Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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Brasília DF, junho de 2000 Maria Thereza Macedo Pedroso Dissertação de Mestrado Agricultura Familiar Sustentável: Conceitos, experiências e lições

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Brasília – DF, junho de 2000

Maria Thereza Macedo PedrosoDissertação de Mestrado

Agricultura Familiar Sustentável: Conceitos, experiências e lições

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1. INTRODUÇÃO

Esta dissertação reflete um sentimento de indignação diante da desigualdade social e da destruição

dos recursos naturais e um sentimento de esperança diante da possibilidade desta situação se reverter.

Para isto, faz três reflexões, a primeira sobre a sustentabilidade da relação Homem-Terra, a segunda

sobre a crise social e tecnológica do campo brasileiro, e a terceira sobre as sinergias1 da conjugação

de duas importantes utopias, a justiça social e a conservação dos recursos naturais no campo para se

alcançar o desenvolvimento rural sustentável.

O desenvolvimento da dissertação obedece à seguinte sequência: primeiramente no Capítulo 2,

procede-se a uma discussão sobre o rompimento da relação Homem/Terra e da possibilidade de

uma "religação". Este capítulo, assim como os capítulos 3 e 4 são ilustrados por trechos de

entrevistas com agricultores. No Capítulo 3, demonstra-se a insustentabilidade social e tecnológica

no contexto do campo brasileiro.

No Capítulo 4, é feita uma síntese das diretrizes que norteariam as proposições para a construção de

um modelo de desenvolvimento rural sustentável, a partir da premissa de que é necessário ampliar,

viabilizar e fortalecer a agricultura familiar e conservar os recursos naturais. A reflexão neste capítulo

é alimentada por exemplos de experiências locais governamentais, de organizações não

governamentais e movimentos sociais sinalizadoras de um novo caminho para a agricultura brasileira

e de ruptura do atual modelo de desenvolvimento rural. As experiências foram sistematizadas em

três temas, que também são considerados os pontos de estrangulamento que impedem o

fortalecimento da agricultura familiar e a conservação dos recursos naturais por este setor. São eles:

(1) abastecimento de insumos, material genético e máquinas e implementos (2) ciência, tecnologia e

produção e (3) transformação e comercialização.

A coleta dos dados de experiências governamentais restringiu-se a projetos de administrações locais

do Partido dos Trabalhadores (PT) nas prefeituras de vários municípios brasileiros e no Governo do

Distrito Federal. Estas experiências foram coletadas durante um trabalho na Secretaria de Agricultura

1 Sinergia: interação de todas as energias em presença, em vista da manutenção de cada ecossistema e dos indivíduos de que a ele pertencem(BOFF, 1999).

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do Distrito Federal, com o objetivo primeiro de incrementar as novas políticas para a agricultura

brasiliense, conjugado com o objetivo de elaborar uma dissertação de mestrado. Tal dissertação,

portanto, avaliaria a sustentabilidade dos projetos das administrações deste partido, proporcionando

a elaboração de novos programas de governo. O tema da dissertação tinha que, necessariamente,

estar ligada ao trabalho da autora (na Secretaria de Agricultura do Distrito Federal), pois a dissertação

foi submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, como parte

dos requisitos para obtenção de grau de Mestre em Desenvolvimento Sustentável, área de

concentração em Gestão e Política Ambiental, opção profissionalizante.

Com a interrupção do trabalho na Secretaria de Agricultura, o enfoque da dissertação cedeu lugar a

uma discussão sobre a construção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável a partir de

experiências locais, que sinalizam um novo caminho para o fortalecimento da agricultura familiar e

para a conservação dos recursos naturais. Por isto, do total das experiências das administrações locais

do Partido dos Trabalhadores2, foram selecionadas aquelas que contribuem para a construção de um

modelo de desenvolvimento rural sustentável no Brasil. Para enriquecer a discussão, foram incluídas

experiências de organizações não governamentais e movimentos sociais que possuem vínculo

explícito com a luta pela terra e/ou com a conservação dos recursos naturais e, por assim dizer, são

comprometidas programática e ideologicamente com um destes temas, ou com ambos.

Ao referencial teórico, foi incluída uma série de obras que subsidiam a discussão, desde obras antigas,

como por exemplo, The Theory of Peasant Economy de Alexander Vasilevich Chayanov, passando pelos

clássicos da agroecologia como o Manejo Ecológico dos Solos de Ana Maria Primavesi, A Teoria da

Trofobiose - Plantas Doentes pelo Uso de Agrotóxicos de Francis Chaboussou e Agroecologia, as bases Científicas

da Agricultura Alternativa de Miguel Altiere. Até referências das mais recentes, como a pesquisa

INCRA/FAO sobre o novo perfil da agricultura familiar. Por fim, no capítulo 5, é apresentada a

conclusão geral do trabalho, elaborada a partir do marco teórico, das entrevistas e da discussão sobre

as experiências locais.

2 As experiências governamentais foram coletadas no período de fevereiro a junho de 1998. Restringiu-se apenas a experiências deste partido pelo fato de o Governo do Distrito Federal na época da coleta das experiências estar governado pelo Partido dos Trabalhadores.

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Desta forma, a dissertação se encaixa na proposta do mestrado profissionalizante do Centro de

Desenvolvimento Sustentável(CDS) da Universidade de Brasília (UnB), "um espaço acadêmico de

debate, através de abordagem transdisciplinar, comprometido com a construção de um novo modelo

de desenvolvimento que permita a existência de gerações futuras onde tudo e todos coexistam"

(CDS, 2000).

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2. A SUSTENTABILIDADE DA RELAÇÃO HOMEM-TERRA:

2.1. HUMANIDADE INSUSTENTÁVEL

No nosso comportamento atual, construímos uma economia contra a vida. Pela primeira vez na história da Terra, tornou-se possível que uma espécie destruísse todo o sistema de Vida do Planeta. Construímos uma cultura contra a vida, contra o planeta. Crescemos acreditando que estaríamos em melhores condições adquirindo mais produtos, quando, na verdade, mais produtos podem significar a morte de nosso planeta, que é nosso único produto (LA CHANCE, 1996).

Para iniciar qualquer discussão sobre sustentabilidade é necessário diagnosticar os problemas globais

de cunho sócio-ambiental, tais como os que Boff (1995), considera como os dois sintomas mais

importantes da grave doença do planeta Terra. O primeiro: o ser mais ameaçado da natureza hoje é o

pobre. Setenta e nove por cento da humanidade vive no grande Sul pobre. Um bilhão de pessoas

vivem em estado de pobreza absoluta e três bilhões têm alimentação insuficiente. Face a este drama,

a solidariedade entre humanos é praticamente inexistente.

O segundo: as espécies de vida correm semelhante ameaça. Estimativas apontam que, entre 1500 e

1850, foi presumivelmente eliminada uma espécie a cada 10 anos. Entre 1850 e 1950, uma espécie

por ano. A partir de 1990 está desaparecendo uma espécie por dia. A seguir este ritmo, no ano 2000

desaparecerá uma espécie por hora3 (BOFF, 1995).

Segundo Buarque (1995), uma das causas desta grave doença é o fato de o avanço técnico não estar

subordinado à ética. Ao se desprezar a ética como orientadora, ficam de fora os objetivos sociais e,

por outro lado, o avanço técnico torna-se protegido do questionamento de que reforça a

concentração de renda e poder, ou se causa danos ao meio ambiente. Isto ocorre, pois o avanço

3 "Importa também dizer que o número de espécies varia, consoante os critérios dos especialistas, entre 10 milhões e 100 milhões, sendo que apenas 1,4 milhão foram descritas. Mas de todo modo, há uma máquina de morte movida contra a vida sob as suas mais variadas formas" (BOFF, 1995).

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técnico tem mais eficiência na geração de novos produtos, novos desejos e novas necessidades do

que no aumento dos mesmos produtos básicos e necessários para todos sobreviverem na Terra. Este

avanço técnico, que poderia reduzir as necessidades, passou a induzí-las e sem o controle da ética,

passou a definir o rumo da nossa civilização. Desta forma, o Ser Humano torna-se dominado pelo

avanço técnico, não o domina. Ao invés de usar, passou a ser usado pela técnica. Além disso, padece

vítima de sua própria rotina de pensamentos, sentimentos e ações (CREMA, 1996 e BUARQUE,

1995).

Por outro lado, a questão tecnológica tem aberto enormes abismos entre os países ricos e pobres.

Isto é retratado por Maia e Guimarães (1997), que diferenciam as situações de desenvolvimento

endógenos dos países ricos e pobres. Os autores explicam que nos países ricos, é o progresso técnico

que leva à acumulação de capital e, ambos, à formação da oferta que, em mais de uma dimensão,

determina o comportamento da demanda de bens e serviços. Ou seja, o processo de inovação

tecnológica torna-se intimamente relacionado com o padrão de produção, definindo o processo de

acumulação de capital e padrão de consumo. Em países pobres, onde a situação de industrialização é

tardia, periférica e dependente, o que se forma primeiro é a estrutura da demanda no processo

produtivo.

Os países pobres se inserem na economia mundial através da exportação de produtos brutos e de

recursos naturais e ficam dependentes de importações de produtos industrializados, desta forma,

forma-se a demanda, que imita a da elite, não mantendo qualquer relação com as necessidades

básicas das populações locais. Assim, o sistema econômico nestes países precede à formação de

capital, na maioria das vezes, com exportações e endividamento externo. O progresso técnico, que

deveria ser o causador do crescimento autônomo, no caso dos países pobres, é importado como um

pacote fechado, não possibilitando um processo de inovação tecnológica nacional genuíno (MAIA e

GUIMARÃES, 1997).

Conclui-se que a insustentabilidade planetária se deve também à insustentabilidade dos padrões de

produção e de consumo e à desintegração das variáveis que regulam ambos os padrões. Nos países

pobres e dependentes, esses padrões, além de insustentáveis, perpetuam um modelo subordinado,

periférico e dependente de desenvolvimento, e terminam por hipotecar as possibilidades de mudança

para um padrão menos pernicioso social e ambientalmente.

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O atual paradigma, justifica e regula o uso de automóvel privado, um meio de transporte depredador, absurdamente caro do ponto de vista ecológico e concentrador de privilégios. Para que poucos possam ter tais automóveis, os objetivos sociais foram subordinados aos investimentos para a criação de carros e parques industriais. O marketing, a venda e consumo, são mais importantes do que os gastos em educação, saúde, lazer, educação, cultura e moradia para toda a população. Há importação de todo um modelo fechado, desde o seu padrão de produção até o seu padrão de consumo, passando pelo aumento a qualquer custo das exportações e, quando isto já não é suficiente, pela formação da dívida externa em substituição à poupança interna.

Buarque (1995), afirma que a construção de um mundo igualitário passa, necessariamente, pela

utopia da construção de um novo paradigma de desenvolvimento. Tal paradigma deve ser baseado

em valores éticos e desejos sociais onde as técnicas são elementos libertários da desigualdade social.

Justamente o inverso do que conhecemos, onde o valor ético de uma sociedade igualitária não é

prioridade, sua dinâmica é concentradora de renda e poder, consome em excesso energia não

renovável, degrada a natureza, a cultura local e a dignidade humana e tem sua tecnologia voltada para

gerar produtos de alto valor dirigidos a uma elite consumista (BUARQUE, 1995).

Uma outra forma de refletir sobre esta crise é analisá-la a partir da lógica de que o sistema capitalista

concentra renda, e ao concentrar renda há aumento das diferenças de oportunidades, tais como

acesso à educação e saúde. Por sustentar desigualdade social, este sistema nunca dará chance para o

desenvolvimento sustentável. Apesar deste antagonismo, os defensores deste sistema vêm

progressivamente incorporando o termo sustentabilidade em seu discurso e marketing, pois a arte do

capitalismo é a capacidade de se apropriar de qualquer coisa, desde que haja lucro. Tanto isto é

verdade que, nos países capitalistas, grande parte da problemática ambiental e social tem a mesma

origem, ou seja, o modelo de desenvolvimento adotado, onde é marginalizado o não mercantil, e

supra-valorizado o mercado, ou seja, o uso do necessário foi substituído pelo consumo do

desnecessário, perdendo-se a noção da utilidade das coisas (BARTHOLO et al, 1999).

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O sistema capitalista vem tomando um tom mais perverso, através da disseminação do

"neoliberalismo" e da globalização. Segundo Batista (1994), a implementação do "neoliberalismo"

nos países da América Latina acontece através de reformas induzidas pelo Banco Mundial, Estados

Unidos e Fundo Monetário Internacional, objetivando a redução do Estado, o máximo de abertura à

importação de bens e serviços e à entrada de capitais de riscos e a internalização do princípio da

soberania absoluta do mercado auto-regulável nas relações econômicas.

Os defensores do ideário neoliberal justificam que problemas nas áreas de educação e saúde, a má

distribuição de renda e a pobreza serão resolvidos naturalmente com a liberalização econômica. Ou

seja, serão solucionados exclusivamente a partir do livre jogo das forças de oferta e da procura num

mercado inteiramente auto-regulável. Assim, despreza-se a atuação do Estado para estas questões.

Pode-se dizer que, nos países onde o "neoliberalismo" está tendo terreno fértil, prevalece a visão

clássica e monetarista dos problemas econômicos, sociais e ambientais e a obstinação em desmontar

o Estado. Prevalece também a visão, em que não é considerado que a democracia seja um passo para

se chegar ao desenvolvimento sócio-econômico e sim um subproduto do "neoliberalismo"

econômico. A idéia é capitalismo liberal primeiro, democracia depois, ou seja subordinação do

político ao econômico4 (BATISTA, 1994).

O marketing das idéias "neoliberais" é tão bem feito que, além de ser identificado como modernidade,

desmoraliza a capacidade de reflexão e decisão da população. Encontra o forte apoio da imprensa

falada e escrita, que critica duramente todos que não aderem à “modernização pelo mercado”,

qualificando-os como retrógrados, antiquados e “dinossauros”. Além disto, promove-se

constantemente a tese de falência do Estado, promovendo o discurso de incapacidade de o Estado

controlar atividades estratégicas, e exercer política monetária e fiscal. Há, inclusive, o questionamento

da competência do Estado em administrar responsavelmente recursos naturais, como o caso das

florestas. Para piorar a situação, as estatais são privatizadas sem as exigências, de que o comprador se

comprometa a manter o nível de emprego.

A globalização, concretamente, proporcionou tarifas unificadas no Mercosul, arruinando o setor

produtivo nacional brasileiro de alguns produtos. No caso do trigo e do leite, o setor transformador

4 Uma prova disto é que as reformas de ordem política, de aprofundamento e consolidação da democracia não constituem pré- requisito para obtenção de cooperação internacional.

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foi menos afetado e o comercial sofreu reestruturações em função da reorientação dos fluxos de

produtos. O consumidor teve alguns benefícios em termos de queda relativa e/ou estabilização dos

preços, mas está hoje mais vulnerável às flutuações do mercado externo e os produtores foram os

grandes perdedores, pois o preço pago a estes foi extremamente reduzido.

Um efeito indireto da globalização é o impacto ambiental. Por exemplo, com a queda das barreiras

comerciais no Brasil, está havendo queda nas cotações de produtos. Para a agricultura poder

competir com os produtos importados, há expansão das áreas cultivadas para compensar perdas de

faturamento e intensificação do uso de agrotóxicos. No caso do café, tem tido como resultado a

expansão da oferta de volume físico para compensar a perda em renda, e em vários casos, os

agricultores têm aberto novos cafezais sobre áreas que restam da Mata Atlântica. No caso do cacau,

o impacto é o abandono da cultura e a derrubada de novas áreas para implantação de sistemas de

pastagens extensivas (WEID & ALMEIDA 1997).

A Índia, assim, como os demais países do terceiro mundo, está vivendo agora a onda da privatizações que aparecem como um passo para integrar-se ao mercado mundial. As privatizações afetam setores que, além de não verem satisfeitas uma multitude de necessidades de caráter local, cai em cima de suas cabeça o mercado mundial. A vida humana não pode estar determinada pelo critério puro e duro da rentabilidade. Existem muitas atividades que devem se realizar, ainda que não estejam contempladas dentro dos parâmetros do mercado mundial. A nós como aos outros países, as privatizações nos são impostas pelo Banco Mundial e FMI. São denominadas "políticas de saída", por que o contrário, te fecham todas as portas. O resultado é cristalino: O Banco Mundial e o FMI incapacitaram o Terceiro Mundo e o colocam constantemente em desvantagem frente ao Norte: originam desemprego ao destruir vastos setores produtivos, deterioram o meio ambiente que perde seus verdadeiros protetores e provocam a desagregação cultural e social. Tudo isto em nome do livre comércio (SHIVA, s/d).

Apesar dos graves problemas ambientais promovidos pelo capitalismo, Vieira (1990), e Freire (1992),

afirmam que a visão que culpa o capitalismo pela grave doença da terra ainda não é completa, pois

nos países socialistas onde houve profunda diminuição das desigualdades sociais e um Estado que se

responsabilizava pelo bem-estar da população, aconteceram sérios problemas ambientais. Apesar de

suas diferenças, os dois sistemas (capitalista e socialista) são baseados na grande indústria, resultante

da Revolução Industrial e por isto consideram os recursos naturais inesgotáveis para a exploração

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econômica. Além disto, ambos são herdeiros do racionalismo iluminista e da tradição ocidental, que

sempre considerou a natureza como um objeto à disposição do Homem, para que este a subjugasse

(VIEIRA, 1990 e FREIRE, 1992).

A conclusão a que se chega, é que a relação de desligamento do Homem com a Terra, encontra-se

firmemente inclusa, tanto no sistema capitalista, como no sistema socialista. Ou seja, não é um

problema relacionado a um sistema político, e sim relacionado com o desligamento do Ser Humano

com a Terra. E é por isto, que as doutrinas de inspiração capitalista mas também as correntes

revolucionárias do socialismo mergulham em profunda crise por não conseguirem mais explicar o

mundo moderno, sobretudo a crise ecológica. Ou seja, tanto no sistema capitalista como no socialista

existe uma incompatibilidade com a capacidade de suporte da Terra5 (BEZERRA et al, 1999).

Os ambientalistas e as religiões não ficam fora da crítica de que também contribuem para

insustentabilidade da relação Homem-Natureza. O movimento ecológico sempre argumentou em

prol de uma postura biocêntrica ou ecocêntrica. Por exemplo, dizendo que a floresta em pé é mais

valiosa que a floresta derrubada. Algumas empresas no Acre e Amazonas estão começando a dizer

que floresta em pé é mais valiosa e querem explorá-la de forma "sustentável". Para tanto, expulsam

os povos da floresta, como sempre o fizeram, quando os povos da floresta eram expulsos para que se

realizasse uma exploração economicamente irracional. Do ponto de vista ecológico isso representa

um avanço, pois é claro, é melhor a floresta em pé, em qualquer circunstância, até pelo direito da

floresta, mas do ponto de vista da justiça, do raciocínio político e ético é terrível (UNGER, 1992).

Quanto aos religiosos, pode-se dizer que, excetuando os ligados à Teologia da Libertação,

reconhecem a importância da ciência e da técnica para a satisfação das necessidades humanas e para

promoção da vida, pois garante a sobrevida, dando o "pão", mas não promove suficientemente a

vida ensinando a participar na produção do "pão". Ou seja, as religiões, de uma forma geral, não

encaram a ciência e a técnica como promotoras da satisfação das necessidades básicas, da justiça

social e do poder popular, além do mais não provocam reflexão sobre o status quo, muito menos

críticas e incentivo à qualquer tipo de mudança (BOFF, 1996).

5Isto não significa que a ação predatória seja algo intrínseco ao Ser Humano.

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A dificuldade de diagnosticar as causas da grande doença da Terra é piorada pela divisão e

especialização do trabalho, típicas da indústria, estendidas à produção de conhecimentos. O saber

está secionado em disciplinas herméticas, impedindo o diálogo interciências. Há maximização da

filosofia cartesiana, que coloca o homem como sujeito e a natureza como objeto. As especializações

se intensificam, mas não há um esforço para integrá-las, perdendo-se ainda mais a noção do Todo

(BARTHOLO et al, 1999).

Outro fator que dificulta o diagnóstico é a forma de acesso à informação. Apesar de vivermos um

momento em que a informação chega em tempo real, chega totalmente fragmentada, dando a

entender que os eventos existem isoladamente, reduzindo a capacidade crítica do cidadão comum.

Além disso, os meios de comunicação populares nutridos pela mídia não visam o conhecimento, mas

o doping e a paralisia, além do condicionamento e da domesticação (D' AVILA, 1991).

[...]Em uma verdadeira democracia, sonhava Brecht, cada residência deveria estar dotada de um rádio receptor e transmissor! Assim, tenderíamos a versão moderna da ágora grega, a praça na qual todos os cidadãos debatiam assuntos de interesse coletivo. Ocorre que no Brasil apenas 9 famílias controlam os principais meios de comunicação e absorvem 70% das agencias de publicidade. Em uma economia de mercado, onde a ganância e sua acumulação são prioridades, os grandes meios de difusão não investem naquilo que não aumentam seus lucros e seu poder. Em teoria, lhes interessa o que interessa ao mercado. Por isto, eles condicionam o público, ou seja, o domesticam para que gostem do que eles oferecem. Assim, se uma rede de TV pode adquirir ou produzir telenovelas a menor preço, ela não vacila a colocar no ar dramatizações que mostram o matrimônio como um jogo de prazeres e interesses que dão audiência, ao invés de produzir programas educativos (FREI BETO, 1999).

Há, desta forma, uma cegueira generalizada impedindo a percepção de que a gênese da crise social e

ambiental é a mesma e que os sistemas sociais dependem, para sua sobrevivência, dos sistemas

ecológicos de sustentação da vida e a abundância pode ter uma dimensão temporal e que um bem

livre (como a água, o solo, o ar, a floresta) pode se tornar escasso. Esta cegueira, leva a uma postura

antropocêntrica, fundamentada na fé da razão humana, em detrimento de qualquer outra afirmação

de poder, inclusive o da natureza. Daí a crença arrogante do ser humano de, através da técnica e da

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ciência, tudo dominar, tudo controlar, acarretando progressiva e paulatinamente a morte do planeta

(UNGER, 1992).

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2.2 A TERAPIA

Inicialmente não há distância entre nós e a Terra. Formamos uma mesma realidade complexa, diversa e única. Foi o que testemunharam os vários astronautas, os primeiros a contemplar a Terra de fora da Terra. Disseram-no enfaticamente: daqui da Lua ou a bordo de nossas naves espaciais não notamos diferença entre Terra e Humanidade, entre negros e brancos, democratas ou socialistas, ricos e pobres. Humanidade e Terra formamos uma única realidade esplendida, reluzente e, ao mesmo tempo frágil e cheia de vigor. Essa percepção não é ilusória. É radicalmente verdadeira (BOFF, 1999).

Segundo LA CHANCE (1996), o vício é uma das mais importantes causas da crise da Terra. Os

vícios são dependências e todo tipo de dependência é sintoma de negação. A negação e as

dependências que dela resultam, não são uma recusa em admitir a realidade, mas a incapacidade de

fazê-lo. O fenômeno inconsciente da negação cria uma barreira entre a própria pessoa e o

conhecimento da ocorrência da dependência. A perda da negação levaria a um conhecimento da

terrível realidade do viciado. É por isto que as pessoas repetem eternamente comportamentos, não

saem dos seus ciclos de dependência, e se negam a reconhecer sua dependência, seja ela química, ou

comportamental.

Da mesma maneira que é formada a mente de qualquer pessoa dependente, moldada por meio de

interações diárias com pais dependentes, também as mentes de todos nós, foram moldadas por

aqueles dependentes da economia de consumo. O dependente tem um impulso de auto-destruição e

a dependência é uma forma lenta de suicídio, que pode ser individual, cultural ou planetária. Quando

o consumo de qualquer coisa começa a matar e não se consegue parar, significa que a pessoa, a

comunidade ou o planeta se torna dependente. Da mesma forma que o alcoolismo degrada a família,

o consumismo degrada a Terra. Da mesma forma que um dependente recorre ao roubo para garantir

seu suprimento vital de drogas, o Ser Humano constrói cada vez mais armas para garantir seus

"interesses vitais" (como novos carros, novos telefones celulares, novas roupas, novos sapatos, novas

embalagens...). A questão é que, para garantir seus "interesses vitais", são consumidos, sem qualquer

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freio, os recursos naturais, a força de trabalho, a cultura local e a dignidade humana, principalmente

dos países pobres do Sul (LA CHANCE, 1996 e SOARES, 2000).

É fácil perceber quando uma pessoa está dependente e suicidando-se lentamente. Quando se discute

um caso de um indivíduo, é fácil perceber o vício, a negação e a destruição. O difícil é perceber o

problema, quando se é o viciado. Logo, perceber a dependência, coletiva e cultural, também se torna

difícil. O viciado sabe que algo está errado, mas não consegue (ou se nega a) ver a raiz do seu

problema. Quase todo mundo sente que algo está terrivelmente errado nas relações humanas e na

relação com a natureza, mas há uma negação generalizada de ir a fundo neste problema.

Se é superando a negação e encontrando a raiz do problema que o viciado supera seu vício, então

surge a necessidade de uma grande terapia para a humanidade. Para que esta terapia tenha sucesso, é

necessário que a humanidade tenha perseverança, paciência, superação de obstáculos e trabalho de

construção. Por isto, "deve realizar-se em um processo histórico, que tente dar corpo ao sonho

construindo passo a passo os mil passos que o caminho exige. É a dimensão-terra fazendo suas

exigências à existência humana" (BOFF, 1999).

O primeiro passo da terapia de cura da grave doença da Terra é analisar o porquê da crise. A

verdadeira raiz do problema da humanidade, o grande vício de consumir e destruir os recursos

naturais, a força de trabalho, a cultura local e a dignidade humana. O segundo passo é proporcionar o

nascimento de uma redefinição do Ser Humano e de sua missão no universo, no contexto de uma

nova aliança de paz e de sinergia para com a Terra e com os povos que nela habitam. O ser humano

precisa refazer essa experiência espiritual de fusão orgânica com a Terra, a fim de recuperar suas

raízes e experimentar sua própria identidade. Ele precisa ressuscitar também a memória política do

feminino para que a dimensão anima6 entre na elaboração de políticas com mais equidade entre os

sexos e com maior capacidade de integração e assim, deixar o domínio da natureza externa e ter o

domínio interno sobre os aspectos autodestrutivos da natureza humana (BOFF, 1999).

6 Animus / anima: expressão difundida pelo psicanalista C. G. Jung(1875-1961) para designar a dimensão masculina (animus) e feminina (anima) presentes em cada pessoa e que se reflete nos padrões culturais de comportamento( BOFF, 1999).

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A redefinição deste Ser Humano deve ter como base, o bem-estar e o florescimento da vida dos

humanos e dos não-humanos, independentemente de sua utilidade para fins humanos. A riqueza e a

diversidade das formas de vida contribuem para a realização desses valores e que são valores em si.

Na redefinição de Ser Humano, deve-se enaltecer o respeito que as coisas criadas merecem, tanto as

animadas como as inanimadas, pelo lugar que ocupam nesse mundo ordenado que os gregos

chamam de "cosmos" e os cristãos chamam de "o que foi criado por Deus". Realmente pode-se,

através dessa redefinição de Ser Humano, resgatar uma atitude que não reduza a natureza e os outros

seres a objetos para o consumo humano. Desta forma, em lugar da relação de consumo, uma relação

de comunhão com a natureza, com os outros seres e com os semelhantes (UNGER, 1992).

O terceiro passo, portanto, seria a reconstrução da casa humana comum - a Terra - para que nela

todos possam caber e para que haja sustentabilidade para alimentar um novo sonho de um futuro

reconciliado e integrado de sociedade humana. É o repensar da relação Homem-Terra ! Assim como

o verdadeiro(a) amigo(a), é aquele(a) que não se deixa dominar e não domina, deve ser instaurada

uma relação de entre-conhecimento, uma relação de igualdade, e essa relação de entreconhecimento

e igualdade é o próprio fundamento não só da amizade mas também da liberdade. Esta é a noção

que devemos incorporar a esse repensar da relação Homem- Terra, em que o homem se sente em

co-pertinência com tudo o que existe, não ficando separado do resto da natureza, mas, ao contrário,

fazendo parte dessa natureza (UNGER, 1992).

Terminado o último passo, pode-se pensar na dimensão política, para estabelece-la é fundamental

buscar os valores subjetivos, as razões não utilitárias, não materiais, que justifiquem esses novos

comportamentos. Estabelecer um conhecimento holístico, que perceba a globalidade onde cada coisa

se situa. Dispondo de um método, que permita qualquer pessoa sentir-se como parte do universo,

ligada a ele por invisíveis redes e cadeias ecológicas que funcionam dentro de um cosmo onde todas

as partes estão interligadas (BUARQUE, 1995).

Pode o ser humano, vislumbrar então um sistema de sociedade igualitária, acima da dicotomia

comunismo x capitalismo, que não seja autoritário nem pelo Estado tampouco pela economia de

mercado, que respeite a reflexão do indivíduo e onde cada indivíduo seja especial e que tenha total

integração com a natureza. Esta seria a pré-condição de uma atitude madura e sábia para buscar

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outros caminhos, diferentes dos já trilhados até agora. Talvez um caminho que conduza a um

"Socialismo Democrático Humano e Ambiental".

Quando eu trabalhava como ajudante de serviço de caminhão, antes de ser assentado, uma vez fui numa fazenda, e achei bonito o lugar que o dono deixou, cheio de árvore. Ai eu falei: "um dia eu vou ter uma terra, e vou fazer desse jeito". E fiz ! Porque, a gente precisa da floresta, por causa do oxigênio que ela fornece, e o gado também. A árvore, ajuda a deixar a terra úmida e dá sombra para o gado. Para a gente viver, não precisa destruir tudo, não. Tem que manter a vegetação ! A ema vem aqui, os passarinhos, vem aqui e comem junto com as galinhas, e não competem com elas de maneira alguma. A galinha, a gente cria para matar e comer e os outros pássaros são da natureza, a gente tem é que ajudar a conservar eles. O Homem é um grande destruidor da natureza, mas aqui eu não deixo matar nenhum bicho da natureza. Se todo mundo do Fruta d'Anta, tivesse feito como eu, a gente estaria conservando mais o nosso assentamento. Por que do jeito que vai, essa geração que vai nascer em 2010 não vai conhecer as árvores. Acho que o pessoal pensa assim: "eu vou morrer mesmo, o resto que se dane " e ai esquece dos que vão ficar. A água é a chave de tudo, aqui ela fica segura no solo, por causa de todas as árvores também não dá muita praga, por que com as árvores do Cerrado, as pragas tem os alimentos dela. Nós precisamos dessas coisas, da água, do solo, do sol, do ar e da árvore, que para mim, é Vida. (Trecho da entrevista com o Sr. Argemiro Pereira da Cunha - Ver fotografia 1, assentado de Reforma Agrária do Assentamento Fruta d'Anta-MG).7

Page 17: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

16

Fotografia 1: Sr. Argemiro e sua esposa.

A Terra é nossa mãe, cuidemos dela

Os rios são nosso sangue, cuidemos deles A floresta é o pulmão, cuidemos dela O mar é nossa alma, cuidemos dele

A nuvem é pensamento, cuidemos dela O céu é nosso espírito, cuidemos dele Nós somos desta terra, cuidemos dela

O próximo é nosso filho, cuidemos dele 8

7 A entrevista com o Sr. Argemiro Pereira da Cunha foi feita exclusivamente para esta dissertação. 8 Hino e mantra da permacultura., modificado por Pedroso (2000).

Page 18: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

17

3. A INSUSTENTABILIDADE DO DESENVOLVIMENTISMO RURAL

BRASILEIRO

O processo de desenvolvimento rural brasileiro, no período de 1950 a 1980, ocorreu por intermédio

de um processo genérico de crescente integração da agricultura ao sistema capitalista industrial,

especialmente através de mudanças tecnológicas. Não somente o processo de desenvolvimento foi

para o campo, mas para o país como um todo, e teve como objetivo central a substituição de

importações pelo crescimento industrial.

Para atingir o desenvolvimento, o governo brasileiro centralizou as decisões e realizou grandes

investimentos em empresas estatais, além de ter concedido isenções de impostos e crédito subsidiado

quase que exclusivamente para as grandes empresas. No meio rural, este modelo modernizou a

agricultura patronal e os grandes complexos agroindustriais. Através do crédito subsidiado, foram

realizados grandes investimentos em novas tecnologias9. A agricultura familiar foi excluída em massa

deste processo, assumindo basicamente o papel de liberar mão-de-obra. A este novo padrão de

desenvolvimento rural, deu-se o nome de "modernização conservadora" (DELGADO, 1985 e

GRAZIANO, 1997)

A principal conseqüência foi a dependência crescente em relação ao mercado, cuja dinâmica é

determinada pela modernização e tecnificação, resultando no aumento do êxodo rural, no aumento

do grau de monopólio sobre a propriedade da terra, no desequilíbrio dos ecossistemas, na exploração

desenfreada das diferentes categorias de trabalhadores, no desemprego, na marginalização, e no

desencadeamento da violência urbana e rural.

Ao invés de ser feita a Reforma Agrária, houve favorecimento às grandes empresas rurais,

subordinando o conjunto da economia agrícola aos capitais financeiros e grandes agroindústrias

caracterizadas por altas produtividades, mas também por gerarem altos custos ambientais. Ao invés

de se investir na alimentação da população brasileira foram concentrados esforços para dar

incentivos aos exportadores de alimentos. Portanto, esta "modernização conservadora" é uma das

9 As tecnologias seriam as tecnologias da "Revolução Verde", geradas em países ricos de clima frio, como por exemplo, Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e Holanda.

Page 19: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

18

principais responsáveis pela excessiva concentração de terra, renda, poder e privilégio e pela

destruição dos recursos naturais. A justificativa para a implantação no Brasil deste novo modelo de

desenvolvimento rural era o de aumentar a produção via aumento de produtividade, e acelerar a

competitividade via queda nos custos unitários de produção. Apesar dos grandiosos investimentos,

os resultados foram desastrosos (GRZYBOWSK, s/d; BUARQUE, 1994 e SANTANA, 1994).

Pode-se dizer que a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento rural adotado no Brasil reflete

uma interação de "insustentabilidades", ou um complexo de "insustentabilidades". Todavia, nesta

dissertação, foram abordados apenas os enfoques social e tecnológico, que são analisados a seguir.

Page 20: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

19

3.1 CONCENTRAÇÃO DE TERRA, RENDA, PODER E PRIVILÉGIOS

"Terra sem gente para gente Sem Terra é o significado da palavra Sem-Terra em português. Desde os tempos coloniais, o interior do Brasil tem sido um mosaico de privilégios onde um punhado de barões governa sobre propriedades do tamanho do país". Era isto que estava escrito no The Economist do dia 13 de abril de 1996 (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1997).

A concentração da posse da terra pode ser medida através de um indicador denominado índice de

Gini, que varia de zero a um. Se todas as terras do Brasil pertencessem a um único proprietário, o

índice seria igual a um. Pois bem, nas oito medições feitas desde 1960, tanto pelo INCRA como pelo

IBGE, a oscilação do índice foi de 0,83 a 0,86 (SAMPAIO, 1998). Esta concentração representa uma

estrutura agrária concentrada, em que há muita terra nas mãos de poucos e muita gente com pouca

ou nenhuma terra. Na prática, significa que há um desequilíbrio, uma desigualdade muito grande no

meio rural, tendo como consequência concreta e imediata o grande latifundiário com alta renda,

poder e privilégio (ABRAMOVAY, 1997 e STÉDILE, 1993).

Esta concentração, apesar de ter sido intensificada nas últimas décadas, possuí raízes antigas.

Durante toda a história do Brasil, os trabalhadores rurais foram mantidos à margem do poder.

Nunca foram considerados públicos alvos nos grandes projetos nacionais. Ao contrário, foram

julgados como obstáculos que precisavam ser removidos. Desde a chegada dos colonizadores indo

até final de 1800, os índios e negros já protagonizavam a luta pela terra, defendendo territórios

invadidos pelos bandeirantes e colonizadores, ou unindo a luta pela liberdade com a da própria terra

e construindo os quilombos. No final do século XIX e início do século XX, surgiram movimentos

camponeses que seguiam líderes carismáticos. São exemplos os movimentos dos Canudos, com

Antônio Conselheiro e o Cangaço, com Lampião. Nas décadas de 30 e 40 ocorreram conflitos

violentos, em diversas regiões, com posseiros defendendo suas áreas, individualmente. Entre 1950 e

1964, o movimento camponês organizou-se enquanto classe, surgindo as Ligas Camponesas, a União

dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB's) e o Movimento dos Agricultores

Sem Terra (MASTER). Esses movimentos foram esmagados pela ditadura militar, após 64, e seus

Page 21: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

20

líderes assassinados, presos ou exilados (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM

TERRA, 1997; FERNANDES, 1998; ANDRADE, 1986; AZEVEDO, 1982; MEDEIROS, 1989 e

BASTOS, 1984).

Segundo Pinheiro (1999), o golpe militar de 1964, com o apoio da Igreja católica e dos donos da

terra, articulou-se contra as Reformas de Base10, dentre as quais se destacava a Reforma Agrária. No

período do regime militar, instaurado após o golpe de 1964, foi intensamente privilegiada a

colonização na Amazônia. A floresta significou um ambiente totalmente desconhecido para os

colonos que eram em sua imensa maioria provenientes de outras regiões do país. Isto acarretou uma

série de problemas, na medida em que os colonos, acostumados com outro tipo de trato da terra em

suas regiões nativas, tentaram reproduzi-lo na floresta, com consequências desastrosas: além da baixa

produtividade agrícola, houve redução e deterioração dos recursos naturais.

Estes colonos eram espalhados estrategicamente para "amansar” e agregar valor à terra11 e tinham

como futuro, trabalhar em fazendas de gado que ocupavam grandes áreas públicas, perto dos

assentamentos de colonização, ou retornar à sua terra. Além disso, áreas públicas eram não só

destinadas aos "senhores feudais" do Sul e Sudeste do país, mas também, às grandes corporações

multinacionais, como a Rio Cristalino, da Volkswagen; a Fazenda Santa Rosa, da Mercedes Benz; a

Tamakavi, do Grupo SBT; a Fazenda da Sharp; a Fazenda Califórnia, do Grupo Atalla-Copersucar e

muitas outras (PINHEIRO, 1999).

Um exemplo deste processo, foi o ocorrido em Rondônia, onde as transformações causadas pelos

projetos desenvolvimentistas de colonização expressavam total insustentabilidade ambiental e social.

As consequências sociais destes projetos foram a ocupação desordenada sem infra-estrutura, a

apropriação de terras das populações tradicionais, a desintegração cultural e a intensificação dos

problemas urbanos. A problemática para o ambiente não foi menor, os projetos agropecuários

partiram do princípio de que todo o solo da floresta era fértil, porém, em sua grande parte é arenoso

10 Reformas de base do Governo propostas pelo então presidente João Goulart, que tinham como objetivo mudar a estrutura social brasileira. 11 O Banco do Brasil considerava “benfeitoria” quando as florestas sobre as terras eram queimadas. Por esta época, anos 70, as vendas de moto-serras em Cuiabá e Campo Grande entravam para o Livro "Guiness" dos recordes e a mídia exultava com o milagre econômico (PINHEIRO, 1999).

Page 22: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

21

e coberto apenas por uma camada fina de matéria orgânica. Com o desmatamento, a Matéria

Orgânica é lixiviada, deixando o solo exposto e facilitando a erosão e o assoreamento dos rios. Outra

consequência óbvia, tanto em função do desmatamento como da erosão do solo, é a erosão da

biodiversidade (BARTHOLO e BURSZTYN, 1999).

Segundo Fernandes (1999), o modelo de desenvolvimento econômico para o campo, que priorizou a

agricultura capitalista em detrimento da agricultura camponesa, fez aumentar a miséria, a acumulação

e a concentração da riqueza. Esse processo transformou o meio rural com a mecanização e a

industrialização, mas também expropriou, expulsou da terra os trabalhadores rurais, causando o

crescimento do trabalho assalariado e produzindo um novo personagem: o bóia fria.

(FERNANDES, 1999 e ABRAMOVAY, 1992)

De meados da década de 60 até o final da década de 70, as lutas camponesas eclodiram por todo o

território nacional, os conflitos fundiários triplicaram e o governo, ainda na perspectiva de controlar

a questão agrária determinou a militarização do problema da terra. Ao reprimir a luta pela terra e não

realizar a Reforma Agrária, os governos militares tentaram restringir o avanço do movimento

camponês. No entanto, por causa da repressão política e da expropriação resultantes do modelo

econômico, nasceu entre 1979 e 1985, no bojo da luta pela redemocratização, uma nova forma de

pressão dos camponeses, com ocupações organizadas. Os trabalhadores sem-terra reuniram as

principais lutas e fundaram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o conhecido MST.

(MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1997 e FERNANDES, 1996 )

Em 1985 foi apresentado à sociedade o Plano Nacional de Reforma Agrária, porém, menos de 10%

do previsto no Plano foi realizado. Destes 10%, grande parte das desapropriações ocorreram porque

os Sem Terra intensificavam as ocupações de terra. Por essa razão os latifundiários criaram a União

Democrática Ruralista (UDR) para defender seus privilégios e interesses. Em 1988, essa organização

conseguiu minar a criação de uma lei de Reforma Agrária no processo Constituinte. Em 1989, a

Reforma Agrária saiu da pauta política do governo federal, com a eleição de Fernando Collor, que

teve como aliado os latifundiários. Nessa época, começaram as mais fortes repressões contra os sem-

terra, que não se limitavam nas ações da força policial, mas se valiam também da intervenção do

Poder Judiciário para impedir as ocupações, por meio de criminalização das ações dos sem-terra e

por sua capacidade de fazer com que uma liminar de reintegração de posse com ordem de despejo

Page 23: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

22

seja expedida imediatamente e um julgamento de assassinos de trabalhadores demore anos

(FERNANDES, 1999).

Segundo a contabilidade da Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos 20 anos da ditadura militar,

1964 -1984, foram assassinados 42 trabalhadores por ano. De 1985 a 1989, esse número

triplicou e chegou a 117 assassinatos por ano. De 1990 a 1993, morreram 52 pessoas na luta

pela terra. No período do governo Fernando Henrique Cardoso de 1994 a 1997, esse número

foi de43 pessoas assassinadas por ano.

Esta situação é mantida até hoje pela "bancada ruralista" no Congresso Nacional. Estima-se que seja

composta por 150 deputados e senadores. Além disto, a grande maioria dos prefeitos, vereadores e

deputados estaduais, é de fazendeiros. Dessa forma, o poder - municipal, estadual e nacional - está

nas mãos dos grandes proprietários de terra e das grandes empresas agroindustriais e agrícolas, e é

esse poder que permite a eles decidirem os rumos das políticas agrícola e agrária segundo seus

interesses, mantendo a estrutura concentradora de renda e privilégios. Para piorar a situação, o

governo Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1994, ampliou a política neoliberal, que vinha

sendo implantada desde o governo Fernando Collor, piorando a crise da agricultura e transformando

muitos camponeses em sem-terra. Ou seja, o país está em pleno período de mercantilização e

liberalização da economia, de que é prova inequívoca a atual inexistência de barreiras comerciais.

Neste sentido, o desemprego tende a ser mais intenso pelo fato de a agricultura brasileira ter

necessariamente que ser mais competitiva no mercado nacional e internacional (isto é, há que se

baratear custos); assim, é intensificada a mecanização e, por conseguinte, o desemprego de

trabalhadores rurais é agudizado (NEVES, 1999).

Neste processo, as políticas públicas passam a atuar no sentido de garantir as condições

macroeconômicas favoráveis à entrada de capitais e de investimentos estrangeiros. Os instrumentos

mais efetivos para deflagrar estas condições refletem-se na maior intensidade da política de abertura

comercial, na redução dos gastos e da máquina pública, e em políticas de achatamento salarial. Um

dos problemas específicos principais da agricultura é que, para garantir a estabilidade, houve redução

dos preços reais dos produtos agrícolas e aumento dos juros e do incentivo à importação. Se os

Page 24: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

23

preços agrícolas apresentarem uma pequena elevação, os custos de produção aumentam em

proporções desiguais, provocando uma grande queda na renda global da agricultura. Outro grave

problema é causado pela redução dos instrumentos de política agrícola. A desestruturação dos

serviços públicos de assistência técnica, de pesquisa, de financiamento, de formação profissional, de

armazenamento e de comercialização são altamente danosos para o desenvolvimento da agricultura

como um todo e principalmente para o agricultor familiar, fragilizando-o e contribuindo ainda mais

para sua expulsão do campo (MAGALHÃES, 1997).

Os vários programas governamentais desenvolvidos, em nível nacional e regional, no setor agrário

nunca resultaram em alterações significativas da estrutura fundiária do país, porque nunca houve, de

fato, decisão política para alterá-la. O atual programa governamental, o "Novo Mundo Rural", em

nível nacional para o setor agrário, vem sendo intensamente criticado por intelectuais e movimentos

sociais. Ao que tudo indica também será ineficaz.

O “Novo Mundo Rural”, por sua vez, ergue-se através de quatro pilares: (1) nova regra de

financiamento – a integração do PROCERA12 ao PRONAF13, (2) a descentralização da Reforma

Agrária , (3) a privatização dos serviços de implantação dos assentamentos e (4) o projeto "Banco da

Terra". Segundo seus implementadores, o objetivo é dar qualidade ao processo de Reforma Agrária e

fortalecer a agricultura familiar (INCRA, 1999a; INCRA, 1999b e DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO,

1999).

Com a integração do PROCERA ao PRONAF, um trabalhador assentado de Reforma Agrária,

mesmo sob condições econômicas e sociais extremamente desfavoráveis, é considerado um

agricultor familiar, perdendo a possibilidade de ter tratamento diferenciado na concessão do crédito

(FÓRUM NACIONAL PELA REFORMA AGRÁRIA E JUSTIÇA NO CAMPO, 1999).

A maioria dos movimentos sociais ligados à questão fundiária acredita que a descentralização tem

cinco grandes objetivos: (1) desfederalização da Reforma Agrária; desta forma, há a diminuição da

responsabilidade do governo federal sobre a Reforma Agrária, possibilitando a pulverização das

12 Programa de Crédito para Reforma Agrária. 13 Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar.

Page 25: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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ações sem nenhuma articulação com a política nacional. Além das instituições locais serem mais

fragilizadas que as nacionais, sabe-se que são nos municípios e estados que as oligarquias rurais têm

mais poder para interferir nas ações contrárias à execução da Reforma Agrária. (2) Limitação de uma

política de assentamentos pontuais, aos projetos de colonização e ao negócio da terra. (3)

Desarticulação dos movimentos nacionais de luta pela Reforma Agrária; (4) a transferência do ônus

político dos efeitos sócio-econômicos para os estados e municípios e (5) ocultação para a opinião

pública nacional e internacional de que não está fazendo a Reforma Agrária que anuncia em suas

propagandas (TEIXEIRA, 1999a e TEIXEIRA, 1999b).

O Banco da Terra nasce defeituoso, pois o projeto Cédula da Terra, seu precursor, tem-se mostrado

inadequado para os trabalhadores rurais e ineficiente para a realização da Reforma Agrária. Desta

forma, o Fórum pela Reforma Agrária e pela Justiça no Campo prevê que haverá transferência para

os latifundiários da definição das terras a serem disponibilizadas para fins de Reforma Agrária, assim

como sobre o valor destas terras sem a mediação do Estado; supervalorização do preço pago aos

latifundiários; imposição na criação de associações de trabalhadores rurais dependentes das

oligarquias locais; aparecimento dos mais diversos tipos de negociatas em nível local; ausência do

Estado no exercício da sua responsabilidade constitucional de realizar a Reforma Agrária;

mercantilização do acesso à terra; endividamento de agricultores familiares; aumento da pobreza dos

futuros mutuários; divisão da luta e do movimento de trabalhadores rurais; intensificação das

injustiças sociais e o aprofundamento da miséria no meio rural brasileiro (FÓRUM NACIONAL

PELA REFORMA AGRÁRIA E JUSTIÇA NO CAMPO, 1999; XAVIER, 1999 e CARVALHO,

1999).

Por fim, o fato de os serviços ligados à Reforma Agrária serem privatizados fará com que o

trabalhador fique totalmente nas "mãos" invisíveis do mercado. Além disso, os assentados

provavelmente não conseguirão pagar pelos custos da aquisição da terra, das benfeitorias e dos

créditos. Isto porque não terão condições mínimas de viabilização e fortalecimento para

desenvolverem atividades nos assentamentos que permitam o pagamento da terra e de suas

benfeitorias (TEIXEIRA, 1999a e TEIXEIRA, 1999b).

Na medida em que o governo não possui um plano de desenvolvimento das áreas rurais onde há

uma situação de pobreza extrema, a ação governamental torna-se uma política de "bombeiro" para

Page 26: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

25

"apagar incêndios", intervindo na medida em que os movimentos de Sem Terra ocupam as terras.

Como os movimentos ocupam onde é possível, já que a ocupação, antes de tudo, é uma forma de

pressão política, tem-se, ao invés de uma política planejada de Reforma Agrária, a atual situação e o

resultado dos assentamentos corre fortemente o risco de ser decepcionante, pois não está inserido

em um plano de mudanças institucionais (ABRAMOVAY, 1997).

Uma situação sintomática desta falta de política planejada de Reforma Agrária, é a problemática do

impacto de latifúndios e acampamentos de sem-terras, sobre remanescentes florestais. Um exemplo

ilustrativo foi o ocorrido na região do Pontal do Paranapanema. Segundo o Instituto Sócio-ambiental

o Pontal do Paranapanema é uma das regiões mais pobres do estado de São Paulo. Em 1942, o então

governador, Fernando Costa, decretou que toda a área oeste do Pontal passaria a ser uma grande

reserva de fauna e flora com uma área total de 350.000 hectares de Mata Atlântica do Planalto

Paulista. Nos anos 50, todavia, o governador daquele período distribuiu as terras da reserva entre

alguns amigos e correligionários, que iniciaram um processo voraz de ocupação. Devido a essa

ocupação sem critérios, o Pontal sofreu drástica redução em sua cobertura florestal, restando hoje

apenas 1,85% da cobertura original da Mata Atlântica. A maior parte daquilo que restou está

preservado pelo Parque Estadual do Morro do Diabo, com seus 35.000 hectares de florestas

contínuas, e alguns outros fragmentos florestais localizados em assentamentos rurais ou propriedades

privadas. Vale lembrar que muitos desses remanescentes florestais ainda abrigam espécies ameaçadas

da fauna brasileira, entre elas o raro e endêmico mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) um dos

primatas mais ameaçados do mundo.

Como conseqüência do modo de ocupação do Pontal, houve grande concentração de terras

devolutas em poder de poucos fazendeiros. Essa desigualdade na distribuição de terras tem levado a

um segundo processo de ocupação territorial no Pontal, movido principalmente por agricultores sem

-terra. Os números atuais mostram a existência de 6.500 famílias assentadas no Pontal, ocupando um

total de 38.000 hectares. As projeções futuras para a região são de assentar 20.000 famílias em um

total de 1 milhão de hectares de terras devolutas e indiscriminadas.

Toda essa ocupação, se não for feita com preocupações ambientais, pode pôr em risco o que resta do

solo e das florestas do Pontal. A dinâmica de ocupação atualmente em prática tem levado a uma

paisagem regional onde solo, terra e florestas estão sendo ocupados e pressionados por

Page 27: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

26

assentamentos rurais. Este cenário, comum na paisagem do Pontal, constitui desafio na arte

emergencial que é a de desenhar e adaptar novos programas e modelos de agricultura e uso da terra

que tragam um mínimo de sustentabilidade ao avanço da Reforma Agrária na região.

Hoje são constatados dois sérios problemas, o mais conhecido é de repressão violenta contra os

trabalhadores. O outro, menos conhecido, é o ambiental, ou seja, os latifundiários desmatam os 20%

restantes de mata de suas propriedades para o plantio de culturas anuais, e os trabalhadores rurais, no

processo de luta pela terra, ficam normalmente acampados próximos às matas. Não tendo ainda a

terra para produzir e do que se alimentar, a fonte de alimento torna-se a caça. Além disso, utilizam

madeira da mata para cozinhar ou para aquecimento (Instituto Sócio-Ambiental, 1999).

É importante lembrar que a sobrevivência dos sem-terra no Pontal está em jogo, portanto, seus

procedimentos, ainda que constituam agressão ao meio-ambiente, não podem ser comparados, em

gravidade e responsabilidade, aos dos grandes fazendeiros. Os grande fazendeiros, além de adotarem

uma tecnologia destruidora dos recursos naturais, não hesitam em promover o desmatamento para

usar o máximo possível de área e se aproveitar de uma terra nova que garanta alta produtividade com

o mínimo de investimento. Porém, de uma forma geral, os sem-terra, sejam eles ligados ao

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ao Movimento Sindical, ou qualquer outro

movimento de luta pela terra, ainda não tem uma clara e profunda visão dos impactos ambientais do

modelo agrícola "moderno" (WEID & ALMEIDA 1997).

A partir do que foi apresentado, constatam-se quatro importantes fatos: o primeiro é que nunca

houve no país, uma política de Reforma Agrária de fato que visasse desconcentrar terra, renda e

poder, mas tão somente projetos de assentamentos de Reforma Agrária, que acontecem "a reboque"

dos movimentos sociais no campo. O segundo, é que a luta dos movimentos de sem-terra

contemporâneos é herdeira da luta dos índios à época do descobrimento e a estrutura é semelhante,

guardadas as devidas proporções, à do Brasil Colônia, ou seja, "grande propriedade, monocultura, e

tendo a produção voltada para exportação" (PRADO, 1979). O terceiro, é que o país entra no

próximo milênio - após 500 anos de luta camponesa e indígena- com uma alta concentração de terra,

renda e poder, e sem um projeto político concreto de Reforma Agrária sustentável, tampouco de

redistribuição de renda, poder e privilégios. E o quarto fato, é que, neste contexto de concentração, o

Page 28: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

27

agricultor familiar, que faz parte da grande massa de não privilegiados, fica em total situação de

descaso.

A "baderna", evocada em editoriais indignados e capas de revistas no mês de maio do ano 2000, começou antes da madrugada do dia 2 de maio, na Ilha, nome que as 80 famílias que ali vivem dão a esse pequeno assentamento, a 23 quilômetros de estrada de terra e mais uns 20 de asfalto do povoado mais próximo, Condói, um punhado de casas no coração do Paraná. Da Ilha, o agricultor Antônio Tavares Pereira, 38 anos, cinco filhos, líder local do Movimento dos Sem-Terra, seguiu com três companheiros para apanhar o ônibus que os levaria a Curitiba para participar de uma manifestação, durante a semana de protestos organizada pelo MST.Poucas horas depois, Antônio estava morto. Assassinado por um tiro de carabina disparado por um policial, que tentava impedir o acesso dos ônibus dos sem-terra ao centro da cidade. Outras dezenas de pessoas, inclusive mulheres e adolescentes, foram feridas pela tropa de choque. A família Tavares, como muitas outras, chegou à Ilha em 1984, após perder sua terra na construção da usina de Itaipu. O Estado jamais pagou a indenização prometida. "A luta do Antônio era para o crédito. Aqui temos um pouco de terra, mas ninguém tem dinheiro para comprar sementes, adubo, veneno, nada", conta Pedro, que deve se tornar o novo líder do MST da Ilha (SUMA, 2000).

Page 29: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

28

3.2. A AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA

Segundo Chayanov (1966), o camponês clássico14 faz parte de um sistema econômico específico

composto por unidades em que a família, equipada com meios de produção; emprega sua força de

trabalho no cultivo da terra e tem como resultado a produção de uma certa quantidade de bens; a

produção visa atender às necessidades de subsistência da família e, assim, não é movida pela busca

de maximização do lucro nem é avaliada de forma objetiva, por cálculos quantitativos. A

especificidade desse sistema está no fato de não ter trabalho assalariado; não havendo salário, não é

possível o cálculo capitalista do lucro líquido, nem de renda e juros, tornando inconsistente a

aplicação da teoria econômica do sistema capitalista. Apesar da reflexão de Chayanov ser

compreendida dentro do contexto da Rússia do início do século, marcada pelo atraso econômico,

pela miséria e por problemas sociais, em que o campesinato constituía a maior parte da população

rural, tem grande importância até hoje, pois chama a atenção para a necessidade de se respeitar e

valorizar as especificidades deste setor (CHAYANOV, 1966).

Uma das maiores polêmicas do tema campesinato, é a capacidade ou não dele se reproduzir na

economia capitalista. Para Kautsky (1986), o camponês, apesar das suas limitações em relação à

grande propriedade, tem capacidade de se integrar na economia capitalista, pelo fato dele e de sua

família fazerem um esforço sobre-humano a partir da demanda do mercado ou seja, "a solicitação

excessiva da força de trabalho apenas se desenvolve, de fato, a partir do momento e na medida em

que o trabalho em proveito próprio se transforma em trabalho destinado ao mercado"(KAUTSKY,

1986).

Por outro lado, Lenin(1983) acreditava que o camponês necessariamente tinha duas saídas ou se

tornaria um burguês capitalista ou um proletário urbano. Ou seja, não acreditava na capacidade

reprodutiva da agricultura familiar (LENIN, 1983).

No Brasil a afirmativa leninista não se confirma, pois segundo Lovisolo(1989), a agricultura

familiar15 "soluciona a questão social da reprodução de parcelas significativas da população que não

14 Chayanov, Lenin e Kautsky não utilizavam o termo agricultura familiar tampouco agricultor familiar. Utilizavam campesinato e camponês. 15 Nesta dissertação as terminologias agricultura familiar e agricultor familiar são as versões contemporâneas das

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29

têm lugar no mercado de trabalho capitalista e que muito menos teriam lugar no caso de uma

agricultura totalmente constituída por relações capitalistas" (LOVISOLO, 1989).

A agricultura familiar brasileira tem o seu funcionamento econômico não fundamentado na

maximização da rentabilidade do capital e na geração do lucro a curto prazo. O seu funcionamento

também é orientado para o atendimento das necessidades da família e para a manutenção a longo

prazo das potencialidades produtivas do meio natural. Esta manutenção é percebida como um

patrimônio familiar. Por sua própria vocação de unidade de produção e consumo, valoriza a

diversidade através da associação do policultivo e criações, distribuídos de forma equilibrada no

espaço e no tempo. Revela uma capacidade de valorizar as potencialidades dos recursos naturais, a

exemplo do uso de plantas medicinais, além de depender muito mais dos recursos naturais e de

conviver com os limites naturais. Diferente do grande produtor empresarial, que reduz os limites

naturais e substitui os recursos naturais imediatamente por artificiais, como por exemplo, a

substituição da fertilidade natural do solo, por fertilizantes sintéticos (BLUM, 1999 e SIDERSKY,

1994).

A direção dos trabalhos do estabelecimento é exercida pelo produtor e o trabalho familiar é

superior ao trabalho contratado. É importante destacar que o trabalho familiar não significa fazer

todas as operações do ciclo agrícola com o grupo doméstico, mas sim que o grupo doméstico

permite assegurar a estabilidade e a reprodução das condições sociais da produção. Por outro lado o

trabalho externo não significa o abandono do estabelecimento de produção familiar(GARCIA Jr,

1990 e WANDERLEY, 1995).

Para contemplar suas necessidades básicas produtivas, normalmente forma-se um conjunto

diversificado, com horta, roça, pomar, integração da produção animal à vegetal (o esterco aduba a

plantação e os restos de cultura são dados aos animais) e floresta (para uso da madeira no cozimento,

como mourões ou na construção). Ou seja, de uma forma geral, o agricultor familiar brasileiro cultiva

objetivando garantir em primeiro lugar sua subsistência, combinando grande variedade de culturas

intercaladas e temporárias (como por exemplo milho, feijão e mandioca), e permanentes (por

exemplo, goiabas e mangas) e pequena criação de diferentes animais (porcos, galinhas e cabras). Não

terminologias campesinato e camponês clássicas.

Page 31: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

30

ocorre a separação absoluta entre as áreas de produção e as áreas de conservação, nem no espaço e

na gestão desse espaço, tampouco na cabeça das pessoas que o gerem.

O agricultor familiar brasileiro, por não poder gastar muito com insumos industrializados, depende

mais dos recursos naturais. Ele precisa, por exemplo, que os recursos água, solo e biodiversidade

estejam conservados. Para o agricultor familiar é muito oneroso equipar a propriedade com

tubulações de irrigação e fazer bombeamento de água, assim como comprar adubo sintético,

sementes comerciais e agrotóxico. Além de todas essas características, a agricultura familiar, quando

organizada, encoraja o desenvolvimento local, favorece o planejamento e a gestão coletiva dos

recursos naturais e, apesar de todo o controle do setor de sementes e insumos, garante a segurança

alimentar do país (WEID & ALMEIDA, 1997 e WEID, 1985 e LAMARCHE, 1993).

A agricultura familiar, apesar de toda a problemática que enfrenta, ainda não foi eliminada e está

presente em todas as regiões do país. Continua sendo um segmento de enorme importância

econômica e social do meio rural, com grande potencial de fortalecimento e crescimento. É um setor

estratégico para a manutenção e recuperação do emprego, para a redistribuição da renda, para a

garantia da soberania alimentar do país e para a construção do desenvolvimento

sustentável(MAGALHÃES, 1997).

Independente da noção de agricultor familiar/camponês é importante destacar os resultados da

pesquisa feita pelo Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO(2000), que apresenta alguns dados

recentes demonstradores de que a agricultura familiar tem alta eficiência no fator terra, se comparado

com o patronal16:

A área média dos estabelecimentos é de 26 hectares enquanto a patronal é de 433 hectares. Sendo

que 87% dos estabelecimentos familiares possuem menos de 50 hectares;

Os agricultores familiares representam 85,2% do total de estabelecimentos, ocupam 30,7% da

área total e são responsáveis por 37,9 % do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional,

recebendo apenas 25,35% do financiamento destinado a agricultura.;

16 Na pesquisa INCRA/FAO, o universo familiar foi caracterizado pelos estabelecimentos que atendiam, simultaneamente, às seguintes condições: a direção dos trabalhos do estabelecimento era exercida pelo produtor e o trabalho familiar era superior ao trabalho contratado; adicionalmente, foi estabelecida um área máxima regional como limite superior para a área total dos estabelecimentos familiares (de acordo com os módulos fiscais municipais).

Page 32: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

31

A renda total por hectare demonstra que a agricultura familiar é muito mais eficiente que a

patronal, produzindo uma média de R$ 104/hectare/ano contra apenas R$ 44/hectare/ano dos

agricultores patronais;

A agricultura familiar é a principal geradora de postos de trabalho no meio rural brasileiro.

Mesmo dispondo de apenas 30,7% da área total , é responsável por 76,9% do Pessoal Ocupado;

Os agricultores concentram seu trabalho entre os membros da família do próprio agricultor. Do

total de Unidades de Trabalho utilizadas na agricultura familiar, apenas 4% são contratadas sendo

todo o restante do trabalho desenvolvido por membros da família e

Apenas 16,7% dos agricultores familiares utilizam a assistência técnica, contra 43,5% entre os

patronais(GUANZIROLLE, 2000)

Em conseqüência do ciclo de concentração de terra, renda, poder e privilégio existem pouquíssimas

políticas públicas que viabilizam e fortalecem verdadeiramente a agricultura familiar brasileira, ou seja

é um setor bastante desprestigiado e por isso enfrenta grandes dificuldades para produzir, agregar

valor a sua produção e comercializar.

De uma forma geral, o agricultor familiar brasileiro ocupa pouca terra, que normalmente é de

qualidade inferior e localizada em condições difíceis, ou seja, de relevo acidentado, distantes dos

pontos de água e das estradas pavimentadas. Sua renda normalmente é baixa, o que o obriga a

complementar os resultados de sua produção com assalariamento temporário de membros da

família. Dificilmente tem assistência técnica de qualidade e geração de tecnologia para sua realidade.

Para tocar a lavoura quase sempre precisa de empréstimos, além de ter também que vender sua

produção rapidamente para pagar as dívidas e não perdê-la. É nesta hora que aparece o

intermediário que impõe, na maioria das vezes, o preço que quer. Isto acontece porque o agricultor

está normalmente "apertado" de dinheiro, não tem informação de mercado e não tem lugar para

guardar os produtos, normalmente perecíveis. Além disso, o agricultor familiar dificilmente tem

meios para beneficiar, qualificar, empacotar, isto é, agregar valor e transportar a produção. Os que

compram seus produtos costumam desvalorizar a mercadoria, ou dizer que o preço do dito produto

está mais baixo do que o oferecido pelo agricultor, dificilmente pagando à vista e justamente

(ESCÓRCIO, 1993).

Page 33: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

32

Além dos problemas ligados diretamente à produção e a comercialização, este agricultor, de uma

forma geral, participa de uma marginalização sócio-econômica, tendo grandes dificuldades de acesso

à educação, saúde, transporte e informação. Inclusive,

[....]é frequente ouvir argumentos de que o agricultor familiar não mais se justifica porque não usa insumos, não movimenta infra-estrutura tecnológica, e que ele deve ceder lugar á empresa agrícola que movimenta maquinaria, adubos, pesticidas, crédito. Igualmente o artesão familiar deveria ser substituído pela fábrica. Em linguagem mais clara e honesta isto quer dizer que deve diminuir, tender a zero, o número de indivíduos independentes, donos de si mesmo, de gente que decide seu próprio destino ! (LUTZEMBERGER, 1980).

A situação desse agricultor é piorada pois o modelo desenvolvimentista rural adotado no Brasil se

baseou no “pacote tecnológico da revolução verde"17, que além de ameaçar a saúde humana e

degradar o ambiente, também tem sua parcela de culpa na exclusão social no campo e em última

instância no êxodo rural brasileiro. O agricultor incapaz de acompanhar a inovação tecnológica tem

grande dificuldade de manter sua produtividade e de se sustentar na terra. Neste sentido, pode-se

afirmar que tal modelo de desenvolvimento rural culminou em um stress sócio-econômico do

agricultor familiar, ao qual foi imposto um modelo tecnológico demandador de um capital que ele

não tinha, de uma complexidade que não lhe era compreensível e em cuja gestação ele não teve

qualquer participação (COSTA, 1995). E é por causa deste rol de problemas sociais e tecnológicos

que o êxodo rural no país não para de crescer (ver tabela 1) e as cidades tornam-se inchadas.

17 A implantação do pacote da "Revolução Verde" é discutido em seguida.

Page 34: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

33

Tabela 1: Participação relativa da população economicamente

ativa rural na força de trabalho total.

1940 1950 1960 1970 1980 1985 1990 1996

66% 60% 54% 44% 30 % 28,5 % 24 % 21,64%

(Fonte IBGE, 1996)

Com as cidades e suas periferias cada vez mais populosas, tornam-se incapazes de sustentar uma

infra-estrutura necessária para evitar a poluição dos rios, dos lençóis freáticos e do ar, gerar emprego

e renda e oferecer saúde, educação, segurança e moradia para todos. Ou seja, o descontrole

processual em que se dá o uso do solo pelas atividades urbanas produz dificuldades técnicas de

implantação de infra-estrutura, altos custos de urbanização e desconforto ambiental de várias

ordens, tais como térmico, acústico, visual e de circulação ( LOMBARDO, 1985). O que se conclui é

que o descaso com a agricultura familiar não tem apenas consequencias negativas para este setor, mas

para toda a sociedade e que a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento rural brasileiro, leva

necessariamente a uma insustentabilidade ambiental, econômica e social nas cidades também. (ver

fotografia 1).

Fotografia 1: Acampamento da Estrutural, DF.

Page 35: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

34

3.3. IMPLANTAÇÃO DO PACOTE TECNOLÓGICO DA REVOLUÇÃO

VERDE

Na agricultura convencional, os seres humanos simplificaram a estrutura do ambiente em vastas áreas, substituindo a diversidade natural por um pequeno número de plantas cultivadas e animais domesticados. Esse processo de simplificação atinge sua forma extrema numa monocultura. O objetivo desta simplificação é aumentar a proporção da energia solar fixada pelas plantas, que é diretamente utilizada pelos seres humanos. O resultado final é um ecossistema artificial que requer uma intervenção humana. O preparo de sementeiras comerciais, o plantio mecanizado substituem os métodos naturais de semeio; pesticidas químicos substituem o controle natural da população de invasoras, insetos e patógenos; e a manipulação genética substitui os processos naturais de evolução e seleção de plantas. Até mesmo a decomposição é alterada, uma vez que a planta cresce e é colhida, e a fertilidade do solo é mantida, não pelo reciclamento de nutrientes mas com fertilizantes (ALTIERE, 1989).

O modelo de desenvolvimento rural adotado no Brasil, fruto da conhecida "Revolução Verde", está

imerso nos complexos agroindustriais, onde o setor agrícola se espreme entre o setor industrial

fornecedor de insumos, máquinas e material genético e o setor de transformação e comercialização

(DELGADO, 1985). Nestes complexos, a produção da matéria-prima tem base industrial, e para ser

transformada na indústria, é necessário que haja uma grande remessa e que ela seja uniforme. Sendo

assim, o abastecimento das indústrias de transformação somente é possível quando a produção da

matéria-prima segue à risca a receita do “pacote tecnológico da Revolução Verde” - monocultura,

adubo químico industrial, agrotóxicos, raças e variedades vegetais super-selecionadas, ultimamente

até transgênicas, hormônios sintéticos, rações artificiais, sofisticados sistemas de irrigação e uso

intensivo de energia (QUEROL, 1993).

A implantação do "pacote da revolução verde", levou à homogeneização das práticas produtivas, à

simplificação e à artificialização do meio natural, provocando impactos ambientais por todo o país. A

natureza e a amplitude desses impactos estão relacionados com fatores técnicos, econômicos e

Page 36: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

35

culturais. De ordem técnica, pelo fato de ser um "pacote tecnológico" gerado em países de clima

temperado, inadaptado portanto para o clima tropical. De ordem econômica, pois sua incorporação

foi comandada por uma lógica econômica fundada no imediatismo e na maximização de resultados

físicos e econômicos no curto prazo, em detrimento da reprodução do equilíbrio natural. De ordem

cultural pois gerou a substituição de uma relação intima com a terra para uma relação artificial

(WEID, 1997).

O "pacote tecnológico da Revolução Verde" é tido como de aplicação universal, destinado a

maximizar o rendimento dos cultivos em situações ecológicas profundamente distintas. O objetivo

do seu uso é elevar ao máximo a capacidade potencial dos cultivos, proporcionado-lhes as condições

ditas ideais, eliminando com agrotóxicos os competidores e predadores naturais, e fornecendo os

nutrientes necessários, sob a forma de fertilizantes sintéticos. A lógica é o controle das condições

naturais através da simplificação e da máxima artificialização do meio ambiente, de forma a adequá-lo

ao genótipo, para que este possa efetivar todo seu potencial de rendimento (SARADÓN, 1996).

A monocultura, para ser viável economicamente, exige grandes áreas, sobrevivendo neste sistema

apenas grandes produtores. Para otimizar a produção e a colheita são utilizadas grandes e pesadas

máquinas que compactam o solo, danificando sua estrutura física, reduzindo a sua capacidade de

armazenamento de água e nutrientes, e diminuindo sua atividade biológica. Além destes efeitos no

solo, estas máquinas substituem a mão-de-obra de milhares de trabalhadores. Como os solos se

tornam degradados, são sempre necessárias novas áreas, e para isto florestas são derrubadas,

ameaçando não somente as espécies vegetais, mas também animais, além de comprometer a proteção

dos rios e do solo e a qualidade do ar (PRIMAVESI, 1987 e LEONARDOS, 1999).

O fato mais perverso, contudo, é que as sementes comerciais somente atingem alta produtividade,

quando todos os elementos deste “pacote” são introduzidos simultaneamente. Isto acontece porque

as sementes melhoradas destas variedades são melhoradas geneticamente em áreas onde há

condições “ideais” da agricultura convencional e patronal. Ou seja, terrenos planos, abundância de

adubo sintético, agrotóxicos, máquinas e água de irrigação artificial (MOONEY, 1987).

A maioria das matérias primas genéticas (variedades locais e plantas nativas), paradoxalmente, são

proveniente dos países pobres, levadas para os centros de melhoramento das grandes empresas de

Page 37: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

36

sementes e patenteadas. Desta forma, o controle do material genético fica, cada vez mais, nas mãos

das grandes empresas dos países do Norte, ameaçando a segurança alimentar dos países do grande

Sul pobre. Pode-se assim dizer que

[...] as sementes de variedades locais e de plantas nativas são roubadas pelas grandes corporações, modificadas e protegidas com seus direitos de propriedade intelectual. Depois, estes agricultores, tem que "recomprá-las" a preço muito mais alto. Porque por agora, os únicos regimes que existem de proteção dos direitos de propriedade intelectual são os do Norte, logo nossa agricultura (dos países pobres) é para eles um armazém aberto ao espólio (SHIVA, s/d).

É fato que, nesta agricultura dita moderna (ou convencional), principalmente nos países

subdesenvolvidos, há uma grande defasagem entre as tecnologias geradas pela pesquisa agropecuária

e a realidade dos agricultores familiares. Tal fato, é fruto principalmente, do modelo de distribuição e

uso de terras e das condições e prioridades dadas à execução da pesquisa agropecuária (ABBOUD,

1995).

De maneira geral, a pesquisa passou a seguir um padrão em que os resultados são mais apropriados

para os produtores capitalizados. As tabelas 2 e 3 demonstram a tipificação dos contrastes, quanto às

condições físicas, econômicas e sociais, onde .pode-se perceber que as condições dos centros de

experimentação são mais parecidas com as condições dos grandes produtores capitalizados.

Provavelmente, se ali forem melhoradas variedades, estas terão alta produtividade nas propriedades

dos produtores capitalizados. Por outro lado, tudo indica que os agricultores descapitalizados, ao

disporem destas variedades, não terão o mesmo sucesso. Isto acontece porque este tipo de pesquisa,

não leva em consideração as características da agricultura familiar brasileira (WEID, 1997 e

ABBOUD, 1995).

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), que é o órgão de pesquisa

agropecuária brasileira, não possui uma política de desenvolvimento de tecnologia que dispense o

"pacote da Revolução Verde". Se não fossem os poucos casos individuais de pesquisadores que

lutam contra este modelo, o país jamais teria gerado qualquer tecnologia adaptada à realidade da

agricultura familiar brasileira.

Page 38: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

37

Tabela 2: Tipificação dos contrastes quanto às condições física na pesquisa Centro

experimental

Grande propriedade/ produtores capitalizados

Pequena propriedade/ agricultores descapitalizados

Topografia Plana Plana Frequentemente ondulada

Solos Profundos, férteis e sem limitações

Profundos, férteis e sem limitações

Com limitações

Deficiência nutricional Rara recuperável Ocasional Bastante comum Tamanho da propriedade Grande, e

quadrada Grande e normalmente quadrada

Pequenas e irregulares

Riscos Poucos ou nenhum

Poucos e controláveis

Frequentes

Irrigação Comum Pode ser disponível

Rara depende das condições naturais

Tamanho Grande e contíguo

Grande ou média, contígua

Pequeno, podendo estar fragmentada

Pragas e doenças Controle químico

Controle químico Vulnerável

Chambers & Ghidyal, 1993 em ABBOUD,1995, modificado por Pedroso, 2000.

Page 39: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

38

Tabela 3:. Tipificação dos contrastes quanto às condições econômicas e sociais na pesquisa. Centro

ExperimentalGrande propriedade produtores capitalizados

Pequena propriedade /agricultores Descapitalizados

Acesso a sementes, pesticidas e outros insumos

Sem limite Alto e confiável Baixo e pouco confiável.

Acesso a crédito Ilimitada Bom acesso Pouco acesso Mão de Obra Sem limites e

sem restrições Poucas restrições Familiar e com

restrições Preços Sem

importância Mais baixos que agricultores de baixa renda para a compra

Mais altos que os de alta renda, mais baixos para a produção.

Prioridade para a produção de alimentos da dieta humana

Neutra Baixa Alta

Aptidão das tecnologias geradas pelo centro experimental

Muito alta por definição

Alta Baixa

Chambers & Ghidyal, 1993 em ABBOUD,1995, modificado por Pedroso, 2000.

O problema não reside apenas na geração de tecnologia, mas também na transferência. Os técnicos

de ciências agrárias são formados no paradigma da agricultura convencional onde os resultados são

imediatos e não se respeita as diferenças sócio-econômicas e ambientais. Assim como na pesquisa, a

extensão, salvo raras exceções, difunde este modelo de agricultura, e é claro, tem todo o apoio e

incentivo das grandes empresas transnacionais de insumo agrícola. Este modelo de agricultura é por

estes técnicos amplamente propagandeado através do questionável discurso de que a agricultura de

larga escala (grandes campos de monocultura) é a única capaz de alimentar a crescente população

mundial. Um exemplo clássico da difusão do "pacote tecnológico" da Revolução Verde, foi o

ocorrido na África: Através da Agência de Ajuda Técnica Internacional da Alemanha, os alemãs

ensinaram as primitivas tribos do Togo, Burundi, Malawi e Ruanda a extraírem o veneno da semente

de uma árvore nativa (Neem). O poder inseticida desta semente é conhecido milenarmente pelos

aborígenes. Mas os alemãs ensinaram a macerar as sementes com querosene, coá-las e depois fazer a

aplicação com um pulverizador. Após a introdução desta tecnologia, para dar mais eficiência, foi feita

a apresentação de um inseticida sintético, tudo muito simples e prático sem muito trabalho

(PINHEIRO, 1993).

Page 40: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

39

A discussão sobre a pesquisa e a transferência de tecnologia demonstra também que o etnocentrismo

é um dos pilares deste modelo, ou seja, "trouxe para o campo a transformação radical do savoir-faire

do produtor rural, de sua relação com a terra e com a natureza em geral. Esse savoir-faire do produtor

foi transformando-se e sendo paulatinamente desqualificado pelo saber técnico-científico

hegemônico” (DUARTE, 1998).

Para reforçar este modelo o sistema bancário foi instruído para dar crédito mediante apresentação de

projetos com o "pacote da Revolução Verde". Desta forma, os técnicos se vêem obrigados a fazer

projetos de financiamento, com todos esses insumos, para que os agricultores consigam o

financiamento (WEID, 1997 ).

O uso de agrotóxico é problemático por inúmeras razões. Uma delas é que, após sua aplicação, o

excesso é levado pelas chuvas para os córregos e rios, poluindo a água e prejudicando espécies que

nela vivem, deformando-as, matando-as ou até mesmo podendo extingui-las diretamente, ou através

da interrupção de sua cadeia alimentar. (ver fotografia 2). Um representativo exemplo do problema

relacionado ao uso de agrotóxico é do uso de inseticida. O uso de inseticidas, capazes de liquidar um

amplo espectro de espécies de insetos, pode levar a uma explosão da própria praga contra a qual eles

são dirigidos. Os inseticidas podem matar um número relativamente maior de inimigos naturais do

que a própria praga. A praga então aumenta novamente e "reinvade" (fenômeno da ressurgência) a

área pulverizada e não limitada pelos seus inimigos naturais, atinge proporções até maiores do que na

época em que o controle foi iniciado. Alguns organismos, que normalmente não representam pragas,

podem vir a desempenhar este papel após a aplicação de pesticidas. A destruição de insetos agentes

naturais de controle de outros insetos pode tornar a multiplicação de um organismo inofensivo

ilimitada, de modo que este se transforme numa praga de proporções apreciáveis, na chamada

explosão de pragas secundárias. Outro problema é que um inseticida, geralmente após seu primeiro

uso, deve ser aplicado outras vezes com regularidade. Isto ocorre porque os inimigos naturais, muitas

vezes, foram eliminados, e inevitavelmente a praga atacará outra vez. Se o mesmo produto químico é

utilizado várias vezes, haverá uma resistência química, isto é, uma ocasião em que o produto não vai

ser eficiente no controle da praga (PRIMAVESI, 1988 e HATHAWAY, 1986).

Page 41: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

40

Além destes problemas com o uso de agrotóxicos, existe ainda a teoria da Trofobiose18, sobre a

resistência de plantas: "A planta só será atacada na medida em que seu estado bioquímico,

determinado pela natureza e pelo teor em substâncias solúveis nutricionais, corresponder às

exigências tróficas do parasita em questão" (CHABOUSSOU, 1987). Em outras palavras: A planta

ou a parte da planta cultivada só será atacada por um inseto, ácaro, nematóide, bactéria ou fungo,

quando tiver na sua seiva exatamente o alimento que eles ("pragas e doenças") precisam, que são

principalmente os aminoácidos solúveis. Para que isto aconteça em proporções que deixam as

plantas "mais saborosas" para as pragas e patógenos, basta deixar esta planta em condições de

desequilíbrio que acontecem na fertilização dos solos com muito adubo solúvel e/ou tratadas com

agrotóxicos (CHABOUSSOU, 1987).

Em 1989, em Salto do Jacuí, a 400 quilômetros de Porto Alegre, 400 famílias de sem-terra do acampamento Rincão do Ivaí foram vítimas de um "ataque químico". Um avião agrícola, que combatia a lagarta-da-soja19 sobrevoou o acampamento pulverizando-o com o inseticida azodrin, cuja fórmula tem o mesmo princípio ativo dos gases de destruição em massa. Com o intuito de intimidar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e as ocupações na região, latifundiários produtores de soja vizinhos ao acampamento, ordenaram que seu piloto não fechasse o esguicho do tanque de agrotóxico quando fizesse a curva sobre as barracas. O pânico espalhou-se pelo acampamento. Várias pessoas tiveram ferimentos na pele do tipo queimadura, convulsões e dificuldades de respirar, mais de 15 crianças foram internadas com sintomas de envenenamento, sendo que destas, 4 morreram20.

Para a saúde humana, as consequências do uso de agrotóxico são terríveis, tanto para o trabalhador

que o manipula, como para quem consome alimentos produzidos com veneno. O mais complicado é

que pouco se sabe sobre os efeitos destes agrotóxicos a longo prazo no corpo humano, tampouco se

encara de frente a dificuldade dos agricultores brasileiros adquirirem e usarem os mínimos

equipamentos indispensáveis à sua proteção. Por outro lado, para a aplicação da série de normas e

índices que regem o chamado "uso adequado de agrotóxicos", é necessária uma complexa estrutura

18 Trofo = Alimento / Biose = Existência da vida. Significando que todo e qualquer ser vivo sobrevive se houver alimento adequado disponível para ele. 19 No verão, as lavouras costumam ser atacadas pela lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatali). 20 Informação colhida no site do Jornal “O Globo”.

Page 42: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

41

de fiscalização de fabrico, de venda e de uso de agrotóxico, e de caríssima aparelhagem e reagentes

para monitoramento de resíduos, enfim de vultosos recursos humanos, materiais e financeiros, que

não são destinados para este fim (PINHEIRO, 1991).

Para piorar a questão dos agrotóxicos, a censura é poderosa no campo da informação ecológica, pois

há interesses milionários do complexo agroindustrial que agem para evitar a divulgação de

informações sobre o perigo do uso de agrotóxicos. Além disso, pelo fato de nos países ricos ter

aumento das restrições ao uso de agrotóxicos, "levou várias indústrias químicas a transferirem suas

fábricas para os países do terceiro Mundo. As indústrias nesses países estão livres de para produzir

pesticidas com patentes expiradas e tecnologia obsoleta"(MEDEIROS, 1998).

Esta agricultura ainda é responsável em grande parte pela desertificação21. Estudos do International

Centre for Arid and Semi-Arid Land Studies – ICASALS, da Universidade do Texas, estimam que 69%

das zonas áridas em todo o mundo estão sendo afetadas pela desertificação em diferentes níveis.

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que esse processo vem colocando fora

de produção, anualmente, cerca de 6 milhões de hectares devido ao sobrepastoreio, salinização dos

solos por irrigação e processos de uso intensivo e sem manejo sustentável na agricultura (MMA,

1998).

A erosão é um dos maiores fatores de influência na desertificação, podendo ser considerada como

um parâmetro para o seu estudo. Quando há uma erosão antrópica rigorosa, logo associa-se a esta

uma possibilidade de desertificação, isto não significa que todos os focos de erosão acelerada

conduzirão à desertificação, pois outros fatores terão que ocorrer também. Vale lembrar ainda que a

erosão dos solos ainda é responsável pelo assoreamento de rios e lagos, prejudicando também o ciclo

da vida tanto nos ambientes aquáticos como nos "lamaçais" (ALMEIDA,1981; BOAVENTURA,

1996 e NIMER, 1980).

Apesar da desertificação estar relacionada com a ação antrópica, ela também está relacionada com a

capacidade de auto-recuperação do ecossistema. Esta capacidade varia de ecossistema para

21 A desertificação é um processo de degradação progressiva da cobertura vegetal, do solo e do regime hídrico resultante das condições climáticas e edáficas, ou da ação do homem, ou de ambas as coisas conjugadamente, conduzindo á destruição dos ecossistemas primitivos e à perda da produtividade dos mesmos e da capacidade de se recuperarem” (MMA, 1998).

Page 43: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

42

ecossistema. Logo, quando há uma ação predatória em uma área com baixa capacidade de

regeneração muito provavelmente ocorrerá ali um processo de desertificação. Os ecossistemas em

clímax possuem sua biota e o solo em equilíbrio dinâmico, garantindo sua sustentabilidade e

biodiversidade. A ação antrópica pode perturbar este equilíbrio, pois em seu estado natural, o solo

encontra-se coberto pela vegetação, que o protege da erosão e contribui para manter o equilíbrio

entre os fatores de sua formação e aqueles que provocam sua degradação. O rompimento dessa

relação provoca alterações físicas, químicas e biológicas, as quais, se não forem adequadamente

monitoradas e controladas, levam à queda de produtividade e à degradação do ecossistema

(PRIMAVESI, 1992; BAUMGRATZ, s/d e BRABYM, 1978).

A “agricultura moderna” torna os sistemas agrícolas extremamente frágeis. Ao se retirar de uma

dada área a sua cobertura vegetal, há redução dos compostos orgânicos e da exsudação das raízes.

Do ponto de vista nutricional, o solo sem cobertura vegetal dificulta o ciclo de vida dos

microorganismos. É nas imediações das raízes, isto é, na rizosfera, que eles encontram os substratos

que necessitam para sua proliferação. Consequentemente, vários processos importantes do solo que

influenciam a produção vegetal e a qualidade ambiental são maximizados na rizosfera. Entre eles,

podemos citar: a decomposição da matéria orgânica, a fixação biológica de nitrogênio e as interações

microbiológicas. Sem a cobertura vegetal, ocorre também a remoção de uma parte do solo e

exposição do solo à ação da água (da chuva e da irrigação), do vento, do sol, das máquinas agrícolas,

dos agrotóxicos e dos adubos sintéticos. Torna-se assim o solo passível de erosão, compactação,

encrostamento e lixiviação ( ver fotografia 3). O uso de agrotóxicos também impacta negativamente

a microbiota e os processos biológicos dos solos, contribuindo assim, para o aumento do

desequilíbrio. Por outro lado, o uso inconseqüente de adubos minerais contribui para a salinização e

acidificação dos solos e da água (PRIMAVESI, 1992 e PRIMAVESI, 1993).

Essa agricultura ainda acarreta a erosão da biodiversidade por dois graves fatores. O primeiro, é que

grandes áreas de florestas são derrubadas ou queimadas para se iniciar a cultura agrícola. A derrubada

das florestas é problemática por infinitas razões. Nas florestas existe um "conjunto de espécies

vegetais e animais de que já dependemos e vamos depender muito mais - Delas virão os novos

alimentos, medicamentos e materiais que sustentarão a vida dos nossos filhos e netos e seus

descendentes" (NOVAES, 1992). Além disso, as floresta são consideradas "sumidouras" de gás

carbônico e protegem as nascentes e os cursos d'água. Durante as queimadas, a situação ainda é pior,

Page 44: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

43

pois além da destruição desses "sumidouros", há emissão de gás carbônico, contribuindo assim para

a intensificação da mudança climática global.

Não é possível, entretanto, pensar em preservação da biodiversidade escolhendo esta ou aquela espécie e devastando o ecossistema em que vivem. Todas as espécies fazem parte de cadeias alimentares e reprodutivas que, interrompidas, podem significar extinção. Há uns três anos, num congresso sobre a Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, uma jovem bióloga mostrou isso com competência e clareza. Para estudar a biodiversidade da Chapada, ela tomou como ponto de partida três espécies diferentes de goiabeira que vivem ali. E observou, de saída, que cada uma delas era fertilizada por um tipo diferente de pássaro. E cada uma delas se reproduzia por um caminho diferente: uma através das fezes de um morcego, que comia os frutos e espalhava as sementes; as duas outras, através de dois pássaros diversos. A bióloga foi então estudar essas seis espécies envolvidas na vida das goiabeiras e verificou que cada uma delas também se alimentava de espécies diferentes. E assim, ao final de dois anos de trabalho, já intuía que, se um dia conseguir terminar sua pesquisa, terá envolvido na vida das três goiabeiras todo o ecossistema da Chapada. E terá de começar a estudar as relações destes com os ecossistemas confinantes (NOVAES, 1992).

O segundo grave fato que faz com que esta forma de agricultura intensifique a erosão da

biodiversidade é que, ao longo de séculos, os agricultores adaptaram variedades de espécies

cultivadas às mais distintas condições ambientais e sociais (são as variedades locais ou tradicionais).

Ou seja, desde uns 12. 000 anos atrás, até o século XX, cada agricultor teve que produzir e guardar

suas próprias sementes, para a temporada seguinte. Esta necessidade contribuiu para o

desenvolvimento da diversidade genética e deu como resultado, variedades notavelmente bem

adaptadas às condições muito específicas. Com a difusão e o uso massivo das sementes comerciais,

houve a substituição das variedades locais, intensificando a uniformidade genética e provocando a

perda de muitas variedades locais (HOBBELINK, 1987).

A uniformidade genética na agricultura, além de acarretar a erosão genética, pode tornar a cultura

agrícola mais vulnerável a epidemias de pragas e doenças. Quando todos os agricultores cultivam a

mesma variedade, uma praga ou doença que ataca uma planta, rapidamente se estende por uma

grande área. Então só resta combater as pragas e doenças com grandes quantidades de agrotóxicos.

Por outro lado, o subsolo fica com uma rede de raízes uniformes e com a mesma profundidade, isto

Page 45: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

44

diminui a capacidade destas raízes poderem contribuir na estruturação do solo e a consequencia final

é a degradação do solo (HOBBELINK, 1987 e PRIMAVESI, 1984).

Os recursos genéticos constituem a base da produção tradicional de variedades de plantas e também

das novas biotecnologias. Ironicamente, a biotecnologia pode contribuir para a perda dos mesmos

recursos genéticos dos quais depende. Como tecnologia, a biotecnologia certamente aumenta a

produção de cultivos comerciais, produz resistência de alguns cultivos às pragas e doenças, mas

talvez à custa de tornar todo o cultivo uniforme (ver fotografia 4). A ameaça da biotecnologia sobre

os recursos genéticos começa a se mostrar evidente pois as empresas transnacionais produtoras de

agrotóxicos estão pesquisando e começando a colocar no mercado plantas transgênicas, que tendem

a substituir tanto as variedades melhoradas por processos convencionais (variedades comerciais)

quanto as variedades locais ou tradicionais(HOBBELINK, 1987).

Os transgênicos são organismos (plantas e animais) em que houve a alteração na composição dos

conjuntos de genes que determinam suas características. Ou seja, um gene responsável por

determinada característica de um organismo foi transferido para outro organismo. Desta forma,

pode-se assim fazer todo tipo de combinação, pode-se transferir genes de vegetais ou bactérias, ou

vírus, para vegetais entre diferentes vegetais, entre diferentes animais e ainda entre animais e vegetais.

A possibilidade do uso de transgênicos é extremamente sedutora. Porém, existem inúmeros

problemas, que estão sendo previstos e apontados por especialistas, e que, provavelmente, podem

piorar a situação dos agricultores, intensificar o desequilíbrio ambiental e social e prejudicar a saúde

humana e animal.

Teoricamente, cada característica específica de um organismo está diretamente codificada em um ou

vários genes específicos. Sendo assim, a transferência deste gene ou destes genes para outro

organismo seria obrigatoriamente a transferência desta característica. Porém, não se leva em conta a

possibilidade de que haja interações dos genes introduzidos com os processos e compostos das

células ou com os ambiente. Ou seja, não se reflete sobre a possibilidade de que esta transferência de

genes tenha resultados imprevisíveis. Além disto, o cultivo de transgênicos, reforça a tendência à

uniformidade genética na agricultura, a exemplo das variedades comerciais, com grandes

monoculturas utilizando poucas variedades da mesma espécie, acelerando a erosão genética e

Page 46: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

45

estreitando as possibilidades de adaptação futura das plantas cultivadas, às variações climáticas e à

diversidade dos ecossistemas (SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE BIODIVERSIDADE E

TRANSGÊNICOS, 1999).

O "Manifesto por um Brasil livre de Transgênicos" denúncia inúmeros problemas relacionados com

os transgênicos: foi verificado, no milho e algodão transgênicos, em que foram introduzidos genes

retirados da bactéria Bacillus thuringiensis (Que produz a toxina Bt), geraram resistência crescente em

espécies de mariposas cujas lagartas passaram a atacar tanto estas culturas, quanto várias outras e,

inclusive, algumas plantas silvestres. Foi comprovado que esta mesma toxina Bt foi incorporada por

insetos que as transferiram, por sua vez, a seus predadores, prejudicando seu papel no equilíbrio

natural entre as espécies. Ainda a toxina Bt pode ser incorporada ao solo junto com resíduos de

culturas, afetando minhocas e microorganismos que têm importante função na reciclagem de

nutrientes para uso das plantas.

O uso maciço de herbicidas, nos campos cultivados com variedades em que se introduziu resistência

a estes agrotóxicos, como é o caso da soja Roundup Ready, da empresa Monsanto, pode afetar a

capacidade de multiplicação no solo das bactérias que retiram nitrogênio do ar e permitem a

fertilização natural desta leguminosa. A mencionada possibilidade de destruição das bactérias

fixadoras de nitrogênio (BFN), pode representar a queda de produtividade por deficiência de um

nutriente essencial ao crescimento das plantas, ou o aumento dos custos de produção pela

necessidade do uso de fertilizantes químicos nitrogenados para substituir o efeito destes

microorganismos. É preciso lembrar que o uso de BFN representou na cultura da soja brasileira uma

economia de 1,8 bilhão de dólares por ano em adubos químicos nitrogenados.

Para a saúde humana, os transgênicos são problemáticos também. Um alimento transgênico com

genes que dão resistência à antibióticos, podem provocar transferência desta característica para

bactérias que provocam doenças. Alergias alimentares, podem aparecer como decorrência da

introdução de genes estranhos nos alimentos que passam a apresentar novas proteínas, enquanto

substâncias tóxicas existentes em quantidades inofensivas nos alimentos podem ter sua ação

potencializada. Outras substâncias benéficas, inclusive que protegem contra o câncer, podem ser

diminuídas. Os consumidores não estão cientes dos riscos e não têm como se prevenir, mesmo se

informados, pois é impossível se distinguir os produtos que contêm transgênicos dos outros se não

Page 47: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

46

houver a rotulagem. É por isto, que as associações de consumidores na Alemanha, apavoradas com

os alimentos transgênicos, estão os apelidando de Frankenfood, significando alimentos Frankenstein

(MANIFESTO POR UM BRASIL LIVRE DE TRANSGÊNICOS, 1999)

Alguns dos efeitos negativos e dos riscos do uso de transgênicos já ocorrem na agricultura

convencional mas, à diferença desta última, não é possível restabelecer equilíbrio ambiental no caso

dos transgênicos. Pode-se cessar o uso de um agrotóxico, por exemplo, e restabelecer um equilíbrio

entre insetos-praga e seus predadores após um certo tempo. No caso dos transgênicos, uma vez

liberados na natureza não é possível desfazer os impactos nos ecossistemas ou controlar os

processos de transgênese espontânea que porventura venham a ocorrer, porque é impossível retirar

da natureza os genes que foram artificialmente introduzidos numa planta.

As empresas transnacionais de agrotóxicos, além de lucrarem com a venda do novo material

genético, têm favorecido a venda de seus próprios venenos. Um exemplo clássico disto, é a soja

Roundup Ready, que foi desenvolvida para ser resistente ao herbicida Roundup, ambos da Monsanto.

As empresas Monsanto, Novartis, Pioneer e Agrevo respondem pela grande maioria das sementes de

variedades transgênicas registradas no Brasil e estão entre as maiores do mundo. Se estas variedades

vierem a substituir as tradicionais e as convencionalmente melhoradas, estaremos subordinados aos

interesses destas empresas. A Monsanto já detém o controle de 70% da produção de sementes das

variedades comerciais de milho no Brasil e pode substituí-las por transgênicos a qualquer momento.

Há ainda o risco dessas empresas adotarem de forma generalizada uma operação transgênica

chamada Terminator. As variedades transgênicas com as características Terminator produzem sementes

estéreis, impedindo que os agricultores produzam sementes próprias a partir das compradas. Este

controle permitirá que as empresas não apenas ditem os preços que quiserem, mas ainda controlem a

produção nacional em função de seus interesses econômicos internacionais, ignorando o interesse

público (SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE BIODIVERSIDADE E TRANSGÊNICOS,

1999).

Por todos esses problemas, o caso dos transgênicos mereceriam ser tratado a partir do Princípio da

Precaução. Se o uso de sementes transgênicas leva a qualquer risco, então elas deveriam ser evitadas.

Desta forma, é importante sempre ter claro que, juntamente com seus inquestionáveis benefícios, a

Page 48: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

47

biotecnologia pode, contraditoriamente, proporcionar a ampliação dos problemas sociais e

ambientais(GARRAFA et al, 1998).

Do exposto, conclui-se que as plantas transgênicas, de uma forma geral, reforçam o modelo

tecnológico agrícola vigente. Tal modelo é insustentável e perverso, onde o agricultor "moderno",

depois de destruir as árvores dos pastos, observando que o gado precisa e busca sombra, compra

sombrite para fazer a sombra. Tira a fertilidade do solo, e depois compra adubos sintéticos. Tira a

umidade do solo, e depois compra tubulações de irrigação e devora energia não renovável. Acaba

com o equilíbrio da natureza, que garante a saúde das plantas e dos animais, e depois a envenena.

Perde a biodiversidade e depois compra invenções genéticas de laboratórios. Ou seja, acaba com os

recurso naturais, para depois substitui-los por recursos artificiais. Por isto, não basta questionar

apenas a concentração de terras e a falta de apoio ao agricultor familiar no Brasil, é preciso

questionar também o modelo tecnológico adotado, consequentemente é necessário se pensar em um

novo modelo de desenvolvimento rural para o Brasil. Este novo modelo de desenvolvimento deve

ser composto por ações que remetam a uma prática agrícola ecologicamente equilibrada e a uma

diminuição das diferenças sócio-econômicas. E é neste sentido propositivo que o próximo capítulo

se desenvolve.

Page 49: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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[ ]A gente compra tudo, milho para as vacas, e para a gente compra arroz, feijão, farinha, sabão... Não dá mais para plantar o milho para o gado. Cana e capim a gente produz, que é para dar para as vacas misturada com o milho, o sal mineral e a ração a gente também compra. Todo mundo por aqui está acostumado a dar para o gado a ração da loja. Para fazer o doce a gente compra ovo e o açúcar, o botijão de gás e as embalagens. Mas sai caro demais... Eu sempre morei aqui, antes de começar Brasília, morava com meus pais, do outro lado do córrego. Bem pertinho daqui. Na casa do meu pai, a gente plantava de tudo, café, arroz e tirava gordura de porco. Antigamente não tinha máquina para plantar. Depois da criação de Brasília, que trouxeram estas máquinas para gradear campo e plantar e agora só dá para plantar se gradear e por muito adubo químico. Antigamente a gente não usava nem adubo . A EMATER, faz o projeto pro banco, a gente pega financiamento, compra a semente de arroz, ai não chove, a gente perde a colheita, ai vai sofrendo, sofrendo... E não consegue mais pagar o Banco. Ai a gente para de plantar, e compra tudo que plantava antigamente, fica mais barato. Mas tem outro problema: o clima. O clima mudou. Mas esses gaúchos, essas pessoas que plantam em terra muito grande tem lucro. Para eles, não tem tempo ruim. Mas antigamente a gente também produzia bastante, tinha mais água, agora a água tá pouquinha. Acho que é por causa da desmatação e dessas lavouronas porque tiraram as árvores. O problema são esses gaúchos, eles vem pra cá e só plantam soja. Planta e colhe soja o ano todinho, cheio de máquina. Eu nem conheço o dono. Antigamente, é que era bom, a gente ia todo mundo para a roça de um, trabalhava, depois ia para de outro no outro dia. Agora, é cada um pro lado. Hoje num tem mais amizade. Hoje todo mundo quer modernizar e comprar máquina. Antigamente, tudo era diferente, o meu pai viajava de carro de boi para buscar o sal, levava um mês para ir e voltar, era uma vez por ano que ia. O sal era a única coisa que comprava. Fazia tudo em casa, até o sapato e a roupa. Eu lembro de usar sandália de couro feita em casa. A roupa, era feita com o algodão plantado por aqui, juntava uma roda de 8, 10 mulheres e ficavam fiando e cantando. Era bonito. Naquele tempo tinha mais Paz. (Trecho da entrevista com a Sra. Maria do Carmo - ver fotografia 5 -, 57 anos. Agricultora familiar do Núcleo Agrícola de São Bernardo, DF)22

22 A entrevista com a Sra. Maria do Carmo foi feita exclusivamente para ilustrar a dissertação.

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Fotografia 5: Da. Maria, Núcleo Agrícola São Bernardo/DF

Fotografia 2: Embalagem de agrotóxico, Núcleo Rural da Taquara/DF

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Fotografia 3: Degradação do solo, Unaí/DF

]

Fotografia 4: Estufa de Pesquisa agronômica, Waggeningen/ HOL

Page 52: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

51

4. DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Tendo em mente o processo de desenvolvimento rural, fica óbvia a necessidade de se criar ações que

intervenham nas relações sociais e na relação do homem com os recursos naturais, visando a

melhoria da qualidade de vida23 em nossa sociedade. O objetivo final deve ser a construção de um

modelo de desenvolvimento rural sustentável.

Antes de discorrer sobre desenvolvimento rural sustentável é necessário fazer algumas importantes

considerações:

A transição a um desenvolvimento sustentável exige modificar padrões de produção e de consumo

através de políticas públicas, devendo ocorrer em um ambiente de sintonia entre as mudanças dos

movimentos endógenos dos atores institucionais sociais e políticos.

Ao usar a noção de "desenvolvimento rural", supõe-se uma oposição espacial entre o urbano e o

rural, quando na verdade, deve ser parte integrante de uma única dinâmica. Uma dinâmica sistêmica

de desenvolvimento (VEIGA, 1997).

Numa sociedade crescentemente integrada economicamente e fortemente urbanizada como o Brasil,

os problemas da agricultura tendem a ser cada vez menos visualizados como problemas rurais e não

se resolvem apenas no campo. Isso implica em que a progressiva reconversão ecológica da

agricultura brasileira não poderá se efetivar de forma independente da matriz global do

desenvolvimento. “Resulta daí que qualquer projeto sustentável para o conjunto da agricultura não

terá vigência nem se consolidará sem que se inicie desde logo um processo orientado de ajustamento

das políticas macroeconômicas e agrícolas para as camadas, até então mais desfavorecidas. (WEID &

ALMEIDA, 1997)

23 O conceito de qualidade de vida, ainda que possa resultar abstrato, guarda relação com a capacidade que todos os integrantes das diversas famílias de uma comunidade possam satisfazer seu conjunto de necessidades biológicas, bio-psicológicas, psicológicas, psico-sociais e sociais, assim definidas: Necessidades sociais: liberdade e meio ambiente sano; Necessidades psico-sociais: participação e identidade; Necessidades psicológicas: entendimento espiritual; Necessidades biopsicológicas: recreação, afeto, criatividade e trabalho e Necessidades biológicas : Saúde , alimentação, vestimenta e moradia.

Page 53: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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O termo sustentabilidade está baseado nos critérios distintos de sustentabilidade parcial organizados

por Sachs (2000):

(1)Social: alcance de um patamar razoável de homogeneidade social; distribuição de renda justa; emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente e igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais. (2) Cultural: mudanças no interior da continuidade (equilíbrio entre respeito à tradição r inovação); capacidade de autonomia para elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno (em oposição às cópias servis dos modelos alienígenas) e autoconfiança combinada com abertura para o mundo. (3) Ecológica: preservação do potencial do capital natureza na sua produção de recursos renováveis e limitar o uso dos recursos não-renováveis. (4) Ambiental: respeitar e realçar a capacidade de autodepuração dos ecossitemas naturais. (5) Territorial: configurações urbanas e rurais balanceadas (eliminação das inclinações urbanas nas alocações de investimentos; melhoria do ambiente urbano; superação das disparidades inter-regionais e estratégias de desenvolvimento ambienatlmentes seguras para áreas ecologicamente frágeis (conservação da biodiversidade pelo ecodesenvolvimento). (6) Econômico: desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado; segurança alimentar; capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção; razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica e inserção soberana na economia internacional.

A conferência "Rio-92" adotou o seguinte significado para desenvolvimento sustentável: "a

possibilidade de satisfazer as necessidades da geração atual sem que isso impeça que as gerações

futuras possam satisfazer as suas". Os países, classes e economias dominantes se apoderaram do

termo, afirmando que tal desenvolvimento poderia ser alcançado com o incremento e a livre ação do

mercado. Preocupadas, as Organizações Não Governamentais (ONG's) ligadas à agricultura,

reunidas em fórum internacional (a Eco 92), definiram por exemplo agricultura sustentável como

"aquela ecologicamente correta, economicamente viável, socialmente justa, culturalmente adaptada e

que se desenvolve como um processo, numa condição democrática e participativa"(LEROY, 1998).

Page 54: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

53

Segundo o Consórcio Latino Americano sobre Agroecología y Desarrollo (CLADES), o

desenvolvimento rural sustentável significa

“una articulación innovadora, que sume los recursos gubernamentales a los esfuerzos nacidos en la base social, puede potenciar la transición desde la pobreza extrema a una subsistencia digna, asociable con una capacidad de consumo muy superior a la de la línea de la pobreza; puede permitir que en número cada vez mayor de productores interactuen de manera rentable con el mercado sin deteriorar sus recursos productivos aumentándose así la franja de productores viables y; puede facilitar la transición a un manejo agroecológico de los sistemas productivos y de los recursos naturales de una micro-región o micro-cuenca (YURJEVICK, s/d).

Page 55: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

54

4.1. AGRICULTURA FAMILIAR SUSTENTÁVEL: CONCEITOS

Um dos caminhos para a construção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável no Brasil é

através da ampliação, viabilização e fortalecimento da agricultura familiar24 e a promoção de uma

tecnologia ecológica que conserve os recursos naturais. Ou seja, verifica-se a necessidade de

promover uma nova agricultura familiar, uma agricultura familiar sustentável no Brasil.

O mais importante instrumento de ampliação da agricultura familiar no Brasil, é a realização de uma

Reforma Agrária em todas as Unidades da Federação. Para torná-la viável e fortalecida é necessário

que o Estado atue no campo responsabilizando-se pelos itens básicos de cidadania e alargando os

grandes gargalos que dificultam o seu desenvolvimento e por fim, que haja promoção de uma

tecnologia ecológica e adaptada para a agricultura familiar.

A construção de um novo projeto para o campo, que tenha a agricultura familiar como modelo e a

Reforma Agrária como forma de incluir milhões de excluídos à produção, é um dos poucos

caminhos para se alcançar a geração de emprego em massa, pois é a base para o fortalecimento da

sociedade civil na área rural. Além disto, é considerada como o principal agente propulsor do

desenvolvimento comercial e, consequentemente, dos serviços nas pequenas e médias cidades do

interior do Brasil. Quando ampliada, viabilizada e fortalecida, a agricultura familiar tem a capacidade

de aquecer a economia dessas cidades pela base. Ao gerar poder de compra, que possibilita o

consumo de bens duráveis e não duráveis nos comércios locais, gera renda e emprego também nestes

estabelecimentos, e por consequência, empregos e renda nas indústrias. Por isto, estabelecer um

projeto de desenvolvimento municipal ou mesmo regional, baseado na agricultura familiar

sustentável é objetivar o aquecimento da economia de um grande número de municípios brasileiros.

Assim, o desenvolvimento com distribuição de renda no setor rural viabilizaria e sustentaria o

desenvolvimento do setor urbano (MAGALHÃES, 1997 e CONTAG, 1999).

Segundo os anais do 7o Congresso Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais(1999.), a

Reforma Agrária é o principal instrumento político para a ruptura do atual modelo de

desenvolvimento. É um instrumento essencial para promover o desenvolvimento democrático da

24 A agricultura familiar aqui referida é a mesma definida no capítulo anterior.

Page 56: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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agricultura e o resgate da cidadania para milhões de famílias de trabalhadores rurais. A

democratização da propriedade da terra impulsiona a democratização do poder político, econômico e

social. Promove a geração de emprego e ocupação produtiva para todo um segmento sem alternativa

de inserção social e produtiva (CNTR, 1998).

A Reforma Agrária é uma medida que distribui renda, democratiza o poder no meio rural e no país por conseqüência, cria emprego e produz alimentos à custo barato para a população mais pobre deste país. Quando se desapropria um latifúndio, se criam várias propriedades que nós denominamos agricultura familiar, a partir daí estaremos produzindo mais alimentos, mais baratos. É preciso dizer também que os principais alimentos que hoje a população mais pobre do país consome são produzidos nas áreas de 1 a 100 hectares, como o arroz, o milho, o feijão, hortaliças, frutas e o leite. Então, a Reforma Agrária hoje só traz vantagens para o povo brasileiro. Não só para os trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra, traz benefícios para a população do país como um todo. Sem a Reforma Agrária, não há como eliminar a pobreza rural, e não há como evitar que os grandes proprietários de terra continuem tendo acesso privilegiado ao dinheiro público e às decisões nas políticas agrícolas. Por essa razão é que o artigo 184 da Constituição Federal determina ao Estado brasileiro realizar Reforma Agrária, ou seja, que o Estado intervenha e promova a desconcentração da propriedade rural mediante a desapropriação daquelas que não cumprem sua função social. Desta forma, não se pode pensar a Reforma Agrária como um fim em si mesma, ela tem que ser um instrumento de implementação de concepção do desenvolvimento rural sustentável no Brasil. (Trecho da entrevista com Sebastião Neves Rocha, diretor da Secretaria de Política Agrária e Meio Ambiente da Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura- CONTAG).25

Ao se defender a realização de uma Reforma Agrária efetiva em nosso país, é bom explicitar que,

muito além de uma luta ideológica ou por justiça social, está se apontando para uma alternativa

concreta para o desenvolvimento rural sustentável. Mas esta Reforma Agrária tem alguns aspectos

essenciais. Deve ser compreendida como um fator estratégico fundamental para todo o país, deve

garantir aos agricultores, além de terra, políticas agrícolas adequadas à sua realidade, acesso ao

crédito, aos recursos hídricos, à assistência técnica, infra-estrutura produtiva e social e capacitação de

recursos humanos. Além disso, a terra não deve ser parcelada imediatamente, para garantir a

autonomia dos assentados na discussão da melhor forma de potencializar todos os recursos naturais

e humanos existentes, a partir da compreensão de que o imóvel é uma unidade produtiva e que deve

25 A entrevista com o Sr. Sebastião Neves Rocha foi feita especificamente para ilustrar a dissertação.

Page 57: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

56

estar integrado ao processo de desenvolvimento do município e da região onde está localizado. Para

isto, a implementação do processo de Reforma Agrária deve contar com a co-responsabilidade dos

poderes federal, estaduais e municipais (SANTANA, 1994).

Desta forma, não seria uma Reforma Agrária de "faz-de-conta", que divide terras e miséria, que

resulta em pequenos proprietários isolados, descapitalizados, tornando-se impotentes diante das

regras do mercado capitalista e das condições naturais de cada região. Por isto, é importante analisar

a questão da Reforma Agrária através da definição de agricultura sustentável - "aquela

ecologicamente correta, economicamente viável, socialmente justa, culturalmente adaptada, que se

desenvolve como um processo, numa condição democrática e participativa"26. Pode- se arriscar a

seguinte formulação:

[...] a) cada assentado, cada agricultor familiar que tenha a sua propriedade titulada, homens, mulheres, jovens, cada assentamento ou área ocupada pela agricultura familiar também atingida pela Reforma Agrária, quando consolidadas as posses e os milhares de assentamentos e núcleos rurais em conjunto, b) possam garantir a sua vida, como seres humanos, como membros de organização (ões) e coletividade (s) local (is) e cidadãos pertencendo a uma coletividade territorial nacional, ... c) por uma luta e uma ação de preservação do meio ambiente em que vivem (sustentabilidade ambiental), de uso dos recursos naturais de tal forma que garantem a continuidade da sua produção no longo prazo e a manutenção da biodiversidade (sustentabilidade ecológica), de qualidade de vida, com dignidade e segurança (sustentabilidades econômica e social), de possibilidade de exercício da cidadania (sustentabilidade política),... d) estendendo essa luta e essa ação à escala da região e do país e criando assim condições para que as futuras gerações possam continuar a construir um país e uma sociedade em que haja condições para cada ser humano viver com dignidade e felicidade (LEROY, 1998).

Diante da discussão sobre Reforma Agrária/agricultura familiar sustentável, fica evidente que além

da Reforma Agrária para ampliar a agricultura familiar, o Estado deve atuar de forma enfática para

Page 58: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

57

viabilizar e fortalecer a agricultura familiar. Sobre a viabilização da agricultura familiar, é necessário

que o Estado atue se responsabilizando pelos itens considerados, por Buarque (1994), como aqueles

que asseguram a todos os habitantes do planeta dignidade. São eles, (1)alimentação mínima

necessária, (2)educação e (3)saúde básicas,(4) endereço limpo27, (5)transporte entre o trabalho e a

casa28 e (6)um sistema judicial e de segurança para todos (ver fotografia 1). Justamente os itens que

estão na pauta de luta por política social dos diferentes movimentos de trabalhadores rurais Sem

Terra, dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais e das associações de agricultores familiares do Brasil.

Buarque (1994), ainda afirma que "os itens educação, saúde, endereço limpo e justiça devem ser

ofertas públicas e dependentes apenas de decisões políticas e limites financeiros, já os itens

alimentação e transporte, o Estado deve intervir para facilitar a eficiência necessária ao atendimento

cuja oferta e distribuição é basicamente privada" (BUARQUE, 1994).

Os principais gargalos que impedem o fortalecimento da agricultura familiar devem ser alargados. Ou

seja, problemas relacionados com a falta de acesso aos insumos, materiais genéticos e máquinas e

implementos ecologicamente viáveis e adaptados à sua realidade; dificuldade de produzir sem

destruir os recursos naturais e incompatibilidade da ciência e a tecnologia com sua real necessidade e

dificuldade de agregar valor à sua produção e viabilizar sua comercialização devem ser resolvidos a

partir da ação do Estado, através de suas políticas públicas29.

A estratégia agroecológica aponta um caminho concreto para promoção de uma tecnologia ecológica

e adaptada para a agricultura familiar. Para produzir alimentos saudáveis, em terras sãs, a manutenção

da saúde do solo e da água deve ser a meta primordial do trabalho agrícola. Tal afirmação tem

fundamento, pois em uma floresta natural, a terra está coberta por uma vegetação espontânea. O

desenvolvimento aéreo das plantas é devolvido á superfície do solo onde é decomposto,

incorporando-se ao mesmo. O sistema radicular também contribuí na acumulação de matéria

orgânica, bem como os restos de quantidades incalculáveis de micro e macro organismos. As copas 26 Definição segundo o tratado das ONG`s na ECO 92. 27 Com água potável, saneamento básico, coleta de lixo, fornecimento de eletricidade e viabilização de formas de comunicação. 28 No caso da agricultura familiar o transporte deve ser para as escolas, para os hospitais, e para a comercialização de seus produtos. 29 A problemática que envolve os gargalos que impedem o fortalecimento da agricultura familiar é discutida mais adiante,

Page 59: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

58

das árvores protegem a superfície do solo contra o impacto das gotas de chuvas, do vento e da

insolação. A natureza esponjosa e solta dos solos propicia uma máxima absorção de água. Os

recursos hídricos, como o lençol freático, nascentes, rios e riachos, estão também protegidos

(PRIMAVESI, 1984 e WEID & ALMEIDA, 1997).

Na agricultura convencional, após a derrubada da mata e/ou queimada, as terras normalmente são

cultivadas sem considerar sua verdadeira aptidão agrícola, sem tomar as medidas necessárias de

conservação e manejo adequado, cultivando culturas em linhas espaçadas, utilizando sistemas de

exploração esgotadoras do solo, caracterizados pela excessiva movimentação, falta de cobertura e

rotação de culturas e eventualmente com queima de resíduos culturais. A terra nua é a terra sem

proteção. A terra desprotegida está sempre exposta ao sol e ao vento, que a ressecam. Quando vem a

chuva forte e encontra a terra desprotegida e ressecada, não penetra, passa por cima arrastando a

matéria orgânica que fica em sua superfície e o próprio solo (ocorrendo a erosão e a lixiviação). Os

microorganismos e minhocas que vivem na terra, responsáveis pela fertilidade natural dos solos,

morrem, pois não sobrevivem em solos quentes e sem umidade e matéria orgânica(PRIMAVESI,

1984).

Uma importante forma de proteger o solo e sua umidade e a matéria orgânica é fazer a cobertura

morta, que é a cobertura do solo com uma camada de material vegetal morto colocada por cima da

terra. Este material vegetal pode ser bagaço de cana, palha de milho, resto de grama, casca de arroz,

palha de feijão e folhas. A cobertura morta ajuda a manter a umidade do solo, não deixando o solo

ficar ressecado, nem deixa crescer muito mato, protegendo a matéria orgânica do solo e assim,

quando chove a água penetra mais facilmente, não ocorrendo erosão. Com o tempo, esta cobertura

se decompõe, se transforma em nutrientes para o solo e aumenta a atividade biológica do solo. Além

da cobertura morta, o solo deve estar sempre coberto com plantações ou com vegetação nativa, que

pode ser chamada de cobertura viva (ver fotografia 2). De preferência, com plantas que tenham

profundidades e formatos de raízes diferentes, formando uma rede protetora do solo. A cobertura

viva protege o solo da erosão de uma forma geral, e no caso das margens dos rios, evita que a terra

desbarranque para a água. Em plantações anuais, se faz cultivo mínimo, com plantio direto ou uma

discagem bem superficial. Caso haja necessidade de romper-se a camada de solo compactado,

através do relato de experiências locais.

Page 60: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

59

existente devido a sucessivas arações, pode-se fazer com plantas que tenham raízes profundas e

agressivas30 (KIEHL, 1985 e MONEGAT, 1991).

As plantas consideradas "invasoras" ou "daninhas" não devem ser erradicadas, mas sim manejadas.

Além de protegerem o solo e auxiliarem na sua estruturação, têm a capacidade de concentrar em seus

tecidos minerais existentes no solo apenas em traços. Outra importante preocupação é que as linhas

de plantação, quaisquer que sejam, devem ser feitas acompanhando as curvas de nível do terreno. A

curva de nível é traçada cortando o sentido de maior inclinação do terreno, no sentido contrário ao

caminho da chuva, de maneira a impedir que a água da chuva forme enxurrada, lavando a terra. Com

os canteiros orientados pela curva de nível31, a água das chuvas fica presa entre eles, e com ajuda da

cobertura morta e viva, penetra no terreno.

Para um bom manejo ecológico do solo, é sempre necessário haver adubação com matéria orgânica

(ver fotografia 3). Esta, que veio em última instância do solo, a ele retorna transformando-se em

nutriente, o qual é assimilado pelas plantas, completando assim, o CICLO DA VIDA. O solo é um

sistema vivo. Nele, são encontrados milhares de microorganismos vivos e pequenos animais,

intimamente associados com a fração orgânica, a qual lhes fornece energia e nutrientes. A

incorporação de matéria orgânica ao solo intensifica a atividade biológica. Tal atividade é provocada

por organismos que vivem nos solos, que são agentes ativos da decomposição e podem ser

classificados em microscópicos (microflora - bactérias, fungos actinomicetos e algas e microfauna -

protozoários, nematóides e infusórios) e macroscópicos (formigas, minhocas, centopéias, aranhas,

besourinhos, lesmas e caracóis). A natureza predominante, o número, as espécies e o grau de

atividade dos agentes ativos da decomposição são conseqüência da qualidade e quantidade de

materiais que servem de alimento, das condições físicas (textura, estrutura e umidade) e químicas

(quantidades de sais, nutrientes e pH) encontrados nos solos(PRIMAVESI, 1984).

Para que a matéria orgânica possa fornecer nutrientes às plantas ela necessita sofrer um processo de

decomposição microbiológica, acompanhada da mineralização dos seus constituintes orgânicos. Ao

se decompor, ela gera compostos minerais assimiláveis pelas plantas. Por isto, ao incorporar resíduos

30 As plantas mais usadas neste caso são as mucunas e o feijão de porco. 31 Para marcar as curvas de nível, pode-se usar instrumentos simples e fáceis de fazer e trabalhar, como o "pé-de-galinha" e o nível de mangueira

Page 61: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

60

de plantas ou animais ao solo, se as condições de umidade e aeração forem favoráveis e houver a

presença de microorganismos, haverá inicialmente uma rápida decomposição que decrescerá com o

tempo. O resultado da intensa digestão da matéria orgânica é a liberação de elementos químicos que

estarão disponíveis para as plantas. As plantas, até hoje sabe-se disto, necessitam de 16 elementos

químicos essenciais para sua "alimentação", subdivididos em 2 classes, macronutrientes e

micronutrientes. Nem todos os nutrientes, são obtidos do solo, pois hidrogênio(H) e o oxigênio(O)

são do ar e da água. Todavia, todos estão presentes na matéria orgânica, e tornam-se disponíveis a

partir de sua decomposição (PRIMAVESI, 1984; SIQUEIRA, 1993 e SIQUEIRA, 1994).

A incorporação da matéria orgânica ao solo tem outras importantes vantagens. Segundo KIEHL

(1985), um dos efeitos da matéria orgânica sobre as propriedades físicas do solo, é a redução do

impacto do peso de máquinas grandes, ou melhor, há uma diminuição do efeito da compactação,

porque há uma contribuição para a agregação e estruturação do solo32. A estruturação do solo, é

importante para defendê-lo contra a erosão, isto porque os agregados, tendo maior tamanho que as

partículas que as constituem (areia, silte e argila), são mais difíceis de serem arrastados pelas

enxurradas. Com uma boa agregação no solo e conseqüente estruturação, há uma relação equilibrada

de drenagem, retenção da água e aeração, pois o solo, possui microporos e macroporos. Nos

macroporos, deve estar o ar (O2) e nos microporos, a água. Desta forma, quando chove ou quando

se irriga uma área, a água passa pelos macroporos e permanece nos microporos. A água dos

microporos é que é a água disponível para as plantas e que será absorvida com os nutrientes que

nelas estão (KIEHL, 1985; MARCOS, 1968 e MOZART, s/d).

Outro fator importante do uso da matéria orgânica, é que ela tem a capacidade de ser corretiva da

acidez e controladora da toxidez33. A matéria orgânica humificada contribui para o solo ácido ficar

com o pH mais favorável às plantas, possui também uma propriedade denominada poder tampão,

que é a resistência que uma substância possui contra uma mudança brusca de pH34.Além disso, a

32 A matéria orgânica tem função de agente cimentante entre os agregados. 33 Substância tóxica, é aquela capaz de causar danos às plantas, podendo chegar a causar sua morte. A toxidez pode ser causada por elevada concentração salina, como também por quantidades relativamente pequenas dos chamados metais pesados. O controle da toxidez, é geralmente feito pela aplicação de fertilizantes orgânicos devido á propriedade do húmus em fixar, complexar ou quelar esses elementos. 34 A acidez é um dos fatores que limitam a absorção de nutrientes como o fósforo e o potássio.

Page 62: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

61

matéria orgânica eleva a superfície específica do solo, ou seja, faz com que o solo adquira uma

elevada superfície de exposição. Em conseqüência, a capacidade de adsorsão de nutrientes e

fornecimento destes às plantas é elevada, além do aumento da capacidade de retenção de água

(PRIMAVESI, s/d).

Experimentos mostram que o húmus estimula a alimentação mineral das plantas, o desenvolvimento

radicular, diversos processos metabólicos, a atividade respiratória, o crescimento celular e a formação

de flores em certas plantas. Apesar da lei da alimentação mineral das plantas de Liebig35 demonstrar

que estas vivem exclusivamente de sais minerais, está provado que as raízes podem absorver e

metabolizar várias substâncias orgânicas fisiologicamente ativas como compostos húmicos, ácido

fenolcarboxílico e aminoácidos. Com a adubação orgânica, há liberação dos nutrientes aos poucos,

não em sua totalidade, pois ficam alojados nos interstícios da matéria orgânica ainda em

transformação e se desprendem pouco a pouco. Esta liberação segue as diretrizes da mudança na

composição química do adubo e obedecem às necessidades imediatas das raízes. Além disto, os

nutrientes não são sumariamente "lavados e carregados" durante a irrigação, tendo portanto a

vantagem de fornecer o "alimento" das plantas bem dosado e por mais tempo (KIEHL, 1985 e

PRIMAVESI, 1980, 1984 e 1990).

A maioria dos agentes de decomposição está associada naturalmente à matéria orgânica e é benéfica

às plantas, exercendo importantes funções, como a decomposição de resíduos orgânicos e

transformações em nutrientes assimiláveis pelas plantas. A matéria orgânica no solo, favorece o

equilíbrio de microorganismos, e isto é muito importante, pois se houver um desequilíbrio a favor de

um microorganismo, este poderá ser patógeno e causar alguma doença na planta(ALTIERE, 1989).

35 Até o ano de 1842 praticamente, todos os adubos aplicados ao solo eram de origem orgânica, só após essa data, com o lançamento da Teoria Mineralista de Liebig é que surgiram os fertilizantes minerais (Liebig cultivou uma planta a partir da semente em solução de sais minerais). Esta nova teoria revolucionária, ameaçava derrubar a teoria humista (afirmava que as plantas obtinham seu carbono a partir da matéria orgânica do solo), que até então vigorava.

Page 63: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

62

Uma outra forma de oferecer matéria orgânica ao solo, é através do composto orgânico, que aqui é explicado por meio de uma preciosidade da Literatura de Cordel:

A nossa mãe Natureza É dotada de riqueza Repare que coisa exata: Cada folhinha que cai Vira adubo e logo vai Fazer crescer mais a mata.

Copiando essa lição Toda nossa plantação Pode muito melhorar Basta estar bem dispostos E fazer logo um composto Para a terra adubar.

O composto verdadeiro É um jeito bem ligeiro Do pau ser produzido Numa grande quantidade Sendo a sua Qualidade Um negócio garantido

Agora vai a receita Para, de forma perfeita O adubo preparar: O mato que foi cortado Coloque bem arrumado Cada um no seu lugar. Vá fazendo as camadas Com as coisas encontradas Bem fácil, na região Folha, sabugo, capim Estrume lodo e assim Cinza e palha de feijão. Lembrando de aguar E ainda revirar Tendo o monte preparado O adubo aparece A plantação logo cresce E o lucro é dobrado. (MONTEIRO, 1989)

Pode-se dizer, portanto, que a matéria orgânica atua diretamente na biologia do solo, constituindo

uma fonte de energia e de nutrientes para os organismos que participam de seu ciclo biológico,

mantendo o solo em estado de constante dinamismo e exercendo um importante papel na fertilidade

e na produtividade das terras. Indiretamente, a matéria orgânica atua positivamente no solo por seus

efeitos nas propriedades físicas, químicas e biológicas, melhorando as condições para a vida vegetal.

Daí a justificativa para sua classificação como melhoradora ou condicionadora do solo (RUELLAN,

1998).

Page 64: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

63

Os produtores agroecológicos atualmente desejam a obtenção adequada de nitrogênio e a

manutenção de altos níveis de matéria orgânica no solo para garantir a máxima produtividade.

Acreditam que a quantidade de matéria orgânica no solo está altamente correlacionada à sua

produtividade e ao controle da erosão. Por isso, eles freqüentemente aplicam esterco e usam

adubação verde36 e plantas para cobertura com o intuito de manter a matéria orgânica do solo. São

conclusões sobre o uso da matéria orgânica por esses agricultores, que elas não agridem as raízes, e

não se deixam levar facilmente pela águas. Mas é importante destacar que o uso da matéria orgânica

na agricultura não é novidade. Desde o homem primitivo, houve uma procura por terras ricas em

matéria orgânica. No Antigo Egito, a terra mais disputada era aquela situada as margens do Rio Nilo;

em determinadas épocas do ano o rio transbordava, levando a matéria orgânica em suas águas e

depositando-as nas áreas inundadas.

Os fenícios no Oriente e os Incas no Ocidente, descobriram que plantando em terraços, impediam as

perdas de terras e matéria orgânica. Os índios Maias na América, ao plantar milho, colocavam um ou

mais peixes nas cova, oferecendo-os aos Deuses; com isso realizavam, uma adubação orgânica com

matéria prima de fácil decomposição e rica em nutrientes (principalmente o fósforo e o nitrogênio).

No oriente, a prática da adubação orgânica realizada pela restituição ao solo dos restos de cultura e

pela incorporação de estercos e camas animais, vem sendo realizada há muitos séculos. Na Velha

Roma, os filósofos deixaram escrito que algumas práticas agrícolas, tais como, "estercação", calagem,

adubação verde, rotação de culturas e cobertura morta eram comuns.

Na idade média, a agricultura era praticada pelo sistema feudal em que as terras pertenciam aos

nobres, mas eram cultivadas por seus vassalos, que não tinham interesse de fertilizar as terras alheias.

Ocorreu assim esgotamento dos solos, perdas de matéria orgânica e erosão. Daí essa época, ser

classificada como a Idade Decadente da Agricultura. A partir dos séculos XV e XVI, grande parte das

terras passou a pertencer aos próprios agricultores, que nela trabalhavam e melhoravam as condições

dos solos usando fertilizantes orgânicos, farinhas de osso e cinzas de calcário (KIEHL, 1985).

36 A adubação verde, é a incorporação, ao solo de matéria vegetal verde oriunda de plantas de diversas famílias, cultivadas para este fim. Faz-se normalmente adubação verde com plantas leguminosas, gramíneas e crucíferas, porém as mais estudadas e utilizadas são as leguminosas. As leguminosas ainda tem uma grande vantagem, elas facilmente se associam simbioticamente com bactérias conhecidas como Rhizobhium (ou rizóbio), que absorvem o nitrogênio do ar e depois fixam-no ao solo.

Page 65: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

64

Para que ocorra um equilíbrio no agroecossistema, a diversificação e a interação de espécies animais e

vegetais é de extrema importância, sendo que a ausência de qualquer um de seus componentes pode

acarretar um desequilíbrio ecológico (ver fotografia 4). Uma outra vantagem da diversificação é que

ocorre a ciclagem de nutrientes entre as diferentes espécies, e o conseqüente aproveitamento máximo

dos recursos naturais. A diversificação de espécies em um agroecossistema pode ser feita pela

rotação e consórcio de culturas, barreiras vegetais, adubação verde, integração da produção animal à

vegetal e agrofloresta (DOVER, 1992).

A rotação de culturas consiste em um planejamento racional de plantações diversas, alterando a

distribuição no terreno em certa ordem e por determinado tempo. Por serem plantas diferentes,

possuem sistemas radiculares que penetram na terra em busca de água e nutrientes em diferentes

profundidades de horizontes, removendo-os (GLIESMAN, 1996a).

O consórcio de culturas é o plantio de diferentes espécies vegetais, simultaneamente sobre uma

mesma área. Além da associação entre cultivos comerciais, o consórcio pode ser feito também com

leguminosas para adubo verde e cultivos comerciais. As plantas podem interferir uma sobre as

outras, seja de forma positiva, estimulando a velocidade de crescimento, aumentando o tamanho e a

qualidade dos frutos, e a resistência à pragas e doenças, ou negativa, inibindo ou retardando o

crescimento. Estas interferências ocorrem através da secreção das raízes, exsudação ou

decomposição das folhas, disputa das raízes por um mesmo nível de solo, ou disputa por

luminosidade. O consórcio de culturas pode contribuir no controle de pragas através do uso de

plantas "iscas"37 preferidas pelos insetos, que aí se concentrarão, facilitando seu extermínio. Ou,

ainda, pelo plantio de vegetais repelentes a determinados insetos, principalmente ervas aromáticas

(ALTIERE, 1989 e GLIESMAN, 1996b).

O vento resseca o solo e pode quebrar as plantas, ou parte delas. Para proteger a plantação do vento,

além da cobertura do solo, faz-se barreiras com plantas vivas, normalmente de porte alto. Estas

barreiras são chamadas de quebra-vento, pois direcionam o vento para cima, não deixando passar

rasteiro. Pode-se fazer barreiras com árvores que servem como adubo verde e lenha (leucena, angico,

acácia), com frutíferas (banana, goiaba, laranja) e com plantas que o gado pode se alimentar (guandu,

37 Plantas iscas podem ser aquelas consideradas "daninhas", que são normalmente eliminadas pelos herbicidas ou retiradas pela capina.

Page 66: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

65

cana-de-açucar, leucena). Outras importantes vantagens da barreira vegetal é que ela pode ser uma

barreira para determinadas doenças de plantas e pragas e usada a sua "poda" para adubar a terra (em

compostos e cobertura morta).

A adubação verde, além de fazer parte da diversificação de um agroecossitema, é um excelente

adubo, pois além de proteger o solo, pode ser a ele incorporado. Quando a adubação verde é feita

com leguminosas sua associação com bactérias do gênero Rhizobium, proporciona a fixação de

nitrogênio do ar no solo, reduzindo dramaticamente o consumo de adubo sintético nitrogenado, e

por conseqüência a poluição do solo e água (LEONARDOS, 1998).

A integração da produção animal à vegetal em um agroecossistema é fundamental, pois os restos

vegetais podem alimentar os animais e seu esterco e urina podem ser utilizados como adubo de alta

qualidade. Mas a produção animal em sistema agroecológico deve levar em conta algumas questões,

tais como o não confinamento do gado, diversificação de ração, uso de rações produzidas na

propriedade sem hormônios e antibióticos, rotação de pastagens e medicina veterinária preventiva e

natural (PRIMAVESI, 1985 e VENEGAS, 1996).

Um outro manejo extremamente importante da agroecologia é a agrofloresta. Segundo Amador

(1999), os sistemas agroflorestais são formas de manejo da terra em que as espécies agrícolas e

florestais são plantadas e manejadas em associação, segundo os princípios da dinâmica natural dos

ecossistemas. Representam a interface entre a agricultura e a floresta, e otimizam a produção através

da conservação do potencial produtivo dos recursos naturais. Os princípios do manejo agroflorestal

incluem o conhecimento das características ecológicas e funcionais das espécies, a diversidade e a alta

densidade de plantas, a poda, a capina seletiva e a participação humana e animal na dinâmica das

agroflorestas. São sistemas regenerativos e análogos aos sistemas naturais, com grande potencial de

aliar a conservação ambiental à produção e viabilidade econômica, representando uma aproximação

real do ideal da sustentabilidade (AMADOR, 1999).

Existe um caminho para reduzir a população de organismos prejudiciais, ao nível em que ela já não

representa uma preocupação, nem é capaz de causar prejuízo. Este caminho é o controle biológico,

também simplesmente referido como biocontrole, que é o uso deliberado de organismos benéficos

(agentes) contra organismos prejudiciais (alvos). É, portanto, a disseminação de inimigos naturais

Page 67: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

66

contra pragas ou ervas daninhas específicas. Insetos, bactérias, vírus, protozoários, fungos

nematóides, ácaros e insetos e até mesmo sapos e aves insetívoras podem ser utilizados no controle

biológico .

O controle biológico introduz um fator decisivo de mortalidade, capaz de fazer com que a população

de pragas retorne à sua situação primária, ou seja, a níveis populacionais não prejudiciais. Um projeto

de biocontrole não tem o objetivo de reintroduzir toda a complexidade e a diversidade do habitat

+natural, mas sim introduzir um ou alguns agentes fundamentais que proporcionem alta mortalidade

às pragas específicas38.

O controle biológico clássico envolve essencialmente a pesquisa para identificar inimigos naturais no

seu ambiente nativo, onde eles estão exercendo uma pressão reguladora importante sobre a praga.

Estes inimigos naturais são coletados e enviados ao país ou região onde, na sua ausência, a praga se

dissemina de forma explosiva. Aí, então, existe o problema de não ser sustentável, pois está se

importando o inimigo natural. Além do custo, corre-se o risco de, ao se introduzir uma determinada

espécie criar um outro tipo de desequilíbrio.

A erradicação de uma praga é considerada ambiciosa e raramente é conseguida. Além disso, um

inimigo natural que eliminasse completamente a sua presa ficaria sem alimento, consequentemente,

também se extinguiria. É mais desejável reduzir a população da praga a números que não signifiquem

uma preocupação, permitindo que alguns indivíduos persistam para garantir a sobrevivência dos

organismos controladores. Assim, esses organismos mantêm a sua população e impedem que a praga

volte a assumir níveis prejudiciais. Quando o agroecossistema está em equilíbrio este tipo de

condição acontece por que todas as populações de organismos, na natureza, sofrem restrições que

impedem seu crescimento ilimitado. Tais restrições podem acontecer por efeitos independentes do

tamanho das populações sobre as quais eles agem, ou seja, fatores independentes da densidade ou

por fatores dependentes da densidade(ALTIERE, 1989).

Nas comunidades naturais, existe uma rede de interações entre indivíduos de uma espécie (intra-

específica) e interespecífica. A competição intra-específica por recursos limitados de alimento e

espaço pode restringir uma população a um limite máximo de crescimento. Em comunidades

Page 68: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

67

naturais, tanto a competição inter como intra-específicas desempenham papel regulador muito

importante(PRIMAVESI, 1988 e LIEBMAN, 1997).

Espécies diferentes, com necessidades semelhantes de recursos e pouco flexíveis, vão revelar um

grau mais elevado de competição, juntamente com a influência de inimigos naturais, determinando o

tamanho relativo das populações. Estas espécies que coexistem, cada uma com sua própria história

quanto à seleção natural, constituem as comunidades naturais. Dentro destas comunidades, os tipos

de espécies presentes e sua abundância são relativamente constantes de um ano para outro.

Por outro lado quando o solo é arado e uma nova e única cultura é introduzida, o habitat é alterado

drasticamente. Novas condições são apresentadas a cada indivíduo e estas podem ser favoráveis ou

não. Muitas espécies de animais e plantas desaparecem, enquanto outras são instantaneamente

estimuladas a crescer por causa dos recursos abundantes e do espaço aberto. A ausência de inimigos

naturais, e a competição reduzida de indivíduos de outras espécies, permitem que esta nova

população se expanda rapidamente. Por exemplo uma planta pode disseminar-se pelo solo,

competindo com a cultura e este comportamento a qualifica como erva daninha ou um animal que

em outras circunstâncias seria inofensivo aumenta em número drasticamente, tornando-se praga

(PRIMAVESI, 1984).

A conservação de todos os inimigos naturais é essencial, principalmente quando são nativos. Por isto

é extremamente importante a adoção de métodos agrícolas que estimulem estes inimigos naturais,

assim como banir o uso de inseticidas. O mais interessante é que haja no agroecossistema um

equilíbrio entre as presas e os predadores para que o controle seja natural. Em certas ocasiões, um

inimigo natural nativo ou exótico aparece sem a influência do homem e este fator é eficaz para o

controle de uma praga, a este fenômeno se dá o nome de controle biológico fortuito. Este tipo de

controle acontece com muita frequência, quando o agroecossistema está equilibrado (ALTIERE,

1989).

O manejo agroecológico favorece os processos naturais e as interações biológicas positivas,

possibilitando que a biodiversidade nos agroecossistemas subsidie a fertilidade dos solos, a proteção

dos cultivos contra enfermidades e pragas. Melhor dizendo, por meio de diversificação espacial e 38 Para ervas daninhas, o controle normalmente se baseia na criação de uma alta pressão de "pastejo" de insetos.

Page 69: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

68

temporal do sistema de produção e do manejo ecológico dos solos, sustenta-se em seu interior um

equilíbrio e uma "infra-estrutura ecológica" que otimiza sinergias entre os seus diferentes

componentes, diminuindo a necessidade do aporte de insumos externos. Por exemplo, se existe

diversidade de insetos benéficos (predadores e parasitóides) nos sistemas produtivos, será menor a

possibilidade de desenvolvimento de pragas, eliminando a necessidade de uso de inseticidas. Se o

solo for biologicamente ativo, potencializa-se sobremaneira o processo de ciclagem de nutrientes,

minimizando a necessidade de fertilizantes sintéticos. A tecnologia utilizada nos sistemas

agroecológicos é multifuncional na medida em que promove efeitos ecológicos positivos, tanto no

que se refere à manutenção de bons níveis de produtividade quanto à conservação dos recursos

naturais, de forma a garantir a sua sustentabilidade ecológica (PETERSEN, 1999 e REIJNTES,

1994).

Segundo o Jornal Gazeta Mercantil (13/03/98), pesquisas realizadas por Centros Internacionais de

Pesquisa Agrícola, por universidades do Primeiro Mundo e por Organizações Não Governamentais

do Norte como do Sul, constataram que um outro padrão tecnológico de desenvolvimento agrícola,

conhecido como agroecologia, tem obtido resultados surpreendentes. Aumentos de produtividade da

ordem de 100 a 300% vêm sendo registrados em várias culturas, com custos mais baixos do que os

dos sistemas convencionais ou transgênicos e sem o uso de agrotóxicos ou fertilizantes químicos ou

sementes híbridas ou transgênicas. A agroecologia não só oferece produtos mais saudáveis e

nutritivos, mas também não polui o meio ambiente, preservando os recursos naturais e sendo

claramente mais sustentável do que os sistemas convencionais ou transgênicos. A matéria da Gazeta

Mercantil afirma que o mercado de produtos agroecológicos vem crescendo de forma considerável.

Há ainda uma estimativa de crescimento médio anual desse mercado em torno de 10% no Brasil.

Nos Estados Unidos, vem crescendo em uma taxa média de 20% ao ano, desde 1990, mas o

principal mercado para este tipo de produto ainda é a União Européia, para qual se estima um

crescimento de 25% nos últimos 10 anos (CIRCULAR RECOPA,1998).

A tecnologia agroecológica busca alternativas energéticas que não poluam, como por exemplo a

energia solar, a energia da força da água e do vento, pois tem um custo mais baixo (pelo menos, a

médio e longo prazos) e não polui. Desta forma, pode-se afirmar, que é uma agricultura que tem, a

médio e longo prazos, a capacidade de baixar custos. Além disso, as florestas, os rios e o lixo

orgânico, no enfoque agroecológico, são encarados como úteis e necessários para a propriedade. As

Page 70: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

69

florestas são fornecedoras de matéria prima (lenha, madeira e frutos), auxiliando também na

manutenção do equilíbrio ecológico e paisagístico. Os rios são fontes de água, peixes e lazer. O lixo

orgânico pode ser transformado facilmente na propriedade em adubo de alta qualidade. Os

praticantes da agroecologia buscam ainda produzir sua própria semente agroecológica (mais

conhecida como semente orgânica), já que as comerciais, em sua larga maioria é melhorada

geneticamente para somente obter alta produtividade com o uso de todos os itens do "Pacote da

Revolução Verde". Outro importante motivo de se produzir as próprias sementes, é a independência

que o agricultor ou sua forma organizativa adquire em relação às grandes empresas do setor (SHIVA,

1991; BERTRAND, 1991; CASADO, 1997; ZAPATA, 1997 e SCHAFFER, s/d).

Cuando Gandhi creó el movimiento libre era el momento de la revolución industrial. India se liberaba del poder colonial y ponia todas sus esperanzas en la rápida industrialización del país. El símbolo de aquel movimiento era la hilandera, que se veia por doquier. Era una representación poderosa de por donde quería ir el país. Hoy hemos cambiado y nuestro simbolo es la semilla que, en el fondo, viene a representar un mensaje muy parecido. Nuestra riqueza depende de cómo nos alimentemos y cómo nos protejamos culturalmente. Es nuestra defensa contra la destrucción (SHIVA, S/D).

Page 71: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

70

4.2. AGRICULTURA FAMILIAR SUSTENTÁVEL: EXPERIÊNCIAS

Para completar a discussão sobre agricultura familiar sustentável foram selecionadas e discutidas

experiências de administrações locais do Partido dos Trabalhadores (PT) nas prefeituras de vários

municípios brasileiros e no Governo do Distrito Federal39, de organizações não governamentais e de

movimentos sociais.

As experiências das prefeituras e do Distrito Federal são promovidas por quem possui vínculos

político-ideológicos com a classe trabalhadora e por isso, compromisso com o setor da agricultura

familiar. As outras experiências são de ONG's e movimentos sociais que possuem vínculo explícito

com a luta pela terra e/ou com a conservação dos recursos naturais e, por assim dizer, são

comprometidas programática e ideologicamente com um destes temas, ou com ambos. Estas

experiências foram selecionadas entre as experiências discutidas na Consulta Nacional de

Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais para a Rio + 5 - Setor Agricultura e as

experiências apresentadas no I Seminário Nacional sobre Reforma Agrária e Meio Ambiente40.

Tanto as experiências governamentais, como as não governamentais não são completas. Possuem

territorialidade, abrangência social (número de famílias), arranjos institucionais, grau de sucesso e

contextos sócio-econômicos diferenciados que possibilitam tirar algumas lições (sejam por "acertos"

ou "erros") para se superar as dificuldades de desenvolvimento da agricultura familiar e da

conservação dos recursos naturais. E em última instância lições para vislumbrar uma nova concepção

de desenvolvimento rural sustentável no Brasil.

39 As experiências governamentais foram coletadas no período de fevereiro a junho de 1998. 40 A "Consulta Nacional de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais para a Rio + 5" ocorreu em Fevereiro de 1997 e o I Seminário Nacional sobre Reforma Agrária e Meio Ambiente, em Novembro de 1999. O Primeiro foi

Page 72: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

71

MATÉRIAS PRIMAS, MÁQUINAS e IMPLEMENTOS e RECURSOS NATURAIS

PROJETO BALCÃO DE INSUMOS E PRODUTOS - Governo do Distrito Federal/ DF

Um dos entraves para o processo de consolidação da agricultura e da agroindústria familiar é a

dificuldade em adquirir máquinas e equipamentos de pequeno porte, utensílios, embalagens,

uniformes, material de higiene e limpeza e outros produtos. Este problema existe porque as

empresas/indústrias que produzem esses produtos vendem apenas em grandes quantidades.

O Projeto Balcão de Insumos e Produtos visa facilitar o acesso dos agricultores familiares aos

equipamentos para a agroindústria de pequeno porte e aos utensílios, embalagens, uniformes,

material de higiene e limpeza e outros produtos em pequenas quantidades. Para atingir seu objetivo o

projeto consiste na venda no varejo, a preços de mercado, o que normalmente só é vendido no

atacado. Ou seja a Secretaria de Agricultura compra no atacado. e vende nas quantidades compatíveis

com a pequena produção com prazo de pagamento. São três balcões: da agroindústria, da irrigação e

da agroecologia (CARVALHO, 2000).

PROJETO CAIXEIRO VIAJANTE - Governo do Distrito Federal/ DF

Os agricultores familiares que moram e trabalham em comunidades rurais distantes enfrentam, entre

muitos outros problemas, dificuldades para adquirir e transportar os insumos ou produtos de que

precisam para cultivar a terra. Sem meios para deslocar-se regularmente até às cidades,

impossibilitados de fazer o transporte de produtos em ônibus e sem renda suficiente para comprar

em quantidade e estocar os produtos, acabam reduzindo o plantio e a criação. Quando encontram,

em alguma comunidade, um pequeno armazém que vende alguns dos produtos de que necessita,

geralmente os preços são mais elevados do que os preços das lojas das cidades, o que encarece a

produção e diminui ainda mais a pequena renda.

promovido pelo Fórum Brasileiro de ONG's e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento e o segundo, por este Fórum e pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo.

Page 73: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

72

O Projeto Caixeiro Viajante tem como objetivo democratizar oportunidades, facilitando a compra de

insumos e outros produtos básicos da atividade agrícola no meio rural, especialmente entre os

agricultores familiares que não dispõem de transportes próprios; O Projeto contribui ainda para o

aumento da produtividade agrícola e da renda do agricultor familiar, principalmente do que mora em

locais distantes das cidades. Além disso possibilita ao agricultor familiar o acesso à inovações

tecnológicas.

Este programa consiste em produtos agropecuários comprados no atacado pela Secretaria e

revendidos no varejo ao agricultor por uma equipe do Departamento de Comercialização da

Secretaria de Agricultura. Esta equipe percorre as comunidades para pegar o pedido do agricultor,

que é atendido posteriormente no centro comunitário do lugar onde ele mora, em dia e hora

marcada (CARVALHO, 2000).

PROJETO MUDA -MERENDA - Prefeitura Municipal de União da Vitória / PR

Muitos municípios brasileiros tem problemas para abastecer suas escolas e creches com alimentos

produzidos nas suas próprias zonas rurais. Além disso, o Agricultor Familiar individual ou mesmo

através de suas organizações de comercialização, não têm acesso ao mercado institucional, pois a

legislação de licitações públicas, de uma forma geral, facilita o acesso das grandes empresas

atacadistas ou de comercialização e dificulta o acesso dos agricultores familiares.

O projeto Muda Merenda garante a produção de produtos nutritivos e a alimentação em escolas e

creches do município. Para alcançar estes dois objetivos, a Secretaria Municipal de Educação e Ação

Social repassa aos agricultores familiares mudas de erva mate, pinus e eucalipto (produtos comerciais

tradicionais do município) em troca de tubérculos e hortaliças dos agricultores e os utiliza na

merenda escolar e em creches municipais.

Page 74: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

73

PROJETO TRAÇÃO ANIMAL ASSOCIADO À PATRULHA AGRÍCOLA - Prefeitura

Municipal de Itinga / MG

Muitas tarefas de campo são otimizadas se feitas com o emprego de máquinas e implementos

agrícolas mas, dificilmente os agricultores familiares e/ou suas organizações possuem todos os

recursos. Mesmo com o acesso à mecanização agrícola em muitas propriedades de agricultores

familiares não existe possibilidade do trator atender, em função de motivos diversos, como por

exemplo, a declividade do terreno. Por isto a Prefeitura de Itinga coloca à disposição dos agricultores

familiares um rodízio de patrulhas agrícolas (máquinas e implementos agrícolas) associada à tração

animal, que além de proporcionar benefícios imensuráveis para o agroecossitema tem baixo custo.

A Patrulha Agrícola tem diversas atividades, tais como: preparo do solo para plantio, nivelamento,

aração, limpeza, gradagem, calagem, adubação, terraceamento, subsolagem e encanteiramento;

abertura e limpeza de reservatórios de água; construção e recuperação de barragens de terra; abertura

e manutenção canais de irrigação e drenos; abertura e manutenção de estradas de terra dentro da

propriedade; serviço de connservação de solo e terraplenagem e abertura de aceiros.

PROJETO POSTO DE MONTA - Prefeitura Municipal de Franca / SP

Para o agricultor familiar, o melhoramento genético de animais é um processo muito oneroso e por

isso apenas os grandes produtores tem acesso. Para resolver este problema a Prefeitura Municipal

proporciona aos agricultores familiares de Franca, usuários do sistema de tração animal, condições de

melhoramento genético de seus planteis através de cruzamentos com reprodutores de raças

específicas, de alta linhagem.

ANTEPROJETO RECICLAGEM DE LIXO - Prefeitura Municipal de Santa Bárbara do

Sul/ RS

Objetivando reciclar o lixo; promover a educação ambiental a partir da separação do lixo; gerar

emprego e renda no processo de seleção e transformação do lixo; transformar o lixo orgânico em

adubo e vender o lixo inorgânico separadamente (vidro, plástico e papel), a Prefeitura Municipal de

Santa Bérbara do Sul elaborou o anteprojeto Reciclagem de Lixo.

Page 75: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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O Anteprojeto consiste na construção de uma usina de reciclagem de lixo urbano, onde o lixo

orgânico será transformado em adubo para ser aproveitado na agricultura, e o inorgânico será

comercializado.

PROJETO DE SEMENTES ECOLÓGICAS (Bionatur) - Movimento de Trabalhadores

Rurais (MST) / Hulha Negra e Candiota no Rio Grande do Sul,

A dependência de sementes de grandes empresas e a necessidade de se produzir agroecologicamente

fez o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de Hulha Negra e Candiota criar um projeto

de resgate e melhoramento genético de várias sementes de hortaliças e cereais de inverno para

produção agroecológica. Este projeto visa tornar a produção nos assentamentos de reforma agrária

independente das grandes multinacionais de sementes a partir de sementes agroecológicas.

O projeto resgata e faz melhoramento genético de várias sementes de hortaliças e alguns cereais de

inverno para formação de um banco de germoplasma de sementes para uso com tecnologia

agroecológica. As sementes, ao atingir quantidades expressivas, são colocadas no mercado. Por

exemplo, no caso do trigo no ano 2000 serão levadas para o campo 22 (vinte e duas) variedades

distribuídas entre 03 (três) agricultores que ficarão como guardiões, multiplicando as sementes para

no ano seguinte, distribuí-las para outros agricultores e assim por diante, até que se consiga o volume

suficiente para atender toda a comunidade da cooperativa dos assentamentos nesta região e, a partir

daí, iniciar a comercialização. O setor de sementes agroecologicas BIONATUR envolve 50

produtores com a produção de sementes de inverno (cebolas, cenouras, coentro, crucíferas e cereais

de inverno) e de sementes de verão (cucurbitaceas, melões e sementes de forragens)(PEDROSO,

1999)

Page 76: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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CIÊNCIA, TECNOLOGIA E PRODUÇÃO

REFORMA AGRÁRIA COM REFORMA ECOLÓGICA - Parceria do Instituto de

Pesquisas Ecológicas (IPÊ) com a Agência Inter-Americana de Desenvolvimento e Fundo

Mundial da Natureza, a Cooperativa do Movimento Sem Terra do Pontal (Cocamp/MST), o

Instituto Florestal de São Paulo (IF) e a 0Universidade de São Paulo (USP).

O lema do Movimento Sem Terra (MST) é sustentado pelo tripé “ocupar, resistir e produzir”. Esta

parceria está procurando incorporar uma quarta palavra na região do Pontal do Paranapanema:

“Ocupar, resistir, produzir e conservar.” Para contemplar a dimensão ambiental a parceria

disponibiliza informações agroecológicas para os assentado; estimula a adoção de práticas de manejo

agroecológico; incentiva a diversificação e sustentabilidade na produção e mplanta módulos

agroflorestais demonstrativos adaptados a cultura e as necessidades locais.

A parceria foi estabelecida há mais de um ano e tem buscado ampliar a discussão do conceito de

produzir entre os assentados e suprir as necessidades básicas na busca de uma Reforma Agrária

paralela a uma reforma agroecológica na região. A idéia é disponibilizar informações agroecológicas

para os assentados, estimular a adoção de práticas de manejo agroecológico, incentivar a

diversificação e sustentabilidade na produção e implantar módulos agroflorestais demonstrativos

adaptados a cultura e às necessidades locais. Até novembro de 1999, um total de 400 assentados,

técnicos e lideranças locais passaram por cursos de capacitação agroflorestal. Como resultado, já

foram instalados até novembro de 1999, 6 viveiros agroflorestais comunitários nos assentamentos do

Pontal, cada um com capacidade média de 30.000 mudas/ano.

É importante ressaltar que vários dos assentados e técnicos capacitados durante os cursos já são

agentes multiplicadores, principalmente aqueles que instalaram os viveiros agroflorestais

comunitários. Esses viveiros estão servindo como pólos de disseminação da cultura agroecológica e

de estímulo para a participação de muitos outros assentados da região.

Page 77: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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PROJETO RESERVAS EXTRATIVISTAS - Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS)

O extrativismo tem suas peculiaridades e por isso não pode ser encarado da mesma forma que a

agricultura. Uma das mais importantes necessidades do setor extrativista é manter a atividade e

conservar os recursos naturais.

O CNS tem as seguinte proposta para o extrativismo: as áreas de produção, de conservação e de

extrativismo são distribuídas e manejadas num território maior, ao invés de se exigir que cada lote ou

propriedade tenha a reserva legal de vegetação nativa de 10%, 20% ou 50%. Ou seja, a reserva será

coletiva, com a vantagem de evitar a fragmentação e a subseqüente perda de biodiversidade(WEID &

ALMEIDA, 1997).

PROJETO AGROFLORESTAL CONSORCIADO E ADENSADO (PACA) - Prefeitura

Municipal de Juína / MT

A agrofloresta apresenta um grande potencial para os países tropicais, ricos em biodiversidade. Pela

possibilidade da intensificação da produção em pequenas áreas através da otimização do espaço,

esses sistemas despontam como alternativa promissora para o desenvolvimento rural sustentável. Por

isto para recuperar 500 hectares de área degradada, o PACA envolvendo 500 famílias, recuperou 500

hectares de área degradada, através de um manejo agroflorestal consorciado e adensado .

REDE DE PROJETO EM TECNOLOGIA ADAPTADA (Rede PTA)

A rede PTA tem o objetivo de, num esforço conjunto com os membros da comunidade, propor

tecnologias alternativas (resgatadas, geradas ou introduzidas) que possam contribuir para o aumento

da produtividade e a melhoria do padrão de vida. As equipes técnicas que trabalham com

transferência de tecnologia são transdiciplinares e sensíveis para o trabalho com a agricultura familiar e

suas organizações. A equipe dá ao agricultor a oportunidade de entender e manejar todo o processo

de Produção -Processamento – Comercialização – Administração/Financiamento tendo a noção clara

de que o agricultor e suas organizações são os ATORES do processo. Bastante diferente, da

assistência técnica convencional que simplesmente repassa um pacote tecnológico.

Page 78: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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Para isto a equipe trabalha com agricultores familiares, entendendo suas limitações sócio-econômicas,

tecnológicas e ambientais e valida as alternativas propostas, com vistas a garantir sua adequação tanto

às comunidades que as geraram quanto às situações com características semelhantes.

Exemplos da Rede PTA:

A Associação de Estudos e Assistência Rural (ASSESSOAR) há cerca de quinze anos vem

incentivando e promovendo a prática da adubação verde entre agricultores familiares do Sudoeste

do Paraná, como forma de combater a queda do potencial produtivo dos solos provocadas pelas

altas taxas de erosão. Além dos efeitos positivos sobre a conservação dos solos e, consequentemente

sobre o aumento da produtividade dos cultivos, essa prática se caracteriza pelo baixo custo (

DAVID& Mayer, 1996).

O Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata Mineira (CTA), assessora vários sindicatos

de trabalhadores rurais na implementação de programas de conservação e melhoria da qualidade dos

solos através de práticas agroecológicas. Pequenas parcelas experimentais implantadas nas

propriedades de agricultores vão sendo conhecidas e adaptadas uma série de propostas técnicas para

a conservação dos solos (WEID e ALMEIDA, 1997).

O Centro de Agricultura Ecológica de Ipê (CAE-IPÊ) apoia tecnicamente produtores de maçã, uva,

pêra e pêssego que motivados pelos problemas de saúde resultantes de uso excessivo de agrotóxicos,

decidiram abandonar o uso de venenos. A partir do manejo nutricional das plantas, os agricultores

conseguiram reduzir o número de aplicações de agrotóxicos na safra de maçã de dezoito para zero,

mantendo um nível de produtividade igual aos produtores convencionais. Isto também significou

uma redução dos custos de produção em aproximadamente 40%.

A CAATINGA em Ouricuri -PE, difunde uma proposta de contenção de caprinos menos danosa

ao ambiente e mais acessível aos agricultores familiares do semi-árido nordestino. A proposta

pressupõe a construção de cercas com tr6es fios de arame combinado com o uso de cangas nos

animais para proteger as áreas de plantio e armazenamento de água e de uma forma geral

diminuindo a pressão sobre os recursos naturais (WEID e ALMEIDA, 1997).

Page 79: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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A Variedade de Milho Sol da Manhã foi melhorada no Assentamento Sol da Manhã (Seropédica-RJ)

e é adaptada geneticamente às condições edafoclimáticas e tecnológicas dos assentamentos da

Baixada Fluminense, não exigindo por isso grandes quantidades de insumos. O trabalho de alguns

pesquisadores da EMBRAPA e técnicos da rede PTA somaram esforços com o objetivo de

recuperar a auto-suficiência dos agricultores no suprimento de sementes de milho a partir da

valorização das variedades locais. Foi organizada a Rede Sementes, atualmente envolvendo

agricultores das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, centenas de associações e sindicatos de

trabalhadores rurais e dezenas de ONG's . Para o caso do cultivo do milho, a Rede Sementes já

resgatou e difundiu entre os agricultores mais de 200 variedades locais. (WEID e ALMEIDA, 1997)

ESCOLA FAMÍLIA - EFA - ligada ao Movimento de Educação Promocional do Espirito

Santo- MEPES.

O ensino nas escolas agrícolas de uma forma geral está muito distante da realidade dos alunos e de

suas famílias. O objetivo das EFA's é aproximar o ensino agrícola da realidade de seus alunos. Para

objetir tal objetivo, as EFA's permitem que os jovens da zonas rurais continuem trabalhando nas

unidades produtivas dos pais, proporcionando um processo de aquisição do conhecimento de

caráter construtivista a partir da união dos saberes práticos e teóricos. Através desse processo, os

jovens influenciam diretamente no ensino das EFAs porque trazem de casa as indagações concretas

derivadas de problemas vivenciados na produção(WEID e ALMEIDA, 1997b).

ASSESSORIA PARA O DESENVOLVIEMNTO AGROECOLÓGICO DE

COMUNIDADES RURAIS (Jupará)/ Sul da Bahia entorno da Reserva Biológica de Una.

O Jupará é uma escola informal de educação ambiental trabalhando com a adoção das práticas

agroecológicas, capacitação em beneficiamento, comercialização, ecoturismo e energia renovável e o

fortalecimento da organização comunitária, promovendo a participação de homens e mulheres,

democratizando a tomada de decisão construindo de forma participativa o Plano de

Desenvolvimento Comunitário.

Page 80: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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Para o Jupará, os projetos de conservação devem trazer o componente de desenvolvimento para as

comunidades, levando em conta seu processo histórico, étnico/cultural/plural. O principais vieses

são a adoção das práticas agroecológicas, capacitação em beneficiamento, comercialização,

ecoturismo e energia renovável e o fortalecimento da organização comunitária, promovendo a

participação de homens e mulheres, democratizando a tomada de decisão construindo de forma

participativa o Plano de Desenvolvimento Comunitário.

A família é o eixo do trabalho de acompanhamento nas comunidades. Todas as pessoas (homens,

mulheres, jovens, adolescentes e crianças) trabalham juntas cada uma contribuindo com suas tarefas

para o sustento da família e são gerenciadoras dos recursos naturais. Como todas trabalham, todas

devem participar do processo de decisão e os benefícios devem ser distribuídos de forma justa entre

os participantes.

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Eu era sem valor, eu mesma me sentia feia e insegura, uma subalterna dos preconceitos que

o machismo durante tanto tempo enfiou na minha cabeça. Eu não acreditava em quase nada

na vida. Ecologia? Nem passava na minha cabeça! Na minha ignorância, antes do Jupará, eu

queimava, derrubava, não entendia a terra como viva e trabalhava contra a terra, contra eu

mesma. Hoje eu sou uma prática das atividades agroecológicas. Não uso adubo químico

nem agrotóxico, não queimo nem derrubo a mata, estou lutando pelo reflorestamento e

tenho consciência que uma terra boa e os recursos naturais preservados é a maior herança

que eu posso deixar para os meus filhos e filhas. Hoje eu tenho auto-estima, gosto de mim e

me acho bonita e forte.

Não acredito que a experiência da gente tenha desenvolvimento sem a participação da

mulher e sem a conservação dos recursos naturais. Trabalhar com nós, mulheres, não é só

nos dar condições de produzir. Precisamos antes de tudo construir a nossa dignidade, a

nossa identidade como mulheres, pois só assim vamos poder enfrentar as barreiras da nossa

caminhada na luta para construir uma sociedade onde homens mulheres e recursos naturais

possam viver em harmonia.

Eunice Pereira da Silva, agricultora agroecologista do Jupará41.

MUTIRÕES DE AGROFLORESTA

A necessidade de estudar o sistema de manejo para Mata Atlântica implantado pelo agrônomo suíço

Ernst Gotsch, na região do Sul da Bahia, e a possibilidade da realização de um trabalho coletivo

aglutinando conhecimentos e catalizando as ações foram as principais motivações para a formação

do grupo do Mutirão.

O “Mutirão agroflorestal” é um movimento de integração de pessoas em torno da aprendizagem,

experiência, vivência e prática em agrofloresta. O trabalho se dá em sinergia, com participação na

41 Discurso feito durante o I Seminário Nacional sobre Reforma Agrária e Meio Ambiente, Brasília em Novembro de 1999.

Page 82: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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dinâmica e biodiversidade da natureza para a criação de ecossistemas produtivos. Os “mutirões”

promovem a construção do conhecimento de forma participativa, gerando e sistematizando

informações sobre sistemas agroflorestais a partir da implantação e condução de áreas experimentais

em diversos contextos sócio-ambientais. Esta união gerou a criação de um fluxo de informações e a

constituição de uma rede informal de pessoas, viabilizando a troca de material bibliográfico,

sementes, informações, idéias, dúvidas e estímulos. O Mutirão vem acontecendo há quatro anos em

diversas áreas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O grupo “Mutirão” reúne-se

bimestralmente em propriedades ou áreas de trabalho de participantes do grupo para a instalação de

áreas agroflorestais em sistema de mutirão, manejo, avaliações e estudos coletivos. As propriedades

localizam-se em contextos ambientais e sócio-econômicos bem distintos e as áreas implantadas nas

diversas regiões passam a constituir “núcleos” que aglutinam os moradores da propriedade e/ou da

região para a responsabilidade pela condução das áreas, formando pólos de irradiação e difusão da

proposta (AMADOR, 1999).

AGREGAÇÃO DE VALOR E COMERCIALIZAÇÃO

PROGRAMA DE VERTICALIZAÇÃO DA PEQUENA PRODUÇÃO (PROVE) / Governo

do Distrito Federal.

A globalização que avança em todo mundo, criando novos padrões e regras de produção e

comercialização tem afetado profundamente a atividade agrícola e os trabalhadores do campo e da

cidade. O aspecto mais visível desse processo é a exclusão dos trabalhadores e sua família de uma

vida digna. No campo, os agricultores familiares desamparados e sem condições de produzir para

competir no mercado, abandonam suas pequenas propriedades e migram para a periferia das grandes

cidades em busca de outro meio de vida. Mas, sem preparo profissional, não conseguem emprego

nas cidades e não têm como atender às suas necessidades básicas de alimentação e moradia. O

resultado é o agravamento dos problemas sociais urbanos, o crescimento do número de invasões e

favelas e o aumento da miséria, da fome e da marginalidade (CARVALHO, 2000).

Page 83: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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Por todos esses Problemas o PROVE tem como objetivo criar e ampliar a oportunidades para a

inserção do agricultor familiar , principalmente o de baixa renda, no processo produtivo; contribuir

para a melhoria das condições de vida dos agricultores familiares excluídos do processo produtivo,

assegurando-lhes os meios de necessários para o pleno exercício da cidadania; criar e implementar

mecanismos que estimulem os agricultores a processarem produtos in natura de origem vegetal e

animal, agregando-lhes valor e propiciando o aumenta da renda e a geração de emprego e renda no

campo e aperfeiçoar e criar novos mecanismos que facilitem a comercialização dos produtos

oriundos da pequena propriedade rural familiar.

Este programa incentivou a construção de unidades familiares de processamento artesanal, através de

financiamento especial do Banco de Brasília. O objetivo é facilitar a transformação e a

comercialização de produtos oriundos das pequenas unidades produtivas e, desta forma, gerar

emprego e renda para o agricultor familiar do DF. Fazendo parte deste programa existe a Fábrica de

Agroindústria a Central de Informações da Agroindústria, o Balcão da Agroindústria (que já foi

comentado), o Quiosque do Produtor (que será apresentado mais a diante). A Fábrica de

Agroindústria tem por objetivo fabricar pré-moldados de cimento e esquadrias metálicas, agilizando

a instalação das pequenas agroindústrias. A Central de Informações de Agroindústrias (C.E.I.A.),

funciona na EMATER, e é o local onde o produtor rural recebe as orientações que precisa, para

iniciar uma atividade agro-industrial. Em um mesmo local ele tem acesso as fontes disponíveis de

recursos financeiros, sistema de produção de matéria prima, tecnologia de processamento, passos

burocráticos para a normatização e elaboração do projeto da sua pequena agroindústria (

CARVALHO, 2000)

PROJETO REFLORESTAMENTO ECONÔMICO CONSORCIADO E ADENSADO

(RECA) - Associação de agricultores familiares de Nova Califórnia ( Fronteira entre

Rondônia e Acre)

A dificuldade em produzir, obter lucro na comercialização e conservar os recursos naturais levou os

agricultores familiares de Nova California a criar um projeto que conserve a floresta, produza e

agregue valor aos produtos da floresta.

Page 84: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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O projeto RECA combina basicamente o cultivo da pupunha, com cupuaçu e castanheira, dispondo

de uma estrutura de beneficiamento de uso coletivo que produz polpa de fruta congelada e palmito

em conserva. Esta capacidade de beneficiar e comercializar a produção garante aos associados, em

conjunto, a escala necessária para colocar os produtos no mercado, obtendo um melhor preço pelos

seus produtos (WEID & ALMEIDA, 1997b).

QUIOSQUE DO PRODUTOR - Governo do Distrito Federal

As pequenas agroindústrias instaladas no DF produzem doces, geleias, mel, iogurtes, queijos,

temperos, conservas, chás, bolos, pães especiais, leite de cabra, ovos de codorna, frango caipira e

muitos outros produtos com excelente qualidade, capazes de atender às mais exigentes clientelas.

Prova disso é que alguns produtos já estão sendo exportados para outras regiões. É comum,

também, que no início do negócio o produtor não tenha condições de colocar os seus produtos

industrializados no mercado porque não pode assegurar regularidade na entrega. Para dar visibilidade

aos produtos do PROVE, impulsionar as vendas e evitar que o valor agregado com a industrialização

se perca na intermediação, em prejuízo do produtor, a Secretaria de Agricultura decidiu criar os

Quiosques do Produtor (ver fotografia 5), até que os produtos ganhem maior reconhecimento e

espaço nas prateleiras e gôndolas dos supermercados.

O Objetivo dos Quiosques é oferecer oportunidades para que as pequenas e médias agroindústrais

vendam seus produtos diretamente ao consumidor final, aumentando assim a sua margem de lucro e

de renda e assegurar a venda dos produtos processados pelas pequenas agroindústrias e

Os Quiosques do Produtor são pontos de venda (direta ao consumidor) de produtos processados pelas

pequenas agroindústrias do Distrito Federal, criados como mecanismos estratégicos do Programa de

Verticalização da Pequena Produção Agrícola do DF (PROVE), executado pela Secretaria de

Agricultura e seus órgãos vinculados (CARVALHO, 2000)

Page 85: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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COOPERATIVA DE CONSUMIDORES DO RIO DE JANEIRO DE PRODUTOS

ORGÂNICOS - COONATURA

Nas grandes cidades, cada vez é maior a procura por produtos orgânicos, porém ainda há falta desses

produtos no mercado com preço justo. Por isto algumas cooperativa de consumidores do Rio de

Janeiro de produtos orgânicos criaram a COONATURA. A COONATURA existe desde 1979 e é

dedicada à administração, compra e distribuição de alimentos orgânicos (sendo que existe no seu

quadro produtores de alimentos). Uma de suas preocupações é conscientizar os consumidores,

estudantes, profissionais e agricultores dos malefícios dos agrotóxicos. Outra preocupação é

remunerar bem quem produz sem agrotóxico, chegando a pagar 40% a 70% acima do preço de

mercado. Mesmo assim, se consegue para os consumidores preços não proibitivos, pois são

eliminados os intermediários. A Coonatura, por estatuto, é uma entidade sem fins lucrativos que se

mantém pelo trabalho cooperativo entre seus associados. Para se associar, o interessado tem que

dedicar algumas horas de trabalho e pagar uma cota (LAGO, 1991).

FEIRA DA REFORMA AGRÁRIA - Porto Alegre/RS

A falta de entendimento por parte dos consumidores da realidade dos assentamentos e da

importância de se fazer Reforma Agrária levou a Prefeitura de Porto Alegre a criar uma feira para

aproximar os assentados dos consumidores e divulgar o trabalho realizado por eles, ressaltando a sua

organização coletiva e a importância da Reforma Agrária. Desta forma a Feira da Reforma Agrária

consiste na comercialização direta aos consumidores de hortigranjeiros oriundos dos assentamentos

de Reforma Agrária do interior do Estado.

ASSOCIAÇÃO DE AGRICULTURA ORGÂNICA / São Paulo (AAO)

Muitos agricultores orgânicos tem dificuldade em oferecer todos os produtos aos consumidores. Por

isto os produtores orgânicos do Estado São Paulo criaram a AAO. Em 1991, a AAO organizou um

ponto de venda na capital paulista, onde são vendidos produtos de todos associados. Para participar

desses sistemas de venda, os produtores precisam ser credenciados pela associação, depois de

entrevistas e visitas de inspeção à propriedade e acompanhamento de técnicos especialistas em

Page 86: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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agroecologia. Esta iniciativa cresceu tanto em número de produtores integrados, quanto em número

de pontos de venda na cidade de São Paulo, que atualmente é realizada quatro vezes por semana em

três locais diferentes. A AAO também organiza estágios para estudantes de agronomia, promove

palestra para consumidores e faz entregas de cestas.

Page 87: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

86

4.3. LIÇÕES

MATÉRIAS PRIMAS, MÁQUINAS e IMPLEMENTOS e RECURSOS NATURAIS

Um dos complicados gargalos da agricultura familiar e da agroecologia, é a dificuldade de aquisição

de insumos, material genético, máquinas e implementos de qualidade, ecologicamente viáveis e

apropriados para este setor. As experiências apresentadas demonstram criatividade, para resolver este

problema, não só dos insumos e equipamentos "convencionais", mas também de material genético

para produção agroecológica. Ensinam também como o agricultor familiar pode adquirir em

pequenas quantidades e diminuir a distância para obtê-los.

As comunidades de agricultores familiares com grande freqüência vivem isoladas e por isso, muitas

vezes sua produção fica parada pela falta e dependência de alguns insumos, tanto para a produção

como para a transformação de seus produtos. Por causa deste sério estrangulamento, o Governo do

Distrito Federal criou o Projeto Caixeiro Viajante. Desde então, os agricultores que moram em

comunidades agrícolas isolados não precisam mais sair do lugar onde moram para comprar adubo,

calcário, sementes e outros produtos agropecuários, disponíveis nas revendas agropecuárias. A

alternativa de levar e vender esses produtos, a preços acessíveis, diretamente aos agricultores, em

suas próprias localidades, significa oferecer condições para que eles possam expandir a sua plantação

e o seu criatório e dedicar mais tempo à atividade produtiva, ampliando a possibilidade de aumentar

sua renda e melhorar as condições de vida da família (CARVALHO, 2000).

Além do Caixeiro Viajante, outro importante programa criado pelo Governo do Distrito Federal que

visa facilitar o acesso aos insumos é o Balcão de Insumos e Produtos, que oferece esses produtos

em quantidades compatíveis com a pequena produção. Ambos os projetos mostram a importância

da atuação governamental em reduzir distâncias e facilitar o acesso em pequenas quantidades.

Todavia, o que se questiona no projeto Caixeiro Viajante é que o mercado está indo diretamente ao

agricultor, sem um acompanhamento maior de uma assistência técnica que preveja a substituição,

pelo menos parcial, de insumos comprados, pelos produzidos nas propriedades. Outro problema que

é verificado neste projeto e também no projeto Balcão do Produtor, é que o agricultor familiar fica

dependente do governo. Por isto, seria importante, que acompanhando esses projetos, houvesse uma

Page 88: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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assessoria objetivando fortalecer a organização dos agricultores familiares, e sua independencia em

relação aos insumos.

Muitas vezes, as prefeituras tem que ter uma postura paternalista, principalmente quando se trata de

questões como segurança alimentar. É o que acontece no Município de União da Vitória, a prefeitura

preocupada com a segurança alimentar, teve que tomar esta postura. Para garantir a oferta nas escolas

e creches de alimentos de alto valor nutritivo, a prefeitura troca os produtos, que não são típicos da

região, dos agricultores familiares por mudas de culturas típicas da prefeitura. Além de resolver o

problema da merenda escolar, viabiliza a comercialização de produtos nutritivos desses agricultores.

Em conseqüência disto, as famílias de agricultores passam a consumir produtos nutritivos

produzidos em suas propriedade. O que se questiona neste projeto é que esta troca fica dependente

da ação da prefeitura.

Um sério problema, que a grande maioria dos municípios brasileiros enfrenta é onde colocar o lixo

urbano; onde colocar, ou como aproveita-lo de maneira a não agredir o meio ambiente. Para

solucionar esta questão, a Prefeitura Municipal de Santa Bárbara do Sul - RS, através de seu

Anteprojeto de Reciclagem de Lixo, está criando uma alternativa ao implantar no Município uma

usina de reciclagem de lixo urbano. As usinas de reciclagem de lixo urbano, podem ter tamanhos e

complexidades diferenciadas e, por isto, podem funcionar a baixo custo. A implantação destas usinas

em pequenas cidades é extremamente vantajosa. Gera emprego ao criar postos de trabalho de

catadores e recicladores de lixo; livra a cidade de um lixo que atrai ratos e baratas; desponta uma

certa consciência ecológica na comunidade (para a coleta seletiva é necessário que seja feita uma

campanha de educação ambiental entre os moradores para que eles separem, em suas casas e

trabalhos, o lixo orgânico do inorgânico) e, por fim, recicla lixo transformando-o em um adubo

extremamente rico em nutrientes para as plantas, importantíssimo na produção agroecológica e

propulsor das boas condições físicas, químicas e biológicas do solo. Portanto o lixo orgânico

reciclado é um conservador do solo.

A questão das máquinas e implementos agrícolas ecologicamente viáveis e adaptados para agricultura

familiar também é solucionada com o rodízio de patrulhas agrícolas associado ao uso da tração

animal. Este tipo de tração é uma atividade secular e que proporciona benefícios imensuráveis para o

agroecossistema e para a agricultura familiar.

Page 89: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

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De uma forma geral, as experiências governamentais, apesar de resolverem problemas de acesso

imediato aos insumos e implementos, ainda não são completas. Elas criam uma dependência do

agricultor ao governo e não se preocupam em fortalecer a organização dos agricultores familiares.

Um projeto que mostra a importância da organização de trabalhadores rurais, é o Projeto de

Sementes Ecológicas (Bionatur) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em

Hulha Negra e Candiota no Rio Grande do Sul. Esta experiência não vem apontando apenas uma

saída para o sério problema de acesso à sementes agroecológicas, mas revela uma nova vertente do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em que a luta não é só contra as amarras dos

latifúndios, mas também contra as amarras da manipulação tecnológica imposta pelo atual modelo

agrícola.

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E PRODUÇÃO

As experiências que tratam de ciência, tecnologia e produção demonstram a preocupação de que

deve-se provocar uma busca pela cidadania e auto-estima das comunidades (mulheres, jovens, criança

e idosos), que são consideradas descartáveis, pelo atual modelo de desenvolvimento rural. Esta

busca, torna-se bastante interessante, quando usa instrumentos lúdicos e participativos. Partindo da

realidade local, com os recursos disponíveis e necessidades mais prementes, busca soluções simples e

adaptadas.

As experiências sobre ciência e tecnologia mostram que a pesquisa deve ser descentralizada e feita a

partir da necessidade do agricultor. O saber do agricultor deve estar inserido intensamente na pesquisa

e, por isto, deve estar previsto na metodologia científica sua participação. Deve haver uma capacitação

dos pesquisadores para o enfoque científico, onde a pesquisa é participativa e considera o

conhecimento empírico. Ou seja a geração de tecnologia, não deve ser fundamentada na dicotomia

entre sabedoria e ciência, dado que a produção do conhecimento ou ato de conhecer é mais de

comunhão com a natureza do que de dominação e controle. As experiências demonstram que ao

superar a divisão do conhecimento e valorizar a transdisciplinaridade, a integração dos diferentes

focos de sabedoria, permite dar conta dos processos naturais e sociais que moldam as condições de

produção e reprodução dos ecossistemas (WEID & ALMEIDA, 1997 e UNGER, 1992).

Page 90: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

89

De uma forma geral, os profissionais que atuam nestas experiências possuem um perfil para atuar na

promoção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável. Normalmente, quando estudantes,

participam dos grupos de estudos alternativos. Estes grupos são formados principalmente por

estudantes de agronomia, biologia, engenharia florestal e veterinária em suas universidades e tem

como objetivo fazer uma reflexão sobre o atual modelo de desenvolvimento rural, estudar os

malefícios dos agrotóxicos e as bases científicas da conservação dos recursos naturais, da

agroecologia e da medicina veterinária alternativa. Isto demonstra o quanto é importante que este

tipo de discussão penetre profundamente o espaço acadêmico formal e, que é necessário revisar os

currículos dos profissionais que atuam na área rural para formar profissionais com perfil adequado

para trabalhar com conservação dos recursos naturais, reforma agrária e agricultura familiar.

Além da revisão de currículos, fica claro também a importância da revisão do enfoque da pesquisa

para que venha gerar uma tecnologia adequada e de baixo custo; da extensão rural que deve se tornar

sensível para atuar junto ao agricultor familiar e dos critérios de concessão de crédito adequando-os

para garantir a sobrevivência das famílias camponesas e para conservar os recursos naturais nos

agroecossistemas.

As experiências demonstram que é fundamental conciliar conservação e participação comunitária. E

principalmente, que não se deve excluir seres humanos do processo de conservação. É preciso

transformar a população local em elementos-chave, obtendo deste modo apoio para a sustentação a

longo prazo dos recursos naturais. Para isto, é indispensável a ampliação do patrimônio cultural e

educacional da população rural, que vão desde a erradicação do analfabetismo, a escola básica até a

combinação de políticas de formação profissional, extensão e pesquisa. Além de uma reeducação

ambiental.

As experiências, sejam elas de pesquisa, de assistência técnica ou de produção demostram uma busca

em entender os recursos naturais, e além de respeita-los, usufrui-los. É a verdadeira busca pelo uso

sustentável dos recursos naturais, tanto de pesquisadores, estudantes, técnicos de campo, agricultores

e consumidores. Esta busca, tem como base a noção da importância de que a qualidade dos recursos

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90

naturais, deve ser mantida, a vitalidade do agroecossitema inteiro melhorada e todas as formas de

vida respeitadas, através dos elementos técnicos básicos da Agroecologia.

É demonstrada também o sucesso da ampliação da discussão com os agricultores familiares sobre a

importância da conservação dos recursos naturais através da tecnologia agroecológica. Por isto, para

a construção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável, se faz necessário intensificar o

debate sobre agroecologia nas universidades e escolas agrícolas; sensibilizar o consumidor, para a

questão social e ambiental do campo, incentivando-o a comer alimentos agroecológicos e

provenientes da agricultura familiar.

A agroecologia apresenta um grande potencial para os países tropicais, ricos em biodiversidade. Pela

possibilidade da intensificação da produção em pequenas áreas através da otimização do espaço,

esses sistemas despontam como alternativa promissora para o desenvolvimento rural sustentável. Os

sistemas agroecológicos envolvem técnicas antigas, tradicionalmente usadas por índios e populações

tradicionais, e há pouco tempo a ciência, a academia e os agricultores vem dedicando-se a esta área.

Do ponto de vista político, o uso sustentável dos recursos naturais somado ao bom convívio com as

áreas de preservação ambiental, agrega simpatia popular aos assentamentos, livres da pecha de

"devastadores", resultando no reforço considerável do apoio social à Reforma Agrária.

AGREGAÇÃO DE VALOR E COMERCIALIZAÇÃO

A agroindústria rural de pequeno porte, se caracteriza como uma importante alternativa de

desenvolvimento dos agricultores familiares, através da agregação de valor aos produtos

agropecuários. A matéria prima que abastece as pequenas agroindústrias tem sua origem nas

propriedades dos agricultores associados à ela, caracterizando um processo de verticalização. Todo o

trabalho dentro das agroindústrias é desenvolvido pelas famílias dos agricultores. Desta forma, os

agricultores passam a gerir e atuar em toda a cadeia produtiva, até a colocação dos alimentos no

mercado. Assim os agricultores são os protagonistas de todo o processo. Outra vantagem deste

modelo descentralizado de agroindustrialização, impulsiona a geração, direta e indireta, de novos

postos de trabalho, associados à geração e distribuição de renda mais eqüitativa. Pode proporcionar

uma importante forma de (re)inclusão social e econômica destes agricultores e melhorar a sua

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qualidade de vida.

Este tipo de industrialização oferece outras vantagens, tais como: a descentralização regional da

produção de matéria prima, aproximando as agroindústrias do local da produção da matéria prima, a

redução do custo de transportes, a utilização adequada dos dejetos e resíduos como fertilizantes,

reduzindo o poder poluente e a diminuição das migrações desordenadas da população. Isto pode

favorecer um modelo de desenvolvimento local sustentável, beneficiando especialmente os

pequenos municípios, onde valoriza-se o meio rural no sentido de proporcionar uma melhor

utilização do espaço territorial e buscando a recuperação e a preservação ambiental (FRENTE SUL,

2000).

A distância da informação coloca os agricultores à margem do processo decisório na venda de

seus produtos, pois ficam impedidos de serem informados das tendências dos diversos

mercados. Esta falta de informação também provoca excesso de oferta de determinados

produtos em um mesmo mercado, impactos negativos para os preços, e conseqüente

diminuição da renda do agricultor.

Uma forma de se ajudar a resolver os inúmeros problemas da comercialização de agricultores

familiares é a comercialização direta e o mercado solidário. A comercialização direta é a

comercialização sem intermediários, do agricultor ao consumidor. A feira pode ser um espaço de

comercialização direta, onde o agricultor ou alguém de sua família faz a comercialização de seus

produtos. Mercado solidário é a comercialização entre diferentes grupos agricultores organizados e

consumidores organizados. Este tipo de mercado vem aparecendo, com freqüência, e nada mais é do

que articulação entre as associações, possibilitando o contato entre agricultor consumidor.

Para uma boa comercialização, quanto mais se agrega valor ao produto, melhor é o resultado.

Valores agregados de alimentos são por exemplo, a aparência, a marca, a praticidade no uso, a

limpeza e um mais recentemente admirado, é a ausência de aditivos e de agrotóxicos, principalmente

entre consumidores preocupados com as questões ambientais e com uma alimentação integral e vida

natural. Além disso, os produtos oriundos das pequenas agroindústrias se diferenciam dos demais

por incorporarem diversos aspectos de qualidade, como, por exemplo, ecológico, nutricional, social,

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92

cultural, numa associação com o local de sua produção, além da sanidade e higiene. Por isto a

importância das experiências que buscam verticalizar a produção.

Estes valores vem se intensificando na medida em que se divulga o perigo de se consumir produtos

com agrotóxicos e com antibióticos. Desta forma, a noção de qualidade de alimentos tende a mudar,.

deixando de ser restrita a aspectos visuais ( cor, cheiro, formato tamanho etc. ) e passando a

incorporar aspectos de pureza, de nutrientes e ambientais. Ao verticalizar a produção o agricultor

agrega valor a ela, e se ao produzir agroecológicamente consegue-se bons preços por eles, então o

ideal é verticalizar produtos agroecológicos. Além dessas vantagens ligadas à agregação de valores, o

retorno financeiro pode ser ainda maior se o produto for repassado diretamente para o consumidor

sem passar pelos intermediários. Todas as experiências de comercialização, indicam esta

aproximação.

Fotografia 1: Escola do Pré-assenatmento Três Conquistas, Paranoá/DF

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93

Fotografia 2: Adubação Verde, Brazlândia/DF

Fotografia 3: Adubação orgânica, Brazlândia/DF

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Fotografia 4: Diversificação de espécies, Brazlândia/DF

Fotografia 5: Ponto de Comercialização do PROVE, Rodoferroviária/ DF

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95

5. CONCLUSÃO O modelo de desenvolvimento rural adotado no Brasil além de destruidor da natureza e devorador

de energia, prejudica em muito o agricultor familiar, que se vê com orientação/assistência técnica

além de carente, inadequada; com crédito deficiente; com dificuldade em produzir e vender; sem os

itens básicos da cidadania e imerso em um contexto onde as instituições Estatais estão enfraquecidas.

A política para o campo brasileiro, de uma forma geral, é caracterizada pela falta de inserção da

temática ambiental, pelo deslocamento de pessoas para colonizar áreas onde o ambiente é

desconhecido, pela falta de consideração com a aptidão local e pela ausência de infra-estrutura de

sobrevivência.

Ao se entender Reforma Agrária como um processo efetivo de reestruturação fundiária e de

rompimento com o ciclo vicioso de concentração de terra, renda, poder e privilégio (ver esquema 1),

percebe-se, que nunca houve Reforma Agrária no Brasil. Tampouco houve uma concepção de

política pública para transformar o modelo de desenvolvimento do campo, onde o assentado e o

agricultor familiar não seriam somente “público-alvo”, mas agentes econômicos centrais para o

desenvolvimento sustentável. O que há, na realidade, é uma política de assentamentos pontuais e

uma política social compensatória, na busca da minimização da miséria e diminuição dos conflitos

agrários. E um setor agricultura familiar, que apesar de seu potencial em conservar os recursos

naturais42, gerar renda e qualidade de vida, se encontra reduzido, inviabilizado, enfraquecido, e

sofrendo de grande descaso por parte do governo.

42 As características dos agroecossistemas familiares demonstram que além da tecnologia do "pacote da Revolução verde" ser totalmente inadaptada e prejudicial à produção familiar, a tecnologia agroecológica mostra-se totalmente adaptada e necessária. Além disso, é um setor que tem maior capacidade de manter uma atividade mais ajustada aos requerimentos da conservação dos recursos naturais e em particular da biodiversidade.

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96

Concentração de renda Concentração de poder

Concentração de terra Concentração privilégios

Esquema 1: Ciclo vicioso da concentração.

A visão segmentada, compartimentalizada e unilateral dos problemas ambientais e sociais do campo

brasileiro em nada contribuiu para sua resolução. Sendo assim, é necessário que a análise dessa

problemática seja feita não mais com enfoque unilateral, tampouco como uma justaposição de

problemas. Por isto, é necessário vislumbrar sua solução através de uma perspectiva em que o

processo de Reforma Agrária e a dinamização da agricultura familiar não apareçam como problema

para a conservação dos recursos naturais. E os instrumentos de conservação dos recursos naturais

não impeçam a realização da Reforma Agrária, tampouco a dinamização da agricultura familiar. Mais

explicitamente, a perspectiva desta nova postura deve ser a de que esta é estratégia fundamental para

aquela e vice-versa. Então surge o termo Reforma Agrária /Agricultura Familiar Sustentável, que

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97

deve ser concebida como estratégia para conservação dos recursos naturais e a conservação dos

recursos naturais como estratégia fundamental para a sobrevivência do assentado/agricultor familiar.

Pode-se assim, refletir sobre o arcabouço de uma visão sistêmica da problemática social e ambiental

do campo brasileiro, a partir do qual se propicia a penetração, a motivação e a mobilização das

instituições encarregadas da elaboração e da implementação das políticas públicas, das

organizações da sociedade civil e de outros agentes sócio-econômicos e políticos diretamente ou

indiretamente relacionados com a agricultura. E, desta forma, tratar a agricultura como ecossistema

cultivado e socialmente gerido (WEID & ALMEIDA, 1997).

A Reforma Agrária Sustentável é a forma de ampliar a agricultura familiar sustentável com seus

micro-ecossistemas de cultivos diversificados. Diferente do que ocorre hoje com a agricultura

patronal de grande escala (derrubando grandes áreas de floresta) e de alta precisão (um pacote de

retorno econômico, “o tanto que investe é proporcional a tanto de lucro”), em que a monocultura é

o produto central e, onde funcionam em sua periferia, as atividades subordinadas (por exemplo as

culturas agrícolas que alimentam os trabalhadores). Também diferente do que ocorre com o

agricultor familiar, que apesar de não ser patronal, não ter grande escala monocultural e tampouco

ser uma agricultura de alta precisão, geralmente, quando tem capital adota o "pacote tecnológico da

revolução verde".

O que se conclui é que a busca deve ser por uma agricultura e uma sociedade alternativas e não

apenas pela tecnologia alternativa ou pela Reforma Agrária. Senão, o risco é continuar a exploração

dos trabalhadores rurais, deixando de ser uma exploração que envenena e passando para uma

exploração ecológica. Ou pode ocorrer a inclusão social mas com graves problemas ambientais, já

que o agricultor familiar capitalizado poderá adquirir o "pacote da Revolução Verde". Desta forma, a

importância maior do movimento por uma agricultura familiar sustentável está inicialmente na

produção da consciência - no caso de uma nova concepção de desenvolvimento rural. Quer se dizer

com isso, que a principal contribuição desse movimento não está na criação de novas tecnologias, ou

em uma ampla inclusão social, mas na criação de uma nova consciência sócio-ambiental, onde nasce

um modelo de desenvolvimento rural baseado na inclusão social associada à conservação dos

recursos naturais.

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98

Uma das estratégias para deflagrar a construção de um projeto de desenvolvimento rural sustentável

no Brasil é formado por 4 premissas:

1. ampliação, viabilização e fortalecimento da agricultura familiar;

2. conservação dos recursos naturais;

3. atuação do Estado na promoção dos itens anteriores e

4. internalização por parte de todos os segmentos da sociedade civil e do governo para a necessidade

de se desenvolver um modelo de desenvolvimento rural sustentável no Brasil.

Existe concentração de terra em todo o Brasil, logo a Reforma Agrária deve ocorrer em toda sua

extensão43 com a devida incorporação dos assentados ao processo produtivo, onde os recursos

naturais estejam conservados, e as condições edafoclimáticas sejam boas para a produção agrícola.

Onde haja também a possibilidade de escoamento e comercialização dos produtos existentes. Isto

tudo, é claro, sem deteriorar os recursos naturais que estão no entorno e dentro dos assentamentos.

Evidentemente uma Reforma Agrária desta amplitude (não projetos pontuais de assentamento ou

programas de colonização) e que seja verdadeiramente sustentável (visando um desenvolvimento

sustentável do ponto de vista social, ambiental, cultural, econômico e político) exige ação do Estado,

não apenas na transformação da estrutura fundiária, mas também na viabilização e fortalecimento

dos assentamentos e da agricultura familiar. Ou seja, de nada adiantará fazer Reforma Agrária no

Brasil se os assentados/agricultores familiares não dispuserem de condições para no campo poderem

se manter com estabilidade e dignidade. Então o Estado deve atuar no sentido de propiciar

condições sociais e de produção para que a Reforma Agrária funcione. Em relação às condições

sociais, é necessário que esteja à disposição destas famílias alimentação, moradia, água, luz e esgoto,

estradas de acesso aos assentamentos, transporte, escolas e creches, hospitais, espaços esportivos e

culturais, acesso aos meios de comunicação e um sistema judicial e de segurança para todos.

43 Segundo Sampaio (1998), se a reforma agrária priorizar o Nordeste, o Sudeste, o Centro-Oeste e o Sul, será possível assentar toda a população rural que necessita de terras em parcelas familiares, sem necessidade de desmatar um hectare de mata na Amazônia. Não quer isto dizer que se deva deixar toda a Amazônia intocada. É perfeitamente possível conciliar explorações econômicas dos recursos naturais da mata amazônica com a preservação do seu meio ambiente, mas isto só poderá acontecer se essas explorações obedecerem a outra lógica, completamente distinta da que preside o processo atual de penetração da agricultura capitalista na região.

Page 100: Agricultura Familiar Sustentavel -Conceitos

99

As condições de produção, os recursos e o poder, devem ser distribuídos de modo assegurar que as

necessidades básicas produtivas sejam atendidas. Garantir que sejam respeitados os direitos dos

agricultores em relação ao uso da terra, acesso aos insumos e ao capital (crédito), assistência técnica

de qualidade, oportunidades de verticalização da produção e de comercialização. Somente desta

forma a Reforma Agrária poderá fazer parte de uma reforma estrutural do atual modelo de

desenvolvimento rural brasileiro.

A construção de um modelo de Desenvolvimento Rural Sustentável baseado na agricultura familiar

sustentável não é uma utopia impossível de se alcançar. Tal modelo vem sendo formulado por um

conjunto de experiências que ensaiam práticas significativas. Estas experiências refletem demandas

empíricas e possivelmente da conjugação delas pode ser formulado um modelo de desenvolvimento

rural para o Brasil. Portanto, não há um sujeito histórico, muitos são os sujeitos da construção deste

novo modelo.

A Reforma Agrária, a viabilização e o fortalecimento da agricultura familiar fazem parte do eixo

estratégico para o desenvolvimento rural sustentável. Contudo, a depender do modelo tecnológico a

ser promovido nos assentamentos de Reforma Agrária pode-se ter impactos ambientais e a longo

prazo até mesmo sociais negativos levando a uma insustentabilidade. Portanto, a Reforma Agrária é

condição necessária, mas não suficiente para a construção de um modelo sustentável de

desenvolvimento rural, por isto, associada à radical reestruturação fundiária deve ser promovida a

adoção massiva da tecnologia agroecológica.

A oferta destas condições sociais e produtivas depende de uma grande mudança no papel do

governo e de sua relação com a sociedade. O governo precisa ser de fato um agente democratizado

que oriente os rumos do desenvolvimento econômico e social. O governo deve ser gerido como um

espaço público, onde a participação da sociedade é um instrumento básico de decisão dos rumos e

das prioridades do desenvolvimento. A democratização dos órgãos públicos, a transparência

administrativa, a participação popular nos conselhos, câmaras e nos orçamentos são elementos

fundamentais. Por isto, os orçamentos e suas destinações devem ser feitos de forma participativa e

democrática, e devendo proporcionar toda infra-estrutura para as cidades e povoados rurais,

objetivando a melhoria do bem-estar da população - a qualidade de vida.

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100

A construção de um novo modelo de desenvolvimento rural deve combinar ações voltadas para

mudar as políticas do governo federal e estadual e, ao mesmo tempo, incentivar iniciativas locais que

promovam novos processos de desenvolvimento ao nível dos municípios. Para se garantir a

sustentabilidade do novo modelo, os processos de desenvolvimento devem ser orientados por

diretrizes comuns, mas profundamente adequadas às realidades específicas do meio ambiente e da

sociedade em cada local. Por isto, é importante deixar claro que o desenvolvimento sustentável não

deve apenas ser propulsado pelo governo, mas é importante que seja atuado pela dimensão local.

Devendo se dar em um processo de mobilização das energias sociais, dos recursos e das

potencialidades locais, tendo como base a participação da sociedade no processo decisório. Desta

forma, a sociedade necessita de uma maior qualificação da sua organização e da sua participação nos

debates sobre os rumos do desenvolvimento do país, com o fortalecimento dos diversos

movimentos e entidades que se organizam os agricultores, ampliando suas capacidades de elaborar

políticas e imprimir novos processos de desenvolvimento.

Para a construção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável, é fundamental que haja a

internalização, em toda a sociedade brasileira, de um comprometimento comum com um modelo de

desenvolvimento rural sustentável. Tal modelo deve ter a clareza do poder sinérgico da combinação

da justiça social e ambiental, onde a promoção da agroecologia, que é estratégia fundamental para a

conservação dos recursos naturais, necessita da ampliação, do fortalecimento e da viabilização da

agricultura familiar e vice-versa.

Este novo projeto de desenvolvimento deve ser articulado com o conjunto da sociedade e deve estar

constantemente em reavaliação e reelaboração. Para isto, as organizações urbanas e rurais devem

estar em constante processo de debate para a constituição de alianças, em todos os níveis,

construindo conjuntamente um projeto mais global. Todavia, para o "construir em conjunto", cada

indivíduo deve passar por uma mudança interior. É necessário o aperfeiçoamento do humano. Ou

seja, precisamos passar para um estágio mais elevado, sentindo que fazemos parte da Terra, tendo a

noção de que "a Terra não está à nossa frente como algo distinto de nós mesmos. Temos a Terra

dentro de nós. Somos a própria Terra que na sua evolução chegou ao estágio de sentimento, de

compreensão, de vontade, de responsabilidade e de veneração"(BOFF, 1999)

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101

Este pode ser, então, o caminho para que a destruição dos recursos naturais tenha um freio; para

melhorar a qualidade de vida nas zonas rurais; para impulsionar um refluxo da cidade para o campo

além de promover a diminuição da pressão demográfica sobre seus recursos naturais nas cidades e

em suas periferias. Ou seja, tornar-se-ia possível o rompimento da hegemonia do complexo

agroindustrial e seu modelo deteriorador da natureza e devorador de energia e de dignidade humana

e por fim deflagraria a construção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável no Brasil.

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