Afrobetizar

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AFROBETIZAR: UMA ANチLISE DAS RELAヌユES ノTNICO- ACIAIS EM LIVROS DIDチTICOS DE LITERATURA Interdisciplinar Ano 5, v. 10, jan-jun de 2010 – ISSN 1980-8879 | p. 377-390 Fabiana Lima (UFBA) Resumo: Este artigo pretende investigar os motivos e as conseqüências da quase total ausência, nos livros didáticos de língua maternal para o ensino médio, da produção literária em que vozes negras articulem sentidos sobre sua própria condição social. O que se observa, na maioria desses manuais, é a obliteração da problemática racial nos poucos escritores negros que possuem suas literaturas analisadas, além da minimização das representações estereotipadas ou animalizadas dos negros em obras literárias que discutem especificidades das relações entre os diferentes grupos étnico- raciais no Brasil, caso de parte da produção de Machado de Assis, Cruz e Souza, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, entre tantos outros. Para tanto, o corpus da análise é constituído por seis livros didáticos escolhidos como adequados para a educação literária brasileira, pelo Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (MEC). Palavras-chave: canonização literária; literatura afro-brasileira; ensino de literature Abstract: This article analyzes the motives and consequences of the almost complete absence of Black literature in native language and literature textbooks employed in Brazilian high schools. What we find in most textbooks is the denial of racial issues amongst the few Black authors whose works are analyzed, such as Machado de Assis, Cruz e Sousa, Lima Barreto. To this end, the body of the present article focuses on six textbooks approved for use in Brazilian literature classrooms according to the Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (National Book Program for High School Education), which is responsible for the free distribution of textbooks/didactic materials to Brazilian public schools under the Department of Education. Keywords: Black literature; teaching literature; racial relations; literary canon O neologismo presente no título deste artigo se constitui por fios de múltiplas vozes e identidades contemporâneas em fluxo descontínuo. Há sob a escolha da palavra afrobetizar1 dois movimentos: um individual/existencial e outro contextual. Se por um lado, em minha trajetória profissional, lecionando tanto na Escola Básica quanto no Ensino Superior, sempre me intrigou a ausência de determinadas tradições literárias ao se trabalhar Literatura Brasileira em sala de aula, por outro, discussões contemporâneas em diferentes áreas do conhecimento lidam com identidades 1 A palavra afrobetizar não é criação minha. Tomei conhecimento da interessante palavra em uma oficina sobre cultura e história afro-brasileira dirigida a educadores, no Fórum Social Mundial de 2005, realizado na cidade de Porto Alegre. Uma professora de biologia que atuava no interior de São Paulo chamava a sua prática em sala de aula de afrobetização. Infelizmente, como na hora não tinha a intenção de usar a palavra, acabei não anotando o nome da professora.

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Literatura afrobrasileira

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  • AFROBETIZAR: UMA ANLISE DAS RELAES TNICO-ACIAIS EM LIVROS DIDTICOS DE LITERATURA

    IInntteerrddiisscciipplliinnaarr Ano 5, v. 10, jan-jun de 2010 ISSN 1980-8879 | p. 377-390

    Fabiana Lima (UFBA)Resumo: Este artigo pretende investigar os motivos e as conseqncias da quase totalausncia, nos livros didticos de lngua maternal para o ensino mdio, da produoliterria em que vozes negras articulem sentidos sobre sua prpria condio social. Oque se observa, na maioria desses manuais, a obliterao da problemtica racial nospoucos escritores negros que possuem suas literaturas analisadas, alm daminimizao das representaes estereotipadas ou animalizadas dos negros em obrasliterrias que discutem especificidades das relaes entre os diferentes grupos tnico-raciais no Brasil, caso de parte da produo de Machado de Assis, Cruz e Souza, LimaBarreto, Euclides da Cunha, Mrio de Andrade, entre tantos outros. Para tanto, ocorpus da anlise constitudo por seis livros didticos escolhidos como adequadospara a educao literria brasileira, pelo Programa Nacional do Livro para o EnsinoMdio (MEC).Palavras-chave: canonizao literria; literatura afro-brasileira; ensino de literature

    Abstract: This article analyzes the motives and consequences of the almost completeabsence of Black literature in native language and literature textbooks employed inBrazilian high schools. What we find in most textbooks is the denial of racial issuesamongst the few Black authors whose works are analyzed, such as Machado de Assis,Cruz e Sousa, Lima Barreto. To this end, the body of the present article focuses on sixtextbooks approved for use in Brazilian literature classrooms according to thePrograma Nacional do Livro para o Ensino Mdio (National Book Program for HighSchool Education), which is responsible for the free distribution of textbooks/didacticmaterials to Brazilian public schools under the Department of Education.Keywords: Black literature; teaching literature; racial relations; literary canon

    O neologismo presente no ttulo deste artigo se constitui por fios de mltiplasvozes e identidades contemporneas em fluxo descontnuo. H sob a escolha dapalavra afrobetizar1 dois movimentos: um individual/existencial e outro contextual.Se por um lado, em minha trajetria profissional, lecionando tanto na Escola Bsicaquanto no Ensino Superior, sempre me intrigou a ausncia de determinadas tradiesliterrias ao se trabalhar Literatura Brasileira em sala de aula, por outro, discussescontemporneas em diferentes reas do conhecimento lidam com identidades

    1 A palavra afrobetizar no criao minha. Tomei conhecimento da interessante palavra em uma oficina sobre culturae histria afro-brasileira dirigida a educadores, no Frum Social Mundial de 2005, realizado na cidade de Porto Alegre.Uma professora de biologia que atuava no interior de So Paulo chamava a sua prtica em sala de aula deafrobetizao. Infelizmente, como na hora no tinha a inteno de usar a palavra, acabei no anotando o nome daprofessora.

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    construdas sob os mais diferentes parmetros classe social, gnero, religio,etnia/raa2, gerao, entre outros.

    Em afrobetizar, uma interessante fuso de palavras acaba por aproximar oprefixo afro do vocbulo que traduz ingresso no mundo das letras alfabetizar produzindo significados que traduzem um misto de denncia e de proposio.Seguindo os desdobramentos de sentido do neologismo, se o ensino formal brasileirotem construdo uma tradio que ignora ou menospreza a episteme afro, aparece comoimprescindvel a necessidade de se repensar os papis e os lugares que os afro-descendentes e sua produo cultural/literria ocupam na educao formal. Nassearas de conhecimento que circulam em diferentes campos das Letras, tal revisomostra-se ainda mais pertinente, j que, de acordo com estudos atuais de literatura e desociolingstica, o uso da lngua, seja para a comunicao cotidiana ou para a produode efeitos estticos, implica necessariamente jogos de poder.

    Estudos como o do sociolingista Maurizio Gnerre, em Linguagem, escrita epoder (1998), demonstram que a lngua possui dupla dinmica: identificar falantesentre si num dado grupo, mas tambm discriminar grupos sociais de acordo com avariante lingstica, promovendo a separao entre os falantes de maior e de menorprestgio social. Em Literatura, por outro lado, desde os Formalistas Russos no inciodo sculo XX, discute-se o quanto a linguagem literria uma construo social desentido, tanto que a literariedade to trabalhada por aqueles tericos vista emoposio linguagem de comunicao cotidiana. Antoine Compagnon (2001), entreoutros tericos contemporneos da literatura, enfatiza que um texto s literrio, deacordo com o uso que uma sociedade faz dele. Sob o uso literrio de um texto,inmeros lugares e papis sociais esto em jogo. Trata-se de uma disputa poltica emercadolgica que envolve, pelo menos, autor, consumidor-leitor, mercado editorial,circulao de idias consideradas socialmente legtimas e, no caso do presente estudo,uso pedaggico da literatura no ensino formal.

    2 Nesta artigo, usar-se- o conceito de etnia associado ao de raa. Acompanhando o pensamento de Antnio SrgioGuimares (2003), raa no utilizada aqui como categoria biolgica consagrada pelo cientificismo do sculo XIX, mascomo categoria analtica que objetiva tratar do caso especfico brasileiro, onde a idia de raa funciona como operadorideolgico delimitador de espaos sociais e formulador de atitudes de excluso. Dentro de tal perspectiva analtica,utilizar uma palavra corrente no contexto social e que carrega em si critrios de discriminao possibilita observar, demaneira crtica, os pilares que fundamentam ideologias racistas. Dessa forma, raa tanto um operador de anlisequanto uma opo poltica deliberada desta pesquisadora, preocupada em entender e ruir, desde dentro, osfundamentos do racismo, sobretudo, no caso da anlise de material didtico, do racismo epistemolgico.

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    Dessa forma, a idia de se afrobetizar material didtico de literatura do EnsinoMdio provm de trs conjunturas que, mescladas, fornecem elementos para aconstruo da anlise que aqui ser feita. Primeiramente, a compreenso da ausnciade escrita literria afro-brasileira3 nos livros didticos de literatura destinados aoEnsino Mdio denuncia, no mnimo, a excluso de certo tipo de produo contra-hegemnica em uma tradio construda e reproduzida nessa fase de ensino. Almdisso, a inteno de rever materiais didticos de literatura se relaciona intimamente aotratamento superficial dado a essa disciplina no fim da Escola Bsica. sabido que aabordagem mais comum da literatura no Ensino Mdio apresentao em seqncialinear das chamadas Escolas Literrias, Estilos de poca ou Perodos Literrios dificilmente tem conseguido despertar o interesse do estudante para a fruio do textoliterrio e um conseqente hbito de ler. Esse tipo de abordagem reduz a apresentaoda literatura a enfadonhas listas, dentro das quais so arroladas caractersticas bsicasde cada um dos estilos.

    Por fim, uma questo de carter mais amplo norteia a presente anlise e est nabase mesmo de sua produo o momento histrico, tanto global quanto local, derediscusso dos papis sociais e polticos de diferentes grupos identitrios. No caso daAmrica (do norte e do sul), por exemplo, desde o incio da dcada de 90 do sculo XXaos dias atuais, a mudana de textos constitucionais, passando a contemplar e a darproteo legal a grupos minoritrios em diversos pases; a existncia de frunsmundiais de combate ao racismo e xenofobia; a implementao de polticas pblicasvoltadas para as especificidades de minorias tnico-raciais; a chegada a cargosimportantes do poder executivo de lideranas polticas pertencentes a grupos tnico-raciais minoritrios indgenas ou afro-descendentes caso de Hugo Chves naVenezuela, Evo Morales na Bolvia e de Barack Obama, nos Estados Unidos;demonstram como a discusso tnico-racial tem ocupado a arena poltica de diferentesnaes.

    Relacionando-se atual agenda de discusso, luta poltica e implementao depolticas pblicas direcionadas populao afro-descendente, este artigo propeelaborar uma reviso crtica do material didtico de literatura usado no Ensino Mdio,3 Importante frisar que aqui o signo afro, presente nos termos literatura afro-brasileira e escrita literria afro-brasileira,marca um trnsito desigual entre culturas diversas, implicando, no caso da dispora africana, uma relao ambivalentede inferiorizao e troca com a cultura marcadamente eurocntrica. Nesse sentido, literatura ou escrita afro-brasileirasero utilizados para se referir a textos literrios que articulam vozes em torno da condio social do negro no Brasil,como tambm de matrizes culturais africanas e afro-diaspricas neste territrio retrabalhadas.

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    indagando a ausncia/presena da literatura afro-brasileira nos livros didticos, com ointuito de pensar uma nova concepo metodolgica para o ensino de literatura nessesegmento educacional4.

    No artigo Racismo em livros didticos brasileiros e seu combate: uma revisoda literatura (2003), Fulvia Rosemberg, Chirley Bazilli e Paulo Vincius Baptista daSilva fazem uma descrio da produo acadmica e ativista brasileira voltada para aanlise de expresses do racismo em livros didticos. O objetivo da reviso feita apreender, nos estudos e pesquisas sobre o tema, o contexto geral de produo; odiscurso racista enunciado nos livros didticos e o combate ao discurso racista nessetipo de material didtico. Alm da contextualizao histrica dos estudos sobre asrelaes entre racismo e produo de material didtico, a reflexo terica acerca dotermo discurso racista se mostra pertinente para o que ser analisado neste artigo.

    Para os autores, o uso da expresso discurso racista implica uma concepoestrutural, ideolgica e simblica de racismo, percebendo-o como uma ideologia qued forma a conflitos de grupos tnico-raciais por disputa poltica, cultural ou material.Apesar de operar tambm por meio de regras individuais, as tenses geradas peloracismo so sempre de ordem coletiva. Essa concepo de racismo evita, portanto,individualizar a prtica racista.

    Tal conceito permite que se explicitem expresses de racismo sem quese necessite atribuir o epteto racista a seus emissores no caso doslivros didticos, autores, ilustradores, editores, educadores,especialistas em avaliao. Com efeito, em alguns momentos, a crticaao racismo produzido e sustentado pelos livros didticos suscitouintensa reao de defesa, especialmente quando a representaocriticada era da lavra de notveis no panteo literatura infanto-juvenilbrasileira. (ROSEMBERG; BAZILLI; SILVA, 2003, PP.128-29)

    Assim, depreender discurso racista nos livros didticos possui o objetivo maiorde repensar metodologicamente a produo de material didtico de literatura, atravsde um encaminhamento que evite fugir de uma discusso crtica das relaes tnico-raciais na sociedade brasileira.

    4 Este artigo est relacionado a um trabalho de pesquisa mais amplo a saber, a tese por mim desenvolvida noPrograma Multidisciplinar de Estudos tnicos e Africanos (CEAO UFBA). Na tese, analiso a seo destinada aoensino da Literatura em nove livros que constam no catlogo de 2006 do Programa Nacional de Livro Didtico para oEnsino Mdio (PNLEM). Por conta do tamanho deste artigo, a anlise se restringir a seis dos nove livros pertencentesao referido catlogo.

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    Com o intuito de realizar a contento o propsito principal deste artigo,restringiremos a anlise a algumas caractersticas terico-metodolgicas dos livros: aconcepo de literatura trabalhada nos livros; a concepo historiogrfica utilizada; apresena de autores afro-brasileiros e a maneira de apresentar a literatura deles; se odiscurso racista ou de branquidade se faz audvel na apresentao de autores,movimentos, textos literrios, ou mesmo, em exerccios, questionrios ou atividadespropostas.

    Dos seis livros da lista (PNLEM/2006) que sistematizam o conhecimentoliterrio a partir da histria da literatura, quatro apresentam uma seo separada,destinada literatura, com captulos referentes a cada um dos Perodos Literrios ecaptulos iniciais que tratam de questes relacionadas linguagem, ao gnero e histria literria (ABAURRE, 2004; AMARAL, 2003; NICOLA, 2004; SARMENTO,2004)5. Os outros dois livros mesclam, com contedos de lngua portuguesa, oscaptulos destinados literatura (CEREJA, 2003; INFANTE, 2004). Todavia, ambos oslivros do segundo conjunto seguem a mesma seqncia temtica de captulos dos doprimeiro conjunto, iniciando o estudo da literatura por questes conceituaisrelacionadas definio do que seja literatura, gneros literrios e histria literria.Devido ao fato de os livros serem s aparentemente distintos, todo o conjunto dessesseis manuais ser abordado como um nico formato de manual, por sinal, o maispopular e rentvel do mercado editorial de didticos para o Ensino Mdio.

    A professora Ivanda Martins, no artigo A literatura no Ensino Mdio(MARTINS, I. IN: BUZEN, C.; MENDONA, M., 2006, pp. 83- 102.), ressalta que aperspectiva tradicional da escolarizao geralmente concebe literatura como belasletras ou como conjunto de textos sublimes pelo arranjo lingstico, passvel, portanto,de ser admirado. Tal concepo reduz a dimenso histrica da arte literria, alm depromover a elitizao da literatura, j que a descola das contradies scio-polticas emque foi produzida. Dentro dessa abordagem, importa mais reconhecer o escritor comognio da linguagem do que como produtor de um texto capaz de revelar, entre outrasquestes, conflitos da realidade.

    Como ser demonstrado a seguir, o modelo de estudo da literatura baseado nahistria literria possui relao direta com o banimento da produo literria de5 Muitos dos livros que fazem parte do corpus desta tese possuem mais de um autor. A ttulo de simplificao doprocesso de identificao de cada ttulo, os livros com mais de um autor foram reduzidos a um s. Na refernciabibliogrfica completa, constam todos os autores de cada livro.

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    escritores afro-brasileiros, na medida em que uma concepo terica nacionalizante oprincipal fundamento da seleo de autores, das obras e dos textos literrios presentesnos livros didticos.

    No captulo Periodizao das literaturas portuguesa e brasileira do livro deNICOLA, os autores justificam, a partir da demonstrao do objeto da histria daliteratura, a opo de conceber literatura como belas letras, articulando a sublimidadelingstica com a descrio do contexto social. O fragmento abaixo elucida oposicionamento elitista dos autores do manual, quando, aps citarem o historiadorliterrio Jos Verssimo6, expem o posicionamento terico do livro ao apresentar aLiteratura Brasileira aos alunos: Cumpre ao historiador da literatura destacar essesmovimentos srios e conseqentes, relacionando-os a determinado momento histrico,ou seja, a um momento econmico, poltico e social. (NICOLA, 2004, 352).

    Dando continuidade argumentao, torna-se importante observar como osautores do mesmo livro didtico justificam, para os profissionais da educao, a opopela periodizao literria tradicional. No livro do professor, o ensino de literatura assim discutido:

    como entender o texto como produto de uma histria social e culturale como entender as especificidades dos textos de cada poca semconhecer a poca, o momento histrico, os componentes sociais que ogeraram?Por outro lado, inadmissvel imaginarmos um aluno egresso doEnsino Mdio que no tenha um conceito formulado sobre oRenascimento, o Barroco, o Romantismo, etc.; que no tenha noo dosignificado do processo de ruptura, no campo das idias e das artes (jque so indissociveis), que esses movimentospromoveram.(NICOLA, 2004, livro do professor, p. 16)

    Na defesa de um ensino literrio baseado na apresentao cronolgica doschamados Estilos de poca, se o questionamento inicial relaciona literatura histriasocial e cultural da qual toda produo literria faz parte, ao reduzir o contexto socialaos perodos literrios, os autores chegam ao extremo de compreenderem os perodosestticos como importantes por eles prprios, ou melhor, como um contedo escolarlegtimo e legitimado pelo meio social, enquanto mera erudio. Da provm ainadmissibilidade de um aluno terminar o Ensino Mdio sem ter conceitos formulados6 A afirmao de Jos Verssimo que consta na obra de NICOLA, retirada provavelmente (infelizmente o livro noindica a fonte) de Histria da Literatura Brasileira, diz Obras e no livros, movimentos e manifestaes literrias sriase conseqentes, e no modas e rodas literrias so, a meu ver, o imediato objeto da histria da literatura.

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    sobre cada um desses estilos. A impresso transmitida a de que, se no houvessetexto literrio, ainda assim haveria motivo para se estudar Renascimento, Barroco,Romantismo nas aulas de Literatura. Apesar de popular e rentvel, tal perspectiva deabordagem no s diminui o contato do aluno com o texto literrio como tambmtorna superficial a historicidade da literatura, j que a resume a uma continuidadetemporal por sob a qual determinados autores e textos da Literatura Brasileira sedispem.

    Nesse contexto terico-metodolgico, todos os seis livros acabam por minimizara escrita literria de grupos tnico-raciais subalternizados, dentre eles o afro-brasileiro.Opta-se, portanto, por fazer referncia a culturas brasileiras de matrizes africanasatravs de textos representativos de uma viso do negro como objeto, personagemgeralmente passivo e construdo a partir de esteretipos negativos. Nesse sentido, onegro est presente nos livros, a partir de fragmentos de poemas de Jorge de Lima, deO navio negreiro de Castro Alves, do romance Macunama o heri sem nenhumcarter de Mrio de Andrade, de Os Sertes de Euclides da Cunha, entre tantos outrostextos que concebem, desde fora, uma realidade (literria ou ficcional) para o negro.Algumas aberraes so construdas nesse percurso.

    No livro de NICOLA, por exemplo, essa viso est inscrita em uma francavalorizao de uma mestiagem harmnica na sociedade brasileira, diluidora de todoconflito tnico-racial que, porventura, possa ter tomado fora no processo histricobrasileiro. No captulo O Romantismo a prosa em Portugal e no Brasil, a temtica aser trabalhada introduzida a partir da relao intertextual existente entre umfragmento de O guarani, de Jos de Alencar, e um fragmento de Macunama, de Mriode Andrade. Na ltima questo sobre ambos os textos, os autores do livro induzem aresposta do aluno, ao construrem o seguinte enunciado: Mrio de Andrade misturaos mais diferentes traos culturais que influenciaram o homem brasileiro. Na frasenuma pajelana Rei Nag..., temos um exemplo de qual tipo de mistura? (NICOLA,2004, p. 402)

    Inmeras imprecises conceituais perpassam pela pergunta aparentementepensada a partir de um olhar voltado para a diversidade tnico-racial. Antes de maisnada, a presena do negro e do indgena na sociedade brasileira reduzida influnciade traos culturais para a formao do homem brasileiro, concebido de maneira noproblematizadora, como mestio por excelncia. Reduzem-se relaes tnico-raciais

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    marcadas pelo conflito a um harmnico encontro de traos culturais distintos, pormcomplementares. Simplifica-se tambm a presena de culturas e conhecimentos dematrizes no-europias, mas principalmente h a opo por no problematizar arepresentao negativa de indgenas e negros construda no romance de Mrio deAndrade, tendo em vista que a mestiagem legitimada como o trao do brasileirotpico.

    A referncia a escritores que, de fato, produziram textos literrioscomprometidos com a condio social subalterna do negro no pas acaba por serescassa, restringindo-se, em todos os 6 livros abordados neste artigo, a trs autores Machado de Assis, Cruz e Sousa e Lima Barreto.

    Em linhas gerais, percebe-se que a produo literria de Machado de Assis noaparece relacionada condio poltico-social de um escritor afro-brasileiro nos livrosdidticos que optam pelo formato tradicional da periodizao literria. No mximo,promove-se o enaltecimento da trajetria de mulato ou mestio do escritor que,embora tenha passado por infncia pobre, conseguiu insero em uma sociedadeescravocrata, devido genialidade e universalidade de sua obra.

    A abordagem do autor nos livros varia entre uma descrio unicamente dosromances, divididos em fase romntica e fase realista, sem fazer referncia a elementosbiogrficos ou abordar textos de outros gneros, como crnica e poesia ou, seguindodistinto formato, atravs da descrio biogrfica, conjugando vida e obra. Em ambos oscasos, a produo de Machado que faz referncia a relaes tnico-raciais ou condio do negro no Brasil do sculo XIX ignorada em todos os livros. Osfragmentos abaixo, retirados dos livros didticos, demonstram uma tentativa deamenizar a questo racial na apresentao do escritor considerado um dos melhores,seno o melhor, entre os cannicos:

    Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839, no Morro doLivramento, Rio de Janeiro, e faleceu, tambm no Rio, em 1908, aos 69anos. Filho de um pintor e de uma lavadeira, ambos muito pobres,ficou rfo muito cedo.Mulato, tmido, gago e epiltico, conseguiu, no entanto, sobreviver,fazendo carreira como funcionrio pblico e escritor. (...)Aos 30 anos, casou-se com Carolina Xavier de Novais e desde entofez carreira burocrtica, na qual ascendeu e permaneceu at a morte.Foi um dos fundadores e presidente da Academia Brasileira de Letras;ao longo de mais de 50 anos de vida literria colaborou em inmerosjornais e revistas. (AMARAL, 2003, p. 180)

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    A carreira de Machado como escritor divide-se em duas fases,determinadas a partir da natureza dos romances que criou. Aprimeira fase, iniciada com a publicao de Ressurreio (1872), (...),nos mostra um autor cuja genialidade comea a aparecer. Todas essasobras, apesar de marcadas por traos inequivocamente romnticos,traduzem a preocupao do escritor com a ascenso social, que tinha,para ele, grande importncia, pois envolve a questo de sua origem edo status conquistado na maturidade. (ABAURRE, 2004, p. 89)

    Como se v, a tnica dos textos de apresentao do autor passa por certaperseguio da ascenso social, seja pela carreira burocrtica, seja pelo casamento comuma portuguesa, seja mesmo pela busca de notoriedade pblica, atravs da atividadede escritor. A trajetria do mestio pobre que ascende socialmente funciona como umdiscurso ideolgico, na medida em que no lida com as tenses tnico-raciais com asquais o escritor de fins do sculo XIX precisou lidar para conseguir o prestgio social.

    Formas alvas, brancas e claras; Em seu vocabulrio potico predominam, demodo obsessivo, termos associados cor branca; considerado o maior representantedo movimento no pas ; Essa estrofe, alm de enfatizar a temtica sexual nos remetea algumas outras caractersticas do poeta, como a obsesso pela cor branca e por tudoaquilo que sugere a brancura, Filho de ex-escravos e sentindo na pele o estigma dopreconceito racial, Cruz e Sousa transformou em poesia seus dramas e angstias7. Osfragmentos retirados dos livros didticos em anlise demonstram o quanto aambigidade em relao ao tratamento da questo racial na obra de Cruz e Sousatorna-se, no mnimo, problemtica frente ao conhecimento da produo potica doescritor catarinense.

    Se por um lado, alguns autores enfatizam uma obsesso pela brancura,simplificando deveras a questo tnico-racial na trajetria do poeta, vista somentecomo uma espcie de recalque da condio afro-descendente do autor; por outro lado,quando se faz meno discriminao racial e social, atravs de uma ou no mximoduas frases, no so selecionados textos literrios cujos temas se relacionem sexperincias vividas por um descendente de africano letrado no perodo pr e ps-abolio.

    Duas tendncias bsicas so notadas na apresentao do poeta Cruz e Sousados livros didticos: uma de obliterar ou menosprezar a problemtica tnico-racial da7 Em seqncia consecutiva, os dois primeiros fragmentos foram retirados de ABAURRE, (2004), p. 105;o terceirofragmento consta em AMARAL, (2003), p. 205; o quarto aparece em NICOLA, (2004), p. 439 ; o ltimo foi retirado deSARMENTO, (2004), p. 116.

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    biografia e da descrio da obra literria do autor e outra de fazer referncia questotnico-racial na trajetria biogrfica do escritor, nesse caso, suas poesias so vistascomo frutos dos dramas e angstias vividos pelo poeta. No livro de Emlia Amaral, porexemplo, dessa forma o poeta apresentado.

    Conhecido como o Cisne Negro de nosso Simbolismo, seu arcanjorebelde, seu esteta sofredor, seu divino mestre procurou na artea transfigurao da dor de viver e de enfrentar os duros problemasdecorrentes da discriminao racial e social.[...]Com o passar do tempo, foi considerado como grande mestre denosso Simbolismo, pela dimenso csmica de sua obra, pela presenanela dos pobres e deserdados, pela grandeza da viso transcendentalcom que procura poeticamente redimir as limitaes da condiohumana, transfigurando para uma dimenso metafsica a Dor, aMorte, o Mistrio, o Inferno e o Infinito, alguns dos grandes temas aosquais se dedicou. (AMARAL, 2003, p. 206)

    Aps essa apresentao, so transcritas quatro estrofes do poema Violes quechoram (do livro Faris), bastante explorado em livros didticos, sobretudo pelofato de enfatizar a musicalidade vista como prpria da obra de Cruz e Sousa, elementotomado como uma das principais caractersticas da poesia simbolista. Dessa forma, opoeta catarinense, apesar de ter sido considerado, segundo o livro, o grande mestre doSimbolismo, merece somente um fragmento de um poema, postura didtico-crtica queno traduz a diversidade de temticas anteriormente apresentadas pelo livro.

    Acerca do grupo de livros que ignora ou menospreza a questo tnico-racial, huma nfase em aspectos formais da obra de Cruz e Sousa (vocabulrio, musicalidade,fora das imagens, dos smbolos), como se a produo potica do autor fossedistanciada da experincia de ser um descendente de africano vivendo em umasociedade preconceituosa e discriminadora. Dentro dessa tendncia, o livro Portugusde olho no mundo do trabalho se destaca, pois, na apresentao da obra do poeta,torna-se explcito um discurso racista que parece estar implcito em todos os manuaisde literatura analisados: a questo de a textualidade negra como resistncia frente discriminao racial no ser vista de maneira positiva pelos autores de didticos. Dessaforma, o comentrio obra literria de Sousa torna-se revelador da tendncia derejeitar a exposio do conflito racial na apresentao da Literatura Brasileira para oEnsino Mdio:

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    Sua obra apresenta uma evoluo importante, uma vez que abandonao subjetivismo e a angstia iniciais em nome de posies maisuniversalizantes. De fato, sua produo inicial fala da dor e dosofrimento do homem negro (evidentes colocaes pessoais), masevolui para o sofrimento e a angstia do ser humano. (NICOLA, 2004,P. 439)

    No fragmento, o substantivo evoluo e o verbo evolui denotam aconcepo evolucionista de julgamento dos autores, que lem a obra do poetacatarinense como em um crescendo, em termos de melhoria esttica baseada naperfeio ideal do universalismo8 do ser humano (branco), o qual contraposto aoparticularismo do sofrimento prprio ao ser humano (negro). O incmodo torna-seexplcito e acaba por revelar quo necessria se torna a anlise de como as relaestnico-raciais no Brasil so concebidas na apresentao da Literatura Brasileira emlivros didticos para o Ensino Mdio.

    Dessa forma, a obra de Sousa tem sido apresentada fora de umacontextualizao do processo de produo e de recepo literria de fins do sculo XIXno Brasil. Segundo o poeta e crtico Luiz Silva (Cuti), o parco pblico leitor da pocaera educado para banir de seu imaginrio a humanidade de negros e mulatos(SILVA, 2005, p..221), por isso o escritor no branco precisava lidar com as contradiesde construir o prprio discurso a partir de um outro lcus. Esse processo demarginalizao acontecia porque o conceito biolgico de raa era dominante noperodo, concepo cuja premissa bsica inferiorizava o escritor afro-descendente comouma espcie de aberrao diante da lgica logocntrica de superioridade branco-europia. Dentro dessa concepo, portanto, a questionvel obsesso pela cor brancaem Sousa ganha diferentes significados, propiciando outras leituras, para alm daespcie de latncia do desejo de embranquecer. Alis, o fundamento terico da prosapotica O emparedado questionava uma cincia desptica de fins do sculo XIX, quehierarquizava raas e povos. O fragmento a seguir demonstra a parede da cincia dapoca fechando o caminho do Dante Negro:

    8 Interessante que o chamado universalismo enfatizado, na maioria dos livros didticos, como critrio dequalificao das obras literrias. Como esse termo naturalizado nas anlises crticas dos livros didticos, nomerecendo explicaes acerca do que vem a ser universal, cabe a investigao rigorosa dos aspectos semnticos eideolgicos que envolvem o uso dessa palavra, questionando se esse universalismo no seria, na verdade,condicionado por valores muito particulares propagados pela concepo de narrativa de nao brasileira una e coesa.

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    Se caminhares para a direita baters e esbarrars, ansioso, aflito, numaparede horrendamente incomensurvel de Egosmos e Preconceitos!Se caminhares para a esquerda, outra parede, de Cincias e Crticas,mais alta do que a primeira, te mergulhar profundamente noespanto! Se caminhares para a frente, ainda nova parede, feita deDespeitos e Impotncias, tremenda, de granito, broncamente seelevar ao alto! Se caminhares, enfim, para trs, ah! ainda, umaderradeira parede, fechando tudo, fechando tudo - horrvel - paredede Imbecilidade e Ignorncia, te deixar num frio espasmo de terrorabsoluto...

    Na verdade, em meio a um Brasil culto que concebia como verdadeinquestionvel a degenerescncia da populao de origem africana, o poeta afro-descendente Cruz e Sousa produz uma obra potica que se erige contra essa mximacientfica violentamente opressora.

    Produtor de um projeto literrio radicalmente diferente de Sousa, o fim dosculo XIX tambm o contexto poltico social no qual estava inserido outro escritorafro-brasileiro canonizado como clssico nos livros didticos de literatura para oEnsino Mdio o carioca Afonso Henriques de Lima Barreto.

    Todos os seis livros analisados caracterizam a literatura de Lima como militanteou engajada, na medida em que vista como comprometida com os pobres e negrosdos subrbios da cidade do Rio de Janeiro, atravs da denncia de discriminaesracial e social. Alm disso, tambm enfatizada a linguagem, para a poca, fora demoda do escritor, que escolheu rejeitar todo diletantismo literrio, optando pelalinguagem simples das ruas.

    Todavia, apesar da aparente considerao da questo tnico-racial, o discursoracista aparece a partir da excluso de textos que abordem diretamente a relaodesigual entre brancos e negros na sociedade brasileira. Dessa forma, privilegiada,nos seis livros didticos, a abordagem de fragmentos do romance Triste fim dePolicarpo Quaresma, no intuito de enfatizar a loucura patritica do protagonista. Porsob tal escolha, (re)aparece, como latente a toda tradio literria que circula no EnsinoMdio, a perspectiva nacionalizante e excludente. O fragmento abaixo demonstra comoa maneira de apresentar Lima Barreto est em desacordo com a escolha da leitura deum nico romance para representar a mltipla produo literria do autor:

    Lima Barreto (1881-1922) foi um dos poucos escritores em nossaliteratura que combateram o preconceito racial e a discriminaosocial do negro e do mulato. Essa abordagem est presente, por

  • 389 Afrobetizar: Uma Anlise Das Relaes tnico-Aciais EmLivros Didticos De Literatura

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    exemplo, nos romances Clara dos Anjos, Vida e Morte de M. J.Gonzaga de S e no quase autobiogrfico Recordaes do escrivoIsaas Caminha. Escreveu ainda um curioso romance, inacabado,resultado de suas observaes e reflexes nas duas vezes em queesteve num hospcio, por alcoolismo: Cemitrio dos vivos. (CEREJA,2003, p. 350)

    A discusso de romances de Lima que lidam com a representao do negro,presente no 2. fragmento, indica no s uma viso enciclopdica do estudo literrio,dentro da qual a literatura apresentada, porm no experimentada pelo educando,atravs da leitura, mas tambm demonstra o silenciamento da escrita literria afro-brasileira, pois h descrio dela, porm no so selecionados textos literrios, para queo aluno perceba, na prtica da leitura, como a discriminao racial foi representadaficcionalmente por esse escritor de fins do sculo XIX e incio do sculo XX.

    Conforme buscou-se demonstrar no decorrer da anlise desse grupo de 6 livrosdidticos que organizam o conhecimento literrio a partir da periodizao literria, odiscurso racista raramente aparece de maneira explcita e no est presente somentenos textos dos autores dos livros didticos, mas tambm em concepes tericas quecondicionam a escolha de escritores e obras a serem abordadas ou silenciadas noslivros didticos.

    Do n terico-metodolgico produzido pela apresentao da LiteraturaBrasileira em didticos, provm a necessidade de se afrobetizar a excludente tradioliterria brasileira sistematizada em livros didticos do Ensino Mdio. A minhapreocupao especfica compreender por que, apesar da vasta produo e daindiscutvel importncia artstico-cultural, a escrita literria produzida por afro-brasileiros tem sido sistematicamente ignorada nos programas curriculares brasileirose, conseqentemente, nos livros didticos e nas salas de aula. Se essa ausncia regraatualmente, imps-se, mapear esse monstruoso silncio, com o intuito de se criar umaoutra perspectiva de historicidade de escritores e obras, mais prxima das discussesidentitrias contemporneas, as quais sugerem correes ao sistema derepresentao e valor institudos, alm de recusarem, em estudos literrios, a propostade um cnone nico e universal.

    REFERNCIASABAURRE, Maria Luiza et. al. Portugus: lngua, literatura, produo de texto. SoPaulo: Moderna, 2004. (volume nico)

  • Fabiana Lima 390

    IInntteerrddiisscciipplliinnaarr Ano 5, v. 10, jan-jun de 2010 ISSN 1980-8879 | p. 377-390

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