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  • DUALISMO CORPO/ALMA NATEOLOGIA PENTECOSTAL1

    Fernando Albano2

    RESUMO

    O objeto deste artigo o dualismo corpo/alma na teologia pentecostalbrasileira, representado por sua maior expresso, a Assemblia de Deus.Assim, a partir da valorizao do ser humano integral, se busca investigara antropologia teolgica pentecostal, suas tenses e convergncias com aperspectiva bblica. A nfase teolgica na unidade da constituio humana,que o testemunho bblico indica, contrasta com a experincia histrica dacristandade, na qual o corpo sempre teve um papel secundrio, statusque, ainda permanece no pentecostalismo atual. Por fim, aponta-se para ateologia pentecostal a adoo da perspectiva antropolgica unitria.

    Palavras chave: dualismo, antropologia, corpo, alma, teologia pentecostal,Assemblia de Deus.

    1 ALBANO, Fernando. Dualismo corpo/alma na teologia pentecostal. 2010. Disser-tao (Mestrado) IEPG, Escola Superior de Teologia, So Leopoldo (RS), p. 63. Adap-tao do original a este artigo cientfico.2 Fernando Albano licenciado em Ensino Religioso, mestre em Teologia; presbteroda Igreja Evanglica Assemblia de Deus em Joinville (SC) e Professor de Teologia naFaculdade Refidim.

  • 2INTRODUO

    Neste breve artigo se analisar a natureza da concepo teolgicapentecostal sobre o ser humano, especialmente a questo do dualismo3

    antropolgico, que divide as dimenses material e espiritual que forma aidentidade humana. Antes, porm, convm atentar para os primrdios domovimento pentecostal, bem como a formao de sua teologia.

    Assim, sabe-se que o pentecostalismo um movimento cristo oriundodo protestantismo evanglico que afirma a importncia da experincia como Esprito Santo, iniciada pelo batismo no Esprito Santo e confirmadapelos dons de falar novas lnguas. Entre suas principais caractersticaspode-se destacar: nfase na espiritualidade e nos dons espirituais, novadinmica litrgica, a tendncia leitura literal dos textos bblicos, a intensaatividade de leigos na expanso e administrao das comunidadespentecostais e a busca da salvao da alma. O termo pentecostalismoprovm de Pentecostes, conforme descrito no captulo 2 do livro dosAtos dos apstolos.4

    Este movimento chegou ao Brasil no incio do sc. XX, provenientedos Estados Unidos e onde teve incio, atravs dos missionrios DanielBerg e Gunnar Vingren. Estes fundaram a denominada Igreja EvanglicaAssemblia de Deus, a maior representante do chamado pentecostalismo

    3 Dualismo. A palavra dualismo foi inventada em 1700 para caracterizar a doutrinairaniana dos dois espritos. Desde ento o termo dualismo tem sido empregado de diver-sas formas atravs da histria da teologia e da filosofia, porm, o conceito bsico queh uma distino entre dois princpios bsicos que so independentes entre si e que svezes so opostos um ao outro. Na teologia, Deus contraposto a algum princpio espi-ritual do mal ou ao mundo material, enquanto que na filosofia o esprito contraposto matria. Cf. ELIADE, Mircea. Dicionrio das religies. So Paulo: Martins Fontes,2003. p. 133.4 Cf. PASSOS, Joo Dcio. Pentecostais: origens e comeo. So Paulo: Paulinas, 2005.(Coleo temas do ensino religioso) p. 14-15.

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    clssico.5 De acordo com Passos: Os ltimos dados do censodemogrfico mostram o crescimento fenomenal dos grupos pentecostaisnos ltimos anos no Brasil. Eles passaram de 8,1 milhes em 1990 para17,6 milhes em 2000.6 Esta representativa presena torna opentecostalismo alvo de estudo e pesquisa por parte de telogos, cientistasda religio, socilogos, entre outros.7

    1 A TEOLOGIA PENTECOSTAL NO BRASIL8

    A teologia pentecostal no Brasil, representada pela AD, ainda est emprocesso de construo. Destaca a pessoa do Esprito Santo, o batismo doEsprito Santo e a atualidade dos dons do Esprito, assim como asantificao e vinda de Jesus. A teologia pentecostal possui um aspectodinmico pela sua abertura experincia do Esprito e, a certos aspectosreligiosos da cultura brasileira, por outro lado de natureza dogmtica efundamentalista. Priorizando uma leitura da Bblia de carter literalista.

    A teologia pentecostal atualmente esfora-se para apresentar umafeio mais coesa e coerente com suas crenas e prticas. Isso porque emsuas primeiras dcadas, o pentecostalismo brasileiro no tinha o ensinoteolgico formal como a sua prioridade bsica.9

    5 Cf. ARAUJO, Isael. Dicionrio do movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD,2007. p. 557, 568.6 PASSOS, 2005, p. 18.7 Cf. SOUZA, Alexandre Carneiro de. Pentecostalismo: de onde vem, para onde vai?Viosa: Ultimato, 2004. Cf. GUTIRREZ; CAMPOS, 1996. Cf. ANTONIAZZI, 1994.8 No se pretende apresentar um roteiro histrico completo do assunto em questo,mas destacar alguns aspectos da teologia pentecostal no Brasil, principalmente de suamaior representante, a Assemblia de Deus.9 McGEE, Gary B. observa que, sendo a Assemblia de Deus brasileira um movimentoessencialmente apostlico, concentrou todos os seus recursos na evangelizao de umpas cujo territrio vrias vezes maior do que a Europa Ocidental. Cf. McGEE, GaryB., Panorama histrico. In: HORTON, Stanley M. (Ed). Teologia sistemtica: uma pers-pectiva pentecostal. 11. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008. p. 37.

  • 4Gunnar Vingren, um dos pioneiros da denominao no pas, era umpastor com formao teolgica, e muito se preocupou em instruir osprimeiros crentes, com nfase para as doutrinas pentecostais. Logo naprimeira pgina do primeiro nmero da Voz da Verdade, o primeirojornal editado pela Assemblia de Deus, aparece o artigo intitulado Jesus quem batiza no Esprito Santo.10 Em 1919 surge a Boa Semente. J noprimeiro nmero do Som Alegre, 1929, Gunnar Vingren demonstravacerta preocupao com a sistematizao da teologia do MovimentoPentecostal:

    Em o Som Alegre anunciaremos as promessas gloriosas includasno Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, ou seja, a salvaocompleta e perfeita de todos os pecadores e tudo o que pertence nova vida do cristo: o batismo no Esprito Santo, os donsespirituais, e a prxima e gloriosa vinda do Senhor. Nota-se que,alm da nfase nas doutrinas pentecostais, principalmente o batismono Esprito Santo e as lnguas estranhas como sua evidncia inicial,outra caracterstica predominante do Movimento Pentecostal noBrasil, foi a crena na vinda do Senhor como algo iminente, o queimplicava tambm na busca da santidade. Este era um alvo daquelesque ansiavam subir ao encontro do Senhor.11

    A mesma corrente teolgica seria adotada pelo Mensageiro da Pazque, fundado em 1930, viria substituir os peridicos anteriores. Nessapoca, a Assemblia de Deus j era a principal denominao evanglicado Brasil. E apesar da maioria de seus obreiros serem composta de pessoasleigas, sem instruo formal em teologia, ela podia contar com oMensageiro da Paz como um importante veculo de formao teolgica dadenominao. Este peridico tem sido at hoje uma espcie de institutobblico distncia, de vrias geraes pentecostais.12

    10 HORTON, 2008, p. 37.11 Cf. HORTON, 2008, p. 37.12 Cf. HORTON, 2008, p. 38.

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    Outro meio de divulgao da teologia pentecostal representado pelaAssemblia de Deus a Escola Bblica Dominical. So realizadas com oapoio de literatura fornecida pela CPAD, que reconhecida peladenominao como uma importante instituio de apoio teolgico.

    Com a desconfiana e at resistncia de muitas lideranas pentecostais,deu-se incio s discusses na Assemblia de Deus a respeito da necessidadede se estudar Teologia, segundo a perspectiva pentecostal, de maneira maisformal e sistemtica. Sentiu-se a necessidade de maior preparao dosobreiros da denominao. Deste modo, em 1959 foi fundado emPindamonhangaba, no interior de So Paulo, o IBAD Instituto Bblicodas Assemblias de Deus. Tendo como fundadores o casal de missionriosJoo Kolenda Lemos e Ruth Drris Lemos.13 O IBAD foi o responsvelpela formao teolgica e cultural de muitas lideranas pentecostais doBrasil e at obreiros de outros pases.

    Em 1961, o missionrio norte-americano N. Lawrence Olsonestabelece no Rio de Janeiro o Instituto Bblico Pentecostal. semelhanado IBAD, em So Paulo, o IBP marcou toda uma gerao de pastores,missionrios e professores de perfil pentecostal.14

    A partir desse perodo de busca pelo saber teolgico, jovenspentecostais de todas as regies do Brasil passaram a buscar umaprendizado teolgico de natureza mais formal. Para atender a essa

    13 Cf. ARAUJO, 2007, p. 560. Levou alguns anos para que fosse oficialmente reconhe-cido pela igreja, pois a liderana nacional, certamente com receios por ser prioritariamenteleiga, o chamava de forma pejorativa de Fbrica de pastores. Somente na ConvenoGeral de 1973 que, finalmente, depois de 15 (quinze) anos de sua criao, o IBAD reconhecido, aps uma comisso fiscaliz-lo e se reunir 08 (oito) vezes para conse-guir deliberar favoravelmente. POMMERENING, Claiton Ivan. A relao entre a ora-lidade e a escrita na teologia pentecostal: acertos, riscos e possibilidades. 2008. 120f. Dissertao (Mestrado) _ Instituto Ecumnico de Ps-Graduao, Escola Superior deTeologia, So Leopoldo, 2008. p. 106.14 Cf. ARAUJO, 2007, p. 388.

  • 6demanda surgem escolas de ensino teolgico pentecostal por todo o pas,como por exemplo, o ICI (Instituto de Correspondncia Internacional), aEETAD (Escola de Ensino Teolgico das Assemblias de Deus) e,posteriormente, a Faculdade Teolgica Refidim, hoje denominada CentroEvanglico de Educao e Cultura - CEEDUC.

    Atualmente muitas faculdades de teologia pentecostal comeam ademonstrar interesse pelo reconhecimento de seus cursos pelo MEC.

    2 ANTROPOLOGIA TEOLGICA PENTECOSTAL

    De acordo com a doutrina pentecostal o ser humano formado deesprito, alma e corpo. Portanto, sua antropologia tricotmica: o serhumano possui trs partes distintas que juntas constituem o seu ser. Cita-se geralmente para apoiar essa doutrina a percope de 1 Tessalonicenses5.23: Que o prprio Deus da paz os santifique inteiramente. Que todo oesprito, a alma e o corpo de vocs sejam preservados irrepreensveis navinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Sua leitura do texto bblico literal,como demonstra Silva:

    ... vosso esprito, e alma e corpo (1 Ts 5.23). No ... alma eesprito e corpo, nem tampouco ... corpo e alma e esprito. Oesprito a parte proeminente, da ser mencionada primeiro; o corpo a mais inferior, e por isso mencionada por ltimo; a alma ficano meio e por isso mencionada entre os outros dois.15

    A Bblia de Estudo Pentecostal afirma que o esprito o componenteimaterial do ser humano pelo qual se tem comunho com Deus. A alma,igualmente imaterial a sede das emoes, da razo e da vontade. Anelapelo contato com o mundo e o faz por intermdio do corpo. O corpo a

    15 SILVA, Severino Pedro da. O homem: a natureza humana explicada pela Bblia. Riode Janeiro: CPAD, 1988. p. 126.

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    parte do ser humano que serve de abrigo para a dimenso espiritual, isto ,a alma e esprito e que volta ao p quando a pessoa morre.16

    Bergstn disse: Deus, que trino, criou o homem como um sertrplice, isto , composto de corpo, alma e esprito.17 A teologia pentecostalcompreende que embora os termos alma e esprito sejam usadosintercaladamente, persistem diferenas fundamentais em vrios textos dasEscrituras. Assim, ensina que o Novo Testamento afirma que o ser humano um ser tripartido, composto de esprito, alma e corpo (1 Ts 5.23).

    A compreenso pentecostal de cada uma das partes do ser humanopode ser assim expressa:

    2.1 O corpo como instrumento

    Para o pentecostalismo o corpo a parte tangvel, exterior e perecveldo homem (Gn 3.19), que animado pela alma e esprito. Tangvel e exteriorquer dizer que material e orgnico. atravs dele que a alma se expressacom o mundo fsico, sendo ele o invlucro ou bainha da alma. Ostelogos pentecostais Duffield e Cleave afirmam: O corpo natural, fsico,do homem apenas um tabernculo temporrio para a pessoa real que ohabita.18 Pearlman concebe o corpo como sendo:

    a) Casa, ou tabernculo. (2 Co 5.1) a tenda na qual alma dohomem, qual peregrina, mora durante sua viagem do tempo paraa eternidade. morte, desarma-se a barraca e a alma parte;

    16 BBLIA. Portugus. Bblia de estudo pentecostal. Almeida Revista e Corrigida. Riode Janeiro: CPAD, 1995. p. 979-980. Cf. PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutri-nas da Bblia. So Paulo: Vida, 2006. p. 108.17 BERGSTN, Eurico. Introduo teologia sistemtica. Rio de Janeiro: CPAD,1999. p.152.18 DUFFIELD, Guy P.; CLEAVE, Nathaniel M. Fundamentos da teologia pentecos-tal. So Paulo: Publicadora Quadrangular, 1991. p. 172.

  • 8b) Invlucro. (Dn 7.15) O corpo a bainha da alma. A morte odesembainhar a espada.

    c) Templo. O templo um lugar consagrado pela presena de Deus_ um lugar onde a onipresena de Deus localizada. QuandoDeus entra em relao espiritual com uma pessoa, o corpo dessapessoa torna-se um templo do Esprito Santo (1 Co. 6.19).19

    Para a teologia pentecostal o corpo do ser humano no possui valorem si mesmo, antes seu valor consiste em ser morada da alma. Naspalavras de Pearlman: Esse esprito o centro e a fonte da vida humana;a alma possui e usa essa vida, dando-lhe expresso por meio do corpo.19

    Nesta perspectiva o corpo instrumentalizado e coisificado, pois entendido como instrumento, como algo que serve de veculo da almapara se comunicar com o mundo.

    Cabral afirma que O corpo por si mesmo no tem poder algum.21

    Seu poder deriva da alma, que superior e o governa. A alma manda e ocorpo apenas obedece. Segundo Cabral o corpo no pode at mesmo pecar,pois o eu est separado do corpo, uma vez que o eu, a pessoa podepecar, e, de fato o faz, mas no o corpo, pois este mero instrumento daalma pecaminosa.22 Mas como afirma Rubio:

    A pessoa humana corprea e, assim, o corpo humano no deveser considerado um mero instrumento da alma, como queria oplatonismo; tambm no pura exterioridade, como afirmava odualismo cartesiano. A corporeidade uma dimenso da pessoahumana, do eu humano.23

    19 PEARLMAN, 2006, p. 108.20 PEARLMAN, 2006, p. 108.21 CABRAL, E. Mordomia crist. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 60.22 Cf. CABRAL, 2003, p. 60.23 RUBIO, Alfonso Garca. Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e dareflexo crists. So Paulo: Paulinas, 1989. p. 280.

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    Rubio afirma que a compreenso do corpo como sendo instrumentoda alma conceito platnico e, que a concepo do corpo como meraexterioridade de procedncia do dualismo cartesiano. Assim, se identificaas bases, que fundamentam a antropologia pentecostal que coloca o corpoa servio da alma e, assim, o instrumentaliza e o concebe como coisaexterna, distinta da identidade humana.

    2.2 O corpo no culto

    No culto pentecostal o corpo deve ocupar um papel subalterno emrelao ao esprito/alma? Segundo Bentho: Por ser incorpreo, subentende-se que Ele deve ser adorado de modo no corpreo, e sim, espiritual (Jo4.24), pelas faculdades da alma, vivificadas e iluminadas pelo Esprito Santo(1 Co 2.14; Cl 1.15-17).24 Deus, segundo esse raciocnio, por ser incorpreodeve ser adorado pelas faculdades da alma e no de modo corpreo. Dessemodo, o corpo est desqualificado para o culto a Deus. Somente a alma e oesprito do ser humano esto habilitados para a adorao.

    Essa ideia de que a alma e esprito possuem uma relao direta com aadorao, e o corpo um papel secundrio, expressa um dualismo quecontradiz a prtica litrgica pentecostal, em que o corpo ocupa importantepapel. Sendo assim, trata-se de algo no mnimo contraditrio. Pois no cultopentecostal h mobilizao e entusiasmo dos corpos. O culto pentecostal uma festa. H palmas, choros, danas, coreografias, levantar e abaixarde mos entre outras.25 Portanto, na doutrina oficial o corpo est de certomodo desvalorizado, e limitado, enquanto que na prtica litrgica o corpo

    24 BENTHO, Esdras Costa. Hermenutica fcil e descomplicada: como interpretar aBblia de maneira prtica e eficaz. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 239.25 RODRIGUES, Ricardo Gondim. Compreendendo o universo pentecostal e estabele-cendo bases para o dilogo. REVISTA DE CULTURA TEOLGICA, So Paulo, ano3, n. 13, p. 83-84, out/dez. 1995.

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    afirmado. Com isso se questiona essa contradio que vai da conceponegativa e reducionista em relao ao corpo, at ampla expresso corporalno momento litrgico.

    Esta aparente contradio possivelmente pode ser compreendida doseguinte modo: na perspectiva pentecostal, boa parte das expressescorporais mais entusiasmadas dos crentes, no so atitudes meramentevoluntrias do sujeito, mas manifestaes do Esprito Santo sobre os corpos,fazendo os pular, danar, aplaudir, entre outros. Gonalves, comentaristada srie Lies Bblicas,26ao escrever sobre a alegria de Davi, por ocasiodo retorno da arca de Deus para Jerusalm, assim disse:

    O gesto de Davi, ao danar, demonstra a atitude de um verdadeiroadorador. o que vemos com a expresso Davi [...] ia bailando esaltando diante do Senhor (2 Sm 6.16). A palavra hebraica karartraduzida na verso atualizada como danar significa tambmgirar, e demonstra a atitude jubilosa do segundo rei de Israel.No devemos esquecer que essa dana (ou giro) era movida peloEsprito; no foi algo ensaiado nem tampouco fruto de uma explosocarnal.27

    interessante observar que a Bblia nessa percope no faz aluso aoEsprito Santo, sendo, portanto, uma interpretao forada de Gonalves(Cf 2 Sm 6).

    Aes corpreas entusisticas podem ser observadas j no incio domovimento pentecostal e, sempre foram compreendidas comomanifestaes do Esprito Santo. Em Azusa, os cultos eram longos e, deforma geral, espontneos. Nos primrdios, a msica era capela, emboraum ou dois instrumentos fossem tocados. Os cultos incluam cnticos,

    26 A srie Lies Bblicas produzida pela Casa Publicadora das Assemblias de Deus CPAD, RJ, trata-se de um material didtico instrucional utilizado nas escolas domini-cais. A maioria das Assemblias de Deus em todo o pas utiliza esse material que, decerto modo, auxilia na uniformizao do sistema doutrinrio das igrejas.27 GONALVES, Jos. As derrotas e vitrias de um homem de Deus. Lies bblicas:Davi, Rio de Janeiro, (4. trimestre), p. 53-54, 2009.

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    testemunhos dados por visitantes ou lidos daqueles que escreviam para aMisso, orao, momento de apelo para pessoas aceitarem Cristo, apelo santificao ou ao batismo no Esprito Santo, e fervorosa pregao.28 Araujodisse: (...) A orao pelos enfermos era tambm uma parte frequente [sic]nos cultos. Muitos gritavam. Outros ficavam rindo no Esprito ou cadosno poder.29

    Assim, pode-se inferir que no culto pentecostal os movimentos maisenrgicos e espontneos do corpo so justificados pelo Esprito, logo, oentendimento do corpo como mero instrumento novamente aparece.30 Aqui,se percebe a primazia do espiritual sobre o corporal, sendo o ltimo apenasexpresso daquele.

    2.3 O corpo sob suspeita

    Tambm pode se observar no meio pentecostal, frequentes jejunspara mortificar a carne, entendida como o corpo com suas paixes que seopem ao esprito. Desse modo, essa compreenso assemelha-se muito concepo platnica que considera o corpo como sendo inerentementemal.31 Wagner Gaby disse: Muitos crentes em Jesus preocupam-se somentecom o bem-estar da alma, esquecendo-se de que tambm precisam zelarpelo corpo (...).32

    28 ARAUJO, 2007, p. 605.29 ARAUJO, 2007, p. 605.30 No se pretende olvidar da liberdade e poder do Esprito Santo para atuar de modoconcreto na vida humana. H forte embasamento bblico a respeito da ao do Espritosobre as pessoas. Antes se questiona criticamente, a ideia de que expresses corpreasnos cultos pentecostais s so justificados pelo Esprito. Ser que expresses corpreasque manifestam aes de graas e alegria no se justificam por si mesmas? O corpo stem validade no culto se estiver em xtase ou for espiritualizado?31 Cf. PLATO. Dilogos: Fdon. In: CIVITA, Victor. Os pensadores. So Paulo: AbrilCultural, [s. n. d.], p. 93-100.32 GABY, Wagner Tadeu. As doenas do nosso sculo, as curas que a Bblia oferece.Lies bblicas, Rio de Janeiro, (3. trimestre), p. 60-61, 2008.

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    Esse descaso para com o corpo indica uma m compreenso teolgicaa respeito da sua natureza. Observa-se que o corpo concebido muitasvezes como algo perigoso, que precisa ser controlado, para no se incorrerem mundanismo e perda da identidade pentecostal.

    Contudo, observa-se que, medida que as comunidades pentecostaisforam apresentando um crescimento econmico e passaram a receberpessoas de melhores condies econmicas, procedimentos legalistas eascticos comearam a diminuir. Hoje se pode constatar que, algumasigrejas pentecostais, sobretudo, a Assemblia de Deus no af de se tornaremsimpticas sociedade j esto, ainda que lentamente se adaptando ao seumodo e estilos de vida.33

    3 ALMA E ESPRITO NA TEOLOGIA PENTECOSTAL

    A definio de Pearlman expressa bem o entendimento de alma pelateologia pentecostal: A alma aquele princpio inteligente e vivificanteque anima o corpo humano, usando os sentidos fsicos como seus agentesna explorao das coisas materiais e os rgos do corpo para se expressare comunicar-se com o mundo exterior.34

    Para o pentecostal Silva: A Alma humana a parte mais importanteda natureza constitutiva do homem.35 Esta afirmao justificada pelaperspectiva pentecostal, que entende que na alma encontra-se o centro daidentidade humana. Menzies e Horton dizem:

    Pode-se dizer que o termo alma usado teologicamente paradenotar o prprio eu, particularmente em relao vidaconsciente, aqui e agora (Ap 6.9). [...] As faculdades da alma,

    33 Cf. MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo noBrasil. 2. ed. So Paulo: Loyola, 2005. p. 205.34 PEARLMAN, 2006, p. 73.35 SILVA, 1988, p. 29.

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    comumente consideradas, so intelecto, emoes e vontade. Juntas,essas qualidades compem a pessoa real.36

    Pearlman, telogo pentecostal cita quatro distines da alma:

    1. A alma distingue a vida humana e a vida dos irracionais das coisasinanimadas e tambm da vida inconsciente como a vegetal;

    2. A alma do ser humano o distingue dos irracionais. Estes possuem alma,mas alma terrena que vive somente enquanto durar o corpo. A almado homem qualitativamente diferente, sendo vivificada pelo esprito;

    3. A alma distingue o ser humano de outro e dessa maneira forma a baseda individualidade. A palavra alma , portanto, usada frequentementeno sentido de pessoa;

    4. Finalmente, a alma distingue o ser humano no somente das ordensinferiores, mas tambm das ordens superiores dos anjos, porque estesno tm corpos semelhantes aos dos homens.37

    No que tange ao esprito, a teologia pentecostal reconhece que ostermos originais, que so traduzidos por esprito na Bblia, assumemvariados sentidos e, por isso devem ser entendidos conforme o contexto.Mas geralmente, se compreende ser o esprito humano o ponto focal daimagem divina nele, que o habilita a raciocinar e a reagir perante Deus.Bergstn afirma: O esprito do homem a sede das suas relaes comDeus.38

    Pearlman assevera que O esprito e a alma representam os dois ladosda substncia no fsica do homem.39 Em outras palavras, o esprito e aalma representam os dois lados da natureza espiritual. Embora distintos,

    36 MENZIE, William W; HORTON, Stanley M. Doutrinas bblicas: uma perspectivaPentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1995. p. 86-87.37 PEARLMAN, 2006, p. 73.38 BERGSTN, 1999, p. 157.39 PEARLMAN, 2006, p. 72.

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    esprito e alma so inseparveis, entrosados um no outro. Os pentecostaisafirmam que, por estarem to interligadas, as palavras esprito e almamuitas vezes se confundem (Ec 12.7; Ap 6.9), de maneira que, em umtrecho a substncia espiritual do homem se descreve como alma (Mt 10.28)e, em outra passagem, como esprito (Tg 2.26).40

    Os pentecostais recorrem aos seguintes textos para corroborar adiferena entre esprito e alma: 1 Co 15.44; 1 Ts 5.23 e Hb 4.12.41

    A antropologia teolgica pentecostal defende que o homem esprito, capaz de ter conhecimento de Deus e comunho com Ele. Sendo alma,ele tem conhecimento de si prprio. Sendo corpo, atravs dos sentidostem conhecimento do mundo. Assim sendo, as funes ficam assimdefinidas:

    a) - Espiritual:Deus habita no esprito;

    b) - Moral:O eu habita na alma;

    c) - Fsica:Os sentidos habitam no corpo.

    CONSIDERAES FINAIS

    Na antropologia teolgica pentecostal h uma verdadeira hierarquiada constituio humana, atribuindo-se maior valor parte espiritual, doque a material do ser humano. Desse modo caracterizado por um dualismomoderado de natureza axiolgica. Bergstn afirma: (...) o real valor docorpo est na sua alta finalidade de ser a morada, o tabernculo em que

    40 PEARLMAN, 2006, p. 72.41 RENOVATO, Elinaldo. Antropologia _ a doutrina do homem. In: GILBERTO, Anto-nio (Ed.) Teologia sistemtica pentecostal. 2. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008. p. 272.

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    habita a alma e o esprito do homem (...).42 O corpo, desse modo, nopossui valor em si mesmo, antes seu valor consiste em ser morada daalma. Nas palavras de Pearlman: Esse esprito o centro e a fonte da vidahumana; a alma possui e usa essa vida, dando-lhe expresso por meio docorpo.43 Nesta perspectiva, o ser humano identificado como alma/espritoque possui um corpo.

    Diante disso, percebe-se o desafio que h diante da teologiapentecostal, ou seja, o reconhecimento do corpo como um fator fundamentale constitutivo do ser humano integral. necessria a superao do dualismoantropolgico que desvaloriza o corpo. Afinal, o cristianismo tem comofundamentos bsicos a f no Deus que se tornou carne e que promete aressurreio do corpo.

    REFERNCIAS

    ARAUJO, Isael. Dicionrio do movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD,2007.BERGSTN, Eurico. Introduo teologia sistemtica. Rio de Janeiro: CPAD,1999.BENTHO, Esdras Costa. Hermenutica fcil e descomplicada: comointerpretar a Bblia de maneira prtica e eficaz. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.BBLIA. Portugus. Bblia de estudo pentecostal. Almeida Revista e Corrigida.Rio de Janeiro: CPAD, 1995.CABRAL, E. Mordomia crist. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.DUFFIELD, Guy P.; CLEAVE, Nathaniel M. Fundamentos da teologiapentecostal. So Paulo: Publicadora Quadrangular, 1991.ELIADE, Mircea. Dicionrio das religies. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    42 BERGSTN, 1983, p. 75.43 PEARLMAN, 2006, p. 108.

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    GABY, Wagner Tadeu. As doenas do nosso sculo, as curas que a Bblia oferece.Lies bblicas, Rio de Janeiro, (3. trimestre), p. 60-61, 2008.

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    Fernando Albano

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