AGOSTO 2013

8
E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, AGOSTO/2013 - ANO XVI - N o 199 O ESTAFETA Foto Arlete Monteiro Os milhões e milhões de brasileiros que foram às ruas, no mês passado, pe- dir melhorias dos serviços públicos e gritar que os políticos não os represen- tam não estão mais órfãos. Eles encon- traram na figura do papa Francisco um exemplo de governante a ser imitado – para quem não sabe, além de ser o líder da Igreja Católica, o papa é Chefe de Estado, já que o Vaticano é uma cidade- estado com todas as características de um país independente. Os gritos contra a corrupção e por mais dignidade de vida encontraram eco no Santo Padre. Um mês após as manifestações que tomaram conta das ruas do país e fize- ram os políticos criarem agendas positi- vas, bastou uma semana de Francisco no Brasil para se perceber que é possí- vel governar pensando nos mais pobres. Se os políticos e seus partidos fo- ram repelidos quando tentaram se jun- tar aos atos públicos, o povo literalmen- te correu para os braços do papa. Por onde ele passou as pessoas o abraça- ram, beijaram, aplaudiram e ovacionaram. Seus discursos no Brasil contra a corrupção e cobrando dos políticos que lutem para diminuir a desigualdade so- cial não ficaram só no papel . Diferente- mente da maioria dos políticos que pro- metem muito nas campanhas e entregam pouco quando assume os mandatos, Francisco vive o que prega. Cientistas políticos e teólogos con- sideram que a visita do papa Francisco ao Brasil deixou muitas lições para nos- sos políticos e governantes. Tudo o que os jovens que foram às ruas, em julho, pedir encontrou eco no papa Francisco. Ele é um governante e um líder religioso que dispensa luxo e usa seu cargo para ajudar os mais po- bres e não para se beneficiar. O papa atende e defende sempre os interesses de quem mais precisa. Já os políticos, em geral, atendem os interesses dos que os ajudaram nas campanhas. O que vem a ser Memória e Patrimônio, do ponto de vista da História? Vejamos como podemos compreender mais adequadamen- te esses dois conceitos: memória e patrimônio, a partir de sua etimologia. A palavra patrimônio é formada por dois vocábulos greco-latinos – “pater e “nomos”. A palavra “Pater” significa chefe de família, ou, num sentido mais amplo, os antepassados. Dessa forma, pode ser asso- ciada também a bens, posses ou heranças deixados pelos chefes ou antepassados de um grupo social. Essas heranças tanto po- dem ser de ordem material como imaterial – um bem cultural ou artístico também pode ser um legado de um antepassado. A pala- vra “Nomos” origina-se do grego. Refere- se à lei, usos e costumes relacionados à ori- gem, tanto de uma família quanto de uma cidade. O “nomos” relaciona-se, portanto, com o grupo social. O patrimônio pode ser compreendido, portanto, como o legado de uma geração ou de um grupo social para outro. Por sua vez, a palavra Memória origina- se do grego “mnemis” ou do latim “memó- ria”. Em ambos os caos, a palavra denota significado de conservação de uma lembran- ça. Trata-se de um termo presente e utiliza- do por várias ciências, sendo absorvida pelas novas correntes historiográficas. Para os gregos, a memória estava recoberta de um alo de divindade, pois referia-se à “deu- sa Mnemozyne, mãe das Musas que prote- gem as artes e a história”. De acordo com Marilena Chauí, “A me- mória é uma evocação do passado. É a ca- pacidade humana para reter e guardar o tem- po que se foi, salvando-o da perda total. A lembrança conserva aquilo que se foi e não retornará jamais”. Em princípio, podemos dizer que a his- tória é uma ciência dos patrimônios e da memória. Dentro de uma corrente po- sitivista, ela foi entendida e tida como uma ciência dos monumentos. Daí a frequente utilização do conceito “patrimônio históri- co” referindo-se a algum monumento arquitetônico de uma sociedade ou de um grupo social. Mas nisso se manifesta o grande problema: tanto o patrimônio como a memória são realidades presentes. Não são o passado nem o presente. Podemos dizer que são marcas do passado no pre- sente: estabelecem uma ponte entre a flui- dez do presente e a inacessibilidade do passado. Podemos constar que as ações huma- nas fazem a história e, ao mesmo tempo, manifestam o que o ser humano é capaz de produzir, também chamado de cultura. Mas por que o ser humano produz os elementos culturais? Por que age no mundo? Para dei- xar sua marca, perpetuando-se não só em sua descendência como também em suas realizações. História, Patrimônio e Memória Tanto o patrimônio como a memória são realidades presentes. Não são o passado nem o presente. Podemos dizer que são marcas do passado no presente. Na foto, a Estação Ferroviária Rodrigues Alves, em Piquete, patrimônio histórico municipal e estadual.

description

O Estafeta Edição 199, de agosto de 2013, do informativo O ESTAFETA, publicado pela Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

Transcript of AGOSTO 2013

Page 1: AGOSTO 2013

E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, AGOSTO/2013 - ANO XVI - No 199

O ESTAFETAFoto Arlete Monteiro

Os milhões e milhões de brasileirosque foram às ruas, no mês passado, pe-dir melhorias dos serviços públicos egritar que os políticos não os represen-tam não estão mais órfãos. Eles encon-traram na figura do papa Francisco umexemplo de governante a ser imitado –para quem não sabe, além de ser o líderda Igreja Católica, o papa é Chefe deEstado, já que o Vaticano é uma cidade-estado com todas as características deum país independente.

  Os gritos contra a corrupção e pormais dignidade de vida encontraram econo Santo Padre.

Um mês após as manifestações quetomaram conta das ruas do país e fize-ram os políticos criarem agendas positi-vas, bastou uma semana de Franciscono Brasil para se perceber que é possí-vel governar pensando nos mais pobres.

Se os políticos e seus partidos fo-ram repelidos quando tentaram se jun-tar aos atos públicos, o povo literalmen-te correu para os braços do papa. Poronde ele passou as pessoas o abraça-ram, beijaram, aplaudiram e ovacionaram.Seus discursos no Brasil contra acorrupção e cobrando dos políticos quelutem para diminuir a desigualdade so-cial não ficaram só no papel . Diferente-mente da maioria dos políticos que pro-metem muito nas campanhas e entregampouco quando assume os mandatos,Francisco vive o que prega.

Cientistas políticos e teólogos con-sideram que a visita do papa Franciscoao Brasil deixou muitas lições para nos-sos políticos e governantes.

Tudo o que os jovens que foram àsruas, em julho, pedir encontrou eco nopapa Francisco. Ele é um governante eum líder religioso que dispensa luxo eusa seu cargo para ajudar os mais po-bres e não para se beneficiar. O papaatende e defende sempre os interessesde quem mais precisa. Já os políticos,em geral, atendem os interesses dos queos ajudaram nas campanhas.

O que vem a ser Memória e Patrimônio,do ponto de vista da História? Vejamos comopodemos compreender mais adequadamen-te esses dois conceitos: memória epatrimônio, a partir de sua etimologia.

A palavra patrimônio é formada por doisvocábulos greco-latinos – “pater e“nomos”. A palavra “Pater” significa chefede família, ou, num sentido mais amplo, osantepassados. Dessa forma, pode ser asso-ciada também a bens, posses ou herançasdeixados pelos chefes ou antepassados deum grupo social. Essas heranças tanto po-dem ser de ordem material como imaterial –um bem cultural ou artístico também podeser um legado de um antepassado. A pala-vra “Nomos” origina-se do grego. Refere-se à lei, usos e costumes relacionados à ori-gem, tanto de uma família quanto de umacidade. O “nomos” relaciona-se, portanto,com o grupo social. O patrimônio pode sercompreendido, portanto, como o legado deuma geração ou de um grupo social paraoutro.

Por sua vez, a palavra Memória origina-se do grego “mnemis” ou do latim “memó-ria”. Em ambos os caos, a palavra denotasignificado de conservação de uma lembran-ça. Trata-se de um termo presente e utiliza-do por várias ciências, sendo absorvidapelas novas correntes historiográficas. Paraos gregos, a memória estava recoberta deum alo de divindade, pois referia-se à “deu-

sa Mnemozyne, mãe das Musas que prote-gem as artes e a história”.

De acordo com Marilena Chauí, “A me-mória é uma evocação do passado. É a ca-pacidade humana para reter e guardar o tem-po que se foi, salvando-o da perda total. Alembrança conserva aquilo que se foi e nãoretornará jamais”.

Em princípio, podemos dizer que a his-tória é uma ciência dos patrimônios e damemória. Dentro de uma corrente po-sitivista, ela foi entendida e tida como umaciência dos monumentos. Daí a frequenteutilização do conceito “patrimônio históri-co” referindo-se a algum monumentoarquitetônico de uma sociedade ou de umgrupo social. Mas nisso se manifesta ogrande problema: tanto o patrimônio comoa memória são realidades presentes. Nãosão o passado nem o presente. Podemosdizer que são marcas do passado no pre-sente: estabelecem uma ponte entre a flui-dez do presente e a inacessibilidade dopassado.

Podemos constar que as ações huma-nas fazem a história e, ao mesmo tempo,manifestam o que o ser humano é capaz deproduzir, também chamado de cultura. Maspor que o ser humano produz os elementosculturais? Por que age no mundo? Para dei-xar sua marca, perpetuando-se não só emsua descendência como também em suasrealizações.

História, Patrimônio e Memória

Tanto o patrimônio como a memória são realidades presentes. Não são o passado nem o presente.Podemos dizer que são marcas do passado no presente. Na foto, a Estação Ferroviária RodriguesAlves, em Piquete, patrimônio histórico municipal e estadual.

Page 2: AGOSTO 2013

Página 2 Piquete, agosto de 2013

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204

Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues Ramos

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

Nos últimos anos, a fotografia vem, aospoucos, sendo utilizada nas escolas comosuporte para aulas de História, principalmen-te a que se refere a dos municípios. Ela podeser um instrumento que fornecerá aos pro-fessores importantes recursos que o auxili-arão em sua tarefa de promover a aprendiza-gem do aluno. Devido às cenas recortadase representadas na imagem congelada no-vas informações sobre os fatos históricoscontribuirão na formação dos alunos, tor-nando-os capazes de raciocinar historica ecriticamente, com sensibilidade sobre a vidasocial, material e cultural da sociedade. Tema fotografia, ainda, o potencial de despertaro interesse dos alunos, predispondo-os aaprender.

Para ensinar com a ajuda de imagens, oprofessor deve ter em mente que a fotogra-fia funciona como um mediador cultural, ouseja, atua na interação entre conhecimen-tos prévios e novos conhecimentos. Estainteração ocorre de forma dialógica, em queestá presente a ideia de múltiplas vozes, ocontato com várias linguagens para se cons-truir um novo saber.

A iconografia fotográfica, através dostemas abordados ou propostos aos alunos,fornece amplo painel de informações visu-ais para a compreensão do passado em seusmúltiplos aspectos. No entanto, a sua utili-zação como fonte histórica ou até mesmocomo recurso pedagógico, no cotidiano es-colar, durante o processo ensino-aprendi-zagem de História, ainda é bastante restrito.

Guardiãs de memórias, as fotografias sãodocumentos valiosos para recuperar, aindaque de modo fragmentado, os registros de

uma época. Delas é possível extrair informa-ções acerca das diferentes formas de viver,pensar, trabalhar e conviver em sociedade,a exemplo do que é feito com documentosescritos. As fotografias podem ser um re-curso de reflexão para os alunos, possibili-tando-lhes ver aquilo que, lendo, talvez nãopudessem concretizar. Para os mais novos,por vezes, prevalece a impressão de que acidade onde vivem já nasceu assim. Mos-tram, portanto, quantas mudanças ocorre-ram – do cotidiano aos grandes aconteci-mentos – e demonstram quanto ainda é pos-sível mudar no futuro. Para os mais velhos,por outro lado, as fotografias podem estarassociadas às lembranças de sua infânciaou juventude, além do dia a dia, os modosde vida e os hábitos do passado.

A fotografia deve ser entendida comofonte para a História e a memória social. Nasdiferentes escolas do país onde tem sidoutilizada na rede pública de ensino, o resul-tado tem sido positivo e estimulante. A pos-sibilidade da utilização desse suporteiconográfico leva a classe a discutir Histó-ria a partir de uma proposta de ensino quevaloriza a História local – próxima, portanto,da realidade do estudante, que, na maioriadas vezes, a desconhece. O conhecimentoda História de suas cidades pelos alunospode ser construído principalmente por meiode memórias trazidas pelas fotografias, quepossibilitam explorar vários temas locais:urbanização, trabalho, religião, ensino, fu-tebol, política, eventos sociais, temas queapontam para a inserção da História localno ensino de História.

A utilização das imagens fotográficas

O uso da fotografia no ensino de Históriapara se conhecer o passado jamais deve serentendida como mera ilustração aos textos.O estudioso Boris Kossoy afirma que “asfontes fotográficas são uma possibilidadede investigação e descoberta que prometefrutos na medida em que se tentar sistemati-zar suas informações, estabelecer meto-dologias adequadas de pesquisa e análisepara decifração de seus conteúdos e, porconsequência, da realidade que os origi-nou”. Portanto, o trabalho em sala de aulacom a fotografia possibilita ao aluno umaprática de análise que pode ser inserida numcontexto pessoal e também cultural, permi-tindo-lhe a formação de uma posição comrelação às informações visuais que lhe che-gam a todo instante e, à sua maneira, trei-nando seu olhar sobre o presente. O uso dafotografia incorporada à prática pedagógi-ca pressupõe uma escola que contemple nosseus objetivos a necessidade de uma for-mação integral do aluno.

Imagem - Memória

Page 3: AGOSTO 2013

O ESTAFETA

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Página 3Piquete, agosto de 2013

Valter Paulino Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Um professor “das antigas”, daquelesque ensinavam, educavam e se distinguiampelo comportamento e postura diferencia-dos – a descrição para Valter Paulino.

Longe de ser tão “das antigas”, ValterPaulino nasceu em Piquete a 16/03/1951, fi-lho de Nelson Paulino e Tereza MonteiroPaulino. “Nasci pelas mãos de meu pai... Foiuma noite de muita chuva, por isso não tevejeito de minha mãe sair de casa para o hos-pital...”, conta, aos risos... “Nasci pelas mãosde Deus e de meu pai!”, acrescenta...

Valter, segundo entre cinco irmãos, con-ta que teve uma infância maravilhosa: “Ima-gine o que é crescer numa fazenda, poden-do correr descalço entre o gado, andar acavalo e brincar... Que criança não gosta-ria?!”. Nascido e criado na Fazenda SãoMiguel, “onde a família está desde antes daemancipação política do município”, vaidesfiando nomes de amigos com quem brin-cava... “Alguns se foram jovens, mas mui-tos estão aí, com família e felizes também...Isso é importante...”.

Como muitos contemporâneos, Valter fezo primário no Antônio João. Em seguida foipara o Ginásio Industrial. “Meu pai tinhauma regra: seus filhos tinham que se formarem Mecânica ou em Química”, afirma. “Daíque fui para o Ginásio Industrial... Chegueia fazer estágio na FPV, no 3º Grupo”. Masnão era do que gostava e os resultados nãoforam bons. Foi, então, para o Colégio Esta-dual, onde concluiu o Ensino Médio. Dan-do sequência aos estudos, ingressou nafaculdade de Estudos Sociais da UNISAL.“Obtive a Licenciatura Curta em Lorena, em1975. O diploma de Licenciatura Plena tevede ser obtido em Cruzeiro, na FIC, em 1977,porque a UNISAL encerrou o curso”, con-ta. Paralelamente à FIC, Valter cursou o últi-mo ano da Escola Normal Livre Duque deCaxias. Em 1976, começou a lecionar na Es-cola Normal. Eram diversas matérias, todasrelacionadas entre si: Sociologia, RelaçõesHumanas, Relações Públicas na Escola eHistória da Educação... “Desde 1974, já tra-balhava na Prefeitura como escriturário epensei que ficaria por lá... Incentivado, po-rém, pelo professor Leopoldo, enveredeipelo Magistério... Foi ele que me conven-ceu a lecionar...”, relata. É evidente sua ad-miração por Leopoldo Marcondes de MouraNetto, reconhecido professor e diretor detantas gerações piquetenses.

Na “escola do professor Leopoldo” fi-cou por 25 anos... Lecionou, em séries di-versas, matérias como – além das citadas –Educação Moral e Cívica e OrganizaçãoSocial e Política do Brasil. “Essas cadeirasme exigiam pulso firme na sala de aula...”.

No setor público, lecionou pelo Estadoem diversas cidades: Piquete, Guara-tinguetá, Cachoeira Paulista, Cunha... E nes-sas cidades, em diversas escolas... “Chegueia pegar mais de 40 aulas na semana em para-lelo ao trabalho da Prefeitura... Adentrava amadrugada corrigindo provas e preparandoaulas... Era uma loucura...”. Com toda essacarga horária, ainda encontrava tempo paraa diversão: desfilou vários anos no Carna-val no bloco Pé-de-Cana... Também colabo-rou com o Grêmio General Carneiro, clubedo qual foi secretário por cerca de dez anos.

Em 19/07/1986 casou-se com Maria dasGraças Rosa Paulino, com quem tem um fi-lho, Wellington Valter Paulino. Na esposa,percebem-se carinho e admiração.

Em 2004 aposentou-se da PrefeituraMunicipal, tendo passado por diversas ad-ministrações: Christiano Rosa, José Arman-do, Otacílio, Alaor, Cariri e Carlinhos Ses-são... No Estado, encontra-se readaptadono Colégio Leonor Guimarães, mas afasta-do por complicações do diabetes, que des-cobriu em 1998.

Os estudos foram uma constante paraValter Paulino... Cursou também Economiae Pedagogia. Ainda que não tenha finaliza-do esses cursos – sempre por pouco tempo–, percebe-se que sua vida foi pautada noaprendizado e no compromisso com a edu-cação... Aprendeu nos bancos escolares enas dificuldades e alegrias... Ensinou e edu-cou, com facilidades e entraves, ao longo

de toda sua carreira...Ainda hoje, as limitações

causadas pela diabetes nãoo impedem de colaborar comos que buscam nele ajudapara trabalhos escolares... Aagradável conversa com oprofessor Valter Paulino foilonga, mas sustentada porsua alegria contagiante,sua inteligência. Isso semfalar na forma didática comque discorre sobre suahistória... Não restam dú-vidas: é um “professordas antigas”!

Por que, para tantos, é tão difícil assu-mir que têm muito a aprender?

Identifico situações em que a arrogân-cia e o ego inflado são os piores inimigosde uma pessoa. Por não terem a humildadede se aceitar em posição de aprendiz, mui-tas vezes assumem riscos desnecessáriose se submetem a situações de stress extre-mo. É essencial enfrentar desafios, enca-rar novos horizontes e, obtido o sucesso,desfrutar do prazer de uma meta conquis-tada. Somente aceitando desafios que nossão impostos galgaremos posições melho-res e desfrutaremos de sucesso em nos-sas vidas. Tem-se, porém, de ser honestoconsigo mesmo para avaliar até que pontoprosseguir e, se necessário, exigir prazospara se preparar. Imaginem, por exemplo,um cirurgião recém-formado, sem experi-ência em determinada cirurgia, que, tendoa opção de acionar um colega mais experi-ente, aceita uma intervenção cirúrgica so-mente para não se mostrar despreparadonuma posição recém-assumida. Ele estásendo irresponsável. Está colocando emrisco a vida de seu paciente e também aprópria reputação. É uma situação extremaeste exemplo, é claro. Mas, sabemos, hámuitos que constantemente assumem car-gos e posições para os quais não estãopreparados – muitas vezes não têm nemconsciência disso; fazem-no em função deum ego excessivamente inflado e não per-cebem que se expõem ao ridículo.

Assumir desafios é a melhor forma deevoluir. É importante, porém, que ao as-sumi-los, conheçamos e controlemos osriscos. Desconhecendo esses riscos, é im-portante que solicitemos tempo paraidentificá-los e nos prepararmos paraenfrentá-los. O diferencial está justamen-te neste tempo solicitado: há que se cum-prir em prazos e metas – este é o verdadei-ro desafio.

No mercado de trabalho, somos cons-tantemente testados. Tarefas para os quaisnão estamos suficientemente aptos nascondições estabelecidas nos são ofereci-das. Os sábios, aqueles que valorizam oautoconhecimento, identificarão os riscose irão impor suas condições para aceitá-las. O esperado é uma postura ques-tionadora que demonstra conhecimentoda tarefa, de suas variáveis e dos possí-veis desdobramentos. Assumir-se parcial-mente preparado demonstra profissiona-lismo e amadurecimento.

O papa Francisco, no Rio de Janeiro,comentou sobre os extremos do mercadode trabalho: os jovens, com sua gana deaprendizado, e os “idosos”, com a experi-ência a ser transmitida. Francisco ressal-tou, em pronunciamento sobre o desem-prego, que o mercado não contrata jovens,pela falta de experiência, e dispensa osexperientes pela ausência de ambição. Foipreciso um papa para mostrar a incoerên-cia praticada. E é este papa que vem seprovando – sem que isso lhe seja neces-sário – inteligente, perspicaz e ciente doárduo desafio que lhe foi dado, que se mos-trou humilde e de ego desinflado: “Orempor mim! Eu necessito muito.” O homemque, pela fé católica, é o representante deDeus na Terra, pede que orem por ele; isso,sim, demonstra sapiência.

O verdadeiro sábio

Formandos da Escola Normal Livre Duque de Caxias

Page 4: AGOSTO 2013

O ESTAFETA Piquete, agosto de 2013Página 4

A História trabalhada em pesquisas cadavez mais aprofundadas, fugindo aos este-reótipos, às conclusões apressadas e aosmodos generalizados a que se aplicam osque, dotados pelo gosto dos relatos, di-vulgam, enfatiza três elementos des-tacáveis: a memória, o ressentimento e oesquecimento.

A memória que pertence a todos e é cul-tivada por alguns é a que invoca Clio, a musada História, sempre ameaçada por Chronos,o tempo, que a devora e leva ao esqueci-mento, principalmente quando o ressenti-mento se sobrepõe para dramatizar as emo-ções.

Assim pode ser vista a RevoluçãoConstitucionalista de 1932. Da memória cui-dam as entidades formadoras e as que emer-gem do movimento ainda com alguns he-róis e heroínas vivos (poucos) e fazem ques-tão de relatar os feitos e as lutas.

Do ressentimento cuidam ainda os quese sentiram de algum modo prejudicadospela instabilidade política, o medo, as per-das, seja de pessoas queridas, hoje no mau-soléu, a memória delas, seja dos bens mate-riais.

Reforçada a lembrança da capitulação,fora os atributos negativos, entre eles, a atri-buição do interesse pelo separatismo porparte da intelectualidade e da elite paulistaque gerou o movimento e o propagou emforte campanha promocional.

Campanha movida por cartazes ape-lativos, copiados dos modelos franceses, ea empolgante marca também de origem fran-cesa, – a “Paris – Belfort”, que animou omovimento revolucionário republicano fran-cês de 1848, a partir das barricadas de Paris.O apelo “às armas, cidadãos” serviu de motepara a nossa revolução.

E o esquecimento, hoje presente em umasociedade interessada apenas no feriadoestadual para comprazer-se, e o motivo cadavez mais relegado às pequenas citações noslivros de História, nem todos aliás, pois háalguns que nem o registram com destaque,e ainda, pelos esquecidos monumentos daspraças cujo nome se perde na falta de inte-resse dos cidadãos. Sabemos todos, em Pi-quete, qual é a nossa praça 9 de Julho? Epor que recebe esse nome? Um monumento

Nas efemérides, do tempo transcorrido, a memória de uma luta de glória e sangue de São Paulo, pelo Brasil.

Memória de 32

ali colocado homenageia nossos heróis de1932, da 2ª Guerra Mundial, de Suez e doHaiti.

Em São Paulo, a capital, o obelisco doIbirapuera rememora o evento nos 62 metrosde altura de composição com mosaicosvenezianos em cenas de luta e a evocaçãodos combatentes.

O mausoléu, nele inserido, é o lugar damemória. Junto a ele prestam-se as homena-gens nas datas do 9 de Julho.

No Vale do Paraíba, as cidades envolvi-das diretamente com o Movimento de 1932,segundo as citações mais correntes são Cru-zeiro, Guaratinguetá e Lorena, pelo que temsido dado com mais destaque. Cruzeiro foideclarada capital do Movimento Consti-tucionalista de 1932, pelas batalhas dadasno município e por ter sediada a assinaturado armistício de outubro de 1932, pondo fimao evento. Piquete, por sua vez, não apare-ce citada entre as cidades dadas como inva-didas, nomeadas acima. Entretanto, na me-mória do povo sempre ouvi dos parentes eamigos, e algumas testemunhas oculares,como Dona Eudoxia de Carvalho, sobre odesatino causado pelos soldados da repres-são federal, comandada por Getúlio Vargas.Nos limites da Mantiqueira, Minas estava apostos com as tropas federais. Estes domi-naram espoliando os pertences das famíliaspiquetenses. Ocorrência comum nos dife-rentes municípios paulistas, campos de lu-tas. Ouvi relatos pungentes do professorMiguel Reale, ex-reitor da USP e ilustre ma-gistrado, que na Revolução de 32 lutou nafrente sul como combatente constitucio-nalista convicto.

Em Piquete há relatos e fotos que pro-vam essa ocorrência. Casas foram invadi-das e saqueadas, assim como o hotel da fa-mília do Cel. José Mariano Ribeiro da Silva,chamado Hotel das Palmeiras, – para outros,das Paineiras –, por ter uma bela paineirajunto à fachada principal. Elementos da fa-mília rememoravam as perdas e as lamenta-vam revoltados por seus bens materiaisdilapidados. Ouvi vários depoimentos deDona Maria Eufrásia Couto e de sua filhaDona Lily, respectivamente filha e neta doilustre proprietário do hotel.

Os soldados constitucionalistas, venci-

dos, com poucos recursos e armamentos,recuaram e renderam-se às tropas oficiaismais poderosas.

Perdida a batalha, não foi perdida a luta,pois o Constitucionalismo triunfou. Outraconquista foi, no processo de democratiza-ção ensejado, o direito de voto às mulheres(1934) que tiveram representante valepa-raibana, eleita como parlamentar – a médicaCarlota Pereira de Queiroz de famílialorenense. A primeira mulher a ocupar ca-deira no Parlamento. O papel feminino noevento ainda não foi suficientemente estu-dado. As mulheres foram “soldados”, en-fermeiras e animadoras.

Na evocação do movimento, a RádioAparecida todos os anos dá destaque,rememorando os principais momentos e oenvolvimento valeparaibano. Em São Pau-lo, o Centro de Integração Empresa-Escola(CIEE) promove, anualmente, seminários nasemana da comemoração do evento. Nestecorrente ano, a 4 de Julho, o Seminário ho-menageou o historiador e acadêmico HernâniDonato (in memoriam), este, autor de váriaspublicações sobre a Revolução, da qual ele,menino, participou, segundo o próprio rela-to, como estafeta, isto é, distribuidor demensagens. Deixou uma história da Revo-lução e vários depoimentos.

A Academia Paulista de História, sediadana CIEE, destacou as palavras do Dr. RuyMartins Altenfelder Silva, presidente daAcademia de Letras Jurídicas, do Dr. LuizGonzaga Bertelli, este, presidente da Aca-demia de História e da entidade acolhedorada reunião solene, do Dr. Rogério Amato,presidente da Associação Comercial de SãoPaulo, e do Cel. Luiz Armando Pesce Arruda,da Polícia Militar de São Paulo, na época,Força Pública. Este, com destaque envol-vente da fala e da recorrência aos aconteci-mentos, mostrou, o forte engajamento des-sa unidade militar no movimento paulista.

Em Piquete, o esquecimento vai se fir-mando. E mesmo os ressentidos que lamen-tavam as perdas e ironizavam a vitóriafederalista já não existem mais. Sobrou-nosuma vaga impressão de um dia ter ouvidoas lembranças de um avô...

Dóli de Castro Ferreira

Fot

os A

rqui

vo P

ró-M

emór

ia

Page 5: AGOSTO 2013

O ESTAFETA Página 5Piquete, agosto de 2013

Era uma reunião de anjos. Olhavam aten-tamente para baixo. E viam um vale rodeadode montanhas com uma porção de gente seagitando cá embaixo.

Um perguntou ao outro:– O que é aquilo?– Aquilo é uma cidade – respondeu-lhe

aquele para o qual dirigiu a pergunta.– Uma cidade? Que é isso?– Uma cidade é um aglomerado de gente

ativa, pressurosa, trabalhando e se diver-tindo. Além disso, uma cidade em festa.Muita gente nas ruas e nos locais determi-nados do evento. Luzes, cores, sons carac-terizavam as ações. Ambos os anjos inter-locutores associavam-se na admiração, comeloquência.

– Isto é uma festa, pois não? disse umdeles.

– As nuvens afastadas permitiam-lhes avisão clara, tanto a diurna, que estava ter-minando, e a noturna, começando.

– Nós, como anjos orientados pelo ar-canjo Miguel, damos conta da observaçãoque ele próprio solicitou, disse o primeiro.

– E, como somos dotados da sabedoriade todas as línguas e sinais, entendemos asfalas e podemos relatar tudo, respondeu osegundo. Eles dizem coisas engraçadas, al-guns beberam já bastante. Outros brigam.Os mais calmos saem com as famílias, acom-panhados de crianças pequenas, acrescen-tou.

– Afinal, a dinâmica urbana, como dizemos mestres, é matizada de várias manifesta-ções. Por sinal, você está se lembrando da-quelas grandes manifestações das cidadesgrandes? As pessoas levantavam faixas ecartazes – críticas ao governo, aos partidospolíticos, aos grandes eventos nos quais

A reunião dos anjos nos dias idos de julho – a festagasta-se mais dinheiro do que nos empre-endimentos sociais necessários, ajuntou oprimeiro, que, nas hostes da hierarquia mili-tar celeste ocupava cargo de assessoria aocomandante Miguel. Chega um terceiro anjo.

– Vocês estão no campo das observa-ções. Eu dei uma volta lá embaixo e não per-ceberam. Aliás, não precisamos de asas,como pensa a maioria dos terráqueos, por-que somos leves, quase imponderáveis.Como intermediários entre os homens e adivindade sacralizada, estamos em posiçãoprivilegiada para avaliar ambas as partes eparticiparmos dos diálogos entre elas. Osoutros dois entreolharam-se assentindo coma cabeça. E um dos dois lembrou:

– Como temos funções específicas, háos anjos da guarda, os custódios ou de cus-tódia. Há os estrategistas, que iluminam cé-rebros na disputa dos espaços, seja militarou pacificamente, disse um deles.

Mas, disse-lhe outro:– Atenção, a noite chegou e as luzes

estão mais plenas! A festa vai se acalorar.Os ânimos estarão mais acesos. É precisovigiar, pois os espíritos estarão mais à soltanas suas preferências, algumas nem tão sau-dáveis. De repente, lá naquele cercado, quechamam arena, vão fazer uma encenação comtouros. É um tanto primitiva a ação, primiti-va no que diz respeito aos métodos de sub-meter os bois ao suplício, para que reajam epermitam aos seus montadores se exibir emdemonstrações de força e equilíbrio, vesti-dos com roupas alusivas à festa, e quandomuitas vezes são jogados ao chão e amea-çados de pisoteio, os “caubóis”, assim cha-mados da influência americana, ou vaquei-ros como se pode dizer, humilhados, saco-dem a poeira e abandonam a pista. O show

continua, diz um dos anjos observadores, edaí, a gritaria se acentua com a abertura deum enorme portão, por onde sai um rapazcorcoveando no touro. Outro exibicionista.Até cair, esborrachado, ou triunfar pela sub-missão do animal. Os aplausos estrugem. Agalera, como dizem lá embaixo, urra. As au-toridades presentes aplaudem. O apresen-tador tece palavras elogiosas e grandilo-quentes. É o rodeio, do agrado desta popu-lação que vive na cidade, com forte tradiçãorural.

Aí, para completar, o anjo que chegoupara se juntar aos dois observadores diz:

– O povo vai sair feliz da arena. O espe-táculo terminou, sempre dando graças aoAltíssimo, à proteção de Nossa SenhoraAparecida e em homenagem aos participan-tes e presentes. Um boa noite acalorado vi-bra do aparelho do altissonoro – o horáriojá está mudando a data. Se for o último dosdias e noites da festa, a saudação para oencontro do próximo evento. Um suspiro dasmoças mais recatadas, encantadas com abraveza dos montadores, ecoa mais vela-damente. Outras, esfuziantes, erguem bra-ços e gingam o corpo freneticamente. Quesonhos acalentarão? Uma rapaziada afoitase arvora em olhares sedutores. Se cor-res-pondidos, valerá a investida e os resulta-dos. Umas bebidas e umas melodias acalen-tadas pelo gosto do público animado porcantores tornados populares fecha o even-to.

O primeiro anjo do diálogo lembra:– Finalizamos aqui esse campo da ob-

servação. Farei o relatório ao Arcanjo. Oshumanos dessa parte chamada Piquete se-rão devidamente avaliados por seu prote-tor. Dóli de Castro Ferreira

As conferências de cultura são uma opor-tunidade ímpar para que, juntos, a socieda-de civil e os governos avaliem as políticasculturais da União, Estados, Municípios eDistrito Federal e façam propostas para seuaperfeiçoamento.

Visando a atender ao Ministério da Cul-tura (MinC), que incentiva críticas e suges-tões ao texto base da Conferência Nacionalde Cultura, que acontecerá em Brasília entreos dias 26 e 29 de novembro, foi promovidaem Aparecida, no dia 7 de agosto, uma Con-ferência Intermunicipal de Cultura, que reu-niu as cidades de Aparecida, Piquete, Potime Roseira. De forma organizada e partici-pativa, foram redigidas, debatidas e vota-das propostas de alteração no Texto Base

A Cultura em discussãopreviamente distribuído pelo MinC. Essematerial será encaminhado para a Secretariade Estado de Cultura para ser consolidadoem nível estadual em novo encontro quedeverá ocorrer na cidade de São Paulo. Tam-bém foram definidos os dois delegados dePiquete que participarão dessa etapa esta-dual, programada para setembro.

Uma política pública para a Cultura, senão for bem pensada e implementada, podenão dar em nada. A Conferência Nacionalde novembro deste ano será a terceira e háanos vem somando esforços do governocom diversos setores da sociedade civil querepresentam a cultura brasileira. Por meiodessas conferências, que consolidam inú-meras discussões país afora, busca-se ade-

quar à realidade legislação, conceitos im-portantes e formas de se garantir a indivi-dualidade e a identidade de cada compo-nente da riqueza cultural do Brasil.

A Conferência de Aparecida, realizadano Seminário Santo Afonso, mostrou o in-teresse dos município em atender às solici-tações do governo federal e, acima de tudo,explicitou a preocupação das prefeituras eda comunidade civil com a preservação dacultura da região. Além disso, a realizaçãoconjunta proporcionou integração entre asadministrações dos municípios e os partici-pantes, reduziu custos e fez com que o do-cumento a ser apresentado em São Pauloganhasse em conteúdo e representa-tividade.

Fo

tos

La

ure

nti

no

Go

nça

lves

Dia

s J

r.

Apresentação do Jongo de Piquete na abertura da Conferência

Page 6: AGOSTO 2013

O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, agosto de 2013

Crônicas Pitorescas

Palmyro Masiero

Era da vida lascada...

Velhos tempos

Alguns dias atrás, a saudade de Piqueteapossou-se do meu coração. Para dissipá-la tive que ir até lá.

Propositalmente desembarquei na PraçaDuque de Caxias, pedaço da cidade quesignificou muito na minha adolescência. Deolhos fixos no Elefante Branco, boaslembranças foram desfilando em minharetina: os fabulosos bailes de formatura, osgrandiosos bingos dançantes, diversoseventos esportivos e bailes comemorativosproporcionados pela Direção do Clube.

Desviando o olhar para o prédio ondefuncionava o Cine Estrela do Norte e GrêmioGeneral Carneiro, a emoção abateu-me;quando o filme começou a se desenrolar emminha mente, por várias vezes tive queenxugar as lágrimas. Os filmes exibidos eramescolhidos com maiores atenções. Asbrincadeiras dançantes aos domingos noCarneiro reuniam a juventude ordeira epródiga. As músicas românticas tinham apreferência de todos; os vinis eram variados:Românticos de Cuba, Os violinos mágicos,Ray Connif, Waldir Calmon – Feito paradançar e, às vezes, o salão sob iluminaçãotênue, o DJ colocava para rodar Nat “King”Cole em Espanhol. Os casais dançavamaconchegados e murmurantes.

Velhos tempos – belas noites!

“Seu” Bentinho, com mais de“setentanos” chegou ao hospital pelas onzehoras da noite de um domingo, gemendoritmadamente. Após o atendimento médicofoi levado para a enfermaria. Logo despidoe colocado dentro de um pijama surrado –de uma época em que deveria estar gordo,pois, no momento, estava faltando gentepara encher a vestimenta de dormir.

Um enfermeiro surgiu e aplicou-lhe umainjeção; depois, aquele mastro pesado como litrão de soro pendurado ao lado de suacama de onde saía um fio transparente deplástico que descia até uma agulha enterra-da na veia do gasto, mas rijo braço do ve-tusto senhor que nunca adoecera em anose anos, mesmo enfrentando, diuturnamente,o duro serviço no campo.

Ficou-se sabendo de sua doença e desua própria vida por ele mesmo, dois diasdepois de baixado, em conversa com os com-panheiros de quarto. Impressionante – po-demos quase classificar como um dialetocaipira – era sua maneira de se expressar. Deonde viera, o progresso teve medo de ba-ter! Mas sua doença, segundo explicara, co-meçara com uma “dô nu baxêro” e que“ispaiava” pela “cacunda”. Fazia dias quenão urinava, apesar de ter tentado, sentan-do-se em bacia de água quente. A “muié”havia preparado chás de cipó-prata, dente-de-leão, espinho-de-carneiro, fava-do-bre-jo, quebra-pedra etc. E nada de nada! Tinhaapelado pra reza e simpatia, segurando umpedregulho “di ríu” na mão fechada enquan-to orava para São Libório... Nem uma goti-nha de “miju”... Sem urinar durante dias, asdores se tornaram insuportáveis e deu-lheuma bruta febre. “Us fio e a muié arresorveromintrazê prum inzame cum dotô”. Pedras nosrins o diagnóstico.

A prosa do “seu” Bentinho eraantológica e ainda voltaremos com as pala-vras e orações ditas por ele e que são ver-dadeiramente folclóricas. Mas hoje, tratare-mos apenas de um sonho que lhe acende-ram na cabeça. Católico por convicção e detemor, devoto de Santo Antônio e de NossaSenhora Aparecida, não faltava às missasaos domingos e dias santificados nem quechovessem cavadeiras e picaretas! Os dez

“fio” batizados, alguns crismados, davam-lhe um batalhão de compadres. E esses ou-tros lavradores e o atual doente, todos daregião, foram convidados pelo vigário daparóquia para ouvirem um padre novo quelhes iria fazer uma palestra.

Reuniram-se na casa do “cumpadi”Antão para escutar o padre que ali compa-recera. E ele discorreu sobre a Campanha daFraternidade e a imperiosa necessidade deuma reforma agrária para acabar com a ex-ploração do homem pelo homem. A reformaagrária, como se sabe, é a Matusalém daspromessas eleiçoeiras. Careca de ser falada,cantada, decantada, depurada, projetada e...quase intocada! Dá-se uns titulozinhos aquie ali, chama-se a TV para mostrar o grandefeito e o resto vai na “gambela”. As pala-vras do jovem ministro de Deus ficaram gra-vadas na cabeça do velho lavrador.

“Seu” Bentinho nascera na mesma casi-nha em que mora e fazia o mesmíssimo ser-viço que o pai, há tempos falecido. A fazen-da mudara cinco vezes de dono – que ele selembrava... –, mas a vida ali diariamente go-tejava molenga rotina formando calos nasmãos e quase transformando pele em cas-cos, nos pés; penúria externa e uma fé inte-rior conformativa refletindo justificação pre-guiçosa e cômoda no seja o que Deus qui-ser. Gostava da terra, tratava-a com carinhode amante e dela recebia boas colheitas e –sentia ele – toques ou beijos sensórios.

E o padre falou na reforma agrária. A ter-ra poderia ser sua. Brigar por ela. A reuniãode todos formaria uma força em busca dajustiça social. Eles conseguiriam... E agoraaquelas malditas pedras nos rins parainfernizar sua vida... Já não era fé o que sen-tia, mas, sim, uma esperança palpável depossuir, de ser dono de sua terra. O padrefalou...

Na enfermaria, estranharam quando serecusou a receber a visita semanal de umsacerdote aos doentes. Algumas beatas ten-taram demovê-lo da negativa... Em vão. Nãodesgrudava de seu argumento:

– “Num adianta vimidá intresmunçãoqueu só morru adispois que a tar deformagáia mi dé minhas terras!”

A Estação Ferroviária Rodrigues Alves foi tombada pelo CONDEPHAAT

– Conselho de Defesa do Patrimônio

Histórico, Arqueológico, Artístico e

Turístico do Estado de São Paulo.

Este ato ratifica o trabalho inicia-

do em 1982 por um grupo de

piquetenses apaixonados pela cida-

de, que resultou no tombamento mu-

nicipal em 2002.

Estação Rodrigues Alves tombada pelo CONDEPHAAT

Foto Arlete Monteiro

***************

IV Encontro Paulista de

Jongueiros em Piquete/SP

8h Acolhida

9h Roda de Jongo

9h30min Fala dos Mestres

10h30min Mesa de jovens lideranças“Jongo e a juventude no aspecto social”

Mediador: Walan – Depende de Nós.

11h30min “Mulheres negras no contexto

brasileiro”

Palestrante: Alessandra Ribeiro (Campinas/SP)

Mediação: Márcia Cunha(São José dos Campos/SP)

13h Almoço com pagode

15h30min Roda de Jongo(apresentação dos grupos)

18h Encerramento com grande roda dejongo

Dia 25 de agosto de 2013

Local: Montanhês Clube de Piquete

Programação:

Page 7: AGOSTO 2013

O ESTAFETAPiquete, agosto de 2013 Página 7

A cultura não existe isolada no mundonatural, indefinida, sem contato com a natu-reza. E não é apenas o resultado da História,mas também da Geografia.

A cultura é produto do meio em que oser humano está inserido. Assim como oconhecimento, ela é fruto da realidade e danecessidade de modificação. A intervençãohumana na natureza, intervenção cultural, amodifica, mas também é profundamentemodificada por ela.

Por isso, o meio ambiente, quando en-tendido de um ponto de vista humanista,compreende a natureza e as modificaçõesque nela introduziu e vem introduzindo oser humano. Assim, o meio ambiente é com-posto pela terra, a água, o ar, a flora e a fauna,as edificações, as obras de arte e os elemen-tos subjetivos e evocativos, como a belezada paisagem ou a lembrança do passado,inscrições, marcos ou sinais de fatos natu-rais ou da passagem de seres humanos.

O interesse pelos bens culturais podeser restrito ao povo que vive essa cultura,mas pertence também à humanidade, quetem o direito a diferentes culturas ousociodiversidade.

A sociodiversidade é indissociável dabiodiversidade. Ambos são fundamentaispara a civilização e a cultura dos povos. Aameaça do desaparecimento do patrimôniocultural é assustadora porque é ameaça dedesaparecimento da própria sociedade. En-quanto o patrimônio cultural é a garantia desobrevivência física da humanidade, quenecessita do ecossistema – ar, água e ali-mentos – para viver, o patrimônio cultura égarantia de sobrevivência social dos povos,porque é produto e testemunho de sua vida.Um povo sem cultura, ou dela afastado, écomo uma colmeia sem abelha-rainha, umgrupo sem norte, sem capacidade de escre-ver sua própria história e, portanto, semcondições de traçar o rumo de seu destino.

Da mesma forma que devemos preser-var a biodiversidade devem ser preserva-dos os bens que se identificam como umacultura.

Nos últimos anos, cada vez mais tem-sediscutido a valorização do patrimôniosociocultural de uma comunidade e o res-peito à sua diversidade social.

No Brasil, historicamente, os gruposdominantes promoveram seu próprio patri-mônio, desprezando ou anulando a impor-tância do de grupos subalternos.

Percebe-se, com isso, o quanto é neces-sária uma abordagem que debata como seconstitui o patrimônio cultural nacional eque ressalte a importância desse patrimôniopara a formação de uma memória social enacional sem exclusões e descriminações.

Para a grande maioria das pessoas, con-sidera-se patrimônio apenas os monumen-tos associados aos grandes feitos e à pro-dução cultural das classes dominantes. Porisso, para que jovens e adultos adotem umapostura que valorize o patrimônio sociocul-tural como bem coletivo é preciso que sepromova o debate sobre o significado defestas e monumentos comemorativos, demuseus, arquivos e áreas preservadas.

É nas escolas que o tema patrimôniosociocultural deve ser discutido. Uma ativi-dade interessante que poderia ser aplicadaaos alunos consiste em sair pela cidade afim de que dirijam um olhar ao seu entorno,observando a paisagem, analisando ruas,praças, edifícios e monumentos, além demanifestações folclórico-culturais. Assim,conhecerão os “lugares de memória” ergui-dos pela sociedade e poderes estabeleci-dos que determinam o que deve ser preser-vado e relembrado e o que deve ser silenci-ado e esquecido. Visitar esses locais podeinstigar debates sobre como ocorre a pre-servação do patrimônio histórico-cultural esuas relações com a memória e a identidadelocais, regionais e nacionais.

Afirma-se que o “direito à memória” fazparte da cidadania. Por isso, é preciso esti-mular os alunos a reconhecerem, a partir desua própria localidade, os bens culturais, ea lutarem pela preservação tanto dos consi-derados eruditos quanto dos chamadospopulares.

Bens culturais: um tema a ser valorizado

Fot

os A

rqui

vo P

ró-M

emór

ia

Page 8: AGOSTO 2013

O ESTAFETA Piquete, agosto de 2013Página 8

Genserico se sentiria envergonhadoao constatar que, nos dicionários, o ver-bete vândalo remete ao significado “o quedestrói monumentos e objetos importan-tes”; ou “inimigo das artes e das ciênci-as”.

Os revisores da História afirmam quede Roma, que foi atacada por mar no anode 455, os vândalos só levaram o que osromanos haviam roubado no Oriente.

E, tanto nas ilhas – Sicília, Sardenha,Córsega, Baleares –, como no norte da Áfri-ca o relacionamento com os antigos mora-dores foi mais amigável e produtivo do quesob o jugo romano.

Os vândalos, germânicos asdingos esalingos, se manifestaram nas áreas roma-nas desde 406, quando atravessaram oReno e se instalaram na Gália e na Espanha.Atravessaram Gibraltar e dominaram o nor-te da África até 534, quando Gelimer foi der-rotado por Belisário e a África tornou-sebizantina.

Os vândalos brasileiros, principalmen-te os paulistanos e cariocas são avessos àcidadania, não merecem estar sob um go-verno democrático.

A democracia permite a livre manifesta-ção.

Se a alguém é conferido o direito de mos-trar insatisfação com Presidentes, Governa-dores, Prefeitos e membros da Assembleias,por que fazê-lo com ofensas que atingem opovo que os elegeu?

Se são numerosos os meios para tornarpúblicas opiniões e reivindicações, por queapelar para a violência?

A força é a negação do argumento.Quando alguém se recusa a argumentar

e recorre à força, desfigura a cidadania.Os vândalos brasileiros, quando que-

bram vidraças, arrombam portas, queimamlixeiras, arrancam placas, comprometem acidadania, declaram não estar preparadospara viver em um país democrático.

O que está ocorrendo nas manifestaçõesde rua é muito perigoso.

A convocação vai quem quer cria umgrupo que não assume responsabilidade.Quem pode garantir que a manifestação pa-cífica não é uma retaguarda poderosa para aação de criminosos?

Se a passeata é de bancários, professo-res, centrais sindicais, podem estes serresponsabilizados caso haja desmandos.

É muito cômodo acusar a Polícia de vio-lência. À Polícia cabe impedir o crime e re-primir caso esteja em andamento.

A ninguém é permitido depredar opatrimônio público ou privado. A ninguémé permitido invadir uma residência, um es-tabelecimento comercial ou um órgão pú-blico.

A quem usa o argumento da força deveser negada a força do argumento.

Que ninguém dê ouvidos a depre-dadores e invasores. Que sequer sejam in-terrogados pelas autoridades.

A autoridade competente deve abrircom presteza um canal para atender aos in-teressados. Mas negar-se veementementea dialogar com pessoas despreparadas paraa cidadania.

Seguranças e Policiais precisam mantê-los sem ação nos locais que escolherampara demonstrar sua incapacidade para agircomo cidadãos. Até que a autoridade com-petente tome as medidas cabíveis.

Por que não criar uma Delegacia “adhoc” em uma viatura para apanhar os inimi-gos da democracia com a boca na botija?

Genserico, o comandante vândalo queos romanos descreviam como anão, mancoe cruel, certamente não avalizaria o com-portamento dos vândalos brasileiros.

Abigayl Lea da Silva

Pobres vândalos

***************

Deixou profunda e positiva impressão avisita do papa Francisco ao Brasil. Calmo,simpático e com carisma singular, atraiumultidões desde seu desembarque no Riode Janeiro até a partida de volta para Roma,após o término da Jornada Mundial da Ju-ventude, uma semana depois.

Francisco conquistou a admiração decatólicos e não católicos. Como líder reli-gioso, mostrou-se um pastor ciente de seuofício e, certamente, recolheu para seuaprisco novas e antigas ovelhas que se en-contravam desgarradas de seu rebanho. Demaneira simples, dialogou com todos. Con-versou de igual para igual com as pessoas.Tratou de temas teológicos complexos comuma fala mansa e amiga capaz de derreterqualquer predisposição contrária aos ensi-namentos do Evangelho. Deixou, entre tan-tos estímulos espirituais, éticos e religio-sos, a constatação de que a simplicidade e

o senso comum são poderosos aliados dasideias.

Questionado sobre os protestos ocorri-dos por todo o Brasil em julho, o papa Fran-cisco enfatizou desconhecer as causas dasmanifestações. Ressaltou, porém, que gos-ta de ver a juventude protestar. Afirmou que“um jovem que não protesta não me agrada,porque o jovem tem a ilusão da utopia. E autopia não é sempre ruim. Utopia é olharadiante. O jovem tem mais energia para de-fender suas ideias. O jovem é essencialmen-te um inconformado. Isso é comum a todosos jovens. Eu diria que é preciso escutar osjovens e cuidar para que eles não sejam ma-nipulados”.

O pontífice por diversas vezes disse quea política mundial “está muito impregnadapelo protagonismo do dinheiro. Quem man-da hoje é o dinheiro, isso é uma políticamundial”. Segundo Francisco, a primazia do

dinheiro “descarta” o que chama de doisextremos da população: os jovens e os ido-sos. Para sustentar esse modelo descartamesses extremos que, curiosamente, são aspromessas do futuro. “Descartados os dois,o mundo acaba, porque o jovem é o futuro eo idoso é quem vai transmitir a sabedorianecessária.”

Francisco falou, ainda, da necessidadede “dar testemunho de certa simplicidade e,inclusive, da pobreza. Nosso povo exigepobreza dos padres. Não é um bom exemploum padre andar de carro do último ano, demarca”.

Sincero e coerente em seus pensamen-tos, um papa nunca foi tão direto e claro nasconversas com jornalistas, nas mais espi-nhosas perguntas por eles feitas. Essa sin-ceridade de Francisco mudará, com certeza,o comportamento do Igreja e atrairá fiéis.

Francisco: uma utopia possível

Reprodução