 464Rocha, Teodoro da Sil va – 382Rodrigues Alves Filho – 75, 454, 466Rodrigues, José Carlos – 75, 195, 206, 214,237, 260, 311, 380, 381

Rodrigues, José de Paula – 389Rodrigues, José Honório – 77Romanoff (os) – 103Romeiro, José Marcondes – 478Roose velt, Theodore – 299, 341, 368, 371,373, 374, 391, 392

Root – 383, 385, 386, 387, 391, 392, 393,394, 395

Rosa e Sil va – 29, 32, 34, 141, 152, 158, 161,

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 549

Page 545: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Rosário, João José do – 222Rosas, Oscar – 328Rothschild (os) – 186, 188, 204, 214, 217,220, 232, 233, 432, 433, 443

Rousseau – 13, 95Roux, Emílio – 463, 464Rubião Júnior – 76, 166Rubião, José – 77

S

Sá, Francisco – 297, 333Sabino Barroso – 280, 287, 289Salamonde – 382Saldanha Marinho – 107Sales Guerra – 461, 463, 464, 465, 470,485

Sales, Alberto – 274, 275Sales, Antônio – 237Sales, Fernando – 76Sales, Francisco – 286, 294Salinas Vega, Luís – 348Sampaio Ferraz, João Batista – 254Sand, Carlos (Karl) – 103, 104Sand, Karl Ludwing – v. Sand, Carlos(Karl)

Sand, Luís – v. Frank, JúlioSanta Branca (barão de) – 146Santiago, Rodolfo – 103Santo, Ana Sil véria Umbelina do Espírito– 86, 87

Santos (marquesa de) – 438Santos Dumont – 337Santos Werneck – 107Santos, José Américo dos – 91

tos, José Ma

Sarai va – 135, 136, 137, 139, 140Schmidt, Afonso – 105Schmidt, Ferdinand – 403Schmitt, Carl – 379Seabra, José Joaquim – 158, 189, 228,229, 270, 277, 372, 323, 324, 325, 382,383, 409, 441, 461, 464, 465, 466, 471,477, 479, 480, 481

Seelinger, Hélios – 442Segurado, Manuel do Amaral – 448Seidl, Carlos – 478Serra Negra (barão de) – 144Sevcenko, Nicolau – 40, 42Se verino Vieira – 286, 288, 289, 291, 294,323

Sil va Jardim – 146Sil va Porto – 214Sil va Ta vares – 152Sil va, Antônio José de Paula – 85, 86Sil va, Domingos Sérgio de Sabóia e – 429Sil va, Hermógenes – 270Sil va, José de Passos da – 87Sil va, Luís de Lima e – 92Sil va, Rodrigo – 134, 141, 142, 144, 146,147, 152, 153, 405

Sil veira Martins – 274Sil veira, Edwiges – 76Sil veira, Joaquim Xa vier da – 434Sil veira, Olímpio da – 45Sil vério Néri – 347Sil vestre Tra vassos – 45, 297, 491Sil viano Brandão – 277, 278, 283,286,287, 288, 290, 332

Simeão, José – 164, 184res Câ

550 Afonso Arinos

Page 546: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

Sodré, Lauro – 45, 158, 228, 229, 232,239, 249, 285, 348, 372, 489, 491

Solano Lopez – 97Solar – 357Sousa Aguiar – 439Sousa Correia – 186Sousa Franco – 176, 177Sousa Lima – 414Sousa, Dora Torres de – 78Sousa, Francisco de Paula – 103Sousa, José Antônio Soares de – 105Sousa, Paulino José Soares de – 105,344

Sousa, Tarquínio de – 141Sousa, Vicente de – 45Sousa, Washington Luís Pereira de –252, 256

Souto (visconde de) – 402Souto, Luís Rafael Vieira – 433Spranger, Eduardo – 50Stäel (madame de) – 108

T

Tácito – 13Taunay (visconde de) – 91, 141, 178Taunay, Alfredo de – v. Taunay(visconde de)

Tautphoeus (barão de) – 89Ta vares Bastos – 128Ta vares de Lira, Augusto – 439Teixeira Leite – 357Teixeira Mendes – 45Teixeira Soares – 409Teles, Antônio de Queirós – 143Thiers – 91

Tito – 441Tito Lí vio – 13Tocantins, Leandro – 342, 343Tocque ville – 15, 53Toledo, Manuel Dias de – 93Tolentino, Francisco – 270Tootal – 233Torres, Alberto – 25, 244Torres, Oscar Pareto – 448Tosta, Inácio – 323Três Rios (marquês de) – 146Tre vel yan, George Macaulay – 14, 15, 128Tucídedes – 13

U

Urbano Santos – 333Uruguai (visconde do ) – 105, 354

V

 Valadão – 128 Valadares, Clari val do Prado – 441 Vanini, Antônio – 448 Varela, Alfredo – 45 Vargas, Getúlio – 24, 278, 308 Varnhagem – 400 Vasconcelos, Bernardo Pereira de – 84, 89,

469 Vasconcelos, Diogo de – 134 Vasconcelos, Luís de – 446 Vasques, Bernardo – 197, 208, 297 Velarde – 356, 357 Velho, Pedro – 226, 229, 289, 291 Veloso, Leão – 435, 451, 491 V l Brás – 37 67 106, 107, 112 262

 Rodrigues Alves: apogeu edeclínio do presidencialismo 551

Page 547: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf

 

 Vergueiro César – 108 Vergueiro de Lorena – 108 Vergueiro Steidel – 106 Veríssimo, José – 316 Viana Filho, Luís – 323, 396 Viana, Hélio – 77 Viana, Luís – 21, 250, 324 Victor Hugo – 91 Vidal (barão de) – 447 Vieira de Lima – 153 Vieira Fazenda – 92 Vieira, Se verino – 33, 208, 226, 231, 263,

264 Vierhaus, Rudolf – 53 Vilaboim, Manuel Pedro – 448 Viledo, A. de (pseudônimo) – v. Sales, Antônio

 Virgílio – 87, 88, 125, 250 Visconti, Eliseu – 159 Vítor Manuel – 316 Vítor Manuel III – 398

 Vitorino, Manuel – 196, 201, 217, 218,219, 220, 223, 224, 229, 230, 238, 239,274, 332, 333

W

Walter Reed – 470Wandenkolk, Eduardo – 160, 163, 189Washington – 374Washington Luís – 37, 38, 106, 280Weber, Max – 14, 15Werneck, Furquim – 197White, Hayden – 15Windelband – 14Xa vier da Sil veira – 388, 390Xa vier, Fontoura – 388

Z

Zacarias – 127Zaira – 75Zama, César – 135Zeballos – 384

552 Afonso Arinos

Page 548: Afonso Arinos de Melo Franco - Rodrigues Alves Volume 1.pdf