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ALGORITMOS DAS QUATRO OPERAÇÕES: COM A PALAVRA O PROFESSOR GONÇALVES, Alex Oleandro [email protected] Eixo Temático: Educação Matemática Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Este artigo é parte de um estudo mais amplo, realizado no curso de pós-graduação, Mestrado em Educação nos anos de 2008/2010. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que objetiva destacar os resultados significativos que apontam as relações entre o que o professor diz ser importante para o ensino das quatro operações fundamentais e aquilo que ele diz ensinar destas operações. Participaram deste estudo quatro professores do Ensino Fundamental, dois atuando na quarta série (atual quinto ano) e dois na quinta série (atual sexto ano) de escolas públicas de Campina Grande do Sul, região metropolitana de Curitiba, Paraná. A coleta de informações e composição dos textos se deu em quatro momentos incluindo questionário, entrevista por palavras-chave – desenvolvida por Vianna (2000) – entrevista semi-estruturada e entrevista em grupo. As entrevistas foram textualizadas conforme a metodologia da História Oral (GARNICA, 2006) e passaram por um processo de interpretação e análise fundamentada na prática profissional e aspectos teóricos da literatura sobre o ensino das quatro operações, principalmente nos estudos de Kamii e Declark (1994); Spinillo (1994); Nunes e Bryant (1997); Magina (2001) e Carraher, Carraher e Schliemann (2006). A análise dos dados aponta para a valorização dos algoritmos prontos, nem sempre confirmada quando os entrevistados dizem como deveria ser o trabalho com as quatro operações. Fatores como falta de tempo, insegurança, falta de conhecimento do professor, resistência do professor e do aluno, entre outros, foram apontados como possíveis causas que reforçam a tendência dos professores em considerar algo importante para o ensino das quatro operações, mas não utilizá-lo nas aulas. Palavras-chave: Educação Matemática. Algoritmos. Operações. Formação de Professores. Introdução As quatro operações que hoje achamos tão simples representaram durante dezenas de séculos algo complexo e destinado à elite. Eram necessários vários anos para dominar os mistérios da divisão e da multiplicação. Os algoritmos marcam um passo importante na democratização do cálculo que por séculos foi privilégio de uma minoria. Os algoritmos das quatro operações que usamos atualmente sofreram alterações motivadas por necessidades históricas e sociais.

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ALGORITMOS DAS QUATRO OPERAÇÕES: COM A PALAVRA O PROFESSOR

GONÇALVES, Alex Oleandro

[email protected]

Eixo Temático: Educação Matemática Agência Financiadora: Não contou com financiamento

Resumo Este artigo é parte de um estudo mais amplo, realizado no curso de pós-graduação, Mestrado em Educação nos anos de 2008/2010. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que objetiva destacar os resultados significativos que apontam as relações entre o que o professor diz ser importante para o ensino das quatro operações fundamentais e aquilo que ele diz ensinar destas operações. Participaram deste estudo quatro professores do Ensino Fundamental, dois atuando na quarta série (atual quinto ano) e dois na quinta série (atual sexto ano) de escolas públicas de Campina Grande do Sul, região metropolitana de Curitiba, Paraná. A coleta de informações e composição dos textos se deu em quatro momentos incluindo questionário, entrevista por palavras-chave – desenvolvida por Vianna (2000) – entrevista semi-estruturada e entrevista em grupo. As entrevistas foram textualizadas conforme a metodologia da História Oral (GARNICA, 2006) e passaram por um processo de interpretação e análise fundamentada na prática profissional e aspectos teóricos da literatura sobre o ensino das quatro operações, principalmente nos estudos de Kamii e Declark (1994); Spinillo (1994); Nunes e Bryant (1997); Magina (2001) e Carraher, Carraher e Schliemann (2006). A análise dos dados aponta para a valorização dos algoritmos prontos, nem sempre confirmada quando os entrevistados dizem como deveria ser o trabalho com as quatro operações. Fatores como falta de tempo, insegurança, falta de conhecimento do professor, resistência do professor e do aluno, entre outros, foram apontados como possíveis causas que reforçam a tendência dos professores em considerar algo importante para o ensino das quatro operações, mas não utilizá-lo nas aulas. Palavras-chave: Educação Matemática. Algoritmos. Operações. Formação de Professores.

Introdução

As quatro operações que hoje achamos tão simples representaram durante dezenas de

séculos algo complexo e destinado à elite. Eram necessários vários anos para dominar os

mistérios da divisão e da multiplicação. Os algoritmos marcam um passo importante na

democratização do cálculo que por séculos foi privilégio de uma minoria. Os algoritmos das

quatro operações que usamos atualmente sofreram alterações motivadas por necessidades

históricas e sociais.

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Um pouco da história dos algoritmos

Os algoritmos são instrumentos desenvolvidos para tornar o cálculo mais simples por

economizar tempo e facilitar sua realização através da generalização dos passos. Não

dispondo deste recurso, o homem foi capaz de realizar cálculos graças aos dedos da mão

(Figura 1), o que pode ter sido um dos fatores que motivaram a origem dos sistemas

primitivos de base dez que evoluíram para o sistema decimal atual (IFRAH; 1994, p. 95).

FIGURA 1 - Multiplicação com os dedos das mãos encontrado atualmente na Índia, Síria, África, etc.

FONTE: Ifrah (1994, p. 95)

A base dez foi, e continua sendo, a mais comum e sua adoção é quase

universal, apresentando vantagens sobre bases tão grandes como a sexagesimal, pois facilita a

aprendizagem de uma tabela de adição ou multiplicação. Um importante passo para o

aperfeiçoamento da numeração escrita foi o desenvolvimento pelos hindus de técnicas

operatórias baseadas no princípio de posição aliadas ao conceito do zero. O procedimento

que, mais tarde, os europeus viriam a chamar de per gelosia (por janela) é um bom exemplo

de como os hindus realizavam multiplicações a partir do século VI (Figura 2). Os algarismos

do exterior do quadro formam o produto: 74 x 235 = 17390.

FIGURA 2 - Multiplicação per gelosia.

FONTE: GONÇALVES (2010)

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Dentre os matemáticos do período de 780 – 850, Mohamed Ibn Mussa al-Khowarismi

contribuiu para a disseminação dos métodos de cálculo e procedimentos algébricos com suas

obras: a aritmética e a aljabr. Latinizando o nome de al-Khowarismi transformou-se em

Achoarismi, Algorismi, Algorismus, Algorismo e, por fim, em Algoritmo, que, durante muito

tempo na Europa designou o cálculo inventado pelos árabes.

O algoritmo como era chamado o cálculo escrito teve de esperar durante séculos até

obter o triunfo diante da resistência dos cristãos da Europa. Até que, a partir do intercâmbio

com a cultura muçulmana na época das Cruzadas, surgem os primeiros algoristas europeus

(IFRAH, 1994, p. 312). Os algarismos arábicos entram, então, no Ocidente, ao mesmo tempo

em que o zero e as técnicas de cálculo escrito hindu e se difundem acentuadamente trazendo

vantagens sobre os antigos métodos por serem mais práticos e fáceis de serem entendidos.

O século XVI marca o triunfo dos algoristas sobre os abacistas (BOYER, 1974,

p.184). No século XIX, o período conhecido como Renascimento, é marcado pelo

desenvolvimento de grandes universidades na Europa e pela difusão dos algarismos arábicos

que se estabilizam definitivamente.

O ensino de algoritmos na escola

Os algoritmos apresentam a potencialidade da generalização e eficácia – o mesmo

procedimento para se calcular 17x12 pode ser utilizado para 1765x298 e se aplicado

corretamente temos a garantia de chegar à resposta certa. Não teríamos êxito com o sistema

romano1, pois o que fundamenta os algoritmos que conhecemos são as próprias características

do sistema hindu-arábico: o valor posicional e a base dez. Mas, por que o ensino desses

algoritmos tornou-se objeto de estudo de tantas pesquisas na atualidade?

Vários estudos discutem a forma como esses algoritmos foram incorporados pela

matemática escolar, principalmente, porque a maneira como são ensinados não corresponde

ao raciocínio empregado na resolução de problemas (NUNES; BRYANT, 1997; MAGINA et

al., 2001; KAMII & DECLARK,1994). Signorini (2007) verificou entre crianças de terceira e

quinta séries que ao utilizar os algoritmos formais de adição e subtração estas não percebem

princípios e propriedades do Sistema de Numeração Decimal implícitos nesse procedimento.

1 As contas eram feitas no ábaco e o sistema numérico servia para registrar o resultado (IMENES, 1998, p. 45).

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Investigando a compreensão acerca dos algoritmos, Souza (2004) constatou em sua

pesquisa que muitas vezes o professor aceita o procedimento algorítmico usual como uma

regra necessária e natural que deve ser seguida à risca na realização das operações básicas,

não havendo para ele outra forma de realizar cálculos por escrito. Minotto (2006) verificou

que as professoras de sua pesquisa tinham uma compreensão parcial dos procedimentos

envolvidos nos algoritmos convencionais, notadamente no da subtração, utilizando uma

linguagem verbal que, segundo a pesquisadora, pode comprometer a comunicação no ensino

desses algoritmos.

Constance Kamii, discutindo os conteúdos trabalhados nas séries iniciais, afirma que

se pode ensinar a dar respostas corretas a somas como 2+3, mas a compreensão das relações

envolvidas nas quatro operações seria fruto de um trabalho muito mais complexo e demorado

(KAMII, 1997, p. 25). Neste sentido os exercícios de arme e efetue teriam um papel

secundário no ensino das quatro operações, pois o que se espera é a repetição do

procedimento algorítmico predeterminado sem reflexão do porquê de sua eficácia.

Em pesquisa realizada em 2006, constatamos o treino algorítmico como principal

objetivo traçado por uma professora de primeira série nas atividades de resolução de

problemas (GONÇALVES, 2009), fato já destacado nos estudos de Spinillo e Magina (2004,

p.22). Como causa desse tipo de trabalho, os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam que,

“para a grande maioria dos alunos, resolver problemas significa fazer cálculos com os

números do enunciado ou aplicar algo que aprenderam nas aulas.” (BRASIL, 1997, p. 42).

A compreensão conceitual do algoritmo produzido no processo de resolução de

problemas matemáticos tem sido foco de muitas pesquisas, principalmente aquele considerado

alternativo, que caracteriza o pensamento da criança (CARRAHER & SCHLIEMANN, 1983;

KAMII, 1994; SPINILLO, 1994; MAGINA, 2001; NUNES, 2005; CARRAHER,

CARRAHER e SCHLIEMANN, 2006). Esses autores alertam para o fato de que a escola

deveria valorizar os métodos de representação dos alunos e, ao mesmo tempo, propiciar que

reconheçam que é preciso adotar um simbolismo comum que permita comunicação e troca.

Porém, a resolução de problemas não exclui a aprendizagem dos algoritmos.

Concordamos com Butts (1997, p. 37) ao afirmar que a habilidade em fazer cálculos requer

exercício e prática e que o desafio do professor seria abordar exercícios algorítmicos com uma

postura problematizadora. Ao refletir sobre os procedimentos envolvidos nos algoritmos, as

crianças podem perceber que eles se destacam pela economia e eficiência.

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A pesquisa

A princípio, podemos afirmar que ensinamos tudo o que julgamos importante. A

experiência de dez anos nas séries iniciais nos diz que nem sempre isso é verdade. Nesta

pesquisa desenvolvida no Mestrado visamos identificar que relações há entre o que o

professor diz ser importante no ensino dos algoritmos escolares das operações aritméticas

básicas e a forma como diz trabalhar esses algoritmos. Procuramos evidenciar o domínio

conceitual e o papel atribuído aos algoritmos – se os professores consideram mecanismos que

permitem economia de tempo e registro ou um conteúdo obrigatório a ser trabalhado.

Atribuímos aos professores nomes escolhidos por eles: Cláudio e Maria com

graduação em matemática (Licenciatura), atuam num colégio estadual em Campina Grande

do Sul e lecionam para a quinta série (atual quinto ano); Soraia e Rosângela com graduação

em Pedagogia lecionam em uma escola municipal da mesma região para a quarta série (atual

quinto ano).

Optamos por fazer as entrevistas em quatro momentos que denominamos Jornadas

contendo questionário fechado, entrevista por palavras-chave2, entrevista semi-estruturada e

entrevista em grupo, o que possibilitou uma exploração bastante aprofundada do discurso.

Primeira Jornada – impressões iniciais

Propomos aos entrevistados, inicialmente, uma questão fechada que constituiu nossa

primeira fonte de dados da pesquisa (Quadro 1).

QUADRO 1 - Questionário fechado inicial

2 Metodologia desenvolvida por Vianna (2000), orientador desta pesquisa no mestrado.

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Constatamos que, embora destaquem como mais importante um determinado recurso

para o ensino das quatro operações, os professores dizem não usá-lo em suas aulas. O

“Trabalho com exercícios do tipo: Arme e efetue” foi considerado mais importante pelos

entrevistados com formação em matemática do que pelos sem formação em matemática.

“ O segundo eu vou fazer o arme e efetue porque eu faço bastante disso. Tá no caderno (do aluno). Você viu”. (Maria)

A partir dos resultados com o questionário fechado, definimos palavras-chave que

serviram de base para o desenvolvimento do discurso da Segunda Jornada.

Segunda Jornada – entrevista por palavras-chave

A caracterização e a entrevista por palavras-chave3 seguiram a metodologia da

História Oral (GARNICA, 2006; p. 86) com relação à coleta e textualização das entrevistas.

Todos falaram livremente como queriam, sem a obrigatoriedade de contemplar todas as

palavras. Colocamos em foco os algoritmos e a relação entre as demais variáveis (Quadro 2).

QUADRO 2 - Palavras-chave utilizadas na Segunda Jornada

Na caracterização dos professores, apesar de afirmarem não terem se tornado

professores por vontade própria, relatam lecionar entre dez e vinte anos. A opção teria surgido

de uma necessidade de trabalhar, incentivados, principalmente por alguém muito próximo.

Maria relata sua satisfação por dar aula para quintas séries há 12 anos porque estes fazem o

que o professor manda. Com relação à formação inicial, afirmam:

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“O que a gente aprende na faculdade é diferente do que você faz na sala de aula”. (Maria) “O que você aprende é pouco para poder ensinar”. (Rosângela) “ A divisão que eu aprendi foi no processo curto e naquela época os alunos

aprendiam o processo longo fazendo aquela conta enorme”. (Soraia)

Os professores reforçam sua opinião a respeito dos algoritmos na entrevista por

palavras-chave em alguns momentos:

“ Todo mundo acha ‘arme e efetue’ um absurdo, mas é no ‘arme e efetue’ que eu vou ver se o aluno aprendeu o processo da conta. Tem que trabalhar aquilo isolado com ele”. (Soraia)

“[...] os algoritmos devem ser trabalhados porque é a prática”. (Rosângela)

A professora Maria aponta o professor Cláudio como um bom exemplo por trabalhar

bastante a resolução de algoritmos das quatro operações, embora este tenha dito na entrevista

por palavras-chave que acha errado avaliar o aluno só com exercícios de arme e efetue. Diante

da defasagem com que os alunos chegam à quinta série, a professora ressalta que se deveria

trabalhar mais as quatro operações nas séries iniciais e que não se deveria deixar o aluno sair

da quarta série sem dominar esse conhecimento. Pois, segundo ela:

“De primeira à quarta série, é mais fácil para ensinar as operações com materiais manipuláveis, mas de quinta à oitava eu não consegui” (Maria)

“Ainda não consegui descobrir de que forma o professor deve trabalhar para garantir a aprendizagem das operações. Mas, é trabalhando muito” (Maria)

Comentou ainda que, apesar de sua dificuldade com o cálculo mental, diz permitir que

os alunos utilizem, mas prioriza a resolução algorítmica na correção por acreditar que devam

ser ensinados todos os passos da resolução para sanar dificuldades nas quatro operações.

Sobre a resolução de problemas das quatro operações, os professores entendem-na

como uma habilidade que deve ser trabalhada após a compreensão das operações e dizem que

seus alunos têm dificuldades para interpretar e resolver as operações envolvidas na resolução.

Rosângela afirma passar algumas situações problema com o objetivo nos algoritmos, pois

considera que são necessários para que o aluno resolva as situações problema.

As perguntas que aparecem na Terceira Jornada são mais diretas visando esclarecer

pontos de contradição da Segunda Jornada e outros pontos nos quais os colaboradores não

tocaram que poderiam servir de base para responder à questão da pesquisa. Além disso, foram

também analisados os cadernos dos alunos e uma avaliação escrita.

3 As palavras-chave são expressões ou termos que possam desencadear um discurso fluente por parte do entrevistado: algo polêmico, que o incomode, que o faça refletir.

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Terceira Jornada – confrontando perspectivas

Procuramos identificar outros elementos que o professor considerasse importante para

o ensino das quatro operações que não fossem os algoritmos escolares convencionais. Ao

solicitar que contassem uma experiência mal sucedida e outra bem sucedida no ensino das

quatro operações, foi possível identificar que os professores se sentem frustrados por explicar

o conteúdo e os alunos não entenderem. Os quatro professores relataram as dificuldades com

a divisão, principalmente os erros algorítmicos relacionados ao conhecimento da tabuada.

Sobre como ensinar cálculos específicos que poderiam ser resolvidos mentalmente –

como 399+2999 – todos se referem à explicação dos algoritmos convencionais. Os

professores com formação em matemática afirmaram que deve ser colocado o número maior

em cima, na adição. Na insistência, os entrevistados fizeram alguma referência tímida a outras

formas de resolver as operações que lhes foram apresentadas na entrevista:

“É só tirar um aqui e aumentar ali (399+2999=398+3000=3398). O meu marido faz assim. Eu não. Eu tenho muita dificuldade”. (Maria)

“Olha, eu não me lembro... você pode ensinar uma técnica, que eu já vi, por exemplo, em vez de fazer 399, faz 300 + 90 + 9. O 2999 você faz 2000 + 900 + 90 + 9. Mesma coisa para a subtração que seria alguma coisa parecida.” (Cláudio).

A professora Soraia diz se surpreender com seus alunos que realizam cálculo mental,

porém, se mostra preocupada com a falta da resolução do algoritmo apesar de considerar que

a resolução do aluno não estaria errada. Ao ser perguntado como avalia o cálculo mental –

item presente nos critérios de avaliação do município – a professora Rosângela diz ter ficado

com dúvida se realmente está ou não avaliando, pois não tem como garantir que o aluno

calculou mentalmente. Além disso afirma que os valores da operação 399+2999 apresentada

na entrevista são grandes demais, se referindo ao cálculo algorítmico e não fazendo menção

ao cálculo mental. Na divisão, afirma que o processo longo é mais fácil, pois você só dá uma

regra para que o aluno a resolva. Sobre a calculadora, a professora diz na Segunda Jornada

ser ótima porque o aluno vai usar bastante. Perguntando como seria seu trabalho esta afirmou:

“É lógico que tem que trabalhar com a calculadora, mas, não trabalho, né. Você vê como que é?” (Rosângela)

O professor Cláudio que apontou na Segunda Jornada a importância de se trabalhar

com uma variedade de materiais manipuláveis e jogos, quando indagado, afirma:

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“Nesse ano não tive tempo de pensar em qualquer coisa assim. A não ser o xadrez, mas, daí, não seria com quinta série. Seria com o pessoal do 2º grau.” (Cláudio)

Apesar de citar muito o trabalho com material dourado, sobre o trabalho com a

decomposição do número a professora Rosângela afirma:

“Não. Já tentei, mas, não dei sequência. Talvez, por falta de tempo, mesmo. Mas, acho fundamental isso daqui, viu. Para fazer cálculo mental, mesmo.” (Rosângela)

Embora reconheça que problemas do livro didático que enfatizam termos como perdeu

e ganhou são mal elaborados por indicar diretamente as operações a serem feitas, a professora

Maria os aplica com seus alunos. Esta demonstra preocupação de que o aluno descubra a

operação a ser feita para cada problema.

A pressão da Secretaria da Educação do município para que não utilizassem exercícios

do tipo arme e efetue foi citada pela professora Soraia. Esta afirmou resistir para continuar a

utilizá-los em suas aulas e que se considera tradicional, mas não abre mão do seu jeito de

ensinar. Porém, afirmou acreditar que os alunos aprendem com outros recursos, os quais ela

aprendeu a utilizar em cursos e troca de experiências com outras professoras.

Fatores como insegurança do professor, falta de conhecimento, resistência do

professor e do aluno, falta de tempo, entre outros, pareceram reforçar a tendência em

considerar algo importante para o ensino das quatro operações, mas não utilizá-lo nas aulas.

Assim, optamos por uma quarta entrevista – em grupo – para discutirmos essas questões e

analisarmos a postura diante de algoritmos alternativos das quatro operações fundamentais.

Quarta Jornada – uma discussão final

A entrevista em grupo feita nesta fase visou constituir o momento da participação dos

quatro professores numa discussão em grupo quando apresentamos num projetor multimídia

alguns algoritmos alternativos para identificar suas opiniões sobre a viabilidade de serem

usados em sala de aula. Destes, destacamos dois para analisarmos a reação dos professores.

Foi lhes apresentado como alternativa para a adição 1587 + 295, adicionar 300 e,

depois fazer a compensação subtraindo 5 do resultado (Figura 3).

FIGURA 3 - Algoritmo da compensação para a adição.

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Maria: Então, deixa eu contar o que aconteceu na 5ªA. Eles já aprenderam. Daí, eles não

quiseram. Ninguém quis do meu jeito.

Rosângela: Mas, eu também já tentei fazer assim. Ai, gente! Tem aluno – não sei se é por

causa da família – que fala assim: “Eu já fiz mentalmente. Dá tanto”. Daí, você pergunta:

“Mas, como é que você fez?”.

Outro algoritmo alternativo que apresentamos é utilizado na divisão por 5, que

consiste em dobrar o dividendo e o divisor, para que a divisão seja feita por 10 (Figura 4).

FIGURA 4 - Algoritmo alternativo da divisão por 5.

A pouca intimidade com as relações matemáticas presentes nos algoritmos pode ser

observada em algumas afirmações, bem como a dificuldade de sua aplicação em sala.

Soraia: Nunca vi fazer isso daí, não!

Rosângela: Eu também aprendi alguns desses macetes. Mas, aquele de dividir ali, eu não

sabia. Eu nunca pensei nessa divisão aí. É bem mais simples, né?”

Maria: Eu vi um projeto de um professor que fez isso. Eu desisti, mas ele continuou e deu

certo. Ele disse que os alunos aprenderam mais fácil.

Rosângela: Na quarta série, quando vamos multiplicar por dez, vinte..., dizemos: “é só

colocar o zero para fazer a multiplicação!”. Nossa! Tem aluno que fica colocando zero vezes

zero, fica fazendo toda aquela fileira de zeros. Daí, você fala, fala, fala,... ai meu Deus!

Cláudio: Na quinta série quem conhece o método tradicional não vai fazer desse. Dá mais

trabalho. Você faz mais contas para chegar na mesma coisa. Ele (o aluno) não vai querer.

Rosângela: Aquele ali é mais para cálculo mental. Sabe o que eu acho engraçado? Tem aluno

que é espertinho em certas coisas, mas por que será que não consegue fazer divisão. Né. Às

vezes, parece que tem algum problema lá no cérebro dele porque você tenta desse jeito, tenta

de outro jeito e não entra. Nessas horas, dá vontade de dar uma calculadora prá ele.

Destacamos a dificuldade por parte dos alunos em aceitar métodos de resolução

diferentes dos tradicionais algoritmos, bem como a resistência do professor, em parte alegada

pela falta de tempo e de conhecimento para aplicá-los em suas aulas e, ao final, sintetizamos

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algumas causas prováveis que levam o professor a considerar importantes diversos recursos

para a aprendizagem dos algoritmos, mas não os utilizar.

Considerações Finais

Neste trabalho procuramos investigar as relações entre o que o professor diz ser

importante para o ensino das quatro operações fundamentais e sobre a forma como diz ensinar

essas operações. Os professores tiveram oportunidade de falar sobre suas preferências,

frustrações, reflexões e perspectivas. Em momento algum tivemos a intenção de julgá-los.

Percebemos o apego aos algoritmos prontos de resolução no decorrer das entrevistas

motivado por diversos fatores. Os professores afirmam que a forma como ensinam sofreu

influência da forma como foram ensinados e, apesar de ressaltarem o papel negativo de ter

que decorar para suas vidas, dizem ser esta a principal habilidade que precisa ser desenvolvida

por seus alunos no aprendizado das operações. A memorização da tabuada é, para eles,

essencial para o cálculo da divisão e da multiplicação. Os professores da pesquisa reconhecem

a expectativa frustrada de os alunos estarem dominando o uso dos algoritmos das operações

básicas e a tabuada, mas, apesar disso, consideram que seu papel resume-se a cobrar que os

alunos estudem, pois essa seria a causa de não dominarem as operações.

Alguns momentos nas entrevistas reforçam a ideia de que os professores estariam

julgando algo importante motivados pelo discurso sobre o uso de novas tendências presente

na literatura recente e pelo combate ao modelo tradicional, incorporando em sua fala

considerações sobre a importância de se trabalhar com recurso que poderia sequer conhecer.

Os professores da pesquisa falaram da importância de se trabalhar com cálculo mental, jogos,

calculadora, materiais variados, mas não os utilizam por diversas razões apontadas por eles.

Na resolução de problemas indicam uma ordem linear das operações e, apesar de dizerem que

o aluno pode resolver problemas como preferir, não são citadas estratégias diferenciadas para

a resolução e os cadernos dos alunos mostram a insistência no treino dos algoritmos.

Sobre formas de ensinar operações específicas, nenhum dos entrevistados se referiu ao

cálculo mental ou decomposição, ou outra estratégia parecida. Todos entenderam que ensinar

a realizar um cálculo seria ensinar a utilizar adequadamente os algoritmos. Ao serem

indagados sobre outros métodos, citaram caminhos para resolver os próprios algoritmos

anteriormente citados, como, processo longo versus processo curto na divisão.

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Outra dificuldade apontada pelos professores da pesquisa é a falta de conhecimento a

respeito de outras formas de trabalhar as operações: uma coisa é achar importante, outra é ter

condições de aplicar em sala. A hipótese de que os professores com formação em matemática

teriam maior facilidade em descrever as relações envolvidas nos algoritmos das quatro

operações, não foi confirmada. Os quatro compartilharam das mesmas dificuldades.

Outro ponto que nem sempre é destacado pela literatura, e que os professores em geral

têm presenciado, é o fato de que nem sempre se pode usar em sala de aula o que se considera

importante com turmas onde há um número elevado de alunos matriculados. Os colaboradores

afirmam que até gostariam de utilizar jogos em suas aulas, mas, com muitos alunos em sala

não seria possível. Além disso, a indisciplina e a falta de interesse dos alunos são também

apontadas como fatores que fazem com que o professor busque passar o mínimo de instruções

para os alunos, dando a sensação de ter seu papel desempenhado.

O estudo até aqui realizado não permite a generalização, o que não constituiu de fato o

objetivo desta pesquisa. Os resultados podem ter impacto positivo diretamente sobre os

colaboradores da pesquisa, no que se refere à reflexão sobre a própria prática, e indiretamente,

aos envolvidos de alguma forma com a Educação Matemática, graças à contribuição dada

pelos professores, que se expuseram à avaliação dos leitores, procurando justificar suas

escolhas. Estes reforçam a necessidade de rever os cursos de formação inicial e continuada de

modo a promover o desenvolvimento de habilidades relativas ao conhecimento sobre novas

tendências do ensino da matemática de modo que se possa escolher de maneira mais

consciente possível o melhor caminho para se ensinar dentro de cada realidade e contexto.

Terminamos aqui este trabalho com a certeza de ter contribuído com uma pequena

parcela do conhecimento acerca da compreensão do complexo fenômeno educacional e tendo

claro que muitas outras questões ficaram sem respostas e que merecem atenção em estudos

futuros. A formação inicial e continuada do professor para o trabalho com quatro operações, o

trabalho com a divisão e raciocínio proporcional dos professores de diversos níveis, o trabalho

com a tabuada e a cultura da transmissão de conhecimento no ensino das quatro operações são

alguns dos temas que podem gerar novos estudos a partir deste que foi realizado.

REFERÊNCIAS

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