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414 ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA: IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS José Carlos MIGUEL 1 Resumo: O artigo analisa o papel do conhecimento matemático no respaldo aos processos de leitura e de escrita. Parte de um conjunto de ações desenvolvidas no contexto do projeto “Alfabetização matemática: implicações pedagógicas”, do Núcleo de Ensino da FFC – UNESP – Campus de Marília, vale-se da análise documental, da análise do discurso e de observação de aulas para compreender algumas representações e concepções de professores e alunos no tocante ao processo de ensino e de aprendizagem da Matemática. Considerando a Matemática como uma disciplina de investigação, conclui que não há como se falar em educando alfabetizado se este não domina conceitos elementares da área e que os progressos dos alunos em relação ao conhecimento matemático se configuram mediante inserção num processo de resolução de problemas no qual a situação-problema é ponto de partida da ação pedagógica capaz de conduzir à formação do conceito. Por fim, considera que as perspectivas de renovação dos programas de ensino dessa disciplina concretizam-se no movimento de ação cultural da própria escola enquanto célula geradora de discussão. Palavras-chave: Alfabetização Matemática; letramento; metodologia; currículos e programas; produção de textos. INTRODUÇÃO Partimos da crença de que é apenas a partir da própria experiência que se facilita a construção do conhecimento matemático. Somente uma metodologia apoiada na sutileza do raciocínio próprio pode conduzir a proposições mais abstratas e à utilização do raciocínio formal, lógico e dedutivo típico da matemática. Isso de justifica porque nota-se, em geral, certo descontentamento na análise de indicadores sobre a situação do processo ensino-aprendizagem da Matemática. Os alunos, apesar de manterem uma boa relação com certos conteúdos matemáticos antes da escolarização, mesmo sem assim reconhecê-los, mostram na escola certa resistência à disciplina, fruto de crenças e convenções sociais e culturais, que impedem de reconhecer a Matemática como parte integrante de suas vidas. Os professores das séries iniciais não têm formação específica na disciplina e a formação recebida, em geral, não possibilita uma abordagem segura dos conteúdos de modo que se perdem em modelos tradicionais pautados por procedimentos imitativo-repetitivos que não dão conta de instigar nos alunos a vontade de aprender. Partindo do pressuposto de que a Matemática é instrumento necessário para sustentação de diversas áreas do conhecimento e se insere de forma marcante em nossas vidas, orientamos nosso estudo de modo a buscar a compreensão necessária para superar algumas concepções errôneas, vigorantes no cotidiano escolar, que influenciam diretamente o processo de 1 Professor Assistente Doutor (Metodologia de Ensino de Matemática – Departamento de Didática – FFC/UNESP – Campus de Marília).

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ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA: IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

José Carlos MIGUEL1

Resumo: O artigo analisa o papel do conhecimento matemático no respaldo aos processos de leitura e de escrita. Parte de um conjunto de ações desenvolvidas no contexto do projeto “Alfabetização matemática: implicações pedagógicas”, do Núcleo de Ensino da FFC – UNESP – Campus de Marília, vale-se da análise documental, da análise do discurso e de observação de aulas para compreender algumas representações e concepções de professores e alunos no tocante ao processo de ensino e de aprendizagem da Matemática. Considerando a Matemática como uma disciplina de investigação, conclui que não há como se falar em educando alfabetizado se este não domina conceitos elementares da área e que os progressos dos alunos em relação ao conhecimento matemático se configuram mediante inserção num processo de resolução de problemas no qual a situação-problema é ponto de partida da ação pedagógica capaz de conduzir à formação do conceito. Por fim, considera que as perspectivas de renovação dos programas de ensino dessa disciplina concretizam-se no movimento de ação cultural da própria escola enquanto célula geradora de discussão.

Palavras-chave: Alfabetização Matemática; letramento; metodologia; currículos e programas; produção de textos.

INTRODUÇÃO

Partimos da crença de que é apenas a partir da própria experiência que se facilita a

construção do conhecimento matemático. Somente uma metodologia apoiada na sutileza do

raciocínio próprio pode conduzir a proposições mais abstratas e à utilização do raciocínio formal,

lógico e dedutivo típico da matemática.

Isso de justifica porque nota-se, em geral, certo descontentamento na análise de

indicadores sobre a situação do processo ensino-aprendizagem da Matemática. Os alunos, apesar

de manterem uma boa relação com certos conteúdos matemáticos antes da escolarização, mesmo

sem assim reconhecê-los, mostram na escola certa resistência à disciplina, fruto de crenças e

convenções sociais e culturais, que impedem de reconhecer a Matemática como parte integrante

de suas vidas. Os professores das séries iniciais não têm formação específica na disciplina e a

formação recebida, em geral, não possibilita uma abordagem segura dos conteúdos de modo que

se perdem em modelos tradicionais pautados por procedimentos imitativo-repetitivos que não dão

conta de instigar nos alunos a vontade de aprender.

Partindo do pressuposto de que a Matemática é instrumento necessário para

sustentação de diversas áreas do conhecimento e se insere de forma marcante em nossas vidas,

orientamos nosso estudo de modo a buscar a compreensão necessária para superar algumas

concepções errôneas, vigorantes no cotidiano escolar, que influenciam diretamente o processo de

1Professor Assistente Doutor (Metodologia de Ensino de Matemática – Departamento de Didática – FFC/UNESP – Campus de Marília).

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ensino e aprendizagem. A fim de analisar estas concepções equivocadas, tratamos de identificar

as possibilidades de um trabalho em Matemática baseado na contextualização, na historicização

do pensamento matemático, na comunicação e na interdisciplinaridade, procurando estabelecer

conexões com a língua materna.

De fato, o elemento central da questão é a carência de atribuição de sentido ao que

se faz no processo ensino-aprendizagem:

“A palavra ‘sentido’ parece estar cada vez mais presente nas preocupações dos professores sobre o ensino da matemática. ‘Como conseguir que os alunos encontrem o sentido da atividade matemática?’, ‘Os alunos agem mecanicamente sem dar sentido ao que fazem’, entre outras, são expressões habituais dos professores. A palavra ‘sentido’ parece explicar intenções, conquistas e frustrações. No entanto, questões como qual significado se atribui à palavra, onde se encontra o sentido, se é algo que o docente dá ou o aluno constrói e em que condições, longe de serem claras e compartilhadas, comportam profundas diferenças e contradições”. (PANIZZA, 2006, p. 19, grifos do autor).

É baseado na busca de superação das barreiras existentes para a concretização de

um processo de ensino e aprendizagem em Matemática que o presente trabalho se justifica,

tratando, aliás, de pensá-las justamente sob a lógica das representações dos principais atores

envolvidos, ou seja, educadores e educandos.

Partimos do princípio de que a tradição escolar não considera as representações

utilizadas pelos alunos desde o início da escolaridade como indicativas de uma maneira de

conhecer os objetos e as representações simbólicas sempre carregadas de forte apego sócio-

cultural. Parecem esquecer que cada cultura tem uma forma própria de encarar e mesmo de

representar os fatos, matemáticos ou não, que se lhe apresentam e que é o papel da escola

encaminhar a construção de um modelo formal com tendências à generalização e à universalidade

como é o matemático.

Considerando a possibilidade de um trabalho contextualizado, comunicativo e

interdisciplinar em Matemática, o intento de nosso estudo é analisar as representações de alunos

e professores frente ao conhecimento matemático, de maneira que possamos identificar suas

concepções e discutir as implicações das mesmas para o processo de construção do

conhecimento na disciplina.

Buscamos situar o papel da Matemática no contexto de apropriação dos processos

de leitura e escrita e pensar a comunicação nas aulas de Matemática de modo a conduzir a

ruptura com posturas didáticas que distanciam e alienam o conhecimento matemático das crianças

e das demais áreas curriculares. Por fim, é nosso objetivo, face às relações estabelecidas, discutir

suas implicações para a prática docente e para a forma de organização dos programas de ensino

de Matemática.

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BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Para delinear o que se deve compreender como alfabetização matemática e suas

implicações para a prática docente partimos de formulações conseqüentes acerca das concepções

de letramento e alfabetização, seus pressupostos, seus pontos de aproximação e distanciamento.

Lançamos mão de entrevistas semi-estruturadas para levantamento e posterior

análise das representações sobre Matemática de cerca de dez professores e dez alunos de séries

iniciais do ensino fundamental, escolhidos aleatoriamente no grupo de professores da Rede Oficial

de Ensino envolvidos no trabalho pedagógico desenvolvido no contexto do Núcleo de Ensino da

UNESP – Campus de Marília.

Paralelamente, a análise documental e a análise do discurso dos sujeitos ao longo

do referido trabalho permitiram o delineamento da compreensão que detém do problema em

investigação de modo que, à luz do referencial teórico construído, será possível a interpretação de

suas conseqüências e implicações para a prática pedagógica.

Desse modo, a pesquisa configura-se como abordagem qualitativa e funda-se na

busca de estabelecimento de relações e vínculos com o grupo pesquisado para compreensão e

delineamento dos problemas que se colocam no cotidiano escolar.

REFLETINDO SOBRE O COTIDIANO DAS AULAS DE MATEMÁTICA: ALGUMAS CONSTATAÇÕES

Mesmo antes da escolarização a criança é constantemente envolvida em atividades

matemáticas que mesmo não sendo assim reconhecidas por elas envolvem aspectos quantitativos

da realidade. Isto significa que mesmo antes de freqüentar a escola as crianças classificam,

ordenam, quantificam e medem e desta forma mantêm uma boa relação com a Matemática.

Mas porque essa relação se complica quando a criança inicia sua vida escolar e se

agrava gradativamente no decorrer de todos os níveis de ensino?

Em geral, as investigações realizadas no cotidiano escolar têm mostrado que pouco

se trabalha com Matemática no início da escolarização. Seja na educação infantil ou nas séries

iniciais do ensino fundamental a prioridade no trabalho dos professores são os processos de

aquisição da leitura e da escrita e, como se não fosse componente fundamental da alfabetização,

a Matemática é relegada a segundo plano, e ainda assim tratada de forma descontextualizada,

desligada da realidade, das demais disciplinas e até mesmo da língua materna.

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Este tipo de postura pedagógica que aliena o conhecimento matemático como se

fosse pronto, fechado em si mesmo e alheio a qualquer outro tipo de conhecimento, há muito

tempo é alvo de críticas, entretanto, é uma realidade no cotidiano escolar.

Iniciativas que de alguma forma se opõem a esta concepção na tentativa de tornar a

aprendizagem prazerosa e significativa para os alunos são raras e merecem destaque. Diante da

evidente dificuldade de seus alunos em compreender e lidar com certas questões pertinentes ao

conhecimento matemático, uma professora vinculada ao projeto deixou a forma com que estava

habituada a trabalhar e passou a utilizar textos sobre a História da Matemática para abordar os

conteúdos na sala de aula. Nas primeiras aulas que tivemos oportunidade de observar estudavam

a contagem, a professora dispunha de textos condizentes com a faixa etária das crianças, que

descreviam como se contava antigamente e qual era a utilidade da contagem.

Em uma conversa informal como os alunos, conseguimos algumas respostas que

davam indícios de resultados positivos. O trecho de um diálogo exposto a seguir confirma isso:

Pesquisador: - O que você mais gosta de estudar na sala de aula?

Aluno: - Gosto de desenho, de contar e de escrever.

Pesquisador: - Ah! Então você gosta de contar?

Aluno: - Gosto! A professora contou a história!

Pesquisador: - História? Qual história?

Aluno: - A da ovelha e das pedrinhas (Referindo-se a um texto que descreve como e para que se contava antigamente).

Pesquisador: - E como é essa história?

Aluno: - O homem contava as ovelhas com pedrinhas para ninguém roubar!

Pesquisador: - E para que você conta?

Aluno: - Para saber quantas figurinhas eu tenho para ninguém me roubar...

Pesquisador: - Você também usa pedrinhas para contar?

Aluno: - Não, eu não! Uso os dedos!

Sugerimos à professora a exploração, também, de outras funções do número:

código e ordenação. Tradicionalmente a escola explora apenas a noção de contagem de rotina e

se esquece de fatos relacionados à experiência dos alunos tais como a sua identidade cultural, o

endereço e uma gama de situações sociais que não expressam necessariamente a noção de

quantidade.

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Percebemos que aos poucos o trabalho com textos da História da Matemática

atingia seu objetivo maior, ou seja, dar significado à aprendizagem. A professora nos revela seu

contentamento nesta fala:

“No início das aulas estávamos trabalhando somente com a apostila, porém,

percebi que não conseguia atingir os resultados que gostaria, as crianças

contavam, mas de forma mecânica, muitas vezes nem sabiam porque estavam

fazendo a contagem. Quando adotei a História da Matemática como instrumento

auxiliar de ensino, sabia que teria que enfrentar alguns problemas, mas ... Enfim,

está dando certo, hoje percebo que as crianças têm mais interesse nas aulas de

Matemática e principalmente, que aquilo que elas aprendem tem significado”.

A aposta que a professora faz tem fundamento no que se poderia denominar de

processo de formação de conceitos matemáticos porquanto busca resgatar o contexto no qual se

coloca o fato matemático, considera a sua evolução histórica e visa estabelecer interfaces com as

demais áreas do conhecimento, em especial, com os processos de leitura e de escrita. Vê o fato

matemático como uma ação interiorizada em pensamento e tenta resgatar a Matemática como um

fazer humano.

Ao revelar a Matemática como uma criação humana, ao mostrar necessidades e

preocupações de diferentes momentos históricos, ao estabelecer comparações entre os

conceitos e processos matemáticos do passado e do presente, o professor tem a

possibilidade de desenvolver atitudes e valores mais favoráveis do aluno diante do

conhecimento matemático (BRASIL, 2000, p. 45).

Se tais iniciativas apresentam bons resultados, porque são tão pouco freqüentes?

Podemos apontar várias razões, entre elas, os problemas na formação do professor,

resistência por parte de gestores escolares, muito preocupados com a problemática do

cumprimento dos programas, que muitas vezes não leva em conta o que as crianças já sabem, e

com uma suposta relação harmônica dentro da escola, a defasagem da escola em relação à

assistência material, a falta de orientação pedagógica aos professores, o medo ou mesmo o

comodismo.

São vários os obstáculos e são poucos os dispostos a enfrentá-los. A mesma

professora confessou-nos ter tentado desenvolver o trabalho em conjunto com as demais classes,

colocou o material utilizado em suas aulas à disposição dos outros professores, porém, eles

optaram por continuar o trabalho com a apostila.

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A predominância de modelos tradicionais de ensino possibilitou-nos constatar que

as aulas de Matemática são, em geral, silenciosas, não silenciosas no sentido de não existir

barulho, mas no sentido de inexistência de diálogo. Assim sendo, as aulas podem ser descritas

desta forma: o professor, à frente dos alunos, expõe o conteúdo e determina qual fórmula deve ser

utilizada ou a regra a ser seguida para resolver os exercícios. O aluno, por sua vez, copia as

formulas e aplica nos chamados exercícios de fixação. O objetivo é atingido quando os alunos

memorizam as formulações e conseguem aplicá-las sem recorrer às suas anotações, ou seja,

quando enfim conseguiu memorizá-las.

O que estamos tentando demonstrar é que falta espaço para conversas,

questionamentos, troca de opiniões entre os alunos, interação entre eles e com o professor; enfim,

há um distanciamento entre os atores envolvidos que, ao nosso ver, interfere diretamente na

aprendizagem.

A interação social é fundamental, afinal,

[...] os adultos e outras crianças constituem o ambiente social de uma criança, eles também influenciam fortemente sua construção do conhecimento lógico-matemático de várias maneiras. Eles alimentam a atividade mental da criança por meios indiretos (como acontece quando se põe uma dúvida, diante da criança, a respeito da veracidade de uma idéia), ou eles fazem algo que desencadeia na criança um ímpeto de tentar fazer uma nova relação entre idéias. (KAMII, 1986, p. 58).

Está claro que a concepção da Matemática enquanto ciência traz consigo alguns

aspectos que configuram pretensão à exatidão, ou seja, cálculos, formulações e procedimentos

mecânicos, imutáveis e prontos, que não deixam espaço para nenhum outro tipo de interação que

não aquela pré-determinada da relação professor-aluno onde o educador fala, os alunos escutam

e obedecem. É o que indicam HUETE e BRAVO (2006; p. 16):

Toda disciplina curricular marcada por um caráter de cientificidade possui uma hierarquia em seu conteúdo. É o que determina a estrutura interna para organizar e relacionar todas as partes. Uma das dificuldades de ensinar e aprender Matemática está em sua natureza hierarquizada, bem como no problema de definir hierarquias com precisão e exatidão para todos os conteúdos matemáticos.

Informações coletadas junto aos educadores nos ajudam a compreender essa falta

de diálogo nas aulas de Matemática. Em síntese, o pensamento que impera é justamente aquele

que expomos anteriormente, ou seja, se o conhecimento matemático é exato não há o que

questionar ou discutir. Realmente é essa a postura assumida dentro da sala de aula; nossas

observações em uma sala de quarta série de uma escola pública alertaram-nos que o problema é

mais grave do que aparenta ser, sendo que nos defrontamos com alguns casos que não só

preocupam, mas indignam.

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Na maioria das vezes a inserção no cotidiano das salas de aula revela grandes

dificuldades dos alunos em relação às operações básicas constatando-se a existência de crianças

que estudam conceitos mais elaborados como o de número racional em sua representação

fracionária sem compreender problemas simples envolvendo adição e subtração. O mais grave, no

entanto, é quando se constata que o professor não tem conhecimento do problema, e se o tem,

ignora-o.

Como é possível que uma criança chegue à quarta série sem compreender

operações básicas como a adição e a subtração? Decerto que as respostas para estas questões

envolvem aspectos que ultrapassam a sala de aula, contudo, não se pode negar que a falta de

comunicação entre educador e educando e o ‘silêncio’ existente nas aulas de Matemática

impedem o professor de saber como seus alunos estão ‘recebendo’ os conteúdos das aulas, se

conseguem ou não compreendê-lo e acompanhá-lo, enfim, impedem-no de identificar possíveis

problemas e, da mesma forma, ou modificar e transformar o que há de errado.

Introduzir os recursos de comunicação nas aulas das séries iniciais pode concretizar a aprendizagem em uma perspectiva mais significativa para o aluno e favorecer o acompanhamento desse processo por parte do professor (SMOLE & DINIZ, 2001, p.15)

Questionada sobre o que fazia para resolver as questões que a professora aplicava

mesmo sem saber como, uma das crianças respondeu de forma bem natural, que na hora da

correção ela copiava tudo.

Mas, se o objetivo principal da inserção da Matemática no currículo do ensino

básico é fazer com que o aluno explore, organize, relacione seus pensamentos, porque não dar

oportunidade para que ele fale, argumente e discuta suas resoluções, idéias e opiniões? Porque

não proporcionar a ele um ambiente favorável que permita o desenvolvimento de suas

capacidades de maneira independente e autônoma?

Kamii discute, dentre outros assuntos relacionados ao conhecimento matemático,

alguns pressupostos para que o professor possa desenvolver um trabalho em Matemática de

forma que estimule a construção do conhecimento pela própria criança. Segundo a autora, muitos

educadores não conseguem reconhecer seus alunos como seres pensantes capazes de refletir

sobre os mais diversos assuntos, e na maioria das vezes pensam neles como “[...] um copo vazio

que deve ser cheio a um certo nível na 1ª série, um pouco mais na 2ª série, e assim

sucessivamente”. (KAMII, 1986, p. 294).

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A passividade do educando em relação ao conhecimento matemático é fruto desse

tipo de concepção; afinal, o professor que não vê na pessoa do aluno um agente transformador da

realidade, pouco ou nada faz para que sua postura diante do conhecimento matemático se

modifique.

Desta forma, ignora alguns recursos que, sem dúvida nenhuma, o ajudariam a

construir um processo de ensino e aprendizagem em matemática preocupada não só com

formulações, regras e memorização, mas em formar cidadãos conscientes do seu papel

transformador.

[...] o ensino de Matemática prestará sua contribuição, à medida que forem exploradas metodologias que priorizem a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, o espírito crítico, e favoreçam a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia advinda do desenvolvimento da confiança na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios (BRASIL, 2000, p. 31).

Entre os caminhos para ‘fazer Matemática’ os Parâmetros Curriculares Nacionais –

Matemática (BRASIL, 2000) destacam a Resolução de Problemas, as tecnologias de Informação,

a História da Matemática, os jogos e o trabalho em grupos cooperativos. São recursos simples que

exigem apenas um pouco de coragem, paciência e acima de tudo boa vontade por parte dos

professores. Entretanto, na maioria das vezes, ignoram-se tais recursos, mesmo os mais simples.

Trata-se, sob a nossa óptica, de considerar que para a diversidade dos alunos a que

dirigimos os conhecimentos oferecem diferenças que residem nas capacidades e nas motivações

para aprender, o que supõe uma adaptação individualizada de objetivos, conteúdos, métodos de

ensino, organização da aula, avaliação, etc., iniciativas facilitadoras do ajuste dos mesmos à suas

necessidades de aprendizagem.

O caso do recurso à resolução de problemas é mais complexo, ainda. Apontado

como eixo organizador do conhecimento em Matemática, a resolução de problemas, quando

apresenta temas motivadores e próximos à realidade do aluno, abre espaço para a elaboração de

diferentes procedimentos, comparação de resultados, estruturação do pensamento, entre outras

habilidades, que valorizam o processo de resolução e não somente as respostas corretas. Além

disso, os problemas poderiam auxiliar diretamente o processo de letramento, afinal, envolvem

elementos pouco aproveitados como a escrita, a leitura, a criatividade e a comunicação.

Entretanto, “[...] tradicionalmente, os problemas não têm desempenhado seu verdadeiro papel no

ensino, pois, na melhor das hipóteses são utilizados apenas como forma de aplicação de

conhecimentos adquiridos anteriormente pelos alunos”. (BRASIL, 2000, p. 42).

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A aprendizagem matemática é condicionada por sua estrutura interna. A natureza

do processo de sua construção obriga a voltar periodicamente sobre os mesmos conteúdos com

níveis de complexidade, abstração e formalização crescentes. Quando o aluno inicia a construção

de noções matemáticas, o faz tornando-as coesas com a situação concreta em que se

apresentam. Isso afiança a necessidade de uma apresentação formal a partir do próprio ambiente

e a impossibilidade de argumentar sobre situações abstratas sem o devido critério.

Registre-se, por outro lado, que geralmente os critérios utilizados pelos professores

para avaliar as crianças nas séries iniciais do ensino fundamental, envolvem aspectos como

comportamento, participação e desempenho nas provas. Sem dúvida que entre estes critérios há a

predominância do desempenho nas provas sobre os outros, afinal, é crença geral que as provas

objetivas determinam o que o aluno aprendeu ou não. Entretanto, quando o trabalho do professor

é diversificado em relação a recursos didáticos e metodologia, a avaliação pode ser realizada

levando-se em conta a postura do aluno frente ao conhecimento, ou melhor, durante o processo

de construção do conhecimento. Além disso, nem sempre exatidão é sinônimo de compreensão,

assim como, nem sempre respostas erradas significam incompreensão.

Sendo assim, “[...] a tarefa do avaliador constitui um permanente exercício de

interpretação de sinais e indícios” (BRASIL, 2000, p. 59), que estão além do desempenho em

exames e provas.

Por fim, convém salientar que,

Se na escola assumirmos tanto ao ensinar como ao avaliar, que fazer Matemática é mais do que fazer contas, não só poderíamos conseguir que as crianças adquirissem conhecimentos como também ofereceríamos a oportunidade de que elas se apaixonassem por essa invenção humana que é a Matemática. (ZUNINO, 1995, p.27).

DISCUTINDO ALGUNS FATORES CONDICIONANTES DA APRENDIZAGEM MATEMÁTICA

Aprender não deve apenas levar-nos até algum lugar, mas também permitir-nos, posteriormente, ir além de maneira mais fácil. (BRUNER, 1972, p. 15).

Decerto que a Matemática faz parte de nossas vidas mesmo antes da escolarização

e mesmo que não nos damos conta disso; enquanto crianças fazemos Matemática a todo instante.

É fato também que, como atividade socialmente definida, a Matemática está sujeita a algumas

crenças e opiniões que de alguma forma influenciam nossa concepção.

Desse modo, a criança chega à escola carregada de idéias equivocadas de que a

Matemática é difícil, complicada, utilizada somente por estudiosos e gênios e que por ser abstrato

o conhecimento matemático não tem utilidade fora do ambiente escolar, daí a dificuldade das

crianças em reconhecer a Matemática como parte do cotidiano.

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De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, justifica-se a presença da

Matemática no currículo escolar, pois ela “[...] permite resolver problemas da vida cotidiana, tem

muitas aplicações no mundo do trabalho e funciona como instrumento essencial para a construção

de conhecimentos em outras áreas curriculares”. Da mesma forma, interfere fortemente na

formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento e na agilização do

raciocínio do aluno. (Brasil, 2000, p. 15).

Embora a maioria dos professores afirme conhecer a utilidade da Matemática à

vida, ao trabalho, à ciência e ao desenvolvimento intelectual, são poucos os que assumem uma

postura e que orientam sua prática de forma que o objetivo seja despertar no aluno interesse e

vontade de aprender Matemática. O ambiente escolar que deveria então transformar as

concepções erradas que os alunos carregam consigo, acaba por reforçá-las.

O conhecimento matemático é fruto de um processo de que fazem parte a imaginação, os contra-exemplos, as conjecturas, as críticas, os erros e os acertos. Mas ele é apresentado de forma descontextualizada, atemporal e geral, porque é preocupação do matemático comunicar resultados e não o processo pelo qual os produziu. (BRASIL, 2000, p. 28).

Toda criança é naturalmente curiosa, participativa e questionadora e sabemos que é

desta forma que constrói seu conhecimento, entretanto, os modelos tradicionais impõem barreiras

que ignoram essas características inatas e determinam à criança um papel secundário e passivo

de simples receptor na construção do conhecimento, anulando assim, sua espontaneidade e

autonomia.

[...] os alunos constroem o seu conhecimento, logo, o modelo de ensino não pode ser baseado na transmissão do conhecimento por parte do professor, mas sim, num modelo onde a investigação, a construção e a comunicação entre os alunos são palavras-chave. (SERRAZINA, 2000, p. 67).

Aprender Matemática é um procedimento fundamental para adquirir e desenvolver

capacidades cognitivas gerais. Existem atividades, como a resolução de problemas, a busca de

semelhanças e diferenças, a seleção e a aplicação de algoritmos que podem favorecer a

transferência a outros setores da aprendizagem.

Um processo de ensino e aprendizagem significativo em Matemática é aquele em

que há espaço para a comunicação, o diálogo, a troca de opiniões dos alunos entre si e com o

professor, enfim, em que a construção do conhecimento esteja baseada na ação e reflexão e não

simplesmente na transmissão e reprodução de informações. “[...] a comunicação tem grande

importância e deve ser estimulada, levando-se o aluno a “falar’ e a ‘escrever’ sobre Matemática, a

trabalhar com representações gráficas, desenhos, construções, a aprender como organizar e tratar

dados”. (BRASIL, 2000, p. 19).

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No que concerne aos recursos didáticos no ensino fundamental, o professor, sem

dúvida, terá que ir além das aulas expositivas. No 1º ciclo, início da escolarização, é normal que a

criança precise manipular o concreto para compreender alguns conceitos matemáticos, além

disso, o educador poderá propor jogos e brincadeiras, utilizar as tecnologias de informação como

auxiliares na construção do conhecimento.

Convém salientar que “[...] o recurso aos materiais manipuláveis e aos instrumentos

tecnológicos é imprescindível, mas estes devem constituir um meio e não um fim”. (SERRAZINA,

200, p. 67). Afinal, restringir a Matemática ao concreto ou a mera aplicação à realidade é um

equívoco, uma vez que a Matemática como construção humana se abstrai de tal forma que no

mundo contemporâneo, coloca problemas que ultrapassam a mera abordagem do real. Da mesma

forma, resvalar os fatos matemáticos a formulações e abstrações significa distanciá-los do nível de

desenvolvimento cognitivo das crianças.

O fato é que não há separação entre concreto e abstrato; tais instâncias do

pensamento se complementam dialeticamente e de acordo com a Proposta Curricular para o

Ensino de Matemática/1º Grau - SP:

Conseguir uma situação de equilíbrio nesta permanente tensão entre a pressão das necessidades práticas e a ultrapassagem da experiência concreta, tanto no nível das ferramentas conceituais como no das concepções, é a maior e mais difícil tarefa do professor de Matemática. (SÃO PAULO, 1992, p. 9).

Nesta mesma perspectiva devemos pensar a relação entre a Matemática e a língua

materna. Mostramos que o conhecimento matemático tem sido trabalhado na escola de forma

descontextualizada, isolada, como se fosse imutável e não se aplicasse a nenhuma outra área.

Essa idéia equívoca cria um distanciamento entre a língua materna e a Matemática. Contudo,

Todos os dias nos jornais, nas revistas, na televisão e em outras situações comuns à vida das pessoas, usa-se uma linguagem mista. Parece mesmo que é a escola que se encarrega de estabelecer um distanciamento entre estas duas formas de linguagem de tal modo que cria uma barreira, quase intransponível, entre elas. (SMOLE, CANDIDO & STANCANELLI, 1997, p. 13-14).

Pensar a Matemática como componente do processo de letramento não tem sido

uma abordagem comum entre os professores, mas, sem dúvida, se assim fosse, a Matemática

teria papel importante na consolidação dos processos de leitura e escrita nas séries iniciais do

ensino fundamental. Está claro que ela tem suas especificidades quanto à linguagem e à escrita,

porém, é possível pensar um trabalho em Matemática de forma que possa propiciar a

aprendizagem também na língua materna.

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Organizar o trabalho em Matemática de modo a garantir a aproximação dessa área do conhecimento e da língua materna, além de ser uma proposta interdisciplinar, favorece a valorização de diferentes habilidades que compõem a realidade complexa de qualquer sala de aula. (SMOLE & DINIZ, 2001, p. 29).

A Resolução de Problemas é um bom exemplo.

Através de situações-problema, o aluno é levado a interpretar o enunciado da

questão que lhe é proposta e a estruturar a situação que lhe é apresentada, a fazer transferências

de conceitos para resolver novos problemas.

Um problema matemático deve ser uma situação que demande uma seqüência de

ações e operações para obter o resultado. Ou seja, a solução não está disponível inicialmente,

mas deve ser construída durante a resolução de problemas, nas situações da vida cotidiana, nas

atividades do mundo do trabalho e no apoio à construção de conhecimentos em outras áreas

curriculares.

Quem determinou que os problemas matemáticos devam ser elaborados somente

pelo professor? De forma expressa, não se registra nenhuma orientação metodológica nesse

sentido, porém, é somente assim que os problemas são apresentados às crianças. Seria

importante que o professor permitisse que os alunos elaborassem seus textos de problemas

partindo de situações comuns de suas vidas. Afinal, “quando o aluno cria seus próprios problemas,

ele precisa organizar tudo o que sabe e elaborar o texto, dando-lhe sentido e estrutura adequados

para que possa comunicar o que pretende.” (SMOLE, 2001, p.151).

Prioritariamente, essa aproximação entre língua materna e Matemática através da

Resolução de Problemas elevaria, de certa forma, a autoconfiança dos alunos em relação ao seu

papel na aprendizagem tornando-os responsáveis por diferentes fases do processo de construção

do conhecimento. Existe por parte dos professores de Matemática uma constante insatisfação com

a falta de compreensão dos alunos em relação à leitura de enunciados dos problemas e, de

maneira geral, a culpa recai sobre os professores de Língua Portuguesa. Entretanto, o educador,

consciente de seu papel, ao invés de apontar culpados poderia trabalhar para que as dificuldades

fossem sanadas visto que elas têm origem, via de regra, na incompreensão dos próprios conceitos

matemáticos. Além disso, no ensino fundamental parece-nos ser de responsabilidade de todos o

desenvolvimento do hábito de leitura nos alunos. Com a Matemática não seria diferente:

Para o professor, a produção de textos em Matemática auxilia a direcionar a comunicação entre todos os alunos da classe; a obter dados sobre os erros, as incompreensões, os hábitos e as crenças dos alunos; a perceber concepções de vários alunos sobre uma mesma idéia e obter evidências e indícios sobre o conhecimento dos alunos. (SMOLE & DINIZ, 2001, p. 31).

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O educador pode propor diversas atividades que estimulem as crianças a ler e

produzir textos nas aulas de Matemática. Por exemplo, pedindo que façam o registro escrito das

atividades no final das aulas, descrevendo-as, expondo suas percepções, reflexões, descobertas e

dificuldades. A partir daí, o professor pode organizar a sala de forma que possam expor através da

leitura os textos elaborados. Desse modo, além, é claro, de trabalhar os conceitos matemáticos, a

produção e leitura de textos, incentivando discussões e troca de opiniões entre os alunos, o

professor facilita seu próprio trabalho, afinal, através dos textos elaborados consegue ter uma boa

idéia do nível de compreensão dos alunos e suas maiores dificuldades, podendo assim, direcionar

melhor sua prática.

Além de organizador, o professor também é consultor nesse processo. Não mais aquele que expõe todo o conteúdo aos alunos, mas aquele que fornece as informações necessárias, que o aluno tem condições de obter sozinho. Nessa função, faz explanações, oferece materiais, textos, etc. (BRASIL, 2000, p.40).

Da mesma forma que a resolução de problemas, a História da Matemática se

apresenta como importante recurso para o trabalho com a língua materna e com os conceitos

matemáticos. Promover atividades com textos da História da Matemática é envolver o aluno na

escrita, na leitura e na interpretação. Para o conhecimento matemático, auxilia a criança a

compreender que a Matemática é uma construção humana, um processo histórico construído

através de necessidades de várias origens.

A História da Matemática mostra que ela foi construída como resposta a perguntas provenientes de diferentes origens e contextos, motivadas por problemas de ordem prática (divisão de terras, calculo de créditos) por problemas vinculados a outras ciências (Física, Astronomia), bem como por problemas relacionados a investigações internas à própria Matemática. (BRASIL, 2000, p.42).

No entanto, somente a História da Matemática não é o bastante para uma

aprendizagem significativa, afinal,

[...] os papéis que o conhecimento matemático desempenha nos diferentes contextos escolares da atualidade são totalmente diversos daqueles por ele desempenhado no seio das comunidades científicas do passado, sendo conseqüentemente diversos os objetivos e a natureza dos processos interativos e intersubjetivos que se processavam/processam em um e outro desses contextos. (MIGUEL, 2001, p. 106).

Sendo assim, é importante que o professor não se limite ao contexto histórico, mas

que faça transposições didáticas para situações que tenham significado para a criança, quando

necessário.

No que concerne à avaliação, o professor pode utilizar critérios que não se

restrinjam somente ao desempenho dos alunos em provas objetivas, mas explorar os diversos

recursos existentes para fazer Matemática, de forma que ofereçam oportunidades de avaliação

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quanto a atitudes como autonomia, participação, compreensão, clarezas nas respostas,

envolvimento nos trabalhos em grupo, etc. A produção de textos em contexto matemático se torna,

então, valioso instrumento para acompanhamento do processo de aprendizagem.

A nosso ver as provas objetivas são importantes, mas não fundamentais; além

disso, priorizar apenas exatidão de respostas e descartar o caminho percorrido pelo aluno na

construção do conhecimento não nos parece muito significativo para a avaliação que, aliás, não

tem como fim único determinar o que o aluno sabe ou não, mas acompanhar seu desenvolvimento

durante todo processo e oferecer meios para que o professor repense a atividade pedagógica.

Finalmente, convém salientar que a criança é extremamente influenciada por tudo

que vê, ouve e sente, assim sendo, devemos esclarecer que o ambiente social e familiar é fator

determinante para um 'fazer Matemática' bem sucedido. Desta forma, proporcionar um ambiente

que, ao invés de hostilizar, favoreça o pensamento matemático, é responsabilidade de todos os

educadores e implica pensar na formação de um professor epistemologicamente curioso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há muito se discute a concepção tradicionalista de ensino e sua ênfase em uma

Matemática excessivamente abstrata, formal, mecanizada, expositiva e descontextualizada. No

entanto, ela constitui ainda a concepção adotada por boa parte dos professores, pais e pela

sociedade de maneira geral, e domina, em grande parte, livros, programas e ações em sala de

aula. Diante desta perspectiva, os alunos apresentam um bloqueio cada vez maior em relação ao

conhecimento matemático.

Valendo-se de argumentos que caracterizam a Matemática como ciência que trata

de verdades infalíveis e imutáveis, a maioria dos professores mantém uma prática voltada

somente à transmissão de conhecimentos, que pouco significado tem à criança. São poucos os

que orientam sua prática de forma a apresentar a Matemática como ciência dinâmica para

incorporação de novos conhecimentos, flexível e maleável às inter-relações entre os seus vários

conceitos e os seus vários modos de representação e, também, permeável aos problemas nos

vários outros campos científicos.

Desta mesma forma, são raros os casos em que a metodologia utilizada pelos

educadores ultrapassa as aulas expositivas. Nossas observações, no entanto, dão indícios de que

o processo de ensino e aprendizagem em Matemática não precisa se restringir à mera exposição

de informações, ao contrário, o trabalho em Matemática deveria ser orientado de forma a envolver

o aluno no processo de construção do conhecimento. Para tanto, o professor pode recorrer a

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diferentes recursos como jogos, brincadeiras, tecnologias de informação, História da Matemática e

Resolução de problemas, sendo que este último mantém-se como eixo organizador do processo

de ensino e aprendizagem em Matemática, e constitui-se como ferramenta fundamental para uma

aprendizagem contextualizada e significativa.

Quanto às relações entre Matemática e língua materna, foi possível constatar que

os professores têm muita dificuldade em reconhecer a Matemática como componente do processo

de letramento de modo que, ao serem questionados sobre o assunto não conseguem estabelecer

relações diretas. A nosso ver, esse tipo de reação é natural, afinal, falar em ler e escrever em

Matemática causa certa estranheza, no entanto, mostramos ser claramente possível um trabalho

com escrita, leitura e interpretação de textos através de atividades simples como elaboração de

problemas, registros de atividades, leitura de textos da História da Matemática, entre outros.

Outra dificuldade identificada durante nossas observações é a falta de

comunicação nas aulas de Matemática que, como vimos, interfere diretamente no processo de

ensino e aprendizagem, dificultando o desenvolvimento do aluno, afinal, prejudica a tanto a troca

de opiniões e conseqüentemente o estabelecimento de relações e conexões entre diferentes

conhecimentos e pontos de vista quanto o trabalho do professor, já que, a inexistência de diálogo

entre os atores envolvidos cria empecilhos para o acompanhamento e a avaliação dos alunos pelo

educador.

Pensando o conhecimento matemático como desligado da realidade do aluno,

distante da língua materna, e da comunicação, a avaliação da aprendizagem é restrita a bom

desempenho em exames e provas. Porém, quando o trabalho em sala de aula deixa de lado estas

concepções ao nível de senso comum e determina uma postura positiva em relação à Matemática

sendo que os recursos e critérios de avaliação tornam-se, da mesma forma que o conhecimento

matemático, significativos.

Falta, a nosso ver, maior orientação pedagógica aos professores de forma que eles

próprios esclareçam suas concepções em relação ao conhecimento matemático. Nossas

investigações deixaram claro que quando o professor reconhece a Matemática enquanto processo

histórico em permanente evolução, construído a partir de necessidades, sejam elas cotidianas ou

científicas, orienta seu trabalho para que seus alunos assim também a reconheçam. “O professor

não é apenas um comunicador, mas também um modelo. Alguém que não veja nada de belo ou

eficaz na Matemática não será capaz de despertar nos outros o sentimento de entusiasmo

inerente ao assunto”. (BRUNER, 1972, p. 85).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KAMII, C. Aritmética: novas perspectivas. Campinas: Papirus, 1986.

MIGUEL, A. “Breve ensaio acerca da participação da história na apropriação do saber matemático”. In: SISTO, F. F., DOBRÁNSKY, E. A. & MONTEIRO, A. (Orgs.). Cotidiano escolar. Petrópolis, Vozes, 2001, p. 106/117.

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SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação. Coordenaria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular para o ensino de Matemática: 1º grau. 4 ed. São Paulo: SE/CENP, 1992.

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SMOLE, K. C. S. & DINIZ, M. I. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender Matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.

ZUNINO, D. L. A Matemática na escola: aqui e agora. Porto Alegre: Artmed, 1996.