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HISTORIOGRAFIA

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Historiografia

SOMESBSociedade Mantenedora de Educao Superior da Bahia S/C Ltda.

Presidente Vice-Presidente Superintendente Administrativo e Financeiro Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extenso

Gervsio Meneses de Oliveira William Oliveira Samuel Soares Germano Tabacof

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FTC - EaDFaculdade de Tecnologia e Cincias - Ensino a Distncia Coord. de Softwares e Sistemas Coord. de Telecomunicaes e Hardware Coord. de Produo de Material Didtico Diretor Geral Diretor Acadmico Diretor de Tecnologia Diretor Administrativo e Financeiro Gerente Acadmico Gerente de Ensino Gerente de Suporte Tecnolgico Waldeck Ornelas Roberto Frederico Merhy Reinaldo de Oliveira Borba Andr Portnoi Ronaldo Costa Jane Freire Jean Carlo Nerone Romulo Augusto Merhy Osmane Chaves Joo Jacomel

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Reviso Final Carlos Magno Equipe Ana Carolina Alves, Cefas Gomes, Delmara Brito, Ederson Paixo, Fabio Gonalves, Francisco Frana Jnior, Israel Dantas, Lucas do Vale, Marcus Bacelar e Yuri Fontes Editorao Fabio Jos Pereira Gonalves Ilustrao Fabio Jos Pereira Gonalves, Francisco Frana Jnior, Yuri Fontes Imagens Corbis/Image100/Imagemsource

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Sumrio POSITIVISMO, MARXISMO E A REVOLUO DOS ANNALES

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POSITIVISMO E MARXISMO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA ESCRITA DA HISTRIA

A Historiografia no Sculo XIX

A REVOLUO PROPOSTA PELOS ANNALES

HISTRIA NOVA E HISTRIA CULTURALAbertura de Novas Possibilidades de Fontes, Novos Objetos, Novos Problemas, Novas Abordagens O Carter Interdisciplinar da Histria: a Descrio Densa da Antropologia: por uma Interpretao da Cultura

Nova Historia Cultural e a Narrativa Histrica

A NOVA HISTRIA CULTURAL E A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

A Influncia dos Annales para o Historiador Atual

Novos Pressupostos para a Escrita da Histria

A Historiografia no Sculo XX: a Revoluo dos Annales

Consideraes Acerca do Marxismo na Historiografia

Positivismo: um Modelo filosfico e suas Influncias na Escrita da Histria e na Educao

O Historiador e a Chamada Objetividade: Uma Histria sem paixes

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Os Modos de Escrever Histria: alguns Debates Existentes ao 46 Redor da Histria e Narrativa e as Principais TendnciasHistoriografia

OS PRINCIPAIS MARCOS E ATUALIDADE DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

A Historiografia Brasileira no Sculo XIX

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Referncias Bibliogrficas

Glossrio

Atividade Orientada

Historiografia e Livro Didtico: Principais Tendncias e Crticas

Historiadores Brasileiros da Nova Histria Cultural

A Gerao de 30 e a Reinterpretao do Brasil

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Apresentao da DisciplinaAmigo (a) aluno (a), com prazer que iniciamos nossos trabalhos na disciplina Historiografia, cujo objetivo principal expressar a inteligibilidade da histria em sua insero nos contextos nacional e internacional. Consideramos a questo da historiografia e a educao como eixo norteador da disciplina. notria a ampliao da rea de estudos e de trabalho do professor/ historiador no mundo contemporneo, a partir de elementos como novas fontes de pesquisa (eletrnicos e digitais, iconogrficos), novos objetos de estudo (cotidiano, cultura, comportamento), novos campos de atuao (insero em projetos culturais e de preservao do patrimnio artstico). Para tanto, faz-se necessrio formar um docente capaz de levar para a sala de aula tanto as discusses sobre esses novos aspectos que esto sendo estudados pelo historiador atual, como questes ligadas cidadania e tica. Diante dos fatos expostos, faz-se mister a reconstruo do estmulo interdisciplinaridade dos contedos, integrao e interao com outras disciplinas, incentivando, sobretudo, o dilogo construtivo com as demais cincias, como os historiadores do Annales realizaram. Deste perodo, trabalharemos com os modelos de escrita da histria a partir histria tradicional, passando pelo movimento dos Annales durante as dcadas de 30 a 60, at a transio para a Nova Histria nos anos 70 e seus desdobramentos na Nova Histria Cultural tendncia atual. Tomando como ponto de partida o impacto da virada lingstica sobre a historiografia e as discusses acerca do retorno da narrativa, esta disciplina prope, a partir dos textos que se seguem, introduzir os debates em torno das relaes entre Histria e narrativa. Esperamos que o estudo desta disciplina resulte numa renovao do conceito de pesquisa em histria, considerando-a como uma atitude investigativa a ser formada e na perspectiva de um ensino articulado pesquisa, possibilitando novas formas aos elementos curriculares, como a no memorizao dos contedos, e sim a apreenso compreensiva, permitindo ao aluno uma caminhada como sujeito de sua prpria histria. Sucesso nessa nova caminhada!Prof. Sandra Regina Barbosa da Silva

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Historiografia

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POSITIVISMO, MARXISMO E A REVOLUO DOS ANNALESPOSITIVISMO E MARXISMO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA ESCRITA DA HISTRIAO que a historiografia? Podemos defini-la rapidamente como a histria da histria, como a histria vem sendo escrita ao longo dos sculos. Ou seja, nada mais que a histria do discurso um discurso escrito e que se afirma como verdadeiro. O discurso historiogrfico diz respeito s opes tradies interpretativas, opes de correntes tericas, opes de recortes, ngulos, escalas de observao por parte do historiador. Na segunda metade do sculo V a.C. na Grcia Antiga o historiador Herdoto (aproximadamente 485-425 a.C.), tambm conhecido como o pai da Histria fez relatos de uma Histria parecida com o conceito atual. Herdoto fez longas explanaes e descreveu rios, povos exticos e costumes estranhos. Foi expulso, por motivos polticos, de Halicarnasso e viveu por um tempo no Egito e na Mesopotmia. Dizia que a opes (observao) e o ao (o ouvir dizer) so as fontes essenciais, mas no nicas das inquiries historiogrficas. Na Grcia Antiga, os poetas e escultores humanizaram os deuses e levaram para a mitologia um repensar de histrias. Formou-se uma fronteira entre a lenda e o real, o religioso e o profano e, nesse cenrio, observam-se as histrias convertendo-se em Histria. A Grcia foi dominada pelos romanos e com Polbio (208 a.C.?-122 a.C.?) que se estuda a expanso romana de 221 a 146 a.C. num quadro alargado s dimenses mundiais da conquista. A sua histria a ltima obra da historiografia grega e a primeira da historiografia romana que se compraz em narrar tanto as conquistas como as virtudes. As invases germnicas e a cristianizao conjugaram os seus efeitos para encerrar o captulo romano da historiografia. O homem medieval, a partir do sculo XII, mostra as caractersticas de uma historiografia ocidental. aos monges de Saint Dinis que os reis da Frana confiam o encargo de escrever histrias, como as Cruzadas. Durante as Cruzadas, (momento militar), nasce crnica, e nasce da guerra santa. A Igreja confia aos novos clrigos, historiografia do medievo.

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Em pleno sculo XV nasce uma nova historiografia. Os homens da Historiografia Renascena, os humanistas, lanam olhares sobre os historiadores gregos e romanos. A conscincia histrica se afirma. Os filsofos iluministas lanaram as bases da historiografia e o momento da filosofia sobre a Histria. Nesse momento h uma reflexo sobre o objeto da historiografia. A ela cabe descrever de maneira global o percurso da natureza e das sociedades humanas. Podemos analisar o pensamento de David Hume (1711-1776), filsofo e historiador escocs, responsvel pelo fenomenismo, o qual afirma: Histria o lugar onde a imutvel natureza dos homens se cruza com a poeira dos acontecimentos. Vemos a a historiografia das luzes abrindo atalhos para o sculo XIX.

A HISTORIOGRAFIA NO SCULO XIXO pensamento do sculo XIX no foi apenas influenciado por mudanas econmicas e sociais, tambm deve ser compreendido de acordo com o momento em que se encontravam a filosofia e a cincia. No sculo XVIII, Kant havia desenvolvido importantes reflexes sobre as possibilidades e limites da razo. Neste mesmo sculo, diferentes linhas filosficas interpretaram o pensamento kantiano, entre elas encontra-se o Positivismo. No sculo XIX, Comte formaliza as idias positivistas. Quando Comte falou da importncia do conhecimento cientfico no estava apenas defendendo uma orientao epistemolgica, estava apresentando uma maneira de pensar e de realizar as transformaes sociais. O pensamento positivista poderia garantir a organizao racional da sociedade, dizia ele. O pensamento de Comte apresenta as seguintes preocupaes fundamentais: uma filosofia da histria na qual encontram-se as bases de sua filosofia positivista e as trs fases da evoluo do pensamento humano: o teolgico, o metafsico e o positivo. Aps passar pelos trs estgios histricos, no estgio cientfico abandona-se a referncia s causas ltimas, ou seja, s no-observveis. O sculo XIX foi influenciado pela Revoluo Francesa, pelo triunfo da burguesia, pela consolidao dos Estados Nacionais e pela Revoluo Industrial. O liberalismo e a ideologia liberal tentaram justificar a revoluo antimonrquica e pr-burguesia. Como historiadores desta corrente, temos Franois Guizot (1787-1874) e Augusto Thierry (1795-1856), que explicaram os fatos histricos em funo da viso burguesa. Eram formadores de ideais historiogrficos liberais. O filsofo e matemtico francs, Auguste Comte, (1798-1857) criador do Positivismo, v na historiografia a necessidade de dotar a Histria de mtodo cientfico, tcnico e objetivo. Sabemos que a Histria se faz a partir de documentos, e o historiador no deve somente interpret-los, mas analis-los, coloc-los em ordem para melhor compreenso, j que a Histria, em sentido geral, pode ser considerada Cincia em Construo, uma vez que a conquista de seu mtodo cientfico ainda no completa. Na concepo positivista, a histria submetida metodologia das cincias exatas e biolgicas. Das atitudes intelectuais derivadas ou prximas do ideal positivista das cincias sociais, nascem as teorias cientficas do racismo e do preconceito social, como as que conseguem encontrar relaes entre a medida do crnio e a delinqncia de negros e mulatos, ou mesmo de algumas etnias caucasianas. tambm o caso do darwinismo social.

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Ou ento a obra de Alfredo Ellis Jr., em que a superioridade racial do paulista dada pela ausncia do elemento negro nos sculos iniciais e a influncia das variaes climticas do planalto sobre a Raa de Gigantes. Ou ainda, como j foi colocado acima, os determinismos geogrficos que explicam formaes econmicas e sociais inteiras e, principalmente, o carter nacional pelas determinaes do clima e/ ou do relevo. O historiador alemo Leopold Van Ranke (1795-1886) considerado o fundador da historiografia contempornea e do moderno mtodo historiogrfico crtico de pesquisa em Histria. A concepo positivista da histria se assenta em uma teoria que concebe o conhecimento histrico como o reflexo da objetividade dos fatos histricos. Segundo Adam Schaff, 1987 cabe a Leopold Von Ranke e no a Auguste Comte o lugar de figura mais expressiva do Positivismo. Como se sabe, Ranke dizia caber ao historiador no a apreciao do passado, ou a instruo de seus contemporneos, mas apenas, e to somente, dar contas do que realmente se passou (Wie es eigentlich gewesen). A funo do historiador seria a de recuperar os eventos e suas interconexes atravs da documentao e fazerlhes a narrativa. A histria se limitaria a documentos escritos e oficias de eventos polticos. O historiador, para eles, narra fatos realmente acontecidos, tal como eles se passaram.E quais eram estes fatos narrveis? a) os eventos polticos; b) administrativos; c) diplomticos; d) religiosos;

Estes eventos, considerados o centro do processo histrico, dos quais todas as outras atividades eram derivadas, em seu carter factual. O modelo dominante da disciplina histria no sculo XIX, construdo pelo historiador alemo Leopold Von Ranke (1795-1886), privilegiava essencialmente a poltica relacionada ao Estado, enfatizando uma histria narrativa com nfase nos acontecimentos. Von Ranke baseava-se, principalmente, nos documentos diplomticos para fazer a histria do Estado e de suas relaes exteriores. Esta histria cientfica alem, ou seja, o mtodo histrico positivista contava com dois principais seguidores e formuladores-divulgadores, na Frana: Charles Langlois e Charles Seignobos, com seu manual de metodologia da histria, Introduction aux tudes historiques, (Introduo aos Estudos Histricos) datado de 1898. (REIS, 2004). Podemos qualificar como principais traos do positivismo nesse manual: o apego ao documento, o esforo obsessivo em separar o falso do verdadeiro; o medo de se enganar sobre as fontes; o culto do fato histrico (que dado nos documentos) e a falta de interpretao dos fatos histricos. O mtodo de investigao e anlise de fontes, dos historiadores da escola rankeana, (referente a Leopoldo Von Ranke) limitava-se apenas a considerar os documentos como expresso irrefutvel do fato, da realidade. Eles diziam os documentos falam por si mesmos. Os fatos falam por si e o que pensa o historiador a seu respeito irrelevante. Resumidamente, podemos afirmar que o trabalho do historiador seria reconstruir o passado descritivamente, atravs dos documentos, Tal como se passou, o fato passado,

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que uma vez reconstitudo, fala por si, a no se que aparecessem novos documentos que alterassem a sua descrio. A esse historiador no competiria o trabalho de problematizar, de construir hipteses, de reler os fatos, ou seja, Historiografia a interpretao. O materialismo histrico outra corrente da historiografia que surge com o socialismo e se desenvolve com a filosofia de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). No sculo XIX, o proletariado toma conscincia como classe social e os historiadores a interpretaram, colocando-a no centro de seu modelo. A Histria econmica nasce com a economia poltica burguesa, junto ao capitalismo e Revoluo Industrial. Para Karl Marx, a finalidade da Histria no apenas interpretar os fatos, mas transformar a sociedade, j que para ele a Histria a transformao da natureza humana. na sociedade que se faz a histria, com a finalidade de dar respostas a problemas concretos. A Histria deve centrar-se nas anlises dos modos de produo existentes em cada etapa do desenvolvimento. Marx introduz conceitos bsicos, entre eles, o conflito humano ou lutas de classes, que resultante das desigualdades econmicas. O ponto chave das desigualdades a sociedade industrial moderna, juntamente com o modo, a forma ideolgica de manipular as idias para que o povo no perceba o vnculo entre poder econmico e poder poltico e sua influncia na qualidade de vida de todos (alienao poltica e cultural). No h dvida que a ideologia marxista influenciou sobremaneira a historiografia. (REIS, 2004). Sobre o marxismo falaremos mais adiante.

O HISTORIADOR E A CHAMADA OBJETIVIDADE: UMA HISTRIA SEM PAIXESAbordando o tema da objetividade, parcialidade ou no do historiador, ao longo do texto faremos alguns contrapontos com o marxismo. O papel daquele que produz o conhecimento histrico, ou seja, o lugar ocupado pelo historiador na sociedade, torna-se fundamental no momento de sua produo historiogrfica. Com isso, podemos aceitar que o conhecimento histrico apresenta-se de acordo com a perspectiva do historiador, que tambm homem de seu tempo. Recapitulando, os principais traos do Positivismo so:a) apego ao documento b) esforo obsessivo em separar o falso do verdadeiro c) medo de se enganar sobre as fontes d) a falta de interpretao e) o culto do fato histrico que dado bruto nos documentos

Segundo Schaff, o pensamento historiogrfico de Leopold Von Ranke mais apropriado para se pensar o Positivismo no mbito especfico da Histria. Como sabemos, os fatos eram apresentados por esse historiador tradicional, como eles realmente aconteceram, j que este entendia que a Histria objetiva. Os fatos existem objetivamente,

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em si, brutos, e no poderiam ser recortados e construdos, mas, sim, apanhados em sua integridade, para se atingir a sua verdade objetiva, ou seja, eles devero aparecer tais como so. Significa dizer que o historiador deve manter-se isento, imparcial, emocionalmente frio e no se deixar condicionar pelo seu ambiente scio-poltico-cultural (contexto). J adiantando o prximo assunto (marxismo), na historiografia marxista, a produo do conhecimento fruto de um contexto social do qual carrega seus pressupostos. Dessa forma, para o materialismo histrico-dialtico (marxismo) no existe verdade nica em Histria, porque a mesma resultante da postura do sujeito. O historiador deveria refletir/interpretar sobre e os fatos, tomando, assim, uma posio, e produzindo um conhecimento, embora parcial. Essa postura do historiador, para alguns, teria criado problemas ao carter cientfico da histria marxista. No Positivismo, portanto, o conhecimento visto como reflexo do objeto. Aquele que conhece o sujeito se apresenta imune a paixes ou outro qualquer sentimento e convive com uma separao em relao quele que conhecido o objeto. Nesta concepo a histria, enquanto objeto de estudo, considerada como uma estrutura j dada, de fatores cujo conhecimento dependa apenas de descobrir e colecionar um grande nmero de acontecimentos com base em documentos confiveis. Nesse modelo, baseado no Positivismo, o sujeito (historiador) reduz-se a captar o que ele, passiva, objetiva e acriticamente observa, sem emoo, sem interferncia, e, conforme dito, sem paixo. Dessa forma, uma histria cientfica, produzida por um sujeito que se neutraliza enquanto sujeito para fazer aparecer o seu objeto. Os historiadores seguidores da filosofia Positivista acreditavam que, se adotassem uma atitude de distanciamento de seu objeto, sem manter relaes de interdependncia, obteriam um conhecimento histrico objetivo, um reflexo fiel dos fatos do passado, puro de toda distoro e subjetividade. Dito de outra maneira, o sujeito, no processo de conhecimento, na perspectiva positivista, busca uma postura de neutralidade e os documentos histricos so julgados como objetos neutros pelo pesquisador. Imagina-se que o sujeito/historiador no interfere com sua postura terica na pesquisa por ele desenvolvida. Considera-se, assim que os resultados obtidos com ela sejam neutros e imparciais. O resultado disso que a sociedade, ao ser analisada do ponto de vista positivista, perfeitamente enquadrada num princpio lgico de identidade que busca a ordem, o consenso, a estabilidade e a funcionalidade social: a proclamada Ordem e Progresso. Na concepo positivista, os historiadores e pesquisadores produzem a Histria como conhecimento, e o professor a repassa para o aluno. O sujeito da Histria sempre o heri, o governante, aquele que se destaca na sociedade de classes. O homem comum no participa da construo do processo histrico, apenas os grandes heris produziram os grandes feitos. (REIS, 2004). O positivismo busca justificar e consolidar a ordem social liberal-burguesa, uma ordem fortemente marcada pela luta de classes e pelas contradies sociais criadas pelo capitalismo. principalmente nos setores econmico, poltico ou nos cientficos, que a concepo positivista sustenta essa idia de ordem e progresso. Nesse modelo de histria, o historiador quer ver os fatos e no a sua prpria idia deles; melhor dizendo, somente escreve e pensa segundo os documentos, negando assim a especulao e a interpretao. O conhecimento verdadeiro, o da objetividade absoluta, conquistada pela imparcialidade, pela ausncia de paixes ou de quaisquer a priori e pela extrao do fato em si, contido nos documentos conceitue os principais elementos da historiografia positivista. O historiador reconstituiria o fato descritivamente, tal como se passou, e no caberia ao historiador, a problematizao, a construo de hipteses, a releitura dos fatos.

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Para Thompson, um dos mais significativos representantes de um marxismo no-ortodoxo e que nisso expressa tambm o pensamento de outras linhas no comprometidas com o positivismo ou com o tradicionalismo Historiografia as evidncias s podem informar (e significar) a partir de nossas perguntas, apesar de terem o poder de limitar todas as teorias, anulando a validade das que forem de encontro s mencionadas evidncias. Os significados no so revelados pela evidncia, portanto, mas pela interrogao de mentes atentas e desconfiadas, treinadas na articulao da lgica histrica, ou seja, no manejo adequado das evidncias e as teorias na composio de um discurso explicativo coerente em que no haja predominncia de nenhuma das duas.

POSITIVISMO: UM MODELO FILOSFICO E SUAS INFLUNCIAS NA ESCRITA DA HISTRIA E NA EDUCAOUm dos principais referenciais tericos do professor de histria, especialmente no mbito do ensino pblico, o Positivismo, como foi dito, corrente de pensamento que se originou na Frana, no sculo passado, a partir das reflexes tericas de Auguste Comte (1798-1857), pensador cujas idias influenciaram fortemente a inmeros cientistas na grande rea das cincias humanas e sociais aplicadas. Segundo Comte, a sociedade possui um ritmo evolutivo incompatvel com a revoluo violenta. Deste modo, ele concebe a sociedade sempre em termos harmnicos. Para este filsofo, a sociedade reflete os diversos estados da vida de um homem; dessa forma, uma vez que os organismos no podem mudar bruscamente, seno atravs de uma evoluo paulatina. Como j foi afirmado aqui, tradicional a caracterstica de uma histria de classe dominante (ou que em algum momento esteve no poder do Estado). No caso especfico do Brasil do final do sculo XIX, o positivismo tambm uma filosofia de elite poltica e social em ascenso na virada do sculo, da o seu parentesco em termos de compromisso poltico muito prximo com os compromissos polticos da histria factual, da tambm decorrendo uma das razes da confuso m interpretao da diferena entre histria positivista e a histria tradicional nas anlises historiogrficas e sobre o ensino da disciplina. Onde esto presentes as influncias do Positivismo? Tanto na sua verso autoritria (Comte) quanto na verso liberal (Spencer), o positivismo est a servio do conservadorismo e da reao. As apropriaes da teoria para fins polticos, via de regra, conduzem a atitudes excludentes e concentradoras de poder, renda e saber. O positivismo ter seu perodo ureo na proclamao da Repblica brasileira, inspirando o seu elitismo e autoritarismo, marcando a bandeira do pas at os dias de hoje nos dizeres comtianos Ordem e Progresso. Comte defendia a idia de ordem industrial e o progresso nela embutido. Seu lema a ordem por base, o amor por princpio, o progresso por fim. O positivismo tende poderosamente, por sua natureza, a consolidar a ordem pblica, atravs do desenvolvimento de uma sbia resignao. (MORAIS, 1983, p.31). Os ideais de ordem e progresso na educao aparecem sob forma de disciplina e educao, respectivamente, como processo evolutivo. Por progresso, entende-se que o aluno, como membro da sociedade, deve passar por fases evolutivas: o pensamento teolgico, o metafsico e, por fim, o positivo. A superao da metafsica levaria o homem a fugir de especulaes. A presena de planejamento visando ao alcance de objetivos tambm ilustra os ideais de ordem e progresso. O eurocentrismo um dos pontos de contanto mais importantes desse parentesco. A histria tradicional, blica, aristocrtica e eminentemente poltica uma histria em que os europeus falam de si mesmos ou dos outros povos sob o seu ponto de vista, que os olha

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de cima, ou a histria de seus descendentes nos pases conquistados. uma histria de conquistadores, para os quais a prpria cincia da histria uma arma de dominao. Romntica, a histria tradicional procura a sua lgica na ao dos indivduos: os grandes homens so, a exemplo de Jesus Cristo (o grande divisor de guas da histria), redentores de seus grupos. No to diferente na doutrina positivista (excetuando-se a sua reserva quanto importncia dos grandes homens), para a qual a transformao da sociedade, da desordem para a ordem, parte da converso pessoal e do convencimento cognitivo de cada um, desprezando-se as diferenciaes de classe. Positivismo e educao O Positivismo influenciou de maneira considervel a sociedade nos sculos XIX e XX. Tendo em vista que a Educao uma atividade social, tambm foi marcada por esta influncia. Nas escolas, a influencia do positivismo se fez sentir com fora devido influncia da Psicologia e da Sociologia, cincias auxiliares da Educao. A classificao das cincias proposta por Comte tem reflexos na educao em funo da fragmentao do conhecimento e da especializao. O conhecimento fragmentado levou elaborao de currculos multidisciplinares, restringindo qualquer tipo de relao entre diferentes disciplinas. Por meio da fundamentao e classificao das Cincias (Matemtica, Astronomia, Fsica, Fisiologia e Sociologia), Comte acabou por exaltar e defender a superioridade das Cincias Exatas sobre as Cincias Humanas. De acordo com BOTTOMORE, 1988, uma vez submetido o domnio das cincias humanas s disciplinas da cincia emprica, cessar a anarquia intelectual e uma nova ordem institucional adquirir estabilidade graas ao consenso (1988, p.291). Mesmo a Sociologia desenvolvida por Comte recebeu dele um carter cientfico para o estudo dos fatos sociais. O positivismo admite apenas o que real, verdadeiro, inquestionvel, aquilo que se fundamenta na experincia. Deste modo, a escola deve privilegiar a busca do que prtico, til, objetivo, direto e claro. Os positivistas se empenharam em combater a escola humanista, religiosa, para favorecer a ascenso das cincias exatas. As idias positivistas influenciaram a prtica pedaggica na rea das cincias exatas, influenciaram a prtica pedaggica na rea de ensino de cincias sustentadas pela aplicao do mtodo cientfico: seleo, hierarquizao, observao, controle, eficcia e previso. De forma marcante, o positivismo esteve presente no iderio das escolas e na luta a favor do ensino leigo das cincias e contra a escola tradicional humanista religiosa. O currculo multidisciplinar fragmentado fruto da influncia positivista. Positivismo na educao brasileira No Brasil esta influncia aparece no incio da Repblica e na dcada de 70, com a escola tecnicista. Foi muito divulgado por intermdio do Apostolado Positivista que se incorporou ao movimento pela proclamao da repblica e da elaborao da constituio de 1891. O movimento republicano apoiou-se em idias positivistas para formular sua ideologia da ordem e do progresso, graas particularmente atuao de Benjamim Constant (1836-1891). O positivismo de Comte chegou ao Brasil em meados do sculo XIX. As idias positivistas encontraram boa receptividade entre muitos oficiais do exrcito. Com um currculo voltado para as cincias exatas e para a engenha-ria, a educao se distancia da tradio humanista e acadmica, havendo uma certa aceitao das formas de disciplina tpicas do positivismo. As palavras ordem e progresso que fazem parte da bandeira brasileira indicam clara-mente a influncia positivista. Na dcada de 70 deste mesmo sculo, a escola tecnicista

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teve uma presena marcante. A valorizao da cincia como forma de conhecimento objetivo, passvel de verificao rigorosa por meio da observao e da experimentao, foi importante para a fundamentao da Historiografia escola tecnicista no Brasil. Para esta escola o elemento primordial a tecnologia. Na escola tecnicista, professores e alunos ocupam papel secundrio dando lugar organizao racional dos meios. Professores e alunos relegados condio de executores de um processo cuja concepo, planejamento, coordenao e controle, ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais (SAVIANI, 1993, p.24). Portanto, pode-se perceber pelas palavras de Saviani que neutralidade e objetividade so tpicas do positivismo. O Positivismo como doutrina sobre a sociedade e sobre as normas necessrias para reformar a sociedade foi um movimento que dominou uma parte significativa da cultura europia tanto no mbito filosfico, historiogrfico como poltico e pedaggico. A necessidade expressa por Comte de se estabelecer uma relao fundamental entre a cincia e a tcnica concretizou-se de maneira significativa por geraes. Na educao houve contribuies significativas no campo do planejamento escolar, uso da tecnologia, ensino profissionalizante e aplicao do conhecimento cientfico. Por outro lado, uma concepo puramente profissionalizante pode afetar o talento intelectual do aluno. Segundo PAVIANNI, 1991, a concepo profissionalista dos cursos universitrios o principal entrave existncia de uma verdadeira formao universitria que tem a funo de desenvolver a versatilidade intelectual da pessoa, de criar homens de mentalidade e sensveis s necessidades dos outros homens de seu tempo (PAVIANNI, 1991, p.53). A educao, influenciada pelos ideais positivistas, carece de incentivo ao desenvolvimento do pensamento crtico. A educao tecnicista apoiada nos ideais positivistas no deve reduzir-se apenas ao ensino tcnico, mas deve preocupar-se tambm em buscar a razo do prprio procedimento tcnico. Aceitar a cincia como o nico conhecimento, como queria o positivismo, algo reducionista que perde uma considervel parcela de conhecimento que no esto no dado; fica prejudicada tanto a criao como a deduo. A histria positivista, influenciada por Ranke, tende a projetar no Ensino de Histria o papel de formador de um cidado cvico, enquanto os segmentos afinados com a idia de conflito social, desigualdade social, etc., presentes em um amplo espectro marxista, desde Althusser at Thompson, vem no ensino de histria uma possibilidade de gestao de um senso crtico, isto , de um cidado revolucionrio. Na educao cvica, os fatos histricos e os grandes homens so cuidadosamente reconstitudos para a instruo da juventude. Faz-se uma histria comemorativa, que legitima os rituais cvicos, realizados nas datas (dia e ms) que coincidem com as do evento passado, quando os grandes heris produziram os seus grandes feitos. (REIS, 2004) O positivismo, ao buscar as regularidades da vida social, encarando-as como se fossem naturais, universais e, portanto, no histricas (a-histricas), sob a tica da neutralidade, supe uma cincia, uma concepo e um conhecimento descomprometidos. A abordagem positivista implica uma metodologia fundamentada na aula expositiva onde os alunos so ouvintes passivos e contemplativos. O sujeito da aprendizagem um receptculo que deve registrar os contedos transmitidos pelo professor e reproduzi-los posteriormente de modo o mais fiel possvel. Os contedos so apresentados como fatos prontos e acabados no passveis de uma reflexo e interpretao por parte dos alunos. O contedo escolhido se refere histria factual e seqencial. Subjacente a essa escolha seqencial est o pressuposto de que s se entende o presente a partir dos fatos passados. Os trabalhados escolares na perspectiva positivista se referem, principalmente, a temas de conciliao, integrao, consenso,

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cordialidade e no violncia, ou seja, os temas relacionam-se com a Ordem, pregada pelo Positivismo. Os temas que deixam aflorar a contradio, o conflito, as tenses e violncias tendem a ser minimizados ou eliminados dos contedos apresentados em classe. Vrias anlises dos livros didticos atestam que o contedo se refere a uma histria abstrata, alienante e ideolgica que expressa o interesse de classe dos grupos dominantes. Nossas ltimas consideraes Assim, os alunos e o professor, ideologicamente colocados como homens comuns, no se sentem sujeitos do processo histrico. Tampouco percebem que podem interferir na sociedade, no processo educacional e provocar mudanas que sejam frutos da vontade coletiva da sociedade da qual fazem parte. Os reflexos desta concepo de histria nas escolas, como foi dito, so aulas expositivas nas quais a participao dos alunos se limita contemplao passiva. Eles recebem, registram e reproduzem fielmente o contedo recebido, pois de outro modo tero seu desempenho escolar julgado insuficiente. No interrogam, no dialogam, no interpretam. A compreenso do presente s possvel com o olhar voltado para o passado, e, alm disso, este conhecimento s possvel a partir das vozes oficiais, isto , dos documentos que emanem principalmente do poder pblico. No por outro motivo que a Histria do Brasil, por exemplo, pensada sempre em termos de uma personificao que destaca heris, como D. Pedro I, Tiradentes, Marechais, como Deodoro, etc. como se o povo tivesse que assistir histria como a uma partida de futebol: torcendo mas sem poder interferir, uma vez que a histria seria privativa de heris, marechais, prncipes, etc. Dessa forma, essa histria tradicional, influenciada pelo Positivismo, proporcionava apenas uma viso de cima, ou seja, concentrava sua ateno nos feitos dos grandes homens, estadistas, generais e tambm em personalidades eclesisticas. Opondo-se ao modelo de histria positivista, e questionando o paradigma tradicional dominante, e aproximando-se das cincias sociais, os historiadores da Escola dos Annales apresentaram um novo segmento para o conhecimento histrico. Os Annales, derrubando a arcaica tendncia positivista do sc. XIX, fortemente ligada ao movimento das elites, substituda pela observao detalhada e metdica do cotidiano de uma poca, de uma localidade, do sistema de valores, crena, atividades humanas. A riqueza do novo enfoque est cada vez mais presente no fazer histrico atual. o que veremos no prximo Tema 2.

CONSIDERAES HISTORIOGRAFIA

ACERCA

DO

MARXISMO

NA

Sabemos que, tambm no sculo XIX, a humanidade, na sua constante busca de elaborao e reelaborao do conhecimento histrico, para alm do Positivismo, viu surgir uma nova concepo de histria o Materialismo Dialtico. O impulso original marxista ser a busca do fio condutor que explique a dinmica das sociedades modernas, entendidas como sociedades industriais. Sob a liderana intelectual dos alemes Karl Marx e Friedrich Engels, na segunda metade do sculo XIX assistiu emergncia de uma nova compreenso do homem, da histria e dos procedimentos metodolgicos para a apreenso do conhecimento histrico. Os homens interagem nas condies exteriores a que esto submetidos, lutam pela transformao dessas condies que so construdas pelos sujeitos da Histria. Os homens fazem a Histria e determinam seu rumo. A nova receita, dada pelos fundadores do Materialismo Dialtico, a seguinte:

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Historiografia

a) as classes sociais, cuja luta constitui a prpria trama da histria, no se define pela capacidade de consumo e pela renda e sim pela sua situao no processo produtivo (uma concepo de histria que tem como base o desenvolvimento do processo real da produo, concretamente a produo da vida material imediata); b) a correspondncia entre foras produtivas e relaes de produo, constituindo o principal objeto da histria-cincia, ligada ao conceito de modo de produo e formao social (concebe a forma das relaes humanas ligadas a este modo de produo e por ele engendrada, isto , a sociedade civil nos seus diferentes estgios, como sendo o fundamento de toda sua histria); c) a produtividade a condio necessria da transformao histrica (se as foras produtivas no se modificam, a capacidade de criao da vida humana se imobiliza, e se elas se modificam tudo se move); (REIS, 2004)

Para Marx e Engels, portanto, as relaes sociais so essencialmente moldadas pelas condies materiais da existncia humana. Uma histria que trata da luta de classes no quadro do desenvolvimento das foras produtivas, portanto, a realidade histrica estruturada em grupos de homens que ocupam lugares contraditrios no processo produtivo. Na literatura marxista a chamada luta de classes. No caso do positivismo vocs viram anteriormente que o sujeito da Histria sempre o heri, o governante, ou seja, o sujeito que destaca na sociedade de classes. Diferente do marxismo, o homem comum no participa da construo da histria. Para a concepo marxista, os homens fazem a histria, intervindo, condicionando na estrutura e pela estrutura econmico-social, melhor dizendo os homens transformam o mundo e a si prprios. A questo econmica tem grande importncia, a base da estrutura e a dinmica da sociedade, e a chamada luta de classes o motor da Histria na expresso de Marx, que pode ser vista no Manifesto Comunista. Como contraponto a isso, lembremos que o positivismo afirmava que numa sociedade dividida em classes, os indivduos superiores formariam a classe dominante e as desigualdades sociais ganhavam, assim, justificativas em sintonia com o os interesses do capitalismo e da burguesia liberal do sculo XIX. Lembrem-se tambm que o pensamento positivista tinha como pressupostos bsicos os conceitos de ordem propriedade, moral, famlia, religio, progresso, ptria e trabalho. Esses conceitos buscavam justificar a sociedade capitalista dividida em classes, a propriedade privada dos bens de produo, a hierarquia social, o individualismo e outros princpios que lhes so caractersticos. Em razo disso, conveniente dar voz ao prprio Marx, a fim de que ele exponha as linhas gerais de seu pensamento. Em Uma Contribuio Crtica da Economia Poltica Marx diz: O modo de produo material da vida material condiciona o processo em geral de vida social, poltica e espiritual. No a conscincia do homem que determina o seu ser, mas, ao contrrio, o seu ser social que determina sua conscincia. (...). Com a transformao da base econmica, toda a superestrutura se transforma, com maior ou menor rigidez (MARX, 1978, p. 30). Entretanto, embora colocasse as condies materiais a infraestrutura como pressuposto quase absoluto para as condies jurdico-polticas a superestrutura , Marx no se furtou de relativizar esta regra. Em Misria da Filosofia, Marx tratou esta questo nos seguintes termos:O modo de produo, as relaes nas quais as foras produtivas so desenvolvidas, no so de modo algum leis eternas, mas (antes) (...) correspondem a um desenvolvimento determinado dos homens e de suas foras produtivas e (...) uma mudana nas foras produtivas dos homens necessariamente enseja uma mudana em suas relaes de produo. (MARX, 2001)

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O marxismo, enquanto concepo de histria esteve, especialmente a partir da hegemonizao poltica da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas no Leste Europeu, submetido a uma leitura reducionista que impunha, referida concepo, a responsabilidade pela verso dos debatidos estgios do desenvolvimento histrico. No Manifesto Comunista pode ser visto uma concepo evolutiva e continusta da histria, na qual o modo de produo capitalista o resultado da sucesso dos modos de produo anteriores, por exemplo, o escravista. O prximo modo de produo, para Marx, traria a superao, excluso da luta entre os homens, ou seja, no teria como motor a luta de classes: seria o modo de produo socialista e este evoluiria para o comunismo, o qual na viso marxista seria o modelo de sociedade justa, livre e comunitria. Segundo esta verso o pensamento marxista se assentaria exclusivamente no conceito de Modo de Produo. Um dos responsveis por esta verso seria o ditador Stlin, que com a publicao, em 1938, do texto Sobre o Materialismo Histrico e o Materialismo Dialtico, teria aberto caminho para uma verso sobre a concepo marxista da histria que transformou-se pelo emprego do esquema unilinear das cinco etapas em uma vulgar filosofia da histria, uma entidade metafsica que determinava, do exterior , o curso do devir histrico, no restando outro remdio aos dados concretos, salvo entrarem, bem ou mal, no dito esquema. A pesquisa histrica passava a ser ilustrao das verdades consagradas. (CARDOSO, 1979, p.71). No sentido de contribuir para esta discusso epistemolgica cuja importncia acadmica indiscutvel, conveniente, mais uma vez, dar voz a Marx, a fim de que ele, pessoalmente, defina modo de produo:(...) em todas as formas de sociedade, um modo de produo determinado e as relaes por ele engendradas que determinam todos os outros modos de produo e as relaes engendradas por estes ltimos, como tambm seu nvel e sua importncia. como uma luz geral onde esto mergulhadas todas as cores e que lhes modifica as tonalidades particulares. como um ter particular que determina o peso especfico de todas as formas de existncia que dali emergem. (MARX, 1991, p.11)

Com o incio das crticas ao Stalinismo, a partir dos anos 50, conceitos como o de Modo de Produo, comearam a ser rediscutidos. Houve tambm, a partir da, uma significativa troca de influncias do marxismo com historiadores ocidentais em congressos internacionais de histria. Destacaram-se, nesta fase, nomes como os de Witold Kula, na Polnia; Pierre Vilar, Charles Parain, J. Bouvier e Albert Soboul, na Frana; Eric Hobsbawm, Maurice Dobb, Cristopher Hill e R. Hilton, na Inglaterra; E.Sereni, na Itlia, K. Takahashi, no Japo, etc. Do mesmo modo, nomes como os de Louis Althusser, Antonio Gramsci, George Lukcs, Walter Benjamim, Agnes Heller, dentre outros, representaram etapas importantes da trajetria do pensamento marxista. Louis Althusser, de acordo com Flamarion, concretamente no contribuiu para a Histria, enquanto cincia, pois desconhecia a natureza do trabalho do historiador. Apesar disto tem seu mrito no fato de concentrar-se em temas fundamentais na epistemologia marxista, antes postos de lado. (CARDOSO, 1979, p.80) O conjunto das obras de Antonio Gramsci, por sua vez, representam um momento de reviso e questionamentos em relao ao marxismo. Gramsci reestuda e introduz conceitos como os de Estado, hegemonia, teoria poltica nas sociedades industrializadas do ocidente moderno, cultura, acumulao poltica em processos de longo curso, todos fundamentais para uma teoria de histria, do ponto de vista marxista. O objetivo de Gramsci apontava

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para uma crtica ao economicismo, reduzindo o papel no apenas da conscincia de classe, como da prpria luta de classes. A concepo materialista da histria, portanto, pressupe em primeiro Historiografia lugar que a experincia o eixo central da histria, enquanto, ao mesmo tempo, concebe uma identidade fechada e coletiva: os humanos experimentariam o mundo atravs da classe social a que pertencem. Enquanto cincia da histria o marxismo, d nfase nas contradies e prioriza o estudo dos conflitos sociais. De acordo com Hobsbawm, 1982, esta seria a contribuio mais original de Marx para a historiografia, uma vez que as teorias anteriores (principalmente o positivismo) davam prioridade a harmonia, unidade, entre as diversas esferas sociais, ou melhor, entre as classes sociais. O marxismo no ensino da Histria Resumidamente, do ponto de vista do ensino de histria referido a concepo marxista, pode-se dizer que os professores marxistas tendem a projetar no ensino de histria um instrumento revolucionrio capaz, justamente, de arrancar a tradio ao conformismo. Itacy Salgado Basso, sintetiza, no trecho seguinte, a metodologia didtica articulada concepo materialista da histria:

A metodologia de ensino e a seleo de contedos mediadas e articuladas concepo materialista da histria proporcionam ao aluno possibilidade de entender a sociedade em que vive e de ter conscincia da sua posio nestasociedade, isto , possibilidade de recuperar a sua memriahistrica. Para que o aluno examine criticamente o papel da sociedade na sua prpria formao, preciso que se inicie esse aluno nos procedimentos da produo do conhecimento histrico (...). Partindo da anlise da situao presente, professores e alunos procuram entender o passado... sob a luz da crtica da nossa sociedade. S quando entendemos criticamente a sociedade burguesa, isto , quando a entendemos como histrica, que podemos compreender as sociedadesanteriores, o passado. (BASSO, 1989, p.7)

Questo

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Existiria a possibilidade de se conhecer o passado, tal como ele se apresentava? Ou o passado seria uma inveno, repleto de discursos e prticas? Para o historiador Durval Muniz Albuquerque o passado adquire sentido quando se relaciona com o presente. E para voc, caro aluno? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________

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Aps a leitura do trecho abaixo de Durval Muniz Albuquerque acerca da imaginao histrica, redija algumas consideraes sobre a problemtica apresentada.O conhecimento histrico torna-se, assim, a inveno de uma cultura particular, num determinado momento, que, embora se mantenha colado aos monumentos deixados pelo passado, sua textualidade e sua visibilidade, tem que lanar mo da imaginao para imprimir um novo significado a estes fragmentos. A interpretao em histria a imaginao de uma intriga, de um enredo para os fragmentos de passado que se tem na mo. Esta intriga para ser narrada requer o uso de recursos literrios como as metforas, as alegorias, os dilogos, etc. Embora a narrativa histrica no possa ter jamais a liberdade de criao de uma narrativa ficcional, ela nunca poder se distanciar do fato de que narrativa e, portanto, guarda uma relao de proximidade com o fazer histrico, quando recorta seus objetos e constri, em torno deles, uma intriga. (ALBUQUERQUE, 1995, p. 11).

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Historiografia

A REVOLUO PROPOSTA PELOS ANNALES

Para entendermos o momento atual da escrita da histria precisamos acompanhar a histria da histria. As mudanas que ocorreram na escrita da histria iniciaram-se com o aparecimento da expresso francesa La nouvelle histoire (a nova histria), na passagem dos sculos XIX e XX. Essa Nouvelle histoire, praticada pela Escola dos Annales, a partir de Febvre, Bloch e Braudel, rompeu com a influncia filosfica, amparando-se nas teorias das novas Cincias Sociais (Sociologia, Economia, Psicologia, etc). Em 1929, Marc Bloch e Lucien Febvre fundam a revista dos Annales e inauguram uma fase nova e decisiva no campo da histria e historiografia. Histria escrita como reao ao modelo tradicional ou histria rankeana, aluso ao historiador alemo Leopold von Ranke (1795-1886). Essa revista seria o porta-voz dos apelos dos editores em favor de uma abordagem nova e interdisciplinar da histria. (BURKE, 1997). Qual foi o seu principal alvo de combate?A histria poltica que se fazia na poca, de influncia positivista, carter diplomtico, narrativo e factual.

O rigor da narrativa rankeana no considerava a imaginao do historiador, presente em todos os atos de estruturao da narrativa histrica. Consideramos que a narrativa histrica tem incio e fim determinados pelo historiador, imprimindo sentido ao tempo e possibilitando uma unidade atravs da narrativa. Os Annales questionavam entre a virada do sculo XIX para o sculo XX a forma como se fazia a histria que era at ento historizante, a qual preocupava-se to somente com os fatos singulares, sobretudo fatos polticos, militares e diplomticos. Uma histria que tomava como um dos critrios, a anlise de documentos verdadeiros, e assim poderse-ia chegar a cientificidade e a verdade dos fatos. Opunham-se ferrenhamente a uma histria contaminada de empirismo. Este novo paradigma de escrita da histria foi proposto pela chamada Escola dos Annales, tornando-se talvez o principal modelo para o fazer da histria. Burke, 1997 acredita que seja prefervel falar num movimento do Annales, no numa escola. O ncleo central do grupo formado por Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie. E prximos a eles esto Ernest Labrousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon e Michel Vovelle. Para acompanhar o desenrolar do movimento dos Annales, observe um breve histrico que se segue.

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A HISTORIOGRAFIA NO SCULO XX: A REVOLUO DOS ANNALESNas primeiras dcadas do sculo XX surgiu na Frana um novo paradigma no campo do conhecimento histrico, o qual apontava para novos direcionamentos para a comunidade dos historiadores no que diz respeito produo historiogrfica. A escola dos Annales: cujos membros deram um giro coperniano (refere-se a Coprnico) na historiografia, atacaram o positivismo. Seus defensores so Marc Bloch (18861944) e Lucin Febvre (1878-1956). A partir de Bloch e Febvre comeam a serem utilizados os mtodos estatsticos, econmicos e de qualquer outra cincia que servisse de subsdio. A economia e a sociedade passaram a ser objetos de estudo da Histria, porm, mais importante que o Estado, as instituies e as guerras, o ser humano, o ser que vive em sociedade. A nova histria social marxista, ainda que tenha passado por grandes transformaes, dependendo da experincia do socialismo real e da evoluo ideolgica, derivada do contato com a realidade social. Se vocs recordarem do texto anterior, para Marx, o materialismo dialtico encara o ser humano como um ser histrico, isto , diretamente influenciado por sua poca (contexto), pelo seu meio geogrfico e social, mas um ser igualmente capaz de reagir, pelo trabalho consciente, ao mundo em que vive. Essa realizao se d atravs da prxis. Sem dvida, interessa ao historiador a Histria em sua totalidade com super estrutura e infra-estrutura e, ao que parece, a nica maneira de compreender o passado para analisar o presente entender as estruturas sociais, polticas e econmicas. Novos Objetos Como foi dito anteriormente, os Annales recusaram os objetos da histria tradicional. Estes objetos so: a poltica, as relaes exteriores dos Estados nacionais. As guerras e a biografia de seus grandes lderes e criaram outros. Os Annales recusaram fundamentalmente, sobretudo a histria poltica por considerarem, que esta era a histria a servio dos estados nacionais, com seus heris, batalhas e pretenses imperialistas. Em outras palavras, a histria poltica era vista pelos historiadores dos Annales como elitista, biogrfica, qualitativa, visando ao particular, individual; tambm era narrativa, ideolgica, partidria. Os seja, a histria das aes conscientes dos grandes indivduos que realizavam grandes feitos. Os principais objetos que aparecem na primeira fase da revista dos Annales relacionam-se com: economia, sociologia, geografia e demografia. (REIS, 2004). Bloch e Febvre: historiadores revolucionrios

compreenso, pela histria problema; historia global; renovao de fontes e tcnicas.

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Os fundadores criadores da chamada Escola dos Annales, Lucien Febvre e Marc Bloch, lideraram, na Frana, o movimento da La nouvelle Historiografia histoire ou Nova Histria, possuam uma nova viso da disciplina histria, os quais consideravam que a histria-cincia ainda em construo tinha como caractersticas: E mais, a narrativa foi minimizada em funo do rigor cientfico. Uma caracterstica marcante do estudo de Lucien Febvre era a introduo geogrfica, um perfil da regio estudada. Posteriormente, Braudel retomar a nfase no geogrfico no seu famoso livro sobre o Mediterrneo. O importante papel do problema Essa abertura e ampliao do campo dos objetos, das fontes e tcnicas histricas, esto associadas inovadora proposta terica da histria-problema. Se para Langlois e Seignobos sem documentos no h histria, para os Annales, sem problema no h histria. Dito de outra maneira o problema e no a documentao que est na origem da pesquisa, isto , sem um sujeito que pesquisa, sem o historiador que procura respostas para questes bem formuladas, no h documentao e no h histria. o problema posto que dar a direo para o acesso e construo do corpus necessrio verificao das hispteses que ele ter suscitado. Melhor dizendo, a histriaproblema devolve ao historiador a liberdade na explorao do material emprico. O fato histrico no est presente bruto na documentao. O historiador no um colecionador e empilhador de fatos. Ele um construtor, recortador, leitor e intrprete de processos histricos Portanto, a grande renovao terica propiciada pela reconstruo do tempo histrico pelos Annales foi a histria-problema. Ela veio se opor ao carter narrativo da histria tradicional. Veio reconhecer a impossibilidade de se narrar os fatos tal como se passaram. Que no h histria sem teoria. A pesquisa histrica a verificao de respostashipteses possveis a problemas postos no incio. Na perspectiva dos Annales, ao historiador cabe: escolher seus objetos no passado e os interrogar a partir do presente. explicitar a sua elaborao conceitual, pois no pretende se apagar na pesquisa, em nome da objetividade. Ao contrrio, para ser mais objetivo, o historiador aparece e confessa seus pressupostos e conceitos, seus problemas e hipteses, seus documentos e suas tcnicas e os modos como as utilizou e, sobretudo, a partir de que lugar social e institucional ele fala. escolher, selecionar, interrogar, conceituar, analisar,sintetizar e concluir.

A partir da posio do problema, o historiador distribui suas fontes, atribui-lhes sentido e organiza as sries de dados que ele ter construdo. O texto histrico o resultado de uma narrao objetivista de um processo exterior organizado em si pelo final. A pesquisa feita pelo problema que a suscitou, o problema vai guiar na seleo dos:1. documentos 2. construo das sries de eventos relevantes para a construo das hipteses

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Rompendo com a narrao, a histria tornou-se uma empresa terica, seguindo o caminho de toda a cincia pe problemas e levanta hipteses e demonstra-as com uma documentao bem criticada e com uma argumentao conceitual rigorosa. Essa nova histria reabre o passado, em vez de reconstitu-lo definitivamente. Ela retoma-o, remaneja-o, rediscute-o, estimulada pelas experincias do presente, que sempre novo e exige a reabertura constante do passado. A histria conduzida por problemas e hipteses fez o historiador mudar de posio e de disposio: se antes ele era proibido, em tese, de aparecer na pesquisa, o que impossvel de ser cumprido, agora, ele obrigado a aparecer e a explicitar a sua estrutura terica, documental e tcnica e o seu lugar social e institucional. Atingindo algum grau de intersubjetividade. A comunidade de historiadores capaz de acompanhar e controlar as pesquisas histricas, pois foi posta a par dos pressupostos, dos documentos e seus meios de processamento, sabe o que o pesquisador quis demonstrar e onde ele pode chegar.A possibilidade da histria-problema liga-se estreitamente reconstruo do tempo histrico produzida pelos Annales.

Essa inovao terica depende de uma anterior reconstruo da representao do tempo histrico. A representao teleolgica do tempo histrico compatvel coma histrianarrativa e incompatvel com a histria-problema.1. No sendo mais movida pelo fim, mas articulao de permanncias e mudana, a histria mais representada como um progresso. A pesquisa histrica conduzida por problemas uma reconstruo temporal, que polemiza com o passado-presente, mas no chega a reconstru-los, tal como se passaram. O conhecimento histrico constri e tematiza o seu objeto, formula problemas e hipteses, sob a influncia do presente, se referir a valores teleolgicos. 2. H uma outra periodizao ela agora temtica e definida pelo problema a ser tratado. As periodizaes demogrfica, econmica, social, lingstica e antropolgica no so grandes cortes na histria da humanidade, mas uma flutuao cclica no interior de uma estrutura. 3. H uma outra relao passado-presente so diferentes que dialogam reciprocamente. O presente no continua e nem superior ao passado, outro. O mtodo retrospectivo no leva o historiador busca das origens. Este vai do presente ao passado e retorna do passado ao presente.

Esse mtodo regressivo sustenta a histria-problema: temtica, essa histria elege, a partir das Ateno! tenses vividas no presente, os temas que interessam a esse presente, O historiador no pode ignorar o presente problematizando-os e tratando-os no ao qual pertence deve ter a sensibilidade histrica do seu presente e interrogar o passado a partir passado, trazendo informaes para o dele. Ou seja, faz o caminho do presente para o presente, que o esclaream sobre a sua passado. experincia vivida (BLOCH, 1997). O ttulo do ensaio do historiador Peter Burke, 1997, A Revoluo da Historiografia: a Escola dos Annales (1929-1989) evidencia que este autor apresenta o movimento com a criao da revista Annales como um verdadeiro movimento revolucionrio, configurando-se em um novo paradigma (modelo) historiogrfico, ou seja, uma revoluo ocorrida na forma de produzir o conhecimento histrico. Segundo Burke, 1992, a Histria

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escrita como uma reao deliberada contra o paradigma tradicional, [...] que ser conveniente descrever como Histria rankeana [...]. Fazendo aqui uma breve recapitulao, a historiografia tradicional ou Historiografia positivista refere-se essencialmente poltica, adota a narrativa como forma de transmisso de conhecimento, e interessa-se principalmente pelos feitos dos grandes homens, utiliza como fontes os documentos emanados do governo e preservados em arquivos, condicionando as explicaes a uma relao mecnica de causa e efeito, conforme Ranke, como eles realmente aconteceram. Em oposio, a Nova Histria interessa-se praticamente por toda atividade humana, preocupando-se com as pessoas comuns e com as mentalidades coletivas, substituindo ou complementando a narrativa com a anlise das estruturas. Sobre as fontes, a Nova Histria, considera todo tipo de vestgio deixado pelo homem, alm de criticar as fontes oficiais, as quais expressam o ponto de vista oficial.

As trs fases dos AnnalesComumente a chamada escola dos Annales dividida em trs geraes, a primeira representada por Lucien Febvre e Marc Bloch seus fundadores , a segunda notadamente representada pela liderana de Fernand Braudel e por fim a terceira, integrada entre outros, por Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie. 1. A gerao dos fundadores, entre 1929 e 1946, com L. Febvre e M. Bloch caracterizou-se pelo espirito de sntese, por uma histria problematizada, a gerao da histria total, a qual veio a se constituir um dos principais traos do movimento. A heterogeneidade, mobilidade e a abertura aos temas e metodologias tambm marcaram essa primeira fase. Reis (2004) apresenta uma relao de temas de artigos dessa fase, entre eles podemos citar: a atividade industrial na Alemanha; o problema da populao na URSS; as finanas da guerra de Alexandre Magno, o Grande; os bancos da poca moderna; as fortunas da Roma Republicana; o comrcio do sculo XVI; os operrios na ndia; as artes e as cincias; a explorao das florestas e os conflitos sociais; o ouro na Idade Mdia; crise bancria nos EUA; histria social romana; o calvinismo e o capitalismo em Genebra, as cidades francesas, o trabalho servil no Brasil, etc. Notamos que so temas variados e com perspectivas, as mais diversas. 2. A segunda gerao, entre 1946 e 1968, conhecida como era de Braudel, o principal expoente do paradigma dos Annales, autor de vrias obras que se tornaram clssicos como O Mediterrneo e o mundo mediterrnico na poca de Felipe II. Note-se que nesta monumental obra o autor situa a histria em trs tempos: nos acontecimentos, que se inscreve no tempo curto; nas conjunturas, que segue um ritmo mais lento; em profundidade, uma histria estrutural, de longa durao, que pe em causa sculos. Esta segunda gerao foi marcada por regularidades, quantificao, sries, tcnicas, numa abordagem estrutural, e com penetrao do marxismo. Com isso, temos nesta fase a produo de grandes obras de histria total, histrias

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sintticas, com grande nfase nos aspectos scio-econmico, relacionadas ao meio geogrfico. Nessa fase tambm abre um campo de objetos, fortemente ligados a demografias e civilizaes, porm com a permanncia dos temas econmicos-socais. Temos como exemplo o livro de Braudel, Gramtica das Civilizaes. Ainda Reis, 2004, nos apresenta alguns temas desta fase: as moedas e a civilizao; a misria e o banditismo; as reflexes sobre o equilbrio demogrfico; a educao nazista; as migraes; a Idade Mdia e a histria estatstica; a Frana rural; os movimentos de preos e salrios; os milagres no Brasil (notem que este tema muito vinculado terceira gerao); o Isl e a frica do Norte; a Amrica pr-colombiana, etc. 3. A terceira gerao, a partir de 1969, teve preocupaes transferidas do poro ao sto, ou seja, mudana de bases sociais e econmicas para as mentalidades e a vida cotidiana, na vida privada, a superestrutura cultural. a fase do abandono da histria global e a incorporao da fragmentao. Nessa fase encontram-se Andr Burguire e Jacques Revel, na administrao da revista Annales e Jacques Le Goff, ocupando a presidncia da cole des Hautes tudes en Sciences Sociales. nessa gerao que as mulheres so includas, tais como: Mona Azouf, autora de estudos sobre os festivais durante a Revoluo Francesa; e Michele Perrot, que escreveu sobre a histria do trabalho e a histria da mulher. Os temas/objetos relacionados a economia, sociologia, demografia, continuam presentes, contudo, vemos uma histria marcadamente inter-relacionada com a antropologia, ampliando muito mais os objetos histricos. Torna-se, assim, mais difcil de traar o perfil dessa terceira gerao, como foi possvel das duas anteriores dominadas por Febvre e Braudel. Franois Dosse, do qual falaremos mais adiante chega a falar em fragmentao da histria nessa fase. Temos como exemplo estes estudos: histria da alimentao; histria do meio ambiente; histria do clima; histria da arquitetura; espao feminino e espao masculino; linguagem popular; mitos arianos; histria psicanaltica; revoltas populares; discurso iluminista; pensamento selvagem a aculturao; feiticeiros, usos sociais do corpo; literatura popular; modas e costumes; histria das idias; vida e morte atravs da arte; abandono de crianas; vida sexual e casamento tardio; imagens e sons; linguagem e representao, carnaval, catolicismo e engajamento social, opinio pblica, dentre outros (REIS, 2004). O que percebe com estes exemplos de objetos pesquisados nas trs fases :a) a interdisciplinaridade, melhor dizendo, as diversas junes que a histria fez com as cincias sociais; b) a ampliao dos objetos, do campo de pesquisa dos historiadores; c) a nova forma do tempo, ou seja, o presente tematizando o passado (no se estuda apenas o passado); d) o desengajamento poltico-partidrio, a recusa da dimenso poltica; (REIS, 2004, p. 90).

O tema poltico voltou, devido ao seu crescimento e papel nas sociedades modernas; porm, modificado em poltica econmica, poltica demogrfica, ou poltica cultural. Esta histria poltica, no est ligada aos grandes indivduos e ao Estado, agora, representada em setores da sociedade, sindicatos, so as micropolticas. Temos como exemplo os estudos de Michel Foucault sobre os micro-poderes, o poder da histria poltica no se

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encontra em nico espao: o Estado. E sim distribudo em uma rede de micropoderes, ou seja, a luta pelo poder no interior da famlia, da escola, das fbricas. Juntamente com Georgs Duby, Le Goff foi um dos mais destacados Historiografia historiadores das mentalidades. Sua contribuio veio com a histria do imaginrio medieval com a obra La naissance du Purgatoire (O nascimento do Purgatrio), refere-se s mudanas das representaes da vida depois da morte. Em relao a Duby, renomado historiador social e econmico da Frana Medieval, era inspirado na teoria social neomarxista, ligou-se a histria das ideologias, da representao cultural e tambm do imaginrio social. Seu importante livro foi Les trois ordres (As trs ordens), no qual investigou as relaes entre o mental e o material no decorrer da mudana social, Duby abordou a sociedade medieval dividida em trs grupos: padres, cavaleiros e camponeses, ou seja, os que rezam os que guerreiam e os que trabalham. Tambm vinculado a esta terceira gerao, Michel Vovelle, um historiador estudioso do sculo XVIII, especificamente da Revoluo Francesa, como fez Duby, buscou fundir a histria das mentalidades coletivas com ideologia do tipo marxista. Vovelle teve interesse pela descristianizao, as atitudes diante da morte e do alm, que estavam reveladas nos testamentos. Por exemplo, em sua tese sobre a Provena, pesquisou cerca de 30.000 testamentos a procura de evidncias sobre a proteo dos padroeiros, nmero de missas encomendadas para salvao da alma, arranjos para os funerais, assim como o peso das velas acendidas durante o funeral. (BURKE, 1997). VEJAM ESTE QUADRO:I FASE - Histria Total, Estruturas Em Longa Durao II FASE - Quantificao, Demografia, Geografia III FASE - Antropologia, Mentalidades, Cultura

Os trs tempos de Braudel Fernand Braudel foi um nome extremamente importante neste processo de renovao historiogrfica e que exerceu forte influncia durante muito tempo nos ciclos de historiadores. Entre os conceitos introduzidos por Braudel, encontram-se o de longa e o de curta durao, o que significa dizer que na histria h fenmenos que se transformam rapidamente, enquanto outros levam milnios para sofrerem alteraes, por exemplo, as mentalidades. So exatamente estes os fenmenos da vida cotidiana, das mentalidades. Estes fenmenos so mais fossilizados, e mesmo as revolues muitas vezes no os modificam. Em seu estudo sobre o Mediterrneo Braudel considerava importante a histria do homem em relao ao seu meio, ou seja, uma geografia histrica, ou geohistria. O principal objeto da primeira parte do livro sobre o Mediterrneo e a geo-histria, no qual descreve montanhas e plancies, litorais e ilhas, climas, rotas terretres e martimas. Por fim, Braudel tambm demonstra que todas as caractersticas geogrficas tm a sua histria, por exemplo, no captulo sobre as montanhas, ele discute, dentre outras questes, a cultura e a sociedade das regies montanhosas, o conservadorismo dos montanheses, e

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as barreiras socioculturais que separavam os homens da montanha dos da plancie. (BURKE, 1997). O historiador francs Fernand Braudel dividiu em trs momentos diversos o tempo histrico:1 - O tempo da geo-histria ou da histria estrutural: relao seres humanos e meio ambiente, uma histria de passagem imperceptvel e repeties e ciclos recorrentes. O maior exemplo est em sua obra O Mediterrneo e o mundo mediterrnico na poca de Felipe II, na qual Braudel reitera que a conhecida e sempre condenada lentido de Felipe II em reagir aos eventos no deve ser explicada apenas em termos de seu temperamento, mas deve ser associada exausto financeira da Espanha e aos problemas de comunicao em um imprio to vasto. (BURKE, 1997, p.47) 2 - O tempo dos sistemas econmicos, Estados, sociedades e civilizaes de ritmos lentos, porm perceptveis a chamada histria conjuntural. 3 - O tempo acelerado de eventos e indivduos, o sujeito da narrativa tradicional, centrada nos fatos, nos eventos, considerada por Braudel superficial.

Para Braudel, todas as estruturas esto sujeitas a mudanas, mesmo que lentas. Seus temas ultrapassam a histria tradicional econmica (agricultura, comrcio, indstria) e enfatiza a vida diria, o povo a as coisas que a humanidade produz ou consome, alimentos, vesturios, habitao, ferramentas, moedas. Assim, aparecem os conceitos de vida diria e civilizao material, este ltimo conceito ligado ao seu outro livro Civilizao material e capitalismo. A partir destes pressupostos, do novo olhar, do desprezo nos fatos e nfase nos problemas, houve a possibilidade da ampliao da noo de fonte, trazendo informaes acerca do cotidiano, da civilizao material, das crenas, de tudo aquilo que compe a cultura, a poltica, a economia, de uma determinada sociedade num dado tempo. E as produes historiogrficas de Braudel? Ambos os historiadores tornaram-se especialistas em histria medieval, publicando obras de renome como Les Rois Thamaturges (Os Reis Taumaturgos) e La societ fodale (A Sociedade Feudal), a primeira um estudo sobre o carter sobrenatural atribudo aos reis da Frana e Inglaterra e a segunda uma sntese dos conhecimentos do momento sobre a organizao social da Idade Mdia, ambos lanados entre 1923 e 1936. Segundo Burke, 1997, Os Reis Taumaturgos de Bloch merece ser considerada umas das grandes obras histricas do nosso sculo, culo tema a crena, difundida na Inglaterra e na Frana da Idade Mdia at o sculo XVIII, de que os reis tinham o poder de curar os doentes de escrfula, uma doena de pele conhecida como mal dos reis transmitida atravs do toque real e acompanhado de um ritual. Esse livro foi pioneiro para o que atualmente entendido por histria das mentalidades. tambm descrito como um estudo de sociologia histrica, ou antropologia histrica, por focalizar as crenas. Mas, a partir do livro A Sociedade Feudal, que Bloch mais conhecido. Esse estudo abrange quatro sculos de histria europia, do ano 900 a 1300, uma variedade de temas como: servido e liberdade, monarquia sagrada e a importncia do dinheiro. considerado um livro muito influenciado pelo socilogo Durkheim, onde utilizada a linguagem da conscincia coletiva, da memria, das representaes coletivas. (BURKE, 1997). Para Lucien Febvre a Histria era a cincia dos homens, a cincia da mudana perptua das sociedades humanas, j Marc Bloch a definia como a cincia dos homens no tempo.

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Para refletir...Historiografia

O que vocs acham dessas definies da histria? Vocs definem histria para seus alunos? Como? Em busca de uma interdisciplinaridade para a histria.

Qual seria a caracterstica principal das trs geraes?A I-N-T-E-R-D-I-S-C-I-P-L-I-N-A-R-I-D-A-D-E

Os fundadores do movimento, Bloch e Febre, questionavam o porqu da histria fechar-se em si mesmo, abdicando de um dilogo com as cincias vizinhas. No programa proposto por eles preponderava fundamentalmente: a interdisciplinaridade (histria com Antropologia, Psicologia, Geografia, Economia, Sociologia, entre outras), a mudana dos objetos da pesquisa (estruturas econmico-social-mental), mudana na explicao/ compreenso em histria, no conceito de fonte histrica e, sobretudo a mudana do conceito de tempo histrico. (REIS, 2004). Enquanto Febvre proclamava historiadores, sejam gegrafos. Sejam juristas, tambm, e socilogos, e psiclogos (BURKE, 1997, p. 12), Bloch, na mesma linha, era um medievalista que pensava sob a perspectiva da histria problema. Segundo Burke : O compromisso de Bloch com a geografia era menor do que o de Febvre, embora seu compromisso com a sociologia fosse maior. Contudo, ambos estavam pensando de uma maneira interdisciplinar. Bloch, por exemplo, insistia na necessidade de o historiador regional combinar as habilidades de um arquelogo, de um palegrafo, de um historiador das leis, e assim por diante. Esses dois homens tinham necessariamente de encontrar-se. Bloch e Febvre passam a reclamar uma histria problema, oposta narrativa de fatos e de feitos hericos. A histria agora passava a ser total provida de emoes, medos, taxas demogrficas, relaes familiares, etc. Ao invs do grande nome, do imperador, do general, do rei, do papa, agora contava o homem comum, o ser construtor da nova histria. dessa forma que vai-se abrindo caminho para o cotidiano e as mentalidades, considerados ento, objetos dignos de interesse pelo historiador. Como foi dito anteriormente, Bloch estudou a crena milenar que franceses e ingleses tiveram no poder curativo de seus reis e sobre doena escrfula em Les Rois Thaumaturges, (Os reis Taumaturgos) enquanto Febvre discutiu a possibilidade de haver ou no descrena, ou seja, irreligiosidade, na Frana no sculo XVI, em O problema da descrena - a religio de Rebelais. A pergunta desse livro era: Era ou no Rabelais um ateu? Mas o que significa teoricamente a interdisciplinaridade na Histria, proposta pelo Annales? Segundo o filsofo francs Michel Foucault, em sua obra, As palavras e as coisas, significa adotar o ponto de vista das cincias sociais, emprestar-lhes objetos, instrumentos, mtodos e a dimenso do tempo. Para Bloch e Febvre a interdisciplinaridade poderia se dar pelo objeto comum histria e s cincias sociais: o homem social. (REIS, 2004). E o resultado para a histria, desta interdisciplinaridade?

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a) multiplicao de pesquisa particulares e localizadas b) a histria fragmentou-se em infinitas histrias, bem distante da to anunciada pelo Annales, viso global do homem social.

Sobre esta excessiva fragmentao da histria, interessante ler o livro de Franois Dosse, A Histria em Migalhas. Atualmente, a interdisciplinaridade, tornou-se uma ameaa para histria, para sua identidade enquanto histria.

NOVOS PRESSUPOSTOS PARA A ESCRITA DA HISTRIADo que foi exposto at aqui, vocs podero se questionar, qual era o modelo proposto por esses historiadores revolucionrios? Vamos em frente...

Atentem para os novos princpios da escrita dessa histria:1 - histria global ou total numa tentativa de apreender a totalidade e a coeso de qualquer perodo histrico ou sociedade; 2 - uma convico de que a histria determinadas por foras externas ao homem mas no so inteiramente neutras; 3 - a determinao, sem prescindir da totalidade da ao humana, na anlise estatstica rigorosa.

Questes como interdisciplinaridade, novos objetos, tudo passaria a ser objeto de pesquisa histrica, as estruturas, econmico-social-mental, assim como a explicao e a evoluo no conceito de fontes histricas e sobretudo a modificao no conceito de tempo histrico foram o marco das produes historiogrficas influenciadas pelo movimento dos Annales.

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Ateno!Historiografia

No deixem de ler o texto A trajetria da Escola dos Annales no link www.2.uol.com.br/ cultvox/novos/novos_artigos/ trajetria_annales.pdf

Os Annales e as fontes histricas A documentao ser agora relativa ao campo econmico-social-mental: massiva, serial revelando a longa durao. Os documentos referem-se vida cotidiana das massas annimas, sua vida produtiva, s suas crenas coletivas. Os documentos no so mais ofcios, cartas, editais, textos explcitos sobre a inteno do sujeito, mas listas de preos, de salrios, sries de certides de batismo, bito, casamento, nascimento, fontes notariais, contratos, testamentos, inventrios. Ou seja, a documentao massiva e involuntria prioritria e em relao aos documentos voluntrios e oficiais. Todos os meios so tentados para se vencer as lacunas e silncios das fontes. Os Annles foram engenhosos para inventar, reinventar ou reciclar fontes histricas. Eles usavam escritos:1. psicolgicos 2. orais 3. estatsticos 4. musicais 5. literrios 6. poticos 7. religiosos

Utilizaram de maneira ousada e inovadora a documentao e as tcnicas das diversas cincias sociais: Da economia = arquivos bancrios, empresas, balanos comerciais, documentos porturios, documentos fiscais e alfandegrios. Da demografia = registros parquias, civis, recenseamentos. Da antropologia = os cultos, os monumentos, narrativas orais, hbitos de linguagem, livros sagrados, iconografia, lugares sagrados, relquias, gestos, medicina popular, processos da inquisio, testamentos, vocabulrios, folclores, rituais. Do direito = arquivos judicirios, processos criminais, arquivos eleitorais, correspondncias oficiais, a legislao. Da arquelogia = cermicas, tumbas, fsseis, paisagens, conjuntos arquiteturais, inscries, moedas.

Sobre as tcnicas para o tratamento dessas fontes: teorias econmico-sociais, a informtica, reconstituio de famlias, anlise estatstica, modelos, inventrios, lexicografia, fotografia area, fenologia, dendrocronologia, carbono 14, genealogia, microfilme, gravador, filmagem, etc. (DOSSE, A histria em migalhas, 1887; BURKE, A Escola dos Annales, 1990). Os historiadores e a utilizao das fontes

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Como se deve manusear adequadamente as fontes histricas? Vejam alguns exemplos de fontes:a) documentais de arquivos (cartoriais, eclesisticos, judicirios, etc); b) impressas (jornais, revistas); c) orais (entrevistas); d) audiovisuais e musicais (rdio, cinema, televiso).

Para se utilizar da melhor forma possvel os documentos de arquivos, recomenda-se o seguinte:a) conhecer a origem dos documentos (estudar o funcionamento da mquina administrativa para entender o contexto de produo dos documentos); b) preparar-se para enfrentar as condies de trabalho do arquivo escolhido (alguns encontram-se em difceis condies de trabalho); c) usar luvas, mscaras e avental e lupas de aumento no contato direto com os documentos; d) manusear os papeis com cuidado, respeitando seus limites; e) buscar familiarizar-se da caligrafia, se for possvel aprender paleografia; f) Cruzar fontes, cotejar informaes, justapor documentos, relacionar texto e contexto; g) Observar as regras existentes de transcrio e edio, anotar a refrencia do documento indicar todos os dados que permitam identifica-lo.

Para os impressos, orientamos assim:a) constituir uma longa e representativa srie de jornais ou revistas b) atentar para periodicidade, uso ou ausncia de iconografia e de publicidade c)caracterizar o grupo responsvel pela publicao d) identificar os colaboradores e) informar a que pblico se destinava

Sobre as fontes orais, recomendamos:a) familiarizar-se com as discusses acadmicas sobre o tema e da metodologia de Histria oral, levando em considerao as reflexes dos estudiosos a respeito de: polarizao simplificada entre memria oficial e memria dominada; considerar as condies de produo da fonte oral (alis o que deve se fazer com qualquer fonte); b) definir que tipo de pessoa ser entrevistada, quantos e qual o tipo de entrevista ser realizada; c) elaborar uma listagem extensa e flexvel das pessoas que sero entrevistadas ( bom que as pessoas sejam de diferentes origens, classes sociais); d) Reservar um tempo relativamente longo para a realizao das entrevistas, assim como a elaborao de roteiros com perguntas tambm flexveis, abertas, diretas; e) No esquecer o documento de cesso de direitos (autorizao do entrevistado para publicar as informaes contidas na entrevista); f) Duplicar a gravao e transcrever a fita e editar o texto se for para publicao;

A respeito das fontes audiovisuais e musicais deve-se:a) compreender a linguagem tcnico-esttica dessas fontes e as representaes da realidade histrica ou social nela contidas; b) organizar a ficha tcnica e explorar gnero, suporte, origem, data, autoria, contedo, acervo; c) analisar letra, estrutura musical, sonoridade vocais e instrumentais, visuais. (PINSKY, 2005).

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Historiografia

Principais contribuies dos annales Para Burke, 1997, a principal proposta dos Annales foi a interdisciplinaridade e as suas trs geraes apesar das divergncias e descontinuidades fizeram uma histria sob a influncia das cincias sociais. Vejam com suas prprias palavras:Da minha perspectiva, a mais importante contribuio do grupo dos Annales, incluindo-se as trs geraes, foi expandir o campo da histria por diversas reas. O grupo ampliou o territrio da histria, abrangendo reas inesperadas do comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos historiadores tradicionais. Essas extenses do territrio histrico esto vinculadas descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos mtodos para explorlas. Esto tambm associadas colaborao com outras cincias, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia lingstica, da economia psicologia. Essa colaborao interdisciplinar mantevese por mais de sessenta anos, um fenmeno sem precedentes na histria das cincias sociais. (BURKE, 1997, p.126).

Burke ainda acrescenta que depois do movimento dos Annales, a historiografia nunca mais foi a mesma. Entretanto, Reis (2000) considera que a grande mudana produzida pelos Annales foi a nova representao do tempo, exigida pela prtica da interdisciplinaridade. (Braudel, Escritos sobre a Histria, 1978). As cincias sociais opem-se viso da histria como a construo linear e acelerada do futuro. Contra a abordagem teleolgica, as cincias sociais preferiro uma abordagem estrutural do tempo histrico. Relao entre tempo histrico e conhecimento histrico1. A percepo das experincias humanas cria a representao do tempo histrico.

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2. A representao do tempo histrico condio subjetiva do historiador e da sua sociedade, sobre a qual todas as experincias se tornam inteligveis. 3. O tempo histrico enquanto tal uma abstrao. Ele s existe em relao a uma poca histrica determinada e a uma construo simblica determinada. 4. No se tem o tempo histrico enquanto tal, mas um tempo histrico do qual se fala. 5. O tempo histrico se d a uma representao histrica.

Donde se conclui que:Toda renovao em histria, toda escola histrica realiza uma mudana profunda na representao do tempo histrico, apoiadas em mudanas ocorridas na histria efetiva. esta reconstruo que permite a renovao tericometodolgica da histria, pois a partir dela que se distinguem novos objetos, que se formulam novos problemas e reformulam-se os antigos, que se constroem novas abordagens. Enfim a hiptese, em sua terceira formulao: relao tempo histrico e conhecimento histrico.

O conhecimento histrico s se renova, uma nova histria s aparece quando se realiza uma mudana significativa na representao do tempo histrico. O tempo histrico, portanto, parece-nos o centro e a base de toda reflexo sobre a pesquisa histrica. Muda-se a perspectiva sobre esse centro e base, uma outra histria emerge, com novos historiadores, novos objetos, novas fontes, novas tcnicas e uma nova utopia. Quando aos annales, em decorrncia dessa hiptese geral, eles s representaram uma renovao terico-metodolgica e utpica em relao histria tradicional porque teriam produzido, sob a influncia das cincias sociais, uma nova representao do tempo histrico. (Reis, 1994, Tempo, Histria e Evaso).

A INFLUNCIA DOS ANNALES PARA O HISTORIADOR ATUAL histria total e a ampliao e diversificao do conceito de fontes; abertura de fronteiras temticas; construo da histria problema; interpretao, a busca dos porqus , indo alm do o qu e do como da histria tradicional do sculo XIX.

Recapitulando, foi Em 1929, que a revista Anais da Histria Econmica e Social, dirigidas por Marc Bloch e Lucien Febvre, provocou um turbilho no domnio da historiografia, transformando-se no principal acontecimento do sculo nesse mbito. O movimento dos Annales, surgido como desdobramento da revista fundada ao final dos anos vinte por Bloch e Febvre, s passou a ser reconhecido como um movimento a partir da segunda gerao e como desdobramento da liderana acadmica de Fernand Braudel. Peter Burke, 1997, autor de vrias obras sobre o que chama de revoluo francesa da historiografia, descreve as linhas diretrizes do movimento nos seguintes termos:Em primeiro lugar, a substituio da tradicional narrativa de acontecimentos por uma histria-problema. Em segundo lugar, a histria de todas as atividades humanas e no apenas

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histria poltica. Em terceiro lugar, visando completar os dois primeiros objetivos, a colaborao com outras disciplinas, tais como a Geografia, a sociologia, a psicologia, a economia, a lingustica, a antropologia social, e tantas outras.. (BURKE, 1997. p.11-12) Historiografia

Vimos que sob a proclamao de que a histria filha de seu tempo e defendendoa necessidade de uma histria mais abrangente e totalizante, os franceses Marc Bloch e Lucien Febvre lideraram a fundao da revista Annales, a qual terminou por promover uma verdadeira revoluo no fazer historiogrfico, resultando no aparecimento de uma outra concepo de histria: a Histria Nova. certo que o termo Histria Nova problemtico, na medida em que ignora as contribuies dos antecessores de Bloch e Febvre e, principalmente, porque prope uma unidade que no existe. Como j foi apontado, sob o guarda-chuva da Nova Histria so enquadradas e igualadas propostas historiogrficas no apenas diferentes como conflitantes, do que so exemplos os postulados de Le Goff e Vovelle sobre mentalidades ou, mesmo, os modelos de Histria Cultural de Thompson e Foucault. Os conflitos e as desavenas entre historiadores da escola marxista ortodoxa e os herdeiros da Escola dos Annales ainda que entre estes estejam marxistas da estirpe de Michel Vovelle tm obscurecido e prejudicado o debate historiogrfico. comum associar-se a herana historiogrfica de Bloch e Febvre Histria das Mentalidades e/ou Histria do Cotidiano, entretanto mais correto considerar que bastante vasto o campo abarcado hoje pela renovao historiogrfica que se iniciou nos anos trinta. Normalmente estas novas correntes so, todas, enquadradas no grande cone Histria Cultural ou, quando muito, Histria Scio-Cultural. Observamos anteriormente que a terceira gerao dos Annales dcada de 60 a 80 se consentram os estudos nos hbitos, costumes, crenas, rituais, bem como do amor, do sexo, do casamento, da magia, da religio, da morte. Esse um momento de preocupao com a histria que mudava lentamente, e a essa gerao que ficou denominado Nouvelle Histoire, (Nova Histria) apesar de a idia de uma histria renovada j estar presente nos textos-manifestos dos primeiros momentos da revista, ainda no tempo de Bloch e Febvre. Franceses como Jacques Le Goff, George Duby, Jean-Louis Fladrim, Philippe Aris traduzem nas suas obras a preocupao latente com uma historiografia do cotidiano, com uma histria das mentalidades. Esse quadro de renovao no se limita Frana. Na Inglaterra outros autores como E. P. Thompson, Christopher Hill, Eric Hobsbawm procuraram pontos de ligao entre a antropologia e categorias marxistas, assim como na tradio socialista de uma histria dos movimentos sociais. (SOUZA, 1986). dessa forma que o estudo do cotidiano e das mentalidades vai ganhando o estatuto da anlise das aes humanas enquanto repetio, manuteno e entraves, muitas vezes de transformaes mais radicais das sociedades, o cidado comum, independentemente de raa, credo ou condio econmica, passa a ser visto como um agente histrico. Contemporaneamente o ensino da Histria, articulado a estas inovaes tericas, convive com a possibilidade de trazer para o ambiente da sala de aula novas temticas, como a histria da infncia, a famlia, as minorias, a festa, a moda, a culinria, o cotidiano e as mentalidades coletivas. O mercado editorial, tambm acompanhando estas mudanas, tem oferecido livros didticos que j contemplam estas novas temticas. Para esta pesquisa, o desafio de articular prticas pedaggicas a estas novas referncias esteve vinculado ao papel que as referncias ps-estruturalistas reservam para o ensino de histria: Estes assuntos podero ser estudados de maneira mais aprofundada, no Tema 4. Resumidamente, Marc Bloch clamava por uma histria-problema, profunda e total. Esta histria seria alcanada pela formulao de perguntas pertinentes por parte do

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pesquisador, a partir das quais ele questionaria o passado, atravs da aliana com as cincias sociais. Considere-se que a inteno de abordar aspectos relativos vida dos homens em sociedade, que transcendem a esfera poltica e exige mtodos e tcnicas de investigao e anlise dos quais a histria absolutamente no dispunha, tornando portanto fundamental essa aliana a servio da histria, com o intuito de incorporar metodologias compatveis para investigar novos temas e objetos. Lembramos que uma das principais contribuies dos Annales assim como da Nova Histria foi a INTERDISCIPLINARIDADE A primeira fase dos Annales que se inicia em 1929 mostrou um certo domnio de dilogo com a Sociologia. No segundo momento, perodo Braudel, a aproximao maior foi com a Economia. E no terceiro momento os dilogos foram com a Antropologia. A Antropologia e a Histrica, uma das principais junes interdisciplinares da nova escrita da histria. a antropologia histrica, pois os historiadores aprenderam muito com os antroplogos...

Por exemplo, Cliford Geertz com a sua descrio densa no livro A Interpretao das Culturas. Analisa-se um microfenmeno, um ritual, uma obra, um evento buscando caractersticas que definem a sociedade da qual esto inseridos via mediao dos significados da cultura. Um mtodo parecido com o da etnografia.Um exemplo deste tipo de estudo, ainda que pese a dimenso mais ampla e menos antropolgica, livro de Georges Duby sobre a batalha de Bouvines em 1214 O Domingo de Bouvines.

Esta histria est inserida na Nova Histria Cultural, sucesso nos EUA e destaque para os historiadores Natalie Zenon Davies e Robert Darnton. Metodologicamente estes historiadores fazem uma aproximao entre