AGRAVO INTERNO - Patrimônio Cultural MPMG – Blog da...

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República da 1ª Região AI nº 0065861-06.2016.4.01.0000/MG (origem nº. 0057663-26.2016.4.01.3800) Agravante: Oncomed Centro Prev. e Trat. de Doenças Neoplásicas Ltda. Agravado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Relatora: Des. Federal NEUZA MARIA ALVES DA SILVA – 5ª Turma EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL RELATORA, O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador Regional da República infra-assinado, não se conformando com a r. decisão de fls. 994/1.002, vem, mui respeitosamente, interpor o presente AGRAVO INTERNO com fulcro no art. 1021, do NCPC, e na forma das razões anexas, das quais espera a reforma. Brasília, 19 de abril de 2017. FELÍCIO PONTES JR. Procurador Regional da República

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALProcuradoria Regional da República da 1ª Região

AI nº 0065861-06.2016.4.01.0000/MG (origem nº. 0057663-26.2016.4.01.3800)

Agravante: Oncomed Centro Prev. e Trat. de Doenças Neoplásicas Ltda.

Agravado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

Relatora: Des. Federal NEUZA MARIA ALVES DA SILVA – 5ª Turma

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL RELATORA,

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador

Regional da República infra-assinado, não se conformando com a r. decisão de

fls. 994/1.002, vem, mui respeitosamente, interpor o presente

AGRAVO INTERNO

com fulcro no art. 1021, do NCPC, e na forma das razões

anexas, das quais espera a reforma.

Brasília, 19 de abril de 2017.

FELÍCIO PONTES JR.Procurador Regional da República

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALProcuradoria Regional da República da 1ª Região

AI nº 0065861-06.2016.4.01.0000/MG (origem nº. 0057663-26.2016.4.01.3800)

Agravante: Oncomed Centro Prev. e Trat. de Doenças Neoplásicas Ltda.

Agravado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

Relatora: Des. Federal NEUZA MARIA ALVES DA SILVA – 5ª Turma

Olhai as montanhas,

Olhai as montanhas, mineiros, Como a Serra do Curral, mutilada,

Vós que não as defendeis, olhai-as, pois, enquanto vivem. Carlos Drummond de Andrade - Triste Horizonte

RAZÕES DO AGRAVO INTERNO

EXCELENTÍSSIMA SENHORA RELATORA,EGRÉGIA TURMA JULGADORA,COLENDO TRIBUNAL,

I.

Do resumo da lide

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela

empresa ONCOMED LTDA em razão de decisão proferida nos autos da Ação

Civil Pública nº 57663-26.2016.4.01.3800, em trâmite perante a 17ª Vara

Federal em Belo Horizonte/MG que, entendendo presentes todos os

pressupostos legais, deferiu a tutela de urgência requerida pelo MPF e

MPE/MG para impor à agravante a obrigação de não fazer consubstanciada

em abster-se de realizar qualquer nova intervenção construtiva no imóvel do

Hospital Hilton Rocha, até posterior determinação judicial.

Na oportunidade, foi determinada a suspensão dos efeitos

dos atos autorizativos concedidos pelo Município de Belo Horizonte/MG e pelo

IPHAN, no que se relaciona às pretendidas obras de intervenção e ampliação

do referido imóvel, bem como a averbação na sua matrícula.

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Referida Ação Civil Pública, contendo pedido de tutela de

urgência, conforme cópia anexa, foi ajuizada pelo Ministério Público Federal e

pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, perante a 17ª Vara Federal

da Seção Judiciária de Minas Gerais, com fundamento no artigo 1º, III, da Lei

nº 7.347/1985, tendo por escopo promover a tutela do patrimônio histórico e

cultural federal, objetivando a conservação e preservação do Conjunto

Paisagístico da Serra do Curral, objeto de tombamento federal.

Em razão de notícias constantes nos autos da iminente

intervenção indevida em área tombada, inclusive com a prática de atos

preparatórias para tanto, com fixação de tapumes na área e descarregamento

de materiais na região, o MM. Juiz a quo, em decisão datada de 10/10/2016,

deferiu a tutela de urgência requerida nos termos acima referidos, ocasião em

que a ré, inconformada, interpôs Agravo de Instrumento perante esse Egrégio

Tribunal Regional Federal.

O douto Relator Des. Federal NÉVITON GUEDES deferiu

o pedido de atribuição de efeito suspensivo à decisão agravada, autorizando a

prossecução do projeto de implantação sob discussão, respeitando-se estrita-

mente os pressupostos, condições e limites impostos pelos órgãos administrati-

vos competentes (IPHAN e Prefeitura de Belo Horizonte/MG), embora tenha

ressaltado que “eventuais irregularidades existentes no empreendimento pode-

rão ser objeto de realização prova pericial específica, advertindo, todavia, que

a prossecução da obra, enquanto não concluído o processo, dar-se-á por conta

e risco da agravante, sendo de sua responsabilidade a modificação ou supres-

são do que for considerado indevido”.

II. Da tempestividade

O MPF tomou ciência da decisão acima em 31/03/2017.

Considerando os termos dos arts. 1.0701 c/c art.1802, do NCPC, nota-se que o

recurso é tempestivo.

1 Art. 1.070. É de 15 (quinze) dias o prazo para a interposição de qualquer agravo, previsto em lei ou em regimento interno de tribunal, contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal.

2 Art. 180. O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação

pessoal, nos termos do art. 183, § 1 o.

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III. Do Cabimento do Agravo Interno segundo o CPC/2015

O Código de Processo Civil de 2015 agrupou a

recorribilidade das decisões monocráticas proferidas nos tribunais em um único

recurso: o agravo interno. Tal assertiva é confirmada pelo enunciado nº 142 do

Fórum Permanente de Processualistas Civis, segundo o qual “da decisão

monocrática do relator que concede ou nega o efeito suspensivo ao agravo de

instrumento ou que concede, nega, modifica ou revoga, no todo ou em parte, a

tutela jurisdicional nos casos de competência originária ou recursal, cabe o

recurso de agravo interno”. Assim, vê-se claramente a utilização do agravo

interno também para impugnar decisões monocráticas intermediárias nos

recursos.1

IV. Das razões para a reforma da decisão monocrática

O d. Desembargador relator entendeu atendidos os

requisitos do artigo 995, quais sejam: risco de dano grave, de difícil ou

impossível reparação, e demonstrada a probabilidade de provimento do

recurso, deferindo a suspensão da decisão liminar proferida pelo Juízo de 1º

grau.

No caso dos autos, porém, a suspensão da decisão

liminar de 1º grau importa em graves riscos de danos irreversíveis ao meio

ambiente e, em especial, ao patrimônio cultural símbolo da cidade de Belo

Horizonte. Senão, vejamos.

A decisão guerreada menciona que o agravante

comprovou que o empreendimento obteve autorizações dos órgãos

competentes para sua implantação. Aduz que não há provas de que tais

autorizações foram expedidas irregularmente, sem prova concreta de eventuais

ilegalidades cometidas ou de malefícios ao meio ambiente.

1 Nessa linha: GUIMARÃES, Rafael de Oliveira. Art. 1.021. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES,Dierle; CUNHA, Leonardo (orgs.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p.1.349.

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Há que se ressaltar que a Ação Civil Pública, no bojo da

qual foi proferido o agravo, busca a proteção da Serra do Curral, bem cultural

tombado e cartão postal de Belo Horizonte.

Para contextualizar a questão tratada nos autos, mostra-

se cogente informar a importância da Serra do Curral para o Município de Belo

Horizonte, a qual foi expressamente reconhecido nos estudos para sua

proteção produzidos pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do

Município de Belo Horizonte, nos seguintes termos3:

A Serra do Curral, enquanto objeto espacial singular,representa um marco na cidade, projeta no espaço umadeterminada concepção de tempo, torna-se uma referência,remete-se aos limites de Belo Horizonte e os ultrapassa. Imponentee altiva, a Serra do Curral rompe limites, extrapola as alturas usuaisdas construções ao seu redor ao impor uma outra forma de ver esentir a cidade. Torna-se assim uma referência no espaço e notempo, um documento histórico: um monumento. (...)

A Serra do Curral se consolidou enquanto monumento,patrimônio cultural ao longo dos anos. Garantir a existência desselugar é fundamental para que os habitantes da cidade enquantoagentes históricos possam continuar produzindo a sua história, asua memória, sua cultura. (...)

A Serra do Curral representa o universo simbólico daquelesque residem em Belo Horizonte, simbologia alimentada no cotidianoda cidade, na sua vivência a cada dia. A Serra, emoldurando apaisagem, é uma referência de muitas gerações que já passarampela cidade e que ainda vivem nela, sendo a preservação de suaimagem uma demanda da memória social.

Nesse aspecto, o espaço constituído pela Serra do Curralvai além da definição de espaço natural, atingindo os aspectossimbólicos da memória coletiva se configurando como um lugar dopassado e do futuro em consonância com a dinâmica da cidade.(...)

O caráter simbólico da paisagem da Serra do Curralassume proporções quem vão além do limite físico de BeloHorizonte. Sua referência percorre a paisagem nos municípiosvizinhos conformando-se como um espaço de inenarrável belezacênica, sendo sua proteção um dos desafios para uma gestãometropolitana.

3 CDPCM-BH. Edital 01/2002. Estudo para proteção da Serra do Curral para efeito de detalhamento e divulgação do tombamento provisório das subáreas: subárea 1- Barreiro – processo n.º 01.045030.02.07, subárea 2 - Bom Sucesso / Cercadinho – processo n.º 01.045032.02.32, subárea 3 - Serra / Acaba Mundo – processo n.º 01.045035.02.20, subárea 4 - Taquaril – processo n.º 01.045036.02.93, que se constitui de apresentação, mérito da proteção, objetivos, metodologia, descrição das áreas, descrição perimétrica, diretrizes de proteção e mapeamento, conforme Deliberações n.º 23/2002, 24/2002, 25/2002 e 26/2002, de 14 de junho de 2002, publicadas no Diário Oficial do Município em 29 de junho de 2002. Disponível em: http://portal6.pbh.gov.br/dom/download?x=/Files/File/docs/2002_07_12_Arq01/CDPCM-ESPECIAL.rtf. Acesso em 09/04/2017, 23h.

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O reconhecimento do valor da Serra do Curral para o

belorizontino ficou evidenciado quando na Campanha “Eleja BH”, promovida

pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, no ano de 1995. Através de

plebiscito popular, a Serra foi eleita como o local que melhor simboliza a capital

mineira, por aproximadamente duzentos e setenta mil votos.

Essas montanhas emolduram o horizonte e apresentam ricavegetação (...) com espécies muitas vezes endêmicas. (...) Emseus vales brotam (...) [ainda] nascentes, protegidas por matas(...) [as] Encostas de belas paisagens (...) escondem patrimônios(...) relevantes (...)”.4

Assim, a Serra do Curral é legítima representante da

cidade de Belo Horizonte, bem natural de inegável valor ambiental, cultural e

simbólico, consagrado por sua importância que extrapola a questão geográfica

e vai além dos limites do tangível.

Dadas suas riquezas e localização privilegiada na

geografia do Município de Belo Horizonte, a Serra do Curral sempre foi alvo de

exploração predatória:

O espaço construído foi, paulatinamente, avançando em direçãoao espaço natural, promovendo danos consideráveis ao meioambiente comprometendo, assim, a qualidade de vida na cidade.Compreendendo essa última como um organismo dinâmico, apreservação da Serra do Curral urge para que Belo Horizonte nãoperca sua identidade, sucumbindo à modificação do espaçourbano mal empreendido5.

Em razão disso, desde a década de 1960, o Poder

Público entendeu a necessidade de proteção ao bem cultural, com

tombamentos em níveis federal 6 e municipal7.

Não obstante, o imóvel em questão nos autos – sede

do Instituto de Olhos Hilton Rocha, atualmente pertencente à ONCOMED

Ltda - encontra-se edificado justamente sobre a Serra do Curral.

4 SANTANA, Suzana Leal. Êxodo para as montanhas: a urbanização desenfreada. MURTA, Stela Maris, ALBANO, Celina(org.). Interpretar o patrimônio: um exercício do olhar. Belo Horizonte:Ed. UFMG; Território Brasilis, 2002. p.216.

5 Estudos para proteção da Serra do Curral produzidos pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte.

6 Processo 591 -T- 58, inscrição 29 – A, folha 08 do Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico

7 Deliberação nº 147/2003

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Trata-se do único lote e imóvel construído acima do anel

da Serra, no sopé da mesma, desvirtuando a paisagem do monumento natural

tombado e prejudicando sua visibilidade.

Imagem extraída do Google Earth em abril de 2017.

Imagem retirada do Google Street View em 09/04/2017. Hospital Hilton Rocha visto donível da rua. Paredão da Serra do Curral ao fundo.

As razões que possibilitaram a criação desse único lote

no sopé da Serra não guardam relação com a proteção ambiental ou cultural

do monumento.

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Conforme explicitado nas contrarrazões de agravo

apresentadas pelo Ministério Público Estadual, baseado em pesquisas

históricas, inclusive contando com a fala do próprio médico Hilton Rocha, a

construção do Instituto de Olhos no local onde se encontra decorreu de favores

políticos, na época da ditadura militar. Do parecer técnico elaborado por

Historiadora - Analista do Ministério Público de Minas Gerais (documento novo

que ora pede juntada) - extrai-se:

A construção da edificação que veio a funcionar como InstitutoHilton Rocha, ao qual não se nega o mérito e destaque emtratamentos oftalmológicos, se deu em desrespeito às diretrizesque regem o tombamento da Serra do Curral. Ao que pese queisto, apenas, foi possível devido a uma manobra política.Importante destacar que esta foi consentida desde que aconstrução estivesse unicamente vinculada ao InstitutoOftalmológico e a um centro de pesquisa e assistênciaoftalmológica, uso que não se manterá restrito, como determinado,com a instalação do Hospital Oncomed.

Atualmente, a lide desenvolve-se em torno do fato de a

ONCOMED Ltda ter adquirido o imóvel ilegalmente construído sobre a Serra do

Curral e pretender ampliar sua área construída, transformando-o em hospital

de especialidades diversas.

Conforme extrai-se da documentação dos autos juntada

pela própria agravante8, bem como pelo laudo produzido pelo setor técnico do

MPMG, as obras pretendidas pela agravante ONCOMED Ltda importarão em:

8 Parecer do conselheiro do Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de BH; Análise do Plano Diretor doHospital; Dados constantes do Parecer elaborado pelo IPHAN sobre o Projeto em 28/3/11; Dados constantes do Formulário deSegurança de Prevenção a incêndio aprovado em 03/03/2015; Plano de Controle Ambiental (PCA) – Setembro de 2011; Dadosconstantes do Parecer técnico para licenciamento ambiental nº 6135-14 e do Relatório da Licença de Implantação elaboradopela SMMA; Licença de implantação do COMAM - Licença ambiental nº 065/2015 de 03/02/2015; Projeto aprovado pelaPrefeitura Municipal de Belo Horizonte em 12/05/2016.

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ampliação da área construída do imóvel situado sobre obem tombado (de 18.578m2 para 39.869 m2);

aumento da taxa de ocupação do lote situado sobre o bemtombado (de 21 para 43%);

aumento na altimetria do edifício (de 5 para 7 pavimentos);

aumento da fachada (de 107m de frente para 270m);

aumento do coeficiente de aproveitamento do lote (de 0,6para 1,03);

escavação de subsolo para colocação de elevadores epossivelmente estacionamentos

As dimensões acima elencadas mostram de forma

evidente que haverá verdadeira inovação no prédio, construindo-se imóvel com

o dobro das dimensões atuais.

Tudo isso causa evidente mutilação do bem tombado

(Serra do Curral) e prejudica sua visibilidade.

Neste sentido, o parecer 16/2016 emitido pelo setor

técnico do Ministério Público do Estado de Minas Gerais que, analisando todos

os projetos apresentados, concluiu que:

Há acréscimo de área construída de quase o dobro da áreaexistente, muito significativo, em uma edificação que sequerdeveria existir, tendo em vista que a construção da edificação sedeu de forma irregular na década de 1970, sem prévia análise eaprovação do projeto pelo Iphan, necessária devido aotombamento da Serra do Curral desde 1960. A implantação dobairro das Mangabeiras, onde se insere o imóvel em análise,também se deu de forma irregular, sem aprovação do Iphan. Ovolume atual, metade do que se pretende construir, já causaum grande impacto na visibilidade da encosta tombada. Odobro do volume causará um impacto ainda maior, mesmo setomadas todas as medidas para mimetizar o edifício com apaisagem adjacente.

O aumento de volume do prédio implicará em redução davisibilidade da Serra do Curral (...).

Não se pode deixar de destacar que os mesmos órgãos

de proteção que autorizaram as obras reconhecem, paradoxalmente, que

o Instituto de Olhos Hilton Rocha constitui em uma agressão à Serra do

Curral e que o mesmo nem sequer poderia ter sido construído:

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Relatório técnico para análise de documentaçãocomplementar referente ao Plano Diretor do Hospital Oncomed,em que está consignados que: “o lote em questão encontra-setombado como parte do perímetro de proteção da Serra do Curral,mas a edificação conhecida como a antiga sede do Hospital HiltonRocha não possui tombamento específico. Além disso, (...) porconstituir-se em barreira à visibilidade do paredão da Serra, foiaprovada a Diretriz Especial 2 (DE2), que estabelece, como jámencionado, que a edificação deverá receber tratamento quepermita a redução do seu impacto paisagístico. (...) O terreno emepígrafe está localizado em Área de Preservação - APr, que salvoas intervenções previstas nas Diretrizes Especiais, é vedadoedificar, descaracterizar ou abrir vias em praças, unidades deconservação e demais espaços incluídos em seu perímetro detombamento”. Em laudo técnico datado de 06/06/2006, o IPHAN informaque “por não ter sido analisada e aprovada pelo Iphan, asedificações que compõem o Instituto Hilton Rocha são irregulares,à luz da legislação federal que protege a Serra do Curral”. No ofício do Superintendente Regional da 13ª SR/IPHAN(em resposta a ofício encaminhado pelo MPF), também datado de2006, o órgão menciona que o Hospital Hilton Rocha representauma agressão à paisagem da Serra do Curral e que “a demoliçãodo conjunto arquitetônico que compõe o Instituto Hilton Rocharecuperaria a paisagem que foi objeto de tombamento datado de21/09/1960”. Ressalta que qualquer intervenção no imóvel deveriaser feita no sentido de manter o volume atual inalterado e dereduzir o impacto sobre a paisagem que se encontrava inserido. Consta do Parecer de Projeto emitido pelo IPHAN, em 28de março de 2011, realizado por técnico em preservaçãoarquitetônica, que: (...) o ideal, no ponto de vista da preservação,é que a ocupação da área não tivesse ocorrido, mantendo aintegridade do maciço da serra acima da Av. José do PatrocínioPontes. No parecer geológico também são relatadas a altapermeabilidade do terreno no depósito de vertente, compossibilidade de expressiva poluição do aquífero subterrâneo erisco de queda de blocos de pedra. São afirmativas que induzemao estudo, no desenvolvimento do projeto, de soluções técnicasde combate a estes riscos. Em oficio datado de 16/08/20119, o então Superintendentedo Iphan em Minas Gerais, Leonardo Barreto de Oliveira, informaque qualquer intervenção no imóvel deveria ser feita no sentido demanter o volume intacto ou diminuir seu impacto sobre apaisagem em que estava inserido. Ofício datado de 13/05/2012, em que o Superintende doIPHAN informa à Câmara Municipal de Belo Horizonte que:“somos favoráveis à desapropriação do imóvel para fins sócio-ambientais. Entendemos que, após a desapropriação, érecomendável a redução da área construída da edificação, comvistas a recuperar a paisagem do Conjunto Paisagístico da Serrado Curral”. Memorando 0397/13, de 21/11/2013, e laudo técnico06/13, em que o IPHAN manifesta-se no sentido de que seria

9 Encaminhado à Procuradoria da República em Minas Gerais.

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“viável a realização de obras de adaptação no prédio do antigoHospital/Instituto Hilton Rocha desde que estas sejam no sentidode reduzir o impacto causado pela edificação existente”. Parecer em continuidade ao processo nº01514001857/2007-02: Quanto ao tombamento federal da áreaconhecida como ‘paredão da Serra’ (...) o lote foi aprovado àrevelia do parecer emitido pelo IPHAN à época e a edificação nãofoi objeto de análise e aprovação. Entende-se assim que a mesmaconstitui elemento descaracterizador do Conjunto Paisagístico.Ressalta-se que quando do tombamento federal não foramdefinidas medidas específicas de proteção para o bem cultural.(...) Sendo assim, as análises de intervenções na área realizadaspelo Instituto baseiam-se no artigo 18 do Decreto Lei 25/37.

Os atos administrativos autorizativos da ampliação do

prédio sobre o bem tombado, além de não contarem com motivação válida, são

ilegais.

No Brasil, a disciplina da proteção do patrimônio histórico

e artístico nacional é dada pelo Decreto Lei 25/37, que guarda natureza de lei

especial limitadora do direito de propriedade, dispondo:

Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum serdestruídas, demolidas ou mutiladas (...).

A 1ª parte do dispositivo acima transcrito veda,

expressamente, a ocorrência de destruição, demolição e mutilação dos bens

tombados. Em razão da conservação dos bens tombados ser de interesse

público (art. 1º), não se admite a prática de atos que venham a comprometer a

integridade do objeto material do ato de tombamento.

Trata-se de vedação legal absoluta, de caráter geral, que

não pode encontrar exceção em leis locais ou em atos administrativos

autorizativos.

Neste sentido, é o escólio lecionado pelo festejado mestre

Paulo Affonso Leme Machado10:

O art. 17 do Decreto-Lei 25/37 faz uma divisão realmenteimportante na atuação do órgão estatal protetor do patrimôniocultural e natural (na primeira parte e na segunda parte desseartigo). Assim, o Poder Público está vinculado a não autorizaratividades que conduzam à destruição, demolição ou à mutilaçãodo bem. O texto da lei federal diz “em caso nenhum”. Portanto, em

10 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 636

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caso de ação judicial, o juiz pode apreciar se o ato administrativoocasionou esse prejuízo à coisa tombada. Somente surgediscricionariedade quando se trata de “reparação, pintura ourestauração”. Nesses casos trata-se de medidas conservativasnão “destrutivas, mutiladoras ou demolidoras” do bem. Aconcessão liminar pelo Judiciário suspendendo a autorização, emação judicial utilizada pelos cidadãos e pelas associações, seráimportante para que se examine, depois, em profundidade, se oato administrativo não está mascarando uma açãoirremediavelmente mutiladora do bem a ser protegido.

Desta feita, ao autorizar atos neste sentido, o Município

de Belo Horizonte, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o

Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte

estão violando o Princípio da Legalidade.

Destaque-se que, não bastasse a proteção conferida pelo

ato de tombamento, no caso dos autos, cinco outros atos protetivos incidem

sobre a Serra do Curral, na porção que é objeto da vertente ação:

PLANO DIRETOR MUNICIPAL Art. 15, parágrafo único, da Lei Municipal 7.165/96

ZONA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL Lei Municipal 7166/96, art. 14, § 2º.

ÁREA DE DIRETRIZES ESPECIAIS Lei Municipal 9.959/2010

PARQUE DAS MANGABEIRAS/

PARQUE PAREDÃO DA SERRA

Lei Estadual 13.190/99

Decreto Estadual s/n, de 05/12/2008

Essa proteção foi expressamente mencionada também

pelo CDPCM-BH, Edital 01/2002, estudo para proteção da Serra do Curral

para efeito de detalhamento e divulgação do tombamento provisório:

Diante do exposto, tornou-se emergencial promover apreservação do sítio natural da Serra do Curral para manutençãode sua referência simbólica e natural na paisagem da cidade e amanutenção do que ainda resta do ecossistema dessa região(fauna e flora). Com esse intuito, foram criados alguns parques aolongo da Serra do Curral, sobretudo na área tombada, sendo oprimeiro deles o Parque das Mangabeiras11, seguido pelo Parqueda Baleia12, Parque do Rola Moça13, Parque Burle Marx14 e maisrecentemente o Parque Aggêo Pio Sobrinho15.

11 Criado em 1966, tendo sido sua implantação autorizada no ano de 1974.

12 Criado através de decreto em 1932, que foi reiterado por lei na década de 90.

13 Criado em 1994, este parque compreende áreas adquiridas pelo Estado no início do séc. XX para proteção de mananciais.

14 Criado em 1976, sob a denominação de Parque Municipal do Barreiro, em 1994 passou a se chamar Burle Marx.

15 Este parque foi criado no ano de 1990, em decorrência de transferência de terreno público a partir de processo de parcelamento.Cabe ressaltar que no local onde este parque foi implantado não havia, anteriormente, atividade de mineração.

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Visualizando-se o mapa de zoneamento urbano do

Município, fica evidente a importância ecológica da área, excepcionada para

atender aos interesses privados:

Instituto Hilton Rocha

Desta feita, é patente que toda modificação na legislação

municipal, que importou em recorte na área da Serra do Curral tão somente

para criar um lote e possibilitar a construção do Hospital no sopé da montanha,

não visa ao interesse público, mas ao interesse específico do empreendimento

capitaneado pela agravante ONCOMED Ltda.

Essas mudanças na legislação municipal e,

consequentemente, nos atos administrativos, no entanto, mostram-se

inconstitucionais, visto tratarem de flagrante retrocesso na proteção do

direito difuso, e fundamental, ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, o qual compreende a proteção do patrimônio cultural e, portanto,

a salvaguarda dos sítios de especial relevância paisagística, nos termos do art.

216, V, da Constituição de 1988.

O Princípio da Proibição do Retrocesso encontra

amparo na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da

Costa Rica - 1969) e na Convenção Americana de Direitos Humanos em

Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), que preveem,

respectivamente, os deveres de desenvolvimento progressivo dos direitos

sociais e o melhoramento do meio ambiente.

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Decorre logicamente, também, dos princípios

constitucionais da Prevalência dos Direitos Humanos e da Cooperação

entre os Povos para o Progresso da Humanidade expressamente definidos

no art. 4°, II e IX da Constituição Federal. O Princípio em lume também decorre

da segurança jurídica resultante da Proteção ao Direito Adquirido (art. 5°,

XXXVI da Constituição Federal) da sociedade ao patamar mínimo de proteção

ao meio ambiente e patrimônio cultural.

Uma vez que o Estado Brasileiro, por meio da Carta

magna, se comprometeu a fazer prevalecer os direitos humanos sobre

interesses meramente econômicos e contribuir para o progresso, não pode

aceitar ato legislativo que, por motivos estritamente financeiros, implique

retrocesso nos níveis de proteção do mais fundamental dos direitos humanos:

o direito à vida saudável e equilibrada para as presentes e futuras gerações.

Ele integra, portanto, o núcleo de conquistas sociais que não estão sujeitas a

retrocesso, sob pena de violar um patrimônio político-jurídico consolidado ao

longo do percurso histórico civilizatório.

Ainda, a própria eficácia negativa das normas

constitucionais fulmina de inconstitucionalidade as leis municipais que

diminuíram a proteção à Serra do Curral. Afinal, é cediço que não pode o

legislador infraconstitucional seguir um direcionamento contrário a um

mandamento constitucional, especialmente em relação a um direito

fundamental protegido como cláusula pétrea.

Frise-se que desde a década de 1960 os administradores

e legisladores entenderam a importância da Serra do Curral para o município

de Belo Horizonte e impuseram restrições à sua exploração e ocupação. Não é

razoável ratificar-se atos ditatoriais praticados durante o regime militar e,

repetindo a história, permitir-se a prática de novos atos legislativos lesivos ao

meio ambiente após a Constituição de 1988.

Outro fundamento da decisão objeto do presente agravo

interno é o de que a ampliação da área de atuação pretendida pela empresa –

para as áreas de oncologia e cardiologia – não parece desvirtuar a destinação

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constante da referida escritura pública, tendo em vista que não foge ao âmbito

da assistência médica, além de ter sido regularmente autorizada por lei

municipal.

No entanto, a abertura da quadra 39, lote 1, no bairro das

Mangabeiras (único lote acima no Anel da Serra) foi feita com a finalidade

específica de construção do Instituto Oftalmológico e do Centro de Pesquisa

Oftalmológica Hilton Rocha, conforme demonstrado nas contrarrazões de

agravo apresentadas pelo Ministério Público estadual.

Ainda, ao celebrar o contrato de compra e venda do lote

nº 1, quadra 39, com área de 30.000 m² aproximadamente, no bairro

Mangabeiras, a CIURBE e o Instituto de Olhos Ltda fizeram constar a cláusula

resolutiva expressa de que o imóvel reverteria ao patrimônio da vendedora

caso descumprida sua finalidade específica, de “nela serem edificados um

Instituto Oftalmológico e um Centro de Pesquisas e Assistência Oftalmológica,

aquele em área de 23.248 m² (vinte e três mil, duzentos e quarenta e oito

metros quadrados) e este em área de 5.000 m² (cinco mil metros quadrados),

aproximadamente”.

O contrato e a cláusula resolutiva foram registrados no 3º

Ofício de Notas de Belo Horizonte, conforme se infere da escritura pública de

compromisso de compra e venda acostada aos autos. Cumpre transcrever o

item 13 do citado documento:

13) que a inobservância da destinação da área, bem como ainobservância dos requisitos especiais de construção ou, ainda, anão efetivação da doação da área de 5.000m² para o Centro dePesquisa Oftalmológico implicará, qualquer deles na reversão doterreno objeto da presente escritura ao domínio da outorgantevendedora ou sua sucessora.

A venda do imóvel pela CIURBE, antecessora do

Departamento Estadual de Obras Públicas, ao Instituto de Olhos Ltda foi

registrada no Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis. A cláusula resolutiva

do contrato de compra e venda foi devidamente registrada, nos moldes no

artigo 167, I, 29, da Lei 6.015/73, tendo sido consignado o seguinte:

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que a outorgante vendedora deu à outorgada compradoraquitação plena quanto ao preço da área já descrita, transferindo-lhe desde já, toda posse, domínio, direito e ação sobre a coisaalienada, para que dela possa usar e gozar livremente,observados porém os requisitos e condições da escritura, doEdital de Concorrência nº 1/73, sobretudo quanto à destinação daárea e as normas especiais de edificação neles consignadas, asquais foram aceitas pela CIURBE e pela outorgada compradora,que declarou serem as mesmas de seu inteiro conhecimento ecom elas concordar.

O interesse econômico da empresa ONCOMED não pode

se sobrepor ao interesse público, alterando a destinação imposta pela

Administração Pública Estadual quando alienou o bem público. O ordenamento

jurídico não permite que a ONCOMED amplie e/ou altere o uso de um bem

gravado com cláusula resolutiva em prejuízo do erário estadual. Qualquer

alteração que se faça na destinação da área caberá exclusivamente a

Administração Pública Estadual, legítima proprietária.

De se destacar que as atividades, a quantidade de fluxo

de pessoas, os serviços agregados, o tipo de resíduos e efluentes gerados e o

risco de contaminação ambiental de um Instituto de Olhos são muito menores

que os mesmos fatores oriundos de um Hospital de multiusos, especialmente

Cardiológico e Oncológico, em que haverá uso de substâncias radioativas e

contaminantes.

Consta de decisão recorrida, ainda, que “quanto à

alegação de que a atividade hospitalar relacionada ao tratamento oncológico ‘é

potencialmente causadora de significativa degradação ao meio ambiente’, não

há nos autos nenhuma comprovação nesse sentido.

No entanto, conforme explicitado ao logo da contraminuta

de agravo, a Serra do Curral – onde a agravante ONCOMED Ltda pretende

construir mais de 16.000m2 de prédio, ampliando a construção existente,

inclusive em seu subsolo – é área de risco geológico.

Neste sentido, a Fundação Biodiversitas, contratada pela

agravante para realizar diagnóstico ambiental do empreendimento, alertou para

o risco de deslizamento e desabamentos na Serra do Curral e recomendou

que a agravante Oncomed Ltda:

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realize estudos sobre a dinâmica geológica e o monitoramento deatividade sísmica, posto haverem evidências de atividadeneotectônica e a existência de feições cársticas, uma vez que orisco de deslizamentos e desabamentos nas encostaspróximas ao Parque das Mangabeiras, especialmente navertente voltada para Nova Lima, é alta.

O alerta é corroborado no Laudo Técnico do Centro de

Apoio Técnico do MPMG, que informa:

Ainda, do próprio edital para tombamento provisório

municipal da Serra do Curral, elaborado pelo Conselho de Proteção e Defesa

do Patrimônio Histórico Municipal - BH16 consta expressamente que:

Uma outra manifestação do valor ambiental da Serra doCurral está em suas encostas íngremes, sujeitas a riscosgeotécnicos variados, onde a manutenção das condições depermeabilidade é determinante tanto para prover a recarga dosaqüíferos como para amenizar o escoamento superficial daságuas pluviais, evitando, por conseguinte, a erosão dos solos e oassoreamento dos cursos d’água fluviais – caso contrário, essasalterações têm implicações diretas sobre o sistema de drenagemde toda a bacia, gerando sobrecargas, causando inundações edemais transtornos associados a este tipo de risco.

Por último, mas não menos importante, a região abriga oaqüífero de maior potencial para o abastecimento humanoexistente no Município, constituído pelas rochasmetassedimentares do Supergrupo Minas, notadamente do GrupoItabira e do Grupo Piracicaba.

Soma-se a esse indiscutível valor ambiental, o valorsimbólico que a Serra possui para a paisagem da cidade e para aconformação da identidade de seus habitantes.

A ocorrência de deslizamentos e quedas de blocos de

pedra da Serra do Curral é fato público e notório em Minas Gerais, sendo

possível encontrar-se notícias sobre os fatos na bibliografia especializada e até

mesmo na internet. Pode-se citar:

16 http://portal6.pbh.gov.br/dom/download?x=/Files/File/docs/2002_07_12_Arq01/CDPCM-ESPECIAL.rtf

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1. CAMPOS, Luciane de Castro. “Proposta de Reanálise doRisco Geológicogeotécnico de Escorregamentos em BeloHorizonte - Minas Gerais”. Dissertação apresentada ao Curso deMestrado em Geotecnia e Transportes da Universidade Federal deMinas Gerais. Belo Horizonte. Escola de Engenharia da UFMG,2011. Do trabalho consta que “Escorregamentos planares rasossão observados localmente na Serra do Curral, provenientes damovimentação de cobertura coluviais pouco espessas na encostade alto ângulo. Como a faixa exposta no território municipalcoincide com a existência de restrições legais à ocupação, assituações de risco ficam limitadas a eventos de queda de blocos(Silva et al 1995). Para a parte situada no sopé da escarpa final daSerra do Curral (Formação Gandarela), importa considerar queestão presentes expressivos depósitos de vertentes que podemescorregar se descalçados por escavações para ruas ouresidências. Como as áreas não estão ocupadas, constituemapenas áreas susceptíveis aos processos (p.52)17.

2. LIMA, Silmar Teixeira e SOUZA, Jorge Batista de. Ogeoprocessamento aplicado na identificação de áreas comsusceptibilidade a movimento de massas no Parque dasMangabeiras em Belo Horizonte – MG. Do estudo, que refere-se àárea da Serra do Curral contígua à onde está edificado o HospitalHiton Rocha, consta que “as áreas de maior amplitude altimétricado parque se concentram na parte sul/sudeste com o alinhamentoda Serra do Curral, onde as escarpas e cristas favorecem oelevado índice de declividade, o que pode favorece movimento demassas do tipo queda de blocos (rochas). No entanto asorientações (sul/sudeste) das vertentes relacionadas com o planode mergulho das camadas das rochas (sul) favorecem a maiorsusceptibilidade no flanco norte do parque, área onde já ocorreudeslizamento no ano de 2003 e pode ser observado em campocicatrizes de tais deslizamentos”18.

Existe, portanto, a grande possibilidade de que a obra

pretendida pela agravante degrade não apenas a área onde será edificado o

prédio, mas também cause instabilidades geológicas tendentes a mutilar

outros pontos da Serra do Curral, através de deslizamentos.

No entanto, as advertências foram ignorada, conforme se

extrai do Plano de Controle Ambiental apresentado pela ONCOMED, no qual

ficou consignado que:

O terreno do empreendimento está isolado e tem como vizinhoslindeiros apenas áreas verdes. Além disso, não serão executadasna obra fundações mais profundas que gerem interferências nasedificações mais próximas. Portanto, não é necessário controle emonitoramento das edificações dos recalques nas estruturasvizinhas (...)

17 Disponível em https://www.ufmg.br/pos/geotrans/images/stories/diss003.pdf. Acesso em 09/4/2017, 21h.

18 Disponível em http://revistas.unibh.br/index.php/dcbas/article/download/118/67. Acesso em 09/04/2017, 22h.

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Não se menciona aqui que há projeto de um

estacionamento ou de colocação de maquinário de elevadores no subsolo, com

as necessárias escavações para fazê-lo.

Ainda, no tocante às informações sobre tipo de solo e

medidas de prevenção, o PCA não menciona a possibilidade de risco geológico

de desabamento – a qual foi alardeada por outros órgãos e pela própria

Biodiversitas – afirmando que o monitoramento geotécnico seria apenas visual:

(...) pelas condições geológicas e geotécnicas observadas, nãohaverá impactos ambientais significativos, além dos já geradosquando da primeira ocupação, tampouco descaracterização dascondições naturais do terreno.

Vê-se, portanto, que a obra pretendida sobre a Serra do

Curral, que representa ampliação / aumento da área construída no imóvel nela

irregularmente edificado ignorou o risco geológico de desmoronamento e maior

degradação do bem tombado.

De se lembrar que o Direito Ambiental, que rege não

apenas o meio ambiente natural como também o cultural, tem por norteador o

princípio da precaução, segundo o qual não devem ser produzidas quaisquer

intervenções no meio ambiente antes da efetiva verificação de que as mesmas

não gerarão prejuízo ao meio ambiente.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, que

discutiu medidas para a redução da destruição do meio ambiente e

estabeleceu políticas ambientais que levassem a uma efetiva concretização do

desenvolvimento econômico sustentável, em seu Princípio 15:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio daprecaução deverá ser amplamente observado pelos Estados,de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça dedanos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científicaabsoluta não será utilizada como razão para o adiamento demedidas economicamente viáveis para prevenir a degradaçãoambiental.

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O princípio da precaução também está presente em duas

convenções internacionais ratificadas e promulgadas pelo Brasil. Tanto a

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, de 9

de maio de 1992, em seu art. 3º, quanto a Convenção da Diversidade

Biológica, de 5 de junho de 1992, em seu preâmbulo, indicam as finalidades

do princípio da precaução, quais sejam: evitar ou minimizar os danos ao meio

ambiente havendo incerteza científica diante da ameaça de redução ou de

perda da diversidade biológica ou ameaça de danos causadores de mudança

de clima19.

Assim, é possível verificar que o princípio mencionado

busca a identificação dos riscos e perigos eminentes para que seja evitada a

destruição do meio ambiente, utilizando-se de uma política ambiental

preventiva.

Não se pode olvidar que o princípio da precaução tem

como característica a inversão do ônus da prova. Implica ao provável autor do

dano a necessidade de demonstrar que sua atividade não ocasionará dano ao

meio ambiente, dispensando-o de implementar as medidas de precaução.

Pelo exposto, verifica-se que a incidência dos princípios

da prevenção e da precaução no Direito Ambiental brasileiro repercute

diretamente no exame das tutelas provisórias em ações que visem à proteção

ambiental. Enquanto nas demais áreas do Direito as medidas de urgência são

vistas como excepcionais, no Direito Ambiental inverte-se a proposição: a regra

deve ser a concessão de medidas preventivas quando requeridas em prol do

meio ambiente.

Assim, andou bem o ilustre magistrado primevo, ao deferir

a antecipação de tutela em caráter liminar, garantindo a proteção do meio

ambiente cultural, até instrução devida do feito.

Ressalte-se que, embora a decisão monocrática tenha

advertido que “a prossecução da obra, enquanto não concluído o processo,

19 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed. rev. atual e ampl São Paulo: Malheiros, 2005.p. 66

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dar-se-á por conta e risco da agravante, sendo de sua responsabilidade a

modificação ou supressão do que for considerado indevido, pois deve-se

sempre considerar que, cuidando-se de decisão de caráter provisório, há a

possibilidade de modificação posterior”, certo é que os danos ambientais à

Serra do Curral pela realização da obra de ampliação da construção irregular

em sua área tombada ocasionarão danos irreversíveis.

Por fim, da decisão do d. relator consta que o perigo de

dano grave e de difícil reparação evidencia-se pelo fato de que a suspensão

das licenças concedidas para o empreendimento acarretará a paralisação das

obras, impondo à agravante severos prejuízos, em razão dos vultosos

investimentos realizados no projeto.

No entanto, eventuais prejuízos ocasionados pelo não

início imediato das obras de edificação sobre o bem tombado em nada se

comparam aos prejuízos irreversíveis que o bem cultural tombado sofrerá.

Por todo o exposto, considerando que:

a) a Serra do Curral é monumento natural símbolo de

Belo Horizonte e tombado em níveis federal e municipal;

b) a empresa/agravante pretende ampliar em cerca de

100% edificação indevidamente realizada no imóvel, inclusive aumentando a

altimetria e volumetria do prédio atualmente existente, bem como escavando

subsolo;

c) a área é sujeita a risco geológico, havendo

possibilidade de deslizamentos e queda de blocos que formam a Serra do

Curral; d) as obras importam em mutilação da Serra do Curral, o que é vedado

pelo Decreto-Lei 25/37;

e) atos administrativos contrários ao disposto no Decreto-

Lei 25/36 são ilegais;

f) retrocessos em matéria ambiental são inconstitucionais;

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o Ministério Público Federal pugna pela manutenção da

decisão proferida em 1º grau de jurisdição, reformando-se a decisão do Douto

Des. Federal Relator.

Frise-se que, ainda que houvesse dúvidas sobre a

possibilidade ou não da construção sobre monumento natural tombado, as

incertezas devem militar em favor do meio ambiente, aguardando-se toda a

instrução do processo para que a convicção do julgador seja formada.

V.

Do pedido

Ante as razões acima apresentadas, o MINISTÉRIO

PÚBLICO FEDERAL pugna pelo juízo de retratação, nos termos do § 2º do

art. 1.021 do CPC/2015.

Mantida a decisão agravada, requer-se seja o presente

agravo interno submetido à apreciação da Egrégia Turma, onde pleiteia e

espera que seja conhecido e provido para reforma da decisão em estudo,

restabelecendo-se a tutela provisória, concedida pelo Juízo de 1° Grau.

Brasília/DF, 19 de abril de 2017.

FELÍCIO PONTES JR.Procurador Regional da República

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