Alexandre Cherman - Por Que as Coisas Caem: Uma Historia Da Gravidade

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Porque as coisas caem

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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutandopor dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo

nível."

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Alexandre ChermanBruno Rainho Mendonça

Por que as coisas caem?Uma história da gravidade

2ª edição

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Para Angélica e Ísis, este maravilhososistema binário ao redor do qual eu gravito.

ALEXANDRE CHERMAN

Para os meus pais, por absolutamente tudo.BRUNO RAINHO MENDONÇA

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Sumário

Lista de ilustraçõesIntrodução

PARTE I Os fatos da gravidade

1. DESDE QUANDO AS COISAS CAEM?

As coisas sempre caíram | Naturalmente… | Convivendo com a gravidade |A pré-história da gravidade | O peso das coisas | A gravidade na GréciaAntiga: o começo | Platão

2. ARISTÓTELES ENTRA EM CENA

Paradigmas e paradigmas… | O Cosmos aristotélico | O Universo comouma cebola | Movimento natural | A forma da Terra | Peso e leveza | Naságuas e nos átomos | Críticas caseiras | O Sol como centro | Arquimedes |Deferentes e epiciclos | Um modelo definitivo? | Fechando a Antiguidade

3. CONTENTAMENTOS E CONTESTAÇÕES

Entrando nas trevas? | Além das terras europeias | A salvação árabe | Quecaiam os graves | A gravidade dos pecados | É preciso ter ímpeto | Umaespécie de força | Pluralidade de mundos | A cinemática dos corpos

4. COMO COMEÇA UMA REVOLUÇÃO?

Amadurecendo ideias | Heresias sutis | Renascença | Da Vinci e a gravidade| Da Vinci e o movimento | Tiro ao alvo | A peste em campo | Preparando oterreno | Revolução copernicana? | Revolução, sim, até no título

5. É ASSIM QUE AS COISAS CAEM

Enquanto a revolução repercute | Terra magnética | O grande observador |Contemporâneos geniais | O jovem Galileu | Desvendando mistérios |Movimentos celestes e terrestres | Uma nova astronomia | Corrompendo oscéus | Harmonizando | Um diálogo que mudou o mundo | O discurso final

6. ENFIM, NEWTON…

O jovem Isaac vai ao Trinity… e volta! | Ideias, ideias, muitas ideias |

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Newton e Hooke | Newton e Halley | O Principia | O sistema do mundo | Asproposições do livro três | O canhão de Newton — um interlúdio |Aristóteles sai de cena… | De volta ao Principia | Vórtices cartesianos —um interlúdio | Marés, a Lua, cometas | Hypotheses non fingo | Um valorpara a força da gravidade | Cavendish e a balança de torção | Planetasperturbados

PARTE II A gravidade dos fatos

1. CHEGANDO AO SÉCULO XX

Revisitando o status quo | A luz e a gravidade | A natureza da luz | O éterluminífero | Provando que o éter (não) existe | O que ondula a onda de luz? |O eletromagnetismo | Campos de força | A natureza da luz — Parte II | Avelocidade da gravidade

2. A TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL

Um paradigma confortável | Nem tudo é relativo | Moldando o espaço e otempo | Quando 1+1 é igual a 1 | Réguas e relógios confiáveis | Quatrodimensões | Um limite físico para a velocidade | A equação mais famosa domundo | O calcanhar de aquiles

3. A TEORIA DA RELATIVIDADE GERAL

Referenciais não inerciais | Um pensamento feliz | Simulando a ausência degravidade | O desvio da luz | O desvio para o vermelho | A luz tem massa? |Retas e geodésicas | Uma nova abordagem para uma velha força | Acurvatura do espaço-tempo | O eclipse de 1919 | A precessão do periélio deMercúrio | Em resumo

4. A GRAVIDADE DE MUITO LONGE

O bom e velho Isaac Newton | A formação do Sistema Solar | As galáxias |Curvas de rotação | Matéria escura | MOND

5. UM POUCO DE FÍSICA QUÂNTICA

A-tomos | Átomos | Tomos | Retrato falado de um átomo | Um modelo irreal| Átomos de energia | O efeito fotoelétrico | A natureza é dual | Retratofalado de um átomo — Parte II | Probabilidades | Incerteza | Retrato faladode um átomo — Parte final | A mecânica quântica — Um resumo

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6. A GRAVIDADE DE MUITO, MUITO PERTO

O inverso do quadrado da distância | O tamanho do infinito | Normalização |Desnormalizando o normalizado | A eletrodinâmica quântica | Gravidadenão renormalizável | Infinitos e infinitos | A diagonal de Cantor |Autointeração

7. A UNIFICAÇÃO DAS FORÇAS FUNDAMENTAIS

O caminho percorrido | A gravidade e o eletromagnetismo antes da físicaquântica | Kaluza-Klein | Outras dimensões | Dimensões compactas |Surgem as forças subatômicas | O gráviton

8. PARA ONDE VAMOS?

A gravitação quântica | A teoria de tudo existe? | Como vamos para ondequeremos ir? | Classe | Força | Elegância | Inovação | Em caso deemergência… | O fim está longe! Ou não…

BibliografiaÍndice remissivo

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Lista de ilustrações

PARTE 1

Pintura em um vaso antigo do século VI AEC

Sólidos regulares e seus elementos primordiais

Modelo aristotélico desenhado por Peter Apian

Esferas homocêntricas propostas por Eudoxo

Comportamento de um corpo em queda após ultrapassar o chão de uma Terraplana

Prova de Erastóstenes para a esfericidade da Terra

Elementos primordiais e seus lugares naturais

Como Aristarco calculou as distâncias e tamanhos relativos Terra, Sol e Lua

Trajetória da Lua pela sombra terrestre observada por Aristarco

Representação do modelo com epiciclo, deferente e equante

A influência aristotélica na construção das trajetórias dos projéteis paradiferentes ângulos de arremesso

Gráficos de movimento uniformemente disforme e uniforme

Frontispício da Nova ciência de balística

Visualização do movimento retrógrado a partir do modelo heliocêntrico

Modelo heliocêntrico no Sobre as revoluções dos orbes celestes

Esboço do modelo proposto por Tycho Brahe

Tabela com o período de revolução dos planetas

Gráfico de Galileu com a trajetória semiparabólica dos projéteis

O “canhão de Newton”

A Terra, achatada no Equador e nos polos

A balança de torção de Cavendish

PARTE 2

Onda longitudinal e onda transversal

Duas fendas, duas frentes de onda

Esquema do interferômetro

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A força magnética, para Faraday

Curva de rotação de um corpo rígido

Curva de rotação esperada para a galáxia

Curva de rotação observada para a galáxia

Representação clássica do átomo de Rutherford

Fórmulas para as forças gravitacional e eletromagnética!

A utilidade de dimensões superiores

O raio do círculo

O raio da esfera

A treliça tridimensional

A onda gravitacional

As partículas elementares

Gravidade newtoniana modificada

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Introdução

A gravidade deve ser causada por um agente… mas seeste agente é material ou imaterial, eu deixei para aconsideração de meus leitores.

ISAAC NEWTON

A gravidade é a primeira coisa em que não pensamos.ALBERT EINSTEIN

Força da gravidade.Pronto, acabou o mistério. Eis aí a resposta para a pergunta estampada na

capa deste livro. Mas isso lhe basta como resposta?A ciência é feita de hipóteses. E uma boa hipótese para dar conta desta

segunda questão é que uma resposta assim, curta e direta, não satisfaz. E, comocorolário, eis aqui você com este livro nas mãos.

As coisas caem por causa da gravidade.O termo em si vem do latim gravitas, formado a partir do adjetivo gravis, que

significa “pesado”, “importante”. “Importante”. Faz pensar. Em sânscrito, outralíngua igualmente antiga, gravidade é Gurutvaakarshan. Repare o início dapalavra: “guru”. É justamente o termo usado para designar os respeitadosmestres espirituais e chefes religiosos do hinduísmo. E, em uma corruptela,também resulta no grego barus (“pesado”), origem da palavra “barítono” (de vozgrave).

Mas isso é retórica! O ponto principal é: o que é a força da gravidade? E porque ela é tão especial?

Pois não há dúvida de que ela é especial. Se não fosse, como explicar que osdois maiores gênios das ciências, Isaac Newton e Albert Einstein, tenham sededicado a ela? E não só isso: tenham sido alçados a essa condição genialjustamente por terem vislumbrado parte de seus segredos?

Indo mais além, como explicar sua escorregadia natureza, que, como vemosna abertura desta introdução, parece escapar tanto de Newton — que deixa acargo dos leitores algumas hipóteses —, quanto de Einstein — que a classificacomo algo em que não se pensa?

A gravidade é especial porque ela é universal, para usar uma palavra cara aNewton, ou, ainda, porque é geral, usando um termo querido de Einstein.

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Pois às vezes eu me pergunto como seria se Newton, muito antes de CharlesDarwin, por exemplo, tivesse vindo ao Brasil…

Gosto de imaginar Newton refestelado, ávido por descansar de suas andançassob o sol tropical. Em uma estrada de bosque qualquer, ele procura uma árvoreem busca de uma sombra aprazível. E eis que se depara com… uma jaqueira.Árvore exótica, de cheiro forte e fruto exuberante, vegetal recém-chegado aoBrasil, assim como aquele jovem cientista britânico que aqui se refugiava dapeste que se abateu sobre sua Universidade.

Um cochilo leve, uma brisa amena e eis que lhe cai uma jaca na cabeça!Newton perde os sentidos. Os nativos — talvez meu tataravô! — acodem. Algunsabanam, alguns jogam água, a dona da casa que o acolhe ordena à escrava quetraga sais, alguns apenas observam, torcendo para que o pior não tenhaacontecido. Apesar de todos os esforços, Newton permanece desacordado…

Nessa minha história inventada, não só acompanho Newton em sua viagemao Brasil, mas também consigo ver o que passa por sua cabeça. E nessemomento de dor, em meio ao susto e ao medo do que pode ter lhe acontecido,Newton vê coisas. Ou melhor, vê pessoas…

Na verdade, Newton vê uma pessoa apenas.Newton vê… Albert Einstein…E, já que estamos falando de um delírio dentro de uma ficção, eles se

reconhecem e se abraçam como velhos amigos.— Albert!, diz Newton.— Isaac!, responde Einstein.E da forma mais inusitada possível, em um português carregado de sotaque,

falam em uníssono:— Como andam seus estudos sobre a gravidade?Riem um pouco com a coincidência. Após se recomporem, Newton é o

primeiro a responder:— Estou indo por um bom caminho. Acabo de entender que a gravidade é

uma força universal, que existe tanto na Terra quanto fora dela!— Ah! Que belo momento intelectual você está vivendo, Isaac! Como eu o

invejo. De minha parte, estou sofrendo muito com retas que não são retas; amatemática me assusta.

— Persevere, amigo Albert. E não cometa o mesmo pecado que eu. Peçaajuda. Não se acanhe. O mundo só tem a ganhar…

— Diga isso a Leibniz. Ou, melhor, a Robert Hooke!E diz isso em meio a uma risada maliciosa. Newton balança a cabeça em

reprovação:— Albert, Albert, Albert… sempre o brincalhão! Você deveria respeitar os

mais velhos! Não me provoque desse jeito…

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E com esse tom cordial, eles começam a caminhar, muito próximos um dooutro, falando baixo e rindo de vez em quando. Mesmo sendo a minha ficção,eles se afastam e eu os perco de vista. Jamais saberei as confidências quetrocaram…

Ou não. Pois minha imaginação continua e nesta história fictícia Newtonacorda, desorientado. Não sabe onde está. Cambaleia rumo ao cais, adentra suacabine em uma nau inglesa. Dias se passam até que ele se recupere porcompleto.

Meses depois, está de volta à Inglaterra. Nem chega a visitar sua fazenda emWoolsthorpe, voltando direto para a Universidade, já reaberta. Lá, torna-se umexcelente professor, membro da Royal Society, e aplaude, com reprimidainveja, quando uma junta de cientistas britânicos, liderada por Edmond Halley eRobert Hooke, desvenda os mistérios da gravidade.

Maldita jaca brasileira! Se pelo menos fosse uma maçã…Mas, afinal, foi uma maçã! Ou pelo menos a maioria das pessoas acha que

foi. Newton se refugiou da peste na propriedade de sua família, repleta demacieiras, e durante um cochilo vespertino, teria sido acordado por uma maçãque lhe caiu na cabeça. Ao recobrar-se do susto, havia descoberto a lei dagravidade!

A história com o fruto é quase tão lenda quanto a da jaca; nunca aconteceu.Mas, com o perdão do trocadilho, é frutífera demais para não ser visitada pornós. Em um autêntico “telefone-sem-fio” se estendendo pelo tempo e peloespaço, a maioria das pessoas hoje praticamente resume Newton com umahistória que não é verdadeira!

E de onde surgiu esse mito? Muito provavelmente teve origem na sobrinha deNewton, Catharine Barton. É muito provável que o pensador tenha usado a maçãcomo exemplo de algo que cai na Terra, para depois ilustrar que a força que afaz cair é a mesma que mantém a Lua em órbita do planeta. Catharine casou-secom John Conduitt, membro do Parlamento britânico, e por meio dele conheceuo filósofo francês François Marie Arouet, o Voltaire. E foi Voltaire queimortalizou a história da maçã em seu livro Lettres sur les anglais, de 1734.

Pois a ciência, assim como a história, é feita por pessoas e, vez ou outra, aspequenas idiossincrasias de cada um se interpõem entre os fatos.

E há idiossincrasia maior do que alterar uma equação matemática apenasporque ela não lhe forneceu o resultado esperado? Especialmente porque o“resultado esperado” se baseava em uma crença religiosa, e não em dadoscientíficos…?

Pois Einstein caiu nessa armadilha ao aplicar a relatividade geral ao Universo,tentando entender sua dinâmica. Em busca de uma comprovação de sua crença,a de que o Universo era estático, perfeito e imutável, Einstein alterou (“cozinhou”

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é o jargão usado em física experimental) seu resultado — uma belíssimaequação de um tipo intrincado de cálculo, chamado tensorial — e comprovouexatamente aquilo que buscava: o Universo era estático!

Alguns físicos e matemáticos contemporâneos a Einstein, com uma especialcitação ao russo Alexander Friedmann, insistiram nos resultados reais da equaçãode Einstein: o Universo era dinâmico e estava em expansão. Friedmann afirmouisso em 1922, seis anos depois de Einstein ter cozinhado suas equações… Maspouca gente acreditou nele. O resultado, entretanto, seria comprovado em 1929pelas observações de Edwin Hubble, e Einstein se retratou, afirmando que aquelehavia sido o “maior erro de sua vida”. Infelizmente, Friedmann já havia morridoquando isso aconteceu…

O resultado equivocado de Einstein se apoiou tão somente em sua fama. E elapersiste até hoje! O inventor da teoria da relatividade é o epítome do cientista,um arquétipo maior que a realidade, um signo, um símbolo, uma lenda. Sua fotode língua de fora — uma atitude tomada por ele com a intenção de “estragar” afoto e ser deixado em paz pelos fotógrafos — é a imagem mais conhecida de umhomem de ciência. E sua equação, E=mc2, é a expressão matemática maisfamosa de todos os tempos.

Einstein e Newton. Newton e Einstein. Os dois pilares desta bela históriachamada gravitação. Mas todos os pilares se apoiam em sólidas bases. E os maisbelos são adornados, dos pés ao topo. E pilares, claro, têm uma função: ter algoapoiado sobre eles…

Neste livro falaremos justamente disso, pilares. E das bases, dos adornos e dofechamento disso tudo. Ou da falta deles. Sim, pois o grande diferencial dagravidade, em relação a tantos e tantos ramos da física, é que, passados mais de2.400 anos de estudo, ainda não a entendemos por completo. E, aparentemente,ainda estamos longe de fazê-lo…

* * *

Independentemente da maçã, independentemente de Newton,independentemente de nós mesmos, a gravidade sempre existiu. E contar ahistória desse algo que sempre existiu é a tarefa deste livro. Ou, pelo menos, desua primeira parte. Na segunda, a tarefa é mostrar como é essa existência naprática (e em várias teorias).

“Os fatos da gravidade”, “A gravidade dos fatos”. Aproveite!

ALEXANDRE CHERMAN

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PARTE IOs fatos da gravidade

Bruno Rainho Mendonça

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1 | DESDE QUANDO AS COISAS CAEM?

Cada um de nós é um expert natural em gravidade.DAVID DARLING

As coisas sempre caíram

Desde que o mundo é mundo, as coisas caem. Antes disso, até! Talvez usar overbo “cair” para descrever alguns fenômenos ocorridos antes da formação donosso planeta, nos primórdios do Universo, seja até um abuso de linguagem. Masé fato que já naquela época havia a interação gravitacional.

Na segunda parte deste livro, veremos que a natureza da gravidade é elusiva.De todas as forças do Universo, ela parece ser a mais tímida (stricto e latosensu). Não restam dúvidas, entretanto, de que ela atua desde os primórdios…

Ainda assim, a pergunta: podemos falar em “queda”? “Cair” pressupõe umacovardia gravitacional que não havia no passado distante. “Cair” implica umadesigualdade de matéria, algo de bastante massa atraindo algo com massamenor. Dessa desigualdade gravitacional surge o fenômeno da queda.

Se quisermos ser muito rigorosos em nosso idioma, as coisas começam a cairno momento que surgem no Universo objetos extensos — planetoides,protoestrelas, núcleos galácticos. Mas, claro, antes disso já havia a interaçãogravitacional.

Sem nos aprofundar pelos meandros cosmológicos que fogem do assuntoprincipal deste livro, e também alargando um pouco o significado do verbo“cair”, a resposta à pergunta título deste capítulo é simples: as coisas caem desdesempre.

(Ou, pelo menos, as coisas caem desde que existem coisas…)O interessante dessa pergunta, então, não é sua resposta objetiva. É o caminho

que nos leva à resposta. Queremos, antes de entender a gravidade por si só,entender como nossos antepassados entendiam a gravidade.

Naturalmente…

Imagine a seguinte situação: uma torneira é aberta e a água que passa por ela saipara cima, para os lados, para a frente, enfim, em todas as direções. Ou, então,um jogador de futebol faz um lançamento em profundidade, e a bola, em vez deparar no pé de seu companheiro, inicia uma viagem rumo aos confins do Sistema

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Solar.Você pode estar pensando que isso é totalmente antinatural! Mas o que é

“natural”? As coisas caírem, por exemplo, é natural. Desde que o mundo émundo, ou seja, mesmo antes de o homem se estabelecer sobre a Terra, ascoisas caem. A pedra solta despenca montanha abaixo, a maçã madura cai daárvore e, muito provavelmente, qualquer ser que tenha observado essesacontecimentos há milhares de anos não deve ter se questionado sobre o motivopelo qual aquele fenômeno ocorria. Porque era natural e se repetia desdesempre. Assim, é impossível saber quem foi a primeira pessoa a questionar outentar explicar por que as coisas caem.

Hoje, se várias pessoas fossem indagadas sobre o motivo da queda doscorpos, certamente as respostas trariam uma palavra como principaljustificativa: a gravidade. E apesar da recorrente presença desse termo namaioria dessas respostas, alguns não sabem exatamente o que é a gravidade ou arazão de sua existência. Mesmo assim, curiosamente, encaram com totalnaturalidade o comportamento das coisas no Universo, da mesma maneira queos antigos habitantes da Terra. À noite, deitam-se em suas camas para dormir, eestas não ficam no teto, mas no chão mesmo. Porque, de fato, isso é natural!

Convivendo com a gravidade

A citação de David Darling que abre este capítulo é emblemática. De fato, nãohá entre nós alguém que não conheça intimamente a gravidade. Até porqueconvivemos com ela 24 horas por dia.

Nossos corpos foram esculpidos sob a ação da gravidade terrestre. São comosão graças a milhões de anos de evolução submetidos a essa força. Asnecessidades cotidianas também são supridas levando-se em consideração a suaexistência.

Tente imaginar o homem primitivo, caçando sua presa com uma lança eerrando o alvo sucessivamente, assim que começou a exercer essa prática. Elenão sabia, mas contava com a gravidade para arremessar sua arma. Somentelevando-a em consideração, mesmo sem suspeitar de sua existência, seriapossível dominar essa técnica. E pelo método de tentativa e erro ele a dominou,por uma questão de sobrevivência. Os animais, obviamente, também dependemdessa força. Uma aranha, por exemplo, seria incapaz de construir sua teia sem agravidade terrestre para guiá-la. E isso serve apenas para ilustrar um pouco adependência que tudo aquilo que se encontra em nosso planeta tem dessa “forçada natureza”. Até a própria Terra só existe devido à gravidade, e sua forma,aproximadamente esférica, pode ser explicada a partir do momento queentendemos como atua essa força.

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Portanto, vamos buscar esse entendimento sobre a força da gravidade sem,entretanto, partir diretamente para o que se sabe atualmente. O intuito éencontrar os alicerces sobre os quais foi construído todo o conhecimentoacumulado acerca dos conceitos por trás da gravidade.

A pré-história da gravidade

A noção de gravidade como uma força é relativamente recente, e por estemotivo, nos primórdios da civilização esse conceito muitas vezes se confundiacom os de massa e peso (principalmente este último). Naquela época, agravidade (ou o peso) era considerada uma característica inerente ao objeto,como cor ou odor. Enfim, era uma qualidade.

Podemos ver em Lost Discoveries, obra do renomado Dick Teresi, que naÍndia Antiga já havia uma ideia correta a respeito do que de fato é a gravidade.Ele relata um quadro situado por volta do século VIII AEC:1 “filósofos no Norteda Índia tinham entendido que a gravitação mantinha o Sistema Solar unido, eque, desta forma, o Sol, o objeto de maior massa, teria que estar no centro”.Uma curiosidade e tanto, mas infelizmente não existem relatos de como essesfilósofos teriam chegado a essa conclusão, fato que nos permite apenasconfabular ou especular a respeito dessa teoria.

Outro registro interessante também realizado na Índia Antiga pode serencontrado no trabalho de um sábio hindu chamado Kanada, que viveu no séculoVI AEC. Foi ele quem fundou a escola filosófica de Vaisheshika, e em um artigoescrito pelo pesquisador Subhash Kak intitulado “Indian phy sics: outline of earlyhistory ”, podemos encontrar uma dedução bastante interessante.

Segundo Kak, Kanada argumentava que o “peso causa a queda; isso éimperceptível e conhecido por inferência”. Podemos notar que a intuição dosábio hindu estava no caminho certo, mas havia ainda um longo trajeto a serpercorrido em termos conceituais.

O peso das coisas

Foi muito provavelmente com o peso que pela primeira vez a força da gravidadefoi usada diretamente a favor do homem. A pesagem dos objetos foi bastanteimportante no início das civilizações. Quando precisavam comercializarmercadorias e encontravam alguma dificuldade em mensurar sua quantidade,como, por exemplo, no caso de grãos ou metais, os antigos comerciantesrecorriam a aferições de volume ou peso. Assim, estabeleciam unidadesespecíficas para trocas, que mudavam em cada lugar e época.

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Na Assíria, por exemplo, o rei Salmanasar V, entre os anos de 726 e 722 AEC,estabeleceu oficialmente a mina como unidade padrão de peso, de forma quehavia a “mina pesada” (aproximadamente 1kg, em valores atuais) e a “minaleve”, que teria cerca da metade do peso da anterior.

Pintura em um vaso antigo do século VI AEC, mostrando a pesagem demercadorias com o uso de uma balança.

Até mesmo moedas eram contabilizadas por peso, visto que somente a partirdo século XVII elas passaram a ser produzidas com a mesma quantidade dematerial para cada uma. Dessa maneira, embora houvesse a possibilidade de secontar a quantidade de moedas, como algumas tinham mais ouro (ou outromaterial) que as outras, o peso de certa quantidade era o que representava seuvalor real.

A gravidade na Grécia Antiga: o começo

Foi na Grécia Antiga que muitos conceitos relativos à gravidade começaram aser introduzidos em um contexto mais científico. Tales de Mileto (c.624-c.546AEC), considerado o primeiro filósofo ocidental, foi o responsável por proclamaro que vários estudiosos acreditam ser o primeiro princípio físico da história: tudoé feito de água.

Com essa afirmação, Tales instituía a água como o elemento primordial detodas as coisas, algo que sabemos hoje não ser verdade, apesar de suaimportância para a vida na Terra. Ele defendeu também, possivelmente

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influenciado pela obra do poeta grego Homero, que a Terra seria plana, cercadapor um imenso oceano.

Sabemos que Tales errou grosseiramente também nessa proposta, masperceberemos que a partir daquele momento outros filósofos concentraram seusesforços na tentativa de buscar a forma certa de nosso planeta. Eis aí seu mérito:Tales abriu as portas para que seus sucessores pudessem explorar mais a fundo anatureza das coisas.

Um desses sucessores foi Pitágoras de Samos (c.570-c.497 AEC), um dosprincipais matemáticos gregos, que propôs que a Terra seria esférica, mas porrazões místicas. Como líder (e fundador, claro) da Escola Pitagórica, que tinhauma linha de pensamento místicocientífica, ele acreditava que a esfera era umaforma perfeita e que por isso a Terra teria esse formato e não qualquer outro.

A essa altura, não devíamos esperar que seu argumento fosse baseado naforça gravitacional. Mas ainda mais que isso, sua justificativa foi bastante infelizem termos científicos, embora deveras influente devido ao grupo de seguidoresque suas ideias arregimentaram ao longo das décadas. Segundo Pitágoras, aTerra esférica seria o centro imóvel do Cosmos (termo cunhado por ele mesmo)e os planetas, o Sol e a Lua girariam ao seu redor.

Mais ou menos nessa época surgiu a proposta paralela de que esses astrosestariam presos a esferas cristalinas invisíveis, e que o movimento dessasestruturas causaria o deslocamento do objeto celeste vinculado a sua respectivaesfera…

Esta foi a forma encontrada por aqueles pensadores para explicar omovimento dos astros e sua disposição no Universo: absolutamente incipiente,porém totalmente compreensível se levarmos em conta as ferramentasmatemáticas de que dispunham e o contexto cultural e religioso no qual estavamimersos.

Platão

O mais célebre dos pitagóricos talvez tenha sido Arístocles de Atenas (427-347AEC), mais conhecido como Platão graças ao seu porte atlético (plato, em grego,significa “largo”, em referência aos seus ombros). Foi ele o responsável porpopularizar o modelo geocêntrico de Pitágoras.

Platão também relacionou os cinco sólidos regulares descritos por seu mentor(posteriormente identificados de forma errônea como “sólidos platônicos”) comos quatro elementos primordiais reunidos por Empédocles de Agrigento (c.490-c.430 AEC), a terra, a água, o ar e o fogo, no que ficou conhecido como“princípio quaternário”.

(Empédocles considerava o “amor” a força atrativa que daria origem a tudo

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que existe, a partir da união desses quatro elementos. Uma curiosidade e tanto,pois se o conceito de força atrativa surge assim, sua origem parece ser interior,emocional.)

De acordo com Platão, em seu diálogo “Timeu”, à terra estaria associado ocubo, visto que é o poliedro com base mais estável, isto é, mais imóvel. Otetraedro, por ser o menor dos sólidos, e o icosaedro por ser o maior,representariam, respectivamente, o fogo e a água (esta relação de tamanho estáassociada a razão entre volume e área superficial). Já o ar, por estar numasituação intermediária, estaria vinculado ao octaedro, com tamanhointermediário entre o tetraedro e o icosaedro.

E como não havia um quinto elemento para ser associado ao dodecaedro, eledeclarou que seria o próprio Universo, que ainda assim Platão considerava ter aforma esférica.

Os cinco sólidos regulares e os elementos a eles associados.

Na mesma obra em que Platão divulgou essas ideias, ele iniciou uma confusadiscussão acerca do comportamento do que definiu como “corpos leves” e“corpos pesados”, e que está diretamente relacionado com o conceito maisprimitivo de gravidade.

Algumas de suas noções sobre essa questão estão refletidas de maneira maiselaborada no trabalho de seu mais famoso pupilo, Aristóteles de Estagira (384-322 AEC).

1 AEC é a abreviação de “Antes da Era Comum”, notação que vem substituindoo mais usual a.C., antes de Cristo. O marco zero da Era Comum é o mesmo daEra Cristã. Como hoje sabemos que a data do nascimento de Jesus Cristo foicalculada com erro pelos primeiros cronologistas, se continuássemos usando asexpressões “antes de Cristo” e “depois de Cristo”, acabaríamos escrevendofrases aparentemente absurdas, como, por exemplo, “Jesus Cristo nasceu no ano7 antes de Cristo”. Neste livro, quando as datas não forem seguidas pelas letrasAEC, isso significa que elas já pertencem à Era Comum.

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2 | ARISTÓTELES ENTRA EM CENA

Como nós podemos explicar os movimentos das coisasleves e pesadas aos seus lugares naturais? A razão paraisso é que elas têm uma tendência natural em direção auma certa posição; e isto é o que faz com que elas sejamleves ou pesadas, a primeira sendo determinada pelatendência de subir, e a última pela de cair.

ARISTÓTELES

Paradigmas e paradigmas…

Aristóteles pode ser considerado um dos pilares da história da gravidade, poisapesar de seu trabalho nessa área não representar a realidade atual, oconhecimento nele difundido perdurou por muitos séculos após sua morte.

Podemos notar em sua vasta obra que ele foi um profundo curioso no que dizrespeito às coisas da natureza, e baseou muitas de suas teorias principalmente napercepção que tinha desse “laboratório” que o cercava. Aristóteles teve aoportunidade de estudar com Platão por aproximadamente 20 anos, na famosaAcademia de Atenas, uma espécie de protouniversidade fundada pelo discípulode Sócrates, aproximadamente em 385 AEC. Ambos tinham uma visão bastantediferente sobre a natureza do mundo, sendo Aristóteles considerado maispróximo do perfil do cientista moderno, visto que sua filosofia foi construída combase nas observações (apesar de não ter testado muitas de suas teorias).

Aristóteles foi tutor do jovem Alexandre (que posteriormente receberia aalcunha de “o Grande”) em 342 AEC, e por volta do ano 330 AEC fundou suaprópria escola batizada de Liceu. Seus seguidores eram chamados deperipatéticos, devido ao fato de terem como costume filosofar caminhando(peripatein, em grego, quer dizer “passear”).

Mas o trecho da obra de Aristóteles que nos interessa é aquele em que osmovimentos celeste e mundano são objetos de estudo. Segundo ele, o movimentopoderia ser “natural” ou “violento” (do termo latino violentus, que significa“força”). Platão acreditava que objetos iguais tinham uma tendência a se unir. Jáseu aluno defendia a premissa de que todas as coisas tinham seu “lugar natural”.Além disso, Aristóteles dividiu o Universo em duas regiões distintas: o domíniosublunar e o domínio supralunar.

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O Cosmos aristotélico

Para melhor compreender sua proposta para o Cosmos, é importante conhecer adisposição dos astros de acordo com Aristóteles. O geocentrismo platônico foiadotado por ele, que considerava, portanto, a Terra imóvel como centro doUniverso finito e esférico. Nosso planeta seria ainda circundado por esferas nasquais se encontrariam, em ordem de afastamento da Terra: Lua, Mercúrio,Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e, finalmente, as estrelas fixas. Após estaúltima esfera, Aristóteles proclamou a existência do que chamou de “motorprimordial”, responsável pelo movimento harmonioso dessas esferas.

Essa divisão do Universo em sublunar e supralunar significava que, abaixo daesfera onde se encontrava a Lua, prevalecia a física dos quatro elementos.Porém, algumas alterações sutis nessa física foram feitas por Aristóteles. Paraele, cada um desses elementos seria composto pela combinação de quatroqualidades primárias: as ativas — o quente e o frio — e as passivas — o seco e oúmido. A combinação de uma qualidade ativa com uma passiva originaria umdos elementos primordiais, como, por exemplo, o frio e o seco formariam aterra, o quente e o úmido formariam o ar, e assim sucessivamente.

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Famosa figura do humanista alemão Peter Apian, publicada em seuCosmographia, de 1540, em que o modelo aristotélico é apresentado de

forma bastante simplificada.

Já a partir da esfera da Lua em diante, no mundo supralunar, era o reinado daastronomia, onde os movimentos eram circulares e uniformes. Segundo o próprioAristóteles, “a substância do céu e astros nós chamamos de éter”. Tambémconhecido como “quinto elemento” ou “quintessência”, o éter seria então oelemento puro, diferente dos outros quatro, do qual teria se originado tudo que seencontra na região supralunar.

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O Universo como uma cebola

O principal problema que o modelo geocêntrico carregava desde sua criação eraque as órbitas circulares e os movimentos uniformes propostos por Platão, devidoa sua “perfeição”, não explicavam o comportamento dos planetas no céu. Platãose esquivou dessa questão, mas outro discípulo seu, Eudoxo de Cnido (408-355AEC), propôs uma solução a partir do que ficou conhecido como “esferashomocêntricas”.

De acordo com Eudoxo, Sol e Lua estariam presos cada um a três esferasconcêntricas interligadas, de forma que o movimento combinado dessasestruturas ao redor de eixos com diferentes inclinações teria como resultado finalo movimento observado no céu. Já os cinco planetas estariam conectados aquatro esferas cada um, a fim de explicar suas trajetórias erráticas(principalmente o movimento conhecido como “retrogradação”, uma espécie delaçada que os planetas realizam no céu). Finalmente, a esfera onde estavamdispostas as estrelas fixas seria mesmo apenas uma, que se moveria de oestepara leste. No total, Eudoxo montou um sistema com 27 esferas, uma dentro daoutra.

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Exemplo de quatro esferas homocêntricas cujos movimentoscombinados ao redor de diferentes eixos resultariam na trajetória

observada de um planeta, segundo a proposta de Eudoxo.

Um aluno de Eudoxo, Calipo de Cízico (c.370-c.300 AEC), na tentativa deaprimorar o modelo do mestre, acrescentou mais sete esferas (duas para o Sol,duas para a Lua e uma para cada um dos seguintes planetas: Mercúrio, Vênus eMarte), totalizando 34.

Embora tenha ajudado Calipo a consertar o sistema de Eudoxo, Aristótelescontinuou a trabalhar nesse projeto com o intuito de aperfeiçoá-lo ainda mais, jáque mesmo depois dos ajustes ainda eram notadas imprecisões ao confrontá-lo

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com as observações. E como em sua proposta de Universo não havia espaçovazio — ele tinha aversão ao vácuo —, todas as esferas homocêntricas estariamem contato direto umas com as outras, o que lhe fez postular a existência de“esferas compensadoras”, que anulariam o movimento imposto por outrasesferas que não fossem as dos próprios astros.

Não há dúvida de que havia diversas lacunas nesse modelo, que ficou com 56esferas no total. Contudo, Aristóteles chegava mais próximo de explicar ocomportamento real dos astros mantendo os movimentos circulares e uniformes,isto é, como mandavam os ensinamentos de seu mestre Platão, “salvando osfenômenos” (princípio metodológico dos astrônomos antigos, o sôzeinphainómena consiste em propor explicações que deem conta do que acontece,tentando conciliar os sentidos com a teoria, moldada pela divindade).

Embora até aqui nada próximo da noção de gravidade tivesse sido sugeridosequer implicitamente, já que Aristóteles descartava qualquer possibilidade deuma força atuando à distância, na física do mundo sublunar ele chegou perto,com um conceito bastante similar, conforme veremos a seguir.

Movimento natural

Já vimos que no mundo sublunar havia o “movimento natural”, aquele intrínsecoao corpo, e o “movimento violento”, que, como o próprio Aristóteles definiu,“acontece por força”.

Sobre o movimento violento basta saber que, segundo a física aristotélica, aofinal do contato do agente causador do movimento com o móvel, ele se esgotariaimediatamente. Além disso, Aristóteles afirmava que durante esse tipo demovimento havia duas forças atuando: uma impelindo o objeto a se deslocar eoutra resistindo a essa força. Porém, ambas seriam externas, já que Aristótelesrejeitava a possibilidade de existir uma resistência interna, algo que hojeconhecemos como “massa inercial”.

É bom lembrar que “massa” e “gravidade” ainda não eram termos correntesnesse período, e “peso”, dependendo do contexto, era a palavra usada para sereferir ao que mais se aproximou do conceito de gravidade. E apesar de serprovavelmente o tipo mais antigo de força física conhecida, o peso não eraconsiderado como tal por Aristóteles, mas sim uma qualidade dos objetos, esendo assim, não contribuía (pelo menos fisicamente) com o movimento naturaldos corpos. Essa informação pode não fazer sentido nos dias atuais, pois semprepensaríamos que ao levar um objeto à queda, o peso o conduz ao seu lugarnatural (o chão), mas devemos nos despir de nosso conhecimento para entendero que se passava naquela época…

Ainda assim, é o movimento natural que vai nos levar a uma noção

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primordial do conceito de gravidade. Trata-se do movimento que ocorre devido àtendência interna que os objetos têm de buscar o que Aristóteles chamava de“lugar natural”. Mas o que definia este lugar natural?

A forma da Terra

É certo que as coisas caem, e o ato de cair pode ser definido como ummovimento que começa sempre em um ponto mais alto que o ponto em quetermina. Portanto, o “lugar natural” aristotélico era, obviamente, o chão ou algoabaixo dele…

E se a Terra fosse plana? Abaixo do chão, do outro lado da camada sólida queforma o nosso planeta, haveria o quê? Algo em queda que varasse o nossoplaneta plano poderia continuar em queda?

Ilustração deste caso absurdo, no qual o corpo em queda não saberiacomo se comportar após ultrapassar o chão.

Aristóteles considerava a Terra redonda. Mas não com base na visão místicade Pitágoras. Ele sustentava sua teoria argumentando que a forma da sombraprojetada pelo nosso planeta na superfície da Lua durante um eclipse lunar eracircular em toda e qualquer circunstância.

Cerca de um século depois, Eratóstenes de Cirene (273-192 AEC) provou que,de fato, a Terra era esférica. O método utilizado por ele foi assustadoramentesimples.

Eratóstenes notou que no dia do solstício de verão, o Sol, ao passar pelo pontomais alto do céu em seu movimento diário, não fazia sombra em Siena (hojeAssuã, no Egito). Estranhamente, nesse dia o Sol não apresentava a mesmacaracterística sob as mesmas condições na cidade de Alexandria. Tal fatodenotava que a superfície terrestre deveria ser curva. Mas, para provar seuargumento, Eratóstenes deveria medir o ângulo da sombra em Alexandria, econhecer bem a distância entre as duas cidades.

Obtidos esses dados, ele foi capaz não só de demonstrar que a Terra era

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mesmo esférica, como também calculou com uma margem de erro muitopequena para a época a circunferência de nosso planeta. Por endossar asafirmações de outros célebres filósofos, essa prova foi facilmente aceita pelosestudiosos que o sucederam. Porém, veremos mais à frente que a forma daTerra, apesar de ter a esfera como uma boa aproximação, é um pouco maiscomplexa.

Mas com ou sem a validação de Eratóstenes, ficava claro que o “lugarnatural” aristotélico era o centro da Terra…

Mapa indicando o afastamento entre as cidades que estão praticamenteno mesmo meridiano, e um esboço de como foi realizada a

demonstração da curvatura terrestre. Conhecendo-se a distância entre

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A, Alexandria, e S, Assuã, e o ângulo α (que sai da medição dasombra), basta resolver uma regra de três para se obter o valor da

circunferência da Terra.

Peso e leveza

Aristóteles afirmava que era “óbvio que cada corpo deve ter um certo peso ouleveza”. O termo “leveza”, no contexto aqui aplicado, está relacionado àtradução do inglês lightness, encontrado em The Complete Works of Aristotle e,com esse sentido, caiu em desuso pelo menos desde a lei da gravitação deNewton (que ainda será abordada).

No uso dado por Aristóteles, “peso” e “leveza” são, por assim dizer,antônimos e são precisamente essas as qualidades que influenciariam nomovimento natural dos objetos em “queda”. As aspas aqui se devem ao fato deque nem sempre o movimento natural é para baixo, o que caracteriza as quedasem nosso cotidiano. Naquele contexto, uma queda poderia ser para cima, se oobjeto tivesse leveza!

Segundo a física aristotélica, os elementos primordiais seriam classificadoscomo “leves” ou “pesados” da seguinte maneira: terra e água são pesados e ar efogo são leves.

Cabe destacar que a terra é mais pesada que a água, e o fogo é mais leve queo ar. Logo, se um objeto tivesse mais material ígneo em sua composição, seulugar natural seria a região mais alta dentro do limite sublunar. Já se o elementoprincipal na composição de um corpo fosse, por exemplo, material terreno,como sua qualidade é o peso, seu lugar natural seria o centro do Universo, quecoincidiria com o centro da Terra.

Essa coincidência entre os centros do Universo e da Terra foi explicitada porAristóteles no trecho de seu tratado Sobre o céu, no qual ele supõe que “se aTerra fosse removida para onde está agora a Lua, cada um dos váriosfragmentos de terra não se moveria em direção a ela, mas ao lugar em que elaestá agora”.

Essa noção é duplamente curiosa. Primeiramente, contradiz a ideia platônicade “semelhante se une a semelhante”. E, mais estranho ainda, como ele nãosubstitui a Terra por nada, parece que as coisas seriam atraídas para um pontosem massa que seria o centro do Universo, uma aberração para a teoriagravitacional vigente nos dias de hoje.

Além disso, uma análise mais atenta permite notar que o movimento nesseuniverso aristotélico se dá ao longo do seu raio, com a terra caindo em direção aoseu centro, seguida pela água que a permeia, o ar que a cerca e o fogo comoúltima esfera das coisas mundanas e imperfeitas.

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Os quatro elementos primordiais e seus lugares naturais.

Uma coisa importante e que merece registro é que na visão de Aristóteles umelemento que tivesse leveza como qualidade não era menos pesado, porexemplo, que a terra. Esse elemento seria leve de forma absoluta! Essaconcepção difere de nossa realidade atual, e deixa mais nítida a abordagem dadaà gravidade mesmo sem a aplicação dessa terminologia. Peso e leveza eram“propriedades gêmeas” que influenciavam como os objetos se movem. E avelocidade do movimento dependia da quantidade dessas qualidades: quanto maispeso, mais veloz a queda, e quanto mais leveza, mais veloz a subida, ou seja, aconclusão que chegamos é que, para Aristóteles, corpos mais pesados caem maisrapidamente que os menos pesados.

(O leitor atento vai concordar que erraríamos se escrevêssemos “corpos mais

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pesados caem mais rapidamente que corpos mais leves”, pois na visãoaristotélica um corpo leve — neste contexto entendido como um objeto que temleveza — não cai. Ele sobe!)

Aristóteles também analisou quantitativamente esse tipo de movimento no quefoi chamado por ele de “regra de proporção”. De acordo com o exemploproposto no livro VII de seu tratado intitulado Física, a velocidade com que ascoisas caem é inversamente proporcional à densidade do meio em que elas seencontram. Assim, um mesmo corpo com uma velocidade em um certo meioserá duas vezes mais rápido se realizar o mesmo movimento em um meio commetade da densidade anterior.

Nas águas e nos átomos

Um tema importante que Aristóteles e alguns filósofos contemporâneos a eleabordaram e que, hoje sabemos, tem relação com a gravidade, são as marés. Amaioria dos que se propuseram a explicar o fenômeno acreditava que a variaçãona massa oceânica tinha alguma relação com o fluxo de rios ou com correntesmarinhas. Já Aristóteles supôs que o Sol e a Lua influenciavam os ventos, que porsua vez afetavam as águas do mar. Mais uma vez, ele tangencia a solução, postoque existe mesmo uma relação com a Lua e o Sol, mas falha categoricamentena explicação. Até porque, Aristóteles, como já foi dito, descartava totalmentequalquer possibilidade de ação à distância.

Outro que também tentou explicar as marés foi Seleuco I (c.358-281 AEC),ex-general do exército de Alexandre o Grande. Antes de mais nada, é precisodizer que Seleuco acreditava que a Terra se movia ao redor de um eixo próprio(no movimento que hoje chamamos de rotação). Apesar de contrariar a ideia deuma Terra imóvel, essa proposta não era inédita, pois alguns filósofos gregosantes dele já haviam postulado a existência de tal movimento, que inicialmentenão afetaria o sistema geocêntrico.

A partir da hipótese da rotação da Terra, Seleuco afirmou que a Lua giravaem um sentido contrário ao desse movimento, atuando sobre o ar, que exerceriapressão nas águas, causando essas variações. Também errou, obviamente.

Sobre a rotação terrestre, Aristóteles não acreditava nessa possibilidade, poispara ele, se esse movimento ocorresse, sempre que jogássemos um objeto parao alto, ele não retornaria para nossa mão, visto que já teríamos nos deslocado daposição inicial do lançamento. Tanto neste como em alguns outros tópicosanteriores, somente com o trabalho de Galileu as coisas começariam a tomar orumo correto.

E para falar rapidamente da visão dos atomistas — filósofos que defendiam aexistência de partículas elementares na constituição de todas as coisas, chamadas

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por eles de átomos (atomo, do grego, “indivisível”) — sobre peso, o “sinônimo”de gravidade, faço uso das palavras de Francisco Caruso e Vitor Oguri, que nolivro Física moderna citam os filósofos Epicuro de Samos (341-270 AEC) eDemócrito de Abdera (c.470-380 AEC).

Segundo Caruso e Oguri, “Epicuro considerou o peso a terceira propriedadeintrínseca do átomo, que seria responsável por sua queda através do espaço”. JáDemócrito utilizava um argumento totalmente descartado por Aristóteles (oconceito de vazio), pois para justificar o peso dos corpos defendia que este seria“proporcional ao tamanho do átomo: como os corpos compostos são formados deátomos e vazio, e o vazio não tem peso, só aos primeiros, sólidos e feitos damesma substância, é permitido ter peso”.

Críticas caseiras

Um personagem bastante interessante que entra em cena poucos anos depois damorte de Aristóteles é o filósofo peripatético Estratão de Lâmpsaco (c.335-c.269AEC). Terceiro diretor do Liceu, surpreendentemente ele confrontou algumasideias de Aristóteles, utilizando para isso argumentos bastante perspicazes.

Estratão observou que a água da chuva chegava ao chão com maiorvelocidade quando vinha diretamente do céu, diferentemente de quando saía, porexemplo, de um telhado, assim como o impacto de um objeto com o chão setorna mais violento conforme aumenta a altura de onde é largado.

(Isso ia de encontro à ideia aristotélica de que um corpo não alterava suavelocidade durante a queda.)

A fim de justificar esse comportamento, Estratão recorreu a alguns conceitosatomistas e postulou que os objetos com as mesmas dimensões poderiam ter umagrande variedade de pesos. Isso dependeria apenas da variação do tamanho dovazio que o compõe, ou seja, os corpos seriam compostos pelos elementos deEmpédocles, mas também pelo vazio tão temido por Aristóteles e postulado pelosatomistas. Com essa proposta, é possível constatar que a leveza passa a ser umaqualidade dispensável, o que de fato foi considerado por Estratão. Já o pesoparece perder o status de qualidade e fica mais próximo do conceito atual, masainda sem a conotação de força.

Infelizmente, toda essa obra não teve a atenção merecida e os poucos quetomaram conhecimento dela a contestaram, com diferentes intensidades. Atéporque, ela ia contra a visão aristotélica, e temos que convir que, naquelemomento, suas ideias vinham arregimentando um número de seguidores edivulgadores cada vez maior.

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O Sol como centro

No século III AEC, foi proposto um modelo de Universo bem diferente daquelegeocêntrico que vinha sendo aperfeiçoado ao longo das décadas por diversosfilósofos gregos, culminando em Aristóteles. Nesse sistema, não mais a Terraestaria no centro, mas o Sol.

Seu idealizador foi Aristarco de Samos (310-c.230 AEC), que antes de chegarao seu modelo heliocêntrico realizou um trabalho no qual, muito provavelmente,baseou sua teoria intitulado Sobre os tamanhos e distâncias do Sol e da Lua. Nestaobra, Aristarco mede o ângulo entre o Sol e a Lua durante uma quadratura(momento de um quarto crescente ou minguante) e encontra o valor de 87°.Como esse é um caso particular em que o ângulo na Lua vale 90°, basta resolvero triângulo retângulo para obter uma relação de quantas vezes o Sol estaria maisafastado da Terra que a Lua, tendo em vista que ambos os astros apresentam nocéu praticamente o mesmo diâmetro angular. Aristarco calculou que o Sol estavaentre 18 e 20 vezes mais afastado da Terra que a Lua, o que permite concluir queseu tamanho também teria a mesma relação com o de nosso satélite dada apeculiaridade dos diâmetros.

Aristarco encontrou o valor de 87° para o ângulo na Terra, concluindoassim que o do Sol seria de 3° (a soma dos ângulos internos é igual a180°). Considerando a distância entre Terra e Lua como unitária, a

distância Terra-Sol, nesse caso, seria aproximadamente 19 vezes maior.

(O valor preciso, medido em dias atuais, do ângulo entre o Sol e a Lua é89°51’, o que permite calcular que Sol é cerca de 400 vezes maior que a Lua.Mas o valor de 87° é bastante razoável, visto que a qualidade dos instrumentospara se medir distâncias angulares naquele tempo não permitia a obtenção dedados acurados.)

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Mais uma vez: para Aristarco, o Sol era cerca de 20 vezes maior que a Lua.Além disso, Aristarco prestou particular atenção a um eclipse lunar… Como a

Lua passaria através da sombra da Terra projetada no espaço, que segundoAristarco teria praticamente o mesmo diâmetro do planeta, restaria entãoobservar quantos diâmetros da Lua “caberiam” na sombra da Terra para obter arelação entre seus tamanhos. Sua medida durante um eclipse foi queaproximadamente duas Luas haviam cruzado a sombra terrestre e, portanto, aLua teria a metade do tamanho da Terra.

Para seu azar, no eclipse observado a Lua não passou por toda a extensão dasombra, mas um pouco fora do seu diâmetro. Se tivesse atravessado todo odiâmetro, seria possível medir cerca de quatro Luas dentro da sombra da Terra,que é a relação correta entre os diâmetros desses astros.

A trajetória 1 representa o que foi observado por Aristarco durante oeclipse lunar, e a trajetória 2 indica a real relação de tamanho entre aTerra e a Lua, que só pode ser percebida quando o satélite atravessa

diametralmente a sombra do planeta.

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Resumindo: Aristarco acreditava que a Terra era duas vezes maior que a Lua.Juntando-se a isso a conclusão anterior, que relacionava a Lua e o Sol, Aristarcose viu confortável em afirmar que a estrela seria pouco menos de dez vezesmaior que nosso planeta, que por sua vez seria duas vezes maior que o satélite.

Assim, mesmo sem qualquer noção de uma força que atuasse à distância emfavor dos corpos de maior massa, era absolutamente viável, de posse dessasinformações, formular um modelo em que o maior dos corpos (tamanho aquitem uma conotação de volume, que por sua vez remeteria à massa) fosse ocentro ao redor do qual todos os outros astros girariam. Na dúvida, tente girar umobjeto dez vezes mais leve e outro dez vezes mais pesado que você ao seu redor,e talvez você entenda melhor a possível visão de Aristarco.

Arquimedes

A obra na qual o modelo heliocêntrico de Aristarco foi descrito se perdeu.Porém, é possível encontrar uma referência a ela no trabalho de Arquimedes deSiracusa (c.287-c.212 AEC) intitulado O contador de areia, no qual ele cria umanomenclatura para representar números muito grandes, como uma espécie deordem de grandeza, para em seguida fornecer a quantidade de grãos de areianecessária para preencher todo o Universo.

É importante ressaltar que o modelo de Aristarco aumentavasignificativamente o tamanho do Universo, pois com a Terra girando ao redor doSol e nenhuma mudança perceptível no comportamento das estrelas, pode-seconcluir que elas estão muito distantes de nós, a ponto de não se aproximaremmais ou se afastarem conforme a Terra varia sua posição orbital.

Arquimedes é famoso por uma história que narram sobre ele ter descobertouma maneira de provar se o rei de sua cidade natal havia sido enganado por umourives, que teria utilizado prata na confecção de sua coroa, em vez de somenteouro…

Conta a lenda que a ideia de como resolver o problema teria surgido duranteum banho de banheira, e que de tão animado, Arquimedes teria saído correndopelas ruas gritando eureca (“descobri”, em grego). Verdade ou não, o fato é queem seu tratado chamado Sobre corpos flutuantes, ele teria proposto o princípioposteriormente batizado com seu nome ao afirmar que “quando um corpo flutuaem um fluido, seu peso é igual ao do fluido deslocado; e quando submerso, seupeso diminui proporcionalmente na mesma quantidade”. Aplicando esteconhecimento, acreditava-se que seria possível saber se a coroa eraintegralmente de ouro ou se havia prata em sua composição.

Boa parte dos historiadores, porém, defende que o método mais plausívelaplicado por Arquimedes para resolver esse problema seria o da balança

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hidrostática, e que a história da banheira não passa de um dos muitos mitosassociados ao célebre físico grego… A experiência da banheira simplesmentenão permitiria a obtenção de um resultado satisfatório devido à baixa precisãoassociada ao método.

Ao princípio de Arquimedes está associada a noção de “densidade” de umcorpo, que só seria formalmente formulada por Leonhard Euler no século XVIII.De qualquer forma, aplicando-se esse método era possível obter o pesoespecífico de um objeto imerso em um líquido.

E falando sobre a obtenção dos pesos dos corpos, Arquimedes escreveu outrotrabalho, Sobre o equilíbrio dos planos, em que explorava o equilíbrio dos corpos,muito aplicado nas balanças. De acordo com ele, pesos iguais presos a uma barrae postos a uma mesma distância de um ponto de equilíbrio permanecemequilibrados. Contudo, pesos iguais quando colocados a distâncias diferentes doponto de equilíbrio se desequilibram, com o peso mais afastado deste pontotendendo a descer enquanto o mais próximo sobe.

Aqui, é possível notar o conceito de “centro de gravidade”, que nada mais édo que o ponto de aplicação da força gravitacional em que todo o peso pareceestar concentrado. É sua posição relativa ao ponto de equilíbrio que determina otipo de equilíbrio em que um corpo se encontra (estável, instável ou indiferente).

Para o leitor mais apaixonado pelas minúcias do estudo do equilíbrio, éconveniente lembrar que, a princípio, centro de gravidade e centro de massa(termos comumente aplicados como sinônimos) são conceitos diferentes, masquando a aceleração da gravidade tem o mesmo valor em toda a extensão doobjeto, um coincide com o outro. Geralmente, é esse o caso dos corpos sobre asuperfície da Terra, já que qualquer variação local dessa força é muito pequenaa ponto de se tornar desprezível.

Arquimedes foi um matemático e físico dos mais geniais que viveram naAntiguidade, e sua obra serviu como referência para grandes nomes da ciênciaque deram prosseguimento a seu trabalho durante a Idade Média e oRenascimento. Muitos deles serão apresentados nos capítulos vindouros, poistambém deixaram sua contribuição na evolução do conceito de gravidade.

Deferentes e epiciclos

O paradigma aristotélico dizia que a Terra era redonda e permanecia imóvel nocentro do Universo (apesar de haver um modelo dissonante, proposto porAristarco, que usava o Sol como cerne). Mas o Universo aristotélico sofreualgumas modificações nas mãos de seus sucessores…

Apolônio de Perga (c.261-c.196 AEC), por exemplo, inventou os deferentes eos epiciclos. Seu intuito permanecia sendo o de explicar o movimento errático

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dos planetas ao longo do ano sem que o movimento circular abandonasse omundo supralunar. Dessa maneira, ele descartou as várias esferas que Aristóteleshavia introduzido, e chamou de “deferente” o círculo que representava a órbitado planeta ao redor da Terra.

Curiosamente, o astro não vagaria sobre o deferente, mas sim sobre o“epiciclo”, um círculo menor que teria seu centro sobre o deferente. Mais umavez os fenômenos estavam salvos, pois os movimentos permaneciam circulares euniformes. Porém, o modelo de Apolônio ainda não era suficiente para dar contade tudo que era observado no céu. E vale destacar ainda que os astros emepiciclos girariam ao redor de um ponto imaginário sobre o deferente, isto é, semmassa, mais uma vez uma aberração para a teoria gravitacional atual.

Quem criou o modelo geocêntrico derradeiro foi o astrônomo alexandrinoCláudio Ptolomeu (90-168), que compilou todo o conhecimento acumulado atéentão em sua obra-prima mais conhecida pelo nome de Almagesto — do árabe,“grande tratado”.

Curiosamente, esse modelo não defende a ideia de que a Terra está no centro,como veremos a seguir. Por isso mesmo algumas pessoas preferem chamá-lo de“geostático”, visto que nosso planeta permanece imóvel. Insistiremos nadenominação mais comum “geocêntrico”, reconhecendo que estamoscometendo um certo abuso de linguagem…

Um modelo definitivo?

Aproveitando algumas ideias aristotélicas, de Apolônio, e de outros astrônomos efilósofos, Ptolomeu moldou um Universo que teve uma boa aceitação. Segundoele, a Terra permaneceria imóvel, mas agora deslocada do centro de tudo, e osplanetas continuariam em seus epiciclos e deferentes, só que agora o centro doepiciclo giraria com velocidade uniforme ao redor de um ponto imaginário (ouseja, sem massa) batizado de “equante”, ou como o próprio Ptolomeu chamou“centro do equalizador de movimento”. Esse ponto estaria deslocado do centro doUniverso a uma distância igual a da Terra. Logo, durante sua órbita, ora o astroestaria mais próximo da Terra, ora mais afastado, como é possível observar nocéu, no mínimo, através da variação do seu brilho.

Todo esse aparato permite concluir que eles estavam mais próximos do quepoderiam supor das órbitas elípticas. No entanto, o paradigma dos movimentoscirculares ainda demoraria a ser quebrado.

Foi esse o sistema utilizado por algumas culturas, como a árabe, mas quetambém foi dispensado em detrimento do aristotélico por outros povos, como oseuropeus em meados da Idade Média, por exemplo. Porém, independentementedo modelo, a gravidade não existia como conceito em nenhum desses cenários. É

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bom, entretanto, nos lembrarmos bem deste, idealizado por Ptolomeu, paraquando se iniciar o processo revolucionário por meio do qual uma novadisposição dos astros conhecidos será proposta no início da Renascença.

Representação do modelo com epiciclo, deferente e equante. Nafigura, C é o centro do deferente; e representa o equante. Além disso,

CE é o centro do epiciclo planetário.

Mas não pense que nesse ínterim nada foi feito para aperfeiçoar todo esteemaranhado de informações, pois vários estudiosos propuseram alterações, tantona física do mundo sublunar quanto na astronomia, que estudava o domíniosupralunar. Algumas teorias interessantes vieram à luz, com alguns equívocos eacertos, e muitas curiosidades. Veremos mais adiante aquelas que mais seenquadram ao nosso tema.

Fechando a Antiguidade

Com o intuito de partir para uma análise do conceito de gravidade na IdadeMédia, vamos deixar a Antiguidade, apresentando algumas ideias bastante

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interessantes. Pensadas isoladamente, no futuro elas serão amarradas em umamesma linha de raciocínio a fim de constituir o arcabouço teórico que unificaráas físicas dos domínios sub e supralunar.

Para falar de um conceito que em muito lembrava a noção de força que ageà distância, voltaremos rapidamente ao século I AEC, quando Posidônio de Rodes(c.135-51 AEC) utilizou o que pode ser traduzido como “simpatia” (sympatheia,em grego). Este termo era principalmente utilizado na medicina para se referir àtransmissão de uma doença de uma parte do corpo para outra.

Vários filósofos usaram essa palavra em diversos contextos, mas Posidônioassociou a simpatia com as marés, que foi algo que ele estudou bem, duranteuma viagem à Espanha. Ao observar por vários dias esse fenômeno, ele notouque se tratava de algo periódico, e que havia alguma relação entre ele e oscorpos celestes. Outros pensadores, como Sexto Empírico e Plotino, ambos noséculo III, também usaram o termo simpatia nesse mesmo contexto para relatara influência da Lua nas marés. Essa afirmação transmite uma noção de quesimpatia, neste sentido, seria uma força a atuar sem contato, algo que contrariavaa teoria aristotélica.

Tito Lucrécio (c.99-c.55 AEC), filósofo e poeta romano, em seu tratado Sobrea natureza das coisas, examinou outra questão bastante relevante. Ele propôs,implicitamente, que o peso deveria ser proporcional à quantidade de matéria,partindo da pertinente pergunta: “Por que encontramos algumas coisas maispesadas que outras de igual volume?” A fim de exemplificar, Lucrécio comparauma bola de lã com outra de chumbo de mesmo volume, comentando a evidentediferença entre a composição de ambas e seus comportamentos quando emmovimento. Essa foi, de fato, uma excelente observação que certamenterevisitaremos mais adiante.

Uma análise feita por Plutarco de Queroneia (c.46-120) chama bastante aatenção, principalmente porque estava bem à frente de seu tempo. Ele escreveuem sua obra Sobre a face mostrada no orbe da Lua que ela “tem, para ajudá-la aprevenir-se de sua queda, seu movimento e a impetuosidade de sua revolução”.Tal afirmação pressupõe que a Lua é atraída pela Terra, mas não cai devido àsua órbita que, hoje sabemos, nada mais é que uma “queda controlada”.Infelizmente, Plutarco não se aprofundou mais nesse assunto, e suas promissorasideias sequer se tornaram populares nos séculos que se seguiram. Entretanto, ofilósofo Simplício de Cilícia (490-560) relata em sua obra Sobre o céu, na qualcomenta a obra homônima de Aristóteles, que alguns pensadores mais antigostrilharam um caminho semelhante ao de Plutarco, ao sugerirem que os corposcelestes não caíam devido a uma “força centrífuga”.

Por fim, outro desses trabalhos influentes na evolução do conceito degravidade é o de Papo de Alexandria (c.290-c.350), considerado um dos maioresmatemáticos de seu tempo. Ele lançou o seguinte problema: “Tendo dado a força

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que arrasta um determinado peso ao longo de um plano horizontal, encontre aforça adicional que deverá arrastar o mesmo peso ao longo de um determinadoplano inclinado.” Ao examinar esse caso, Papo provavelmente inaugurou oestudo sistemático do movimento em planos inclinados, que atingiria seu auge naobra de Galileu no século XVII, como veremos posteriormente.

Embora seja fácil identificar sua proximidade aumentando cada vez mais,podemos notar que a gravidade, como conceito e como termo, continuava forados argumentos usados por estes estudiosos para explicar o comportamento doscorpos.

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3 | CONTENTAMENTOS E CONTESTAÇÕES

Creio que ainda permaneça tua mente onde iniciamosnossa via no pelo deste que o mundo atravessa:

lá estavas quando contigo eu descia, mas, ao virar-me,atrás permaneceu o ponto que a si todo peso guia.1

DANTE ALIGHIERI

Entrando nas trevas?

A Idade Média começou por volta do ano 500, e é padrão vincular seu início àqueda do Império Romano do Ocidente. Alguns historiadores, porém, costumamatribuir seu início ao fechamento da Academia de Atenas, em 529, a mando doimperador romano do Oriente, Justiniano I, que considerava tal instituição umaameaça à propagação do cristianismo, adotado como religião oficial em Romano século IV. Roma não se notabilizou pela produção científica, mas sim pelabusca exacerbada de seu povo pelo desenvolvimento espiritual, a fim de seprepararem para o Paraíso pós-vida. Questões materiais vinham constantementeperdendo a importância para os seguidores dos dogmas cristãos.

Devido a isso, esse período da história é chamado por diversos autores de“Era das Trevas”, pois, segundo eles, tal postura teria acarretado uma estagnaçãocientífica. Para dificultar ainda mais as coisas, a Igreja Cristã impôs que todos sebaseassem literalmente na Bíblia, e qualquer busca por informações diferentesdaquelas poderia representar uma afronta à Igreja, passível até mesmo de morteem casos extremos.

Atualmente, vários estudiosos consideram injusta esta denominação referenteao período medieval, e atestam que as trevas não reinaram absolutas naqueletempo. Eles admitem que mesmo diante daquele obscurantismo, váriospensadores desenvolveram trabalhos significantes nas mais diversas áreas.

A gravidade não ficou de fora, e veremos a seguir os avanços mais relevantesnesse tema…

Além das terras europeias

Enquanto na Europa do início da Era Medieval o cenário não era dos maisfavoráveis para a ciência, o mesmo não se pode falar da Índia, onde as

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condições permaneciam ideais para aqueles que buscavam desbravar tanto aciência mundana quanto a celestial.

Porém, os eruditos da Índia Medieval, diferentemente do que se poderiaesperar, não foram muito além de seus antecessores na questão dos assuntosrelacionados à gravidade. O matemático e astrônomo Aryabhata (c.476-550),segundo alguns historiadores, propôs um sistema heliocêntrico, e defendeu aindaque a Terra girava ao redor de seu eixo, ideias claramente recicladas dos antigosgurus.

Já Brahmagupta (598-668), além de tratar de questões astronômicas emconcordância ou discordância em relação a Aryabhata dependendo do tema,analisou também a queda dos corpos. Em seu Brahmagupta siddhanta, eledeclara que “todas as coisas pesadas são atraídas em direção ao centro daTerra”, fato este que atribui a uma “lei da natureza”, assim como seria natural aágua fluir e o fogo queimar, por exemplo.

Apesar de representarem um salto qualitativo em relação ao que ficouestabelecido pelos gregos, por serem mais próximas da realidade que nos cerca,estas propostas eram, basicamente, as ideias lapidadas dos antigos hindus, eacabaram por não repercutir muito, provavelmente, devido à abordagemsuperficial a que foram submetidas. Talvez sua principal contribuição tenha sidoestimular os árabes que as estudaram em seguida e, na medida do possível,aproveitaram alguns de seus conceitos.

A salvação árabe

Os filósofos muçulmanos tiveram uma participação importantíssima na históriada ciência. Além de aprimorar os trabalhos de diversos pensadores daAntiguidade, eles também lançaram ideias originais sobre vários temasrelevantes, inclusive o assunto principal deste livro, a gravidade.

Com base nos preceitos do Corão, que, como escreveu Timothy Ferris em seuO despertar na Via Láctea, estimulava a “prática do taffakur, o estudo da natureza,e do taskheer, o domínio da natureza pela tecnologia”, os árabes eramreligiosamente incentivados a desenvolver a prática científica. Por meio deobservações sistemáticas e do aperfeiçoamento de instrumentos astronômicos eda matemática como ferramenta indispensável, que já havia sofrido um avançonotável nas mãos dos hindus, os estudiosos islâmicos foram capazes de expandiros conhecimentos acerca da astronomia e do movimento dos corpos.

Geralmente as obras gregas eram revisitadas e discutidas, às vezes sendocontestadas, outras endossadas e até incrementadas. Havia ainda alguns casos emque se partia de uma premissa totalmente original. Foi o que fez o filósofo AbuYusuf al-Kindi (c.801-873). Em seu tratado Sobre raios (solares), ele declarou

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que os astros exerceriam uma força sobre os objetos e sobre as pessoas. Essaforça estaria associada à radiação dos astros, que se propagaria em linha retapelo espaço e influenciaria as coisas na Terra. Esse pensamento pode gerar umacerta dúvida no leitor moderno, pois apesar de parecer implícita a noção de umaforça agindo à distância, sua explicação está mais para um conceito primordialde “onda”, pois segundo al-Kindi, os raios estelares interagiriam com o meio, deforma que este transmitiria a “informação” para o corpo, uma espécie depropagação.

Mas quem mais se destacou entre os pensadores árabes foi Abu Ray han al-Biruni (973-1048), que contribuiu imensamente com a física dos mundos sub esupralunar. Considerado um dos maiores cientistas islâmicos, esse polímata persaconhecia as teorias propostas por gregos e hindus, e se preocupouespecificamente em buscar a verdade dos fatos. Ao se defrontar com a questãoda rotação terrestre e do sistema heliocêntrico defendidos por Ary abhata, porexemplo, ele teria afirmado que essas ideias não poderiam ser refutadasmatematicamente, e que esse debate era de cunho filosófico. E isso condiz com arealidade, pois, se bem construídos, os modelos geocêntrico e heliocêntrico serãodiferentes um do outro apenas por uma questão de referencial, na qual ogeocêntrico acaba levando vantagem, devido ao fato de o observador estar nasuperfície da Terra. Logo, tudo parece se mover em relação a esse referencial“estático”.

Em uma série de artigos publicados por Rafik Berjak e Muzaffar Iqbalintitulados Ibn Sina — al-Biruni correspondence, foram divulgadas perguntas erespostas trocadas através de cartas entre al-Biruni e o peripatético islâmicoAvicena, nome latinizado de Abu’Ali ibn Sina (980-1037).

Nessas correspondências, al-Biruni confronta algumas ideias aristotélicas,fazendo questionamentos extremamente pertinentes sobre as coisas do céu e daTerra. Entre suas perguntas a Avicena, ele quis saber as razões aristotélicasusadas para justificar a ausência de leveza ou de peso nas esferas celestes. Emoutra questão, al-Biruni cogita a possibilidade de existência de outro mundo alémdo nosso, de natureza diferente, que colocaria em xeque a imutabilidade no céu.Em ambos os casos, podemos perceber que ele já considerava que a física domundo sublunar poderia se estender ao domínio supralunar. E para tornar aindamais interessante sua proposta de outro mundo nas esferas celestes, faltou apenasque ele analisasse o movimento natural dos corpos neste outro planeta. Será queele se daria radialmente em relação ao centro da Terra, ou ao centro do novomundo? Certamente esse raciocínio seria um grande passo na unificação dasfísicas de Aristóteles, passo que infelizmente não foi dado.

É perceptível nessas correspondências que al-Biruni declarou uma espécie de“perseguição aos arredondados”. Primeiramente, ele questionou o motivo peloqual o movimento circular seria uma propriedade inata dos astros e, em seguida,

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o porquê da forma esférica do céu. Para esta última colocação, al-Biruni supôsum formato elíptico, descartado pelos peripatéticos, segundo eles por gerar umvácuo, algo que ainda os assombrava.

Ao abordar apenas a física da região sublunar, cujo tema era a queda doscorpos, ele parecia acreditar que todas as coisas caíam em direção ao centro daTerra, desconsiderando assim a existência da leveza. Al-Biruni pergunta aAvicena: “Quem está correto? Aquele que diz que água e terra se movem emdireção ao centro e ar e fogo se movem para longe do centro ou aquele que dizque tudo se move em direção ao centro, mas o mais pesado chega ao centroantes do mais leve?”

(Nota-se que al-Biruni acertou ao descartar o conceito de leveza, queimpulsionaria os objetos para cima, mas errou ao afirmar que objetos maispesados cairiam mais rapidamente que objetos mais leves…)

No entanto, devemos destacar ainda a enorme contribuição árabe que não dizrespeito à obra de um filósofo em particular, mas ao trabalho conjunto edespretensioso que eles tiveram ao traduzir e manter viva a chama doconhecimento grego. Membros da Igreja Cristã do início da Idade Média nãotitubeavam em destruir os tratados gregos sob a acusação de sacrilégio contra asSagradas Escrituras. Não fosse pelos eruditos islâmicos, muito provavelmenteboa parte de todo o conhecimento acumulado teria se perdido para sempre.

Q ue caiam os graves

No início do século VIII, o Império Muçulmano começou a se estabelecer naPenínsula Ibérica, e os árabes passaram a atuar como intermediários entre olegado grego e os europeus medievais. Apesar de toda resistência devido àsquestões religiosas, com o passar do tempo vários filósofos da Europa Medieval,mesmo aqueles ligados à Igreja, começaram a tomar conhecimento do avançocientífico empreendido pelos povos grego e árabe. Como a língua mais usadanessa região era o latim, passaram a traduzir para esse idioma os mais diversostratados que encontravam, principalmente em árabe.

E é assim que surge o termo que é objeto de nosso estudo: gravidade. E nocontexto que nos interessa, pois ao se referir a objetos de grande peso, astraduções latinas usavam a palavra cuja raiz é o adjetivo gravis, grave, quesignifica “pesado”.

Não é possível precisar a primeira vez que esse termo foi empregado. Alémdisso, na língua latina é comum encontrarmos declinações de uma mesmapalavra dependendo de alguns fatores, como sua classe gramatical, por exemplo,mantendo-se apenas seu radical. Por isso, às vezes, pode-se encontrar os termosgravius, gravitas ou algum outro com a raiz grav- em uma frase cujo assunto é o

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peso.Contudo, a disseminação dessa nova nomenclatura foi facilitada com o

surgimento das primeiras universidades na Europa a partir do século XI, visto queo latim era o idioma corrente nas universidades de Bolonha, Paris, Oxford, entreoutras, que utilizaram a maioria daquelas obras traduzidas.

Ainda nessa época, alguns conceitos relacionados à gravidade sofrerammudanças relevantes que os aproximaram de suas definições atuais. O filósofojudeu Solomon ibn Gabirol (c.1021-c.1058), cujo nome latinizado era Avicebron,com um raciocínio simples, mas incipiente, contribuiu com a noção de “inércia”.Segundo ele, substâncias extensas e pesadas seriam mais imóveis que outras maisleves. É importante frisar que, para Gabirol, “matéria” e “substância” eramcoisas diferentes: a primeira seria algo disposto a receber uma forma, enquanto aoutra, a matéria que já tem uma forma.

Autor do tratado O livro do equilíbrio da sabedoria, o filósofo islâmico Abd al-Rahman al-Khazini (fl.1115-c.1130) afirmou que corpos pesados em queda semovem em direção ao centro do mundo devido a uma força inerente. Porém,ainda mais interessante foi sua proposição de que a thiql (em árabe, que muitosautores traduzem como “gravidade”) dos corpos dependia de suas distâncias emrelação ao centro da Terra.

Mohammed Abattouy, em seu artigo intitulado “The islamic science ofweights and balances”, diz que essa ideia antecede “o conceito de peso posicional(gravitas secundum situm)”, formulado, de acordo com ele, no século seguinte.

A gravidade dos pecados

No século XIII, vários membros da Igreja Cristã que tiveram a oportunidade deestudar nas universidades medievais contribuíram significativamente com oestudo da gravidade. O frei franciscano Giovanni Fidanza (1221-1274), que em1482 foi canonizado e passou a ser chamado de são Boaventura, explicou omovimento dos corpos em queda através de uma proposta deveras peculiar. Emseu Comentário aos quatro livros de sentenças, ele afirmou que os objetospesados se moviam devido a uma força expelida pelos corpos celestes.

Ainda de acordo com Boaventura, essa repulsão atenuava conforme adistância aumentava, ou seja, quanto mais próximo do centro da Terra, menorseria a aceleração do objeto, fato que realmente acontece, mas por razõescompletamente diferentes…

O frade dominicano são Tomás de Aquino (1225-1274), chamado de “o maissábio dos santos”, estudou e, posteriormente, lecionou na Universidade de Paris.Como admirador do pensamento de Aristóteles, propôs um amálgama docristianismo com a cosmovisão aristotélica, a qual difundiu intensamente como

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clérigo e mestre. Seu acréscimo a essa ideia foi a substituição do que ficouconhecido como “motor primordial” pelo próprio Deus, que passou a ser oresponsável pelo movimento das esferas celestes. Defendeu também umarelação entre fé e razão, sustentando que filosofia e teologia não se opõem, e sim,diferentemente, complementam-se.

Em sua Suma teológica, Tomás de Aquino afirmou que “os movimentos doscorpos aqui abaixo, que são variados e multiformes, devem ser referidos aoscorpos celestes”. Ele, porém, acreditava ser “impossível que os corpos celestessejam a causa dos atos humanos”, por achar que esta influência eliminaria olivre-arbítrio, já que submeteria as pessoas à vontade dos astros. A fim deexemplificar esse efeito que os objetos celestes exerceriam sobre as coisas, osanto comentou que “os marinheiros evitam navegar no plenilúnio [lua cheia] ouna lua defeituosa [lua nova, muito provavelmente]”, em uma alusão clara àsmarés, que se intensificam nestes períodos.

Seu discípulo, o arcebispo de Bourges, Aegidius Romanus (c.1243-1316), foi,segundo Max Jammer, em seu Concepts of Mass in Contemporary Physics andPhilosophy, o primeiro a introduzir uma definição explícita de “quantidade dematéria” (quantitas materiae, em latim) “como uma medida de massa oumatéria, independentemente de determinação de volume ou peso”.

Esse conceito explicava satisfatoriamente para os pensadores religiosos umaquestão delicada que causava muita discussão naquela época: atransubstanciação eucarística. Com uma certa dose de empirismo, a criação deoutros conceitos auxiliares e alguns argumentos interessantes, Aegidius supriu asnecessidades daqueles que buscavam uma explicação para a “transferência” docorpo de Cristo para a hóstia consagrada, sem um acréscimo de densidade ou dequalquer outra característica.

Uma amostra do alcance do arcabouço científico-religioso lançado por sãoTomás de Aquino pode ser encontrada na obra máxima do célebre poetaflorentino Dante Alighieri (1265-1321). Considerado por Carmelo Distante como“o homem-síntese da Idade Média”, Dante é o autor da Comédia, posteriormenteelevada ao grau de Divina. Foi utilizando-se do pensamento tomista,provavelmente conhecido por ele durante o período em que estudou naUniversidade de Bolonha, que construiu o mundo imaterial de seu poema épico.Nesse mundo, Distante diz no prefácio de A divina comédia, há uma“correspondência entre a pena a que as almas danadas são submetidaseternamente no ‘Inferno’ … e a gravidade do pecado perpetrado durante a vidaterrena”. Esse Inferno era dividido em nove círculos, em que a luxúria era opecado menos grave, por isso situado na região mais externa, e a traição contraseus benfeitores era o pecado mais grave, ocupando, portanto, o círculo maisprofundo.

O trecho citado no início deste capítulo descreve o momento em que Dante

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atravessa juntamente com o mestre Virgílio o centro da Terra, identificado porele como “o ponto que a si todo peso guia”, partindo em seguida para oPurgatório.

O último estágio de sua viagem insólita é o Paraíso, apresentado ao leitorsegundo a cosmologia medieval tomista (o próprio são Tomás de Aquino pode serencontrado lá), onde Deus foi descrito como “o amor que move o Sol e as outrasestrelas”.

Tendo em vista a dimensão atingida pela Comédia de Dante, uma das obrasliterárias mais lidas de todos os tempos, e pelas demais obras já comentadas aqui,fica fácil imaginar que o Universo proposto por Aristóteles, após sofrer algumasalterações, permaneceria por mais alguns séculos estabelecido como o modeloideal para explicar a natureza do céu e da Terra.

Ainda assim, Tomás de Aquino, em seu comentário da obra aristotélica Sobreo céu, havia observado que “as suposições dos astrônomos não sãonecessariamente verdadeiras”, e que seria possível “conceber que o movimentodos planetas venha a ser explicado de uma outra maneira, que até agora não foidescoberta”. É curioso que um membro tão célebre da Igreja tenha cogitadoessa possibilidade, mas, de fato, veremos adiante que o Universo aristotélico-ptolomaico sofrerá uma revolução nas mãos de grandes gênios da ciência.

É preciso ter ímpeto

O estudo do movimento de um projétil foi de suma importância para a evoluçãodo conceito de gravidade. Quando Aristóteles abordou esse tema, sua explicaçãodeixou muito a desejar, uma vez que ele defendia que o movimento violentocessava assim que o contato terminava. Como justificar então a continuidade dovoo de um projétil se o agente causador do movimento já não estava mais emcontato com o objeto? Aristóteles argumentou que o próprio ar deslocado paratrás durante o movimento empurraria o projétil, fenômeno que ele chamou deantiperistasis.

Ao analisar a trajetória desse movimento, Aristóteles falhou novamente. Paraele, ela seria definida por duas linhas retas e um arco de círculo. Uma das linhasretas representaria a ascensão do projétil pelo movimento violento e seriainclinada em relação ao chão no mesmo ângulo do arremesso; a curva definidapelo arco de círculo ocorreria devido à dissipação que o “empurrão” do arsofreria ao longo do tempo; e a outra linha reta representaria o movimentonatural, ou seja, a queda vertical do projétil. Obviamente, nada disso representa arealidade, mas foi o melhor que Aristóteles pôde fazer para salvar os fenômenosconforme os ensinamentos de seu mestre Platão, já que a “perfeição” estavaassociada à linha reta e ao círculo.

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Ilustração de Paulus Puchner, da segunda metade do século XVI, naqual se pode notar a influência aristotélica na construção das trajetórias

dos projéteis para diferentes ângulos de arremesso.

Um filósofo alexandrino chamado Iohannes Philoponus (c.490-c.570),também conhecido como João o Gramático, se opôs às ideias aristotélicas sobreesse assunto e alguns outros. De acordo com ele, ao ser arremessado, um corporecebe uma espécie de força motriz, que seria transferida do lançador para oprojétil, permanecendo nele mesmo após o fim do contato. Com o passar dotempo, tal “força” se dissiparia espontaneamente, fazendo com que o movimentose encerrasse. Mais tarde, essa ideia ganhou o nome de “teoria do ímpeto”(impetus, em latim). Esta noção pode ser considerada como o conceitoprimordial de “inércia”.

Sobre os corpos em queda, Philoponus analisou seus movimentos e concluiuque mais uma vez Aristóteles havia se equivocado, ao afirmar que o tempo paraos objetos atingirem o chão variava conforme seus pesos. Ele constatou, comobservações de que se os pesos não diferissem muito — por exemplo, se umfosse duas vezes mais pesado que o outro —, a diferença no tempo que amboslevariam para chegar ao solo seria muito pequena, praticamente imperceptível.Temos de convir que se trata de uma resposta extremamente aceitável para oproblema, levando-se em conta os recursos disponíveis e a coragem para

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cometer a “heresia” de contestar a física aristotélica.Philoponus foi certamente um filósofo à frente de seu tempo. E mais uma

prova disso foi dada quando ele antecipou que não haveria diferenciação entre osdomínios sub e supralunar, isto é, que as mesmas propriedades físicas poderiamser vistas tanto na Terra quanto no céu. Infelizmente, sua obra foi desprezada porcerca de 600 anos, sendo revisitada apenas no século XIV.

Uma espécie de força

Antes, porém, no século XIII, vamos nos defrontar com o trabalho do mongefranciscano Roger Bacon (c.1214-1294). Formado pela Universidade de Oxford,onde aprendeu sobre a obra de Aristóteles, foi lá também que tomouconhecimento das ideias do filósofo e clérigo inglês Robert Grosseteste (c.1170-1253).

Grosseteste foi o responsável por expandir o conceito de “espécie” (em latim,species), bastante aplicado por Bacon em seus tratados. Esse termo havia sidomuito usado anteriormente no domínio da ótica pelos neoplatônicos para sereferirem à “imagem”, entre outras coisas, que segundo esses pensadores,estaria relacionada a emanações. No sentido que utilizaremos “espécie”, outrapalavra já vista por nós teve aplicação semelhante: “simpatia”.

Anastasia Itokazu, em seu artigo “A força que move os planetas”, afirma que“Grosseteste explica toda causalidade e todo movimento natural através despecies que correspondem a potências (virtutem), que se propagam segundo leisgeométricas, através das quais um ser age sobre outro espacialmente distante”. Apartir dessa noção, os eruditos medievais se viram diante de um tipo de força queatuava à distância. Bacon se aproveitou deste conhecimento, adaptando-o a suasideias.

Em sua abordagem, ele uniu a proposta de Grosseteste com o pensamento deal-Kindi no século IX. Bacon imaginou que, em um meio, a espécie geradasucessiva e continuamente por um agente, desencadearia uma reação que, aoatingir um corpo sensível a seu efeito, excitaria sua atividade potencial peculiar.Essa ação à distância, porém, se atenuaria progressivamente.

A teoria das espécies de Bacon foi aplicada nas mais diversas tentativas deexplicar fenômenos naturais, como a gravidade e a atração magnética. MaxJammer, em seu livro Concepts of force, informa que “a atração do ferro emdireção aos ímãs é frequentemente explicada na literatura da Idade Média peloconceito de espécie de Bacon”. Ainda segundo Jammer, “a ação à distância éreduzida assim a uma cadeia de processos de contatos contíguos”.

É atribuída a Bacon também a primeira receita para se produzir pólvora.Como se sabe, o explosivo foi inventado pelos chineses no século IX. Como

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Bacon se dedicava também à alquimia, sua descoberta muito provavelmente sedeu de forma independente… Pois a invenção da pólvora levou à construção dasprimeiras armas de fogo na Europa Ocidental, anos mais tarde. No entanto, aeficiência desses armamentos era comprometida pelo desconhecimento dosatiradores sobre o comportamento do projétil durante seu lançamento, emboracausassem transtornos nas linhas inimigas quando usados em guerras. E somentecom um estudo profundo acerca do movimento de corpos arremessados porimpulsão seria possível otimizar os resultados da utilização de armas desse tipo,como veremos mais adiante.

Outro importante membro da ordem franciscana foi o filósofo inglês Williamde Ockham (c.1288-c.1347), que estudou teologia na Universidade de Oxford.Não há cientista moderno que não saiba citar a “navalha de Ockham”, que, naspalavras de seu criador, diz que “é vão fazer com mais o que pode ser feito commenos”. De acordo com esse princípio, qualquer premissa supérflua para seexplicar um fenômeno deve ser descartada. O frade acreditava que a naturezaoptava sempre pelo caminho mais simples, e defendeu que não era necessáriauma causa para que os movimentos ocorressem. Logo, para ele, as teorias daespécie ou do ímpeto seriam premissas descartáveis, bem como a base da físicaaristotélica do lugar natural.

O argumento de Ockham neste caso do movimento foi bastante infeliz, poisele acreditava que para um corpo entrar em movimento não seria necessárionenhum agente para causá-lo, o que sabemos que está incorreto. Isso nãoinvalida sua “navalha”, que até hoje é aplicada satisfatoriamente em outrassituações, sendo conclamada sempre que um problema apresenta mais de umasolução. A mais simples prevalecerá!

Pluralidade de mundos

O filósofo e padre francês Jean Buridan (c.1300-1358) foi discípulo de Williamde Ockham na Universidade de Paris. Na primeira metade do século XIV,Buridan tornou-se reitor dessa instituição, na qual teve a oportunidade dedesenvolver ainda mais o conceito de ímpeto. Sua contribuição é considerada poralguns historiadores como o início da retomada científica, que culminaria na obrados gigantes renascentistas.

Sua teoria do ímpeto, porém, diferia daquela de Philoponus, pois Buridanrejeitava a ideia de uma força motriz que se dissipava espontaneamente. Paraele, o fenômeno se dava da seguinte maneira: “Após deixar o braço do impulsor,o projétil seria movido por um ímpeto conferido por aquele.” No entanto, essemovimento, que poderia prosseguir infinitamente, seria corrompido porinfluências externas, como a resistência do ar e até mesmo a gravidade, isto é, o

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movimento se reduziria de fato, mas não espontaneamente.Buridan argumentou também que o ímpeto imposto pelo lançador do projétil

era diretamente proporcional à velocidade e a quantidade de matéria do corpoarremessado. Essa noção lembra bastante o conceito moderno de “momento”,chamado por alguns autores de “quantidade de movimento”.

Ainda segundo ele, sua teoria se estenderia ao domínio supralunar, ao afirmarque Deus teria fornecido o ímpeto inicial que acarretou o movimento dos astros.Como não existia resistência nas esferas celestes, a continuidade dessedeslocamento não estaria comprometida. Assim, ao proclamar que tanto o céuquanto a Terra estariam sujeitos às mesmas leis, começava a surgir, mesmo queimplicitamente, uma unificação dos dois mundos, que foi corroborada,praticamente na mesma época, mas sob uma ótica diferente, por seu mentor,William de Ockham.

No caso de Ockham, vislumbrou-se a possibilidade de existência de outrosmundos como a Terra nas esferas celestes. Mas ele foi além daquela proposta deal-Biruni discutida anteriormente. Sua hipótese foi importante, porque Ockhampresumiu que o movimento natural dos corpos ocorreria nesse suposto outroplaneta em função do seu centro, e não mais do centro do Universo (quecoincidia com o centro da Terra na visão aristotélica). Mais uma vez: paraAristóteles, toda queda se dá em direção ao centro da Terra! Imaginemos, porexemplo, um astronauta na superfície da Lua deixando um corpo terreno cair desua mão. Segundo os peripatéticos, esse objeto viria na direção do centro daTerra, em vez de cair em direção ao centro da Lua. Com esse argumento elesrefutavam a existência de outros mundos. Para Ockham, um objeto pesadolargado na superfície de um outro mundo tenderia a cair em direção ao seucentro, e um leve subiria até a região reservada para seus iguais. Desta vez ficaainda mais notável a aplicação da mesma física no céu e na Terra, mas aindaassim, a física do lugar natural.

O filósofo alemão Alberto da Saxônia (c.1316-1390) foi bastante influenciadopelas ideias de Ockham, que aprofundou ainda mais. Ele havia sido pupilo deBuridan na Universidade de Paris, da qual posteriormente também se tornoureitor, e ao tomar conhecimento dos estudos de Ockham sobre a possibilidade deoutros mundos como a Terra, resolveu contribuir com a questão. Albertodefendeu que um corpo terreno sempre tenderia em direção ao centro do mundomais próximo, independentemente de sua origem (da Terra ou de outro planeta).Ao considerar o caso particular no qual o corpo estaria exatamente entre oscentros de dois mundos, ele afirmou que tal objeto “pode permanecer emrepouso entre eles como um pedaço de ferro entre dois ímãs atraindo-o comforça igual”.

Essa não foi a primeira vez que fenômenos gravitacionais foram comparadoscom magnéticos e nem será a última. O que é interessante, já que ambas as

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forças possuem algumas semelhanças. E, afinal de contas, a atração do ferropelo ímã pode ser considerada o melhor exemplo naquela época de uma forçaque age à distância, noção que aos poucos começava a ser incorporada àgravidade. O curioso é que naquele período alguns eruditos acreditavam queambas tinham a mesma origem.

A cinemática dos corpos

Durante a segunda metade do século XIV, o grupo hoje conhecido como “oscalculistas de Oxford” desenvolveu na Inglaterra um belíssimo trabalho acercado movimento dos corpos. Interessados em analisar as variações de qualidadescomo temperatura, coloração, densidade e até mesmo as alterações naintensidade da qualidade do movimento, a “velocidade”, alguns membros doMerton College, como Thomas Bradwardine (c.1290-1349), William Hey tesbury(c.1310-c.1372) e Richard Swineshead (fl. c.1340-1354), destacaram-se ao sededicar a um ramo da física até então desprezado: a cinemática (área damecânica que aborda o movimento dos corpos, sem se preocupar com suascausas).

O primeiro foi arcebispo de Canterbury e é autor do Tratado das proporçõesdas velocidades nos movimentos, de 1328, no qual analisa quantitativamente aregra de proporção aristotélica, cuja formulação, como vimos, dizia que avelocidade com que um objeto cai é inversamente proporcional à densidade domeio em que ele se encontra. Bradwardine aprimorou essa noção, propondo umarelação exponencial entre a velocidade e as forças envolvidas. Luca Bianchiescreveu, em seu artigo “A física do movimento”, que pela suposição deBradwardine “a velocidade V crescia aritmeticamente, enquanto a relação entrea força [motriz] F e a resistência R aumentava geometricamente”.

Já William Hey tesbury teria sido o principal articulador na criação do“teorema da velocidade média”, também chamado de “regra de Merton”,importantíssimo para o futuro da física. Ao analisar as alterações que a qualidade“velocidade” poderia sofrer, classificaram-nas como: uniformes (aquelas quenão variam com o tempo); uniformemente disformes (as que sofrem umamudança constante); e disformemente disformes (aquelas que podem seralteradas de qualquer maneira).

Com essas definições em mente e algumas relações preestabelecidas entre astrês possíveis alterações, os calculistas constataram que um corpo em“movimento uniforme”, isto é, com velocidade constante, percorre a mesmadistância em um mesmo intervalo de tempo que outro em “movimentouniformemente disforme”, ou seja, constantemente acelerado, se a velocidadedo primeiro for igual à velocidade média do segundo.

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A fim de elucidar essa questão, vamos resolver esse problema, utilizandovalores numéricos: consideremos que um móvel partiu do repouso (velocidadeinicial nula) executando um movimento uniformemente disforme, tenha atingido120km/h após percorrer 1km em 1min. A velocidade média nesse caso é a finalmenos a inicial, dividida por dois, que dá 60km/h. Logo, pela regra de Merton, umsegundo móvel em movimento uniforme com a velocidade média do anterior,60km/h, cumpriria exatamente a mesma distância no mesmo intervalo de tempo.

Esse teorema mostrou-se extremamente satisfatório no que diz respeito àcinemática e sua aplicação tornou-se corrente ao longo dos anos.Aproximadamente um século depois, o padre espanhol Domingo de Soto (1494-1560), que foi professor da Universidade de Salamanca, notou que a regra deMerton poderia ser utilizada no estudo do movimento dos corpos em queda livre.

O terceiro matemático, Richard Swineshead, analisou por meio da lógica adensidade dos corpos em seu Livro de cálculos. Segundo ele, uma coisa seriararefeita na razão da quantidade de sua matéria. Em um artigo sobre sua obra, oautor John Longeway informou que Swineshead considerava que um corpopesado, ao se aproximar do centro do Universo, se moveria cada vez maislentamente sem jamais atingir este ponto.

(Curiosamente, esta ideia descreve com bastante acurácia o que aconteceriase um objeto caísse em direção a uma massa muito grande. As deformaçõesespaçotemporais, prescritas pela Relatividade Geral, e que serão abordadas nasegunda parte deste livro, causariam, para certos referenciais, a impressão deque a queda nunca terminaria, ou seja, de que o objeto jamais atingiria o corpode massa enorme!)

Por sua contribuição, Swineshead foi reconhecido por diversos cientistasrenascentistas. Até Leibniz, um dos pais do cálculo, prestou deferência aSwineshead, que com o tempo estranhamente perdeu essa fama. A obra dosmertonianos seria corroborada séculos mais tarde por ninguém menos queGalileu Galilei, que, como veremos, foi o responsável pela solução definitivaacerca do movimento dos corpos em queda livre.

1 “Inferno” (primeiro livro d’A divina comédia), Canto XXXIV, versos 106 a 109.Tradução de Italo Eugenio Mauro.

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4 | COMO COMEÇA UMA REVOLUÇÃO?

Quanto a mim, penso que a gravidade não passa de umacerta apetência natural implantada nas partes pelaprovidência divina do Arquiteto universal, para que elasrestaurassem sua unidade e integridade reunindo-se naforma de um globo. E pode-se crer que esta afeiçãotambém está no Sol, na Lua, e nos outros corpos errantesbrilhantes, e que, graças à sua eficácia, elespermanecem esféricos como se apresentam.

NICOLAU COPÉRNICO

Amadurecendo ideias

As coisas começam a tomar forma (literalmente) quando outro discípulo deWilliam de Ockham utiliza o trabalho dos calculistas de Oxford na análise domovimento dos corpos. Trata-se do francês Nicole d’Oresme (c.1320-1382),polímata, bispo de Lisieux e mestre da Universidade de Paris. Em meados doséculo XIV, ele desenvolveu uma forma de representar graficamente os tipos demovimento discutidos pelo teorema da velocidade média.

(O frade franciscano Giovanni di Casali já havia explorado antes de Oresmea representação gráfica do movimento em seu tratado Sobre a velocidade domovimento de alteração, de 1346. Porém, pelo que se sabe, a descoberta deOresme se deu de forma independente.)

Em seus gráficos, o francês marcava ao longo de uma linha horizontal as“longitudes”, que representariam os instantes de tempo do movimento. Emseguida, para cada um desses pontos haveria retas perpendiculares à primeiralinha, que seriam as “latitudes”, que neste caso eram as velocidades. Um estudometiculoso do movimento uniforme e do uniformemente disforme nesse tipo degráfico permitiu a ele verificar geometricamente a regra de Merton, citada nocapítulo anterior. Afinal, as áreas definidas abaixo da linha que representava aevolução do movimento eram iguais às distâncias percorridas pelos móveis emambos os casos que, obviamente, tinham o mesmo valor, o que corroborava como teorema. Muito provavelmente, esse trabalho foi a fonte inspiradora deDescartes para desenvolver seus eixos de coordenadas, no século XVII.

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Visualização moderna dos gráficos de movimento uniformementedisforme (ou variado, como é habitualmente chamado na linguagemcoloquial) e uniforme. Em ambos os gráficos, as áreas definidas (A)

são iguais.

Heresias sutis

Em seu Livro do céu e do mundo, Nicole d’Oresme descartou a teoria do ímpetonas esferas celestes, pois, como os tomistas, ele acreditava que Deus responderiapelo movimento constante dos astros. Já o movimento dos corpos da regiãosublunar, segundo Oresme, seria uma mistura da física do lugar natural com aideia platônica segundo a qual os iguais tendem a se unir. Na verdade, seustrabalhos parecem uma miscelânea de diversas ideias já apresentadas aqui.

Sobre a proposta de seu mentor acerca da existência de outros mundos,Oresme a aceitou, visto que, para ele, com seu poder infinito, Deus poderiafacilmente criar quantos mundos quisesse. Ao escrever sobre o tema, confessouque tinha o hábito de exercitar sua mente com uma ideia interessantíssima: a demundos dentro de outros, similares, porém menores. Se considerarmos ahierarquia cosmológica do Universo atual, veremos que não estava tão distanteassim da realidade.

Além disso, de acordo com alguns estudiosos do período medieval, Oresmevislumbrou a possibilidade de um sistema cujo centro não seria a Terra, mas simo Sol. Essa visão herética poderia ter lhe causado problemas junto à Igreja, daqual era membro, mas é difícil saber ao certo se seus integrantes tomaramconhecimento dessa ideia enquanto o monge era vivo.

Outro “sacrilégio” que ele teria cometido foi retomar as discussões sobre omovimento de rotação terrestre. Assim como Buridan, que também analisou essapossibilidade, e outros filósofos mais antigos, o maior problema era encontraruma comprovação desse giro que a Terra executaria ao redor do seu eixo. Como

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sabemos, a maioria optava pelo movimento celeste, mantendo a Terraestacionária, apesar de, astronomicamente, este movimento ser absolutamenteviável, conforme al-Biruni havia anunciado.

Buridan, com o intuito de mostrar que sua proposta era correta, buscouinspiração em Aristóteles e argumentou que se uma flecha fosse atirada paracima em uma Terra em rotação, ao cair ela não retornaria à posição delançamento, que deveria ter se deslocado devido ao movimento diurno. Como aflecha volta para a mão do lançador, esta seria a comprovação de que não haviarotação alguma.

Por outro lado, Oresme afirmava que a flecha atirada verticalmentecompartilharia do movimento de rotação da Terra. Desta maneira, quandoarremessada para cima, além deste movimento violento, teria o movimento derotação impregnado nela, e por isso retornaria a posição inicial. Ele defendia queo fato de a Terra girar ao redor do seu eixo simplificaria as coisas. Todavia,alguns historiadores narram que ao final de sua vida, Oresme teria descartadoesta opinião.

Independentemente disso, o fato é que sua obra influenciou grandespensadores que vieram a seguir. De Leonardo da Vinci a Descartes, passando porCopérnico e Giordano Bruno, Oresme pode ser considerado coautor informal deideias fantásticas que revolucionariam a história da ciência.

Renascença

Para a maioria dos historiadores, a tomada da capital do Império Bizantino,Constantinopla, no ano de 1453, representa o marco inicial de um períodoextremamente importante para a ciência: o Renascimento. A chegada na EuropaOcidental de intelectuais saídos da cidade turca teria servido como estímulo paraessa revolução cultural que teve início na Itália, e se propagou por várias cidadeseuropeias.

Obviamente, o status quo não mudou da noite para o dia. Outros diversosfatores contribuíram para que esse movimento de redescoberta artística ecientífica, gradualmente, se estabelecesse. Certamente, a invenção da prensatipográfica por Johannes Gutenberg (c.1400-1468), em meados do século XV, foimais um desses fatores. Com esse advento, a quantidade de livros disponíveispassou a crescer exponencialmente, o que permitiu uma redução no custo daspublicações, tornando-as mais acessíveis. Os clássicos greco-romanos, queestavam em alta no período renascentista, passaram a ser amplamentedivulgados e estudados.

E se Dante anteriormente foi considerado o homem-síntese da Idade Média,permita-me transferir esse título para o polímata italiano Leonardo da Vinci

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(1452-1519) no Renascimento. Personagem emblemático dessa era, além dolegado sempre mostrado nos mais diversos livros, exposições e programas detelevisão, Da Vinci contribuiu também, de forma não tão significativa (verdadeseja dita), com a noção de gravidade. Todavia, como sua obra apresenta trechosinteressantes nessa área, destacaremos a seguir algumas de suas ideias.

Da Vinci e a gravidade

Da Vinci, como ainda era comum naquele tempo, foi bastante influenciado pelafísica aristotélica em seus argumentos. Mas também vislumbrou novaspossibilidades em relação à questão do movimento dos corpos. Ele defendia queo calor e o frio causariam o movimento dos elementos, e como acreditava quetodo calor do Universo era produzido pelo Sol, tal movimento seria, portanto,derivado deste astro. Mas Da Vinci não descartou o peso e a leveza. De fato, eleafirmou que ambos seriam produzidos assim que os elementos iniciassem seumovimento.

Dessa ideia bastante estranha vem a definição de gravidade proposta por DaVinci. Para ele, “a gravidade é poder acidental, criado por movimento einfundido nos corpos que sobressaem de sua posição natural”. O mais curioso,porém, é a relação construída pelo pensador entre peso e gravidade com o queele chama de “força”.

Esse termo vem assim, entre aspas, pois foi pinçado de traduções para oportuguês de textos originais, aos quais não tivemos acesso. Nesses textos, DaVinci define força como “um agente incorpóreo, um poder invisível”, e até comouma “energia espiritual”. Ainda assim, a noção de força empregada por ele éum tanto vaga, o que não permite concluir muita coisa referente a ela. Alémdisso, ora ele diz que “a força é o peso”, ora investiga para saber se gravidade eforça são produzidas por si mesmas, ou se necessitam uma da outra. Osmanuscritos em que se encontram essas informações foram publicados no livroAnotações de Da Vinci por ele mesmo.

Mas, apesar da confusa relação entre peso e gravidade, as ideias de Da Vinciparecem trazer implícito o conceito de ação à distância. E o mais interessante:associada à gravidade!

Outro ponto curioso na obra de Da Vinci é quando ele questiona a natureza daLua, chegando a perguntar “como ela não cai?”. A impressão que fica é que elehavia notado as irregularidades na superfície lunar antes mesmo da invenção dotelescópio. Nas Anotações, há uma seção intitulada “Construir vidros para ver aLua ampliada”, mas é difícil comprovar se a eficiência do método proposto ésuficiente para que ele tenha conseguido observar tais irregularidades, a partir daforma como está descrito na seção.

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Da Vinci e o movimento

Os estudos de Da Vinci acerca dos movimentos dos corpos foram maispromissores que suas elucubrações gravitacionais, por terem, em alguns casos, seaproximado mais dos resultados corretos.

Da Vinci analisou a queda livre, o movimento sobre planos inclinados etambém o movimento de projéteis. Neste último, chegou a indicar que atrajetória de uma bala de canhão seria uma curva contínua sem, no entanto,fornecer a forma desta curva.

Ao analisar o movimento dos graves em planos inclinados, ele postulou quehaveria uma relação entre os tempos com que os móveis se deslocam e os senosdos ângulos de inclinação do plano, que de fato existe, mas não exatamente comofoi proposta.

Sobre os corpos em queda livre, ele afirmou que “o peso que descelivremente adquire um grau de movimento com cada grau de tempo, e comcada grau de movimento, ele adquire um grau de velocidade”, que prosseguiriaaumentando em “graus” em uma proporção direta, de acordo com Da Vinci.Dessa maneira, por exemplo, em um intervalo de tempo t, um corpo queadquirisse uma velocidade v, atingiria uma velocidade 2v no tempo 2t, 3v em 3t,e assim sucessivamente.

Mas, segundo José Bassalo no primeiro volume de Nascimentos da física, asconcepções de Da Vinci sobre esse assunto “eram confusas, já que, em certaspassagens de seus escritos, afirmou que as variações da velocidade dos graveseram proporcionais aos espaços percorridos, enquanto em outros escritos disseserem proporcionais aos tempos gastos”. Além disso, estes resultados diferiamdaqueles obtidos pelos calculistas de Oxford.

A verdade é que a obra de Da Vinci apresenta algumas contradições eequívocos no que diz respeito às questões relacionadas ao conceito de gravidade etemas afins. Como somente alguns trechos pré-selecionados foram citados aqui,esse fato pode não parecer tão claro. Entretanto, o que vale ser ressaltado é aessência de seu trabalho, que remete a uma “força solar” implicandomovimento, a gravidade parecendo uma ação à distância, a experimentação nomovimento dos graves com uma abordagem praticamente quantitativa, enfim,algumas ideias que serão trabalhadas posteriormente, embora sem a influênciade Da Vinci. Isso porque, diferentemente do que costumamos ver em outrasáreas em que ele atuou, no estudo da gravidade sua contribuição não obtevegrande repercussão (talvez por conta das confusões mencionadas), fazendo comque os eruditos que o sucederam não se referissem à sua obra.

Tiro ao alvo

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Um dos maiores problemas da artilharia com pólvora estava relacionado àdificuldade em se acertar o alvo, já que não se sabia qual era a trajetória real doprojétil. Nenhuma das explicações dadas até aquele momento se mostravasatisfatória quando posta em prática.

Naquele tempo, era comum a utilização de armas de arremesso, comofundas, arco-e-flecha, catapultas e trabucos. Inicialmente, para se usar umadessas armas com habilidade, era necessário muito treinamento, na base detentativa e erro.

Posteriormente, regras geométricas passaram a ser aplicadas, a fim de semelhorar o desempenho do armamento. Durante as Cruzadas (1095-1291),houve uma notável evolução nas máquinas de arremesso, e com a Guerra dosCem Anos (1337-1453), ocorreu a introdução definitiva da artilharia compólvora, como canhões, por exemplo. Mas a pergunta persistia: como otimizar autilização dessas armas?

O matemático e engenheiro italiano Niccolò Fontana (c.1499-1557) foiresponsável por uma abordagem mais profunda sobre o movimento de projéteis.Ele é mais conhecido como Niccolò Tartaglia (tartaglia, em italiano, quer dizer“gago”); mesmo naqueles tempos politicamente incorretos, é provável que osenhor Fontana não prezasse muito seu “nome de guerra”. Especialmente por talapelido fazer alusão direta a um ferimento causado por um golpe de espada noqueixo sofrido ainda quando criança, que afetou drasticamente sua fala.

Tartaglia foi chamado para tentar resolver a questão, e após um estudometiculoso, no qual acoplou um quadrante a um canhão com o intuito de medir ograu de inclinação de cada lançamento, constatou que o ângulo com o qual oprojétil atingiria o alcance máximo era 45°. Contudo, ele não se limitousimplesmente a essa informação. Em seu tratado Nova ciência de balística, cujasegunda edição (revista e ampliada) foi publicada em 1550, ele forneceu umaanálise bastante interessante sobre a trajetória dos projéteis, que resultou naconfecção da primeira tabela de balística da história.

Assim como Da Vinci, ele concluiu que as trajetórias seriam curvas em todasua extensão. Mas que tipo de curva seria esta? Tal enigma Tartaglia também nãoresolveu, deixando para Galileu decifrá-lo, como veremos no próximo capítulo.

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Frontispício de Nova ciência de balística, no qual vários estudiosos doassunto (entre eles o próprio Aristóteles) contemplam a trajetória curva

de um projétil.

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Ainda analisando o movimento de projéteis, Tartaglia, em um comentáriobastante curioso, afirmou que um corpo grave teria seu peso diminuído quantomaior fosse sua velocidade. Por isso, uma bala de canhão pesada, quandolançada com muita velocidade, teria sua trajetória inicial muito próxima de umareta, pois o deslocamento devido ao movimento natural (para baixo) seria quaseimperceptível. Entretanto, conforme a velocidade diminuísse, prevaleceria omovimento em direção ao centro da Terra.

Mas o italiano sabia também que caso houvesse um impacto com o projétilem alta velocidade, ele seria bem mais violento, da mesma forma que quantomaior a altura com que um objeto cai, maior será o efeito do impacto no chão.Parece que ele já tinha notado que a velocidade de um corpo aumenta durantesua queda em função da distância percorrida.

A peste em campo

O período renascentista era tão fértil para as ideias germinarem que até fatos quemarcaram negativamente — como a epidemia de peste negra que se espalhoupela Europa no século XIV — serviram de motivação para que os sábios daépoca se dedicassem a buscar uma solução para o problema.

Com a crise causada pela peste, a força da Igreja ficou abalada, e algumaspessoas se utilizaram de recursos místicos com o fim de encontrar uma cura ouuma explicação para o ocorrido. Uma grande discussão atingiu diversas esferasda sociedade, pois astrólogos acreditavam que a epidemia teria sido ocasionadapor uma conjunção planetária na constelação de Aquário, que contribuiria com acorrupção do ar. Entretanto, apesar de todas as especulações, não chegaram anenhuma conclusão sobre as possíveis causas da propagação da doença.

Os eruditos, no entanto, não aceitavam tais postulações, pois, segundo eles,não havia lugar para fenômenos ocultos na filosofia. O médico italiano GirolamoFracastoro (1478-1553) concordava com essa prerrogativa e explorou a questãodo contágio da peste por meio de uma abordagem da noção de ação à distância.

Fracastoro nos fornece um bom exemplo de como o acervo científico já eramais acessível, mesmo no início da Renascença. Em suas obras Sobre o contágioe Sobre a simpatia e a antipatia das coisas, publicadas em 1546, ele reuniu osconceitos de simpatia e espécie, entre outros, na tentativa de identificar como aspessoas contraíam a peste. Porém, é bom dizer que ele reformulou essesconceitos com a finalidade de aproximá-los mais do que considerou correto.

A fim de tornar sua explanação mais familiar, o pensador traçou um paraleloentre a forma de contágio e o magnetismo, mostrando posteriormente que osprocessos para a ocorrência desses fenômenos eram diferentes. No caso datransmissão de doenças, ele argumentou que sua propagação se dava da mesma

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forma que, por exemplo, a do som, ou seja, as espécies “atravessavam” ummeio geométrico (ar ou fluido), e depois um fisiológico (corpo vivo).

Já para explicar os fenômenos magnéticos, ele mostrou como funcionaria asimpatia do ferro pelo ímã. Segundo ele, duas partes de um mesmo todoemanam espécies, que se propagam por um meio. Mesmo quando afastadas, ocontato entre suas espécies faz com que as partes tendam a se reunir novamente.Seria esta a justificativa para a atração sofrida por corpos similares, que eracomo Fracastoro considerava o ferro e o ímã. Curiosamente, essas emanaçõesdas espécies sugeridas por ele remetem a uma noção muito primordial doconceito de “campo”, introduzido por Michael Faraday no século XIX.

Além da ideia de simpatia notadamente influenciada pela visão platônica de“semelhante se une a semelhante”, Fracastoro inovou ao considerá-la comoreguladora do mundo natural. Assim, para ele, as relações “simpáticas” dosquatro elementos com seus respectivos domínios descreveriam suas tendências,isto é, a terra seria simpática à água, que por sua vez seria simpática ao ar, queseria simpático ao fogo.

O trabalho desenvolvido por Fracastoro ilustra claramente a evoluçãogradativa dos conceitos, aproximando-se cada vez mais das noções atuais. Anomenclatura seria totalmente alterada — “simpatia”, “espécie”, “ímpeto”,nenhum desses termos restou —, mas as ideias por trás de cada um delesprecisavam apenas ser recicladas e receber uma análise mais quantitativa paraque chegassem ao nível em que hoje se encontram.

Preparando o terreno

Retomando um tema propositalmente deixado de lado temporariamente, falemossobre a utilização do modelo ptolomaico durante a Idade Média. Essa obra foi decerta forma ofuscada pela adoção da cosmovisão aristotélica por parte da Igreja.O que não quer dizer que ninguém optou por deferentes, epiciclos e equante. Boaparte dos filósofos árabes, por exemplo, não só usou o sistema de Ptolomeu,como aperfeiçoou sua construção a ponto de torná-lo mais preciso. Porém,coincidentemente ou não, dos personagens que vimos até agora (aqueles quecontribuíram com o desenvolvimento do conceito de gravidade), a maioriaadotou o Universo de Aristóteles.

Mas é interessante registrar aqui alguns dos defensores europeus do modeloptolomaico. Acredita-se que o inglês João de Sacrobosco (1195-c.1256) foi oprimeiro astrônomo a publicar na Europa Medieval um tratado no qual baseavasuas demonstrações no sistema de Ptolomeu. Intitulado Sobre a esfera do mundo,esse trabalho veio à luz aproximadamente em 1220.

Outros que se destacaram por adotar a obra ptolomaica foram o astrônomo

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austríaco Georg von Peurbach (1423-1461) e seu aluno alemão Johannes Muller(1436-1476), mais conhecido por seu nome latino Regiomontanus. Ambosaplicaram e expandiram o conhecimento acerca deste modelo às portas doRenascimento, fazendo com que a comunidade astronômica da época ficassemais atenta às opções fornecidas por aquele sistema. O tratado deRegiomontanus intitulado Epítome do Almagesto de Ptolomeu, no qual deucontinuidade ao trabalho de seu mestre, serviu como referência para que NicolauCopérnico (1473-1543) pudesse dar início a uma revolução astronômica.

Alguns historiadores consideram essa denominação exagerada. Outros achamque Copérnico sequer se aproximou de revolucionar alguma coisa.Particularmente, acredito que este seja um dos pontos mais controversos dahistória da astronomia, pois é difícil encontrar concordâncias entre osespecialistas. De qualquer forma, veremos o quanto esse astrônomo e cônegopolonês acrescentou à história da gravidade, passando pelas questões polêmicasque o cercam.

Revolução copernicana?

Copérnico estudou na Universidade de Cracóvia antes de ir para a Itália seformar na Universidade de Bolonha, onde, provavelmente, foi apresentado aotratado de Regiomontanus com um resumo aprimorado da obra ptolomaica. Mas,obviamente, ele não se limitou a ela. Sua sede pelo conhecimento astronômicoaumentava cada vez mais, e Copérnico estudou vários trabalhos importantessobre esta ciência. Plutarco foi uma das fontes citadas por ele, e nela acaboudescobrindo propostas de sistemas diferentes daqueles de Aristóteles e Ptolomeu.

Por volta de 1503, Copérnico voltou à Polônia, e aproximadamente dez anosdepois divulgou seu opúsculo manuscrito conhecido como Pequeno comentário,cuja circulação ficou restrita somente às pessoas de sua confiança. Nessetrabalho, ele já anunciava aquilo que caracterizaria sua obra máxima: a buscapela perfeição (aquela mesma dos gregos Pitágoras e Platão). Segundo ele,apesar de consistente com os dados numéricos, o modelo ptolomaico nãotransmitia uniformidade. Assim, coube a Copérnico buscar um arranjo maisrazoável de círculos, a fim de tornar o Universo mais simples.

Suas ideias nesse protótipo de tratado foram expostas sem muita elaboração ede forma qualitativa. Ele reuniu em sete axiomas tudo aquilo que consideravaindispensável para harmonizar o mundo, sem deixar de salvar os fenômenos. Noprimeiro deles, Copérnico postulou que “todos os orbes ou esferas celestes nãotêm um centro único”, para em seguida afirmar, no segundo axioma, que “ocentro da Terra não é o centro do mundo, mas apenas o de gravidade e de orbelunar”. Porém, é no terceiro que vem a mudança crucial, que é mais elaborada

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do que parece: “Todos os orbes giram ao redor do Sol, como se ele estivesse nomeio de tudo, portanto o Sol está perto do centro do mundo.”

Pois reparemos como era o original desse terceiro axioma em latim. Nele,destacarei a palavra que informa um detalhe que pode passar despercebido, masé fulcral: diferentemente do que se pensa habitualmente sobre o modelocopernicano, o Sol não está no centro: “omnes orbes ambire Solem, tanquam inmedio omnium existentem, ideoque circa Solem esse centrum mundi” (grifo meu).Assim, o que se vê nestes três primeiros princípios é que mesmo semamadurecer muito seu modelo, Copérnico já admitia que a Terra não ocupava aposição central, permanecendo apenas com a Lua ao seu redor. A física do lugarnatural também sofria modificações, pois os graves não caíam mais em direçãoao centro do Universo (que antes coincidia com o terrestre). Mas curioso mesmoé justamente o fato de o Sol jamais ter ocupado o centro deste sistema (ou seja,se quisermos ser extremamente rigorosos, deveríamos chamar este sistema de“heliostático” e não “heliocêntrico”…).

Ao que tudo indica, os planetas girariam uniformemente ao redor do centrodo Universo, e o Sol se encontraria na verdade não no centro, mas próximo a esteponto imaginário. Tal artifício serviria, muito provavelmente, para explicar avariação do diâmetro solar, e talvez até a variação de velocidade que os planetasapresentam durante seu movimento orbital.

Nos outros quatro axiomas, Copérnico explica alguns movimentos definidospor ele, como a rotação da Terra, por exemplo, e passa uma noção da dimensãodeste novo Cosmos, que assim como aquele proposto por Aristarco, aumentouconsideravelmente de tamanho. Uma informação contida no quinto axiomainteressa a nosso estudo, pois quando Copérnico propõe que os “elementosadjacentes” à Terra acompanham seus movimentos, ele procura justificar oretorno de objetos lançados para cima à posição inicial com o deslocamento daprópria atmosfera no qual o móvel está imerso.

Outro dado importante fornecido por Copérnico nesse texto é a ordem corretada disposição dos planetas em relação ao Sol. Para ele, o mais próximo seriaMercúrio, seguido por Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno. Este último seriasucedido pela esfera das estrelas, que neste sistema permanece imóvel, visto queseu movimento foi “transferido” para a Terra.

É neste momento da história que ocorre uma quebra de paradigma noconceito de “planeta”. Até aqui, planetas eram todos os astros que se deslocavamem relação ao fundo de estrelas. A palavra planete tem origem grega e significa“errante”. Para os gregos, além de Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, oSol e a Lua também eram planetas! Com o modelo de Copérnico o Sol troca delugar com a Terra, que passou a ser um planeta.

(A Lua parece ter ficado em um limbo até o termo “satélite” ser criado.Segundo Timothy Ferris, sua autoria pertence a Kepler. Nas duas traduções em

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português da obra máxima de Copérnico, a Lua é referida como “satélite”,apesar de não existir qualquer palavra no original em latim que remeta a estetermo.)

Copérnico determinou ainda os períodos orbitais de cada um dos planetas comuma precisão razoável.

Mas não pense que este modelo era extremamente elegante. Mesmo abolindoo equante, Copérnico inseriu diversos círculos auxiliares (como os epiciclos), queagora não serviam mais para explicar a retrogradação dos planetas — fenômenoeste compreendido diretamente pela combinação dos movimentos da Terra e dosoutros planetas —, mas sim as velocidades variáveis que estes apresentavam aolongo de suas órbitas. Assim, apesar de manter os movimentos circulares euniformes, como mandavam os preceitos perfeccionistas de Platão, o modelocopernicano não apresentava toda aquela simplicidade anunciada. E sequer suaprecisão foi muito diferente da do ptolomaico.

Visualização do movimento retrógrado a partir do modelo heliocêntrico.Nele, esse movimento ocorre naturalmente, como se pode ver pelavariação da posição do planeta Marte (usado como exemplo) em

relação ao fundo de estrelas.

Revolução, sim, até no título

Em 1543, ano da morte de Copérnico, veio à luz a primeira edição de sua obra-

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prima, Sobre as revoluções dos orbes celestes. Sobre este título, cabe umcomentário pertinente: foi a partir deste tratado que evoluiu o modelo de SistemaSolar vigente hoje, apesar de sabermos que esta não foi a primeira vez que umsistema heliocêntrico foi proposto. Portanto, por que o nome do movimento que aTerra executa ao redor do Sol não se originou do título da obra na qual, pela“primeira vez”, se cogitou este movimento batizado de “revolução” (por sinal,um nome até mais correto do que “translação”, fisicamente falando)? Por quenão respeitamos o nome historicamente proposto por Copérnico desde apublicação original em latim e, como bonificação, ainda utilizaremos umadenominação mais acertada?

Como foi dito antes, algumas polêmicas cercam essa publicação, e elas jácomeçam no prefácio apócrifo inserido sem o consentimento do autor,posteriormente atribuído ao teólogo luterano Andreas Osiander (1498-1552), queacompanhou a impressão do tratado. Nele, Osiander procura desacreditar asnovas hipóteses “admiráveis e fáceis” ali contidas, tendo em vista que somenteDeus poderia revelar a verdade. De acordo com ele, “não é necessário que essashipóteses sejam verdadeiras, e nem sequer verossímeis, mas basta que forneçamum cálculo que concorde com as observações”.

Outra controvérsia comumente encontrada na literatura costuma relatar queesse trabalho somente teria sido publicado no ano da morte de Copérnico, porqueo autor temia a reação da Igreja. Porém, é sabido que diversos membros dessainstituição insistiram veementemente para que ele divulgasse sua teoria. Entreeles, podemos citar o cardeal de Cápua, o bispo de Chelmno e o bispo deFossombrone que, conforme contam, era um especialista em astronomia. Alémdisso, um dos motivos que o impeliram nessa empreitada foi a necessidade porparte da Igreja de corrigir problemas relativos ao calendário, posto que haviauma certa discordância entre os estudiosos da época sobre os movimentos do Sole da Lua (a duração dos anos e dos meses depende diretamente do conhecimentoacerca desses movimentos, que ainda não estavam convenientemente medidos.Somente em 1582 esse problema foi resolvido com a criação do calendáriogregoriano, vigente até hoje).

Copérnico, mesmo com algum receio, se viu persuadido a lançar suas ideias,ainda que, segundo ele, alguém pudesse exigir a sua condenação.

Sua obra completa foi dividida em seis livros. No primeiro, Copérnico,basicamente, introduz os principais conceitos, e nos demais parte para oscálculos. Podemos considerar esse trabalho como uma expansão do seu Pequenocomentário no qual tabelas, diagramas, ilustrações e argumentos seguros foramoferecidos para deleite de seus sucessores.

Analisando mais a fundo o livro um, que apresenta as questões que interessamao nosso tema, encontramos, nos primeiros capítulos, a informação de que oUniverso e a Terra são esféricos, seguida de uma breve explanação a esse

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respeito. Já no capítulo quatro, Copérnico postula que “o movimento dos corposcelestes é uniforme, circular e perpétuo, ou composto de movimentoscirculares”. Tal complementação expõe as irregularidades de seu sistema, queele ainda considera harmonioso por essas irregularidades terem um perfilperiódico.

Nos capítulos que se seguem, Copérnico explora mais diretamente a questãoda gravidade, a fim de fortificar ainda mais os alicerces de sua hipótese.Inicialmente, ele justifica a ausência de proposições anteriores com a Terra emmovimento, sustentando que a principal alegação seria a dificuldade de explicar“o peso e a leveza”. Por isso, no modelo copernicano, com a Terra fora do centrodo Universo, o movimento dos corpos associados ao nosso planeta seria duplo:retilíneo, que corresponde ao movimento natural radial, e circular, em relação aocentro da Terra devido à rotação. Como já foi mencionado, mas é sempre bomlembrar, o centro de gravidade terrestre permanece sendo o centro do planeta,embora agora cada um dos astros desse sistema tenha o seu próprio centro degravidade também. O trecho no qual Copérnico introduz esta definição encontra-se citado na epígrafe deste capítulo.

Este ponto de sua obra também gera uma certa polêmica, pois alguns autoresacreditam que Copérnico se inspirou em razões metafísicas para propor oprincipal pilar de seu modelo, o Sol como centro (isto é, quase centro) doUniverso. Ao declarar que o astro deveria ocupar a posição central, perguntando“quem colocaria esta lâmpada de um belo templo em outro lugar melhor do queesse, de onde ele pode iluminar tudo ao mesmo tempo?”, Copérnico aguça oleitor menos atento a pensar que o motivo seria assim tão simples. Mas, ao longode todo seu tratado, ele mesmo se esforça para demonstrar que baseou sua teoriana matemática, ou seja, mesmo que houvesse alguma motivação mística, nofinal foi a ciência que validou sua proposição.

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Esboço original contido em Sobre as revoluções dos orbes celestes, como modelo heliocêntrico exposto de forma simplificada pelo próprio

Copérnico.

Infelizmente, mesmo com todo o cálculo empreendido por Copérnico, seumodelo não revolucionou a história da gravidade como fez com a astronomia.Suas justificativas para o Sol estar próximo ao centro passaram longe daexistência de uma força atuando à distância exercida pelo próprio Sol.Curiosamente, ele ainda associou a esfericidade dos astros à gravidade (peladefinição daquele tempo), mas sem apresentar razões físicas para tal assertiva.

Portanto, apesar do avanço considerável em termos de disposição doUniverso e da melhoria razoável nas precisões dos dados em comparação comos modelos anteriores, ainda faltava um bom caminho para ser trilhado.

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Certamente menos árduo, mas ainda assim necessitando de mais do quepressupostos filosóficos para se atingir um outro nível no estudo da gravidade.

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5 | É ASSIM QUE AS COISAS CAEM

A gravidade é uma afeição corpórea mútua entre corpossemelhantes para unir ou se juntar (a esta ordem decoisas pertence também a faculdade magnética) demodo que a Terra atrai a pedra muito mais do que apedra tende para a Terra.

JOHANNES KEPLER

Enquanto a revolução repercute

Historiadores contam que nos primeiros 50 anos após o lançamento do Sobre asrevoluções dos orbes celestes, a Igreja conviveu naturalmente com a obra. Ofato de ter sido escrito por um cônego e dedicado ao papa Paulo III ajudoubastante para que o tratado não chamasse a atenção da Inquisição. Quanto aosastrônomos e matemáticos da época, neste mesmo intervalo de tempo, talvezuma dúzia deles tenha sido capaz de acompanhar o raciocínio de Copérnico alicontido. Somente nas primeiras décadas do século XVII é que os holofotes, oumelhor, os candelabros, se voltariam totalmente para aquele sistemaheliocêntrico. Mas antes de tratarmos dessa questão, vamos conhecer algumascontribuições e ideias curiosas que rondaram o conceito de gravidade ainda nasegunda metade do século XVI.

Retomando as discussões sobre o movimento dos corpos, deparamo-nos comum belo estudo realizado pelo físico italiano Giambattista Benedetti (1530-1590)logo na sequência da obra copernicana. Crítico fervoroso da doutrina aristotélica,em 1585 divulgou, em seu Livro sobre várias especulações matemáticas e físicas,resultados bastante interessantes sobre objetos em queda livre. Adepto da teoriado ímpeto, ele analisou também o movimento de projéteis, mas neste tema nãofoi além da solução apresentada por Tartaglia anos antes.

Sobre os corpos em queda, Benedetti argumentou que o ímpeto impressoenquanto eles caem aumenta uniformemente, e que a resistência sofrida peloobjeto depende de sua área superficial e não de seu volume. Todavia, foi atravésda proposta de um exercício mental cuja linha de raciocínio era irretocável, queBenedetti buscou derrubar de uma vez por todas a ideia aristotélica de que corposmais graves em queda livre tocam o solo mais rápido que os menos graves, sesoltos simultaneamente de uma mesma altura.

Segundo Benedetti, se dois objetos com mesmo peso conectados por um fiomuito fino são largados de uma certa altura, eles devem cair como um corpo

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único, cujo peso final é a soma dos dois (o peso do fio pode ser consideradodesprezível). Se durante a queda o fio é cortado, os dois objetos originais commetade do peso do corpo único deveriam diminuir sua velocidade de queda, porserem mais leves que ele. Contudo, tal fato não é observado, o que demonstravamais uma vez que a física de Aristóteles precisava ser revista. E em breve essarevisão teria lugar…

Terra magnética

Um dos primeiros seguidores de Copérnico foi o filósofo italiano Giordano Bruno(1548-1600), que adaptou o modelo heliocêntrico a suas crenças. De acordo comele, o Universo seria infinito, as estrelas seriam outros sóis, e ao redor delashaveria planetas, que poderiam ser habitados como a Terra. Em um artigo sobreo doutor Johannes Fausto, Claus Priesner faz referência a uma noçãointeressante, defendida por Bruno, de que “a mesma força espiritual, que moveos planetas em torno de seus sóis, deve, por analogia, mover também o sanguepor meio do corpo”. Apesar da analogia, que sabemos hoje ser inadequada, oavanço contido nesta ideia é, sem dúvida, a introdução de uma força (no sentidoliteral) como razão do movimento dos planetas ao redor do Sol. O problemadessa força era justamente seu perfil metafísico, carente de uma análisequantitativa coerente, como aconteceu em outros casos como os de simpatia,espécie, e até mesmo o ímpeto.

Outro que seguiu alguns dos passos de Copérnico foi o médico e físico inglêsWilliam Gilbert (1544-1603). Em sua obra-prima, intitulada Sobre o ímã, de1600, ele discute intensamente questões referentes ao magnetismo, e inova aoconsiderar a Terra como um imenso magneto. Gilbert, assim como outrosadeptos do modelo copernicano, se preocupava com as lacunas que este sistemaapresentava, como a falta de uma explicação para os movimentos de nossoplaneta. No entanto, ele se ateve basicamente a tentar explicar o movimento derotação da Terra, o qual associou ao magnetismo, visto que em seu tratadodiscutiu amplamente fenômenos de tal natureza.

Nesse trabalho, Gilbert ainda apresenta um conceito bastante semelhante aode “campo”, ao citar que se o ferro ou um outro corpo magnético caísse sob a“esfera de influência” da terrela (um ímã de formato esférico), esse corpo seriaatraído por ela. Isto permitiu a ele afirmar que o ímã e a Terra estavam emconformidade com os movimentos magnéticos que os regiam.

O grande observador

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Quem não aderiu plenamente à proposta de Copérnico foi o astrônomodinamarquês Tycho Brahe (1546-1601). Seu interesse por astronomia vinhadesde a juventude, quando, ao observar alguns fenômenos celestes, notou agrande defasagem entre eles e as tabelas que previam esses eventos. Ele tomoupara si a responsabilidade de aperfeiçoar aqueles dados o máximo possível, e sepode dizer que seu objetivo foi plenamente atingido. Ty cho foi certamente omaior observador do período pré-telescópio. Com o passar dos anos, adquiriu econfeccionou os melhores instrumentos astronômicos de seu tempo.

Em novembro de 1572, ele observou uma estrela jamais vista anteriormentena constelação boreal de Cassiopeia, cujo brilho era mais intenso que o doplaneta Vênus. Fazendo uso de seus equipamentos extremamente precisos, oastrônomo dedicou muitas noites à observação do que ele chamou de nova stella(“estrela nova”, em latim).

Sabemos hoje que esse fenômeno observado por Ty cho e outros astrônomosda época é o que chamamos de “supernova”, e ocorre sempre que uma estrelacom grande massa (muitas vezes maior que a massa do Sol) chega ao estágiofinal de sua vida. Nesse momento, acontece uma explosão e seu brilho podeaumentar milhares de vezes. Dependendo das circunstâncias, tal fenômeno podeser visto até mesmo durante o dia, tamanho o seu brilho. Em uma linha deraciocínio infame, alguns poderiam achar mais adequada a denominação“supervelha”, tendo em vista o real motivo do fenômeno.

No ano seguinte ao avistamento da “estrela nova”, Ty cho publicou o tratadoSobre a nova estrela, no qual apresentava uma informação importantíssima:aquele astro, enquanto esteve visível por alguns meses, não mudou sua posiçãoem relação ao fundo de estrelas (que exibem o mesmo comportamento). Essaconstatação lhe permitiu concluir que essa nova estrela era um objeto celeste, ouseja, um fenômeno ocorrido acima da esfera da Lua, no mundo supralunar. Naverdade, segundo ele, a “nova” — como esse tipo de astro ficou sendo chamadopor algum tempo — encontrava-se na esfera das estrelas fixas. Como aquelaregião deveria ser imutável, estava dado o primeiro golpe de Ty cho Brahe nacosmovisão aristotélica.

O segundo golpe não tardou. Em 1577, um cometa surgiu no céu da Europarenascentista. Vários astrônomos observaram e estudaram o fenômeno, queAristóteles considerava como sendo atmosférico. Ty cho, por sua vez, analisou-oda mesma forma que havia feito com a estrela nova, e chegou à seguinteconclusão: “Descobri por cuidadosas observações e demonstrações do presentecometa que ele está localizado e caminha acima da Lua, nos céus.” Ele ainda foicapaz de afirmar, com base nas pequenas variações na posição do cometa aolongo das noites, que tal corpo se encontrava entre as esferas da Lua e de Vênus.Posteriormente, o novo astro se aproximou do Sol, para em seguida se afastar atédeixar de ser visível.

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Ora, mas se esse objeto celeste se deslocava dessa maneira, como eleultrapassava as esferas cristalinas dos planetas? Tycho não fez qualquer esforçopara salvar os fenômenos; simplesmente argumentou que as esferas cristalinasnão existiam. Para comprovar sua hipótese, outros cometas foram observadospor ele entre 1580 e 1596, e apresentaram comportamento bastante semelhanteao de 1577. Dessa forma, se suas medições estivessem corretas, as esferascristalinas se fragmentariam sempre que um cometa passasse por elas. Ty choainda foi capaz de especular a respeito do formato da trajetória desses astros que,de acordo com ele, pareciam ovais bastante alongadas.

Porém, um problema surgia com sua teoria: se não existiam esferascristalinas para girar os planetas, como se davam estes movimentos, então? Porseu perfil mais prático, mais voltado para as observações, ele não se preocupouem responder essa questão, que requeria uma abordagem mais teórica ematemática.

Ainda assim, mesmo sem muito jeito para teoria, em 1588, na obra Sobre osrecentes fenômenos do mundo etéreo, Tycho Brahe divulgou sua ideia para umnovo modelo de Universo. Estabelecido, desde 1580, em seu castelo-observatórioUraniborg (do sueco, “castelo de Urânia”, em homenagem à musa grega daastronomia), localizado na ilha de Hven, próxima a Copenhague, ele teve apossibilidade de confabular a respeito de suas descobertas e suas crenças, e apartir daí moldar seu Cosmos, que era um híbrido do ptolomaico com ocopernicano. Isso porque, por razões físicas (novamente a questão do desvio nãosofrido por corpos em queda) e teológicas, ele não aceitava que a Terra semovesse. Dessa forma, em seu sistema, a Terra retornaria ao centro doUniverso, e teria dois astros girando ao seu redor, a Lua e o Sol. Já os cincoplanetas — Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno — girariam em torno doSol, conforme Copérnico havia previsto. E como o movimento de rotação foiextinto, a esfera das estrelas voltaria a girar em cerca de 24 horas, como eraanteriormente.

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Esboço do modelo proposto por Ty cho Brahe com a ilustre presença deum cometa a orbitar o Sol, sem levar em conta, entretanto, a variação

de sua posição em relação a esse astro.

Alguns autores acreditam que Ty cho Brahe foi influenciado, direta ouindiretamente, por um modelo proposto na Antiguidade por Heráclides de Ponto(390-333 AEC). Nesse sistema, a Terra, central, teria o movimento de rotação, e

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Mercúrio e Vênus girariam ao redor do Sol, que orbitaria a Terra assim como osdemais planetas. Heráclides é chamado algumas vezes de “Tycho Brahe daAntiguidade”, mas considero mais próprio nos referirmos a Ty cho Brahe como o“Heráclides do Renascimento”…

A contribuição de Tycho Brahe à astronomia é inquestionável. Com seusinstrumentos, ele praticamente dobrou a precisão das medidas existentes atéaquele momento, além das demais descobertas já comentadas. Embora estivesseextremamente ciente de suas realizações, ele sabia que com os novos dadosobtidos (mais precisos), o salto poderia ser ainda maior, mas reconheceu queestava aquém desta missão. Através de seu contato com Michael Maestlin (1550-1631), professor de astronomia da Universidade de Tübingen, ele conseguiu umcolaborador a altura de seus dados: Johannes Kepler (1571-1630).

Contemporâneos geniais

Maestlin foi o grande responsável por apresentar seu aluno, o jovem Kepler, aomodelo heliocêntrico de Copérnico. O rapaz estudava teologia e filosofia naUniversidade de Tübingen. Entretanto, acabou se fascinando pela matemática epela astronomia, áreas da ciência nas quais seus trabalhos tornaram-sereferências dignas de reconhecimento até os dias de hoje.

Embora cada vez mais estudada, a teoria copernicana ainda apresentavalacunas, não respondendo às diversas questões que se originavam a partir danoção de um Sol central com planetas girando ao seu redor. E uma das principaisperguntas sem resposta era sobre a divisão aristotélica do Universo em mundossub e supralunar. Como avaliar se aquela ideia antiga ainda fazia sentido, ou seuma nova concepção deveria surgir em seu lugar? Ao dar continuidade aotrabalho de Copérnico, Kepler não respondeu definitivamente a essa questão,mas preparou o terreno para os sábios que o sucederiam.

Até porque, em sua abordagem, ele se concentrou na física celeste,negligenciando de certa forma a terrestre. Quem teria complementado seutrabalho foi outro cientista famoso, Galileu Galilei (1564-1642), que se dedicouamplamente a estudar o comportamento de corpos em movimento na Terra, sobas mais diversas circunstâncias.

Esses dois gênios da ciência, apesar de terem vivido na mesma época,interagiram muito pouco e, infelizmente, quase não se veem influências que umtenha sofrido devido ao trabalho do outro. Mas suas obras podem, de fato, serconsideradas complementares e foram muito bem aproveitadas para dar origema uma teoria que unificaria as físicas do céu e da Terra.

Antes, porém, de chegar a essa unificação, uma abordagem mais profundana vasta galeria de publicação deixada por esses dois gigantes de perfil tão

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diferente se faz necessária. Serão os desdobramentos destes trabalhos queculminarão na solução newtoniana batizada de lei da gravitação universal.

O jovem Galileu

Galileu era o mais velho dos dois. Em 1581, quando Kepler ainda tinha dez anos,ele foi estudar medicina na Universidade de Pisa, mas abandonou o curso devidoà paixão que desenvolveu pela matemática. Sua relação com essa ciência foi tãoforte que certa vez Galileu declarou que “o grandíssimo livro [da natureza] estáescrito em língua matemática”, evidenciando que, para ele, tudo estava atreladoa ela.

Não tardou até que ele fosse convidado a lecionar tal disciplina. Inicialmente,o jovem Galileu ensinava as ideias aristotélicas e ptolomaicas, chegandoinclusive a compor tratados baseados nessas premissas, embora sua influênciamais forte tenha sido mesmo a obra de Arquimedes. Em textos de sua autoria,um sobre a balança hidrostática, de 1586, e outro sobre os centros de gravidadedos corpos, de 1587, fica claro o quanto Arquimedes inspirou Galileu.

No período em que passou como professor em Pisa, ele começou a dedicarparte do seu tempo ao estudo do movimento dos corpos. Nessa ocasião, a físicaencontrava-se em um estágio de interpretação bastante intuitiva. Por meio daexperimentação, já se sabia que para um corpo se mover era necessário que seaplicasse uma “força”, e sua intensidade, associada a algumas características doobjeto (como peso, volume, entre outras), faria com que o movimento durassemais ou menos tempo. Este e outros conhecimentos também experimentaispermitiram que Galileu e alguns de seus contemporâneos pudessem avançarainda mais com novas teorias acerca do movimento dos corpos. Galileu, porexemplo, começou adotando um conceito de “força impressa” (virtus impressa,em latim) autoexaustiva. Posteriormente, essa noção foi substituída pelo“ímpeto”, bastante semelhante àquele utilizado no fim da Idade Média. Em suaproposta, esse ímpeto seria proporcional ao produto do peso com a velocidade,algo muito próximo ao conceito atual de “momento”, que é o produto da massacom a velocidade.

É nesse período também que muitas lendas associadas ao nome de Galileuteriam ocorrido. Em uma delas, ele teria descoberto o que hoje se conhece comoisocronismo dos pêndulos, observando a oscilação dos lustres no interior daCatedral de Pisa. Segundo contam, Galileu aferiu o período das oscilaçõesdaquele pêndulo por meio de sua pulsação, e com isso teria concluído quemesmo quando a amplitude diminuía, os intervalos de tempo das oscilaçõespermaneciam iguais.

Além disso, outra história comumente contada dessa época é que ele teria

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feito experiências com corpos em queda do alto da Torre de Pisa, a fim deaveriguar o comportamento desses corpos ao atingir o solo. Diversos autorescreditam a adição dessa passagem à biografia de Galileu a seu aluno VincenzoViviani (1622-1703).

Não se sabe ao certo se ambos os casos ocorreram realmente, embora nãohaja dúvida quanto à contribuição de Galileu nas duas propostas experimentais.Alguns anos depois, ele desenvolveria ótimos trabalhos sobre pêndulos e corposem queda, como será visto mais adiante.

Desvendando mistérios

Assim como Galileu, que trocou a medicina pelas ciências exatas, Kepler mudouo rumo de sua vida ao aceitar um convite para lecionar matemática e astronomiaem uma escola protestante de Graz, na Áustria. Apesar de extremamentereligioso, ele deixou de lado a possibilidade de seguir carreira como teólogo, parase dedicar a uma ciência que desde os seis anos já o fascinava. Foi com essaidade que observou com sua mãe a passagem do cometa de 1577, o mesmo quehavia sido registrado e estudado por Ty cho Brahe.

Em 1594, aos 23 anos, começou a dar aulas e, no ano seguinte, teve umaepifania que lhe rendeu seu primeiro grande tratado astronômico, finalizado em1596, o Mistério cosmográfico. Sua proposta relacionava a estrutura do Universocom a geometria, baseada nos preceitos pitagóricos e platônicos.

A parte inicial dessa obra tem um perfil muito mais metafísico e medieval, enela Kepler, de acordo com Arthur Koestler, autor de O homem e o Universo,“alude à harmonia pitagórica das esferas, procurando correlação entre os sólidosperfeitos e os intervalos harmônicos na música”. A intenção de encontrar umaestrutura harmônica no Universo é uma marca registrada de sua carreiraastronômica. E dentro dessa ideia, ele vislumbrou um modelo no qual os sólidosplatônicos desempenhavam um papel de destaque na configuração do Cosmos.

Segundo Kepler, esses poliedros, por serem simétricos, estavamsimultaneamente inscritos e circunscritos nas esferas planetárias. A disposição doUniverso ficaria então da seguinte maneira: o Sol no centro; seguido pela esferade Mercúrio, um octaedro; a esfera de Vênus, um icosaedro; a esfera da Terra,um dodecaedro; a esfera de Marte, um tetraedro; a esfera de Júpiter, um cubo; ea esfera de Saturno; seguida, finalmente, da esfera das estrelas fixas. Isso nãosignificava, no entanto, que essas estruturas realmente existiam no espaço, massim que a relação entre as distâncias dos planetas respeitaria esta distribuição.

Além de satisfazer imensamente a ambição de Kepler de mostrar que oCosmos apresentava uma natureza geométrica, essa estrutura ainda respondiauma pergunta primordial formulada por ele: por que existiam seis planetas, e não

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outro número? De acordo com esse modelo, essa quantidade está relacionada aonúmero de sólidos regulares, que são apenas cinco, o que denotaria que não erapor acaso que se tratavam de seis planetas.

Contudo, essa não foi a única pergunta que Kepler tentou responder noMistério. Outras questões importantíssimas levantadas por ele estavamrelacionadas à razão pela qual haveria uma proporcionalidade entre a diminuiçãoda velocidade conforme a distância do planeta ao Sol aumenta, e também àcausa dos movimentos planetários.

A fim de responder a essas perguntas, Kepler propõe inicialmente que osplanetas se movem devido a uma “alma motriz” ou “potência motriz” (do latim,motrice anima, motrice virtute) que emanaria do centro do sistema, isto é, do Sol.Já para explicar a atenuação das velocidades planetárias refletida nos períodos derevolução dos planetas muito bem conhecidos naquela época, ele afirmou quequanto mais afastado da região central, menor seria a intensidade da alma oupotência motriz. Para chegar a essa conclusão, Kepler traçou um paralelo entreessa faculdade motriz e a luz, que naquele tempo ele acreditava sofrer umaatenuação linear conforme se afastava da fonte, isto é, conforme a distânciaaumentasse, a alma, ou potência motriz, diminuía.

Como ele considerava os planetas como “corpos materiais dotados com algocomo peso [pondere]”, a explicação para a diminuição da velocidade estariaassociada também a uma espécie de resistência interna, determinada peladensidade de sua matéria. Com isso, mais uma vez os corpos celestes recebiamcaracterísticas de corpos terrestres. Mas o grande mérito do Mistério, comopoderá ser notado ao longo de toda a obra kepleriana, foi plantar sementes quedariam grandes frutos nos trabalhos seguintes de Kepler.

Tabela originalmente contida no Mistério cosmográfico, indicando operíodo de revolução dos planetas visíveis a olho nu (expressado emdias). Na diagonal, o tempo que o planeta leva para completar uma

volta ao redor do Sol; e, abaixo, os valores representam quanto tempo oplaneta levaria para completar uma volta na velocidade daquele maisafastado. A tabela evidencia que os planetas mais externos percorremsuas órbitas mais lentamente do que os mais internos. Os símbolos na

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primeira coluna de cima para baixo representam, respectivamente:Saturno, Júpiter, Marte, Terra, Vênus e Mercúrio.

Movimentos celestes e terrestres

Cópias do Mistério cosmográfico foram enviadas para Tycho Brahe e GalileuGalilei. O primeiro ficou tão impressionado que convidou Kepler para ser seuassistente em um novo castelo, para o qual havia se mudado em agosto de 1599.Em fevereiro do ano seguinte, Kepler se mudou para o castelo de Benatky, nosarredores de Praga, onde teve início uma relação de trabalho bastanteconturbada. Mas não se pode negar que a influência de Ty cho foiimportantíssima para Kepler se tornar o homem considerado por diversos autorescomo o fundador da astronomia moderna.

Certa vez, Kepler admitiu que seu chefe tinha os melhores dados, masfaltava-lhe um arquiteto para construir, a partir deles, toda a estrutura para que arevolução científica iniciada por Copérnico tivesse continuidade. O problema éque como ambos tinham metas diferentes, a divergência entre eles era intensa. Ecomo Tycho Brahe era o detentor dos preciosos dados empíricos, Kepler acabousendo prejudicado, pois teve acesso restrito a essas informações.

Mas não demorou muito até que o mestre disponibilizasse alguns dados paraKepler trabalhar. O planeta escolhido para ser passado para ele foi Marte, o maisproblemático de todos. Ao receber as informações, Kepler teria afirmado queresolveria o problema em oito dias, subestimando sua complexidade. Naverdade, ele levou cerca de cinco anos para obter a conclusão definitiva acercada órbita do planeta, e, infelizmente, Tycho Brahe não viveu para ver o triunfo deseu auxiliar, pois morreu em 1601.

Já Galileu não deu muito crédito para a obra que recebeu de Kepler. Suadefesa ao copernicanismo ainda era feita de forma reservada naquela época,apenas por meio de correspondências. Ele também não se aventurou muito pelafísica celeste. No início do século XVII, passou a se dedicar intensamente aoestudo do movimento dos corpos. Em 1602, Galileu trocou algumas cartas cujosconteúdos traziam informações sobre um potencial objeto de estudo: o pêndulo.Se a história da Catedral de Pisa é real ou não, já não importa mais, pois nessaépoca ele incontestavelmente analisou o movimento pendular como nenhumoutro havia feito antes dele. E é provável que desse estudo tenha surgido a ideiade voltar suas atenções para o movimento dos corpos em queda livre, visto que ospêndulos apresentavam uma peculiaridade que poderia mostrar uma falha nafísica aristotélica: seu movimento independe da massa.

Assim como acontece com Galileu, muitas informações sobre os avançosempreendidos por Kepler são conhecidas devido às correspondências que

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trocava com seu ex-professor Maestlin, e um amigo chamado David Fabricius(1564-1617). Foi por meio de cartas trocadas com esses dois correspondentesentre 1604 e 1605 que podemos encontrar, pela primeira vez, a quebra doparadigma dos movimentos celestes circulares e uniformes.

Na verdade, foi no início de 1602 que esta ideia começou a ganhar forma,quando Kepler passou a acreditar que a órbita de Marte seria um “círculo oval”(circulis ovalis, em latim). Foi também mais ou menos nessa época que elecunhou os termos “afélio” e “periélio”, para identificar, respectivamente, ospontos de máximo afastamento e máxima aproximação dos planetas em relaçãoao Sol. Isso porque os dados de Tycho Brahe deixavam claro que os planetasapresentavam esse comportamento, o que tornava inviável o ajuste de suasobservações com o axioma platônico. Kepler argumentou que tal “inconstânciado movimento [planetário] sem dúvida é causada pelo Sol”, e que haveria umarelação entre ela e a distância do planeta a esse astro. No caso da Terra, porexemplo, em janeiro ela está mais próxima do Sol, no periélio, e, portanto, semove mais rapidamente. Já em julho, quando está no afélio, ou seja, maisafastada do Sol, seu movimento é mais lento. Kepler, com esta constatação, jáesboçava as suas leis dos movimentos planetários.

Foi com base nessas descobertas que sua obra-prima foi escrita. Os dados deMarte renderam uma verdadeira revolução no que tange os movimentosplanetários, conforme veremos a seguir.

Uma nova astronomia

A obra máxima de Kepler, intitulada Astronomia nova, foi produzida entre os anosde 1600 e 1606, mas publicada apenas em 1609. Dividida em cinco partes,podemos encontrar em suas páginas toda a trajetória descrita pelo autor parachegar às soluções que mudariam para sempre a visão sobre esse sistema emque o Sol desempenharia o papel principal. Trata-se de um trabalho completo, noqual até mesmo os erros foram registrados a fim de mostrar todos os percalçosencontrados no caminho.

Segundo o próprio Kepler, sua intenção era “reformular a teoria astronômica(especialmente para o movimento de Marte) em todas as suas três formas dehipóteses [de Ptolomeu, de Copérnico e de Tycho Brahe]”. Ao longo de suaexposição, fica claro que todas as hipóteses foram realmente testadasempiricamente, e com base nas causas físicas e naturais, ele concluiu que osistema copernicano, após sofrer algumas alterações, seria o verdadeiro, com osdemais podendo ser descartados.

Além dos dados de Tycho Brahe, Kepler também recorreu ao conteúdo daobra Sobre o ímã, de Gilbert, lançada poucos anos antes, para explicar algumas

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das informações contidas em sua Astronomia nova. Na introdução, Kepler lançaa frase que serve de epígrafe para este capítulo. Ou seja, já naquele momentoele fazia uma definição formal do conceito de gravidade.

De acordo com Pablo Mariconda, responsável pela tradução, introdução enotas da edição em português da obra galileana Diálogo sobre os dois máximossistemas, Kepler modificou o “conceito de gravidade, substituindo a ‘tendênciapara’ pela ‘atração por’”. Esse foi, sem dúvida, um passo importante na históriada gravidade, pois remete a uma atração mútua entre os corpos graves,semelhante ao que acontecia entre os corpos magnéticos, de acordo com Gilbert,e alguns de seus antecessores.

Uma vez feita essa definição por Kepler, ele concluiu que os corpos pesadossão levados ao centro da Terra devido a sua esfericidade, e por eles seremsemelhantes a ela. Isso ocorre, conforme argumentou, com outros corpostambém, como o Sol e suas partes semelhantes, a Lua e suas partes, e assim pordiante. Uma última consideração bastante importante feita por Kepler, aindasobre a gravidade, diz que “se a Lua e a Terra não fossem mantidas por umaforça animal [vis animali, em latim]”, a Terra subiria em direção à Lua e a Luadesceria em direção à Terra, com ambas percorrendo distâncias proporcionais asua “substância” (ora interpretada como tamanho, ora como volume do corpoem questão), que ele supôs ter a mesma densidade.

É importante deixar bem claro que, como já foi mencionado, toda essa linhade raciocínio está fortemente relacionada ao magnetismo, e, portanto, ainda seencontra de certa forma distante da realidade atual da gravitação.

Na segunda parte da Astronomia nova, Kepler demonstrou que todos os planosdefinidos pelas órbitas dos planetas contêm o Sol, e forneceu uma série de tabelascom dados cruciais para investigar as causas por trás dos movimentos planetáriose suas características.

Com isso, na terceira etapa, Kepler propôs a solução para o problema dacausa dos movimentos dos planetas, postulando a existência de uma “força” (visou virtus, em latim) que emanaria do Sol. Segundo ele, a natureza dessa forçaseria magnética, ou quase magnética. Assim, a noção de “alma motriz” foisubstituída pelo conceito de “força motriz solar”, cuja natureza foi explanada eassociada com algumas características do que Kepler chamou de “espécieimaterial” (do latim, species immateriata), que apresentava semelhanças com anoção de espécie medieval já vista anteriormente.

Já na quarta parte, descobrimos como essa força solar magnética atua sobreos planetas, como ela se propaga pelo espaço, e, principalmente, como, a partirdesse conhecimento, podemos obter as duas primeiras leis dos movimentosplanetários. Segundo Kepler, a força motriz solar seria transmitida para osplanetas por meio da rotação do Sol (que, é bom frisarmos, ainda não havia sidoobservada à época que Kepler fez esta afirmação!), e, se dependessem só desta

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emissão, os movimentos planetários seriam circulares. Entretanto, quando essaforça atingia os planetas, que também eram corpos magnéticos, a interaçãoacarretava um movimento que ele chamou de “libração” (libratione, do latim),que produzia uma espécie de oscilação na distância que separava o planeta doSol. Assim, ora o planeta ficava mais próximo do Sol, ora mais afastado.

Ao analisar toda a base de dados que tinha em mãos, Kepler concluiu que aforma das órbitas planetárias é elíptica, e que o Sol ocuparia um dos focos destaelipse. Esta é a primeira lei dos movimentos planetários.

Quanto à propagação da força motriz solar, esta se daria de forma linear, semque houvesse perda durante o processo. Contudo, ocorreria uma atenuação daforça conforme a distância do Sol aumentasse, isto é, ela se tornaria cada vezmais rarefeita devido ao seu afastamento da fonte. Esta concepção associada àinércia (do latim, inertia) proposta por Kepler, que seria a tendência natural doscorpos materiais de resistir ao movimento (e os planetas se incluem nestacategoria), faria com que esses corpos celestes se movessem com velocidadesdiferentes dependendo da distância que estivessem do Sol.

É a partir dessa noção que a segunda lei dos movimentos planetários seestabelece, pois novamente com base nas observações se sabia que arcos iguaisdescritos pelos planetas no céu não eram percorridos necessariamente no mesmointervalo de tempo. Kepler enunciou então que uma linha imaginária que ligasseo Sol a um planeta qualquer descreveria áreas iguais em um mesmo intervalo detempo. Como as órbitas são elípticas, as variações se justificavam devido àmudança de velocidade de acordo com a distância do planeta ao Sol. Esta lei deKepler também é conhecida como “lei das áreas”.

E foi assim que Kepler começou a empreender uma verdadeira reforma nafísica celeste. Por conta de suas inestimáveis contribuições, ele é considerado opai da área da astronomia hoje conhecida como “mecânica celeste”, expressãoesta cunhada por Laplace séculos depois. Ainda falta a terceira lei dosmovimentos planetários, mas essa será apresentada apenas no seu devidomomento.

Corrompendo os céus

Assim como fez com seu primeiro tratado astronômico, Kepler enviou umacópia da Astronomia nova a Galileu. Este, por sua vez, não se importou com asimplicações trazidas pelo trabalho de Kepler, e morreria acreditando que asórbitas planetárias eram circulares.

Galileu, no mesmo ano da publicação da obra-prima kepleriana, tambémesteve bastante ocupado com um instrumento astronômico que revolucionaria aastronomia. Ele tomou conhecimento de que “um belga havia produzido um

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perspicillum [nome original do que mais tarde ficou popularmente conhecidocomo telescópio], com o qual os objetos visíveis, ainda que muito longe do olhodo observador, se discerniam claramente como se estivessem próximos”. Naverdade, um holandês é considerado extraoficialmente o pai do invento, pois foidele o pedido de patente registrado em 2 de outubro de 1608 (patente esta negadapelas autoridades holandesas). Seu nome era Hans Lipperhey (1570-1619). Atéonde se sabe, porém, ele não usou esse instrumento para observar o céu.

É provável que a primeira pessoa a realizar tal façanha tenha sido omatemático inglês Thomas Harriot (1560-1621). O mapa lunar mais antigo quese tem notícia foi confeccionado por ele em agosto de 1609, quando, segundo oshistoriadores, Galileu havia terminado de montar o seu telescópio. EmboraGalileu não tenha sido o inventor do telescópio, nem sequer o primeiro adirecionar tal aparato para os astros, podemos afirmar que as primeiras grandesdescobertas astronômicas foram realizadas por ele. Essas descobertas tiveramum impacto avassalador no ano seguinte, quando foram anunciadas na forma deum livro intitulado A mensagem das estrelas.

No entanto, antes de mencionar as fascinantes descobertas galileanas, vale apena citar um pouco da obra de Harriot, pois alguns autores consideram tratar-sede um injustiçado que foi eclipsado por Galileu. Isso porque ele teria chegado avárias conclusões corretas que o pisano também obteve, e eventualmente atéantes dele. Seu maior equívoco, entretanto, foi não ter publicado absolutamentenada, e somente a partir da análise de seus manuscritos é que se descobriu esseacervo de resultados.

Segundo esses relatos, Harriot teria estudado o movimento dos corpos emdiversas condições, como em queda livre, em planos inclinados, e o movimentode projéteis, ou seja, temas nos quais Galileu se destacou. De acordo com JoséBassalo, no primeiro volume de Nascimentos da física, Harriot teria tambémobservado o célebre cometa Halley, que, aliás, é uma peça fundamental nahistória da gravidade, conforme veremos no próximo capítulo.

Pois por não ter publicado nenhum de seus trabalhos, geralmente nenhumcrédito lhe é conferido. Já no que concerne às descobertas de Galileu acerca dosmovimentos dos corpos, mais à frente veremos com detalhes as conclusões a queele chegou.

Voltando à obra A mensagem das estrelas, podemos encontrar as descobertasrevolucionárias que Galileu empreendeu ao apontar seu telescópio para o céu.Entre elas, destacam-se as imperfeições (crateras) na superfície da Lua, as fasesde Vênus e os quatro principais satélites de Júpiter. Essas observaçõescorroboravam principalmente o modelo de Copérnico, e mostravam que omundo supralunar de Aristóteles não era perfeito e imutável como foiconsiderado por seu idealizador.

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Harmonizando

Com seu telescópio, Galileu observou também manchas no Sol, e omonitoramento delas permitiu que ele constatasse a rotação solar. Kepler, aotomar conhecimento dessas descobertas, fez questão de reverenciar o trabalho deseu colega, ainda mais pelo fato de comprovar uma afirmação que ele mesmojá havia feito a priori.

Suas observações o tornaram um copernicano convicto, algo que até então sóhavia mostrado de forma reservada através de cartas. E Galileu não se satisfezapenas com o que via nos céus. Buscou na Terra provas de que o modelo deCopérnico seria o vigente. Em 1616, ele escreveu um tratado que somentecirculou por correspondência intitulado “Sobre o fluxo e refluxo do mar”, no qualabordava a questão das marés. Segundo Galileu, esse fenômeno ocorreria devidoà combinação dos movimentos da Terra, em torno do seu eixo e ao redor do Sol,sendo, portanto, a prova definitiva de que Copérnico estava com a razão.

Por conta de sua defesa ardorosa da obra de Copérnico, em 1616 a obraSobre as revoluções dos orbes celestes foi incluída no índex de livros proibidos daIgreja, nele permanecendo até 1758.

Independentemente da proibição, Kepler continuou sua busca pela harmoniaceleste iniciada no Mistério cosmográfico e completamente associada à obracopernicana e às doutrinas de Pitágoras e Platão. Ele vislumbrava uma relaçãoperfeita entre os fenômenos físicos e as formas geométricas, e em sua obra de1619, a Harmonia do mundo, juntou todos os esforços a fim de demonstrá-la. Éneste trabalho que Kepler fornece a terceira lei dos movimentos planetários,conhecida como “lei harmônica”, e que pode ser definida como “a razão entre ocubo da distância média dos planetas ao Sol, e o quadrado do período que estesplanetas levam para completar uma revolução é constante”. Esta última lei deKepler, que foi concebida, segundo o próprio, em 8 de março de 1618, foi o pilarprincipal para a teoria da gravitação de Newton. Podemos considerar que aharmonia almejada por Kepler serviu de esboço para que Newton desse cabo deum problema que persistia por séculos.

Um diálogo que mudou o mundo

Mais de uma década depois da publicação da Harmonia do mundo, foi a vez deGalileu, novamente, brindar as ciências exatas com outro trabalhoprofundamente inovador, seu Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundoptolomaico e copernicano, de 1632. Esse tratado tornou-se um divisor de águasem sua carreira, pois foi a partir dele que Galileu divulgou seus grandestrabalhos, mas também começou a sofrer fortes pressões religiosas. O Diálogo

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foi proibido pela Igreja no mesmo ano de sua publicação, e no ano seguinte,1633, Galileu foi condenado pela Inquisição a abjurar de suas crenças defendidasnesta obra. Entre os principais motivos da condenação estão a rotação da Terra esua revolução em torno do Sol, mas é importante destacar que outros fatores,alheios ao seu tratado, levaram Galileu a este processo.

O título do livro não foi em vão, pois, de fato, ele traz um diálogo entre trêspersonagens: Salviati, Sagredo e Simplício. Cada um deles apresentapersonalidades diferentes, sendo o primeiro um sábio visionário, o segundo umleigo de mente aberta, e o último, um pensador antiquado. Galileu não criounenhuma relação explícita entre o seu modo de pensar com o de qualquerpersonagem, apesar de sabermos hoje que o defensor de seus preceitos eraSalviati. Ao ler suas palavras, descobrimos como pensava Galilei. Já as ideiasdefendidas pela Igreja podem ser encontradas no pensamento de Simplício, oque complicava ainda mais a situação do cientista perante os cristãos.

O Diálogo foi dividido em quatro partes, identificadas como “jornadas”. Naprimeira jornada, dá-se uma espécie de revisão de diversos conceitos vigentes,principalmente no que diz respeito aos movimentos naturais tanto terrestres comocelestes. Na segunda jornada, Galileu começa a buscar justificativas plausíveis afim de comprovar sua visão do mundo. Para isso, ele teve que refutar certasobjeções referentes aos movimentos terrestres. Uma delas dizia respeito àpossibilidade de extrusão dos corpos, caso houvesse o movimento de rotação daTerra. Alguns estudiosos da época acreditavam que se a Terra executasse ummovimento ao redor do seu eixo, os objetos em sua superfície deveriam serexpelidos devido à força centrífuga que atuaria sobre eles.

Utilizando-se das palavras de Salviati, Galileu pergunta: “Quando, portanto, aTerra se movesse com tamanha velocidade, qual seria a gravidade, qual aresistência das argamassas …, para que não fossem atiradas para o céu por umarotação tão violenta?” Ele conclui, porém, que esse “ímpeto” (um dos termosusados para se referir a essa força centrífuga), apesar de existir, só não projetaos corpos para o espaço porque a tendência que este corpo tem de permanecerna superfície da Terra é muito superior, o que, de fato, está correto, visto que aatração gravitacional é mais intensa que a força gerada pela rotação terrestre.

É na segunda jornada também que Galileu expõe o que se conheceatualmente como “princípio da relatividade”. Não existe uma definiçãoespecífica para este princípio, mas Roberto Martins, em seu artigo “Galileu e oprincípio da relatividade”, considera que uma frase que o identificaria bem é “omovimento comum não produz efeitos”. A principal utilidade desse recurso eraexplicar o comportamento dos corpos em queda, que não sofriam qualquerdeslocamento notável devido à rotação do planeta. Galileu faz uso de excelentesexemplos para uma melhor visualização desse princípio, geralmente recorrendoa movimentos em um navio ora parado, ora se deslocando com movimento

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uniforme, mostrando que existe uma equivalência entre os dois casos.Vale destacar que há, sim, uma força que atua em corpos em movimentos

em sistemas em rotação, chamada de “força de Coriolis”, formulada no séculoXIX. Porém, sua componente no experimento da queda livre pode serconsiderada desprezível, de forma que até o próprio ar poderia causar umdeslocamento mais significativo que esta força…

A gravidade também foi alvo de discussões entre os interlocutores do Diálogo.Simplício atribui a esse “princípio interno” o movimento dos corpos mundanospara baixo, diferente daquele externo e violento que impõe movimento aosprojéteis, por exemplo. Galileu, contudo, se utiliza novamente das palavras deSalviati e afirma: “Considero natural o movimento para cima dos graves peloímpeto concebido, como o movimento para baixo dependente da gravidade.” Eleteve a oportunidade de elaborar ainda mais suas ideias em uma obra vindoura,conforme veremos.

Na terceira jornada, Galileu analisa a questão do movimento anual da Terra,e aproveita para exaltar a “perspicácia de Copérnico”, pois enquanto algunsconsideraram absurdo o deslocamento conjunto do sistema Terra-Lua, eleapostou justamente nisso. Com as observações realizadas por Galileu, foi possívelconstatar que tal comportamento se repetia no sistema de Júpiter, que tinhaquatro satélites ao seu redor, corroborando assim a proposta copernicana.

Finalmente, na quarta jornada é apresentada formalmente a teoria do “fluxoe refluxo do mar”. Galileu continuava a acreditar que a ocorrência das marésmostrava empiricamente que a Terra executava os movimentos de rotação erevolução, o que, de certa forma, contradiz seu princípio da relatividade. Aindaassim, ele foi fundo na argumentação com o intuito de provar que estava correto,apesar de boa parte dos pensadores contemporâneos e antigos, como já vimos,defender que aquele fenômeno estava relacionado à Lua.

Pela interpretação equivocada de Galileu, o fenômeno das marés deveriaocorrer em um intervalo de 24 horas. No entanto, o ciclo apresentado na naturezaera de 12 horas, com duas marés cheias e duas vazias por dia, de uma formageral. Mesmo com a natureza contrária a sua opinião, Galileu não abriu mão desuas convicções.

Nas últimas páginas de sua obra, o pensador aproveitou para repreender o jáfalecido Kepler, pois, de acordo com ele, “de todos os grandes homens quefilosofaram sobre este efeito admirável da natureza, Kepler é o que me causamaior espanto, por ter ele, que é de engenho livre e agudo, e que tinha em mãosos movimentos atribuídos à Terra, dado ouvido e assentimento ao predomínio daLua sobre a água, a propriedades ocultas e a semelhantes infantilidades”.

Por essa e outras, é possível notar o quanto a postura de Galileu prejudicousua relação com outros sábios de seu tempo. Sua arrogância não permitia admitirque seus argumentos pudessem estar errados, e assim, ele enxergava outras

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propostas como metafísica pura.

O discurso final

Em 1638, Galileu publicou sua última obra de peso, Discursos e demonstraçõesacerca de duas novas ciências relativas à mecânica e aos movimentos locais.Nesse livro, ele retoma o formato de diálogo e convoca seus personagens adiscutir sobre a resistência dos materiais (a primeira ciência), e o que elechamou de “movimentos locais” (a segunda ciência). Dos estudos aliapresentados, vários já tinham sido concluídos havia algum tempo e, segundoalguns historiadores, apenas uma fração do seu trabalho sobre os movimentos foiabordada nesses Discursos, se comparada com toda a sua produção nessa áreaao longo de sua vida.

Assim como o Diálogo, os Discursos também foram divididos em quatrojornadas (duas outras jornadas incompletas foram inseridas em reediçõespóstumas). As que nos interessam são a terceira e a quarta, nas quais Galileuexpõe teoremas e proposições que ainda não haviam sido demonstrados sobre osmovimentos locais. É ali que ele divulga suas leis do movimento, dando ênfase àqueda livre e ao movimento de projéteis.

Na terceira jornada, Galileu começa estudando o movimento uniforme, para,em seguida, partir para o “movimento naturalmente acelerado”, no qual agravidade tem papel de destaque. Todavia, ele não considera oportuno “investigara causa da aceleração do movimento natural [a própria gravidade], dado quevárias opiniões foram emitidas por diversos filósofos”, citando, inclusive, quealguns a viam como sendo “uma atração pelo centro”. Dando continuidade, elepassa a investigar e demonstrar algumas das propriedades do movimentoacelerado.

Em uma primeira etapa, Galileu introduz como teorema a já apresentadaregra da velocidade média aplicada aos graves cadentes, que, de acordo comele, executariam um movimento “continuamente acelerado”. Por esse nome,entende-se que em intervalos de tempos iguais, os corpos sofreriam aumentosiguais em suas velocidades. Para chegar a tal conclusão, Galileu analisou emqueda livre diversos corpos, compostos de materiais diferentes, como ferro,madeira ou chumbo. E variou ainda os meios em que este movimentodescendente ocorria, variando suas densidades, fazendo testes em meios comoar, água doce e salgada, vinho. Enfim, tudo para chegar a uma lei que explicasseo comportamento dos objetos em queda livre. Seus resultados não foram bons osuficiente, devido à dificuldade de se medir a velocidade de queda dos graves,mas mesmo assim foi possível concluir definitivamente que, diferentemente doque defendia Aristóteles, os corpos, independentemente de seus pesos, caem da

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mesma forma. Galileu chegou a acreditar que, se fosse possível eliminar aresistência do ar, uma pena e um martelo soltos simultaneamente de umamesma altura, tocariam o chão ao mesmo tempo.1

Embora essa conclusão seja importantíssima, o problema da queda doscorpos ainda não estava resolvido. Mas Galileu estava apto a solucionar essaquestão, e para isso recorreu a um artifício sensacional: construiu um planoinclinado para sobre ele analisar os movimentos. Tratava-se de uma canaletaescavada em madeira com uma folha de pergaminho bem lisa por onde umaesfera de bronze perfeitamente moldada se deslocaria. Com esse procedimento,ele tornava mais fácil medir as grandezas referentes ao movimento dos graves,uma vez que tal recurso permite “diluir” o movimento de queda livre. Destaforma, quanto menos inclinado o plano, mais lento ficaria o movimento, tornandomais fácil seu monitoramento. Já no caso oposto, quanto mais se inclinava oplano, mais próximo da queda livre, portanto, mais complicado obter asgrandezas relativas àquele movimento.

Galileu afirmou ter repetido muitas vezes essa experiência, testando as maisdiversas inclinações para seu plano. Os pesos das bolas que se deslocavam sobreo plano também variavam, a fim de mostrar definitivamente que o movimentoindepende dessa grandeza. Foi com esse experimento que ele verificou que oespaço percorrido por um corpo em queda livre a partir do repouso éproporcional ao quadrado do intervalo de tempo gasto para cumprir essadistância. Além disso, constatou também que a velocidade, nessa mesmasituação, é proporcional ao tempo que o corpo leva até atingir o solo. Essas são asrelações que regem o movimento de queda livre.

Uma controvérsia que cerca este tema é a maneira como Galileu mediu otempo durante os experimentos. Alguns historiadores relatam que teria sido comum relógio de água (também conhecido como clepsidra). Outros remetem aomesmo método que ele teria aplicado na lenda do pêndulo da Catedral de Pisa: amarcação com sua pulsação. Há ainda um grupo que defende que Galileu teriausado a sua formação musical (seu pai era músico), e utilizado seu conhecimentode intervalos rítmicos para marcar a passagem da bola de bronze por certospontos da trajetória que teriam sinetas. O fato é que, qualquer que tenha sido ométodo empregado, esses dados foram precisos o suficiente para permitir queele chegasse às relações corretas entre as grandezas envolvidas na queda livre deum corpo.

Ainda na terceira jornada, Galileu formulou o que Newton considerou comoa legítima antecessora da primeira de suas três leis do movimento, a lei dainércia. Segundo Galileu, seria possível “observar que um grau de velocidadequalquer, uma vez imposto a um móvel, imprime-se nele de forma indelével porsua própria natureza, desde que causas externas de aceleração ou retardamentonão interfiram”. Por esse ponto de vista, o movimento ao longo de um plano

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horizontal, como ele mesmo considerou, seria “eterno”. Porém, esse planohorizontal seria uma fração da própria superfície terrestre, que em uma escalaglobal é sabidamente esférica, o que possibilitou a criação de uma noçãoequivocada de inércia associada apenas a movimentos circulares.

Depois de toda a análise do movimento uniformemente acelerado, na quartajornada, Galileu empreende um estudo do movimento de projéteis. Em suaprimeira proposição ele já argumenta que “um projétil cujo movimento écomposto por um movimento horizontal uniforme e por um movimentodescendente naturalmente acelerado descreve em sua trajetória uma linhasemiparabólica”. A forma da trajetória desse tipo de movimento estavafinalmente solucionada, a partir de todo o arcabouço teórico que havia sidofornecido nas páginas anteriores dos Discursos. Afinal, o movimento de projéteissurge, como o próprio Galileu afirma, da composição do movimento horizontalperpétuo, isto é, inercial, e do movimento uniformemente acelerado para baixo,devido à gravidade.

Gráfico original, contido nos Discursos, que mostra porque Galileuconsiderou a trajetória como uma semiparábola, já que o corpo teria

partido do ponto b (suspenso) para um ponto mais baixo. Quandoatirado do solo para o alto, ao atingir o solo novamente, a trajetória

descrita terá sido uma parábola.

Galileu também confirma que “o alcance máximo [do projétil] ocorrequando a elevação é de 45°”. Além disso, em sua oitava proposição ele afirmaque “as amplitudes de duas parábolas descritas por projéteis disparados com a

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mesma velocidade, mas em ângulos de elevação que são maiores ou menoresque 45° em uma mesma quantidade, são iguais entre si”. Com esse trabalho,Galileu fornece excelentes resultados para os problemas referentes à balística,inclusive na forma de tabelas, usando para isso todo o conhecimento adquirido noestudo da gravidade.

Com as obras apresentadas por Kepler e Galileu é possível constatar que suascontribuições são inestimáveis para a história da gravidade (e, obviamente, daciência como um todo). Os conceitos desenvolvidos por ambos foramimportantíssimos e serviriam de base para que Newton pudesse chegar ondechegou. Novas teorias sobre o movimento, tanto terrestre quanto celeste, estavampraticamente prontas, faltando apenas uma mente capaz de unificá-las.

Em uma carta escrita em 1634, quando Kepler já havia morrido, Galileuescreveu que sempre estimou o engenho do colega, porém, “o meu filosofar édiferentíssimo do seu; e pode ocorrer que, escrevendo sobre as mesmasmatérias, e particularmente acerca dos movimentos celestes, tenhamos por vezeschegado a algum conceito similar, se bem que poucos, de modo que tenhamosatribuído a algum efeito verdadeiro a mesma razão verdadeira; mas isso não severificará em um por cento de meus pensamentos”. Esse trecho resume bemcomo foi a relação desses dois gênios. Hoje, podemos apenas imaginar o quantopoderia ter sido ainda mais revolucionário o trabalho de ambos, se eles tivesseminteragido mais intensamente.

1 Em 1971 o astronauta americano David Scott realizou esse experimentodeixando cair simultaneamente um martelo geológico e uma pena de falcão deuma mesma altura na superfície da Lua. Como lá não há atmosfera, não háresistência do ar. O resultado obtido confirmou que Galileu estava correto emsuas análises, apesar de naquele momento ninguém mais duvidar disso. Sealguém quiser ver a gravação do experimento, basta acessar o endereço:http://science.nasa.gov/headlines/y2007/18may_equivalenceprinciple.htm?list891632.

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6 | ENFIM, NEWTON…

Até agora chamamos de “centrípeta” a força quemantém os corpos celestiais em suas órbitas. Foi agoraestabelecido que esta força é a gravidade, e ela seráchamada de gravidade daqui por diante.

ISAAC NEWTON (1643-1727)

O jovem Isaac vai ao Trinity… e volta!

A tentação é grande em nos perdermos nos interessantes detalhes sobre a vida deIsaac Newton. Especialmente porque um de nós já escreveu um capítulo inteirosobre este tema, em outro livro — Sobre os ombros de gigantes, em 2004. Masjustamente por isso não vamos entrar em detalhes. Correríamos um grande riscode sermos redundantes…

Ainda assim, é interessante saber que Newton nasceu em um dia de Natal,em 1642, em uma Inglaterra que ainda seguia o calendário juliano (sob o nossocalendário, o gregoriano, criado em 1582, a data de nascimento de Newton seria4 de janeiro de 1643). Seu pai, também chamado Isaac, morreu meses antes deseu nascimento.

Sua mãe, Hannah, casou-se novamente e isso seria um ponto de atrito na vidado jovem Isaac. Investindo em seu novo relacionamento, Hannah deixou omenino para ser cuidado pelos avós. Cerca de dez anos depois, ela enviuvounovamente e retornou ao convívio de seu filho. Logo depois, aos 12 anos deidade, Newton foi mandado para a escola, em regime de internato. Em 1661, aos18 anos, Isaac Newton foi admitido no prestigioso Trinity College, emCambridge. Na universidade, estudou o mundo aristotélico, mas também travoucontato com as ideias revolucionárias vindas do continente europeu.

Pois em 1665, com o fechamento temporário do Trinity, devido a um surto depeste bubônica, Newton retornou para casa e encontrou a calma e a quietudenecessária para desenvolver ideias próprias e se desvencilhar, de uma vez portodas, do jugo aristotélico.

Ideias, ideias, muitas ideias

Por conta da peste, Newton deixou para trás o Trinity College com um diplomadebaixo do braço e nada que o distinguisse de seus colegas de turma. Mas a

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atenção dedicada às novidades pensadas por Copérnico, Kepler e Galileu nãoseria em vão, e assim que se viu livre para ter suas próprias ideias, Newtondesabrochou como o grande gênio que era.

Em seu exílio acadêmico, Newton criou um novo ramo da matemática (ocálculo infinitesimal, conhecido popularmente hoje como “cálculo integral ediferencial”), fez importantes descobertas no ramo da óptica (por exemplo, adecomposição da luz branca em diferentes cores) e da mecânica (suas três leisde movimento) e, sobretudo, começou a entender o mecanismo que mantinha osplanetas em suas órbitas: a gravidade.

Após dois anos de muitas ideias, Newton voltou a Trinity, onde conseguiu umavaga como professor. Além disso, obteve o grau de mestre e, logo depois, tornou-se catedrático na universidade. Aos 27 anos, Isaac Newton tornou-se professorlucasiano, uma cátedra criada e patrocinada por Henry Lucas, parlamentarbritânico, ocupada inicialmente por Isaac Barrow, orientador de Newton.

Foi Barrow quem sugeriu o nome de seu orientando para substituí-lo.Extremamente impressionado com as novas ideias que seu ex-aluno haviadesenvolvido durante o exílio forçado pela peste, Barrow fez circular entre seuspares cópias do breve artigo em que Newton explicava seu “método dasfluxões”, que viria a ser o cálculo infinitesimal.

Além disso, Newton optou por iniciar sua carreira de catedrático com umcurso sobre óptica, assombrando a todos com suas novas descobertas a respeitodas cores e, também, demonstrando um grande senso prático ao propor um novotipo de telescópio, não inventado por ele, mas definitivamente aperfeiçoado: otelescópio refletor.

Newton e Hooke

A doação de um telescópio refletor à Royal Society ajudou bastante em suaeleição para aquela instituição, dedicada à ciência e à filosofia natural. Em 1672,Newton estava no auge da sua fama. E, naturalmente, começou a atrair aatenção de outros luminares de sua época. Para o bem e para o mal…

Apesar da disputa de paternidade envolvendo o cálculo infinitesimal (entreNewton e Leibniz), podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que o maiorinimigo científico de Isaac Newton foi Robert Hooke (1635-1703).

Hooke foi um dos cientistas mais prolíficos da segunda metade do séculoXVII e só não se tornou mais famoso por ter tido a infelicidade de sercontemporâneo de Newton. Apesar de a Royal Society ter sido criada em 1662 eHooke ter sido eleito para os seus quadros somente em 1663, ele é consideradoum de seus fundadores, pois já fazia parte da Sociedade para a Promoção doAprendizado da Experimentação Físico-Matemática, entidade precursora da

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Royal Society. Além disso, logo que foi fundada, a Society o contratou como“curador de experimentos” (que, para azar de Hooke, era um cargo semvencimentos…).

Ele obteve sua fama científica em 1665 (ano que Newton deixou para trás oTrinity College, por conta da peste), ao publicar um livro chamado Micrografia,em que apresentava detalhadas ilustrações feitas a partir das observações atravésde um microscópio de fabricação própria.

Quando Newton publicou sua teoria sobre a luz, em 1672, Hooke deixou bemclaro que as partes corretas haviam sido plagiadas de trabalhos seus e as partesoriginais estavam todas erradas. Newton não sabia lidar com esse tipo deacusação e simplesmente abandonou o ramo da óptica. Ou, pelo menos, deixoude publicar sobre o assunto. Continuou estudando a luz e seu livro sobre o assuntosó foi publicado em 1704, um ano depois da morte de Hooke!

Ainda em 1672, Hooke fez uma tentativa de provar a primeira lei de Kepler,ou seja, que a Terra realmente se movia em uma elipse ao redor do Sol. Seisanos depois, propôs que a gravidade era uma força que agia de acordo com o“inverso do quadrado da distância”, isto é, se dobrássemos a distância entre oscorpos, a força cairia a um quarto da original.

Hooke, porém, não conseguiu produzir provas matemáticas convincentes…

Newton e Halley

Após sua desilusão com a óptica, devido às acusações de plágio provenientes deRobert Hooke, Newton se refugiou, então, na mecânica. Escolado, tomouprecauções para não reviver a má experiência que tivera. Especialmente porque,em 1679, Hooke havia afirmado, em carta pessoal a Newton, que “a atração[gravitacional] sempre é em proporção duplicada à distância ao centro”. Essaera uma ideia que Newton já havia tido em seus anos de exílio!

Ciente de que Hooke ainda não produzira provas do que afirmava, Newtonentregou-se ao trabalho. Ele conseguiu ligar matematicamente as duas primeirasleis de Kepler ao conceito de aceleração centrípeta — aquela aceleração quetodos sentimos ao fazermos uma curva…

E provou ainda que se a órbita tem forma elíptica, e esta forma é única eexclusivamente moldada por uma força central (isto é, que aponta para ocentro), então não há outra solução para essa força que não seja ser proporcionalao inverso do quadrado da distância!

Mas nada disso fora publicado, e o problema permanecia em aberto…Em 1684, Edmond Halley (1656-1742) — o astrônomo que ficaria

mundialmente famoso por ter previsto o retorno de um certo cometa… — entrouna discussão. Membro da Royal Society e amigo de Hooke, Halley não se

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satisfez com as afirmações sem provas que Hooke distribuía à vontade. E demaneira completamente diferente de Hooke, Halley não tinha nenhuma reservaem perguntar a Newton o que ele achava do problema…

Em agosto daquele ano Halley foi a Cambridge fazer uma consulta a Newton.É marginal à nossa história, mas ainda assim é interessante notar que a vidapessoal de Halley estava completamente confusa por essa época. Seu pai (eprincipal patrocinador) havia morrido em circunstâncias duvidosas (após cincosemanas de um desaparecimento inexplicável), o que lhe causou um sérioproblema financeiro, pois a segunda esposa do velho Halley estava prestes acortar toda a ajuda financeira ao enteado…

Mas, enfim… Halley consultou-se com Newton, em uma conversa que deveter sido muito parecida com isto:

HALLEY: Senhor Newton, eu e alguns colegas da Royal Society estávamosdebatendo sobre a órbita dos planetas…

NEWTON: Pois não?HALLEY: E estávamos imaginando se poderia ser demonstrado que uma

força central proporcional ao inverso do quadrado da distância poderia sera responsável pela forma elíptica das órbitas planetárias.

NEWTON: Certamente que sim, senhor Halley. Há provas matemáticasrelativamente simples que eu mesmo elaborei, começando com as ideiasoriginais que pude contemplar em meus tempos de exílio na propriedadede minha família, por conta da infeliz Peste Negra, que aterrorizou oTrinity College.

HALLEY: Verdade?NEWTON: Definitivamente. E tais provas foram produzidas mais

recentemente e posso assegurar-lhe que estão corretas.HALLEY: Gostaria muito de conhecer essas provas, se for de sua

conveniência, é claro…NEWTON: Não me é inconveniente de modo algum e, embora não as tenha

de pronto para lhe entregar, posso sem problema algum enviar ao senhorlogo que eu as organize.

Newton cumpriu o acordado e três meses depois, em novembro de 1684,chegou a Halley um curto artigo chamado “Sobre o movimento dos corpos emórbita” (popularmente conhecido como “De motu” — as duas primeiras palavrasde seu nome em latim). Halley ficou extasiado com o que viu. Mas nãocompletamente satisfeito…

No “De motu”, Newton mostrava que se a órbita era uma elipse, a forçadeveria ser inversamente proporcional ao quadrado da distância. A pergunta

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original de Halley se referia à afirmação inversa: uma força inversamenteproporcional ao quadrado da distância sempre produziria uma órbita elíptica?

Seduzido pela humildade de Halley, Newton concordou em trabalhar naafirmação inversa. O que ele achou que seria simples acabou tomando três anosde sua vida. O “De motu”, com apenas nove páginas, evoluiu para umcompêndio de três livros agrupados em um único volume batizado de Princípiosmatemáticos da filosofia natural (ou, simplesmente, Principia).

O Principia1

O Principia é indubitavelmente a obra científica mais importante de todos ostempos. Sua estrutura é complexa: dividido formalmente em três livros, ele podeser melhor entendido se o separarmos em seis “blocos temáticos”, além dosprefácios que abrem as diferentes edições (houve três edições do Principiadurante a vida de Newton, e cada uma delas conta com um prefácio distintoescrito por ele, além de um prefácio do editor, na segunda edição).

Há, ainda, uma “Ode sobre este esplêndido ornamento ao nosso tempo e ànossa nação, o tratado matemático-físico pelo eminente Isaac Newton” abrindotodas as edições. Essa ode foi escrita por ninguém menos do que Edmond Halley(patrocinador da publicação!), e começa assim:

Atentem ao padrão dos céus, e aos equilíbrios da estrutura divina;Atentem aos cálculos de Júpiter e às leisQue o criador de todas as coisas, enquanto estava preparando o início domundo, não poderia violar;Atentem às fundações que ele conferiu aos seus feitos.2

A ode segue, descrevendo a grandiosidade da obra que ali começa, e terminaenaltecendo seu autor:

Oh! Você que se rejubila ao se alimentar do néctar dos deuses no céu,Junte-se a mim em meu canto de louvor a NEWTON, que nos revela tudo

isso,Que abre o baú dos tesouros da verdade escondida,NEWTON, benquisto pelas Musas,Aquele em cujo coração puro mora Apolo e cuja mente se enche com seu

poder divino;Mais perto dos deuses nenhum mortal pode chegar.

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Será que ainda resta alguma dúvida no leitor o quanto a obra de Newtonimpressionou Halley?

Mas, de volta à nossa descrição do Principia, e seus seis “blocos”…O primeiro “bloco” contém as definições, oito no total: “quantidade de

matéria”; “quantidade de movimento”; “força inerente de matéria”; “forçaimprimida”; “força centrípeta”; “quantidade absoluta de força centrípeta”;“quantidade acelerativa de força centrípeta”; e “quantidade motiva de forçacentrípeta”.

Para nossos presentes estudos, são particularmente importantes as definições1 (“Quantidade de matéria é a medida de matéria que vem da densidade e dovolume conjuntamente”) e 5 (“Força centrípeta é a força pela qual os corpos sãoatraídos por todas as suas partes, são impulsionados, ou, de qualquer modo,tendem a um ponto como se fosse ao centro”).

Ao que se sabe, o termo “força centrípeta” foi cunhado por Newton em umaanalogia a outro termo, “força centrífuga”, cunhado por Christiaan Huygens paradesignar a “vontade” que objetos que giram têm de se distanciar do centro (ofamoso exemplo do objeto que roda amarrado a um barbante; se o barbantearrebenta, o objeto vai embora…).

Às oito definições segue-se um escólio, ou comentário, onde Newton tentaexplicar sua necessidade de definir de forma tão precisa certos termos. Segundoele, “apesar de tempo, espaço, lugar e movimento serem conceitos muitoconhecidos por todos…”, é fundamental distinguir os conceitos populares dosconceitos científicos. Newton faz questão de separar estes seus objetos de estudosem categorias: absoluta e relativa; verdadeira e aparente; matemática e comum.

O segundo “bloco” do Principia, chamado de “Axiomas”, contém as três leisde movimento, seguidas por seis corolários e um escólio.

O terceiro “bloco” é o primeiro livro, chamado “Sobre o movimento doscorpos”. Ali, entre outras coisas, Newton apresenta sua nova matemática, agorachamada por ele de “método das primeiras e últimas razões”. São, ao todo, 14seções contendo, no total, 98 proposições.

O quarto “bloco” é o segundo livro, que curiosamente também se chama“Sobre o movimento dos corpos”. Newton se concentra, aqui, no movimento quesofre força de atrito. São nove seções que compreendem 53 proposições.

O quinto “bloco” é o livro três do Principia, intitulado “O sistema do mundo”.É aqui que Newton trata da gravidade e, por isso mesmo, falaremos com maisdetalhe desta parte logo a seguir.

A grande obra de Newton se encerra com o sexto “bloco”, um escólio geral.

O sistema do mundo

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Diferentemente dos dois outros livros que compõem o Principia (ambosintitulados “Sobre o movimento dos corpos”), o livro três não é dividido emseções. Mas o leitor atento pode entendê-lo como sendo composto por seis partesbastante distintas.

Antes, porém, Newton dá um aviso ao leitor: há algo de diferente no livro três,em comparação com os livros um e dois do Principia. Em suas palavras:

Nos livros anteriores, apresentei princípios de filosofia que não são filosóficos,mas estritamente matemáticos… Ainda nos resta exibir o sistema do mundo apartir desses mesmos princípios. Sobre este assunto, escrevi uma versãopreliminar do livro três, mais popular, para que pudesse ser amplamente lida.Mas aqueles que não compreenderam suficientemente os princípios aquidescritos certamente não vão perceber a força de suas conclusões nem vãose despojar de suas pré-concepções às quais já se acostumaram ao longo dosmuitos anos; e, portanto, para evitar longas discussões e disputas, traduzi oconteúdo da versão preliminar em proposições de formato matemático, demodo que deva ser lido apenas por aqueles que dominaram os princípios. Mascomo nos livros um e dois há um grande número de proposições… não mesinto à vontade em aconselhar quem quer que seja a ler todas elas. Serásuficiente ler com cuidado as Definições, as Leis do Movimento e as trêsprimeiras seções do livro um, e então ler este livro três sobre o sistema domundo, consultando à vontade outras proposições dos livros um e dois queserão citadas aqui.

(É curioso notar que o próprio Newton aconselha os leitores a não lerem olivro dele, mas sim o consultarem sempre quando sentirem necessidade. OPrincipia é um daqueles livros que não são para ler, mas para ter!)

O livro três propriamente dito começa com uma primeira parte, as “Regraspara o estudo da filosofia natural”. São quatro no total. A primeira remetediretamente à navalha de Ockham, sobre a qual já falamos: “Nenhuma causa defenômenos naturais deve ser admitida além daquelas que sejam verdadeiras esuficientes para explicar tais fenômenos.”

A segunda parte é dedicada aos “Fenômenos”, seis ao todo, constatações acerca dos planetas, da Lua e, também, das luas de Júpiter (chamadas por ele de“planetas circunjovianos”) e das luas de Saturno (“planetas circunsaturnianos”).Todas essas constatações remetem a duas das três leis de Kepler.

É importante frisar que a primeira lei de Kepler, que prescreve órbitaselípticas para os planetas, não é citada como um “fenômeno”. Afinal de contas, odesafio do autor é justamente provar que existe uma razão para as órbitas seremelípticas… Newton deixa claro ao leitor o que é conhecido e o que ainda precisaser explicado…

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As quatro partes seguintes — “O movimento dos planetas e seus satélites”;“Explicação para as marés”, “Movimento da Lua”; e “Movimento dos cometas”— estão, todas elas, de uma forma ou de outra, ligadas à força da gravidade…

As proposições do livro três

Para se ter a ideia de como é árida a leitura do livro três do Principia, citoliteralmente a primeira proposição: “As forças que obrigam os planetascircunjovianos a continuamente se desviarem de um movimento retilíneo e queos mantêm em suas respectivas órbitas são direcionadas para o centro de Júpitere são inversamente proporcionais aos quadrados de suas distâncias entre suasposições e aquele centro.” Até aí, nada demais…

Mas a prova apresentada por Newton para essa afirmação é a seguinte: “Aprimeira parte desta proposição é evidente por conta do fenômeno um e daproposição dois ou da proposição três do livro um; e a segunda parte, dofenômeno um e do corolário seis à proposição quatro do livro um.” Ou seja,teríamos que buscar em partes anteriores para realmente entendermos o que oautor quis dizer (ou, pelo menos, para entendermos a sua “prova”)!

As proposições dois e três são praticamente idênticas, a segunda fazendoalusão aos “planetas primários” (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) aoredor do Sol, e a terceira falando da Lua ao redor da Terra. Todos essesmovimentos orbitais seriam causados por forças direcionadas ao centro einversamente proporcionais ao quadrado da distância.

É na quarta proposição que Newton realmente começa a revolucionar oconhecimento humano. Ele diz que “a Lua gravita em direção à Terra e pelaforça da gravidade é sempre desviada de seu movimento retilíneo e mantida emsua órbita”. Essa é a primeira vez na história que o movimento orbital da Lua éexplicado através da força da gravidade exercida pela Terra!

Newton justifica sua afirmação por meio de resultados numéricos. A Lua, elesabia, estava a “60 semidiâmetros terrestres” de distância; sua revolução aoredor da Terra dura 27 dias, 7 horas e 43 minutos; e, por fim, a circunferência daTerra mede 123.249.600 “pés parisienses, de acordo com medidas feitas pelosfranceses”. Com esses dados, Newton conclui que a Lua, se desprovida de suavelocidade transversal, cairia, no intervalo de tempo de um minuto, “15 pés euma polegada” .

O canhão de Newton — um interlúdio

Quando Newton fez seus cálculos sobre o movimento da Lua, certamente tinha

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um bom entendimento de dinâmica orbital. Ele sabia, como sabemos hoje, que aórbita nada mais é do que uma queda muito bem controlada. A Lua de fato cai,em um minuto, os 15 pés e pouco que Newton calculou.

Mas se a Lua cai realmente, porque ela nunca atinge a superfície da Terra?Ora, devido ao seu movimento tangencial, sua velocidade lateral, ela

compensa essa queda. Sua velocidade é tal que ela andará para o ladopraticamente a mesma distância de sua queda e, como a superfície terrestre écurva, ao final deste minuto, a distância entre a Lua e a superfície da Terrapermanece praticamente inalterada!

Um excelente exemplo didático foi dado pelo próprio Newton, e apareceupostumamente em seu tratado Sobre o sistema do mundo, de 1728.

Newton sugeria que se posicionasse um canhão no alto de uma montanha. Ocano da arma de fogo deveria ser direcionado na horizontal. A bala, após odisparo, descreveria um arco e atingiria o solo a uma certa distância da base damontanha. Até aí, nada de mais…

Mas e se aumentássemos a quantidade de pólvora? A bala atingiria um pontomais distante da base da montanha. Newton argumentou, corretamente, que sedéssemos um empurrão forte o suficiente, o arco descrito pela bala de canhãopassaria a acompanhar a curvatura da Terra e, portanto, a bala jamais atingiria osolo. A bala teria entrado em órbita!

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O “canhão de Newton”. Dependendo da quantidade de pólvora, a balaatingirá o solo em pontos cada vez mais distantes. Na figura, vemos apossibilidade de o projétil jamais chegar ao chão, mostrando que umaórbita nada mais é do que uma queda controlada. [Baseado na imagem

contida no livro Sobre o Sistema do Mundo, ou De mundi Systemate,publicado em 1728 (um ano depois da morte de Newton).]

Aristóteles sai de cena…

A órbita da Lua nada mais é do que uma queda controlada. E Newton calculouexatamente o quanto a Lua cai, para que se mantenha sempre onde está. Ocientista, então, aplica sua regra do inverso do quadrado da distância e concluique um objeto que esteja na superfície terrestre deveria cair, em um minuto,3.600 vezes essa distância. O resultado concorda com as extrapolações feitas a

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partir de medições da queda de corpos ao nível do mar! De fato, podemosafirmar que a mesma força que faz objetos caírem na Terra mantém a Lua emórbita!

A quinta proposição do livro três, “Sobre o sistema do mundo”, generaliza oresultado da proposição anterior para as luas de Júpiter e Saturno. É, aliás, noescólio a essa proposição que achamos a bela afirmativa que serve de epígrafe aeste capítulo.

Aristóteles é sem dúvida um dos grandes nomes da ciência. Por isso mesmo étão doloroso apontar seus erros. Não só porque estamos revelando falhas de umafigura lendária, um ídolo até, mas porque só então percebemos o quanto umconceito errado pode atrasar o desenvolvimento do conhecimento.

Talvez o maior erro de Aristóteles tenha sido dividir o Universo em doisdomínios distintos. Aquém da Lua era o mundo sublunar, onde as coisas quebrame não dão certo, os movimentos cessam e as coisas caem. Na Lua e além dela,outras regras valeriam. Ali era o mundo supralunar. Tudo era perfeito, constantee imutável.

Copérnico nos disse que a Terra não estava no centro do Universo. Ou seja, adivisão aristotélica era mais arbitrária do que parecia, pois sem a Terra imóvel nocentro de todo o sistema, ela perde o sentido. Tycho Brahe observou umasupernova e um cometa, deixando claro que o mundo supralunar não era perfeitoe imutável. Johannes Kepler descreveu órbitas elípticas, distantes da idealizaçãocircular típica das coisas divinas. Galileu viu satélites de Júpiter, manchas solarese crateras na Lua. Definitivamente havia algo errado com a perfeição supralunarpropagada por Aristóteles…

E, enfim, Newton deu o golpe de misericórdia. Ao levar a força da gravidadepara o espaço distante, usando-a não só para explicar o movimento da Lua, mastambém o dos satélites de outros planetas, Newton deixou bem claro que adivisão sugerida por Aristóteles simplesmente não existia. Com sua obra, Newtonquebrou um paradigma científico que já durava cerca de 2 mil anos!

De volta ao Principia

A “terceira parte” do livro três, na divisão conceitual que estamos seguindo,segue relatando fenômenos planetários e gravitacionais.

Merece menção a proposição sete (“A gravidade existe em todos os corposuniversalmente e é proporcional à quantidade de matéria em cada um deles”),que, em conjunto com a afirmação anterior de que a força é inversamenteproporcional ao quadrado da distância, é praticamente a forma final da força dagravidade que aprendemos com tanto sacrifício através da fórmula

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Voltaremos a falar sobre essa fórmula matemática, que jamais foi escrita porNewton, ainda neste capítulo.

A proposição 13 também merece uma menção especial, por resumir as duasprimeiras leis de Kepler: “Os planetas se movem em elipses que têm um foco nocentro do Sol, e por uma linha desenhada àquele centro eles descrevem áreasproporcionais ao tempo.”

Antes de esgotar o assunto, Newton ainda faz menção à forma dos planetas eo achatamento dos polos (proposição 18): “Os eixos dos planetas são menoresque os diâmetros desenhados perpendiculares a estes eixos.”

Essa afirmação, porém, contradizia a ideia cartesiana dos vórtices…

Vórtices cartesianos — um interlúdio

Quando Newton mal completara seu primeiro aniversário, o filósofo francêsRené Descartes (1596-1650) publicou seus Princípios filosóficos, obra extensadividida em quatro partes: “Os princípios do conhecimento humano”, “Osprincípios das coisas materiais”, “Sobre o mundo visível” e “A Terra”.

Nascido em 1596, sua frase mais famosa é um dos epítomes da filosofiamoderna: “Penso, logo existo.” Descartes contribuiu para várias áreas doconhecimento e, em particular, na matemática, é dele a criação de um ramochamado geometria analítica, uma espécie de ponte entre a álgebra e ageometria que prepararia o terreno para a invenção do cálculo, logo em seguida.É de Descartes a ideia de mapear um plano por meio de um sistema de eixosortogonais (comumente chamados de eixos x e y). Não por acaso, o planodevidamente orientado por dois eixos perpendiculares entre si é chamado de“plano cartesiano”.

De nosso interesse particular é a defesa que Descartes fez de um princípioaristotélico (“A natureza abomina o vácuo”), e sua utilização para explicar ofuncionamento da força da gravidade. Para Descartes, o Universo era, todo ele,preenchido por uma espécie de fluido. E esse fluido possuía um movimentopróprio, surgido na criação do Cosmos.

Os planetas, imersos nessa estranha substância, ficavam à mercê dessas“correntes” e, por conta disto, possuíam movimentos. A revolução ao redor doSol e a rotação de cada planeta eram explicadas através do movimentoprimordial do fluido. Para a rotação em especial, Descartes defendeu a

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existência de vórtices, pequenos redemoinhos muito semelhantes àqueles que seformam no escoamento da água através do ralo da pia… Presos aos vórticescartesianos, os planetas não tinham opção a não ser girar!

O grande atrativo da teoria cartesiana era a ausência do vazio e, portanto, ocontato perene entre os planetas e o fluido. Sempre em contato, era muito fácilexplicar a atuação de um em outro e, portanto, era fácil explicar porque osplanetas simplesmente não paravam de girar.

Uma consequência direta de sua ideia era uma deformação nos planetas. Porestarem rodopiando segundo um redemoinho, eles deveriam ser esticados nosentido de seu eixo. Em termos modernos, os planetas deveriam ser achatados noEquador…

À esquerda, vemos a Terra achatada no Equador (previsão deDescartes); à direita, o planeta é visto achatado nos polos (previsão deNewton). Ambas as figuras estão exageradamente deformadas, para

fins didáticos.

Newton, como acabamos de ver, dizia justamente o contrário!Apesar das observações telescópicas mostrarem evidências de que os outros

planetas realmente eram achatados nos polos (como dizia Newton), essapendenga só foi sepultada por volta de 1750, com a análise dos resultados de duasexpedições francesas que mediram o “tamanho” da Terra. Uma o fez naLapônia, próximo ao Polo Norte; a outra veio à América do Sul, próximo aoEquador.

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As comparações das medidas mostraram que a Terra era realmente achatadanos polos e, portanto, a forma proposta por Newton estava correta. Ou quase…

A previsão newtoniana descrevia o achatamento como uma razão de 1/230.Isso quer dizer que se dividirmos o maior raio (no Equador) pelo menor (nopolo), obteríamos um número que poderia ser descrito como a unidade mais umafração muito pequena (justamente esta razão, 1/230). Em notação decimal, maisfamiliar ao leitor, a razão entre o raio entre o centro da Terra e o Equador e oraio entre o centro da Terra e o polo seria 1,00435. O resultado encontrado, já nanotação atual, foi de 1,00476! Ou seja, Newton estava quase certo…

Marés, a Lua, cometas

De volta ao Principia, Newton segue esmiuçando a gravidade, agora em maioresdetalhes. Sua proposição 24 nos diz que “o vai e vem dos mares é causado pelasações do Sol e da Lua”. Apesar de parecer uma afirmação menor se comparadaà natureza das forças celestes e às órbitas planetárias, essa afirmação pode serconsiderada um dos grandes triunfos da gravitação newtoniana, pois trouxe umnovo entendimento ao ciclo das marés, bastante importante para a navegaçãocosteira. Newton detalhará esse assunto nas proposições 36 (“Encontrar a forçado Sol que move o mar”) e 37 (“Encontrar a força da Lua que move o mar”).

A teoria newtoniana para as marés pode ser considerada a “quarta parte” dolivro três do Principia.

A “quinta parte” desse livro, talvez a mais complexa, esmiúça detalhes sobrea Lua. Ela ocupa quase um terço do livro e é considerada por muitos estudiosos amais revolucionária de toda a obra.

Nas palavras de I. Bernard Cohen: “Antes do Principia, todas as tentativas delidar com o movimento da Lua consistiam em construir engenhosos esquemasque permitiriam aos astrônomos e calculistas levar em conta e prevermovimentos e posições com suas variações e aparentes irregularidades. OPrincipia de Newton introduziu um programa para transformar esta parte daastronomia de uma intrincada geometria celestial em um ramo da físicagravitacional.” A sexta e última parte do livro três, nesta nossa divisão conceitual,é dedicada aos cometas.

Hypotheses non fingo

Como já foi dito antes de esmiuçarmos o livro três do Principia, a obra toda éencerrada por um escólio geral, de cerca de seis páginas. Curiosamente, é nessaparte que está uma das citações mais conhecidas de Newton, que dá título a esta

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seção.No penúltimo parágrafo deste escólio, Newton afirma que

até agora eu expliquei os fenômenos dos céus e aqueles dos nossos mares pormeio da força da gravidade, mas eu ainda não prescrevi uma causa para essagravidade. De fato, essa força surge de alguma causa que penetra tão longequanto os centros do Sol e dos planetas sem qualquer diminuição de seu poderde atuação, e age não em proporção à quantidade das superfícies daspartículas sobre as quais age (como causas mecânicas são conhecidas porfazer), mas em proporção à quantidade de matéria sólida, e cuja ação éestendida a todos os lugares a imensas distâncias, sempre decrescendo comos quadrados das distâncias… Ainda não fui capaz de deduzir a partir dosfenômenos a razão para essas propriedades da gravidade e eu não fabricohipóteses.

Esta última frase, “eu não fabrico hipóteses”, é emblemática. Newton faziaquestão de afirmar que “qualquer coisa que não seja deduzida de fenômenosdeve ser chamada de hipótese, e hipóteses, sejam elas metafísicas ou físicas,baseadas em qualidades ocultas ou mecânicas, não têm lugar na filosofiaexperimental”.

É possível perceber uma certa frustração em Newton, por não ter sido capazde deduzir, baseado apenas em fenômenos, a causa da gravidade. Ele se consola,afirmando que “é suficiente que a gravidade realmente exista e que aja deacordo com as leis que apresentamos e que seja suficiente para explicar todos osmovimentos dos corpos celestes e de nosso mar”.

Um valor para a força da gravidade

Newton nos deixou um belo legado: a explicação de como funcionava a força dagravidade. Dados dois corpos quaisquer, separados por uma distância conhecida,a força gravitacional entre eles haveria de ser proporcional às suas massas einversamente proporcional ao quadrado da distância que os separava. Excelente!

Mas, afinal, quanto valia esta força?Isso Newton não disse! Faltava o que hoje chamamos de “constante de

acoplamento”, uma espécie de escala medidora que traduz uma grandeza física,bem explicada por Newton, em uma grandeza matemática (um número).

Diferentes unidades podem medir a mesma coisa. Uma hora, 60 minutos ou3.600 segundos representam o mesmo intervalo de tempo, apesar de seremexpressos com números diferentes. Mas uma vez escolhido um sistema deunidades (por exemplo, massas medidas em quilogramas e distância medida em

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metros), haverá um número único que nos dará justamente a calibração da leiproposta por Newton.

Esse número é, atualmente, conhecido como “constante de gravitaçãouniversal” e é usualmente representado pela letra G, de modo que a fórmulamatemática que expressa a força da gravidade é

E, em uma bela homenagem ao gênio, se usarmos as unidades supracitadaspara medir massa e distância, a força será medida em uma unidade batizada deNewton, abreviada por N.

Com massas medidas em quilogramas, a distância medida em metros e aforça resultante obtida em Newtons, o valor da constante de gravitação G é de0,00000000006674. Um número extremamente pequeno e, certamente, bastantedifícil de ser mensurado.

Cavendish e a balança de torção

A medição pioneira do valor de G, que nos permite até os dias de hoje quantificara força da gravidade de acordo com a prescrição newtoniana, é normalmenteatribuída a Henry Cavendish, cientista britânico famoso por ter sido o primeiro adescrever o hidrogênio (elemento mais abundante do Universo). Isso não está detodo correto…

De fato, foi o experimento feito por Cavendish, em 1797 e 1798, que permitiuo cálculo numérico de G. Mas não foi ele quem fez esse cálculo! Na verdade,segundo o artigo publicado por Cavendish nas Philosophical Transactions of theRoyal Society, ele sequer cogitou fazer o cálculo de G.

O objetivo de Cavendish era medir a densidade da Terra, o que ele chamavade “pesar o mundo”. Para isso, ele construiu uma balança de torção, seguindo osplanos de um geólogo chamado John Michell (1724-93) — que morreu antes depoder, ele mesmo, realizar o experimento.

A balança de torção de Cavendish tinha por objetivo medir a força que umabola de grandes dimensões e de massa conhecida exercia sobre uma menor, ecomparar essa força com a da Terra sobre a mesma bola menor. A razão entreas forças deveria ser igual à razão entre as massas; logo Cavendish saberia amassa da Terra (que ele não se deu ao trabalho de calcular!). Dividindo-se estevalor pelo volume da Terra (considerada como um elipsoide de revolução,

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achatado nos polos), ele obteve a densidade média do nosso planeta.

A balança de torção. As duas esferas maiores (E) são atraídas,gravitacionalmente, pelas duas menores (e). Isso faz com que elas

girem o braço (B), movimentando o pequeno peso externo (p). Sabendoas massas de todas as esferas envolvidas, Cavendish foi capaz de

calcular a massa da Terra. Uma “engenharia reversa” do experimentopermite o cálculo do valor da constante G.

É curioso notar que Cavendish poderia ter facilmente calculado o valor de G,uma das constantes universais da física. Não o fez por não julgar isso importante.Em sua época, ainda não havia uma unidade padrão de força (o Newton) e,portanto, cada unidade que fosse usada resultaria um valor diferente para G. Soba ótica de Cavendish, G não era uma constante…

Com a subsequente padronização das unidades físicas e a criação do SistemaInternacional de Unidades, finalmente os físicos reconheceram a importância dovalor de G, que foi enfim calculado (usando os dados originais de Cavendish) em1873, 75 anos depois do experimento original!

Planetas perturbados

Uma das grandes vitórias da gravidade newtoniana foi sua capacidade de prever

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a existência de ao menos um planeta no Sistema Solar. Isso aconteceu em 1846,quase 160 anos depois da primeira edição do Principia. Para entendermos comoisso foi possível, precisamos antes falar da descoberta do planeta Urano…

Urano foi descoberto por William Herschel (1738-1822), um astrônomoalemão, em 1781 (apesar de já ter sido observado algumas vezes pelo primeiroastrônomo real britânico, John Flamsteed (1646-1719), já em 1690; Flamsteednão o reconheceu como planeta, classificando-o como uma estrela daconstelação de Touro).

Após dois mil anos de observação dos planetas conhecidos, havia agora umnovo planeta no céu! Não é de espantar que Urano tornou-se uma febre entreastrônomos do mundo todo. E, graças a isso, dados de sua posição no céu — quese altera muito lentamente, pois hoje sabemos que Urano demora 84 anos paradar uma volta completa ao redor do Sol — começaram a se acumular.

Por volta de 1820, já havia dados suficientes para chamar a atenção dos maiscuidadosos: os dados empíricos não concordavam com as posições previstas pelalei da gravidade! Isso levou a alguns matemáticos, notadamente John CouchAdams (1819-1892) e Urbain Le Verrier (1811-1877) — independentemente —,a proporem uma solução inusitada para essa discrepância: havia um outroplaneta, além da órbita de Urano, que, com sua gravidade, estava perturbando osistema Sol-Urano.

Cálculos foram realizados e algumas cartas incisivas foram postadas, pedindopara diversos astrônomos em diferentes observatórios procurarem este novocorpo celeste, em uma região específica, predeterminada pela matemática.Quem primeiro o encontrou, um novo planeta, batizado de Netuno, foi oastrônomo alemão Johann Galle (1812-1910), em 1846, usando basicamente osdados fornecidos por Le Verrier.

Diferentemente do que afirmam alguns textos, a existência de um outroplaneta, Plutão, não foi inferida por sua perturbação gravitacional em seusvizinhos. Ele é muito pequeno para provocar este efeito e, não por acaso, deixoude ser considerado um planeta em 2006 (sendo agora chamado de “planeta-anão”).

Curiosamente, um outro parecia sofrer uma perturbação: Mercúrio. Omesmo Le Verrier que propôs a existência de Netuno, propôs também aexistência de um planeta entre o Sol e Mercúrio. Tal planeta, batizado (antesmesmo de ser descoberto!) de Vulcano, seria o responsável por algumasdiscrepâncias apresentadas por Mercúrio em sua órbita. Hoje sabemos queVulcano não existe — senão na cabeça do produtor Gene Roddenberry, criadorda série de TV Jornada nas estrelas (afinal, é de lá que vem o Sr. Spock!) — eque o problema da órbita de Mercúrio é facilmente explicado pela atual teoria degravitação, a relatividade geral.

Mas isso veremos na segunda parte…

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1 A palavra Principia, em latim, quer dizer “princípios”. É, portanto, plural. Masaqui, quando escrevermos Principia, estamos fazendo alusão a um livro e ausaremos como se fosse um termo no singular.2 Todas as citações do Principia são traduções de A. Cherman, a partir datradução para o inglês feita em 1999 por I. Bernard Cohen e Anne Whitman daobra original de Newton, escrita em latim.

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PARTE IIA gravidade dos fatos

Alexandre Cherman

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1 | CHEGANDO AO SÉCULO XX

Não há nada de novo a ser descoberto na Física.WILLIAM THOMSON, LORDE KELVIN

Revisitando o status quo

A gravidade fora explicada, enfim, em 1687. O Principia de Newton nosapresentou ao que hoje chamamos de “lei da gravitação universal”. Emborademorasse ainda mais de um século para que Cavendish finalmente medisse aconstante de acoplamento relativa a essa força, já há mais de 300 anos sabemosque a gravidade é uma força de atração entre corpos, proporcional à quantidadede matéria existente nestes corpos, e inversamente proporcional ao quadrado dadistância que os separa.

A explicação newtoniana era extremamente eficiente, e graças a ela osmatemáticos Urban Le Verrier e John Couch Adams, independentemente, foramcapazes de prever a existência de um oitavo planeta no Sistema Solar, além daórbita de Urano. Este planeta foi de fato descoberto em 1846, pelo astrônomoJohann Galle. Foi uma prova concreta de que a fórmula newtoniana era válida.

Além disso, a medição do achatamento da Terra nos polos, em meados doséculo XVIII, havia derrubado a ideia cartesiana de vórtices espaciais,reforçando a misteriosa “ação à distância” proposta por Newton.

Enfim, no começo do século XX, a comunidade científica não considerava agravidade um “problema”. Ela era uma força conhecida, explicada, sentida emedida, sempre de acordo com as ideias que Newton havia exposto em plenoséculo XVII. A frase de Kelvin que abre este capítulo, proferida em 1900 em umdiscurso para a Sociedade Britânica para o Avanço da Ciência, ilustra bem essesentimento.

A luz e a gravidade

O mesmo gênio que nos deu a lei da gravitação universal construiu uma teoriasobre a natureza da luz. Nela, ele a definia como sendo feita de corpúsculos. Sim,para Newton, a luz era composta por grumos materiais e, por isso mesmo, estariasujeita à ação da gravidade.

Essa afirmação costuma causar espanto, pois muitos acreditam que a açãogravitacional sobre a luz é um resultado muito mais recente, prescrito apenas

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pela relatividade geral de Albert Einstein, de 1915. Não.Pois para Newton, o único fato especial sobre a luz, no que diz respeito à

gravidade, era o fato de ela ter uma velocidade extremamente elevada. Assim,os efeitos gravitacionais do nosso planeta sobre os raios de luz seriamimperceptíveis. Mas massas maiores gerariam forças gravitacionais maisintensas, e, portanto, um raio de luz, nas proximidades de tais corpos, teria suatrajetória modificada.

Usando o conceito de velocidade de escape, o geólogo John Michell, em 1783,supôs a existência de corpos de massa tão elevada que aprisionariam, com suagravidade, os raios de luz da circunvizinhança. Isso, ainda que de forma muitoincipiente, é o que hoje chamamos de buracos negros.

Velocidade de escape é a velocidade inicial que um objeto deve ter paraconseguir escapar da atração gravitacional de um corpo astronômico, sem oauxílio de propulsores. Seu cálculo é simples e está ligado à massa e ao raio docorpo astronômico em questão. Para a Terra, por exemplo, a velocidade deescape vale, ao longo da linha do Equador e ao nível do mar, 11km/s.

Um objeto astronômico que, conjugando raio pequeno e grande massa, tenhauma velocidade de escape maior que 300 mil km/s será capaz de aprisionar, emseu campo gravitacional, um raio de luz. Isso, claro, se partirmos do pressupostode que a luz sofre interação gravitacional…

A natureza da luz

Desde os primórdios da ciência física discute-se sobre a natureza da luz. Há maisde 2.500 anos, esse já era um assunto de interesse para pensadores indianos.Também na Grécia e em Roma os filósofos e físicos de outrora se perguntavamdo que era feito um raio de luz. E desde essas primeiras discussões, há sempreduas correntes bem estabelecidas: ondas ou partículas.

Sem nos alongarmos muito nos meandros da história, podemos começarnossa discussão no século XVII. O filósofo francês René Descartes defendia quea luz era uma onda, uma perturbação do plenum, substância que formaria ascoisas do Universo. Em analogia com as ondas sonoras, Descartes acreditavafirmemente que quanto mais denso fosse o meio de propagação, mais veloz seriaum raio de luz.

Contemporâneo e conterrâneo de Descartes, o filósofo Pierre Gassendidefendia a natureza corpuscular da luz. As ideias de Gassendi inspiraram IsaacNewton, que, em 1675, antes da publicação do Principia e da desmesurada famaque veio a ganhar perante seus pares, defendeu a natureza material da luz.

Assim como a hipótese cartesiana, porém, Newton admitia que a luzaumentasse de velocidade quanto maior fosse a densidade do seu meio de

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propagação (isso seria causado justamente pela maior interação gravitacionalentre o meio e a luz!).

Três anos depois, na Europa continental, o holandês Christiaan Huygens,descobridor dos anéis de Saturno e inventor do relógio de pêndulo, ousou desafiaro gênio newtoniano. Se para o britânico a luz era feita de corpúsculos materiais,Huygens defendia que a luz era uma onda, ou seja, a perturbação de algum meiomaterial.

Mas Huygens, diferentemente da abordagem cartesiana, acreditava que aoscilação da onda de luz se dava em uma direção perpendicular à suapropagação, algo que chamamos de onda transversal. (Na onda de som, usadapor Descartes para explicar também a onda luminosa, as oscilações se dão namesma direção da propagação, algo que chamamos de onda longitudinal.) E porse tratar de uma onda transversal, como as ondas do mar, a velocidade depropagação da luz diminuiria quanto maior fosse a densidade do meio em que sepropagasse.

Pois estas eram, como dissemos, as duas correntes antagônicas em fins doséculo XVII. Se a luz se acelerasse ao entrar em um meio mais denso, a balançapendia para a ideia newtoniana (luz composta por partículas); se a luz, aocontrário, perdesse velocidade ao entrar em um meio mais denso, a hipótese deHuygens seria favorecida (luz composta por ondas transversais).

Medir a velocidade da luz, porém, é algo extremamente difícil(especialmente se nos limitarmos a experimentos terrestres, não tirando proveitodas grandes distâncias astronômicas). Sem provas concretas de ambos os ladosda discussão, parecia lógico privilegiar a visão newtoniana. Afinal era (e aindaé), Newton, e não Huygens, o homem considerado o grande gênio dahumanidade…

A discussão foi sepultada somente no começo do século XIX, quando omédico Thomas Young, tentando entender cada vez mais sobre o funcionamentodo olho humano, conduziu experimentos definitivos sobre a luz e mostrou que estaera composta por ondas.

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Na onda longitudinal, as oscilações são paralelas à direção domovimento; na onda transversal, são perpendiculares.

Young fez isso demonstrando que a luz, como qualquer outra onda, sofre ofenômeno de interferência. Para um leigo, essa informação não diria muito.Afinal, é claro que partículas também interferem entre si: elas podem se chocare mudar suas posições e velocidades. Mas, em física, o termo “interferência”tem um significado muito particular, descrevendo um fenômeno tipicamenteondulatório.

Como disse antes, o exemplo mais emblemático de ondas transversais são asondas do mar. Elas têm cristas (os pontos mais altos) e vales (os pontos maisbaixos). A distância entre duas cristas consecutivas, ou dois vales, é chamada decomprimento de onda.

Se por algum motivo duas ondas se encontram, elas podem se somartotalmente (ao se encontrarem exatamente crista com crista, ou vale com vale) epodem se anular (crista com vale, ou vice-versa); podem, ainda, interagir entre side qualquer forma intermediária entre estes dois extremos (soma total eaniquilação). Essa interação é o que chamamos de “interferência”.

Pois ao mostrar que a luz sofria interferência, Young sepultou a teoriacorpuscular e demonstrou que um raio de luz deve ser entendido como umaonda. Ele defendeu ainda que cada cor era o resultado de um diferentecomprimento de onda, algo que sabemos hoje ser correto.

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As duas fendas deixam passar duas frentes de onda, que interagementre si ao atingirem o anteparo. Onde há interferência construtiva, aluz se soma e surge uma raia clara. Onde há interferência destrutiva,

surge uma raia escura.

O éter luminífero

O ponto fraco da teoria ondulatória do raio de luz era seu meio de suporte. Sim,pois se a luz era uma onda, ela definitivamente precisava de um meio depropagação. A onda não é algo em si, mas sim a perturbação de um meio.

Revisitando modelos antigos (como, por exemplo, o próprio éter platônico, aquintessência aristotélica e o plenum cartesiano), surgiu a ideia do “éterluminífero”, ou simplesmente éter.

Éter, em grego clássico, significa “ar puro”. Este termo era usado por Platãopara descrever a matéria que preenchia os aparentes vazios do Universo.Acrescido do adjetivo “luminífero”, surge um termo que significa, literalmente,“ar portador de luz”. Ou seja, esta estranha substância que permeia o Universo,preenchendo todos os espaços que julgamos vazios, foi inventada simplesmentepara dar suporte à luz, que, como uma onda, necessita desesperadamente de ummeio material para se propagar.

Do ponto de vista lógico, o éter era um monstrengo: uma substânciadesconhecida que preenchia cada espaço vazio do Universo todo, formando o

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maior objeto que sequer já fora imaginado! Ainda assim, medições davelocidade da luz por volta de 1850 mostraram que um raio luminoso realmenteperdia velocidade ao percorrer um meio mais denso. Ou seja, mais uma provade que a teoria de Huygens estava correta! O éter, por pior que fosse, parecia sernecessário…

Provando que o éter (não) existe

Mas a realidade não precisa ser bela, sobretudo não aos nossos olhos, sejam elestreinados ou não. Assim, por mais feia que fosse a ideia da existência de umamisteriosa substância formando um corpo do tamanho do Universo, ela pareciaser necessária e, portanto, real. Uma prova de que o éter de fato existia poria porterra qualquer argumento de natureza estético-filosófica.

A mais famosa das tentativas de provar a existência do éter é conhecida como“experimento Michelson-Morley”. Sua premissa é simples: a Terra, ao girar aoredor do Sol, atravessa o éter existente no espaço (como um submarino abaixo dasuperfície corta as águas). Logo, nosso planeta está constantemente exposto auma corrente de éter (sempre na direção contrária a seu movimento derevolução ao redor do Sol). Com isso em mente, a ideia é provar a existênciadessa corrente de éter.

O físico americano Albert Michelson começou suas tentativas de fazer essaprova ainda em 1881. O experimento, entretanto, só tomou a forma final em1887, com a contribuição de Edward Morley. A ideia de Michelson e Morley erasimples: tomar um único raio de luz e o dividir, por meio de um semiespelho, emdois raios perpendiculares entre si. Esses dois raios deveriam percorrer distânciasidênticas antes de serem reunidos novamente. Se eles possuíssem a mesmavelocidade, eles se reencontrariam com crista com crista, vale com vale (arelação entre as cristas e os vales de duas ondas é chamada de fase. Quando ascristas coincidem entre si, as ondas são ditas “em fase”; se as cristas nãocoincidem, as ondas estão “fora de fase”).

Se, por algum motivo, esses raios de luz tivessem velocidades diferentes, elesse reencontrariam fora de fase, resultando em um típico padrão de interferência.

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Esquema de interferômetro original (à esquerda) e sua simplificaçãodidática (à direita). A mesma fonte de luz é separada por um

semiespelho, fazendo com que dois raios percorram trajetos de mesmotamanho, porém perpendiculares. Ao serem reunidos no final, haverá

interferência se as velocidades dos raios tiverem sido diferentes(pressuposto de Michelson).

Mas por que, afinal, os raios de luz teriam velocidades diferentes? Ora, se elespercorriam direções diferentes (perpendiculares entre si), deveriam reagir deforma diferente ao vento de éter provocado pelo deslocamento da Terra! Assimcomo a correnteza de um rio afeta de forma diferente barcos que o percorramem diferentes direções, a corrente de éter deveria alterar a velocidade de cadaraio de luz de forma distinta e, portanto, eles deveriam se reencontrar fora defase, gerando um conhecido padrão de interferência.

Para a frustração de seus idealizadores, o experimento Michelson-Morleyjamais conseguiu obter tal padrão de interferência. Nenhum dos dois jamaisadmitiu que seus resultados provaram a inexistência do éter. Um e outroprosseguiram com experimentos desse tipo, juntos ou com outros colaboradores,sem jamais conseguir o resultado desejado… O experimento Michelson-Morleyé considerado por muitos o mais importante experimento fracassado da física!

Outras tentativas (malsucedidas) de provar a existência do éter são menosfamosas. Por exemplo, o experimento Trouton-Noble, realizado nos primeirosanos do século XX: F.T. Trouton e H.R. Noble usaram capacitores, dispositivoseletrônicos simples que armazenam energia elétrica, que deveriam se alinharcom a direção do movimento da Terra na presença da corrente de éter (o queobviamente não aconteceu).

O que ondula a onda de luz?

Se a luz é uma onda, e a onda é uma perturbação de algo, a pergunta acima é

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fundamental. A resposta do século XIX era: o éter. Mas o éter, além deesteticamente indefensável, mostrava-se inexistente em vários experimentoscientíficos. A pergunta, portanto, persiste: o que ondula a onda de luz?

Nada, se quisermos nos ater ao mundo material. Mas se tivermos a intençãode obter uma resposta mais satisfatória, devemos adentrar o mundo imaterial. Aluz é uma oscilação de campos elétricos e magnéticos. E, por ser assim, ela éuma onda imaterial, que não precisa de um meio para se propagar. A luz pode sepropagar através do vácuo, tornando obsoleta a ideia de um éter luminífero.

Resta então, entendermos o que são campos elétricos e magnéticos…

O eletromagnetismo

Eletricidade e magnetismo são ramos da física conhecidos desde a Antiguidade.Os próprios termos têm origem grega. Eletricidade vem de elektron, âmbar emgrego, em uma alusão de Tales de Mileto ao fenômeno que ocorria quando seesfregava uma peça de âmbar na lã de carneiro: o objeto passava a terpropriedades de atração (um experimento muito parecido pode ser feito nos diasde hoje com um pente de plástico esfregado em uma flanela). O próprio Talestambém chamou a atenção para as rochas da Magnésia, uma região da Grécia,que tinha a estranha propriedade de atrair metais. O estudo dessas rochas passoua ser chamado de magnetismo.

Pois galgando séculos na história, faremos uma breve parada em 1600 paraentão adentrar o século XIX… O último ano do século XVI viu a publicação dolivro Sobre o imã, de William Gilbert. Em seu texto, Gilbert reconhece asemelhança entre eletricidade e magnetismo, embora defenda que sejamfenômenos independentes. (Foi, aliás, nesse livro que Gilbert oficializou o termo“eletricidade” para se referir ao que Tales chamou de “fenômenos do âmbar”.)

Já no século XIX se conhecia outra semelhança entre eletricidade emagnetismo: a força elétrica e a força magnética agem à distância e sãoinversamente proporcionais ao quadrado da distância. Exatamente como aprópria força da gravidade! Em 1820, graças a um experimento fortuito do físicodinamarquês Hans Christian Oersted, ficou demonstrado que a eletricidade e omagnetismo se interferiam mutuamente. Além disso, Joseph-Marie Ampère,Michael Faraday e Joseph Henry demonstraram, com vários experimentosdistintos, que de fato a eletricidade e o magnetismo deveriam ser encaradoscomo um único ramo da física: o eletromagnetismo.

Campos de força

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Michael Faraday foi um dos pioneiros do eletromagnetismo, apesar de nunca tertido uma educação formal. Aos 14 anos, tornou-se aprendiz de um encadernadorde livros e a maior parte de sua educação se deu graças aos inúmeros volumespassados por suas mãos.

Faraday interessou-se pelas questões da eletricidade e, para contornar umaforte deficiência matemática, desenvolveu o conceito de “campo”. Esteexplicava perfeitamente a misteriosa “ação à distância”, um inconveniente queperturbava a comunidade científica há muito tempo. Segundo o pensador, tanto aeletricidade quanto o magnetismo se propagavam pelo espaço, formando umcampo de desenho específico. Sua representação pictográfica descrevia o campopor meio de linhas. A linha mostrava a direção do respectivo campo; flechasrepresentavam o sentido; a densidade de linhas, por fim, mostrava a intensidadedo campo. Assim, de forma puramente icônica, Faraday conseguia descrever osfenômenos elétricos e magnéticos (inclusive a lei do inverso do quadrado dadistância), explicando-os como uma interação entre campos.

Não demorou muito para esse conceito de campo ser usado também paraexplicar a “ação à distância” da gravidade, dando origem à noção mais do quepopularizada de campo gravitacional.

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Para Faraday, a força magnética (entre outras) poderia ser explicadapor meio da existência de um campo que se estendia pelo espaço. O

conceito de campo de força é, hoje, uma das bases da física moderna.

A natureza da luz — Parte II

O mesmo Faraday que inventou o conceito de campo de força notou que apresença de um campo magnético influenciava na direção em que oscilava umaonda de luz (o que chamamos de “polarização”). Foi a primeira evidênciaempírica de que a luz estava, de alguma maneira, relacionada aoeletromagnetismo.

Em 1847, Michael Faraday sugeriu que a luz poderia ser uma vibraçãoeletromagnética e, portanto, prescindia de um meio material para se propagar.Essa ideia inspirou o físico escocês James Clerk Maxwell a estudar a relaçãoentre a luz e o eletromagnetismo. Reunindo as descobertas então recentes sobreeletricidade e magnetismo, Maxwell mostrou matematicamente que camposelétricos e magnéticos se induziam mutuamente; onde quer que houvesse um

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campo elétrico variável, haveria também um campo magnético (e vice-versa).Além disso, Maxwell calculou a velocidade de propagação dos campos

elétricos e magnéticos. Seu resultado numérico era semelhante à velocidade daluz, já medida por diferentes métodos. Em 1873, ele publicou um trabalho,Tratado sobre eletricidade e magnetismo, no qual faz uma descrição matemáticacompleta de suas conclusões (um conjunto de equações até hoje conhecidocomo equações de Maxwell) e afirmou que a luz era uma radiaçãoeletromagnética.

Pois em 1887, Heinrich Hertz foi o primeiro a produzir propositalmente ondaseletromagnéticas em laboratório, comprovando as predições teóricas deMaxwell. Estava comprovada, teórica e experimentalmente, a naturezaeletromagnética da luz.

A velocidade da gravidade

Sendo um campo que se estende pelo espaço, e cuja intensidade decresce com oquadrado da distância à fonte, a gravidade pode ser muito proximamentecomparada ao eletromagnetismo. Seria natural intuirmos que o campogravitacional se propaga pelo espaço vazio com a mesma velocidade que sepropagam os campos eletromagnéticos, ou seja, com a velocidade da luz.

Isaac Newton até tentou incorporar uma velocidade finita para a gravidadeem sua gravitação universal (embora não tivesse prescrito qual seria o valordesta velocidade de propagação), mas acabou desistindo por pura conveniência,uma vez que a propagação instantânea produzia resultados em excelente acordocom a observação.

A gravidade newtoniana, é sempre bom lembrarmos, é uma força entre doiscorpos. Essa força é sempre atrativa e atua na direção que une os corpos emquestão. Tomemos o Sol e a Terra como exemplo. A distância que separa essesdois objetos astronômicos é de aproximadamente 150 milhões de quilômetros, oucerca de oito minutos-luz (isto quer dizer que a luz do Sol demora por volta de oitominutos para chegar até a Terra). Se a gravidade se propaga com umavelocidade finita, a força que o Sol exerce sobre a Terra demora um certo tempopara atingir nosso planeta. Ou seja, a direção da força atrativa não deve ser adireção em que está o Sol, mas sim aquela em que o Sol esteve (em seumovimento aparente, uma vez que todos sabemos que é a Terra que está semovendo).

Se a gravidade atravessa o espaço com a velocidade da luz, então a força deatração que mantém a Terra em sua órbita deveria apontar não para a posiçãoreal do Sol, mas sim para onde o Sol estava cerca de oito minutos atrás! Essaobservação simples trazia um complicador tão grande para as soluções

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matemáticas de Newton que ele optou por considerar a gravidade como umaforça de ação instantânea, ou seja, com velocidade de propagação infinita.

Mas a “preguiça” de Newton não tinha base científica, apenas prática. Apergunta persistia: qual é a velocidade de propagação da gravidade? PierreSimon, marquês de Laplace, foi um dos primeiros a tentar incorporar umavelocidade finita para a gravidade, no começo do século XIX. Mas acomplexidade matemática persistia e suas ideias trouxeram mais dúvidas do querespostas…

Não seria natural que assim fosse? Ora, chegamos à conclusão de que agravidade deveria possuir uma velocidade finita de propagação ao compará-lacom o eletromagnetismo. E sabemos que esse ramo da física só tomou suaforma definitiva em meados do século XIX, depois de Newton, depois deLaplace. Assim, podemos dizer que foi graças ao estudo das interaçõeseletromagnéticas que se sedimentou a ideia de que a gravidade possuía, de fato,uma velocidade finita de propagação…

Os campos eletromagnéticos viajam pelo espaço com a velocidade da luz.Isso é fato. Por conta disso, duas partículas carregadas que estivessem emmovimento, deveriam estar “ligadas” por uma força que apontasse na direção“retardada” (onde elas estavam quando emitiram o campo, e não onde elasestão, quando percebem o campo alheio). Assim como a Terra deveria sentir agravidade solar vinda de uma posição relativa a oito minutos no passado!

Mas considerações não triviais acerca da conservação do momento angularde um sistema eletricamente carregado mostram que isso não acontece: há umacompensação natural e a força realmente aponta na direção da “extrapolaçãolinear da posição retardada”, ou seja, a interação entre as partículas, apesar deter uma velocidade finita, aponta na direção de onde elas estão, e não de ondeelas estavam! E isso funciona também para a gravidade. Newton, em suapreguiça, acertou sem querer!

Então, por analogia entre os campos eletromagnético e gravitacional, ficafácil aceitar que a gravidade se propaga com a velocidade da luz. E isso será defato prescrito com a nova teoria da gravidade, a relatividade geral, comoveremos nos próximos capítulos…

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2 | A TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL

Todos sabem que Einstein fez uma coisa assombrosa,mas muito poucos sabem exatamente o que foi.

BERTRAND RUSSELL

Um paradigma confortável

A gravidade entra no século XX esgueirando-se pelas frestas da física clássica. Aestranha “ação à distância” proposta por Isaac Newton em seu Principia estavaagora bem entendida graças ao conceito de “campos de força” criado porMichael Faraday.

A descrição newtoniana gozava de boa reputação. Graças a ela, o planetaNetuno havia sido previsto teoricamente antes de ser descoberto de fato. Esseera, aparentemente, um teste definitivo da validade da teoria. Além disso,problemas com a órbita de Mercúrio, dos quais falaremos mais adiante,recebiam tratamento semelhante e não havia nada que indicasse que em algumcenário distinto a força da gravidade pudesse ser diferente do que Newton haviaproposto.

Não havia, portanto, necessidade nem urgência de buscar uma nova teoria dagravidade. E é exatamente por isso que esta nova teoria adentrou a Física nãopela porta da frente, mas pelas pequenas rachaduras de um forte arcabouçoteórico.

Nem tudo é relativo

Em 1905, o trabalho pioneiro de um jovem físico alemão chamado AlbertEinstein o colocaria em um pedestal nunca antes desfrutado por um cientista.Grande parte de seus trabalhos naquele período, que é conhecido como “anomilagroso” ou “ano maravilhoso” (annus mirabilis), pode ser reunido sob umgrande guarda-chuva que se popularizou pelo nome de teoria da relatividadeespecial (ou, como alguns autores brasileiros preferem, teoria da relatividaderestrita).

Diferentemente do que se pode imaginar (e do que é comumente dito), essanova teoria não pode ser resumida na máxima “tudo é relativo”. Muito pelocontrário! Sua pedra fundamental é justamente o oposto. Einstein postulou quehavia ao menos uma grandeza absoluta no Universo: a velocidade da luz. Insisto:

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o cerne da teoria da relatividade especial é justamente a afirmação de que avelocidade da luz não é relativa!

Einstein, por sinal, não gostava do nome com que se popularizou esse seuconjunto de ideias. Segundo um dos seus biógrafos, A. Pais, Einstein teriapreferido “teoria da velocidade da luz absoluta”. Talvez este nome seja maiscondizente com a realidade, mas seu apelo às massas é obviamente menor…

Moldando o espaço e o tempo

Pois ao demonstrar que a velocidade da luz é uma quantidade absoluta, ou seja,uma constante universal, Einstein mostrou que outras quantidades tidas até entãocomo fundamentais deveriam ser maleáveis. Espaço e tempo, por exemplo.

Uma velocidade nada mais é do que a medida de um certo espaço (distância)percorrido em um certo tempo. Ora, para que todos, em qualquer condição,meçam sempre a mesma velocidade para um raio de luz, é necessário, então,que tempo e espaço sejam maleáveis.

A afirmação acima parece ser contraditória. Se uma velocidade é constante,então, em uma primeira abordagem, poderíamos defender que o espaço e otempo também sejam constantes, de modo que a divisão de um pelo outrosempre resulte em um mesmo valor. Mas não é assim que devemos pensar…

Para que a velocidade da luz seja sempre medida com o mesmo valor,aproximadamente 300 mil km/s (no vácuo), é imperativo que cada observadorfazendo a medição tenha sua própria noção de espaço e tempo, que pode ou nãoser igual à de outro observador. E não custa lembrar que a velocidade da luz éuma prescrição das equações de Maxwell, ou seja, ela realmente deve sermedida com aquele valor, por todos os observadores.

Assim, para que a velocidade da luz seja uma grandeza absoluta, espaço etempo devem ser relativos.

Q uando 1+1 é igual a 1

Estamos acostumados, em nosso mundo cotidiano (leia-se: extremamente lentose comparado à velocidade da luz) a tomar a velocidade como uma “grandezaaditiva”. Ou seja, se dois carros se cruzam em uma via de mão dupla, cada umcom velocidade de 100km/h, a velocidade relativa entre eles será, obviamente,de 200km/h.

Mas se levarmos essa ideia para os limites da velocidade, ou seja, avelocidade da luz, veremos que dois raios de luz, cada um percorrendo o espaçovazio a 300 mil km/s, não podem se cruzar com velocidade relativa de 600 mil

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km/s, pois isso contraria o postulado inicial de que todos os observadores sempremedirão um raio de luz com a mesma velocidade!

Einstein costumava dizer que seu caminho rumo à relatividade especialcomeçou com a singela pergunta: “O que vê um raio de luz”? Esta perguntaencerra a simplicidade do gênio! “Ver” algo significa ser alcançado por um raiode luz. E, segundo Einstein, esse raio, se estiver percorrendo o espaço vazio,chegará até o observador com velocidade de 300 mil km/s. E não depende davelocidade do próprio observador!

Assim, se um raio de luz “vê” outro raio de luz, nossos instintos nos dizem quea velocidade relativa entre eles deve ser 600 mil km/s. O raio “observador” viajaa 300 mil km/s; o “observado” também. Logo eles se cruzam a 600 mil km/s. Éóbvio!

Mas isso contradiz o postulado inicial de Einstein! O raio de luz “observador”tem todo o direito de se julgar parado, e dizer que o raio de luz “observado” lhechegou com velocidade de 600 mil km/s. Ora, isso não pode acontecer! Avelocidade medida de um raio de luz, no vácuo, sempre será de 300 mil km/s!Assim, dois raios de luz que se cruzem, cada um a 300 mil km/s, se verãomutuamente com as mesmas velocidades. Ou seja, essa grandeza não pode serconsiderada aditiva!

Réguas e relógios confiáveis

A velocidade nos parece aditiva (como no caso dos carros que se cruzam) porquevivemos em um mundo lerdo, muito abaixo da velocidade da luz. Mas quantomais nos aproximamos deste limite, mais precisamos nos despir de nossasaproximações clássicas e encarar a realidade como ela é de fato.

Como vimos, a velocidade não é uma grandeza aditiva. Em nosso mundoclássico, quase fantasioso, uma pessoa parada veria um raio de luz cruzar oespaço vazio a 300 mil km/s. Outra pessoa, a bordo de uma nave espacial fictícia,que estivesse se deslocando a uns 200 mil km/s, veria o mesmo raio de luz passarpor si a 500 mil km/s (presumindo que estivesse indo na mesma direção e emsentidos opostos).

Entretanto, não é isso o que acontece.Observador parado e observador em movimento verão, ambos, o raio de luz

cruzar o vazio com uma velocidade de 300 mil km/s! Esse é o postulado deEinstein. É isso que significa a velocidade da luz ser uma grandeza absoluta.Assim, a única maneira de explicarmos isso é levando em consideração que asréguas usadas para medir a distância percorrida pelo raio de luz, e os relógiosusados para cronometrar o intervalo de tempo que o raio de luz gasta parapercorrer tal distância, são réguas e relógios particulares.

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Cada observador possui uma régua e um relógio confiável, que mede o quechamamos de seu espaço e tempo próprios.

A matemática que descreve isso de forma mais sucinta é bela e não muitocomplicada, mas foge do escopo deste livro. O leitor que se interessar podebuscar mais informações sobre um conjunto de equações chamado“transformações de Lorentz”. São elas que permitem a comunicação inteligívelentre observadores distintos.

Q uatro dimensões

Einstein construiu seu postulado sobre a constância da velocidade da luz baseadonos resultados fornecidos pela unificação do eletromagnetismo com a teoria daluz, em meados do século XIX.

A partir disso, o resultado primeiro é a não aditividade das velocidades emgeral, fato este que é mascarado em nosso dia a dia pela simples razão de quesomos lentos demais para perceber as sutilezas da realidade física.

Essa propriedade recém-encontrada para as velocidades requer que espaço etempo (réguas e relógios) sejam maleáveis. Na verdade, Einstein mostrou queessas duas grandezas não são quantidades distintas e devem ser encaradas comoum conjunto quadridimensional de coordenadas: o espaço-tempo.

Isso pode ser muito bem compreendido em nosso cotidiano se levarmos emconta que, na prática, uma “dimensão” pode ser entendida como uma“coordenada”: um valor numérico que nos ajuda a localizar algo.

O tempo, então, é uma coordenada. Se quisermos localizar um evento notempo, precisaremos de um valor numérico existente em um sistema decoordenadas previamente estabelecido. Dizer que uma pessoa nasceu às 11h54do dia 12 de novembro de 2007 é exatamente isso! Tomamos um sistema decoordenadas previamente estabelecido (nosso calendário, com seus dias de 24horas) e, dentro dele, pinçamos um único valor numérico, inequívoco. Estálocalizado nosso evento, temporalmente. O tempo é, portanto, uma dimensão.

Podemos fazer a mesma coisa espacialmente. Para localizarmos um satéliteno espaço, por exemplo, precisamos de três coordenadas: latitude, longitude (quenos permitem encontrar um ponto na superfície terrestre) e altitude. O espaço é,portanto, tridimensional. Mas, é claro, se realmente quisermos encontrar nossosatélite (que é móvel), precisaremos de quatro coordenadas, pois devemos dizersua latitude, longitude, altitude e o instante exato em que ele estará nestascoordenadas. Ou seja, independentemente de Einstein e da Relatividade, nossomundo sempre foi quadridimensional (três dimensões espaciais e uma dimensãotemporal).

A inovação que a relatividade nos trouxe foi a mistura de coordenadas

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espaciais e temporais em algo muito mais básico: o espaço-tempoquadridimensional. Parece que nada mudou, é verdade, mas se mergulhássemosde cabeça nas equações da relatividade veríamos que agora o espaço e o temponão são quantidades distintas e sim partes de algo maior, o espaço-tempo.

O lugar em que você está altera a forma como você mede o tempo; a hora dodia ou da noite afeta a forma como você mede o espaço!

Um limite físico para a velocidade

Einstein, partindo de seu postulado, derrubou a aditividade da velocidade emostrou que o espaço e o tempo eram relativos.

A relatividade especial, entretanto, não para por aí. Velocidades, quaisquerque sejam, fazem parte do ramo da física chamado de cinemática. Ao criar umanova regra para a adição das velocidades, Einstein estava criando uma novacinemática.

Mas por mais excitante que isso possa parecer, é preciso ter muito cuidadopara respeitar tudo o que já foi testado e aprovado antes. Einstein incorporou a leide conservação da quantidade de movimento a sua nova cinemática, obtendo umresultado interessante: o aumento da massa em relação à velocidade.

A quantidade de movimento, também conhecida como momento linear, é oproduto da massa de um corpo por sua velocidade. Um projétil disparado poruma arma de fogo tem pouca massa, mas grande velocidade. Um trem de cargatem muita massa, mas pouca velocidade. Ambos, porém, têm uma grandequantidade de movimento.

Uma das leis de ouro da Física é justamente a da conservação do momentolinear. Ela diz que a quantidade de movimento em um choque entre dois corposdeve ser conservada (contanto que os dois corpos componham o que chamamosde “sistema fechado”, ou seja, não estejam sob a influência de nenhum agenteexterno). A quantidade de movimento antes do choque deve ser rigorosamenteigual à quantidade de movimento depois do choque.

(Uma mesa de bilhar não é um bom exemplo, pois a própria mesa, aofornecer atrito, torna-se um agente externo e o choque entre duas bolas não éconservativo. Mas há um brinquedo, bastante comum nos grandes centros,sobretudo em áreas de lazer de shopping centers, o air hockey — aquele em quedois jogadores tentam, com bastões deslizantes, fazer gols com um disco quedesliza sobre uma mesa —, que minimiza o atrito por meio de um colchão de ar.Esse poderia ser um excelente exemplo prático da conservação da quantidade demovimento.)

Para a cinemática de Einstein ser correta, ela deveria respeitar a lei deconservação da quantidade de movimento. Mas, é claro, algo deveria mudar,

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pois a quantidade de movimento é uma grandeza que junta massas e velocidadese, já vimos, a relatividade especial altera radicalmente a natureza dasvelocidades.

Incorporando a conservação do momento linear às suas ideias, Einsteinconcluiu que um corpo, ao ter sua velocidade aumentada, tem também umacréscimo em sua quantidade de matéria: quanto mais rápido se move umobjeto, maior será a sua massa!

Isso acaba trazendo um limite físico ao Universo: um objeto, ao atingir avelocidade da luz, terá sua massa (seja ela qual for, grande ou pequena)aumentada ao infinito! De fato, cada pequeno acréscimo na velocidade causaum aumento na massa, o que torna mais difícil um novo acréscimo navelocidade…

Nenhum objeto com massa, por menor que seja, pode alcançar a velocidadeda luz. A luz só viaja a velocidade da luz porque não tem massa.

A equação mais famosa do mundo

Por fim, ainda em 1905, Einstein incorporou outra importante lei de conservaçãoà sua nova cinemática: a conservação da energia.

Essa poderosa afirmação é a primeira lei da termodinâmica: a energia doUniverso é uma constante. Ou seja, a energia se conserva, sempre. Ela podemudar de forma, mudar de lugar, mas nunca pode ser destruída, nem tampoucocriada.

Simplificando nossa abordagem da teoria da relatividade, podemos continuarpensando no choque entre dois corpos. Assim como a quantidade de movimentose conserva, conserva-se também a energia do sistema. Parte da energia inicialse transformará em som, calor ou luz, dependendo do tipo de choque quepretendemos criar. Mas a maior parte permanece em um estado que chamamosde energia cinética, a “energia do movimento”.

Assim como a quantidade de movimento, a energia cinética depende damassa e da velocidade de um corpo (mas sua fórmula é um pouco maiscomplexa do que um simples produto entre as duas grandezas…). Ora, se jásabemos que na nova cinemática velocidades e massas têm novas propriedades,é justo acreditarmos que isso de alguma forma vai afetar também a energia.

Einstein mostrou que a única forma de manter a lei da conservação daenergia em acordo com sua nova cinemática era encarar a energia como umaspecto diferente da massa (e vice-versa, claro).

Pois na relatividade especial, massa e energia são duas faces de uma mesmamoeda. Massa pode virar energia, energia pode virar massa. E isso équantificado por uma expressão que é, possivelmente, a equação mais famosa de

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todos os tempos: E=mc2 (E é a energia, m é a massa, e c representa avelocidade da luz).

A equivalência massa-energia acabou unificando duas leis de conservaçãoantigas: a própria conservação da energia (primeira lei da termodinâmica) e aconservação da massa (proposta por Lavoisier, na famosa frase, “nada se perde,nada se cria, tudo se transforma”).

O calcanhar de aquiles

O postulado de Einstein que nos trouxe até aqui diz que a velocidade da luz é umaconstante do Universo. Entretanto, na verdade esse postulado diz que a velocidadeda luz é constante para sistemas inerciais. E aqui entra o calcanhar de aquiles darelatividade especial: os sistemas inerciais.

Pois bem, esse postulado de Einstein de que tanto falamos é, na verdade, osegundo postulado. O primeiro diz que todos os referenciais inerciais sãoequivalentes entre si. Mas o que vem a ser um “referencial inercial”?

Falando simplesmente, um referencial inercial é um sistema de referênciaslivre da ação de forças. Ou esse sistema se encontra imóvel, ou está emmovimento retilíneo uniforme, com uma velocidade constante tanto em valorcomo em direção e sentido.

Toda a relatividade especial é construída para funcionar em referenciaisinerciais. Por isso mesmo ela é uma nova cinemática. Mas o mundo em quevivemos é permeado de forças e, para tratar disso, Einstein precisavadesenvolver uma nova dinâmica.

Ele sabia disso. E apesar de estar bastante satisfeito com os resultados de suarelatividade especial, ficava claro que ele precisaria alargar seus domínios.Einstein precisava tornar uma teoria especial em uma teoria geral…

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3 | A TEORIA DA RELATIVIDADE GERAL

A teoria da relatividade se assemelha a um edifício dedois andares, a teoria especial e a teoria geral. A teoriaespecial, sobre a qual a teoria geral se apoia, se aplica atodos os fenômenos com a exceção da gravidade; ateoria geral nos dá a lei da gravitação e sua relação comas outras forças da natureza.

ALBERT EINSTEIN

Referenciais não inerciais

Por sua própria natureza, nascida a partir dos dois postulados de Einstein, arelatividade especial não contempla os sistemas de referência sob ação de forçase acelerações. (Por isso mesmo é comum, em português, chamarmos esta teoriade relatividade restrita.) Einstein não poderia estar satisfeito com isso…

Seu caminho, longo e tortuoso, não começou com o intuito de generalizar ateoria existente. Einstein, a princípio, não reconheceu as limitações darelatividade especial. Sua meta original não era generalizá-la (ou seja, criar umateoria mais abrangente), e sim incorporar forças e acelerações à sua construçãoteórica de 1905.

Quando se propôs a fazer isso, ele realmente acreditava que seria uma tarefasimples, exigindo apenas algumas adaptações às fórmulas e aos conceitosrecém-explicados pela relatividade especial.

Os referenciais não inerciais, sob ação de forças e acelerações, deveriam serapenas mais um caso a ser tratado por sua relatividade (até então, a única que elehavia inventado…). Mas mal sabia Einstein que ele estava prestes a embarcarem uma longa jornada que duraria dez anos, cheia de idas e vindas e becos semsaída!

Um pensamento feliz

Em 1907, dois anos após a concepção da relatividade especial, já imbuído datarefa de trazer para sua teoria os referenciais não inerciais, Einstein teve o quechamou de “o pensamento mais feliz de sua vida”.

Se a relatividade especial nasceu da singela pergunta “o que vê um raio deluz?”, podemos dizer que a relatividade geral tem um nascimento igualmente

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simples, quando Einstein afirma que “uma pessoa em queda livre não sente opróprio peso”.

É verdade! Se, porventura, nos virmos subitamente em queda livre (seja emum trágico acidente ou em um salto de aventura radical), enquanto estivermoscaindo, realmente não sentiremos o próprio peso. Em menor escala, isso pode sersentido em qualquer elevador. Quando o equipamento inicia a descida, por umafração de segundo nos sentimos mais leves (uma queda livre anularia o peso porcompleto!).

Einstein chamou isso, já em 1912, de “princípio da equivalência”. Eledefendia, também sob a forma de um postulado, que um campo gravitacionalque apontasse para baixo (como é o caso do que experimentamos em nossoplaneta) era completamente equivalente à uma aceleração direcionada paracima.

Assim, ao cairmos, sofremos uma aceleração para baixo. Esta aceleração éequivalente a um campo gravitacional de mesma intensidade e direção, mas desentido oposto. Ou seja, este “campo gravitacional” para cima, conjugado aocampo gravitacional real da Terra (para baixo), faz com que, durante a queda,nosso peso deixe de ser sentido!

Simulando a ausência de gravidade

O princípio da equivalência é usado corriqueiramente no treinamento deastronautas. Para simular um ambiente de gravidade zero, os futuros viajantesespaciais são levados, de avião, à alta estratosfera. Uma vez lá em cima, o aviãofaz um vertiginoso mergulho rumo ao solo, fazendo com que todos a bordoestejam, de fato, em queda livre. Em queda livre, portanto, não sentem o própriopeso e estão, ainda que de forma simulada, em um ambiente de gravidade zero!

O próprio ambiente espacial, a bordo de uma nave ou de uma estaçãoespacial, é uma simulação de gravidade nula. O leitor diligente há de concordarque se realmente a gravidade fosse inexistente no espaço, não haveria comomanter os satélites em órbita! É a gravidade terrestre que mantém naves,laboratórios e telescópios presos à nossa vizinhança, em uma trajetóriacontrolada e pré-calculada que chamamos de órbita.

Como a proverbial bala de canhão newtoniana, um satélite está sempre emqueda livre, de modo que localmente temos condições de gravidade zero. Aindaque, nunca é demais ressaltar, o satélite esteja sob a influência gravitacional daTerra!

O desvio da luz

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Não é difícil chegarmos à conclusão de que um raio de luz, mesmo não tendomassa, sofre o efeito da gravidade. Basta nos concentrarmos no princípio daequivalência.

Façamos, então, uma versão do experimento mental clássico proposto porEinstein…

Imaginemos dois grandes cubos ocos. O primeiro está em repouso, nasuperfície da Terra. O segundo, está no espaço distante, longe de qualquer objetodotado de grande massa, acelerando uniformemente para cima, com uma taxade 9,8m/s2. Isso quer dizer que a cada segundo que passa, sua velocidadeaumenta em 9,8m/s. Não por acaso, este é exatamente o valor da aceleração dagravidade terrestre, sob condições ideais de temperatura e pressão, ao nível domar.

Pelo princípio de equivalência, o interior de ambos os cubos é indistinguível.Não há como saber, uma vez estando-se confinado em um ou outro cubo, seestamos parados na Terra ou se estamos acelerando no espaço.

Pois bem, vamos começar pela Terra… Se formos a uma parede interna docubo e arremessarmos algo (digamos, uma bola de tênis), com uma velocidadeinicial paralela ao chão, este objeto atravessará o cubo e (se tivermos forçasuficiente) atingirá a parede oposta, em um ponto mais próximo ao chão do que oponto de partida. Isso é óbvio! A gravidade atrai a bola de tênis e ela, mesmo indopara o lado, vai também em direção ao chão.

Ora, se reproduzirmos esta mesma experiência dentro do cubo que singrapelo espaço, obteremos o mesmo resultado. Logo que a bola de tênis se afasta daparede, o cubo continua acelerando. Livre de qualquer contato, a bola não sofreesta aceleração. Ou seja, não é a bola que cai, mas o cubo que sobe. O resultado,porém, é o mesmo. A bola de tênis atingirá a parede oposta mais próxima aochão.

Continuando no espaço, façamos isso agora com um raio de luz. A velocidadecom que o raio de luz atravessa o cubo é significativamente mais rápida do que ada bola de tênis. Ou seja, se quisermos perceber algum efeito, a aceleração docubo deverá ser muito grande. Se essa condição for satisfeita, veríamos sim oraio de luz atingir a parede oposta mais próximo ao chão.

E, pelo princípio de equivalência, obteríamos o mesmo resultado serealizássemos essa experiência no cubo parado, que está na Terra. É claro que sóperceberíamos a “queda” da luz se o campo gravitacional fosse muito intenso (oque não é o caso). Mas fica claro que a luz deve sim sofrer a atração dagravidade.

O desvio para o vermelho

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Uma vez que percebemos que a luz sofre a influência gravitacional, há outroefeito que merece ser estudado além da simples mudança de direção.

A luz, já vimos, pode ser entendida como uma onda eletromagnética. Comoqualquer onda, uma de suas grandezas fundamentais é o seu comprimento, ouseja, a distância entre duas de suas cristas (ou dois de seus vales) sucessivos.

O comprimento de onda de qualquer onda está intimamente ligado à suafrequência. No raio de luz, especificamente, ambas as grandezas podem sertraduzidas coloquialmente pelo conceito de cor. Cada cor (na verdade, cadatonalidade) equivale a um comprimento de onda diferente.

Nos concentrando apenas nas famosas “sete” cores do arco-íris (o númerosete vai entre aspas, pois na verdade são infinitas as cores do arco-íris…),podemos afirmar que o vermelho possui um comprimento de onda maior do queo laranja, e este um comprimento maior do que o amarelo e assimsucessivamente, até o limite visível do violeta, com o menor comprimento deonda de todos.

(Comprimentos de onda maiores do que o da cor vermelha são coletivamentechamados de infravermelho; do outro lado do espectro, os comprimentos de ondamenores do que o da cor violeta são os ultravioleta. Ambos os casos são invisíveisà vista humana, mas respeitam rigorosamente tudo o que falamos até agorasobre os raios de luz.)

Se, por algum motivo, conseguíssemos alterar o comprimento de onda de umraio de luz, alteraríamos a sua cor. Um aumento do comprimento de onda égenericamente chamado de “desvio para o vermelho” (redshift); já umadiminuição do comprimento de onda é coletivamente chamada de “desvio para oazul” (blueshift).

Se um raio de luz passa por um campo gravitacional, ele sofrerá uma atraçãoe mudará o seu caminho. Isso só será percebido se o campo for forte osuficiente, mas acontece sempre, certo? Errado.

Se o raio de luz em questão estiver na mesma direção do campogravitacional, seu caminho não será alterado. (Basta imaginarmos uma lanternaapontada para cima; sua luz está na mesma direção do campo gravitacional, ouseja, radial.) Ainda assim, a luz sofrerá a influência deste campo gravitacional.Nessas condições especiais, a gravidade será responsável por aumentar ocomprimento de onda da radiação original, semelhante a uma mola sob a açãode um peso.

É isso que chamamos de desvio para o vermelho gravitacional.

A luz tem massa?

A luz sofre a influência da força da gravidade! Mas como pode isso acontecer, se

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a gravidade é uma força entre massas, e a luz não tem massa?Se uma força é diretamente proporcional às massas, quanto maior a massa,

maior a força! E, obviamente, quanto menor a massa, menor a força. No casode massa nula, como por exemplo um raio de luz, a força deveria ser zero! E,ainda assim, o raio de luz sofre influência da gravidade…

Obviamente, algo não faz sentido. Mas a gravidade newtoniana já nos haviaprestado grandes serviços, dando provas de sua validade. Um caso excepcionalfoi a previsão da existência de um planeta além de Urano, posteriormentedescoberto em 1846 (Netuno). Ou seja, não podemos dizer que a gravidadenewtoniana estava errada. No máximo, poderíamos dizer que ela estavaincompleta.

Assim como a adição das velocidades é apenas uma aproximação darealidade, válida quando tratamos de velocidades baixas se comparadas àvelocidade da luz, a gravitação newtoniana mostra-se também umaaproximação, válida quando os campos gravitacionais não são muito intensos(como é o caso da superfície do nosso planeta).

Uma primeira hipótese de trabalho, talvez a mais óbvia, seria postular que umraio de luz tem massa. Essa massa seria muito pequena, desprezível até, de modoque em campos gravitacionais fracos, jamais percebêssemos a atração sofridapela luz. Em campos gravitacionais muito fortes, porém, a pequena massa doraio de luz seria grande o bastante para que essa atração gravitacional se tornasseperceptível.

Essa hipótese não funciona, pois o próprio Einstein já havia demonstrado, narelatividade especial, que à medida que um objeto com massa ganha velocidade,sua massa aumenta. Ou seja, mesmo uma massa muito pequena, desprezível até,se tornaria gigantesca quando levada a altas velocidades.

Um raio de luz, em repouso, poderia ter até uma massa desprezível, masviajando a 300 mil km/s, esta massa se tornaria infinita. Ou seja, um raio de luzrealmente não tem massa.

Retas e geodésicas

A luz não tem massa. E, ainda assim, sofre a atração da gravidade. Uma forçaque até então era vista como uma interação entre duas massas!

A solução desse dilema não foi imediata. Einstein, com toda a sua genialidade,demorou dez anos para chegar a ela. Sua mola propulsora foi justamente a buscapor uma explicação que descrevesse a natureza da gravidade. “Interação entremassas” era, na melhor das hipóteses, uma aproximação. A verdadeira face dagravidade ainda estava oculta…

Uma fraca luz que iluminou o caminho do gênio foi sua famosa equação de

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equivalência entre massa e energia. Ora, se massa e energia são no fundo amesma coisa, então ficava claro que a energia deveria sim sofrer interaçõesgravitacionais. Mas como explicar isso?

Após muitas idas e vindas, tentativas frustradas e alguns pedidos de socorro,Einstein se deparou com as geometrias não euclidianas. Para os que já têmpesadelos com a geometria euclidiana aprendida nos bancos escolares, esseconceito pode ser ainda mais aterrador. Não deveria.

Moramos em um planeta com formato aproximadamente esférico e,portanto, em sua superfície, é impossível traçar uma linha reta! Por mais retaque seja nossa linha reta, o papel está sobre a mesa, que está sobre o piso, queestá sobre a superfície do planeta, que não é uma superfície plana!

Na Terra, diferentemente de um dos mais famosos aforismos geométricos, omenor caminho entre dois pontos não é uma linha reta, simplesmente porque éimpossível traçar uma linha reta sobre a superfície curva de nosso planeta.

Para não confundir “linha reta” com “menor caminho entre dois pontos”,criou-se o termo “geodésica”. A palavra tem origem grega, geodaisia, e querdizer “dividir a Terra”. Resumindo, o menor caminho entre dois pontos é umageodésica. Na geometria euclidiana, que normalmente se aprende nas escolas, ageodésica é uma linha reta. Mas em diferentes geometrias, todas não euclidianas,a geodésica certamente não será uma reta.

É importante saber isso, pois há muito (desde a Grécia Antiga) também seacreditava que obrigatoriamente um raio de luz deveria percorrer uma linha reta.Se levarmos em conta que nada é mais rápido do que a luz, vemos que issoconcorda bem com a ideia de “menor caminho entre dois pontos”. O jeito maisrápido de se ir de um ponto ao outro seria seguir um raio de luz (que, ao que tudoindica, percorre uma linha reta e, portanto, comprova nossa ideia original de queo menor caminho entre dois pontos é mesmo uma linha reta!)

Agora sabemos que o menor caminho entre dois pontos é uma geodésica, quepode ser uma reta ou não. Então, se seguirmos um raio de luz, estaremospercorrendo esse menor caminho. Ou seja, a luz não percorre necessariamentesempre uma linha reta.

Geodésica, sempre! Linha reta, só se a geometria for euclidiana!

Uma nova abordagem para uma velha força

Einstein já possuía dois poderosos conceitos, vindos de fontes distintas.Por suas próprias conclusões, um raio de luz, mesmo desprovido de massa,

deveria sofrer a atração de um campo gravitacional.E, segundo as novas geometrias não euclidianas criadas em meados do século

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XIX, os menores caminhos entre dois pontos não precisavam ser linhas retas.Além disso, há a constatação óbvia de que tudo o que existe possui matéria

e/ou energia. Ou seja, a gravidade é um fenômeno realmente universal, afetandoa tudo e a todos.

A nova abordagem sobre a gravidade deveria não só manter válidas asafirmações newtonianas (que deveriam ser entendidas como merasaproximações da realidade), como também incorporar os novos fatos sobre a luz.

Einstein concluiu que a gravidade não era uma força em si, mas sim umaalteração na própria estrutura do espaço (e, por consequência, do tempotambém, pois, desde 1905, tempo e espaço estavam casados como espaço-tempo).

Nos limites de pouca intensidade gravitacional, valeria a fórmula antiga,newtoniana. Mas seria necessária uma outra descrição, mais ampla, para darconta do que acontecia a partir de um certo limiar.

A luz não tem massa, mas atravessa o espaço (e existe no tempo). Segundo afísica clássica, um de seus raios seria imune à gravidade. Mas não é isso o queacontece. A deformação do espaço explicava muito bem os fenômenos descritospara a luz sob a influência da gravidade.

A curvatura do espaço-tempo

As palavras do físico Michio Kaku, ditas ao final do século XX, representammuito bem o choque que deve ter sido a chegada da relatividade geral e sua novadescrição de nosso tema: “De certo modo a gravidade não existe; o que move osplanetas e as estrelas é a distorção do espaço e do tempo.”

Ou, ainda, tomando emprestada a excelente explicação do físico JohnArchibald Wheeler, “o espaço diz à matéria como se mover e a matéria diz aoespaço como se curvar”.

Tudo o que existe, matéria e/ou energia, está inserido no espaço-tempo. Ouseja, uma deformação espaçotemporal afeta a tudo e a todos, matéria e energia.Além disso, tal distorção espacial torna curvas as linhas retas euclidianas queesperaríamos encontrar. O raio de luz continua cumprindo sua missão depercorrer as geodésicas, menor caminho entre dois pontos; a única diferença éque as geodésicas não são mais linhas retas.

A diferença intrínseca entre as abordagens de Newton e Einstein pode sercomparada à diferença entre um ônibus e um trem, ao fazerem uma curva. Oônibus, como na gravidade de Newton, faz uma curva pois há algo agindo sobreele (no caso do ônibus, um motorista atuante, no caso de um planeta, a forçagravitacional exercida por uma estrela). Já o trem, como na gravidade deEinstein, não sofre força alguma; ele vai para onde o trilho o levar.

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A simples presença de um objeto (com massa e/ou energia) deforma oespaço-tempo à sua volta. Qualquer outro objeto (com massa e/ou energia) seráobrigado a existir nesse espaço-tempo curvo.

As consequências dessa interação, para massas e energias pequenas, podemser entendidas como uma força que atua à distância, diretamente proporcional àsmassas envolvidas, e inversamente proporcional ao quadrado da distância.

Mas, em última análise, a gravidade não é uma força! A gravidade é umadeformação do espaço-tempo.

E, como uma deformação espaçotemporal, a gravidade deve respeitar avelocidade-limite do Universo, a da luz. Uma alteração qualquer em uma massavai alterar a geometria circunvizinha. Mas a informação sobre essa alteração sepropaga pelo espaço com a velocidade da luz. Ou seja, os efeitos gravitacionais,segundo a relatividade geral, não são instantâneos.

O eclipse de 1919

Einstein não fez o que fez em busca de comodidade nem tampouco se pautavapor critérios estéticos. Ele buscava uma forma mais correta de descrever agravidade (e uma vez alcançado esse objetivo, viu-se que a nova explicação eramais cômoda e bonita).

Foi guiado por equações matemáticas complexas e um profundoentendimento de certos fenômenos físicos. Ainda assim, todas as novidades queapresentou não passavam de especulação até que fossem comprovadas. É assimque se constrói uma teoria.

(Diferentemente do que se costuma dizer coloquialmente — “Ah! Isso é sóuma teoria!” — uma teoria possui comprovação prática. Este é o métodocientífico consagrado desde os tempos de Galileu Galilei: surge uma ideia — ahipótese —, que pode ou não ser comprovada experimentalmente. Uma hipótesesó se transforma em uma teoria se há comprovação experimental de suasprevisões.)

Pois bem… Einstein havia construído um corpo vasto de conhecimento,culminando em uma nova explicação para a gravidade, mas essas novidadestodas careciam de uma comprovação prática. Aceitar uma ideia nova apenasporque ela é bela (ou porque faz sentido, ou porque foi dita por Einstein) não éuma atitude verdadeiramente científica.

A deflexão de um raio de luz só poderia ser mensurada nas proximidades deum campo gravitacional intenso. Nas proximidades da Terra, o campogravitacional mais intenso é o gerado pelo Sol. A maior esperança de se observaro desvio de um raio de luz seria flagrá-lo nas proximidades de nossa estrelacentral.

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O grande problema dessa ideia é que, via de regra, quando podemos observaro Sol não conseguimos observar mais nada. O dia está claro e todos os outrosobjetos celestes estão ofuscados pelo espalhamento da luz na atmosfera.

A não ser que tal observação seja feita durante um eclipse solar total…Já em 1914, antes da relatividade geral estar pronta e publicada, Einstein já

sabia que a observação de astros na borda do Sol, ou seja, próximos dele emtermos angulares (portanto, na mesma direção ao serem observados), duranteum eclipse poderia comprovar sua nova interpretação da gravidade.Infelizmente, a deflagração da Primeira Guerra Mundial impediu as mediçõesdo eclipse solar naquele ano (ocorrido em 21 de agosto, na região da Crimeia).Pela mesma razão, perdeu-se a oportunidade de obtenção de dados com oeclipse de 1916, visível da Venezuela.

Outra oportunidade perdida foi o fenômeno de junho de 1918, visto dosEstados Unidos. Apenas enfim em 1919 duas equipes inglesas foram formadaspara observar o eclipse de maio. Uma delas veio ao Brasil, ficando em Sobral, noCeará; a outra foi à Ilha de Príncipe, na costa da África.

As observações de estrelas angularmente próximas ao Sol, durante o eclipsede 1919 comprovaram não só as ideias de Einstein, mas também seus cálculos,pois os resultados obtidos empiricamente concordavam bem com os valorescalculados pela nova teoria da gravidade, a relatividade geral.

Em 7 de novembro de 1919, o jornal Times, de Londres, publicou a seguintemanchete, em sua página 12: “Revolução na Ciência — Nova Teoria do Universo—Derrubadas as Ideias de Newton.” Convém lembrar que Newton é uma daspersonalidades das quais os ingleses têm mais orgulho de serem compatriotas!

Quarenta anos depois, em um laboratório de Harvard, um outro efeitogravitacional sobre a luz, o desvio para o vermelho, seria finalmentecomprovado. Infelizmente Einstein já não estava mais vivo para receber a boanotícia…

A precessão do periélio de Mercúrio

Até agora, nos concentramos na luz e em sua interação com a gravidade,explicada enfim pela nova teoria de gravitação, a relatividade geral. Mas háoutras provas de que a teoria da relatividade geral realmente descreve osfenômenos gravitacionais.

Uma órbita ao redor do Sol, em forma de uma elipse, tem dois pontos deinteresse especial: o afélio (ponto mais distante do Sol) e o periélio (ponto maispróximo). Assim, cada um dos oito planetas do Sistema Solar tem muito bemdefinidos os seus respectivos periélios e afélios.

De nosso particular interesse é o periélio, pois sendo este o ponto de maior

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proximidade com o Sol, é lá que o planeta sofre mais intensamente os efeitosgravitacionais.

Em um mundo ideal, onde só existisse o Sol e um planeta, o periélio desteplaneta seria um ponto fixo no espaço. Seria, assim, um excelente “ponto departida” para a contagem orbital e poderíamos dizer que a cada nova passagempelo periélio uma nova órbita seria iniciada.

Mas em um sistema como o nosso, em que há outros corpos exercendogravidade (os próprios planetas, muitas luas, incontáveis asteroides), as órbitasdos planetas não são curvas fechadas (Sim, isso mesmo!) e o “ponto inicial” decada órbita, ou seja, o periélio, se desloca pelo espaço. Esse movimentochamamos de precessão do periélio.

A precessão do periélio dos planetas em geral pode ser bem explicada pelagravitação universal de Newton. Toma-se o planeta em questão (por exemplo, aTerra) e se calcula a interação gravitacional com o Sol; em seguida,acrescentam-se termos perturbativos, que representam os demais corpos doSistema Solar. Dessa maneira, é possível calcular, de forma newtoniana, aprecessão do periélio.

Mas esse método não funciona para Mercúrio. Antes da relatividade geral,explicava-se isso apelando para a existência de Vulcano, aquele outro planetaentre Mercúrio e o Sol. Este planeta, com sua gravidade, alteraria a precessão doperiélio do outro, explicando porque as observações não concordavam com oscálculos newtonianos. Além disso, e muito comodamente, Vulcano estaria tãopróximo do Sol que seria virtualmente impossível observá-lo a partir da Terra!Ainda assim, muitos astrônomos tentaram encontrá-lo no céu…

Com a nova teoria da gravidade, Einstein mostrou que a precessão do periéliode Mercúrio era exatamente o que deveria ser. Por ser o planeta mais próximodo Sol, Mercúrio sente sua gravidade de forma mais intensa. Assim, aaproximação newtoniana perde a validade e precisamos da relatividade geralpara explicar a interação gravitacional entre o Sol e Mercúrio.

Em resumo

Muitos dos resultados fantásticos que atribuímos a Einstein já eram vislumbradospor Newton. Com sua teoria corpuscular da luz, ele deixava claro que tambémum raio de luz deveria sofrer os efeitos da gravidade. Ou seja, a deflexão da luz eo desvio para o vermelho não são invenções de Einstein.

Mas a descrição de Newton para o raio de luz estava equivocada e, portanto,suas previsões não concordam com a realidade. Foi a elegante explicação deEinstein acerca da gravidade que permitiu casar observações e ideias.

Para campos gravitacionais fracos, podemos usar a gravitação universal de

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Newton sem medo de estarmos errando. Mas na presença de fortes camposgravitacionais, devemos lutar para nos aproximar ao máximo do que édemandado empiricamente pelos fenômenos. E, uma vez que é uma teoria maisampla, quem faz isso é a relatividade geral.

A gravidade não é uma força entre corpos. A gravidade é uma distorção doespaço-tempo, provocada pela presença de matéria e energia. Mas se sabemosisso com tanta certeza, inclusive com provas obtidas por observações, qual é,então, o problema da gravidade?

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4 | A GRAVIDADE DE MUITO LONGE

Noventa e cinco por cento do Universo estádesaparecido. Ou não?

MORDEHAI MILGROM

O bom e velho Isaac Newton

Não cansamos de dizer que Newton desvendou os segredos da gravidade. Mas jávimos que a explicação newtoniana deve ser entendida como uma aproximaçãoda realidade, válida para campos gravitacionais fracos. E, sabemos, um campogravitacional será fraco se tivermos pouca massa a gerá-lo ou, então, seestivermos muito longe da fonte.

Einstein mostrou que para campos gravitacionais intensos, a gravidadenewtoniana era falha. Mas, como já dissemos, sua nova teoria da gravidade nãodescartou os resultados newtonianos. Apenas deixou claro que eles eram umaaproximação — uma excelente aproximação no caso de campos pouco intensos!Ou seja, se quisermos estudar a gravidade que se propaga a grandes distâncias,podemos, sim, investir na teoria de Newton, pois ela comprovadamente nos trazresultados coerentes e em conformidade com as observações,independentemente de não ser o que consideramos uma descrição correta darealidade física.

Apenas para fugirmos da prova clássica da validade da aproximaçãonewtoniana — a previsão teórica da existência de Netuno e sua posteriordescoberta —, convém lembrar outra vitória teórico-observacional: o cometaHalley.

Ele foi o primeiro corpo celeste desse tipo a ser reconhecido como periódico,e talvez por isso seu nome seja praticamente sinônimo de cometa. O Halleypoderia ser considerado o “primeiro” cometa. Seu nome é uma justahomenagem ao astrônomo inglês Edmond Halley.

Halley, conterrâneo e contemporâneo de Newton, talvez tenha sido um dosprimeiros astrônomos a incorporar a lei da gravitação universal em seu cotidianocientífico. Nada mais natural, pois havia sido Halley que convidara Newton aexplicar o problema das órbitas planetárias; também foi ele que patrocinou aprimeira edição do Principia.

Acreditando que os cometas observados em 1531 e 1607 eram na verdade omesmo objeto, Halley usou o novo conhecimento acerca da gravidade paraprever seu retorno em 1758, prescrevendo uma periodicidade de 76 anos. O

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cometa de fato retornou, tendo sido avistado pela primeira vez no dia de Natal doano previsto por ele. Infelizmente, Edmond Halley já não estava mais vivoquando isso aconteceu, mas seu nome foi imortalizado no cometa em questão…

A formação do Sistema Solar

O Sistema Solar formou-se há cerca de 5 bilhões de anos, por um processorepetitivo chamado pelos cientistas de acresção. Este termo é derivado do inglêsaccretion, que significa “acréscimo” (ou, mais especificamente, “crescimentoregular”), quer dizer, pressupõe uma soma.

Havia aqui em nossa vizinhança uma grande nuvem de gás e poeira, como hánuvens deste tipo em tantas e tantas outras regiões do espaço. No interior dessanuvem, pequenos grumos de matéria se formam e se desmancham, de maneiraaleatória e imprevisível.

Alguns desses aglomerados perduram mais que outros. E, sabemos, matériagera gravidade. Portanto, estes pequenos blocos de matéria no interior da nuvempassam a atrair mais matéria para si, gerando mais gravidade e atraindo cadavez mais matéria. Este é o processo de acresção.

O maior bloco de todos, formado em qualquer parte da nuvem, de formaaleatória, passa a ser o “centro” desse sistema que está nascendo. No caso denossa vizinhança, esse maior bloco deu origem ao Sol. Blocos menores passarama orbitar a estrela central: os planetas. Objetos ainda menores deram origem aosasteroides, meteoroides, cometas e satélites. Tudo isso regido pela força dagravidade!

As galáxias

Em uma escala maior, podemos reproduzir esse cenário para explicar a formadas galáxias. Galáxias são conjuntos de centenas de bilhões de estrelas,organizadas em uma forma coerente pela força da gravidade. A forma maisfamosa de uma galáxia é a espiral, embora haja outras. A nossa galáxia, a ViaLáctea, tem forma de espiral.

(Por conta deste formato achatado, nós, que estamos dentro da Via Láctea, avemos no céu noturno como uma extensa faixa esbranquiçada. Por isso mesmoela ganhou seu nome, que significa “caminho de leite”. O próprio termo galáxia,aliás, partilha essa origem etimológica, laktos, leite.)

Ainda não é sabido se as galáxias se formaram antes das estrelas (o quechamamos de formação top-down) ou se as estrelas se formaram antes dasgaláxias (bottom-up). Na primeira hipótese, gigantescas nuvens de gás se

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separaram em blocos distintos no Universo jovem e a partir dessas grandesnuvens (para o modelo, já denomináveis de galáxias), as estrelas começaram anascer. Na segunda hipótese, as estrelas surgiram homogeneamente no Universoe lentamente foram se organizando em estruturas gigantescas.

De um jeito ou de outro, sabemos que as galáxias mantêm suas formascoerentes devido à interação gravitacional de seus constituintes.

Uma típica galáxia espiral deveria funcionar como um “mega” SistemaSolar: uma grande massa ao centro, orbitada por massas menores. Em vez determos uma estrela central e planetas em volta, temos, possivelmente, um buraconegro ao centro da galáxia, cercado por um congestionamento de estrelas muitopróximas umas das outras ao centro (o que chamamos de núcleo galáctico).Girando ao redor desse núcleo, as massas menores (que seriam os planetas doSistema Solar) são as outras estrelas, centenas de bilhões delas.

Isso tudo é muito bem conhecido, obedecendo à gravitação universal de IsaacNewton. Ou não?

Curvas de rotação

Diferentemente de um velho disco long-play sobre a bandeja de uma vitrola, agaláxia não é um corpo rígido. O LP deve, ele todo, girar com uma mesmavelocidade angular. Isso quer dizer que cada ponto do disco de vinil levaexatamente o mesmo tempo para dar uma volta completa ao redor do eixocentral. E, sendo assim, as partes externas do disco necessariamente têm umavelocidade linear maior. Afinal, por estarem na borda do disco, estes pontos têmque percorrer uma distância maior para completar uma mesma volta ao redordo eixo de rotação.

Resumindo, um corpo rígido que gira possui uma velocidade angularconstante e velocidades lineares diferentes, maior velocidade quanto maisafastado seja o ponto em relação ao centro. Um gráfico que exprima isso égenericamente chamado de curva de rotação.

Mas a galáxia não é um corpo rígido. As estrelas giram ao redor do núcleodevido à gravidade e, quanto mais afastadas estiverem, menor será a influênciado campo gravitacional. Assim, as estrelas mais afastadas devem girar ao redordo núcleo com velocidade linear menor.

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Em um corpo rígido que gira ao redor de um eixo, quanto mais nosafastamos do centro, maior será a velocidade linear de rotação. Ou

seja, a velocidade cresce com a distância.

O núcleo da galáxia, devido a sua alta densidade estelar, deveriafuncionar como um corpo rígido. Mas, ao sairmos do núcleo, estamos

nos afastando da concentração de massa e, portanto, a forçagravitacional deveria diminuir. Com isso, a velocidade linear dos

objetos galácticos deveria diminuir com a distância. Ou seja, quantomais longe do centro da galáxia, menor a força da gravidade sentida e,

portanto, menor a velocidade.

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Estranhamente, a curva de rotação observada para a galáxia é bastantediferente do que era esperado…

De fato, o núcleo da galáxia se comporta como um corpo rígido. Mas,estranhamente, o restante não apresentou o comportamento esperado.

A velocidade linear permanece constante, dando origem a duashipóteses: ou a lei da gravidade está errada (MOND) ou há matéria que

não estamos vendo (matéria escura).

Matéria escura

A curva de rotação de algumas galáxias espirais foi observada na década de1970. Feitas e refeitas as medições, o resultado era intrigante. A velocidade linearconstante observada nas estrelas do disco galáctico deixava claro que algumacoisa estava errada com o cálculo teórico da influência gravitacional nessesobjetos.

A estranheza desse resultado fortaleceu uma ideia inovadora que havia sidoproposta em 1933 pelo cosmólogo búlgaro naturalizado americano Fritz Zwicky.Atacando um problema de natureza cosmológica que foge aos objetivosprincipais deste livro, ele havia sugerido a existência de algo que, por falta de umnome melhor, ficou conhecido como “matéria escura”.

Isso nada mais é do que algo que produz um campo gravitacional massimplesmente não pode ser observado. Não precisa ser necessariamente algomuito estranho, distante da nossa realidade, pois um corpo frio, longe de qualquerfonte luminosa, produzirá um campo gravitacional, mas não poderá ser detectado

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empiricamente.Aproveitando a ideia original de Zwicky, cogitou-se a existência de matéria

escura permeando as galáxias. Assim, os cálculos teóricos estariam equivocadossimplesmente porque nunca levaram em conta a quantidade real de massaexistente. Os cálculos feitos até então se utilizavam apenas da massa visível.

A matéria escura não deixa de ser uma solução confortável para umproblema aparentemente complicado. Postula-se a existência de algo que não sevê, mas produz efeito gravitacional, e, com isso, explica-se a curva de rotaçãoaparentemente estranha de uma galáxia. Em resumo: a curva de rotaçãoobservada não é estranha; ela reflete a existência da matéria escura. E quantamatéria escura existe em cada galáxia? Ora, o suficiente para explicar cadacurva de rotação!

MOND

Do ponto de vista teórico, a matéria escura pode ser entendida como umasolução platônica, que visa salvar um fenômeno observado, adicionando umelemento complicador a uma teoria, apenas para preservá-la por motivossentimentais.

Descontente com este tipo de solução, o físico israelense Mordehai Milgromcriou, em 1983, a MOND, sigla em inglês de “dinâmica newtonianamodificada”. Essa ideia altera a segunda lei de Newton, que relaciona a forçasofrida por um objeto com a aceleração resultante. Como para Newton agravidade é uma força, qualquer coisa que altere a segunda lei da dinâmicaaltera também a gravidade!

Ou seja, segundo a MOND, a gravidade newtoniana é uma aproximação darealidade que perde sua validade não somente em pequenas distâncias, mastambém nas grandes.

Para pequenas distâncias, a relatividade geral descreve melhor a interaçãogravitacional. Para grandes distâncias, precisaríamos da MOND. O que Milgromdefende é que a partir de um certo limite, a interação gravitacional não seguemais a regra newtoniana. Uma nova fórmula matemática deveria ser usada e,segundo sua prescrição, essa nova fórmula explica muito bem a curva de rotaçãode uma galáxia espiral.

A MOND é, obviamente, uma outra forma de salvar um fenômeno. Elaconcorda muito bem com os dados observados, mas não há uma razão físicasubjacente para explicar porque a fórmula original newtoniana deve sermodificada a partir de um certo limite.

Entre a MOND e a matéria escura, a comunidade científica em sua maioriapreferiu preservar a dinâmica newtoniana e procurar pela matéria escura, algo

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que não se vê e pode ou não estar lá…No contexto deste livro, porém, a MOND se mostra mais interessante, pois

mexe diretamente com a gravidade. Ainda assim, veremos que essa discussão éofuscada por um problema ainda maior em relação à gravidade. Mas parafalarmos disso, precisaremos antes investir nosso tempo em um breve interlúdioquântico.

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5 | UM POUCO DE FÍSICA QUÂNTICA

Um físico é a forma que o átomo encontrou paraentender sobre os átomos.

GEORGE WALD

A-tomos

O “a” de átomo é o mesmo de atemporal, amoral e apartidário: é um prefixo deorigem grega que exprime privação ou negação. Um átomo é algo que nãocomporta tomos, portanto. Ou, em linguagem mais coloquial, é algo que nãopode ser dividido.

Esse termo foi criado na Grécia Antiga por filósofos que ficaramcoletivamente conhecidos como atomistas. Os principais representantes destacorrente de pensamento foram Demócrito e Leucipo.

O atomismo defendia que tudo à nossa volta era composto por pequenaspartículas indivisíveis que, combinadas de diferentes maneiras, resultavam nascoisas do mundo.

De encontro a essa ideia, veio o paradigma aristotélico do princípioquaternário. Para Aristóteles, tudo era feito de diferentes combinações de quatroelementos apenas: a terra, a água, o ar e o fogo.

Graças à força intelectual de Aristóteles, o atomismo foi relegado a umamera curiosidade filosófica durante quase dois mil anos!

Mas o modelo experimentou alguns ressurgimentos esporádicos ao longo dosséculos, especialmente na época da Renascença. Giordano Bruno e GalileuGalilei foram atomistas, embora com diferentes graus de convicção. Na França,por essa mesma época, podemos citar René Descartes e o padre católico PierreGassendi; já na Inglaterra, temos Robert Boy le e o incomparável Isaac Newton(que, como já vimos, acreditava que até a luz era feita de partículas!).

Em particular, a mecânica newtoniana concedeu um novo fôlego aoatomismo, pois uma vez entendidos os processos cinemáticos e dinâmicos doscorpos em movimento, esperava-se que todos os outros processos da naturezapudessem ser explicados por meio de choques, colisões e aproximações dessescorpúsculos materiais…

Apesar de tudo, porém, os átomos eram apenas uma ideia simpática.

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Átomos

A diferença, neste livro, entre um a-tomo e um átomo é simples. O a-tomo é umaideia, um conceito. O átomo é algo real. A-tomos começaram a se transformarem átomos no começo do século XIX, com o trabalho de John Dalton.

Analisando experimentos próprios e de outros cientistas, Dalton concluiu que“cada partícula de água é igual a cada outra partícula de água, cada partícula dehidrogênio é igual a cada outra partícula de hidrogênio…”. Somando-se a issouma afirmação de Lavoisier (“Um elemento é uma substância que não pode sersimplificada”), Dalton concluiu que cada elemento era formado por um átomodiferente!

Diferentemente da enxurrada de ideias atomistas antes de Dalton, suaformulação permitia experimentações, pois entre outras coisas, Daltonapresentava uma novidade: átomos de diferentes elementos se combinavam paraformar substâncias compostas. Isso possibilitava a reprodução de certosresultados em laboratório, tornando sua hipótese uma teoria.

Os átomos, conforme descritos por Dalton, eram reais. E sendo reais, elesretornaram à física pela porta da frente. Se os compostos químicos eram feitosde corpúsculos materiais, suas propriedades observáveis deveriam ser umreflexo do comportamento microscópico de seus constituintes básicos. A pressãode um gás, por exemplo, seria a “tradução” dos choques das partículas contra orecipiente que o contém. Isto é a teoria cinética dos gases.

(O precursor da teoria cinética dos gases foi, na verdade, Daniel Bernoulli.Em 1738, ele já dizia que certas propriedades dos gases poderiam ser explicadaspor meio do intrincado movimento coletivo de suas partes constituintes,microscópicos corpúsculos materiais. Mas como nessa época os átomos nãoeram considerados como algo real, mas sim uma analogia simplificadora, asideias de Bernoulli permaneceram adormecidas por muito tempo.)

A realidade do átomo prescrita por Dalton e as previsões coerentes feitas pelateoria cinética dos gases culminaram no que hoje chamamos de mecânicaestatística: a explicação de fenômenos macroscópicos como um“comportamento de manada” de certos constituintes microscópicos. Asprimeiras formulações da Mecânica Estatística foram feitas por LudwigBoltzmann e James Clerk Maxwell.

Tomos

Os átomos propostos por Dalton e usados por Maxwell podiam ou não ser reais.Isso, aparentemente, era uma questão de foro íntimo para diferentes cientistas.Independentemente dessa escolha puramente estética, não restava dúvida de que

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os átomos eram, no mínimo, uma ferramenta útil para explicar certosfenômenos.

Mas seriam eles de fato indivisíveis?Segundo o conhecimento vigente, o mais leve de todos os átomos era o átomo

do hidrogênio, primeiro elemento na tabela periódica criada por DmitriMendeleiev em 1869. Mas, em 1897, o físico inglês J.J. Thomson descobriu, emum experimento que envolvia a eletricidade sendo transmitida por um tubo devácuo, uma partícula material mais leve que o mais leve dos átomos!

Thomson poderia ter interpretado seu resultado como a descoberta de umátomo mais simples do que o hidrogênio. Mas já se sabia que cada átomocorrespondia a um elemento químico, e não se conhecia elemento químico maissimples que o hidrogênio! Muito corretamente, Thomson concluiu que a partícularecém-descoberta não era um átomo em si. Era, na verdade, parte de um átomo.

Em outras palavras, os átomos não são indivisíveis. Os átomos não são a-tomos! Ou, ainda, usando as palavras de Thomson: “o átomo químico é feito deum conjunto de átomos primordiais”. Este “átomo primordial” encontrado porThomson foi batizado de “elétron” por George Fitzgerald. Esse nome foi umresgate de uma ideia teórica de George Stoney, apresentada em 1891 àAcademia de Ciências de Dublin, defendendo a existência de uma partícula que“carregava” a eletricidade.

As medições feitas por Thomson mostravam duas coisas: os elétrons tinhamcarga elétrica negativa e massa muito inferior (cerca de um milésimo) do átomomais simples conhecido (o átomo de hidrogênio). Defendendo ainda a ideiaatomista, Thomson postulou a existência de um outro tipo de corpúsculo, semprecom carga positiva e com massa muito maior que a do elétron. Batizou-o de“próton”, usando o prefixo grego “pro” (“primeiro”).

A união de prótons e elétrons permitia a existência de átomos sem cargaelétrica e com massa bem maior que a de seus constituintes básicos (prótons eelétrons, ou “átomos primordiais”, nas palavras de Thomson).

Sem saber o quanto estava próximo da verdade, Thomson abandonou essaideia e passou a defender o que hoje aprendemos na escola como “modelo dopudim de passas”: um corpo sólido com carga positiva salpicado em seu interiorde pequenos elétrons de carga negativa (as “passas”).

Retrato falado de um átomo

Não podemos ver um átomo, mesmo com os mais modernos aparelhos. Maspodemos sim descrevê-lo. O primeiro modelo físico do átomo, que levava emconta o fato de que era composto por pedaços menores do que si, ou seja, de queum átomo não era um a-tomo, foi feito por J.J. Thomson.

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Mas no modelo de Thomson, os elétrons ficavam confinados no interior deum átomo maciço, o que tornava bastante difícil explicar como eles selibertavam para, entre outras coisas, transportar a eletricidade. Afinal de contas,o átomo não deveria ser algo frágil e fácil de ser quebrado, pois é ele quecompõe tudo o que existe…

Um novo modelo atômico foi apresentado em 1910 por Ernest Rutherford,motivado por incríveis resultados experimentais. Rutherford e seus auxiliaresbombardearam uma fina lâmina metálica com partículas alfa (idênticas a umátomo de hélio, só que sem os elétrons). Essa lâmina era preparada paraevidenciar o choque entre as partículas, emitindo uma tênue luminescência.

Para surpresa dos cientistas, grande parte das partículas alfa (as “balas decanhão”) passava pela lâmina (a “parede”) como se nada houvesse ali. Emcompensação, cerca de uma bala em cada grupo de oito mil encontravam naparede um obstáculo tão sólido e irremovível que tinham seu trajeto alterado emquase 180 graus (ou seja, batiam na lâmina e voltavam)!

Após inúmeras experiências com diferentes materiais, Rutherford concluiuque os átomos componentes da lâmina-alvo eram essencialmente vazios.Possuíam um núcleo central sólido, extremamente denso e resistente, compostopelas partículas de carga positiva (os prótons); ao redor deste núcleo, orbitavamcomo em um minissistema solar os elétrons, partículas muito mais leves e comcarga elétrica negativa. Entre elétrons e o núcleo, havia nada.

Rutherford postulou ainda a existência de partículas sem carga elétrica, quechamou de nêutrons, que poderiam existir no núcleo atômico juntamente com osprótons. Os nêutrons só foram de fato descobertos em 1932, por James Chadwick.

Representação clássica do átomo de Rutherford (depois incorporadapor Bohr): um núcleo extremamente denso orbitado por elétrons.

O modelo atômico de Rutherford tornou-se o paradigma do que seja um

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átomo e é hoje considerado um signo forte e independentemente reconhecidopor grande parte da população mundial.

Mas está muito longe de descrever a realidade.

Um modelo irreal

Antes de chegarmos ao atual modelo atômico, convém entender o que há deerrado com o modelo de Rutherford…

Se compararmos o átomo de Rutherford a um Sistema Solar, a forçaeletromagnética entre elétrons e o núcleo faz as vezes da gravidade. Aintensidade da força eletromagnética, porém, é muito maior do que a intensidadeda força da gravidade. Para um elétron manter sua órbita ao redor de um núcleocomplexo (composto por vários prótons, por exemplo), sua velocidade orbitaldeveria ser superior à velocidade da luz. E isso, sabemos, é impossível!

Há um outro problema, mais complexo em sua natureza e, paradoxalmente,mais fácil de ser contornado. Elétrons, como qualquer outra partícula que possuacarga elétrica, irradiam energia ao sofrer qualquer tipo de aceleração. Umelétron em órbita do núcleo está sendo constantemente acelerado e, portanto,deveria irradiar energia permanentemente…

Ora, a quantidade de energia de um elétron é limitada. Se ele estiverconstantemente irradiando energia, acabará sem nenhuma! E um elétron semenergia simplesmente não deveria realizar movimento algum.

O modelo atômico de Rutherford simplesmente não é estável.

Átomos de energia

A estabilidade do modelo de Rutherford pode ser recuperada se considerarmosque as emissões eletromagnéticas são quantizadas. Isso quer dizer que, assimcomo a matéria é composta por unidades indivisíveis, também a energia é feitade a-tomos.

Essa ideia surgiu pela primeira vez no trabalho do físico alemão Max Planck,de 1900, para explicar resultados obtidos experimentalmente com um corponegro.

Corpo negro é um nome genérico que os físicos usam para descrever umobjeto que absorve toda a radiação que sobre ele incida. Tal objeto, umaidealização teórica, pode ser simulado em laboratório por meio de um corpo ocodotado de um orifício. A radiação entra pelo pequeno buraco e fica aprisionadano interior. Por isso mesmo, a radiação de corpo negro também é chamada deradiação de cavidade.

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Assim como absorve todos os comprimentos de onda, um corpo negro,quando saturado de energia, passa a emitir todos os comprimentos de onda.Experimentos feitos no final do século XIX mostravam que a emissão de umcorpo negro não correspondia ao que era previsto pela teoria.

Planck só conseguiu explicar teoricamente as emissões medidas para umcorpo negro ao postular que a energia não era uma grandeza contínua,infinitamente divisível, mas sim uma grandeza discreta, um conjunto de blocosmínimos que compunham um todo.

Assim como os átomos materiais da teoria cinética dos gases, os átomosenergéticos de Planck foram vistos, inicialmente, como um mero artifício teóricoque ajudava a calcular resultados de laboratório. Mas já em 1905, Einstein usouessa ideia de Planck para finalmente explicar os estranhos resultados obtidos emexperiências com o efeito fotoelétrico.

O efeito fotoelétrico

Ao mostrar que era possível produzir, a partir de correntes elétricas variáveis,ondas eletromagnéticas que viajavam pelo espaço sem o auxílio de nenhummeio material, Heinrich Hertz corroborou a teoria de Maxwell acerca danatureza da radiação.

Mas o experimento de Hertz caminhava nos dois sentidos, mostrando tambémque ondas eletromagnéticas, ao atingir certos materiais, produziam correnteselétricas variáveis. Este fenômeno é, em suma, o efeito fotoelétrico.

Com a descoberta do elétron, ficou fácil entender o que estava se passandoem nível microscópico. Uma onda eletromagnética atingia um determinadoátomo, conferindo energia aos elétrons, que se desprendiam e passavam a semovimentar em uma certa direção, formando uma corrente elétrica.

A quantidade de elétrons que percorria o material (isto é, a intensidade dacorrente) era proporcional à intensidade da radiação incidente. Mas, para asurpresa de todos, uma mudança na cor da radiação (ou seja, no comprimentoda onda incidente e, portanto, na quantidade de energia que ela fornecia) nãocausava resposta semelhante.

Isso só veio a ser explicado por Einstein, em 1905, usando a hipótese daquantização de energia. A radiação é feita de a-tomos. Ao incidir em um materialsensível, estes a-tomos de energia são absorvidos pelos elétrons; esses elétronsganham, cada um, um único pacote de energia, suficiente para que se libertemdo átomo e saiam em disparada.

Uma luz mais intensa significa mais pacotes de energia e, portanto, maiselétrons saindo em disparada. Um elétron se satisfaz com um e apenas umpacote de energia e, portanto, não pode ser “ganancioso” e absorver dois ou três

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pacotes… Ou seja, conforme o observado, um aumento na intensidade da luzincidente, aumentava o número de elétrons libertados.

Uma mudança na cor incidente (ou seja, no comprimento de onda daradiação) altera não a quantidade de pacotes, mas sim o conteúdo de cadapacote. Ou seja, o número de pacotes permanece o mesmo e, portanto, onúmero de elétrons “presenteados” também.

Para essa explicação fazer sentido, é necessário que pensemos na energiacomo sendo formada por unidades mínimas, os “pacotes” ou quanta de luz. Aenergia é quantizada. Posteriormente, estes átomos de energia foram batizadosde fótons.

A natureza é dual

Thomas Young, no começo do século XIX, provou sem sombra de dúvida que aluz era um fenômeno ondulatório. Planck e Einstein, na virada do século XIXpara o século XX, mostraram, também sem sombra de dúvidas, que a luz eracomposta por partículas.

Afinal de contas, a luz é feita de ondas ou partículas?A resposta é clara. A luz é feita de ondas. E a luz é feita de partículas. A

natureza da luz é dual. Se quisermos provar que a luz é uma onda, bastarepetirmos a experiência de dupla fenda feita por Young. Se quisermosdemonstrar que a luz é, na verdade, um feixe de partículas, basta estudarmos ummaterial fotoelétrico.

A verdadeira natureza da luz depende de como a investigamos. Essa é umadas primeiras estranhezas reais que nos traz a mecânica quântica: o observadorinterfere com o observado.

E como já sabemos que energia e massa são intercambiáveis, nada maisnatural que pensarmos que também a matéria é dual. Ou seja, tudo à nossa volta,em um nível microscópico, pode ser entendido como sendo feito de partículas oude ondas.

O príncipe francês Louis de Broglie calculou o que hoje chamamos de“comprimento de onda de De Broglie” em 1924. Para cada partícula material,microscópica ou não, há um comprimento de onda associado. Esse comprimentode onda é extremamente pequeno e, quando falamos de corpos macroscópicos,ele pode ser desprezado. Mas as partículas elementares são pequenas o suficientepara se confundirem com seus próprios comprimentos de onda e, portanto, têmuma natureza tão dual quanto o raio de luz.

Em 1927, George Thomson, filho de J.J. Thomson, conseguiu realizar umaexperiência de dupla fenda (típica de Thomas Young) usando feixes de elétrons,em vez de feixes de luz. Trinta anos após seu pai provar que o elétron era uma

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partícula, George Thomson provou que o elétron era uma onda!

Retrato falado de um átomo — Parte II

De volta ao modelo de um átomo, vimos que as constantes irradiações de umelétron permanentemente acelerado ao redor de um núcleo atômico dariamorigem a um átomo instável. Esse era o modelo de Rutherford.

Como já falamos antes, a estabilidade do modelo de Rutherford pode serrecuperada se considerarmos que as emissões eletromagnéticas são quantizadas.Quem fez isso foi o físico dinamarquês Niels Bohr. O átomo de Bohr, uma junçãodo modelo de Rutherford e da quantização da energia, é o que grande parte dapopulação pensa ao ouvir falar em “átomo”.

Bohr construiu seu modelo a partir de quatro postulados. Em primeiro lugar,ele admite que um elétron, em um átomo, se move em uma órbita circular emtorno do núcleo sob a influência da atração eletromagnética entre o elétron e onúcleo, obedecendo às leis da física clássica. Isso Rutherford já dizia…

Com o segundo postulado, Bohr tenta salvar os fenômenos, no melhor estiloplatônico! Ele afirma que em vez da infinidade de órbitas que seriam possíveis deacordo com a física clássica, um elétron só pode se mover em algumas órbitaspredeterminadas, nas quais a quantidade de movimento ao redor do núcleo (omomento angular orbital) é um múltiplo inteiro de uma certa constante (não poracaso, chamada de “constante de Planck”).

Ora, Bohr parece não saber o que quer! Se no primeiro postulado ele afirmaque um elétron em órbita obedece às leis da física clássica, logo em seguida elese contradiz e introduz a estranheza quântica para tornar seu modelo de átomoestável! Mas independentemente da lógica por trás disso, o modelo de Bohrparecia funcionar muito bem…

O terceiro postulado afirma que um elétron em órbita, mesmo estando emconstante aceleração, simplesmente não emite radiação eletromagnética! E, porfim, o quarto postulado apresenta as regras de como fazer um elétron mudar deórbita: sempre lhe concedendo (ou retirando) uma quantidade de energia queseja um múltiplo inteiro da constante de Planck. E, ainda, esse último postuladotem a audácia de afirmar que a mudança de órbita é descontínua! Ou seja, seum elétron vai “subir” para uma órbita mais afastada, ele não sobe aos poucos,deixando sua órbita original rumo à órbita final. Ele simplesmente desaparece desua órbita original e aparece na nova órbita!

Bohr tinha total consciência da estranheza que estava introduzindo ao modeloatômico e em alusão à mecânica quântica deixou uma frase bastante profética:“Qualquer um que não se choque com a mecânica quântica é porque não aentendeu.”

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Mas por mais confortável que seja adotarmos o modelo de Bohr, uma simplesanálise de seus postulados, que se contradizem e misturam conceitos clássicoscom conceitos quânticos, nos compele a procurar algo diferente que explique oátomo…

Probabilidades

Chegamos enfim ao que se costuma chamar de “segunda quantização” ou“segunda revolução quântica”: os trabalhos de Erwin Schrödinger e WernerHeisenberg.

A “primeira quantização” começou com Planck. Passou por Einstein, que aconsolidou em relação à energia, e por Bohr, que fez o mesmo em relação àmatéria. Tudo parecia perfeito, pois matéria e energia, já se sabia, eram lados deuma mesma moeda. As ideias de De Broglie ratificavam acomplementaridade…

O trabalho de De Broglie inspirou Schrödinger a tratar as partículasmicroscópicas como “ondas de probabilidade”. Na visão de Schrödinger, umelétron jamais deveria ser tratado como uma partícula puntiforme, que respeitaas leis de movimento enumeradas por Newton. Um elétron, e qualquer outrapartícula microscópica, deveria ser entendido como uma “função de onda”, cujaamplitude revelaria a probabilidade da partícula estar realmente naquelaposição!

Complicado? Nem tanto… Um elétron (ou qualquer outra partícula) não deveser visto como uma “bolinha”. Ele deve ser entendido como uma onda que seestende por todo o Universo. A crista da onda representa o lugar, no Universo,onde o elétron tem a maior probabilidade de ser “observado” (medido). Assim,se montarmos cuidadosamente um experimento que divida a função de onda deum elétron em duas cristas iguais, teremos um elétron que tem probabilidade de50% de estar em dois lugares distintos!

Schrödinger defendia que a medição (“observação”) de uma partículaacabava interferindo em seu comportamento real, pois o ato da “observação”fazia com que a função de onda mudasse de formato, como que “escolhendo”um lugar para o elétron ser “observado”. Ele ilustrava a estranheza deste fatomuito bem através de seu célebre exemplo, o gato de Schrödinger.

Imaginemos um gato dentro de uma caixa fechada. Nessa caixa, há umfrasco com um poderoso veneno. E esse frasco está ao alcance de um martelo,conectado a um determinado circuito. Este circuito será acionado se detectar apassagem de um elétron. Se a função de onda desse elétron em particular forbipartida (ou seja, apresentar duas cristas idênticas), há uma probabilidade de50% de o circuito ser acionado, o martelo quebrar o frasco, o veneno ser liberado

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e o gato morrer. Mas há uma probabilidade de 50% de o gato estar vivo! Ou seja,o gato se encontra em uma curiosa situação que chamamos de “superposição deestados”. O gato está vivo-morto (ou morto-vivo).

Ao abrirmos a caixa (fazendo a medição), veremos de fato o que aconteceuao gato. Mas, antes disso, não podemos afirmar se o gato está vivo ou se o gatoestá morto!

Esse tratamento certamente explica a misteriosa “transição descontínua” deórbitas eletrônicas, exigida pelo quarto postulado de Bohr… E foi este tratamentoprobabilístico que fez Einstein romper com a mecânica quântica e proferir suacélebre frase: “Deus não joga dados com o Universo.”

Incerteza

Mais estranho que o trabalho de Schrödinger são as ideias de Heisenberg.Enquanto Schrödinger inventava gatos mortos-vivos e passava a tratar aspartículas como nuvens de probabilidade, Heisenberg enunciou seu famosoprincípio de incerteza.

Arthur Eddington, o astrônomo que liderou uma das equipes que observou oeclipse de 1919 e comprovou a relatividade geral, resumia muito bem o princípioda incerteza: “Uma coisa desconhecida está fazendo algo que não sabemos.”

Simplificando (muito!) o que Heisenberg formulou, podemos afirmar que hácertas quantidades físicas que estão intrinsecamente ligadas entre si, em duplas, eque cada uma destas duplas só pode ser medida (“observada”) até certo ponto,nunca com absoluta certeza.

A posição de uma partícula e sua velocidade (na verdade, sua quantidade demovimento) formam uma dupla conectada pelo princípio de incerteza deHeisenberg. Se quisermos medir ambas as grandezas físicas, deveremos noscontentar com uma “estimativa”, ou seja, com uma probabilidade estatística,tanto da posição quanto da velocidade. Se, em vez disso, quisermos medir comprecisão absoluta a posição de uma partícula, nada poderemos saber de suavelocidade. Se obtivermos a velocidade exata, perderemos qualquer informaçãosobre sua posição.

O princípio de incerteza de Heisenberg deixa claro que, no mundo quântico,tudo deve ser tratado por meio de probabilidades, como também afirma amecânica ondulatória de Schrödinger. Trabalhando de forma independente, tantoSchrödinger quanto Heisenberg demonstraram que, diferentemente do queEinstein teria preferido, o Universo, em um nível microscópico, não édeterminista.

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Retrato falado de um átomo — Parte final

Estamos prontos, enfim, para descrever um átomo…O núcleo é algo relativamente fácil de entendermos: um amontoado de

partículas subatômicas (prótons e nêutrons) cuja função de onda tem uma cristaintensa na região que poderia ser descrita como o “centro” do átomo.

Isso quer dizer que a probabilidade de encontrarmos ali naquela região o queclassicamente entendemos como “núcleo atômico” é tão grande em relação aprobabilidade de encontrarmos o mesmo amontoado de partículas em qualqueroutra posição no Universo, que podemos, sem medo de errar, dizer querealmente há algo material no núcleo atômico.

Os elétrons, por outro lado, estão em constante movimento. E, para núcleoscomplexos (com muitos prótons) a força de atração eletromagnética é tãointensa que a velocidade orbital de cada elétron deveria ser maior que avelocidade da luz. Isso simplesmente não pode acontecer!

Mas acabamos de ver que os elétrons não são “bolinhas” que se movimentamao redor do núcleo atômico. Os elétrons são nuvens de probabilidade complexas,com diferentes picos de tamanhos variados, muitos dos quais com a mesmaamplitude. Assim, o “movimento” que o elétron faz ao redor do núcleo é umintrincado balé quântico de troca de posições, sempre ocupando os lugares ondesua função de onda é maior.

Não há elétrons orbitando o núcleo. Há uma complexa nuvem eletrônicaregida por regras de probabilidade que levam em conta a mecânica ondulatóriade Schrödinger e o princípio de incerteza de Heisenberg!

Essa é a melhor descrição de um átomo. E, mais uma vez, citando Bohr:“Quando o assunto é o átomo, a linguagem só pode ser usada como na poesia. Opoeta, também, não está muito preocupado em descrever os fatos, mas sim emcriar imagens.”

A mecânica quântica — Um resumo

O termo “quântico” tem aparecido com frequência em diferentes contextos. Amaior parte deles o usa de forma solta, impactante, mas longe de sua realidadefísica. Se respeitarmos seu real significado, o que queremos dizer quandodizemos que algo é “quântico”?

De acordo com as ideias da primeira quantização, algo é quântico quandoexiste em quantidades discretas. Os a-tomos, como pensados originalmente pelosfilósofos gregos, nos diziam que o mundo era quântico. Os números inteiros (nãofracionários) são quânticos. As pessoas são quânticas (não existe meia pessoa).Pães franceses, ao serem comprados, são quânticos (nunca vi uma padaria

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vender meio pão francês).A matéria e a energia são quânticas.Indo mais além, revisitando a segunda quantização, algo é quântico quando o

simples fato de se realizar uma observação altera o objeto observado. Citando ogrande Luis Fernando Verissimo: “Diz a mecânica quântica que as partículas secomportam de um jeito quando são observadas e de outro quando estão sós(como aliás, todos nós). E quem nos assegura que o Universo que está aí não écomo aí está quando ninguém está olhando? E que quando os astrônomos seviram do telescópio para a prancheta o Universo não faz uma careta?”

De acordo com a segunda quantização, uma turma escolar definitivamente équântica (crianças ou adolescentes, não importa, se comportam de formadiferente se sabem que estão sendo observadas). As pessoas são quânticas. E osrelacionamentos. E a sociedade como um todo (talvez isto explique o sucesso quecertos reality shows fazem na TV).

Neste sentido, também, a matéria e a energia são quânticas.E a gravidade? É quântica?

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6 | A GRAVIDADE DE MUITO, MUITO PERTO

Na física newtoniana, o problema de três corpos é difícil,mas o problema de dois corpos pode ser resolvido deforma exata; na relatividade geral, dois corpos sãocomplicados, mas um corpo pode ser resolvido de formaexata; na gravitação quântica o vazio é intratável!

FRANK WILCZEK

O inverso do quadrado da distância

Isaac Newton nos deu, em 1687, a receita para a gravidade em relação àdistância entre as massas. O dobro da distância acarreta em um quarto da força;o triplo, em um nono. Isso quer dizer que a gravidade é uma força proporcionalao inverso do quadrado da distância.

Mas já sabemos que a gravidade, de fato, não é uma força. A gravidade éuma deformação espaçotemporal; uma alteração na geometria local que entortaas geodésicas. Ainda assim, esses efeitos decrescem com a distância. Edecrescem exatamente com a mesma taxa prescrita por Newton! Ou seja, arelatividade geral também nos diz que a gravidade é inversamente proporcionalao quadrado da distância…

Eis aqui os pés de barro de um ídolo tão belo! Se a gravidade é inversamenteproporcional ao quadrado da distância, isso quer dizer que se diminuirmos adistância entre os corpos, os efeitos sentidos aumentarão. Quanto menor aseparação entre os objetos, maior a interação gravitacional.

O que aconteceria, então, se a distância entre dois objetos fosse a menorpossível, ou seja, zero? Ora, nesse caso, devemos dividir o produto das massas eda constante gravitacional por zero. A divisão por zero é uma abstraçãomatemática (ou, como dizia meu professor do ensino médio: “O décimoprimeiro mandamento é: ‘Não dividirás por zero’”). Um número, qualquernúmero, dividido por zero resulta em infinito. Ou seja, segundo nossa prescriçãooriginal, a “força” da gravidade deveria ser infinita!

O tamanho do infinito

A maioria esmagadora da população imagina o infinito como algo muito, muitogrande. Pois isso é errado! Então, o infinito seria muito maior que isso… Errado

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também! O infinito simplesmente não tem tamanho!O infinito é um conceito abstrato. E, como qualquer abstração, é bastante

difícil explicá-lo. Às vezes não percebemos isso, pois o termo “infinito”, bemcomo seu conceito, geralmente aparece em dois contextos: o coloquial, onde éusualmente um termo hiperbólico, significando algo realmente muito grande, e omatemático. Em nenhum dos dois contextos, o infinito nos parece abstrato. Masé.

Definir algo abstrato é sempre complicado. Há vários livros que se aventurampor esta seara. Particularmente recomendo Uma breve história do infinito, deRichard Morris, e Infinity and the Mind, de Rudy Rucker.

Vamos apenas tangenciar essa polêmica, insistindo em um ponto: o infinito éum conceito abstrato, bem diferente de algo simplesmente muito, muito grande.Se a força da gravidade se tornasse muito, muito grande, a física não teria omenor problema em lidar com ela. Mas em sua forma matemática, a gravidadecresce à medida que a separação entre os corpos diminui. E quando a separaçãoé inexistente, repito, a gravidade torna-se infinita.

A matemática se sente bastante confortável em lidar com conceitos abstratos,e com o infinito em particular. A física não. A física se propõe a descrever arealidade e, portanto, se frustra ao se deparar com grandezas infinitas. Descreveralgo real através de conceitos abstratos acaba por ser uma “não descrição”.

Uma “não descrição” de algo não nos satisfaz de maneira nenhuma!Precisamos, de algum modo, nos livrar dos infinitos. Isso é alcançado com umcerto sucesso através de um método chamado “renormalização”.

Normalização

Acho curioso notar que sempre quando falo em renormalização ninguém mepergunta sobre a normalização. A mim pareceria tão natural esse tipo dequestionamento! Uma renormalização deveria ser uma normalizaçãoacontecendo novamente (ou algo nesta linha de raciocínio…) e, portanto, euficaria muitíssimo curioso em saber o que é uma normalização, para começo deconversa!

Para entendermos o que é a normalização, devemos voltar a alguns resultadosda mecânica quântica. Sem problemas! A esta altura, já estamos bastanteconfortáveis com termos como “função de onda” e “princípio da incerteza”…

Vimos que segundo De Broglie, Schrödinger, Heisenberg e tantos outros,devemos pensar nas partículas microscópicas como ondas. Ou, maistecnicamente, como “funções de ondas”. Essas funções de onda representam aprobabilidade de encontrarmos tal partícula em uma certa região do espaço. Essainterpretação probabilística é conhecida modernamente como “interpretação de

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Copenhague” — e, como já dissemos, foi duramente combatida por Einstein.No fundo, no fundo, uma função de onda qualquer é uma fórmula

matemática que relaciona uma posição espaçotemporal (um lugar e um instante)a um valor (que representa a probabilidade daquela partícula em especial estarno lugar e no instante em questão). Simplificando muito, a função de onda é uma“tecla”, que uma vez apertada transforma um ponto espaçotemporal em umaprobabilidade. Simples assim.

Normalmente a função de onda de uma partícula é muito concentrada emuma certa região — justamente a de maior probabilidade de encontrarmos a talpartícula. Independentemente disso, é fato que a função de onda — qualqueruma! — espalha-se indefinidamente por todos os cantos do Universo. Seusvalores podem ser insignificantes, quase nulos, em regiões vastas, mas ela existeem todo lugar.

Se somarmos todos os valores da função de onda, infinitesimalmente, aolongo de todas as posições possíveis, deveremos obter um único resultado, paratodo e qualquer caso: um (ou 100%).

Mas por mais estranha que seja a função de onda de uma partícula qualquer,a soma infinitesimal de todos os seus valores ponto a ponto (o que em cálculochamamos de “integral”) terá valor unitário. Isso é uma propriedade matemáticachamada de normalização, e reflete o fato de que, dada uma partícula qualquer,a probabilidade de ela estar em algum lugar do Universo é de 100%. Simplesassim.

Resumindo: a normalização é uma propriedade que certas funções têm (nonosso caso, as funções de onda de partículas microscópicas) de produzirem, aolongo de todas as posições possíveis, somas infinitesimais unitárias. Ou, reiterandoo final do último parágrafo, a normalização reflete o fato de que uma partículatem 100% de probabilidade de estar em algum lugar do Universo.

Simples assim.

Desnormalizando o normalizado

Parece, então, óbvio que toda e qualquer função de onda seja normalizável, poisse tal função representa uma partícula, e qualquer partícula sempre terá 100% deprobabilidade de estar em algum lugar do Universo, a soma infinitesimal sempreterá valor unitário.

Infelizmente isso não é tão… simples assim.A natureza é muito mais complicada do que nossas equações (pequenas ou

grandes) podem descrever. Quanto mais nos aproximamos da realidade, maiscomplicado fica descrevê-la de forma matemática. Para isso, é muito comumusarmos o método das perturbações.

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O nome é autoexplicativo. Conhecemos bem o caso ideal: por exemplo, aatração gravitacional entre dois corpos, considerados isoladamente. Mas onde, noUniverso real, acharemos dois corpos, e nada além desse dois corpos? Em lugarnenhum! Sempre haverá outros corpos (pequenos ou grandes, próximos oudistantes) perturbando nosso sistema binário inicial.

O truque é supor que os demais corpos têm influência muito menor nosistema do que os dois corpos originais. Assim, podemos resolver um problemade perturbação. Resolve-se o problema idealizado, original, e, depois, adicionam-se as perturbações. Quanto mais e maiores forem as perturbações inseridas, maise mais as respostas obtidas se afastarão do resultado original.

Normalmente, as perturbações são representadas por um parâmetro qualquer(usualmente representada pela letra grega lambda, λ). Vamos imaginar que aenergia de um sistema ideal seja representada pela variável H0. Tal sistema,descrito através de uma perturbação de primeira ordem, teria a seguinte energia:H1=H0+λh. Aqui, o parâmetro λ é um número pequeno (menor que 1) que,multiplicado pela energia h, nos dá um valor a ser somado à energia inicial, H0.A energia do sistema é agora H1, um valor diferente da energia do sistema nãoperturbado.

Uma perturbação de segunda ordem seria escrita como H2=H0+λh1+λ2h2.Percebam que o segundo termo somado aparece um λ elevado ao quadrado, ouseja, é um número menor que o λ original (não custa lembrar ao leitor que umnúmero menor que um, quando multiplicado por ele mesmo, resulta em umnúmero menor ainda). Assim, a perturbação de segunda ordem é, como deveriaser, menor que a perturbação de primeira ordem. Quanto maior o número deperturbações, mais complicada fica a descrição do sistema, mas, esperamos,mais próxima da realidade ela estará.

E qual é o problema disso tudo?O problema é que a função de onda original de uma partícula tinha soma

infinitesimal unitária. Ela era normalizada. Mas se inserirmos perturbações,teremos que “desnormalizar” a função original e renormalizar a funçãoperturbada! Ora, se a função de onda perturbada é a que realmente descreve apartícula, é ela (e não a função de onda idealizada) que deve ser normalizada.Assim, teremos que fazer uma nova normalização. Teremos que fazer arenormalização!

Em resumo: toda vez que complicarmos algo que já estava funcionando acontento (ou seja, já tínhamos uma função de onda normalizada) deveremosrenormalizar a nova função, para que ela novamente passe a descrever arealidade.

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A eletrodinâmica quântica

O trava-língua que dá nome a esta seção é resumido por sua sigla em inglês:QED. Chamada por muitos de “a joia da física”, a QED é, na essência, umateoria de perturbação. Seu principal objetivo é tratar a interação de partículaseletricamente carregadas (sendo as mais simples de todas o elétron e o pósitron).O pósitron, vale uma digressão, é a antipartícula do elétron, ou apenas antielétron.Antipartículas compõem o que chamamos, no coletivo, de antimatéria. Ela foiprevista teoricamente por Paul Dirac, em 1930, e encontrada em laboratório porCarl Anderson dois anos depois.

Resumidamente, todas as partículas fundamentais que conhecemos têm“parceiras” de antimatéria. E o que é exatamente uma antipartícula? Uma irmãgêmea da partícula, com carga elétrica oposta. Assim, quando vemos umapartícula com as mesmas propriedades do próton, porém com carga negativa,sabemos que se trata de um antipróton. A antipartícula mais famosa é oantielétron e, talvez por isso, ela tenha recebido um nome próprio: pósitron.

É curioso notar que se todas as antipartículas possuíssem nomes próprios,provavelmente não daríamos tanta atenção a elas… Ou o leitor alguma vez sepreocupou com o píon? Ou o múon? Mas basta falar anti-qualquer-coisa que acuriosidade aumenta e ficamos intrigados. Mas voltemos à eletrodinâmica…

Pois, como esse nome já diz, estamos falando de algo que trata da dinâmicade partículas eletricamente carregadas. Dinâmica, não custa lembrar, é aquelaparte da mecânica clássica que lida com os movimentos não inerciais (napresença de forças e acelerações). Ou seja, a eletrodinâmica trata não só domovimento das partículas com carga elétrica, mas também de suas interações(as forças que umas exercem sobre as outras).

No século XIX, a eletrodinâmica tratava as interações entre as partículas pormeio do conceito de campo criado por Faraday. Mas com a chegada do séculoXX veio a quantização do campo eletromagnético e o conceito de fóton (umpacote de energia). Com isso, os campos mudaram de aspecto. Tornaram-se elespróprios entidades quânticas, compostas pelo que se convencionou chamar de“fótons virtuais”.

Os fótons reais compõem a radiação eletromagnética (todos os comprimentosde onda do espectro, dos raios gama às micro-ondas); os fótons virtuais (que,apesar do nome, existem também e, portanto, são reais!) compõem os camposeletromagnéticos, sentidos apenas por partículas que possuam carga elétrica.

Com os campos eletromagnéticos, responsáveis pela interação entre aspartículas eletricamente carregadas, sendo descritos de forma quântica, atravésde fótons virtuais, a eletrodinâmica clássica teve que evoluir, tornando-se aeletrodinâmica quântica em meados da década de 1920. Assim surgiu a QED.

Como qualquer outra teoria, a QED não nasceu pronta. Na verdade, ela veio

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ao mundo com um grave defeito: era, aparentemente, não normalizada.Fortemente vinculada ao princípio da incerteza de Heisenberg, a QED descreve ainteração de partículas eletricamente carregadas por meio de uma série infinitade perturbações, que faz uma soma ponderada de todas as possíveis posições equantidades de movimento envolvidas no processo. A soma infinitesimal de todasessas parcelas não só não tem valor unitário como tem valor divergente. Ela vaiao infinito. Ou, usando um termo consagrado entre os físicos, a teoria estoura.

É comum ouvirmos jogadores dizerem que vão se dedicar 110% a um novotime. O torcedor gosta de ouvir, mas sem dúvida os matemáticos torcem o narizpara isso. O máximo que algo pode ser é 100%. Mais de 100% já não é o “algo”original. Ele cresceu! Há coisas que realmente crescem… mas o máximo queuma probabilidade pode atingir é 100%. E a probabilidade de uma partícula estarem qualquer parte do Universo não pode ser maior que isso!

Richard Feynman, Julian Swinger e Sin-Itiro Tomonaga, na década de 1940,desenvolveram de forma independente alguns mecanismos matemáticos queeliminaram as quantidades infinitas que surgiam na QED original. Eles ganharamo prêmio Nobel de 1965 e, ao ser perguntado sobre o motivo de sua premiação,Feynman costumava dizer: “[Ganhei] por ter varrido alguns infinitos paradebaixo do tapete.”

A QED é renormalizável e, por isso mesmo, é considerada uma excelenteteoria para descrever a interação entre partículas eletricamente carregadas.

Gravidade não renormalizável

A renormalização, vista com imparcialidade, pode ser classificada como“matemágica”. Ora, uma teoria dá resultado infinito e de repente, por algumprocedimento matemático que pode ou não ter ficado claro para todos, osinfinitos simplesmente desaparecem! Muito conveniente…

Na verdade, a maior parte das descrições físicas da realidade não énormalizável. Se algo dá infinito, é infinito e pronto! Por isso mesmo arenormalização é uma ferramenta tão poderosa, pois sua aplicação é rara. Masquis o destino que as teorias que lidam com as forças fundamentais do Universofossem renormalizáveis. Ou pelo menos, a maior parte delas…

O eletromagnetismo, travestido de QED em tempos modernos, érenormalizável. E ambas as interações nucleares (chamadas de “força fraca” e“força forte”) também são descritas por teorias renormalizáveis. A única forçafundamental na natureza que, aparentemente, é descrita por uma teoria nãorenormalizável é justamente a força da gravidade, descrita pela relatividadegeral!

Não é à toa que batizamos a segunda parte deste livro de “A gravidade dos

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fatos”. Realmente é muito grave o fato de termos uma teoria não renormalizávela descrever a interação gravitacional…

Fosse a relatividade geral renormalizável, bastaria seguirmos os passos denossos antecessores que renormalizaram a QED. Chegaríamos à conclusão deque a interação gravitacional pode ser entendida como uma troca de partículasvirtuais (até nome essas partículas já têm: grávitons!). E ainda poderíamos inferira existência de grávitons reais, que representariam algo que, por falta de termomelhor, chamaríamos de onda gravitacional (em uma analogia direta à ondaeletromagnética, descrita por fótons reais). Estaríamos todos muito satisfeitoscom isso…

Mas, insisto, a relatividade geral não é renormalizável. Todos os nossos planosmais simplistas caem por terra nesse cenário desolador. Não podemossimplesmente emular os pensamentos dos pioneiros da QED, pois simplesmenteo que valia para eles não vale para nós!

A pergunta que não quer calar é: afinal de contas, por que a gravidade não érenormalizável?

Infinitos e infinitos

Para entendermos a diferença intrínseca entre a QED e a relatividade geral noque tange à renormalização, devemos voltar a um tema abstrato e um tantoárido: o infinito.

Ou, melhor, “um infinito”. A troca do artigo definido pelo indefinido é crucialpara desarmarmos o espírito para o que vem aí: há infinitos e infinitos. Todos elessão abstratos e nenhum tem tamanho mensurável, mas, incrivelmente, uminfinito pode ser maior que outro!

Para falarmos disso, é interessante abordarmos alguns temas da matemática:a teoria dos conjuntos e o conceito de cardinalidade. Um conjunto matemático,relembrando nossos tempos de bancos escolares, é uma coleção de objetos. Parao que nos interessa, vamos nos concentrar nos conjuntos numéricos, ou seja, emcoleções de números. Por exemplo, um conjunto pode ser descrito como {1,2,3}.Outro conjunto seria {4, 8, 15, 16, 23, 42}. E assim por diante…

A cardinalidade de um conjunto é um número que representa a quantidade deelementos contidos naquele conjunto. Em nosso primeiro exemplo, no parágrafoanterior, a cardinalidade é 3; no segundo, 6. Há, obviamente, conjuntos quecontêm infinitos termos. Por exemplo: o conjunto de todos os números pares. Acardinalidade de um conjunto deste tipo é, obviamente, infinita.

A diagonal de Cantor

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Georg Cantor, matemático nascido em meados do século XIX, é conhecidocomo o criador da teoria dos conjuntos. Em um artigo publicado em 1874(“Sobre uma propriedade característica de todos os números algébricos reais”),Cantor chamou a atenção para a existência de diferentes tipos de infinito.

Mas foi somente em 1891 que Cantor criou sua bela demonstração conhecidacomo “argumento diagonal”. Para Cantor, o âmago da questão era mostrar queexistem conjuntos que não podem ser catalogados em uma relação “um-para-um” com os números naturais (ou seja, os inteiros e não negativos, 0, 1, 2, 3 etc.).

Antes de entrarmos de cabeça nesse conceito, vale citarmos umcontraexemplo: é intuitivo achar que há mais números naturais do que númerospares. Ora, se todo número par é um número natural, mas nem todo númeronatural é um número par, parece óbvio que existam mais números naturais doque números pares, certo?

Errado!Para cada número natural, podemos criar um número par em uma típica

relação “um-para-um”. Basta tomarmos o número natural e multiplicá-lo pordois. Ou seja, cada número natural gera um único número par e, portanto, háexatamente a mesma quantidade de números pares e números naturais noUniverso!

Cantor batizou a cardinalidade dos números naturais de 0 (Aleph-zero).Isso quer dizer que a quantidade de números naturais (1,2,3,4,5,6,…) é infinita, e

esse infinito é representado por este símbolo, 0. Incidentalmente, estatambém é a cardinalidade dos números pares…

Parece certo que Cantor fez questão de não usar as usuais letras gregas paradesignar a cardinalidade de um conjunto justamente para enfatizar que aqueleconceito não tratava de um número. O Aleph, primeira letra do alfabetohebraico, representa o infinito. Alguns estudiosos da história da matemáticaacreditam que sua ascendência judaica foi fator decisivo para tal escolha,inclusive relacionando-a a uma velha lenda judaica de que o infinito provoca aloucura daqueles que o vislumbram (de fato, Cantor frequentou, como paciente,diversas instituições para doentes mentais, morrendo em 1918, enquanto estavainternado em um asilo em Halle, na Alemanha).

O fato é que para provar que havia infinitos maiores do que o representado

por 0, Cantor sugeriu a construção de conjuntos de infinitos termos,combinações aleatórias de zeros e uns. Aqui escrevo apenas cinco destesconjuntos:

S1={0,0,0,0,0,…}

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S2={1,0,1,0,0,…}S3={1,1,1,0,0,…}S4={1,1,1,1,0,…}S5={0,1,0,0,0,…}

Cada conjunto desses tem infinitos termos e sua cardinalidade é 0, poiscada um dos seus termos pode ser enumerado, isto é, pode ser relacionado a umnúmero natural (primeiro termo, segundo termo, terceiro termo e por aí vai…).

Vamos agora criar um novo conjunto, Z, formado por todos os conjuntos S(combinações aleatórias de zeros e uns). Quantos elementos tem Z? Obviamente,Z tem infinitos termos. Mas, estranhamente, não podemos construir uma relação“um-para-um” dos elementos de Z com os números naturais…

Vamos repetir nossas sequências originais:S1={0,0,0,0,0,…}

S2={1,0,1,0,0,…}

S3={1,1,1,0,0,…}

S4={1,1,1,1,0,…}S5={0,1,0,0,0,…}

E, concentrando-nos nos números em negrito, vamos construir mais umconjunto S: será o “contrário” da diagonal em negrito: S0={1,1,0,0,1,…}. Essasequência é construída de modo que seja diferente de todas as outras quecompõem o conjunto Z. De fato, se essa sequência fosse igual à, digamos,terceira sequência, seus terceiros termos deveriam ser iguais. E, por construção,o terceiro termo dessa sequência é necessariamente diferente do terceiro termode S3.

Por construção, S0 é diferente de todos os Sn que compõem o conjunto Z.Mas S0 é ela própria uma sequência de infinitos zeros e uns e, portanto, deveriapertencer ao conjunto Z. Chegamos a um paradoxo: S0 pertence ao conjunto Z,pois Z é o conjunto de todas as sequências de zeros e uns possíveis e S0 é umasequência de zeros e uns. Mas S0, por construção, não é igual a nenhumasequência pertencente a Z e, portanto, ela não pode pertencer a Z.

Z contém S0 ao mesmo tempo que Z não contém S0. Solução: Z não pode sercolocado em uma relação “um-para-um” com os números naturais; seuselementos não são enumeráveis. A cardinalidade de Z é diferente da

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cardinalidade dos números naturais.Usando argumentos mais sofisticados que fogem dos nossos objetivos, Cantor

definiu a “cardinalidade do contínuo”, que se aplica ao conjunto Z descrito acimae também aos números reais. A cardinalidade do contínuo é usualmente descritapela letra “c”.

A “hipótese do contínuo” nos diz que não existe cardinalidade intermediária

entre a dos naturais e a dos reais e, portanto, “c” poderia ser escrito como 0.Esta hipótese nunca foi provada. Mas também nunca foi refutada…

O mais importante de tudo é o leitor diligente entender que alguns infinitoscabem debaixo do tapete. E outros não…

Autointeração

Agora que já sabemos que há vários tipos de infinito, alguns maiores que outros,fica fácil entender porque algumas teorias são renormalizáveis e outras não. Massomente do ponto de vista matemático…

Afinal, se tanto a interação eletromagnética quanto a interação gravitacionalcrescem à medida que a distância entre os corpos diminui, ambas indo para oinfinito quando a distância é nula, por que uma teoria é renormalizável e a outranão?

Do ponto de vista técnico, pode-se explicar isso estudando-se a quantidade deparâmetros ajustáveis em uma e outra teorias. Na QED, a quantidade deconstantes a serem calibradas é finita (a massa e a carga do elétron); narelatividade geral, não. Mas essa explicação é ela mesma matemática e nãosatisfará o leitor ávido por entender o que realmente está acontecendo…

Quando aproximamos duas partículas eletricamente carregadas, a interaçãoeletromagnética entre elas cresce. E cresce cada vez mais, à medida que adistância diminui. No limite da distância zero, a energia dos camposeletromagnéticos presentes vai a infinito. Mas, graças a alguns artifíciosmatemáticos, esse infinito pode ser varrido para debaixo daquele nosso tapete. AQED, volto a dizer, é renormalizável.

Ao fazermos a mesma experiência com duas partículas ligadasgravitacionalmente, a energia infinita que surge entre elas é muito maior que nocaso anterior. Não podemos escondê-la por artifícios algébricos. Mas por que issoacontece?

A energia dos campos gravitacionais presentes cresce à medida que adistância entre os corpos diminui. Mas energia, sabemos desde 1905, éequivalente à massa (E=mc2, lembram?). Ou seja, a própria energia geracampo gravitacional! Uma massa pequena, a uma distância ridiculamente curta,

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gera um campo gravitacional que vai para infinito. Mas esse campo gera elepróprio um campo gravitacional, pois sua energia também distorce o espaço-tempo. E, portanto, a conjugação desses dois fatores gera uma energia “muitomais infinita”, segundo as descrições de Cantor.

Esse fenômeno se chama autointeração. O campo gravitacional, por terenergia, gera ele próprio um campo gravitacional. O campo eletromagnético nãotem carga elétrica, então ele não gera um outro campo eletromagnético. Quantomenor a distância entre os corpos, maior a intensidade do campo gravitacional;quanto maior essa intensidade, maior a energia; quanto maior a energia, maiorainda fica o campo. O infinito gravitacional é muito maior do que o infinitoeletromagnético!

Do ponto de vista físico, é a autointeração que torna a gravidade nãorenormalizável. Mas uma vez aceitando este resultado, resta a pergunta: o quefazer?

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7 | A UNIFICAÇÃO DAS FORÇAS FUNDAMENTAIS

Se a esperança [na unificação] se mostrar justificada,quão maravilhoso, grandioso e sublime em suacaracterística até agora imutável é a força com a qualestou tentando lidar, e como deve ser grande o novodomínio do conhecimento que deve se abrir para amente da humanidade.

MICHAEL FARADAY

O caminho percorrido

Terminamos o capítulo anterior com um belo gancho: o que fazer a respeito dagravidade? Antes de buscarmos a resposta, é conveniente revisitarmos todos ospassos que nos trouxeram à pergunta…

A gravidade, nosso objeto de estudo, é uma interação entre massas. SegundoNewton, em sua visão de “ação à distância”, a força da gravidade é proporcionalao produto das massas que interagem entre si e inversamente proporcional aoquadrado da distância.

Einstein mudou essa noção de força, defendendo que a gravidade é naverdade uma curvatura espaçotemporal. Sua teoria de gravitação é a famosarelatividade geral. Mas ainda que tenha mudado bastante o conceito fundamentalde gravidade, Einstein não alterou sua dependência: a curvatura espaçotemporalcontinua sendo proporcional às massas e inversamente proporcional ao quadradoda distância.

Quando estamos muito longe, na escala das galáxias, as prescriçõesmatemáticas deduzidas por Newton — e corroboradas por Einstein — parecemnão corresponder à realidade. Isso se resolveu, de uma maneira um tanto ad hoc,com a introdução, no Universo, da matéria escura.

Objetos compostos de matéria escura têm as propriedades gravitacionaisusuais, mas não podem ser observados, por definição. Tais objetos permeariamas galáxias, fazendo com que as medições gravitacionais obtidas fossemfacilmente explicadas pela teoria de gravitação vigente.

Há outro problema com a gravidade: seu comportamento em distâncias muitopequenas. A energia do campo gravitacional vai para o infinito quando a distânciaentre as massas tende a zero. Isso acontece também com os camposeletromagnéticos. Mas os infinitos eletromagnéticos mostraram-serenormalizáveis, enquanto os infinitos gravitacionais se recusam a serem

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escondidos embaixo do capacho da porta!É nesse cenário que adentramos o penúltimo capítulo de nossa jornada…

A gravidade e o eletromagnetismo antes da física quântica

Na virada do século XIX para o século XX, apenas duas forças eram conhecidaspela física: a força gravitacional e a força eletromagnética.

(Não é à toa que o criador do conceito de campo, Michael Faraday,vislumbrava uma nova era no conhecimento caso a unificação entre essas duasforças fosse concretizada, como bem demonstra sua frase que abre estecapítulo.)

Tanto gravidade quanto força eletromagnética agiam à distância, prescindindodo contato entre as partes envolvidas. E, curiosamente, ambas tinham fórmulasmatemáticas muito parecidas!

Apesar dessas semelhanças, gravidade e eletromagnetismo semprepareceram pertencer a categorias diferentes. A primeira age sobre todos oscorpos; o outro, apenas sobre os que têm carga elétrica. Ela sempre atrai; elepode atrair ou repelir. Além disso, a gravidade é muito mais fraca que a forçaeletromagnética.

Para nos assustarmos com essa distância abissal entre a intensidade destasduas forças, costumo sempre dar como exemplo o ímã de geladeira (não háquem não o conheça e quem não tenha um em casa para fazer o teste ao vivo ein loco).

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Veja como são muito parecidas as fórmulas que descrevem as forçasgravitacional e eletromagnética.

O ímã de geladeira gruda no eletrodoméstico pois se vê atraído por uma forçamagnética (um tipo particular de atração eletromagnética). Se o afastarmos umpouco da geladeira, e o soltarmos no vazio, ele cai. Cai pois se vê atraído por umaforça gravitacional. A força magnética é exercida no ímã pela geladeira; a forçagravitacional, pelo planeta Terra. O simples fato de o ímã grudar na porta doaparelho e não cair já nos mostra que a força magnética, neste caso, é maior quea força gravitacional. Ou seja, a atração que a geladeira exerce sobre o ímã émaior que a atração que todo o planeta Terra exerce sobre este mesmo ímã!

A força magnética é descomunalmente mais intensa que a forçagravitacional!

Ainda assim, é a força gravitacional que rege o Universo, pois como ésempre atrativa, seus valores pequenos se somam, se acumulam, e dominam oespaço. Já a força eletromagnética, muito mais intensa, pode ser atrativa ourepulsiva e acaba por se anular ao longo das grandes distâncias cósmicas.

Mas o século XIX havia sido virtuoso em termos de unificações. Oersted,Faraday e seus contemporâneos demonstraram que os fenômenos magnéticos eos fenômenos elétricos eram partes distintas de uma única coisa: oeletromagnetismo.

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Pouco tempo depois, Maxwell unificou o eletromagnetismo à teoria da luz, aodeduzir que a luz era uma onda eletromagnética. Hertz ratificou esse ponto devista ao mostrar que ondas eletromagnéticas poderiam gerar eletricidade (ochamado efeito fotoelétrico).

Quando Einstein revolucionou a física com sua relatividade geral, mostrandoque a gravidade afetava as ondas eletromagnéticas, parecia óbvio que gravidadee eletromagnetismo estavam fadados a serem explicados por uma única lei…

Kaluza-Klein

A primeira tentativa de unificação das forças fundamentais aconteceu quandoainda eram apenas duas as forças fundamentais conhecidas: gravidade eeletromagnetismo. Foi uma valente tentativa liderada pelo matemático alemãoTheodor Kaluza, em 1921, e encampada pelo físico teórico sueco Oskar Klein,cinco anos depois.

A base da teoria de Kaluza-Klein consiste em expandir as equações darelatividade geral para um espaço de cinco dimensões (quatro dimensõesespaciais e uma dimensão temporal). Ainda não vamos discutir o que seria aquinta dimensão (ou a quarta dimensão espacial), mas é interessante notar quecom esse passo matemático, as equações de Einstein assimilavam as equaçõesde Maxwell. Gravidade e eletromagnetismo pareciam ser, de fato, uma coisa só!

A matemática envolvida no processo não é trivial e foge completamente aoescopo deste livro. Mas como veremos adiante, o acréscimo no número dedimensões tem sido um truque bastante utilizado por físicos e matemáticos parafazer valer suas vontades e, portanto, é conveniente nos demorarmos um poucomais sobre a validade desta hipótese.

Um exemplo clássico, que não é de minha autoria, consiste em colocarmoscuidadosamente nossos dedos dentro da água. A superfície da água, a interfaceentre o ar e a água, é um “mundo” de duas dimensões. Na superfície só há duaspossibilidades de movimento: direita-esquerda e frente-trás. Ir para cima ou parabaixo obrigatoriamente nos tira da superfície.

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Na fronteira água/ar (bidimensional), os dedos parecem ser entidadesindependentes. Mas se os observarmos no sistema tridimensional,

vemos que tudo faz parte de algo maior, a mão.

Na superfície da água, do jeito que a figura nos mostra, os dedos parecem serobjetos independentes, sem aparente conexão. Mas se observarmos esses objetosa partir da terceira dimensão (acima da superfície) fica evidente que estãoconectados e fazem parte de algo maior (a mão).

Assim, fica fácil entender que é sim possível ganharmos mais entendimentode certas coisas se as olharmos a partir de uma dimensão superior.

Outras dimensões

A teoria de Kaluza-Klein pressupunha uma quarta dimensão espacial, fato quepor si só permitia a unificação das equações de Maxwell (eletromagnetismo)com as equações de Einstein (gravidade).

Mas o que é uma dimensão?

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Sem nos aprofundarmos em questões filosóficas, uma dimensão pode serentendida como uma direção. Em nosso mundo tridimensional, qualquer pontopode ser atingido se conjugarmos movimentos em três direções perpendicularesentre si. Podemos fazer movimentos do tipo direita-esquerda. Podemos fazermovimentos do tipo para a frente-para-trás. E podemos fazer movimentos do tipopara cima-para-baixo. Conjugando estas três direções ortogonais, atingimosqualquer ponto do nosso espaço. Por isso mesmo, o espaço é tridimensional.

(A quarta dimensão, nesses termos simplificados, é o tempo. A direçãocorrespondente é passado-futuro, embora não tenhamos a liberdade de escolhanesse caso particular…)

Quando Kaluza e Klein sugeriram a existência de uma quinta dimensão (ouuma quarta dimensão espacial, para sermos mais precisos), estavam abrindouma caixa de Pandora que não foi fechada até hoje! Como imaginar umadireção que seja perpendicular às três que já citamos? Impossível!

Impossível do ponto de vista prático, mas muito simples do ponto de vistamatemático. Uma visitinha a qualquer livro de geometria do ensino fundamentalnos diz que a equação que descreve um círculo é dada por R2=x2+y2, onde R é oraio do círculo e x e y são as coordenadas cartesianas usuais.

O raio do círculo sempre pode ser descrito como a raiz quadrada da

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soma dos quadrados das coordenadas x e y.

Um “círculo tridimensional” é um objeto bastante conhecido e se chamaesfera. Sua equação é R2=x2+y2+z2, onde R é, agora, o raio da esfera.

O raio da esfera sempre pode ser descrito como a raiz quadrada dasoma dos quadrados das coordenadas x, y e z.

Assim, fica claro que se quiséssemos construir uma esfera quadridimensional,bastaria escrevermos R2=x2+y2+z2+w2. Impossível desenharmos tal objeto,mas matematicamente foi muito fácil de descrevê-lo. E, claro, nãoprecisaríamos parar por aí! Cada novo termo na equação acima poderepresentar mais uma dimensão, representando esferas penta, hexa,heptadimensionais etc.!

Kaluza e Klein sabiam escrever as equações em cinco dimensões muitofacilmente, ainda que fosse impossível descrever a dimensão extra do ponto devista prático. Para escapar dessa armadilha, voltaram suas baterias para o mundomicroscópico…

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Dimensões compactas

Kaluza e Klein não só inauguraram a ideia de dimensões extras para unificarforças fundamentais como também foram pioneiros na ideia de dimensõescompactas. Ao defender a existência de uma quarta dimensão espacial, eramsempre afrontados com a seguinte pergunta: onde está esta dimensão?

Respondiam, talvez literalmente: bem debaixo das nossas vistas. Kaluza eKlein argumentavam que a quarta dimensão espacial era enrolada de tal formaque se tornava microscópica. Era uma dimensão compacta.

Mas isso é algo que só faz sentido em uma certa escala. Em nossa visãomacroscópica, convivemos cotidianamente com três dimensões espaciais. Masem uma escala microscópica uma quarta dimensão se faz sentir.

Como isso é possível?Muito simples! O segredo está justamente no fator de escala. Imagine a

junção entre dois azulejos em um chão de cozinha. Há uma depressãoexatamente na linha do rejunte, entre os dois ladrilhos. Mas nossos pés são muitomaiores do que esta linha e, ao pisarmos o chão da cozinha, simplesmenteignoramos esta terceira dimensão. Mas se fôssemos muito, muito pequenos, a“falha” que separa os dois azulejos seria um verdadeiro cânion, possivelmenteintransponível.

Ou seja, se mudássemos de escala, a terceira dimensão seria notada. Éexatamente isso que queremos dizer quando falamos em dimensões compactas!

Surgem as forças subatômicas

Ao falarmos de dimensões compactas, entramos no mundo do muito pequeno. Eesse mundo, sabemos, é dominado pela mecânica quântica.

A teoria de Kaluza-Klein foi deixada de lado por não conseguir justificar doponto de vista físico a existência da quinta dimensão. Era um artifíciomatemático extremamente belo e elegante que unificava as duas forçasfundamentais conhecidas. Mas não possuía nenhuma comprovação prática…

Além disso, enquanto Kaluza e Klein investiam na quinta dimensão paraunificar gravidade e eletromagnetismo, a física quântica passou por sua segundaquantização, chegando cada vez mais próximo de uma descrição condizente coma realidade microscópica. Um subproduto disso foi a subsequente descoberta deoutras duas forças fundamentais, que atuam somente em escala nuclear.

A primeira dessas novas forças foi, por razões óbvias, batizada de “forçanuclear”. Posteriormente ganhou o adjetivo “fraca” e é hoje conhecido como“força fraca” (uma espécie de contradição em termos) ou, melhor, “interaçãofraca”. Foi descoberta por Enrico Fermi, na década de 1930. A interação fraca

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explica uma tendência natural que as partículas pesadas têm em se transformarem partículas mais leves, conhecida como “decaimento beta”.

A explicação de Fermi para esse fenômeno, embora elegante, mostrou sernão renormalizável. Algumas idas e vindas, tanto teóricas quanto experimentais,foram necessárias para que finalmente a interação fraca tivesse sua naturezabem compreendida. Hoje sabemos que a interação fraca é uma forçafundamental que pode ser explicada por meio da troca de partículas virtuaiscoletivamente conhecidas como bósons fracos.

Atualmente, a evolução do conhecimento teórico já nos permite descrever asinterações eletromagnéticas e as interações fracas com um mesmo arcabouçoteórico. Isto é, essas forças são duas faces de uma mesma moeda, ou, usandonosso linguajar técnico, ambas as forças foram unificadas. Assim, hoje falamosda interação eletrofraca, a unificação entre o eletromagnetismo e a forçanuclear fraca.

A outra força nuclear foi proposta inicialmente por Hideki Yukawa, tambémna década de 1930. Sua principal motivação era explicar a estabilidade do núcleoatômico. Se o eletromagnetismo nos diz que cargas iguais se repelem, comopodem duas partículas positivas (prótons) coexistirem no núcleo de um átomo?

A resposta era análoga à da formação de moléculas. Elas se unem devido aforças eletromagnéticas entre átomos. Mas os átomos são essencialmente neutrose, portanto, não deveriam gerar nenhum campo eletromagnético! Entretanto,como os elétrons de um átomo não estão todos a uma mesma distância do núcleoatômico, há um campo residual que permite a união de átomos para formaremmoléculas.

Se postularmos que os constituintes do núcleo atômico (prótons e nêutrons)não são partículas fundamentais, ou seja, são compostos por partículas aindamenores, o que mantém essas partículas ligadas? Uma força nuclear,obviamente! Mas o resíduo dessa nova força postulada deve ser mais forte que aforça eletromagnética, pois ele é o responsável por manter dois prótons ligadosentre si. Não por acaso, tal força foi batizada de força forte (uma “redundânciaem termos”).

A força forte trouxe uma série de novas terminologias para a física quântica.As partículas elementares que respondem a ela são chamadas de quarks. É aunião de três quarks que formam os bárions (prótons e nêutrons são os bárionsmais conhecidos). Assim como a massa gera gravidade e a carga elétrica gera ainteração eletromagnética, a característica que gera a força forte foi batizada de“cor”. Atente-se que é um péssimo nome, pois a palavra “cor” nos remete a umconceito bastante conhecido. Essa “cor” quântica não tem nada a ver com a corque conhecemos… Mas devido a esse nome mal escolhido, o ramo da físicaquântica que estuda a interação forte é chamado de cromodinâmica quântica, ouQCD, sua sigla em inglês. As partículas virtuais trocadas pelos quarks são

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chamadas de glúons.A existência das forças nucleares minimizou o feito de Kaluza e Klein. Afinal,

de que adianta complicar a vida de todos, introduzindo uma dimensão espacialextra, para unificar apenas duas das quatro forças fundamentais da natureza?

O gráviton

A história do gráviton, atualmente, lembra muito o ponto de partida da novela Obem-amado, na qual o histriônico e clientelista prefeito Odorico Paraguaçudecide fazer um novo cemitério e, pronta a obra, ficam todos à espera de ummorto para inaugurá-la. Ironicamente, ninguém morre…

Na mecânica quântica estamos assim, também. Queremos passar para apróxima etapa, mas não conseguimos. Falta-nos o principal. Falta-nos o gráviton.

O problema parecia simples, digno de figurar naquele discurso de LordeKelvin, que dizia que só restavam algumas nuvens sobre a física e que logo tudoseria conhecido. Assim como três forças fundamentais já haviam sido descritaspela mecânica quântica e podiam ser entendidas como a troca de partículasvirtuais, a gravidade também deveria ser quantizada. Sua partícula virtual, seubóson de força, foi batizado de gráviton. Faltavam apenas os detalhesmatemáticos…

Tais detalhes, até o presente momento, provaram ser incontornáveis! Agravidade, vimos, é não renormalizável. As demais forças fundamentais seguemo caminho contrário. O modelo-padrão que descreve as partículas fundamentaise suas interações não comporta uma força não renormalizável. Dito isso, pareceque há algum problema com a atual teoria de gravitação. Mas podemos mudarnossa abordagem.

A relatividade geral, por ser responsável por moldar a forma do espaço-tempo, é uma teoria que não depende do background. Isso quer dizer que elafunciona qualquer que seja a forma do Universo (o background mais abrangenteque podemos imaginar). Já o modelo-padrão depende fortemente dobackground. Parece, então, haver algum problema com… o modelo-padrão!

Pois, afinal, o problema está na relatividade geral ou no modelo-padrão?Provavelmente, em ambos. É certo que estas duas vertentes da física modernasão incompatíveis entre si.

Podemos nos esbaldar na relatividade geral sempre que estivermos tratandodos fortes campos gravitacionais que permeiam o espaço. Podemos falar sobre aforma do Universo, sobre os misteriosos buracos negros, sobre precessões deperiélios, sobre desvios para o vermelho.

Podemos também nos esbaldar no modelo-padrão, descrevendo um bestiáriode partículas fundamentais e suas interações. Podemos falar de forças nucleares

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e da força eletromagnética. Podemos falar de campos quânticos, partículasvirtuais e bósons de força.

Mas não podemos falar da partícula virtual que descreva a gravidade, pois, nofinal das contas, o modelo-padrão e a relatividade geral ainda não conseguemconversar entre si…

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8 | PARA ONDE VAMOS?

É possível fazer progresso em um problemaaparentemente impossível… Afinal de contas, átomoscaem, então a relação entre a gravidade e a mecânicaquântica não é um problema para a Natureza.

LEE SMOLIN

A gravitação quântica

A resposta da pergunta que dá título a este nosso último capítulo é simples: vamosem direção a uma teoria que descreva a interação gravitacional utilizando-se doformalismo matemático da mecânica quântica.

Isso equivale a dizer que vamos na direção de uma unificação entre todas asforças fundamentais conhecidas: gravidade, eletromagnetismo, nuclear fraca enuclear forte.

Isso equivale a dizer que vamos na direção de uma teoria de gravitação queseja renormalizável, ou, ainda, que gere resultados finitos independentemente dasdistâncias que estejam sendo consideradas.

Isso equivale, ainda, a dizer que vamos na direção de uma de uma teoriaquântica que explique o surgimento das partículas, independentemente dobackground em que elas existam ou, mais, que as propriedades das partículassejam prescritas por uma lei que seja realmente universal, e não por algo que seconstruiu para explicar resultados observados.

Buscar a gravitação quântica é buscar a unificação das forças fundamentais eum modelo-padrão que faça prescrições a priori das propriedades das partículas,sendo independente de parâmetros ajustáveis.

Essa direção pode ser resumida em uma única frase: vamos em direção auma teoria de tudo.

Ou, pelo menos, queremos ir…

A teoria de tudo existe?

Há uma história famosa nos meios futebolísticos sobre a preleção do técnicoVicente Feola para os jogadores da seleção brasileira antes de entrarem emcampo contra a extinta União Soviética, em plena Copa da Suécia, em 1958.Feola teria sido muito explícito em suas instruções, traçando metas concretas que

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deveriam ser realizadas em campo. O genial Mané Garrincha então perguntou:“Mas você já combinou com os russos?”

Essa frase tem me acompanhado repetidas vezes (especialmente no tratocom minha filha, de pouco mais de dois anos) quando quero ilustrar situações quenão dependem única e exclusivamente de seu próprio planejamento.

Isso vale também para a busca de uma teoria de tudo. Há, na comunidadecientífica, uma enorme vontade de se unir a relatividade geral ao modelo-padrão. Mas alguém já combinou isso com os russos? Os “russos”, nesse caso,são… o Universo!

Por que deve haver uma teoria de tudo, uma unificação completa entre asquatro forças fundamentais?

Não há resposta objetiva para essa pergunta. A vontade que temos deencontrar a teoria de tudo se baseia em uma única coisa: a premissa de que elaexiste. E queremos muito que ela exista, pois, por mais que tenhamos dito quenão precisamos que as coisas sejam belas, seria uma maneira realmente bela dedescrever o Universo: um único arcabouço teórico que servisse simultaneamentepara as vastidões cósmicas do espaço sideral e para o infinitésimo microscópicodas partículas elementares.

Essa é a nossa vontade e, para isso, temos, como comunidade estruturada,voltado muitos dos nossos esforços científicos. Mas o fato triste é que nãosabemos se este problema tem solução!

E, infelizmente, ninguém tem se concentrado nesse aspecto. E se o problemade fato não tiver solução? Por ora, o que se vê são grupos rivais buscando opioneirismo e a primazia de terem sido os primeiros a decifrar o mais complexoproblema de todos os tempos.

Se a gravidade for de fato distinta das demais forças fundamentais, não háteoria unificadora. Há a unidade de três forças fundamentais (já alcançada emteoria) e há a relatividade geral. Isso, por si só, pode ser considerado algomuito… grave em relação à gravidade! Ela é diferente!

Mas não queremos terminar nosso livro em um anticlímax e, portanto, vamosabraçar a hipótese que move a vasta maioria da comunidade científica (pelomenos os físicos teóricos e experimentais, a maioria dos astrônomos e grandeparte dos matemáticos): gravidade e demais forças são unificáveis.

A teoria de tudo existe. (Quer dizer, não é uma má hipótese, mas comoqualquer hipótese, ainda carece de comprovação…)

Como vamos para onde queremos ir?

Uma vez convencidos de que podemos unificar todas as forças fundamentais e

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conscientes de que apenas a gravidade parece diferente das demais, o quepodemos fazer para atingirmos o nosso objetivo?

A unificação das forças fundamentais é o Santo Graal da física moderna e,assim como no caso do cálice sagrado, há muitos caminhos que podem levar aela. Mas, é certo, teremos que estar preparados para quebrar alguns paradigmas.

Se o que sabemos não está nos dizendo o que queremos, parece óbvio que ousabemos menos do que precisamos ou sabemos algo de forma equivocada.

“No futuro saberemos mais” é um dos lemas da gravitação quântica,deixando claro que a primeira opção é a que escolhemos. Tudo o que sabemosestá correto, mas infelizmente não sabemos tudo o que precisamos saber.

Ainda.Outra abordagem pode ser simplesmente procurar por grávitons. Se tudo o

que achamos que é verdade for verdade, a gravidade pode ser descrita comouma troca de grávitons virtuais e bastaria provar que eles existem que estaríamosprovando que a gravidade é quântica.

Poderíamos ainda alterar o modelo-padrão, ou alterar nossas concepçõesacerca das existências das partículas fundamentais, ou ainda partir para soluçõesmais e mais inusitadas.

A partir de agora vamos visitar algumas dessas propostas, alertando o leitorpara o fato de que nenhuma delas tem comprovação experimental. Ou seja,apesar de algumas se apresentarem como teorias, ainda não passam dehipóteses.

Em meus cursos de física para leigos, costumo ministrar uma “aula extra”,que não consta nem do programa. É justamente a aula sobre a unificação dasforças fundamentais. Por mais belo e intrigante que este assunto possa parecer,seria um tanto desonesto falar aos alunos sobre coisas que jamais foramcomprovadas. De fato, eu não costumava falar sobre isso. Mas os alunosinsistiam e acabamos chegando a esse compromisso. Quando falo sobre isso,deixo de lado a relação aluno-professor e fazemos um franco bate-papo. Deixoclaro que nada do que está sendo tratado possui comprovação experimental. Osalunos gostam (o professor também). Afinal, mesmo sem comprovação, sãobelas ideias, e é sempre agradável falar de coisas belas…

Pois nessas aulas, classifico as atuais tentativas de unificação com epítetoscurtos e simples: classe, força, elegância e inovação. Vamos a elas…

Classe

Não tem nada a ver com turmas reunidas para uma aula. Nem tampouco é algoabstrato e subjetivo, uma espécie de qualidade de elegância usada para elogiar

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ambientes e pessoas. O substantivo “classe” nesse contexto é simplesmente umaalusão ao adjetivo “clássico”.

E o que é ser clássico?Na física moderna, clássico é um oximoro. Afinal, clássica é a física

newtoniana… Mas para nós, clássico vai se referir a certa reverência aosantepassados, a uma tentativa de resolver problemas semelhantes comsemelhantes métodos.

A tentativa inicial de renormalizar a gravidade é, nessa acepção do termo,totalmente clássica. O eletromagnetismo trazia resultados infinitos em distânciasnulas e foi renormalizado. Por que não fazer isso com a gravidade?

Bem, porque, como já sabemos, a gravidade não é renormalizável.Mas há outro passo clássico que pode ser tentado… Em 1913, Niels Bohr

decidiu que as órbitas eletrônicas em volta do núcleo atômico deveriam respeitara quantização ad hoc proposta por Planck para tornar o modelo de Rutherfordestável. Sua única motivação foi tornar o modelo estável.

Nosso problema agora é que temos uma grandeza divergente (que se tornainfinita) no limite da distância nula. Por que não quantizarmos o espaço, de modoque não existam mais distâncias nulas?

A ideia de um espaço discreto surgiu entre os filósofos gregos (tendo seu maisfervoroso defensor em Zenão, discípulo de Parmênides, autor dos famososparadoxos de Zenão). Do ponto de vista moderno, há uma escala, chamadaescala de Planck, que automaticamente nos dá um valor para a menor distânciapossível entre dois pontos no espaço: 10-35m. Para o leitor que não estáacostumado com a notação científica, isso é o mesmo que 0,00000000000000000000000000000000001m (são 35 zeros!). Ou, ainda, a centésima parte datrilionésima parte de um trilionésimo de um milionésimo de milímetro! Parafacilitar nossa vidas, vamos chamar esse quantum espacial de métron.

Se o espaço é mesmo quantizado e a menor distância entre dois pontos é ummétron, então a gravidade nunca será infinita, pois a distância nunca será zero!Isso é exatamente o que Bohr fez para escapar de um problema aparentementeinsolúvel: uma quantização ad hoc. Mais clássico do que isso não há!

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Em um nível quântico, o espaço pode ser descrito como uma treliçatridimensional. Entre uma bola e outra (os vértices dos cubos), não há

nada.

A quantização do espaço faz com que ele seja descrito como uma treliçatridimensional, na qual os vértices de cada cubo são os pontos que podem serocupados e as arestas valem 1 métron.

Este modelo de treliça (lattice é o termo em inglês, bastante utilizado tambémem textos em português) evoluiu bastante e deu origem ao que hoje chamamosde Loop Quantum Gravity. Esse termo em inglês, que não possui uma traduçãobem estabelecida em português (há quem chame de “gravidade quântica deloop”, outros de “gravidade quântica de nó”. Mas nenhum desses termos é muitousado comumente), descreve o campo gravitacional como laços e nós que sepropagam na treliça tridimensional.

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A “gravidade quântica de laço” (minha tradução) é uma forma clássica deatingir nosso objetivo. Há ainda muitas coisas em aberto na estrutura formaldessa “teoria” (entre aspas, pois não é de fato uma teoria, visto que ainda nãopossui comprovação experimental), mas é uma boa aposta que se a gravitaçãopode ser quantizada, alguma parte dessa ideia fará parte da teoria de tudo.

Força

Em 1916, resolvendo as equações da sua relatividade geral para o Universocomo um todo, Einstein percebeu que o Cosmos deveria estar em expansão. Issonão condizia com suas crenças religiosas, e ele alterou sua equação original(introduzindo a famosa constante cosmológica) para obter o resultado que lhesatisfazia: o Universo era estático.

Alexander Friedmann, em 1922, recalculou as equações de Einstein e chegouà mesma conclusão original: o Universo deveria estar em expansão. Tal resultadosó foi comprovado empiricamente em 1929, por Edwin Hubble. Esse é um casofamoso de uma ideia teórica que estimula uma observação posterior…

Há casos inversos, como a famosa experiência de Rutherford sobre o átomo.Os resultados experimentais estimularam o aparecimento de um novo modeloatômico. As observações vieram antes da teoria…

Em Física, esta corrida é saudável. Ora temos descobertas experimentais ouda ordem da observação que clamam por uma explicação; ora temos hipóteses eteorias que pedem por corroboração prática, experimental.

Como já disse, então, uma solução para o problema da gravitação quânticaseria encontrar o gráviton. Não importa que a matemática por trás disso aindanão esteja pronta. Saberíamos com certeza que a gravidade quântica existe! Issoé o que eu chamo de solução da força bruta!

Como se procura um gráviton? Ora, construindo-se observatórios para isso!Os grávitons que carregam a força gravitacional são grávitons virtuais. Mas, poranalogia à quantização eletromagnética, devem existir grávitons reais,representações quânticas de algo que chamaremos de onda gravitacional. Assimcomo fótons reais representam uma onda eletromagnética, grávitons reaisrepresentam uma onda gravitacional…

Uma onda gravitacional é algo bastante poderoso, visto que a gravidade éuma curvatura no espaço-tempo. Experimentar a passagem de uma ondagravitacional seria ter nossas medidas relativas temporariamente alteradas.

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A vítima de uma onda gravitacional, que deforma o espaço por ondepassa. A moça encolhe e estica porque o espaço em que ela se encontra

encolhe e estica.

Mas se tudo se altera com a passagem da onda gravitacional, as réguastambém se alteram, e jamais perceberemos essa alteração, pois a “leitura” quefaremos (tantos e tantos centímetros) não será alterada.

Para isso, inventou-se um tipo de observatório muito especial, que funcionapor uma técnica chamada interferometria laser. O mais conhecido atende pelasigla em inglês Ligo, “Observatório de Ondas Gravitacionais por InterferometriaLaser”.

Assim como acontece comumente com o termo “planetário”, que pode sereferir tanto a um equipamento (um projetor central que simula o céu nacúpula), mas também pode se referir a um prédio (justamente o prédio queabriga a cúpula para as projeções), o Ligo também é um equipamento e umainstituição. Na verdade, trata-se de um experimento de física pertencente a duasgrandes entidades científicas: o Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) e oMIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Esse experimento é todo baseadono conceito da interferometria.

Interferometria é o estudo dos fenômenos de interferência, típicos das ondas.A interferência da luz foi usada por Thomas Young no começo do século XIXpara mostrar que ela se tratava de uma onda; e foi “usada” por Michelson eMorley no final do mesmo século para encontrar o éter (o termo “usar” vementre aspas, pois sabemos que o experimento não obteve sucesso).

O Ligo (e seus similares) consiste em direcionar raios laser em caminhosortogonais entre si, recolhendo-os em um mesmo ponto. Se, por um acaso, aTerra for varrida por uma onda gravitacional, o tamanho do percurso que os raiospercorrem será alterado. Como os percursos são perpendiculares entre si, essa

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alteração não será igual para ambos e, portanto, os raios laser percorrerão,enquanto durar a onda gravitacional, caminhos de tamanhos distintos. Com isso,chegarão ao receptor fora de fase e, portanto, gerarão um padrão deinterferência! Simples assim.

Simples? De modo algum! Eventos cataclísmicos recentes, como explosõesde supernovas, ocorridas fora de nossa galáxia, deveriam gerar distorções de0,000000000000001mm (um quadrilionésimo de milímetro) na distânciapercorrida pelos raios de luz e seriam indetectáveis!

Seria preciso um evento mais próximo para que o Ligo, com sua sensibilidadeatual, detectasse a existência das ondas gravitacionais. Fenômenos desse tipo sãoimprevisíveis e, portanto, o Ligo (e seus pares) segue em alerta.

Elegância

O modelo-padrão divide as partículas em duas classes bastante distintas: bósons eférmions. Os bósons foram batizados em homenagem ao físico indianoSatyendra Bose e obedecem à estatística proposta por ele e por Einstein. Osférmions foram batizados em homenagem a Enrico Fermi e seguem a estatísticade Fermi-Dirac.

Mas o que há de tão diferente entre férmions e bósons? Basicamente, o spin.O spin (“giro”, em inglês) é uma característica intrínseca às partículas; é um

dos números quânticos que diferenciam essas partículas entre si. Cada uma temquatro números quânticos: massa, carga, cor e spin. A massa gera um campogravitacional; a carga, um campo eletromagnético e a cor, um campo forte(lembram-se da cromodinâmica quântica?). O spin não gera campo nenhum…

Seu nome deriva de uma época em que ainda se acreditava ser possível umadescrição clássica para fenômenos quânticos. Átomos eram vistos comomicroscópicos sistemas solares, com o núcleo fazendo as vezes de Sol e oselétrons, de planetas. Nesse contexto, quando foi descoberta uma novacaracterística dos elétrons, pensou-se em fazer uma analogia com a rotação dosplanetas. Assim, como esses corpos celestes, os elétrons teriam um movimentode revolução (ao redor do núcleo) e um movimento de rotação (o spin).

Quando surgiu no modelo atômico, dizia-se que o spin do elétron poderia serhorário ou anti-horário. Logo se passou a descrever esses dois estados distintoscomo up e down (uma alusão à orientação do eixo de rotação, analogamente aosplanetas). Um elétron com seu “polo norte” para cima gira no sentido horário;um elétron com seu “polo norte” para baixo gira no sentido anti-horário.

Hoje sabemos que não é nada disso… Ainda assim, é fato que o spin é umacaracterística importante das partículas. Para elétrons, dizemos que os estadosopostos de spin são +1/2 e -1/2. Esta é uma característica muito importante dos

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férmions: eles têm spin semi-inteiro. Os bósons, diferentemente, têm spin inteiro.Pois bem… o modelo-padrão foi construído com base em dados obtidos em

laboratórios. Ele não é um conceito teórico, a nos dizer quais devem ser ascaracterísticas das partículas, mas sim um catálogo, que nos informa quais sãoessas características, para partículas que já foram observadas. Em sua base, hátrês famílias distintas de férmions (cada família composta por um par de quarks,por uma partícula similar ao elétron e por uma partícula similar ao neutrino).Além disso, há os bósons, responsáveis por transportar as forças fundamentaisque já foram quantizadas com sucesso.

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As partículas elementares, segundo o modelo-padrão

Por que há três famílias distintas de férmions? Por que os bósons sãodiferentes? Essas perguntas, o modelo-padrão, como um bom catálogo que é, nãoresponde. Salta aos olhos que lhe falta certa simetria…

Pois bem, por variadas razões e vindo de diferentes direções (inclusive natentativa de unificar a gravidade às demais forças fundamentais) surgiu na físicade partículas o conceito de supersimetria (ou Susy ; em inglês, um acróstico). ASusy prega que para cada férmion há um bóson correspondente e vice-versa. Osparceiros supersimétricos são estritamente hipotéticos e jamais foramobservados…

Por exemplo: um quark é um férmion. Logo, ele deve possuir um bósoncorrespondente (ou seja, suas características gerais são similares, mas seu spinserá meia unidade diferente, de modo que o spin do quark seja semi-inteiro e ospin do bóson correspondente seja inteiro). Este bóson hipotético foi batizado desquark (o “s” na frente denota seu caráter supersimétrico). Há, obviamente, oselétron e o sneutrino (estas duas últimas estão na categoria dos sléptons!).

Para dar nome aos hipotéticos férmions que nascem a partir de bósonsconhecidos, optou-se por outra terminologia: o sufixo “ino”. Assim, há o fotino(parceiro supersimétrico do fóton) e o gluíno (parceiro supersimétrico do glúon),por exemplo.

E o que isso tem a ver com a gravidade?Ora, o modelo-padrão é do jeito que é porque a supersimetria que possuía no

passado foi quebrada. Todas as partículas eram equivalentes entre si, férmions ebósons indistintamente, geradas randomicamente pela partícula-Deus (nome defantasia e extremamente impactante para uma partícula que tecnicamente sechama “bóson de Higgs”). Tal partícula é capaz de aglutinar matéria, carga, core spin, deixando em seu rastro uma série de partículas distintas.

Se a Susy é real, então com certeza a gravidade já foi descrita do mesmomodo que as demais forças, pois grávitons, glúons e fótons têm todos a mesmaorigem comum (o bóson de Higgs).

Até hoje não foi encontrada nenhuma prova contundente da existência deparceiros supersimétricos e da veracidade da supersimetria.

Inovação

A supersimetria é uma ideia ousada: descrever todas as partículas comodecaimentos distintos de uma única partícula primordial. Para alguns, ela não éousada o bastante!

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Quando Yukawa percebeu, na década de 1930, que havia uma força residualdesconhecida a unir prótons, que deveriam se repelir, logo montou um modeloque pode ser resumido como “modelo do elástico”. Sim, pois a força nuclearforte é bastante estranha: ela aumenta com a distância! E é por isso que nãovemos quarks solitários pelo Universo. Os quarks estão confinados, fadados aviverem em duplas (os mésons) ou trios (os bárions, cujos representantes maisfamosos são os prótons e nêutrons). Se por ventura estes quarks sequer pensaremem se afastar, à medida que a distância entre eles aumenta, aumenta também aforça que os une (como se estivesse unidos por um elástico). Logo, jamais seseparam.

Yukawa cedo percebeu que era muito mais interessante estudar o “elástico”do que as partículas nele amarradas. Foi mais além e passou a ignorar aspartículas! Bastava considerar as extremidades do “elástico”, pois ali estariamelas. Criou assim, sem muita pretensão, o modelo que hoje conhecemos como“teoria das cordas”!

A evolução das cordas foi rápida e bastante violenta. Hoje já não usamos omodelo original de Yukawa, mas sim cordas fechadas, sem extremidades. Avibração nessas cordas é traduzida como uma série de números quânticos(massa, carga, spin e cor) e uma mesma corda pode representar diversaspartículas (não ao mesmo tempo, obviamente).

Não demorou muito para as cordas evoluírem para as supercordas,incorporando os conceitos da Susy. Uma mesma corda pode representarférmions e bósons indiscriminadamente. E um estudo detalhado das cordasmostra que há modos de vibração que corresponderiam aos números quânticosque descrevem o gráviton. Ou seja, se as cordas são reais, o gráviton é real.

Um efeito colateral benéfico das cordas, microscópicos laços oscilantes, éque não precisamos mais nos preocupar com as distâncias nulas e osconsequentes infinitos que aparecem na teoria da gravitação. Diferentemente daspartículas, as cordas não são puntiformes (adimensionais) e, portanto, nãoprecisamos nos preocupar com distâncias nulas. Sempre haverá uma distânciamínima: o diâmetro da corda (não por acaso, este distância mínima pertence àescala de Planck).

Um grande porém, que frustra muita gente grande no mundo da física, é ofato das supercordas precisarem de 11 dimensões para existirem. O Universoobservável, sabemos, tem quatro dimensões (três espaciais e uma temporal).Kaluza e Klein haviam criado uma dimensão extra; as supercordas necessitamde nada menos do que sete dimensões extras! Todas elas compactas!

Por mais elegante que sejam a solução do modelo-padrão, a da relatividadegeral e a da teoria de tudo baseada nas supercordas, não parece muitoconvincente a criação de sete dimensões extras compactas ad hoc apenas parafazer uma hipótese funcionar.

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As supercordas jamais foram comprovadas do ponto de vista experimental,mas são de longe, para o grande público e para boa parte da comunidadecientífica, o caminho para a criação de uma grande teoria que dê conta desse“tudo”.

Em caso de emergência…

Mas e se tudo isso estiver errado? E se a gravidade for unificável às outras forças,mas não puder ser descrita pela Loop Quantum Gravity? E se não acharmos osgrávitons com o Ligo, ou os parceiros supersimétricos, ou as supercordas? O quefazer?

Bem, o cartaz é claro: “Em caso de emergência, quebre o vidro.” Isso é umaboa analogia para nos forçarmos a “pensar fora da caixa”. Como Alexandre oGrande diante do Nó Górdio, devemos ousar e pensar em soluçõescompletamente diferentes…

Uma delas, a única que descreverei aqui, envolve dimensões espaciais extras(como propostas por Kaluza e Klein e pela teoria das supercordas). Mas taisdimensões extras seriam apenas percebidas pelo campo gravitacional.

Isso desde já explicaria a imensa diferença de intensidade entre as forçasconhecidas. A gravidade não é tão fraca assim (como demonstramos com oexemplo mundano do ímã de geladeira). Ela apenas se espalha por direções quenão conhecemos e, portanto, o que dela medimos é apenas uma pequena parteda gravidade real.

Essa solução é brilhante! Ela revisita a fórmula original da gravidadenewtoniana, deixando claro que o expoente do denominador (o famoso“quadrado” da distância) está ligado ao número de dimensões espaciais.

O expoente do denominador varia de acordo com o número dedimensões espaciais consideradas. No mundo tridimensional usual, o

expoente será 2 (quadrado).

Na figura, d é o número de dimensões espaciais. Se essas são apenas três, o

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expoente é realmente dois (o quadrado da distância). Mas e se forem mais? Seforem 10, por exemplo, como prescreve a teoria das supercordas, a gravidadecresceria muito mais violentamente à medida que as distâncias fossem ficandomenores. Isso pode parecer ruim (pois, afinal, queremos fugir do infinito,lembram-se?). Mas é muito bom, pois a gravidade crescendo de forma maisintensa faz com que ela se junte às outras forças em um mesmo patamar epossa, portanto, ser descrita pelas mesmas técnicas.

A hipótese inicial é duplamente dolorosa: existem dimensões espaciais extrase só a gravidade as sente. Mas isso não é mais doloroso do que pensar que todasas partículas possuem parceiros supersimétricos ou que todas as partículas sãovibrações de uma corda microscópica fundamental. E quanto mais audaz for apremissa inicial, mais interessante fica o desenvolvimento da hipótese e aconstrução, quem sabe, de uma teoria.

O fim está longe! Ou não…

É curioso que estejamos nos despedindo com uma teoria que parte da fórmulanewtoniana da gravidade. Parece que completamos um ciclo. Não há melhormomento para colocarmos nossas ideias em ordem…

A gravidade é uma força fundamental. Isso é fato. Esta força é gerada por eatua em qualquer massa ou concentração de energia.

A teoria que descreve a força da gravidade foi proposta em 1915 por AlbertEinstein e se chama relatividade geral. Ela descreve a gravidade como umacurvatura do espaço-tempo.

Há outras três forças fundamentais no Universo. Uma tem longo alcance,como a gravidade, e se chama força eletromagnética. As outras duas agem nointerior do núcleo atômico e se chamam força fraca e força forte. Essas trêsforças são bem descritas pela mecânica quântica com a troca de bósons virtuais.

A única força fundamental que a mecânica quântica ainda não conseguiudescrever foi a gravidade. Isso pode significar que ela simplesmente não équantizável ou pode querer dizer que ainda não sabemos como fazer isso.

Se um dia chegarmos a um modelo capaz de descrever todas as forçasfundamentais no interior do mesmo formalismo matemático, teremos atingido oSanto Graal da física, a chamada teoria de tudo.

Isso pode demorar mais alguns séculos.Ou pode até ter sido feito no curto período que separa o ato de escrever este

livro ao de publicá-lo!Por ora, entretanto, todos sabem a pergunta e ninguém sabe a resposta.Mas todos concordam entre si: os nossos são os tempos mais animadores para

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se estudar o problema!

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Índice remissivo

Aação à distância, 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9AEC (Antes da Era Comum), 1Al-Biruni, Abu Rayhan, 1-2, 3, 4Aristarco, 1-2, 3Aristóteles

física de (aristotélica), 1, 2, 3-4, 5, 6modelo de (aristotélico), 1obra de (aristotélica), 1-2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9, 10

astronomia, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9-10, 11, 12Astronomia nova (Johanes Kepler), 1-2átomo, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9-10, 11autointeração, 1-2

BBacon, Roger, 1-2balança de torção, 1-2balística, 1, 2Bohr, Niels, 1-2, 3bóson, 1, 2, 3, 4-5, 6

de Higgs, 1Brahe, Tycho, 1-2, 3, 4-5, 6buraco negro, 1Buridan, Jean, 1-2, 3

Ccampo

conceito de, 1, 2, 3de força, 1, 2gravitacional, 1, 2-3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19

Cantor, Georg, 1-2cinemática, 1-2, 3-4Cometa, 1-2, 3, 4, 5

Halley, 1, 2, 3-4constante

de acoplamento, 1, 2

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de gravitação universal, 1-2, 3de Planck, 1-2velocidade da luz como, 1, 2

Copérnico, Nicolau, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8modelo (sistema) de, 1-2, 3, 4, 5, 6obra de, 1-2, 3

curva de rotação, 1-2

Ddeferentes, 1-2, 3

veja também epiciclosdesvio para o vermelho, 1-2, 3-4dimensões, 1, 2-3

compactas, 1, 2-3quarta, 1-2, 3quinta, 1-2, 3

dinâmica newtoniana modificada (MOND), 1-2

Eeletrodinâmica quântica (QED), 1-2, 3eletromagnetismo, 1-2, 3, 4, 5

gravidade e, 1, 2, 3, 4, 5, 6éter, 1, 2, 3, 4, 5

luminífero, 1, 2Estratão (de Lâmpsaco), 1equante, 1, 2, 3epiciclos, 1-2, 3, 4

veja também deferentesespécie, 1-2, 3, 4, 5extrusão (dos corpos), 1Einstein, Albert, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8-9, 10, 11, 12-13, 14, 15, 16

equações de, 1-2, 3, 4, 5postulado de, 1, 2teoria da relatividade de, 1, 2, 3, 4

espaço-tempo, 1-2curvatura do, 1, 2, 3, 4deformação do, 1distorção do, 1, 2

elétron, 1-2, 3-4, 5, 6, 7, 8, 9-10

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efeito fotoelétrico, 1-2, 3eletrodinâmica quântica, 1elipse (órbitas em forma de), 1, 2, 3, 4

FFaraday, Michael, 1, 2, 3, 4, 5, 6férmion, 1-2força

centrípeta, 1, 2, 3forte, 1, 2, 3, 4, 5fraca, 1, 2, 3, 4gravitacional, 1, 2, 3nuclear, 1, 2-3, 4-5, 6

fóton, 1, 2, 3, 4, 5, 6função de onda, 1-2, 3-4

Ggaláxia, 1-2, 3-4, 5Galilei, Galileu, 1, 2, 3, 4, 5, 6geocentrismo, 1

veja modelo (sistema) geocêntricogeodésica, 1-2, 3geometria, 1, 2, 3, 4, 5

não euclidiana, 1-2,grave, 1-2, 3-4, 5, 6, 7, 8, 9-10gravidade

aceleração da, 1, 2centro de, 1, 2conceito de, 1, 2, 3, 4força da, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14história da, 1, 2, 3influência da, 1-2, 3, 4-5, 6natureza da, 1, 2newtoniana, 1, 2quântica de laço, 1teoria da, 1-2, 3-4, 5zero, 1-2

gravitação universal, lei da, 1, 2, 3, 4gráviton, 1, 2, 3, 4, 5-6

Page 203: Alexandre Cherman - Por Que as Coisas Caem: Uma Historia Da Gravidade

HHalley, Edmond, 1, 2-3, 4

cometa, 1, 2Heisenberg, Werner, 1-2, 3

princípio da incerteza de, 1-2, 3heliocentrismo

veja modelo (sistema) heliocêntricoHooke, Robert, 1, 2-3

IIdade Média, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9ímpeto (teoria do), 1, 2-3, 4, 5, 6, 7, 8inércia, 1, 2, 3, 4infinito, 1, 2, 3-4, 5interferometria, 1

KKepler, Johannes, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7, 8, 9

Lleveza, 1, 2-3, 4, 5Ligo (Laser Inteferometer Gravitational-Wave Observartoy, Observatório de

Ondas Gravitacionais por Interferometria Laser), 1-2, 3lugar natural, 1, 2-3, 4, 5, 6luz, 1, 2, 3

ação gravitacional sobre, 1, 2, 3, 4, 5natureza da, 1-2, 3, 4-5, 6, 7-8, 9, 10velocidade da, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8, 9, 10, 11

Mmassa, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11

centro de, 1, 2e energia, 1-2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10, 11

marés, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7, 8-9matéria

e energia, 1-2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10, 11escura, 1-2, 3quantidade de, 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9

mecânicaceleste, 1

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quântica, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7-8Mercúrio (planeta), 1, 2, 3, 4, 5, 6-7, 8, 9, 10, 11-12Milgrom, Mordehai, 1, 2modelo (sistema)

copernicano (ou de Copérnico), 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8geocêntrico, 1, 2, 3, 4, 5, 6heliocêntrico, 1, 2, 3, 4, 5, 6-7, 8-9, 10-padrão, 1-2, 3, 4-5ptolomaico (ou de Ptolomeu), 1-2, 3, 4, 5

momento, 1, 2, 3, 4-5, 6motor primordial, 1, 2movimento

celeste, 1circular, 1, 2de projétil(eis), 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9, 10de rotação, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11-12, 13, 14-15, 16natural, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9planetário, 1, 2, 3quantidade de, 1, 2, 3, 4-5uniforme, 1, 2, 3, 4

NNetuno (planeta), 1, 2, 3, 4Newton, Isaac, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9, 10, 11

canhão de (newtoniano), 1-2mito da maçã (como inspiração para a gravidade), 1-2, 3obra de, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9, 10teoria da gravitação de, 1, 2, 3-4, 5-6, 7, 8-9, 10, 11, 12, 13veja também Principia

OOckham, William de, 1-2, 3, 4navalha de, 1onda, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8, 9-10, 11-12, 13, 14-15órbita, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13

elíptica, 1-2, 3, 4-5, 6, 7veja também elipse

Oresme, Nicolau, 1-2

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pperturbação, 1, 2, 3, 4, 5-6peso, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9-10, 11, 12, 13, 14-15, 16, 17-18

e leveza, 1, 2, 3, 4, 5Philoponus, Iohannes, 1-2Planck, Max, 1, 2-3, 4, 5plano inclinado, movimento sobre, 1, 2Platão, 1-2, 3-4, 5, 6, 7, 8, 9potência, 1precessão do periélio, 1-2Principia (Philosophiae Naturalis Principia Mathematica), 1-2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9princípio

da equivalência, 1-2da incerteza, 1, 2, 3da relatividade, 1-2quaternário, 1, 2veja também quatro elementos (primordiais)

Princípios matemáticos da filosofia natural, 1veja também Principia

projétilmovimento e trajetória de, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9, 10

próton, 1, 2Ptolomeu, 1-2, 3-4, 5

Qquantidade de matéria, 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9quark, 1quatro elementos (primordiais), 1, 2, 3

física dos, 1, 2veja também princípio quaternário

queda (livre), 1, 2, 3-4, 5, 6, 7, 8-9, 10-11

Rrelatividade

especial, 1, 2, 3-4, 5geral, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7-8, 9, 10, 11, 12-13, 14, 15, 16, 17, 18-19restrita, 1, 2teoria da, 1, 2-3

Renascimento, 1, 2, 3, 4

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renormalização, 1, 2, 3-4retrogradação (dos planetas), 1, 2rotação

curva de, 1-2da Terra, 1, 2, 3, 4, 5

Rutherford, Ernest, 1-2, 3, 4, 5

SSchrödinger, Erwin, 1-2, 3simpatia, 1, 2, 3, 4Sistema Solar, 1, 2, 3, 4, 5, 6-7, 8-9, 10supercordas, 1-2

veja também teoria das cordas, 1supersimetria, 1-2

TTartaglia, Niccolò, 1-2, 3teoria

da relatividade, 1, 2, 3, 4veja também relatividadedas cordas, 1veja também supercordas de Kaluza-Klein, 1-2, 3de tudo, 1-2, 3-4

Tomás de Aquino, São, 1-2

Vvórtices cartesianos, 1

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Edição anterior: 2010Ilustrações originais: Damarquinho Camilo

Capa: Sérgio CampanteIlustração da capa: © B. Pepone/Corbis/Corbis (DC)/Latinstock

Edição digital: junho 2012

ISBN: 978-85-378-0486-5

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