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XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NO CAMPO: PLURIATIVIDADE NO ASSENTAMENTO BRINCO DE OURO SABRINA ÂNGELA FRANÇA SILVA (1) ; ALDENOR GOMES SILVA (2) . 1.GRADUADA EM CIÊNCIAS SOCIAS/UFRN.MESTRANDA DO PPGCS/UFRN BOLSISTA CAPES., NATAL, RN, BRASIL; 2.ENGº AGRº. DR. ECONOMIA IE/UNICAMP. PROFº PPGCS/ UFRN. PESQUISADOR 2/CNPQ, NATAL, RN, BRASIL. [email protected] POSTER AGRICULTURA FAMILIAR Transformações Sociais no Campo: Pluriatividade no Assentamento Brinco de Ouro Grupo de Pesquisa: 7 – Agricultura Familiar Resumo O estudo aqui desenvolvido é sobre o fenômeno da pluriatividade num projeto de assentamento da Reforma Agrária. Têm-se como hipóteses que, os rendimentos das atividades agrícolas têm sido reduzidos, não dando condições às famílias assentadas sobreviverem apenas da renda agrícola, além disso, a infra-estrutura social e produtiva do entorno do assentamento favorece a pluriatividade. Os pressupostos de estudo são que os recursos às atividades não-agrícolas sempre estiveram presentes na forma de produzir do camponês, sendo que o advento da modernização potencializou ainda mais a diversificação das ocupações e das fontes de acesso à renda. Os conceitos utilizados neste trabalho foram resgatados dos estudos da sociologia rural contemporânea. A parte empírica constou de uma pesquisa em que foram aplicados questionários com 14 famílias do assentamento Brinco de Ouro, no município de João Câmara no estado do Rio Grande do Norte. Palavras-chaves: Ruralidade – Agricultura familiar – Pluriatividade – Desenvolvimento Rural. Abstract

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XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro"

Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

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TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NO CAMPO: PLURIATIVIDADE NO ASSENTAMENTO BRINCO DE OURO SABRINA ÂNGELA FRANÇA SILVA (1) ; ALDENOR GOMES SIL VA (2) . 1.GRADUADA EM CIÊNCIAS SOCIAS/UFRN.MESTRANDA DO PPGCS/UFRN BOLSISTA CAPES., NATAL, RN, BRASIL; 2.ENGº AGRº. DR. ECONOMIA IE/UNICAMP. PROFº PPGCS/ UFRN. PESQUISADOR 2/CNPQ, NATAL, RN, BRASIL. [email protected] POSTER AGRICULTURA FAMILIAR

Transformações Sociais no Campo: Pluriatividade no Assentamento Brinco de Ouro

Grupo de Pesquisa: 7 – Agricultura Familiar

Resumo O estudo aqui desenvolvido é sobre o fenômeno da pluriatividade num projeto de assentamento da Reforma Agrária. Têm-se como hipóteses que, os rendimentos das atividades agrícolas têm sido reduzidos, não dando condições às famílias assentadas sobreviverem apenas da renda agrícola, além disso, a infra-estrutura social e produtiva do entorno do assentamento favorece a pluriatividade. Os pressupostos de estudo são que os recursos às atividades não-agrícolas sempre estiveram presentes na forma de produzir do camponês, sendo que o advento da modernização potencializou ainda mais a diversificação das ocupações e das fontes de acesso à renda. Os conceitos utilizados neste trabalho foram resgatados dos estudos da sociologia rural contemporânea. A parte empírica constou de uma pesquisa em que foram aplicados questionários com 14 famílias do assentamento Brinco de Ouro, no município de João Câmara no estado do Rio Grande do Norte. Palavras-chaves: Ruralidade – Agricultura familiar – Pluriatividade – Desenvolvimento Rural. Abstract

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The study developed here it is on the phenomenon of the pluriactivity in a project of nesting of the Agrarian Reformation. They are had as hypotheses that, the incomes of the agricultural activities have been reduced, not giving conditions to the seated families to survive only of the agricultural income, moreover, the social and productive infrastructure of background of the nesting favors the pluriactivity. The estimated ones of study are that the resources to the activities not-agriculturists had always been gifts in the form to produce of the peasant, being that the advent of the modernization still more it increased the potential the diversification of the occupations and the sources of access to the income. The concepts in this work had been rescued of the studies of agricultural sociology contemporary. The empirical part consisted of a research where questionnaires with 14 families of the nesting had been applied Gold Earring, in the city of João Chamber in the state of the Great River of the North. Key Words: agricultural - familiar Agriculture – pluriactivity - agricultural development

INTRODUÇÃO

No Estado do Rio Grande do Norte há evidências de uma tradição entre as famílias rurais de diversificar o uso da força de trabalho, combinando entre seus membros o exercício de atividades agrícolas e não-agrícolas como estratégicas de complementação de suas rendas médias (GOMES DA SILVA, 2000).

O estudo aqui desenvolvido vem destacar a relevância da adoção de tais estratégias. O fenômeno da pluriatividade, como é definido, corresponde à combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas numa mesma unidade de produção familiar. Para realizar uma análise sobre o fenômeno definiu-se como objeto de estudo as ocupações familiares e as formas de reprodução das famílias assentadas em um projeto de assentamento de reforma agrária.

Para introduzir tal discussão faz-se necessário expor a compreensão acerca de três categorias que iniciam esse debate, a saber: ruralidade, agricultura familiar e a própria categoria da pluriatividade. Para tanto o presente trabalho foi dividida em quatro sessões a fim de englobar os temas acima citados, bem como a pesquisa de campo e as considerações finais.

Inicia-se com a problematização do conceito de ruralidade através do resgate dos conceitos clássicos de “rural” e “urbano”. A partir de tais conceitos, procurou-se identificar as limitações existentes de tais definições fazendo um contraponto com as novas tendências e novas funções que o mundo rural vem adquirindo no contexto internacional e nacional.

As diferenciações espaciais, dinamismo de áreas rurais e declínio de áreas urbanas, levaram estudiosos a se debruçarem sobre a realidade rural e sobre os elementos de reestruturação de tal espaço, os quais têm sido associados à perda relativa da importância da produção agrícola e, aumento do desenvolvimento de atividades não – agrícolas, configurando o rural como espaço multissetorial.

No segundo capítulo aborda-se os conceitos de pluriatividade e agricultura familiar. Inicialmente fez-se um resgate da trajetória de construção do conceito presentes nos trabalhos de Schneider (1994), Carneiro (1993,1998) e Kageyama (1998) entre outros. No cenário internacional o conceito de pluriatividade surge na década de setenta e no brasileiro na década de noventa para designar a adoção de um conjunto de atividades não-agrícolas, remuneradas, exercidas por um ou mais membros das unidades familiares

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agrícolas (CARNEIRO, 2005, p. 01). O termo passa a ser empregado, então para se referir à combinação da atividade agrícola com outras atividades não-agrícolas, dentro de uma mesma família. Para Scheneider (2005) essa combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas tanto pode ser um recurso do qual a família faz uso para garantir a reprodução social do grupo ou do coletivo que lhe corresponde, como também pode representar uma estratégia individual dos membros que constituem a unidade doméstica. As características da pluriatividade variam de acordo com o indivíduo-membro (chefe, conjugue ou filhos) que a exerce, pois tal processo social acarreta efeitos distintos sobre o grupo doméstico e a unidade produtiva de acordo com variáveis como o sexo ou posição na hierarquia da família de quem pratica. O mesmo pode-se dizer das condições sociais e econômicas locais, do ambiente ou do contexto, em que ocorre a pluriatividade. Nesse caso, variáveis exógenas à unidade familiar, como o mercado de trabalho e a infra-estrutura disponível, entre outras, são fatores determinantes da sua evolução.

Depois da definição de pluriatividade, partir-se para a compreensão do que é agricultura familiar. Para realizar tal discussão ancorou-se nas leituras teóricas de Wanderley (2001) e Schneider (2003). Ao elucidar a categoria de agricultores familiares, Wanderley (2001) vem destacar que a mesma não é recente, apesar de se falarem dela com ares de renovação. Para a autora, a agricultura familiar é um termo genérico que incorpora uma diversidade de situações específicas nas sociedades modernas, adapta-se ao contexto sócio econômico dessas sociedades e acaba por modificar sua forma de produzir, bem como a sua vida social tradicional.

Schneider (2003) chamará atenção para o fato de que a natureza familiar estará assentada nas relações de parentesco existentes entre os membros da família, estando no grupo doméstico as principais razões para a persistência e a reprodução de certo conjunto de unidades, bem como a degradação de outras. Avançando na discussão de agricultura familiar, a família ganha destaque como unidade de análise, pois é uma instituição social e econômica, um ator social coletivo cujos aspectos são operativos pela investigação social.

No terceiro capítulo, tem-se a pesquisa de campo junto às famílias do assentamento Brinco de Ouro, procurando responder as questões centrais do estudo: Como a pluriatividade se constitui numa estratégia de sobrevivência das famílias rurais assentadas? Teria a pluriatividade um impacto diferente das atividades agrícolas junto às famílias do assentamento Brinco de Ouro? Sabe-se que a visão tradicional busca o desenvolvimento rural como sinônimo de atividades puramente agrícolas, nas quais são reproduzidos velhos esquemas centrados na simples redistribuição da terra e desvinculadas do objetivo maior que é a geração de emprego e oportunidades de renda das famílias assentadas. (SACO DOS ANJOS & CALDAS, 2004, p. 99). A fim de investigar a questão proposta levantou-se as seguintes hipóteses:

• Os rendimentos das atividades agrícolas têm sido reduzidos, não dando condições das famílias assentadas sobreviverem apenas da renda agrícola.

• A infra-estrutura social e produtiva do entorno do assentamento favorece a pluriatividade, e conseqüentemente contribui para o aumento da renda e da qualidade de vida das famílias assentadas promovendo uma maior inserção da mão-de-obra feminina e juvenil no assentamento, fixando dessa forma a população residente, sobretudo a jovem.

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Por último, as considerações finais sintetizam o estudo apontando a importância da pluriatividade como estratégia de desenvolvimento e, que é possível realizar uma reforma agrária não, necessariamente, de cunho agrícola.

O campo empírico escolhido foi o Projeto de Assentamento (PA) de Brinco de Ouro, criado no ano de 1996, situado no município de João Câmara na região do mato grande no estado do Rio Grande do Norte.

A partir disto, partiu-se para a pesquisa de campo no referido assentamento no qual se definiu aleatoriamente (por sorteio) 14 famílias como universo da pesquisa empírica e se deu início à segunda fase, que correspondeu à coleta de dados para a análise.

Utilizou-se como instrumentos e técnicas de pesquisa: entrevistas abertas com as lideranças e assistência técnica do PA, a fim de identificar e analisar as questões que se referem às estratégias de trabalho, de reprodução social e em que contextos se desenvolvem. O recurso teórico-metodológico adotado permitiu uma análise qualitativa crítica dessas entrevistas. Quanto às famílias, utilizou-se questionários para fazer levantamento de indicadores, tais como: sexo, faixa etária, ocupação desenvolvida e renda das famílias, já que a unidade familiar é o referencial de estudo da pluriatividade. 1. Ruralidade: Transformações em curso

1.1 O conceito de ruralidade: a difícil delimitação espacial

O termo ruralidade, segundo Saraceno (1996), surge para “explicar as diferenciações espaciais” que vem ocorrendo em todo o mundo, buscando explicar a “recuperação do dinamismo de áreas rurais e o declínio de áreas urbanas”. Tal realidade apontada por Saraceno coloca em crise a capacidade explicativa tradicional atribuída às dinâmicas urbano-rurais, “nos processos reais há, de um lado uma variação dos termos de troca entre zonas urbanas e zonas rurais [...] e, de outro, um deslocamento espacial dos “centros” de desenvolvimento entre regiões e países” (SARACENO, 1996, p. 01).

O ritmo das transformações sociais e de trabalho no campo vem transformando as noções de ‘urbano’ e ‘rural’ “em categorias simbólicas construídas a partir de representações sociais que em algumas regiões não correspondem mais a realidades distintas cultural e socialmente” (CARNEIRO, 1998, p. 53). As fronteiras entre cidade e campo, nesse contexto, acabam por ser de difíceis delimitações ancoradas na classificação de atividades econômicas ou de hábitus culturais. Mesmo com a difícil delimitação desses espaços tal processo não resulta em um continuum do urbano sobre o rural. O fato do “campo” não está passando por um processo único de transformação, faz com que não se possa falar em um único tipo de ruralidade.

Se as medidas modernizadoras sobre a agricultura foram medidas no padrão de produção (e de vida) urbano-industrial, seus efeitos sobre a população local e a maneira como esta reage a tais injunções não são, de modo algum, uniformes, assim como tais medidas não atingem com a mesma intensidade e proporções as diferentes categorias de produtores. (CARNEIRO, 1998, p. 53).

No caso brasileiro, estudos têm apontado para o fato de que em algumas regiões venham ocorrendo dois fenômenos no mundo rural os quais tem servido de reflexão para se entender a ruralidade atual. Primeiro, o espaço rural não é mais definido pela atividade agrícola. Tal constatação produz uma reorientação da capacidade produtiva que se expressa

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nas populações residentes no campo como novas formas de organização da atividade agrícola. Segundo, refere-se à procura crescente de formas de lazer associadas ao meio rural e até mesmo meios alternativos de vida no campo, por pessoas vindas da cidade. Graziano da Silva ilustra bem essa questão quando afirma:

O espaço rural não pode ser mais pensado apenas como lugar produtor de mercadorias agrárias e ofertador de mão-de-obra. Além de ele poder oferecer ar, água, turismo, lazer, bens de saúde, possibilitando a gestão multi-propósito do espaço rural, oferece a possibilidade de, no espaço local-regional combinar postos de trabalho com pequenas e médias empresas. (GRAZIANO, 1999, p. 28).

Nesse mesmo sentido, a Professora Maria José Carneiro, apresenta novos argumentos que levam a uma revalorização do espaço rural, quando assim coloca:

Novos valores sustentam a procura da proximidade com a natureza e com a vida no campo. A sociedade fundada na aceleração do ritmo da industrialização passa a ser questionada pela degradação das condições de vida dos grandes centros. O contato com a natureza é, então, realçado por um sistema de valores alternativos, neo-ruralista e antiprodutivista. O ar puro, a simplicidade da vida e a natureza são vistos como elementos "purificadores" do corpo e do espírito poluídos pela sociedade industrial. O campo passa a ser reconhecido como espaço de lazer ou mesmo como opção de residência (CARNEIRO, 1998, p. 55).

Ainda segundo Saraceno (1996, p. 2) a escolha de um critério particular de

diferenciação do espaço não é causal ou arbitrário “observam-se as diferenças espaciais que se mostram significativas, tenta-se, reconhecer - lhes as regularidades ou similitudes, as tendências de se reproduzirem ou perderem significado”. A diferença de um critério ou outro depende de sua capacidade de captar os processos em curso no tempo e no espaço. Como conceito territorial a ruralidade pressupõe a homogeneidade dos territórios agregados sob essa categoria analítica. Mesmo que não contínuos os territórios rurais, segundo Saraceno, possuem algumas características em comum, porém que não foram definidas claramente no que diz respeito aos seus indicadores, e aos limites do que é rural e urbano. A mensuração feita por órgãos oficiais afirmava o que era o fenômeno urbano enquanto, a ruralidade era apenas uma categoria residual, “se não havia concentração populacional em uma certa escala, a área tornava-se automaticamente rural” (SARACENO, 1996, p. 02). Corroborando com Saraceno, Wanderley (1997, p. 8) aponta que

O ‘rural’ supõe, por definição, a dispersão de sua população, a ausência do poder público no seu espaço e mesmo a ausência da grande maioria dos bens e serviços, naturalmente concentrados na área urbana. Em conseqüência, o rural está sempre referido a cidade, como uma periferia espacial precária, dela dependendo política, econômica e socialmente. [...] Se a pequena aglomeração cresce e multiplica suas atividades, o meio rural não se fortalece em conseqüência, pois o que resulta deste processo é frequentemente a sua ascensão à condição de cidade, brevemente sede do poder municipal.

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Os dois extremos urbano - rural eram concebidos como “vasos comunicantes em, quase por definição, um só – o urbano – se “enchia”, enquanto o outro – o rural – só podia, conseqüentemente, esvaziar-se”. (PAHL, 1966, apud SARACENO, 1966, p. 02). Com visão pré-determinada o rural nessa disputa sempre perdia. As categorias intermediárias (periurbano ou semi-rural) eram conexões entre os dois extremos, não possuindo identidade ou autonomia com os espaços, eram “estados em que tudo aquilo que não cabia num lugar lá se conseguia classificar, de algum modo”. O vício conceitual na identificação do rural não se dava de maneira neutra, inseria-se um forte pressuposto sobre “as dinâmicas demográficas, mesmo antes de mensurá-las”. (SARACENO, 1996, p. 02).

Nesse sentido, Gomes da Silva (2002) acrescenta que o mundo rural como espaço residual do mundo modernizado era visto como espaço de atraso diante de sua frágil estrutura social, cultural, demográfica e econômica. “Havia um preconceito tão forte quanto á fragilidade econômica desse mundo que os focos de dinamismo, quando aí surgiam, eram comumente relacionados aos efeitos de políticas de urbanização da região” (GOMES DA SILVA, 2002, p. 162).

Essa concepção do mundo rural enquanto espaço residual foi, por muito tempo, reforçado por autores de tradição marxista que concebiam o corte urbano/rural tendo como base o conflito entre duas realidades sociais diferentes, enquanto o rural estava em declínio o urbano encontrava-se em ascensão. A dicotomia urbano/ruralNesse contexto de mudanças o “urbano” passa a ser identificado como o “novo” com o “progresso” capitalista das fábricas, e a “classe dos proprietários rurais” com o “velho” e com o “atraso” (a velha ordem vigente que procurava impedir o progresso das forças sociais). (GRAZIANO, 1999, p. 03).

O fenômeno da modernização agrícola nas áreas rurais rompe com a exclusividade da ocupação agrícola pela população rural ocupada. Com isso, as afinidades agrícolas deixa de ser um bom indicador da ruralidade. A perspectiva de fazer o rural coincidir com ‘uma categoria territorial com um setor – agricultura – opondo-se ao urbano’; não corroborou com a nova categoria territorial, a qual coincide com outros setores como a indústria e os serviços.

Considerando a relação entre tradições culturais e os processos de modernização na agricultura, os debates nos Estados Unidos e União Européia apontaram para a rápida adaptação do agricultor familiar ao processo de modernização, com técnicas avançadas, e a contribuição da cultura do agricultor familiar na formulação de respostas à crise do modelo produtivista, como o fenômeno que trataremos mais adiante chamado de pluriatividade.

Rompendo com o paradigma que igualiza a cultura camponesa ao "tradicional", "passivo" e "oposto à mudança", Pongratz propõe pensar a integração da "farming culture" à sociedade industrial moderna sem que isto resulte num processo simples de aculturação. Em suma, a manutenção de tradições culturais (as quais designa de camponesas) não seria incompatível com a modernização da sociedade que deve ser encarada apenas como uma nova fase, com novos objetivos, que pode incluir o que anteriormente era tido como "tradicional" e "atrasado" (CARNEIRO, 1998, p. 54).

Dessa forma, o camponês dentro das transformações do rural não seria uma categoria social estática, sem absorver ou acompanhar a dinâmica da sociedade em que se insere, adaptando-se a novas estruturas sem abrir mão de valores, visão de mundo e formas de organização próprias. A expansão da “racionalidade urbana” sobre o campo devido à

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generalização da “lógica do processo de trabalho e produção capitalista” não resultaria na “dissolução do agrário” e nem a uniformização das formas de vida no campo, (CARNEIRO, 1998, p. 53).

Wanderley (1997) aponta que a descaracterização do rural como espaço de vida e sociabilidade dos agricultores não acontece, ao contrário, do que a visão fatalista previa a respeito da desruralização, “[...] as relações entre o campo e a cidade não destroem as particularidades dos dois pólos e, por conseguinte, não representam o fim do rural”. (WANDERLEY, 1997, p. 33). Segundo Saraceno, a categoria de análise do conceito ruralidade tem sido usualmente compreendida para descrever as transformações ocorridas com a urbanização, as áreas rurais são descritas pelo oposto do que se observava no ambiente urbano/desenvolvido. A imagem ideal e genérica sobre a realidade do mundo rural levou a uma visão esquemática e padronizada dos problemas e das políticas.

2.Agricultura Familiar e Pluriatividade

Estudar a pluriatividade como prática social decorrente de formas alternativas para garantir a reprodução das famílias de agricultores impõe explicar o que é entendido por agricultura familiar. Para Sacco dos Anjos & Caldas (2004) a pluriatividade é “fenômeno inextricavelmente vinculado desde sua origem até os dias atuais como outra noção, qual seja, a de agricultura familiar” (SACCO DOS ANJOS & CALDAS, 2004, p. 84).

Wanderley (2001) lembra que a agricultura familiar não é uma categoria social recente, apesar de que se falam dela com ares de renovação, por ser uma categoria analítica nova nas Ciências Sociais. Para a autora, a agricultura familiar é um termo genérico que incorpora uma diversidade de situações específicas e particulares, por se reproduzir nas sociedades modernas, adaptar-se ao contexto sócio econômico dessas sociedades acabam por modificarem sua forma de produzir e sua vida social tradicionais.

Wanderley chama ainda a atenção para o fato de que as transformações impostas ao agricultor familiar não produziram uma ruptura total e definitiva com formas anteriores como o agricultor portador de uma tradição camponesa. O campesinato, porém, que Wanderley credita ao Brasil possui características particulares em relação ao camponês clássico, pois o mesmo é resultado do enfrentamento de “situações próprias da história social do país e que servem hoje de fundamento a esse patrimônio sociocultural, com o qual deve adaptar-se às exigências e condicionamentos da sociedade brasileira moderna” (WANDERLEY, 2001, p. 22).

Como categoria genérica o ponto de partida para entender a agricultura familiar, segundo a autora é aquele em que a família é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Sendo assim, “o fato de uma estrutura produtiva associar família – produção - trabalho tem conseqüências fundamentais para a forma como ela age econômica e socialmente”. Porém a autora ressalva que enquanto categoria genérica a agricultura familiar no tempo e no espaço assume uma diversidade de formas sociais. Para Hugues Lamarche (1993, p. 334) “a agricultura familiar não é um elemento da diversidade, mas contém nela mesma, toda a diversidade”. A agricultura camponesa aparece como uma das formas de agricultura familiar uma vez que se funda na trilogia família, produção e trabalho, porém há particularidades que especificam o campesinato no conjunto maior que se referem aos objetivos da atividade econômica, às experiências de sociabilidade e à forma de sua inserção na sociedade global.

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Wanderley destaca que o sistema de produção camponês tradicional é uma sábia conexão entre diferentes técnicas e que o sistema de policultura-criação, associa qualidade e quantidade de trabalho intensivo, que só os membros da família se dispõem a aceitar. Por outro lado, a multiplicidade de tarefas que ele implica requer muita leveza na organização do trabalho, da mesma forma que uma grande diversidade de competências. É interessante o resgate que Wanderley (2001) faz com respeito às reflexões de Jerzy Tepipcht (1973), em referência ao camponês da Polônia. Jerzy Tepipcht afirma que o campesinato organiza seu trabalho levando em conta dois fatores principais: primeiro, ele dispõe do que se denomina “forças produtivas não transferíveis”, que é a capacidade de pessoas ligadas entre si por laços de parentesco1 as quais mesmo sem estarem disponíveis no mercado de trabalho se envolvem com atividades produtivas do estabelecimento familiar. Segundo, para essa mesma comunidade doméstica, o tempo de não-trabalho pelo qual o desenvolvimento cultural, vegetal e animal precedem à atividade humana, estabelece no âmbito familiar os ajustes entre a força de trabalho disponível e o ritmo e a intensidade do trabalho exigido ao longo do ano. Nesse contexto estrutural a pluriatividade e a contratação de trabalhadores alugados no estabelecimento familiar “estão inscritos na própria forma de produzir do camponês enquanto uma possibilidade, mas sua concretização dependerá, fundamentalmente, do contexto mais geral que engloba o campesinato” (WANDERLEY, 2001, p.26). Além disso, a autora chama atenção para o fato de que o trabalho externo de membros da família e a pluriatividade não vem necessariamente representar “a desagregação da agricultura camponesa, mas constituem, freqüentemente, elementos positivos com os quais a própria família pode contar para viabilizar suas estratégias de reprodução presentes e futuras” (Wanderley, 2001, p.31).

Fugindo da visão dualista, produtor tecnificado ou capitalizado versus camponês, que pouco agrega à discussão sociológica o caráter familiar, Schneider propõe alguns elementos para a definição de agricultura familiar ou da forma familiar de organização do trabalho e produção na atividade agrícola a fim de contribuir para entender essa categoria na sociedade capitalista. Primeiro, a forma de uso do trabalho; as unidades familiares funcionam basicamente com a utilização da força de trabalho da família e de seus membros, podendo contratar em caráter eventual ou temporário, outros trabalhadores.

Segundo, sua persistência no capitalismo refere-se aos obstáculos oferecidos pela natureza, a qual impede que a agricultura se torne correspondente à atividade industrial. Embora, sejam verdadeiros e notórios os avanços tecnológicos que conseguiram eliminar “a base natural” da produção de alimentos a ponto de poder-se afirmar que a agricultura e a indústria já não se distinguem em funcionamento. Porém, a atividade agrícola ainda é muito dependente de fatores naturais como, clima, solo ou o equilíbrio de ecossistemas, estabelecendo diferença entre tempo de produção e tempo de trabalho gasto. As barreiras naturais ainda continuam limitando o desenvolvimento de economias na agricultura,

1 “O primeiro contexto de confiança é o sistema de parentesco [...]. As relações de parentesco são muitas vezes um foco de tensão e de conflito, mas por mais conflitos que impliquem e ansiedades que provoquem constituem muito geralmente laços em que se pode confiar para estruturar ações em campos do espaço - tempo. [...] Por outras palavras, pode-se acreditar normalmente que as pessoas da família cumprirão uma série de obrigações mais ou menos independentes de sentirem simpatia pessoal pelos indivíduos específicos em causa. Além disso, o parentesco fornece de fato, frequentemente, uma rede estabilizadora de relações amigáveis ou íntimas que perdura através do espaço-tempo O parentesco, em suma, proporciona um vínculo de ligações sociais fiáveis que, em princípio e muito vulgarmente na prática, constitui um meio organizador de relações de confiança”. (GIDDENS, A., 1996, p. 71/72).

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impedindo a subordinação total do processo produtivo ao capital, e por isso operando com base em relações de trabalho não-assalariadas.

Terceiro, o destino da agricultura familiar depende do ambiente social e econômico em que estiver inserida, pois o mesmo traduz para os membros da família as mutantes expectativas ou percepções que nutrem em relação ao seu futuro e às possibilidades de desenvolvimento do local em que vivem. Mas, o que possibilita a relativa estabilidade entre os elementos apresentados é a própria natureza da familiar dessas unidades.

A natureza familiar está assentada nas relações de parentescos e de herança existentes entre os membros dessas unidades. É no interior da própria família e do grupo doméstico, através das relações sociais que se estabelecem entre seus membros participantes, que se localizam as principais razões que explicam a persistência e a reprodução de certo conjunto de unidades e a desagregação e o desaparecimento de outras.

Mesmo que, em certos casos, as unidades familiares estejam submetidas a determinados condicionantes externos como, por exemplo, o monopólio de preços ou os diferentes tipos de mercados (de trabalho, de crédito, de produtos e insumos), o fato de estruturarem-se com base na utilização da força de trabalho dos membros da unidade familiar permitirá que determinadas decisões tornem-se possíveis; o que, em muitos casos, um agricultor amplamente inserido na dinâmica capitalista, que conta com a contratação de assalariados não poderia concretizar ou estaria sujeito a fortes restrições, (SCHNEIDER, 2003, p. 95).

Schneider acrescenta, porém, que não é apenas o caráter familiar que dá sustentação para explicar por que essas unidades familiares conseguem resistir ou não em condições adversas. É necessário um conjunto complexo de variáveis que atuam na reprodução social, econômica, cultural e simbólica das formas familiares, não sendo fruto do ato da vontade individual ou coletiva ou decorrente das pressões econômicas externas do sistema social. É a reprodução acima de tudo, o resultado do processo de intermediação entre os indivíduos-membros com sua família e de ambos interagindo com o ambiente social em que estão imersos. A família nesse processo tem um papel ativo, suas decisões podem trazer resultados favoráveis ou não à continuidade de sua reprodução.

Schneider acrescenta que é preciso admitir que determinadas “formas sociais se transformam (no sentido que se superam), se metamorfoseiam e se reproduzem fora do escopo da rígida lei de valorização do capital. [Trata-se de aceitar que diversas formas que] se relacionam com o modo de produção dominante sem que as relações se estabeleçam entre ambos, a priori, seja de caráter capitalista” (SCHNEIDER, 2003, p. 96).

Fruto do processo estrutural da agricultura no mundo rural, a pluriatividade surge no Brasil, como possibilidade de iniciativa a diversificação das ocupações e das fontes de acesso à renda. A pluriatividade “é um fenômeno que pressupõem a combinação de duas ou mais atividades, sendo uma delas agrícola, em uma mesma unidade de produção” (SCHNEIDER, 2005, p. 2). Será mais intensa a interação entre atividades agrícolas e não-agrícolas quando mais complexas forem à relação entre os agricultores e o ambiente social e econômico em que estiverem inseridos.

Para Carneiro (2005) a combinação da atividade não - agrícola com a agricultura, por famílias camponesas, é uma prática tão antiga quanto é o campesinato no Brasil e no mundo. Essa prática como fenômeno recente só é entendida, quando aponta para algo

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novo, contextualizada no processo de modernização da agricultura que produziu uma especialização de atividade no interior das famílias agrícolas. Sendo assim, a pluriatividade “trata-se de um fenômeno que foi recriado por parte da população rural para enfrentar a crise provocada pela modernização da agricultura” (CARNEIRO, 2005, p.4).

O fenômeno da pluriatividade será heterogêneo e diversificado, estando ligado tanto as estratégias sociais e produtivas que são adotadas pela família ou pelos seus membros, como também, a sua variabilidade dependerá das características do contexto ou território em que estiver inserida. A pluriatividade sempre estará sendo referida a família, será considerada pluriativa a família em que pelo menos um dos membros que a integra exerce a combinação de atividades agrícola e não-agrícolas.

A definição de pluriatividade afasta-se da referência às rendas e ao tempo de trabalho ou ocupação que o membro exerce na combinação de atividades. Estes dois elementos não influenciam na definição do termo apenas no significado que a pluriatividade assumirá para família.

A combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas pode ser um recurso do qual a família faz uso para a reprodução social, assim como, pode representar uma estratégia individual dos membros que constituem a unidade doméstica. Dessa forma, a pluriatividade adquire significados diversos dependendo se é para responder projetos coletivos ou para satisfazer ás decisões individuais. Além dos fatores internos da família temos também os fatores exógenos como as condições sociais e econômicas locais, do ambiente ou do contexto em que ocorre a pluriatividade (mercado de trabalho, infra-estrutura disponível), as quais atuam diretamente na sua evolução.

Carneiro (2005) acrescenta que o termo pluriatividade indica apenas o fato, mas não o sentido para as famílias que a praticam. O significado da pluriatividade varia de acordo com o contexto, com as condições sócio-econômicas das famílias e com a posição dos indivíduos que praticam essa atividade. Será diferente se a pluriatividade for exercida pelo chefe ou por um dos filhos, assim como, se ela é realizada no momento de pouca necessidade de trabalho na produção ou no auge da demanda de trabalho na lavoura.

A atividade não-agrícola pode ser para complementar a renda da família e ser bem mais remunerada que a renda proveniente da roça familiar, a qual estimula os jovens a abandonarem a agricultura para se dedicarem ao trabalho fora do estabelecimento familiar. A renda, dependendo de quem exerce a atividade não-agrícola, pode contribuir para reprodução social da família, manutenção da modernização da produção agrícola ou para o fortalecimento de um projeto pessoal que não está necessariamente dentro dos interesses coletivos da família, podendo ser nesse momento de abandono da agricultura ou crise de sucessão.

3. Pesquisa de Campo : Assentamento Brinco de Ouro

O assentamento Brinco de Ouro abrange uma área de 2.691 hectares e localiza-se no município de João Câmara na região do Mato Grande, mais especificamente na RN-120 próximo ao distrito de Queimados, distando 20 km de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte.

O assentamento foi desapropriado em 07 de julho de 1996 e ocupado por 82 famílias totalizando uma população de 362 pessoas. A maioria dos assentados nasceu na comunidade de Queimadas, situada em área contínua ao assentamento, no município de João Câmara.

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3.2 Caracterização das famílias

A fim de caracterizar o universo pesquisado levantou-se os seguintes indicadores:

faixa etária, ocupação desenvolvida e renda das famílias. Quanto à idade dos chefes de famílias, cerca de 43% dos entrevistados possuem

entre 36 a 40 anos de idade. Desses, 14,2% possuem mais de 66 anos, assim como o mesmo percentual de famílias possui seus chefes falecidos. Comparativamente aos homens, a faixa etária de mulheres (referindo-se as esposa) é bastante heterogênea e equilibrada: o percentual de mulheres que possuem faixas etárias entre 26 e 30 anos de idade é de 21%; entre 31 a 35 anos de idade estão 21%, e ainda outras, com o mesmo percentual, as quais estão acima de 50 anos de idade. Quase a metade, precisamente 42% das entrevistadas, possui menos de 35 anos de idade, caracterizando, dessa forma, que nas unidades familiares as mulheres são mais jovens.

Quanto ao número de filhos, as unidades familiares de Brinco de Ouro são em geral numerosas. Mais de 40% das famílias possuem acima de 8 filhos; 43% possuem mais de 5 filhos e só 14,2% possuem de 1 a 2 filhos.

Pelos percentuais apresentados, evidencia-se, portanto, no assentamento um grande número de crianças e jovens, quase 86% das famílias possuem filhos acima dos 10 anos de idade e 64% possuem filhos com faixa etária entre 0 e 10 anos.

Quanto à escolaridade, observa-se que 85% dos homens não concluíram a 4ª série, aproximadamente 30% destes, não freqüentaram a escola. Entre as mulheres o percentual das que não concluiu a 4ª série é de 64%, sendo 15 %, o percentual daquelas que não freqüentou a escola. Apenas 14,2% dos homens cursaram até a 8ª série enquanto mais que o dobro (28,5%) de suas esposas cursou até a mesma série. A diferença torna-se maior em relação ao ensino médio completo. Enquanto nenhum dos maridos chegaram sequer a cursá-lo, 7% de suas esposas concluíram esse nível escolar. Com relação aos filhos, 28% deles estão cursando ou já concluíram o ensino médio e 57% já cursou a 8ª série. Dessa forma, percebe-se que entre os membros mais novos da família há uma permanência maior e mais significativa na escola.

3.3 Caracterização das atividades desenvolvidas

Não reduzindo o debate sobre a realidade rural a uma explicação econômica, a qual não leva em conta a sua complexidade, compreendemos o aspecto econômico nessa discussão como o “alicerce” de um rural que busca alternativas de renda frente às dificuldades em viver exclusivamente da agricultura tradicional.

Nos últimos três anos, dentre as famílias assentadas de Brinco de Ouro quase 79% dos homens, ou seja, onze famílias assentadas exerciam atividade por conta própria. Eram trabalhadores autônomos sem vínculo empregatício e atuavam principalmente no plantio de culturas e no corte de lenha dentro do lote e em fazendas da redondeza. Dentre os trabalhadores por conta própria, 20% realizavam transporte de pessoas e desenvolviam atividades em pequenos comércios dentro do próprio assentamento. Das famílias entrevistadas, um percentual representativo de 7% possuía o chefe da família aposentado nos últimos três anos. 14% dos homens encontravam-se empregados, através de comissionamento de cargos junto à prefeitura de João Câmara. A distribuição das ocupações pode ser observada no gráfico 1 :

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Gráfico 1: Ocupações dos assentados nos últimos 3 anos

Fonte: Pesquisa de campo (n=14)

O que chama mais atenção é o fato de que o trabalhador por conta própria irá

combinar as atividades como: frete de lenha, transporte de pessoas, comércio e trabalhos diversos em fazendas com o plantio, pesca e criação de animais para o próprio consumo. Tal fato evidencia o fenômeno da pluriatividade, “fenômeno que pressupõe a combinação de duas ou mais atividades, sendo uma delas a agricultura, em uma mesma unidade de produção” (SCHNEIDER, 2005, p. 2). Onze assentados, quase 80% dos entrevistados, desenvolveram atividades de cultivo, pesca ou criação e, desse percentual, 36% contou com a ajuda dos demais membros das unidades familiares, esposa e filhos.

Através dos questionários, quando perguntado sobre a renda obtida com a atividade principal no caso dos que desenvolveram atividades de plantio, pesca ou cultivo, apenas 20% comercializaram o que foi produzido pela agricultura familiar e os 80% restantes produziram apenas para o auto-consumo. Dessa forma, as famílias pluriativas possuem o trabalho agrícola incluído, podendo não ser, no entanto, a atividade de maior importância.

Com tais índices fica claro que no referido assentamento o desenvolvimento da atividade agrícola não está voltado para o mercado e sim para o fornecimento de alimentos para o auto-consumo da própria unidade familiar. Tal fato também foi evidenciado pela entrevista com a assistência técnica e social do PAC. Segundo a técnica “a venda é pouca, é mais para o auto-consumo mesmo, mas nas culturas anuais para venda mesmo é só o milho. Só ele que dá uma boa venda por safra” (Assistente social do assentamento Brinco de Ouro).

Pelo exposto acima, com respeito à situação da comercialização dos produtos agrícolas, o recurso às atividades não – agrícolas no assentamento se constituirá claramente em “uma estratégia de alocação da força de trabalho familiar frente aos condicionantes da unidade produtiva agrícola”, assim como expressa que família exprime “uma racionalidade [...] às suas atividades para manter o balanço entre trabalho e consumo e garantir sua reprodução” (SHCNEIDER, 2003, p. 83/84).

Para Wanderley (2001) pode-se dizer que a pluriatividade é uma possibilidade dentro da forma de produzir do agricultor familiar, porém, “sua concretização dependerá fundamentalmente do contexto mais geral que engloba o campesinato” (WANDERLEY, 2001, p. 27). No caso específico do assentamento Brinco de Ouro, o que potencializa ao surgimento da pluriatividade são os baixos rendimentos advindos da produção agrícola, devido ao fato dessas atividades estarem voltadas, principalmente, para o auto-consumo das famílias.

7%

79%

14%

Aposentados Conta Própria Empregado

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As atividades de criação de animais de pequeno porte, como: galinhas, patos e outros é bastante presente no assentamento uma vez que cada família possui quintal em seus domicílios. Tais atividades são dirigidas para o auto-consumo das famílias. As culturas anuais de feijão, mandioca, milho e caju e os animais criados contribuem para a segurança alimentar, já que o desenvolvimento dessas atividades apresenta-se como garantidoras do suporte alimentar e nutricional das famílias assentadas. Por isso que, desde as primeiras iniciativas de construção de uma Política Nacional de Segurança Alimentar em 1991, a Reforma Agrária tem recebido um grande destaque, constituindo-se na principal estratégia de criação de empregos e expansão da produção de alimentos (GOMES DA SILVA, 2002, p. 37). Além disso, é importante destacar que, apesar de ser significativo o auto-consumo das famílias é muito difícil de ser medido, uma vez que as famílias não contabilizam o que é colocado na mesa.

Atualmente em Brinco de Ouro são desenvolvidas muitas atividades rurais agrícolas e não-agrícolas visando à reprodução social das famílias ali assentadas (tabela 01). Dentre as atividades atualmente desenvolvidas no assentamento destacam-se a apicultura, a produção de caju e de culturas anuais de feijão, milho, mandioca e castanha, além da comercialização de frutas da região (mangaba, umbu-cajá e abacaxi). O assentamento desenvolve ainda a caprinocultura através de três apriscos, sendo marcante a presença de estabelecimentos comerciais, como mini-mercados, sorveteria e cigarreira. A diversidade das atividades complementares define estratégias que visam, “ao mesmo tempo, assegurar sua sobrevivência imediata e garantir a reprodução de gerações subseqüentes” (WANDERLEY, 2001, p. 27).

Tabela 01 - Assentamento Brinco de Ouro: Atividade e rendimento mensal (Atividade principal do Marido)

Ocupações % Rendimento mensal Apicultor 18% R$ 455,00 Cortador de lenha 17% R$ 220,00 Empregado 8% R$ 350,00 Aposentado 16% R$ 350,00 Frete de pessoas 8% R$ 120,00 Frete de lenha 8% R$ 440,00 Agricultor 17% R$ 300,00 Comerciante 8% R$ 300,00

Fonte: Pesquisa de campo (n=14) A população do assentamento adquire sua renda também na realização de serviços

prestados tais como: confecções de marmitas, bolos para festas, corte costura, frete de lenha e transporte de pessoas. “A gente tem comércios, pequenos comércios, sorveterias, mercadinhos, [..] tem uns que vão a feira no sábado, levam seus produtos... Tem cigarreira que serve como lanchonete para a escola, é... tem pessoas que adquirem alguma renda fazendo bolo para aniversário, tem gente que costura para fora, tem gente que tem carro e faz frete para João Câmara, como aqui é próximo da estrada favorece muito esse tipo de atividade” (Assistente social do assentamento Brinco de Ouro).

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O dinamismo do assentamento se dá, entre outras coisas, devido a sua localização - proximidade da cidade de João Câmara - e por ficar na margem da RN -120, o que facilita sua função de entreposto comercial com outras cidades tal como Caiçara do Norte. A localização do assentamento também permite que o lixo produzido (garrafas plásticas, vidros e papelão) seja vendido para alguns compradores que passam pela estrada. “Essa estrada aqui é como corredor do lixo de outras comunidades. Fazemos por aqui a coleta seletiva de outras comunidades. Algumas pessoas aqui já coletam e vendem para algumas pessoas que passam por aqui comprando o lixo” (Assistente social do assentamento Brinco de Ouro). Dessa forma, a base da atividade dos assentados de Brinco de Ouro não está necessariamente na propriedade ou no estabelecimento familiar, mas em um território específico no qual o agricultor familiar encontra-se “atento a todas as alternativas e as potencialidades apresentadas em um território” (CARNEIRO, 2005, p. 6).

3.4 Pluriatividade: desenvolvimento de atividades apícolas A pluriatividade desenvolvida pelas famílias de Brinco de Ouro se dá

principalmente por dois fatores, o primeiro deles diz respeito às próprias famílias que, como unidade flexível, são capazes de absorver as crises e se aproveitar das oportunidades do mercado; a segunda está ligada a infra-estrutura do entorno do assentamento, no caso a proximidade com a capital, João Câmara, e da localização do PA na BR – 120. Como destacado por Ângela Kageyama (1998) e Sérgio Schneider (2003).

Para desencadear um processo de pluriatividade é preciso que seu entorno, ou na sua localidade, ou na cidade próxima haja um mercado [...] e, de outro, o “contexto” territorial próximo tenha dinamismo suficiente para mercados de trabalho (ou para novos produtos, serviços autônomos etc.), ou seja, é preciso haver demanda adequada para o trabalho pluriativo (KAGEYAMA, 1998, p. 537). A reprodução social, econômica, cultural e simbólica das formas familiares dependerá de um intricado e complexo jogo através do qual as unidades familiares relacionam-se com o ambiente e o espaço no qual estão inseridas.[...] A reprodução é acima de tudo, o resultado do processo de intermediação entre indivíduos-membros com sua família e de ambos interagindo com o ambiente social em que estão imersos (SCHNEIDER, 2003, p. 95).

Dentre as atividades já citadas acima, destaca-se a atividade apícola a que é

apontada pelos moradores e pelos técnicos da assistência técnica e social do PAC, como a mais importante. “Se fosse numa hierarquia eu diria que é o mel. Em minha opinião, eu diria que o mel é importante pela possibilidade de comercialização dele, [...]. O mel é bastante voltado para fora do assentamento. Na associação podemos dizer: são 18, mas se formos fazer uma estimativa de quem realmente tem colméia aqui, passa de 40 pessoas. Elas não são da associação, mas produzem o mel. O mel daqui se destaca tanto em qualidade quanto em quantidade no estado”.

Em busca de profissionalizar a produção e aumentar o potencial competitivo no mercado, os moradores do assentamento fundaram a associação de apicultores. A assistência técnica e social do PAC, visando à autogestão da associação de apicultores, tem promovido cursos de como organizar e desenvolver cooperativas junto com a comunidade que desenvolve as atividades apícolas. A associação de apicultores conta com 18

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agricultores familiares associados, porém, há outros pequenos produtores não-associados desenvolvendo essa atividade no assentamento. Segundo as lideranças do assentamento, quase 50% dos assentados se encontram envolvidos com essa atividade.

Devido à qualidade e quantidade do mel extraído há uma crescente comercialização do mesmo para pequenos mercadinhos e para a prefeitura do município. “É, a gente vende para pequenos comerciantes, pequenos mercadinhos e, ultimamente a secretaria de educação está comprando para a merenda; é em pequena escala ainda, é um pequeno passo ... Mas, já vendemos para a merenda em sachê” (Apicultor do assentamento Brinco de Ouro). Em vista disso, cresce o interesse das famílias assentadas por essa atividade.

O sucesso do mel comercializado dá-se por características da sua produção orgânica, faltando apenas a certificação da secretaria da agricultura. Com recursos do PAC foi construída a casa de mel que beneficiará o produto dos apiários, transformado-os em própoles e geléia real além de acondicionar os produtos produzidos em embalagem visando, com tais medidas, agregar valor ao produto a ser comercializado, como é apontado nas palavras de um dos apicultores entrevistados em nossa pesquisa: “A gente não procura ser “grandão” demais, mas agregar valor aos nossos produtos. 95% do nosso mel é orgânico, falta só a certificação para ser 100%. Embalagem bem bonitinho orgânico, eu acho que da agricultura familiar vai ser um salto tão grande que é arriscado a gente não achar mais a perna”.

A mão-de-obra masculina é dominante no desenvolvimento nas atividades agrícolas. Das 82 famílias apenas oito mulheres se envolveram com a produção agrícola na unidade familiar. As mulheres e os jovens do assentamento estão mais presentes na atividade apícola, não agrícola. Esta atividade é desenvolvida obedecendo a seguinte divisão por categoria: os homens estão concentrados na produção e coleta do mel nos apiários, enquanto as mulheres trabalham em casa gafando o mel das telas, lavando os baldes da produção e armazenando o mel nas garrafas. “A gente tentou envolver os jovens, os adolescentes a cima de 16 anos. Nossos filhos vão ser envolvidos mais num trabalho de embalagem... Desde que não prejudique os estudos. As mulheres trabalham em casa. Elas trabalham, sucessivamente com a gente, porque em casa são elas que lavam os baldes, colhem o mel, ajudam a gente a gafear em baixo aqui do alpendre. Só não ajuda coletar o mel no apiário, dos quadros. Mas, elas nos assessoram um bocado.” (Apicultor do assentamento Brinco de Ouro). Apoiando-se em Schneider (2003), podemos dizer que é no âmbito da família que se discute e se organiza a inserção produtiva dos diferentes membros e ainda “é em função desse referencial que se estabelecem estratégias individuais e coletivas” (SCHNEIDER, 2001, p. 106).

Atualmente, o mel é produzido no assentamento é beneficiado na cidade de João Câmara, aonde é acondicionado em sachê e, depois, vendido pelos apicultores do assentamento. Com a inauguração da casa do mel, no final de dezembro de 2006, os filhos dos produtores apícolas juntamente com as mulheres trabalharam no estabelecimento embalando o produto final do beneficiamento. Acredita-se que 100% do trabalho a ser desenvolvido na casa do mel serão realizados pelas mulheres e pelos jovens.

Quando perguntando sobre o trabalho que será desenvolvido na casa do mel, os apicultores responderam “é um trabalho familiar, toda a família está envolvida. Com certeza. 100% do trabalho da casa do mel vai se concentrar nas mulheres; vão extrair mel dos quadros, embalar ... essa coisa toda. Já tem curso agendado para a gente fazer; o curso de embalagem.” Dessa forma, “níveis subseqüentes de mercantilização se expressam em termos de divisão e redivisão do trabalho na família, segundo gênero e gerações” (KAGEYAMA, 1998, p. 530).

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Ainda dentre os entrevistados, constata-se que 29% possuem de 1 a 2 membros residindo fora do estabelecimento domiciliar durante a semana.Dentre esses membros 50% reside fora do domicílio rural devido ao desenvolvimento de ocupações diversas nos municípios vizinhos. Segundo a assistência social do PAC, existem também pessoas que desenvolvem ocupações fora do domicílio durante o dia, porém, à noite retornam para o assentamento. A assistência social do PAC destaca ainda que o maior número dessas pessoas são mulheres e jovens. “São mulheres, e em geral são muito jovens, em torno de 18 anos”, as quais estão desenvolvendo atividades no setor público, prefeitura de João Câmara, ou realizam trabalhos com transporte de pessoas ou ainda estão ocupadas no comércio local. Isso corrobora Chayanov (1974), quando explica que a divisão do trabalho familiar, entre atividades agrícolas e não agrícolas, também se orienta “pelas condições econômicas gerais que se dão localmente” (CHAYANOV, 1974, p. 116).

A importância dessas atividades é devido à necessidade de complementação da renda das famílias assentadas. A combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas dentro ou fora do estabelecimento evidencia o fenômeno que vem acontecendo no mundo rural, já aqui apontado. A pluriatividade nesse caso específico representa uma ruptura com a monoatividade e com o modelo de família agrícola, por não ser mais a atividade agrícola a que caracteriza a unidade de referência. Dessa forma, afirma Schneider (2003), que:

A pluriatividade estaria alterando o conteúdo da unidade familiar, pois passa de uma situação na qual a propriedade era, ao mesmo tempo, lugar de residência e de produção para outra na qual é somente o local de moradia, uma vez que o trabalho e a produção dissociam-se geograficamente (SCHNEIDER, 2003, p. 101).

Como atividade de maior importância desenvolvida no assentamento, a entrevista revelou que a apicultura rende para alguns associados entre R$ 1500,00 e R$ 2500,00 entre os que estão mais consolidados. Variando para aqueles em início de atividade, renda entre R$ 210,00 e R$ 700,00. Segundo os apicultores de Brinco de Ouro, há ainda apicultores com produção e renda bem superior à média dos já consolidados. A renda secundária dos assentados advém da venda de seus produtos, do repasse da bolsa família, e das demais atividades não-agrícolas desenvolvidas: pequenos mini-mercados, serviços de corte e costura e de alimentação já citados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS - Quanto à pluriatividade: uma tipificação

A pluriatividade decorre de problemas de natureza estrutural, processos macro societários e econômicos de transformação das formas de trabalho e produção, além de ser resultante das respostas de agricultores ao contexto em que estão situados e em virtude das suas condições intrafamiliares.

Por ser várias as causa do surgimento da pluriatividade, a hipótese levantada por Schneider é que não existe apenas um único tipo de pluriatividade, os tipos e características da pluriatividades decorrem dos fatores que afetam seu aparecimento, não sendo a mesma apenas um recurso temporário.

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Dessa forma, segue-se uma tentativa de classificação dos diferentes tipos de pluriatividade encontrados no PA Brinco de Ouro, a partir do esquema proposto por Schneider:

a) Pluriatividade intersetorial: decorre da articulação da agricultura com os demais setores da economia. As áreas do entorno de regiões mais urbanizadas acabam por ter mais esse tipo de pluriatividade. No caso de Brinco de Ouro, os questionários e entrevistas apontaram uma relação intersetorial entre o comércio local da cidade de João Câmara e a agricultura familiar, bem como o setor de serviços, notadamente, onde estão localizados os servidores públicos municipais como agentes de saúde e vigias de escolas.

b) Pluriatividade de base agrícola: decorre da demanda crescente por bens e serviços

não-agrícolas geradas pelo próprio processo de modernização da agricultura. É a pluriatividade dentro do setor agropecuário, correspondente a aluguel de máquinas e equipamentos e contratação de serviços de terceiros como plantio, colheita, manejo, transporte e outros, as quais são realizadas em propriedades de terceiros mediante pagamento. Em Brinco de Ouro é bastante comum esse tipo de pluriatividade, como foi destacado no início da caracterização das atividades desenvolvidas, os assentados por conta própria desenvolvem o corte lenha, a atividade de plantio, colheita e criação de animais nas fazendas da redondeza.

c) Pluriatividade de trabalho informal: esse tipo é difuso, varia de acordo com as

economias locais. São atividades não agrícolas esporádicas que não tem jornada de trabalho pré-estabelecida, correspondendo ao artesanato, comércio informal, empregadas domésticas e ao serviço de ambulante. É presente no assentamento pesquisado, principalmente, a mão-de-obra feminina desenvolver trabalhos domésticos em domicílios de João Câmara, bem como a fabricação de bolos para festas, corte e costura e venda de confecções. Além disso, o assentamento possui pequenos estabelecimentos comerciais como mine-mercados e lanchonete.

d) Pluriatividade pára - agrícola: resulta de atividades não-agrícolas que surgem no

interior das unidades produtivas através da mercantilização da produção para o próprio uso: são derivados do leite, cana, carnes, frutas e outros. Trata-se de agroindústrias familiares que geram atividades que se distinguem da produção in natura e para o próprio consumo. As agroindústrias familiares dão origem a uma nova atividade, a qual é justificada pelo nome de pluriatividade pela diferenciação do tempo de produção, espaço físico e do processo de produção os quais podem ser gestadas individualmente ou por associações ou cooperativas. Esse tipo de pluriatividade é onde está enquadrada a produção de mel do assentamento. A comercialização do mel passou de uma atividade para o próprio uso da familiar para ser uma atividade comercializada pela agroindústria familiar, que no caso de Brinco de Ouro é representada pela criação da casa do mel pela associação dos apicultores. A casa do mel representa a possibilidade de beneficiamento do mel produzido, uma vez que o mesmo pode ser acondicionado em sashê, transformado em própoles e em geléia real, permitindo agregar valor aos produtos derivados do mel visando a mercantilização.

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XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro"

Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,

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e) Pluriatividade tradicional ou camponesa: a pluriatividade que integra um modo de

vida. As famílias com produção fundamentalmente para o autoconsumo são débeis na relação com o mercado os quais se relacionam por meio de trocas de excedentes e de compra de poucos produtos para uso próprio. Ocorrem dentro da propriedade onde são combinadas atividades de produção, transformação e artesanato. O que diferencia essa pluriatividade é que ela não é mercantilizada. No assentamento é comum entre a “vizinhança” a troca de frutas, e/ou culturas anuais como milho e feijão por garrafas de mel. Além de haver troca de produtos agrícolas por serviços como concerto de cercas e reparações no estabelecimento familiar.

- Quanto ao papel da pluriatividade O papel da pluriatividade no assentamento Brinco de Ouro aparece dentro do

modelo de desenvolvimento sustentável, uma vez que, apresenta-se como alternativa para geração de emprego, melhoria da renda, inclusão social e produtiva, além de reduzir o êxodo rural dos mais jovens.

Numa estratégia de desenvolvimento, a pluriatividade precisa está em conexão com outras iniciativas estruturantes - combinação de repertório variado de ações, iniciativas e escolhas de longo alcance. A pluriatividade supera a idéia de que há um caminho único e imperativo para o desenvolvimento, sendo a diversidade de atividades praticadas pelos membros da família, alternativas para problemas, como a pobreza rural. Além de, elevar a renda das famílias, reduzir a sazonalidade, diversificar fontes de emprego no espaço rural, gerar externalidades para a economia local, reduzir migração campo-cidade, estimular mudanças nas relações de poder e apoiar a multifuncionalidade do meio rural.

A pluriatividade em assentamentos da Reforma Agrária apresenta-se como geradora de emprego e renda bem como, opção de ocupação diferenciada para os que não desejam permanecer na atividade agrícola, mas que nem por isso precisam deixar o espaço rural2. A pluriatividade pode servir de elo entre as políticas de crédito e de desenvolvimento rural, além de diversificar economias.

Sendo assim, a pluriatividade poderia se constituir como estratégia para o desenvolvimento de muitas áreas rurais, oferecendo-se como um outro caminho que para Schneider (2005) são “soluções que preconizam resignadamente que não há esperança fora da modernização agrícola, além do desalento por não ter recursos ou condições favoráveis para esta” (SCHNEIDER, 2005, p.18).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

2 Em um texto emblemático sobre este tema, publicado em 1996, José Graziano da Silva propunha o que chamou de “uma reforma agrária não essencialmente agrícola”, que é o sentido de se estimular a pluriatividade e a diversificação econômica dos assentamentos rurais. Em seu texto, o autor justifica que “hoje é preciso uma reforma agrária para ajudar a enquadrar a questão do excedente populacional até que se complete a transição demográfica recém iniciada. É a reforma agrária que permite a combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas teria a grande vantagem de necessitar de menos terra, o que poderia baratear significativamente o custo por família assentada” (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. )

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