AlegaÇÕes Finais

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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de (Competência)-SC. PEDRO, devidamente qualificado nos autos do processo criminal n. 0000, que lhe move a Justiça Pública, vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência, por seu advogado infra firmado, oferecer ALEGAÇÕES FINAIS, com fundamento no artigo 500 do Código de Processo Penal. Trata-se de processo no qual o acusado, primário e bons antecedentes, 20 anos, com o objetivo de cobrar uma dívida antiga, constrangeu Pedro a lhe fazer o pagamento, valendo-se de grave ameaça, afirmando estar armado. Em seguida, para se vingar do devedor, dirigiu-se ao sítio da vítima e, aproveitando-se da ausência dos moradores, provocou incêndio em um depósito que estava abandonado. Ficou provado, na instrução processual, que esse incêndio não causou prejuízo significativo para a vítima, uma vez que estava vazio e seria demolido em seguida. Ao ser interrogado na fase policial, o acusado mentiu sobre a sua identidade, fazendo-se passar por Pedro dos Santos. No final do ato, recusou-se a assinar o termo, mesmo contra ordem expressa da autoridade policial. Em seguida, o acusado foi denunciado pelos delitos de extorsão qualificada pelo emprego de arma, incêndio, dano, falsa identidade e desobediência. Em interrogatório judicial, realizado apenas na presença do representante do Ministério Público e do juiz, o acusado acabou confessando o delito. Em seguida, o seu defensor nomeado apresentou defesa prévia, arrolando cinco testemunhas. Uma delas residia em outra Comarca, devendo ser inquirida por carta precatória. No entanto, o defensor não foi intimado da audiência no juízo deprecado, razão pela qual não pode acompanhar a inquirição. Foram produzidas, durante a instrução processual, provas testemunhais que presenciaram o constrangimento na cobrança da dívida, bem como perícia que constatou a ocorrência do incêndio no depósito da vítima. No entanto, não assiste razão ao Ministério Público ao pretender a condenação do acusado nos termos da denúncia, pelos fundamentos que passa a expor: PRELIMINARMENTE 1. NULIDADE DO PROCESSO PELA AUSÊNCIA DO DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO Nos termos do artigo 185 do CPP, o interrogatório judicial ocorrerá obrigatoriamente na presença do defensor do acusado. Nesse sentido, vale transcrever o dispositivo legal: “Art. 185 - O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.” Insta salientar que, apesar do dispositivo legal supra citado, no caso em tela, o acusado foi interrogado apenas na presença do juiz e do representante do Ministério Público. Vale ressaltar que esta ausência trouxe manifesto prejuízo à defesa, uma vez que os acusados, sentindo-se pressionados, acabaram confessando o delito em apreço. Trata-se, pois, de verdadeiro cerceamento de defesa e violação ao

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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de (Competência)-SC.

PEDRO, devidamente qualificado nos autos do processo criminal n. 0000, que lhe move a Justiça Pública, vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência, por seu advogado infra firmado, oferecer ALEGAÇÕES FINAIS, com fundamento no artigo 500 do Código de Processo Penal.

Trata-se de processo no qual o acusado, primário e bons antecedentes, 20 anos, com o objetivo de cobrar uma dívida antiga, constrangeu Pedro a lhe fazer o pagamento, valendo-se de grave ameaça, afirmando estar armado.

Em seguida, para se vingar do devedor, dirigiu-se ao sítio da vítima e, aproveitando-se da ausência dos moradores, provocou incêndio em um depósito que estava abandonado.

Ficou provado, na instrução processual, que esse incêndio não causou prejuízo significativo para a vítima, uma vez que estava vazio e seria demolido em seguida.

Ao ser interrogado na fase policial, o acusado mentiu sobre a sua identidade, fazendo-se passar por Pedro dos Santos. No final do ato, recusou-se a assinar o termo, mesmo contra ordem expressa da autoridade policial.

Em seguida, o acusado foi denunciado pelos delitos de extorsão qualificada pelo emprego de arma, incêndio, dano, falsa identidade e desobediência.

Em interrogatório judicial, realizado apenas na presença do representante do Ministério Público e do juiz, o acusado acabou confessando o delito. Em seguida, o seu defensor nomeado apresentou defesa prévia, arrolando cinco testemunhas.

Uma delas residia em outra Comarca, devendo ser inquirida por carta precatória. No entanto, o defensor não foi intimado da audiência no juízo deprecado, razão pela qual não pode acompanhar a inquirição.

Foram produzidas, durante a instrução processual, provas testemunhais que presenciaram o constrangimento na cobrança da dívida, bem como perícia que constatou a ocorrência do incêndio no depósito da vítima.

No entanto, não assiste razão ao Ministério Público ao pretender a condenação do acusado nos termos da denúncia, pelos fundamentos que passa a expor:

PRELIMINARMENTE

1. NULIDADE DO PROCESSO PELA AUSÊNCIA DO DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO

Nos termos do artigo 185 do CPP, o interrogatório judicial ocorrerá obrigatoriamente na presença do defensor do acusado.

Nesse sentido, vale transcrever o dispositivo legal:

“Art. 185 - O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.”

Insta salientar que, apesar do dispositivo legal supra citado, no caso em tela, o acusado foi interrogado apenas na presença do juiz e do representante do Ministério Público.

Vale ressaltar que esta ausência trouxe manifesto prejuízo à defesa, uma vez que os acusados, sentindo-se pressionados, acabaram confessando o delito em apreço.

Trata-se, pois, de verdadeiro cerceamento de defesa e violação ao princípio do contraditório, razão pela qual a nulidade processual deve ser declarada.

Requer, portanto, que seja declarada a nulidade processual pelo cerceamento de defesa ante a ausência do defensor no interrogatório, nos termos do artigo 564 do CPP.

2. NULIDADE PROCESSUAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA

Nos termos do artigo 222 do Código de Processo Penal, a testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

No entanto, não houve, no caso concreto, a intimação do defensor da expedição da carta precatória, razão pela qual este não pôde acompanhar a audiência no juízo deprecado.

Vale ressaltar que essa ausência da intimação trouxe manifesto prejuízo à defesa, uma vez que as testemunhas arroladas eram indispensáveis à elucidação dos fatos.

Houve, dessa forma, verdadeiro cerceamento de defesa, razão pela qual a nulidade processual deve ser declarada.

Nesse sentido é a jurisprudência:

“Nulidade processual na expedição de precatória para audiência de testemunha, por falta de regular intimação da defesa. Prejuízo sofrido pelo recorrente (...)” (RT 575/481)

Requer, assim, que seja declarada a nulidade do processo por cerceamento de defesa, nos termos do artigo 564 do Código de Processo Penal.

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3. NULIDADE PROCESSUAL POR ILEGITIMIDADE DE PARTE

No caso em tela, o condenado foi denunciado pelo Ministério Público como incurso no crime de dano, previsto no artigo 163 do CP.

No entanto, é necessário reconhecer neste crime a ação penal é de iniciativa privada, nos termos do artigo 167 do CP.

Nesse sentido, a ação penal somente poderia iniciar através de queixa do ofendido, o que não ocorreu no caso concreto. Trata-se, portanto, de nulidade processual por ilegitimidade de parte.

Nesse sentido é a doutrina:

“A nulidade do processo é absoluta quando se trata de ilegitimidade ativa ou passiva, como, por exemplo, no caso de oferecimento de denúncia em crime que se apura mediante ação penal de iniciativa privada” (Mirabete, Código de Processo Penal Interpretado, p. 1390)

Requer, assim, que seja declarada a nulidade processual por ilegitimidade de parte, nos termos do artigo 564 II do CPP.

MÉRITO4. ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE INCÊNDIO

Para a caracterização do delito de incêndio, previsto no artigo 250 do CP, é necessário que o fogo cause perigo a um número indeterminado de pessoas.

No entanto, tal circunstância não ocorreu no caso em tela, uma vez que o local estava completamente abandonado, com a ausência dos moradores.

Nesse sentido, não restou configurado o delito de incêndio, razão pela qual a absolvição é medida que se impõe.

Assim dispõe a doutrina:

“Por força de lei, para a existência do crime de incêndio, é indispensável a prova da ocorrência de perigo efetivo, concreto, para pessoas indeterminadas. (Mirabete. Código Penal Interpretado, p. 2001)

Requer, portanto, que o acusado seja absolvido do delito de incêndio, nos termos do artigo 386 III do CPP.

5. ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE DANO

Para configurar o delito de dano, previsto no artigo 163 do CP, é necessário que o ato praticado acarrete efetivo prejuízo para a vítima.

Contudo, tal circunstância não ocorreu no caso concreto, pois o depósito estava vazio, seria demolido em seguida, e não houve perda significativa.

Nesse sentido, não restou configurado o delito de dano, razão pela qual a absolvição é medida que se impõe.

Assim dispõe a jurisprudência:

O dano não deve restringir-se tão somente à mera lesão de coisa alheia, mas sim àquela que representa realmente significado para o seu proprietário. (RJDTACRIM 9/75)

Requer, portanto, que o acusado seja absolvido do delito de dano, nos termos do artigo 386 III do CPP.

6. ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE FALSA IDENTIDADE

Por não prestar compromisso de falar a verdade, o interrogatório, meio de defesa, é uma oportunidade em que o acusado pode se calar e até mesmo mentir sobre determinada circunstância.

Dessa forma, não restou configurado o delito de falsa identidade, previsto no artigo 307 do CP, em função do princípio da ampla defesa vigente no interrogatório.

Nesse sentido é a jurisprudência:

Não configura a conduta típica do art. 307 do CP o fato de a pessoa, indiciada, se atribuir falsa identidade, perante a autoridade policial, porquanto trata-se, na verdade, de mecanismo de autodefesa, amparado, em última análise, pelo direito constitucional de permanecer em silêncio. (RT 814/570)

Requer, portanto, que o acusado seja absolvido do delito de falsa identidade, nos termos do artigo 386 III do CPP.

7. ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE DESOBEDIÊNCIA

A recusa do acusado em assinar o interrogatório é um direito do acusado. Assim, tem o mesmo plena liberdade para praticar ou não o ato, uma vez que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Dessa forma, não restou configurado o delito de desobediência, previsto no artigo 330 do CP.

Nesse sentido é a jurisprudência:

Desobediência. Agente que se recusa a assinar o interrogatório. Delito não caracterizado. Deixar de assinar o interrogatório era um direito legítimo do acusado. Tal recusa não caracteriza o crime de desobediência, mesmo porque, em sendo acusado, o agente tem plena liberdade para assinar, ou não seu interrogatório. (JTACRIM 75/403)

Requer, portanto, que o acusado seja absolvido do delito de desobediência, nos termos do artigo 386 III do CPP.

8. DESCLASSIFICAÇÃO DE EXTORSÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES

Restou comprovado, durante a instrução processual, que o apelante somente ameaçou a vítima visando o ressarcimento de crédito que lhe era devido.

Dessa forma, o apelante pretendia apenas satisfazer a sua legítima pretensão, fazendo justiça com as próprias mãos.

Portanto, não há que se falar em extorsão, mas sim no delito de exercício arbitrário das próprias razões,

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previsto no artigo 345 do Código Penal, nos seguintes termos: “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”.

Nesse sentido é a doutrina:

O art. 345 é um tipo de conduta livre em que o agente faz justiça pelas próprias mãos, para satisfazer a uma pretensão. (...) A ação pode ser praticada por qualquer meio: violência, ameaça, fraude, que em outras circunstâncias constituiria um crime. (Mirabete, Código Penal Interpretado, p. 2582)

Requer, assim, a desclassificação do delito de extorsão para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no artigo 345 do CP.

9. EMPREGO DE ARMA

Restou comprovado, durante a instrução processual, que o apelante, em nenhum momento, empregou efetivamente qualquer tipo de arma na ameaça à vítima.

A simples menção de estar armado uma faca em seu poder não basta para configurar a qualificadora do artigo 158 do CP, uma vez que o apelante não fez uso da mesma durante os fatos.

Nesse sentido é a jurisprudência:

É impossível reconhecer a qualificadora do § 1º do art. 158 do CP, quando o agente não chegou a exibir a arma, limitando-se a afirmar que estava armado (...) (RJTACRIM 66/80)

Requer, dessa forma, que seja desconsiderada a qualificadora prevista no artigo 158 § 1º do Código Penal, referente ao emprego de arma.

10. CONFISSÃO

No dia do interrogatório realizado em juízo, o acusado reconheceu a prática da infração penal, confessando a conduta respectiva.

Nesse sentido, é importante reconhecer as circunstância atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal, a seguir transcrita:

“Artigo 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) III - ter o agente: (...) d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime.”

Requer, nesses termos, o reconhecimento da atenuante referente à confissão para o acusado.

11. MENORIDADE

Considerando que o acusado no dia dos fatos pelo quais foi denunciado, tinha 20 anos de idade, deve-se reconhecer a atenuante prevista no artigo 65 do Código Penal referente à menoridade, a seguir transcrita:

“Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I – ser o agente menor de 21 (vinte e um) na data do fato”

Requer, nesses termos, que seja reconhecida a atenuante referente à menoridade prevista no artigo 65 I do Código Penal.

12. REQUERIMENTO FINAL

Ante o exposto, como medida indispensável à realização da justiça, requer:

a) que seja declarada a nulidade processual pelo cerceamento de defesa ante a ausência do defensor no interrogatório, nos termos do artigo 564 do CPP.

b) que seja declarada a nulidade do processo por cerceamento de defesa, nos termos do artigo 564 do Código de Processo Penal.

c) que seja declarada a nulidade processual por ilegitimidade de parte, nos termos do artigo 564 II do CPP.

d) que o acusado seja absolvido do delito de incêndio, nos termos do artigo 386 III do CPP.

e) que o acusado seja absolvido do delito de dano, nos termos do artigo 386 III do CPP.

f) que o acusado seja absolvido do delito de falsa identidade, nos termos do artigo 386 III do CPP.

g) que o acusado seja absolvido do delito de desobediência, nos termos do artigo 386 III do CPP.

h) a desclassificação do delito de extorsão para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no artigo 345 do CP.

i) que seja desconsiderada a qualificadora prevista no artigo 158 § 1º do Código Penal, referente ao emprego de arma.

j) o reconhecimento da atenuante referente à confissão para o acusado.

l) que seja reconhecida a atenuante referente à menoridade prevista no artigo 65 I do Código Penal.

Nesses termos, pede deferimento.

(Local de prova), 8 de outubro de 2006.

FULANO DE TALOAB/SC – 0000