Agressividade Humana

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AGRESSIVIDADE HUMANA AS RAÍZES DA AGRESSÃO: A COMPETIÇÃO POR RECURSOS A agressão ocorre em quase todos os organismos que tenham de disputar um recurso a outros indivíduos. Isto é verdade quer em animais quer em plantas. Falamos de COMPETIÇÃO DIRETA quando, poe exemplo, a faia (árvore) interfere diretamente com a vida das ouras plantas, fazendo sombra no solo (e a consequente inviabilidade do fotossíntese), o que impossibilita o crescimento das mesmas. É o que acontece, na nossa espécie, em saldos: as pessoas tentam passar a frente umas das outras para chegar aos artigos mais cobiçados. Falamos de COMPETIÇÃO INDIRETA quando, por exemplo, várias espécies noturnas e diurnas competem pelas mesmas fontes de alimento, umas de dia e outras à noite. Ou, na nossa espécie, a entrada para o ensino superior. Do ponto de vista do comportamento e das suas motivações, são mais interessantes os casos de competição direta, porque aqui surgem confrontos ativos entre os animais. Usando a analogia dos exames e do metro, os alunos apenas podem estudar o mais e o melhor que podem; mas os passageiros do metro podem desenvolver várias estratégias de interação com os outros passageiros, que podem ir desde a brutalidade até à simpatia. Estas estratégias são mais tradutíveis em comportamentos, que se podem observar. As nossas lutas e, até certo ponto, as nossas guerras são então a consequência direta da seleção natural. Nesse sentido temos de compreender o fenómeno da agressão como irredutível. A competição direta tem como correspondente psicológico e etológico a competição interindividual, e dá origem a motivações de agressão e de competição. LUTAS E RITUALIZAÇÃO A ritualização da agressão é a emissão de sinais selecionados que podem ser interpretados como tendência para atacar ou para fugir. As lutas só ocorrem quando dois animais precisam do mesmo recurso em situações semelhantes. Contudo, e ainda que haja efetiva competição por um recurso, a agressão é, em geral, evitada porque as consequências de uma lutam podem ser graves (quem agride expõe-se aos ataques do agredido). São então um último recurso que os animais usam apenas em casos limite. Da mesma maneira, os animais só lutam até à morte quando o recurso é absolutamente necessário para sobrevivência imediata ou para a sua reprodução. A maior parte dos conflitos – animais e humanos – resolve-se sem chegar a haver combate. REFUTAÇÃO DO «BEM DA ESPÉCIE» Ainda assim, verificam-se por vezes ferimentos graves no decurso de combates entre rivais. Este facto está em desacordo com uma interpretação muito espalhada da ritualização (estereotipização do comportamento típico da espécie e inata que parece ter como função tornar os combates o mais inofensivo possível) dos combates. Essa interpretação pretende que os animais lutam seguindo regras de não- agressão por esse comportamento ser benéfico para a preservação da espécie. Contudo, a evolução ocorre no seio de populações por competição entre indivíduos, de modo que um individuo que, sendo agressivo e entrando em lutas de morte, deixasse mais descendência do que os outros, teria vantagem adaptativa e a população passaria a ser constituída por indivíduos mais agressivos. É evidente que o bem do grupo é evolutivamente impossível, porque aquilo que é selecionado são os indivíduos (e as cópias dos genes que deixam atrás de si) e não os grupos. Ora a evolução faz-se por seleção não de grupos mas de indivíduos. Deste modo, a teoria do bem da espécie é incongruente com o que se sabe de seleção e evolução, porque um individuo que se dedique ao bem do grupo deixará menos descendentes do que os indivíduos que se dediquem ao bem deles próprios.

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  • AGRESSIVIDADE HUMANA

    AS RAZES DA AGRESSO: A COMPETIO POR RECURSOS

    A agresso ocorre em quase todos os organismos que tenham de disputar um recurso a outros

    indivduos. Isto verdade quer em animais quer em plantas. Falamos de COMPETIO DIRETA quando,

    poe exemplo, a faia (rvore) interfere diretamente com a vida das ouras plantas, fazendo sombra no solo

    (e a consequente inviabilidade do fotossntese), o que impossibilita o crescimento das mesmas. o que

    acontece, na nossa espcie, em saldos: as pessoas tentam passar a frente umas das outras para chegar aos

    artigos mais cobiados. Falamos de COMPETIO INDIRETA quando, por exemplo, vrias espcies

    noturnas e diurnas competem pelas mesmas fontes de alimento, umas de dia e outras noite. Ou, na nossa

    espcie, a entrada para o ensino superior.

    Do ponto de vista do comportamento e das suas motivaes, so mais interessantes os casos de

    competio direta, porque aqui surgem confrontos ativos entre os animais. Usando a analogia dos exames

    e do metro, os alunos apenas podem estudar o mais e o melhor que podem; mas os passageiros do metro

    podem desenvolver vrias estratgias de interao com os outros passageiros, que podem ir desde a

    brutalidade at simpatia. Estas estratgias so mais tradutveis em comportamentos, que se podem

    observar.

    As nossas lutas e, at certo ponto, as nossas guerras so ento a consequncia direta da seleo

    natural. Nesse sentido temos de compreender o fenmeno da agresso como irredutvel. A competio

    direta tem como correspondente psicolgico e etolgico a competio interindividual, e d origem a

    motivaes de agresso e de competio.

    LUTAS E RITUALIZAO

    A ritualizao da agresso a emisso de sinais selecionados que podem ser interpretados como

    tendncia para atacar ou para fugir.

    As lutas s ocorrem quando dois animais precisam do mesmo recurso em situaes semelhantes.

    Contudo, e ainda que haja efetiva competio por um recurso, a agresso , em geral, evitada porque as

    consequncias de uma lutam podem ser graves (quem agride expe-se aos ataques do agredido). So ento

    um ltimo recurso que os animais usam apenas em casos limite. Da mesma maneira, os animais s lutam

    at morte quando o recurso absolutamente necessrio para sobrevivncia imediata ou para a sua

    reproduo. A maior parte dos conflitos animais e humanos resolve-se sem chegar a haver combate.

    REFUTAO DO BEM DA ESPCIE

    Ainda assim, verificam-se por vezes ferimentos graves no decurso de combates entre rivais. Este

    facto est em desacordo com uma interpretao muito espalhada da ritualizao (estereotipizao do

    comportamento tpico da espcie e inata que parece ter como funo tornar os combates o mais inofensivo

    possvel) dos combates. Essa interpretao pretende que os animais lutam seguindo regras de no-

    agresso por esse comportamento ser benfico para a preservao da espcie. Contudo, a evoluo ocorre

    no seio de populaes por competio entre indivduos, de modo que um individuo que, sendo agressivo

    e entrando em lutas de morte, deixasse mais descendncia do que os outros, teria vantagem adaptativa e

    a populao passaria a ser constituda por indivduos mais agressivos.

    evidente que o bem do grupo evolutivamente impossvel, porque aquilo que selecionado so

    os indivduos (e as cpias dos genes que deixam atrs de si) e no os grupos. Ora a evoluo faz-se por

    seleo no de grupos mas de indivduos.

    Deste modo, a teoria do bem da espcie incongruente com o que se sabe de seleo e evoluo,

    porque um individuo que se dedique ao bem do grupo deixar menos descendentes do que os indivduos

    que se dediquem ao bem deles prprios.

  • No entanto, esta teoria evidente em animais, como o rato do bambu. Este animal possu

    extremamente cortantes, mas luta empurrando o adversrio com a ponta do focinho para que os dois

    oponentes se empurrem mutualmente sem estar ao alcance dos dentes um do outro. Uma violao da

    regra implicaria uma luta com os dentes, o que seria fatal aos dois.

    A TEORIA DOS JOGOS E DA AGRESSO

    Estes casos, difceis de compreender dado que um animal que rompesse as regras de no-agresso

    pareceria ter vantagem, so explicveis no contexto da teoria de jogos NO DEI IMPORTNCIA

    SUBMISSO

    Uma forma diferente que controlar a agresso submisso. Em muito casos, o comportamento de

    submisso corresponde apenas indicao de que o animal est preparado para fugir, podendo haver

    ritualizao desses comportamentos.

    O apaziguamento consiste em dois processos fundamentais: esconder os sinais de agresso, em

    elementos do esquema infantil e comportamento sexual. No primeiro caso sinaliza-se que no se vai

    combater; no segundo e terceiro apresenta-se ao atacante estmulos que o manipula motivacionalmente,

    de maneira que haja uma competio motivacional entre a agresso e motivaes que com ela so

    incompatveis: o sexo e o comportamento relativamente s crias.

    No comportamento de submisso humano as coisas no so diferentes: no mostrar sinais de

    agresso e mimetizar comportamentos infantis.

    QUANDO SE ESPERAM LUTAS DE MORTE?

    Nos mamferos e nas aves as lutas de morte so raras. Como j vimos, isto s acontece quando o

    recurso absolutamente necessrio para sobrevivncia. No entanto, quando o que est em jogo o poder

    mximo as guerras so sem quartel (ces e seus territrios, mes e suas crias, rivais religiosos, tnicos, etc).

    CONCLUSES

    Temos assim um quadro bastante simples de agresso: serve para afastar os rivais que competem

    poe um recurso, mas este no deve ser to forte que acarrete mais custos do que ganhos ao animal agressor.

    A MOTIVAO PARA A AGRESSO

    A agresso humana obedece aos mesmo princpios que a agresso em muitas outras espcies.

    Porm, h elementos diferentes, que exigem outro tipo de explicao.

    AUTONOMIA DA MOTIVAO DE AGRESSO

    O problema da natureza agressiva ou pacfica da nossa espcie sempre nos fascinou: os teorizadores

    polticos do sec. XVIII opunham-se entre Hobbessianos, que pretendiam que o homem naturalmente

    mau, e os Rousseauianos, que pretendiam que o homem s era mau devido cultura. Konrad Lorenz

    defendia que a agresso era uma tendncia inata, impossvel de suprimir.

    No entanto, atualmente, a interpretao que foi feita por Lorenz parece um pouco estranha e

    incompreensvel. Dado que a agresso est estritamente ligada formao de hierarquias de dominncias

    (isto , as desigualdade sociais), qualquer teoria que afirmasse que a agressividade impossvel de

    suprimir, era potencialmente considerada ameaadora da igualdade social que se afirma ser o objetivo a

    atingir. Assim, compreensvel que uma grande parte dos acadmicos tenha considerado como projeto

    importante mostrar que a agresso era dependente da aprendizagem.

    A demonstrao dos efeitos da aprendizagem no refuta a mensagem de Lorenz: ele prprio

    procurava maneira, atravs da educao, de recanalizara agresso por atividades mais produtivas. Assim,

  • grande parte do debate sobre a questo da agressividade humana passou pela demonstrao de efeitos

    inatos e de efeitos de aprendizagem isso mostraria que a agresso aprendida e no inata.

    Porm, a ideia de refutar o carcter inato da agresso atravs de experincias que mostram que

    existem fatores de aprendizagem ingnua e reveladora de um pensamento bipolar simplificado: por essa

    ordem de ideias, o facto de podermos aprender a distinguir novas formas implicaria que a viso

    aprendida.

    O que o conjunto de investigaes mostrou que a agresso parece ser uma propriedade universal

    do comportamento humano, mas que pode, at certo ponto, ser modificada pelo ambiente.

    O CARACTER ENDGENO DA AGRESSO

    Vrios animais tm uma apetncia por situaes que podem exibir comportamento agressivo. Alm

    de auto-motivada, a agresso parece ser endgena e independente da aprendizagem em muitos casos,

    dado que, sem qualquer experiencia da agresso, o animal a exibe espontaneamente. Isso verifica-se em

    mamferos criados em total isolamento.

    Alm disso, os padres de agresso so tpicos de cada espcie: a cada espcie corresponde um

    conjunto de desencadeadores e de padres de ao agressivos, com pequenas diferenas inter-individuais.

    Particularmente na nossa espcie reconhecemos espontaneamente a raiva a tendncia para a agresso.

    A arrogncia outro desencadeador de agresso uma forma no-verbal de fazer passar a ideia

    de que se mais importante que a outra pessoa. Existem outros desencadeadores como a dor, a intruso

    no territrio, competio por recursos e comportamentos de ameaa.

    Pode, portanto, afirmar-se co segurana que a agresso corresponde a uma motivao autnoma,

    inata (no sentido que se manifesta em todos os animais estudados independentemente da aprendizagem)

    e que se traduz por comportamentos tpicos da espcie.