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Agora que falamos de História e Historiografia é importante termos em mente que quando somos apresentados a um texto que possui uma abordagem histórica, somos apresentados também a uma abordagem historiográfica. Para entender a Idade Média, nos deparamos com uma série de autores que reúne vários documentos históricos, principalmente documentos da igreja cristã, poesias, crônicas, contos, fábulas, e trabalham com estas fontes a partir de um ponto de vista teórico e metodológico. Por trás da narrativa de Jacques Le Goff, por exemplo, existe a elaboração de um pensamento que envolve a concepção do que é a história. Para tanto, logo no início de algumas de suas obras o historiador oferece estes dados e indica os caminhos que serão percorridos em sua obra. A Revolução Feudal Desde o início da Idade Média a Europa Ocidental caminhou para a enfeudalização. Como vimos, o feudo 1 , esta unidade administrativa que funciona de forma autônoma, atingiu o seu auge entre os séculos IX e X, devido a descentralização política e centralização religiosa. Economicamente o feudo estava centrado na produção agrária, o pouco da produção artesanal ficava localizado nos senhorios, porém, ao contrário do que pensam alguns historiadores, as atividades comerciais não ficaram estagnadas. Ao contrário, durante todo período em que se desenvolveram as relações feudais a economia agrária não era exclusiva, pois o comércio, mesmo que de forma irregular e variável se manteve. O principal componente econômico do feudalismo era a interligação entre servos e o senhorio. Os senhorios, ou domínios senhoriais, estavam divididos em três partes: A reserva senhorial, o manso servil e as terras comunais. Os valores que mantinham os servos na terra e faziam deles trabalhadores, de acordo com Georges Duby, estavam baseados nas relações de solidariedade, e nas obrigações morais. Assim, neste contexto sócio- econômico nasce a idéia da

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Agora que falamos de História e Historiografia é importante termos em mente que quando somos apresentados a um texto que possui uma abordagem histórica, somos apresentados também a uma abordagem historiográfica. Para entender a Idade Média, nos deparamos com uma série de autores que reúne vários documentos históricos, principalmente documentos da igreja cristã, poesias, crônicas, contos, fábulas, e trabalham com estas fontes a partir de um ponto de vista teórico e metodológico. Por trás da narrativa de Jacques Le Goff, por exemplo, existe a elaboração de um pensamento que envolve a concepção do que é a história. Para tanto, logo no início de algumas de suas obras o historiador oferece estes dados e indica os caminhos que serão percorridos em sua obra.

A Revolução Feudal

 

Desde o início da Idade Média a Europa Ocidental caminhou para a enfeudalização. Como vimos, o feudo1 , esta unidade administrativa que funciona de forma autônoma, atingiu o seu auge entre os séculos IX e X, devido a descentralização política e centralização religiosa. Economicamente o feudo estava centrado na produção agrária, o pouco da produção artesanal ficava localizado nos senhorios, porém, ao contrário do que pensam alguns historiadores, as atividades comerciais não ficaram estagnadas.

Ao contrário, durante todo período em que se desenvolveram as relações feudais a economia agrária não era exclusiva, pois o comércio, mesmo que de forma irregular e variável se manteve. O principal componente econômico do feudalismo era a interligação entre servos e o senhorio. Os senhorios, ou domínios senhoriais, estavam divididos em três partes: A reserva senhorial, o manso servil e as terras comunais. Os valores que mantinham os servos na terra e faziam deles trabalhadores, de acordo com Georges Duby, estavam baseados nas relações de solidariedade, e nas obrigações morais.

Assim, neste contexto sócio- econômico nasce a idéia da sociedade tripartida, em que clérigos, senhores e servos vivem em harmonia para manter a coesão social e divina.

Para Refletir

Mas você consegue indicar quais foram os fatores que contribuíram para a crise do sistema feudal? E mais, de que forma o surgimento das cidades contribuem com a transição da Idade Média para a Modernidade?

A historiografia aponta caminhos para podermos entender esta questão, porém, é um consenso entre os historiadores medievais o fato da existência de uma “revolução feudal”.

O feudalismo, por muitos autores, foi entendido como um sistema de relações de produção baseado na exploração do trabalho servil. Dentro da historiografia marxista clássica, é concebido como uma fase intermediária do desenvolvimento destas forças produtivas e das relações de produção numa dinâmica evolutiva. Neste sentido, o caráter evolutivo e intermediário se relaciona ao fato do feudalismo funcionar como uma fase

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intercalada entre a sociedade baseada na exploração escravista e a sociedade baseada na exploração da mais valia1:

 

Desse ponto de vista o feudalismo deve ser concebido simultaneamente como um modo de produção, ligado ao desenvolvimento de certas forças produtivas, e como um sistema de relações de produção que caracterizam essa fase. É evidente que, de um ponto de vista tão amplo, a definição deste conceito nem sempre é fácil...(Bonassie, 1985, P. 86)

O desenvolvimento da urbanização, a diversificação do trabalho e as mudanças sociais com o surgimento de uma nova classe social, são fatores que, de acordo com esta visão, antecipam o conhecimento sobre o desenvolvimento das relações capitalistas, que conduzem à dissolução da sociedade feudal.  Enquanto uma revolução o feudalismo sobrepôs à sociedade romana baseada na escravidão, mas tal processo histórico não cessa, na medida em que a sociedade feudal também caminha rumo ao desenvolvimento das relações de capital. Tal concepção levou Karl Marx, entender que o fim do feudalismo ocorre através de uma ação revolucionária, em que a burguesia toma o lugar da aristocracia, em um lento processo de acumulação primitiva de capital.

Charles Parain, define que o sistema econômico feudal se desenvolve de acordo com leis históricas do desenvolvimento, cuja formação é o resultado de adaptações espontâneas, inconscientes, diante das novas necessidades, todas elas da mesma natureza e com um fim semelhante, mas com ritmos e formas bastante distintas. (Parain, 1970, p. 19) Assim, mesmo de forma inconsciente, toda a transformação ocorrida nas estruturas que balizavam a sociedade escravista, ocorre devido à existência de um plano maior que possui uma finalidade, leis, materializadas pela própria condição humana que reproduz diversos tipos de relações de trabalho. A condição material é determinante para o desenvolvimento deste processo que culmina com a substituição de uma sociedade pela outra.

 

Segue o autor em definir o caráter fundamental da sociedade feudal, cuja base é formada pelas relações de produção. Neste sentido a propriedade do senhor sobre a terra e sobre o camponês, gera um sistema, ou modo de produção diferente do escravista, pois o senhor

divide sua terra em grandes partes, que serão exploradas pelas mãos servis. Seguindo esta idéia o feudo torna-se a base material em que se constituirão as relações sociais.

Pierre Villar (1988), ao trabalhar a questão da transição do feudalismo para o capitalismo, entende que a concepção de que o modo de produção feudal, a terra e as relações de dependência entre os indivíduos preparam a destruição do feudalismo. E de que forma? Com as trocas monetárias, a diversificação das classes sociais, os impostos do Estado que competem diretamente com os tributos locais, são elementos que constituem a desagregação do regime feudal. Tudo isso, ocorre através da ação revolucionária da burguesia, que modifica as estruturas políticas, sociais e econômicas do sistema e provoca a instalação do capitalismo.

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Para o autor, durante o feudalismo, manteve-se uma realidade econômica “fechada”, ou seja, naturalmente o regime processou uma economia baseada apenas na agricultura. Ele até informa sobre a existência de alguns lampejos de produção industrial, limitadas sobre uma forma artesanal e corporativa, que por não separar os meios de produção e o produtor, não pode ser considerada como capitalista.

O caráter coletivo do modo de vida urbano, do modo de vida dos mercadores, serve como fator decisivo para não se confundir com as estruturas de uma sociedade burguesa. Somente a partir do século XI é que se generalizou o grande comércio, combinado com o crescimento demográfico  e da produção local. O primeiro passo que deu origem à oposição cidade e campo ocorre com a substituição das oficinas confiadas aos servos no manso senhorial pelas oficinas urbanas. Pouco a pouco as cidades foram se desvinculando do sistema feudal e adquirindo autonomia, e no seu interior nobres, mercadores, corporações artesanais, passam a disputar o poder municipal. Tal processo acarretou a falência do sistema feudal. 

 

Afirma Bonassie, que esta visão evolutiva e globalizante esteve presente até mesmo na obra de Marc Bloch, que analisou as relações existentes entre as classes sociais. Neste sentido, pode-se afirmar que o feudalismo foi um regime social baseado no confisco do trabalho camponês garantindo a sua redistribuição no seio da classe dominante, por meio de um sistema mais ou menos complexo de redes de dependência.

Web Aula 2

Título: Mercadores e Banqueiros na Idade Média

1 Apresentação:

 

Olá sou a professora Taíse. Agora que estudamos a historiografia que aborda o tema da revolução feudal, entendemos que para uma análise histórica é necessário o desenvolvimento de teorias e metodologias próprias para a análise dos documentos históricos, vamos trabalhar um pouco mais o contexto da cidade medieval. Vimos que existe um consenso entre os historiadores que admitem a idéia de que o desenvolvimento das cidades e suas atividades contribuíram com a crise da sociedade feudal. Nesta aula vamos perceber como que o medievalista Marc Bloch aponta os caminhos para a compreensão de que as relações sociais existentes nas cidades acabaram por ficar cada vez mais complexas e uma rede de poderes também se desenvolveu em função nas novas atribuições que serão dadas aos indivíduos citadinos. 

Outra questão que abordaremos nesta aula será a posição social dos comerciantes, conhecidos como burgueses neste período. De que forma estes indivíduos serão incorporados socialmente nos esquemas da igreja cristã. Se nos lembrarmos das aulas anteriores, verificamos que a partir do ano 1000 foi difundido na Idade Média um esquema funcional que indicava as funções sociais de cada um de seus membros: Os que oravam, os que guerreavam e os que trabalhavam. Assim, esta classificação se

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incorporou ao meio social através da idéia de que cada devia realizar suas funções de acordo com a vontade divina, e desta forma, garantia-se a harmonia do corpo social.

Questão para reflexão:

Leia o fragmento abaixo e responda:

 

Sabe-se que um momento crítico da história do esquema tripartido numa sociedade é aquele em que surge uma nova classe que não tem lugar neste esquema (...) O fato capital é que na segunda metade do século XII e no decurso do século XIII, o esquema tripartido da sociedade... desfaz-se e cede perante um esquema mais complexo e mais flexível que é resultado e reflexo de uma profunda transformação social. (LE GOFF, 1983, p. 15 e 16)

a) Qual é a nova classe social que surge entre o século XI e XII?

b) O que o autor quis dizer com “esquema mais complexo e flexível”?

2 Desenvolvimnto

Veja o que afirma o Historiador Marc Bloch sobre o desenvolvimento dos núcleos urbanos:

(...) a aproximação dos grupos humanos uns dos outros acabou com os espaços vazios. As distâncias que ainda subsistiam tornaram-se, fáceis de transpor. Na verdade, precisamente favorecidos na sua ascensão pelo progresso demográfico, surgiram ou consolidaram-se poderes:  burguesias urbanas, as quais sem o tráfico nada seriam; realezas e principados, também interessados na prosperidade do comércio do qual retiram grossas quantias em dinheiro, por meio dos impostos e das portagens, conscientes, além disso, mais do que no passado, da importância vital que reveste para eles a livre circulação das ordens e das tropas.

E isto não era tudo. A evolução da economia desencadeava uma verdadeira revisão dos valores sociais. Sempre tinha havido artesãos e mercadores. Individualmente, pelo menos estes últimos, tinham mesmo podido, aqui e além, desempenhar um papel importante. Como grupos, nem uns nem outros tinham qualquer importância. A partir do final do século XI, a classe artesã e a classe dos mercadores, que se haviam tornado mais numerosos e muito mais indispensáveis à vida de todos, afirmaram-se cada vez mais vigorosamente no contexto urbano, em especial a classe dos mercadores, pois a economia medieval, desde a grande renovação desses anos decisivos, foi sempre dominada, não pelo produtor, mas pelo comerciante. Não era para estas pessoas que, fundamentada num  regime econômico onde elas apenas ocupavam um lugar medíocre, se tinha constituído a ossatura jurídica da época precedente. As suas exigências práticas e a sua mentalidade deviam naturalmente introduzir nela um fermento novo. Nascida numa sociedade de trama pouco apertada, em que as trocas pouco representavam e o dinheiro era raro, o feudalismo europeu alterou-se profundamente logo que as malhas da rede humana se apertaram e a circulação dos bens e do numerário se tornou mais intensa. (BLOCH, 1987, p.90)

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Para Refletir:

a) Qual é a idéia central do texto?

b) O que acarretou a evolução da economia?

 

Bloch mostra a Idade Média através da história social1  que virtualmente ignora os “grandes homens” ao longo de sua argumentação. No entanto, é importante sublinhar que por mais que se lembre do caráter renovador da obra do historiador francês, parece que o mesmo não se livrou por completo dos pressupostos de tradições anteriores, que eventualmente reapareciam em seu trabalho, mostrando a impossibilidade de um olhar evolucionista e linear para a historiografia. Nesta descrição, temos uma interpretação baseada na evolução da economia que proporcionou o desenvolvimento de novos valores. O crescimento dos artesãos e mercadores e o desenvolvimento de uma organização sistemática, introduziu um elemento novo na Europa, onde a circulação de bens se tornou mais intensa.  (GOMES, 2006, p. 455)

De acordo com Jacques Heers (1965), a importância demasiada conferida pelos historiadores às relações de produção e a transformação destas pelo aperfeiçoamento das técnicas, conduziu a uma visão progressista sobre a Idade Média. De acordo com o autor, a passagem de uma economia rural para uma indústria dominada pelos chefes de empresa não ocorreu simultaneamente em toda Europa. Desde o século XI, muitas localidades distantes do comércio só viram tal transformação muito tempo depois. Porém o estudo do trabalho na Idade Média, requer uma análise sobre as estruturas sociais, das relações entre os homens, e da organização das economias.

 

Não obstante a critica sobre a sociedade feudal como uma sociedade de medíocres relações financeiras, Heers  salienta a existência de industrias domésticas nas senhorias rurais, onde o domínio não apenas produzia gêneros de primeira sobrevivência, mas também desempenhavam atividades pré-industriais que contribuíam com a dinâmica interna do feudo. Neste sentido produziam-se os instrumentos de trabalho dos camponeses, as armadilhas e redes dos caçadores, os tonéis para meter vinho, roupas de couro, peças de sarja, telas de linho. (Heers, op. Cit. p. 58)

As indústrias de que fala Pierre Vilar, com caráter coletivo e que não figura uma atividade capitalista, para Heers, possuem um desenvolvimento que decorre em função da necessidade de produzir no próprio lugar as matérias primas para o trabalho do meio rural. Porém todas as atividades estavam atreladas aos poderes do senhor feudal, que detinha a posse das florestas, dos moinhos e das minas. Mas as atividades comerciais sempre estiveram presentes, mesmo quando determinadas regiões desenvolveram grandes pólos de trocas comerciais, pequenos camponeses artesãos vendiam seus panos. Heers destaca que o desenvolvimento dos mercados urbanos dependiam do controle dos grandes domínios rurais. Senhores feudais cediam “cartas de franquia”1  sobre as cidades para que os comerciantes pudessem realizar o comércio. O comércio, em um primeiro momento, só funcionava sobre a chancela do senhor. Porém, por volta do ano

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1000, muitas cidades foram enriquecidas pelo trânsito de produtos e de metais preciosos, principalmente as localidades italianas, e o interior da Europa, extraíam suas grandes fortunas do trabalho da lã e dos panos que desde cedo estavam reservados aos mercados longínquos. A partir dos anos 1250-1280 tal indústria rica e especializada irradiou para outras localidades, e trocaram um trabalho grosseiro por um mais especializado.

 

O desenvolvimento das cidades italianas teve um impulso significativo devido ao contato com outras civilizações e um comércio intenso. Cita Herrs que a cidade de Pisa se desenvolveu através do trabalho do couro e de peles, juntamente com os ferreiros. Com o desenvolvimento das necessidades de modas, pouco a pouco, desenvolveram outras técnicas.

A Toscana sofreu a mesma evolução, com a apreciação da burguesia pelos tecidos fabricados nestas localidades. 

Neste sentido, para o autor o desenvolvimento das cidades italianas, esteve ligado ao fato de que novas técnicas de produção foram empregadas e do refinamento do gosto da burguesia. A partir de 1300, a indústria da seda provoca a transformação da economia de algumas cidades italianas, pois se destacou como uma indústria de luxo, que exigia tecelões e tintureiros dotados de grande habilidade.  Tudo isso devido a sobreposição da burguesia Italiana sobre a aristocracia que tentava se manter no poder.

Aliado ao fortalecimento dos centros urbanos e da classe burguesa, a sociedade feudal entra em crise devido a uma série de fatores que contribuem com a sua dissolução. Tal crise nos século XII e XIII, segundo Hilário Franco Jr (1983), atinge todas as estruturas feudais. Primeiro no aspecto econômico, com a extensiva exploração agrícola e a anexação indefinida de novas áreas cultiváveis, causa uma desordem e a retração. O problema demográfico que atinge o crescimento da população devido a propagação de pestes e fome. A crise social e as alterações na composição das camadas sociais obrigaram os senhores a trocarem as obrigações por rendas monetárias. Neste sentido, a sociedade de ordens passou ao estágio de sociedade estamental, que permitia a mobilidade social. Com isso ocorre o fortalecimento da burguesia, agora reconhecida pela igreja, e da dinâmica urbana. A cidade sente menos a crise do que o campo, e os burgueses passam a adquirir terras de nobres arruinados.

Para o autor, a burguesia se torna um elemento dissolvente do feudalismo, pois suas atividades rompiam com o predomínio da agricultura, visualizava um poder centralizado com o consequente apoio da monarquia, Toda a racionalidade burguesa e individualismo se opôs à religiosidade e ao coletivismo feudal. Ocorre uma reconstituição dos poderes públicos, através da centralização da monarquia desde o século XIII, com o enfraquecimento da aristocracia, as monarquias reagrupavam os fragmentos de poder dissolvidos entre a aristocracia. Porém o fortalecimento monárquico esteve aliado ao desenvolvimento da burguesia enquanto uma classe social, e as relações comerciais propostas por ela, angariou o conhecimento de várias culturas, e a conscientização das nacionalidades.

Mercadores e Banqueiros na Idade Média (Por Jacques Le Goff)

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O desenvolvimento das cidades não seria tão grande se os homens da Idade Média não atribuíssem tanta importância às atividades comerciais desenvolvidas neste ambiente.   Segundo o historiador Jacques Le Goff, a Idade Média não conheceu de fato o capitalismo, pois seu sustento econômico e social é o feudalismo, e é no interior deste contexto que agem os mercadores. Mas eles contribuem para fazer explodir esse contexto e arruinar as estruturas feudais.

Para Refletir

a) O que justificou o nascimento do purgatório na visão de Jacques Le Goff?

Mas de que forma os mercadores conseguiram destruir a estrutura do feudalismo?

De acordo com Le Goff, é no ambiente urbano que os mercadores estabelecem seu poder político e sua influência social, porém buscam se assemelhar à nobreza existente. Para o autor entre o mercador e o nobre não houve nenhum antagonismo profundo. Muitos mercadores tornaram-se grandes aristocratas e latifundiários, membros da classe nobre, o que denota a flexibilidade social existente.

Muitos documentos eclesiásticos apontam a condenação daqueles que praticam o comércio. Na teoria, clérigos afirmam que nunca um mercador pode agradar a Deus “é difícil não pecar quando se exerce a profissão de comprar e vender”, dizia o papa São Leão Magno, e Santo Tomáz de Aquino afirmava “o comércio, considerado em si mesmo, tem um certo caráter vergonhoso”. O mercador pertencia à categoria das prostitutas, taberneiros, soldados, açougueiros, etc. Os motivos desta condenação estavam ligados ao desejo de ganho e sede por dinheiro.

Também os banqueiros estavam condenados por praticarem a usura, ou seja, todo negócio que possui o pagamento de juros. Em vários documentos utilizados pela igreja, principalmente os retirados das escrituras, condenam a ação da usura. Deuteronômio, Levítico, são textos que possuem argumentações sobre o pecado da usura.

 

Porém na prática existe uma distância entre a doutrina da igreja e as ações desenvolvidas no seio da sociedade medieval. Em muitos casos, a pedido dos papas, reis interferem e protegem as cidades a fim de abrigar as mercadorias confiscadas. Muitos mercadores foram considerados bons cristãos, e do século XI em diante os laços entre mercadores e a igreja tenderam a aumentar. Sanções foram abertas, tratados foram escritos, mas na maioria das vezes a igreja fechou os olhos para a usura cometida pelos mercadores e banqueiros.

Com a evolução da doutrina da igreja cristã, mercadores e banqueiros ganharam o direito à cidadania, devido à importância das atividades prestadas de um modo geral pelos burgueses. Houve uma profunda mudança na mentalidade e o mercador tornou-se um cidadão cristão. E mais tarde, entre os séculos XIII e XIV, a idéia de “utilidade comum” foi aplicada à atividade dos mercadores ligando essa idéia à de trabalho. Assim afirma um clérigo da época: “Os mercadores trabalham para o benefício de todos e fazem obra de utilidade pública trazendo e levando as mercadorias das feiras.” Entre no link abaixo para ter mais detalhes sobre os comerciantes da Idade Média:

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Nesta aula analisamos vários aspectos da sociedade feudal, no que tange os aspectos econômicos. Trabalhamos o conceito de Revolução feudal, incorporada pela historiografia que tendeu a visualizar o feudalismo como uma etapa, um estágio em que se desenvolveram determinadas forças produtivas na base e estruturas que legitimam o sistema feudal.

A cidade foi entendida como um fator do desenvolvimento do feudalismo, e as relações de produção desenvolvidas neste ambiente foram decisivos para a transformação das estruturas feudais conduzindo a sociedade ao desenvolvimento de novas forças produtivas. Tais forças definiram o processo de transformação da sociedade feudal para a sociedade capitalista. Quais seriam os fatores que conduzem a esta transformação?  

 

Domínio senhorial; A realização de atividades comerciais que se disseminaram por toda a Europa conduzindo desta forma à substituição de um sistema por outro. Novas relações de trabalho, baseadas na troca das obrigações servis por relações comerciais. O desenvolvimento na Itália de um forte centro urbano comercial que configurou uma nova roupagem ao sistema feudal, com indústrias de tecidos que distribuíam para o restante da Europa e do mundo, produtos extremamente caros, luxuosos e ostensivos.

Todos estes fatores conduziram nesta visão ao fortalecimento do Estado Nacional e suas monarquias centralizadas, que puderam substituir o sistema feudal pelo capitalista. Novas relações de produção baseados no regime da mercadoria e da exploração da mais valia. Novas estruturas que sedimentam o sentimento nacional. Tudo isso nasce em função da crise geral que abate o feudalismo e provoca a sua dissolução.

Perry Anderson (1984) ao refletir sobre a emergência do Estado Absolutista, através de uma análise sobre a natureza social do absolutismo, entende que muito mais do que uma revolução, como pretendiam Marx e Engels, a passagem da Idade Média para a Modernidade, ocorre por profundas mudanças nas relações servis e um nivelamento das classes sociais dominantes. Ao contrário do que pensava Marx, que a passagem de uma época para outra foi demarcada principalmente pela substituição de uma classe sobre a outra, Anderson denota o equilíbrio entre a nobreza e a classe burguesa, a continuidade das relações feudais no campo, na medida em que a “ordem política permaneceu feudal, ao passo que a sociedade se tornava cada vez mais burguesa.” Mas esta já é outra História.