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Algoritmos e Ferramentas - Parte 1 * Antonio Roque Abril 2020 1 Introdução Nesta aula e nas próximas, discutiremos como usar as três formulações da me- cânica clássica vistas nas aulas anteriores para descrever sistemas concretos. O plano dessas aulas será descrito a seguir. Começaremos descrevendo de maneira geral como podemos usar a 2 a lei de Newton, a equação de Euler-Lagrange e as equações de Hamilton para deduzir as equações de movimento para um sistema. As formas de fazer isso serão cha- madas aqui, respectivamente, de algoritmo newtoniano, algoritmo lagrangiano e algoritmo hamiltoniano. Além disso, também apresentaremos diversas ferramentas que nos permitirão simplificar problemas. Por exemplo, uma das ferramentas mais poderosas que podemos usar para simplificar problemas é nossa liberdade para escolher um sistema de coordenadas conveniente. * O material destas notas de aula, assim como das demais deste curso, está fortemente baseado no livro de Jakob Schwichtenberg: No-Nonsense Classical Mechanics, No-Nosense Books, 2020. 1

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Algoritmos e Ferramentas - Parte 1∗

Antonio Roque

Abril 2020

1 IntroduçãoNesta aula e nas próximas, discutiremos como usar as três formulações da me-cânica clássica vistas nas aulas anteriores para descrever sistemas concretos.

O plano dessas aulas será descrito a seguir.Começaremos descrevendo de maneira geral como podemos usar a 2a lei de

Newton, a equação de Euler-Lagrange e as equações de Hamilton para deduziras equações de movimento para um sistema. As formas de fazer isso serão cha-madas aqui, respectivamente, de algoritmo newtoniano, algoritmo lagrangianoe algoritmo hamiltoniano.

Além disso, também apresentaremos diversas ferramentas que nos permitirãosimplificar problemas. Por exemplo, uma das ferramentas mais poderosas quepodemos usar para simplificar problemas é nossa liberdade para escolher umsistema de coordenadas conveniente.

∗O material destas notas de aula, assim como das demais deste curso, está fortementebaseado no livro de Jakob Schwichtenberg: No-Nonsense Classical Mechanics, No-NosenseBooks, 2020.

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No entanto, especialmente no formalismo newtoniano, trocar de sistema decoordenadas pode às vezes ser mais difícil do que resolver o problema em umsistema de coordenadas não tão conveniente.

Em contraste, nos formalismos lagrangiano e hamiltoniano trocar de sistemasde coordenada é fácil porque as equações fundamentais (a equação de Euler-Lagrange e as equações de Hamilton) têm a mesma forma, qualquer que seja osistema de coordenadas escolhido.

Neste contexto, é importante relembrar que a principal diferença entre ostrês formalismos é que cada um usa uma arena matemática diferente.

No formalismo newtoniano, as coordenadas descrevem vetores no espaçofísico. Por outro lado, nos formalismos lagrangiano e hamiltoniano as coordena-das referem-se ao espaço de configurações e ao espaço de fase, respectivamente.Como as estruturas desses espaços são bem diferentes da do espaço físico, astransformações que nos permitem mudar de coordenas em cada um deles tam-bém funcionam de forma bem diferentes.

Por causa disso, usaremos nomes específicos para designar as transformaçõesde coordenadas nos três formalismos:

• Uma mudança de coordenadas no espaço físico será chamada simplesmentede transformação de coordenadas.

• Uma mudança de coordenadas no espaço de configurações será chamadade transformação pontual.

• Uma mudança de coordenadas no espaço de fase será chamada de trans-formação canônica.

De forma esquemática, isso significa o seguinte:

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No esquema acima, as transformações de coordenadas são q → q′, q̇ → q̇′ ep → p′. Nas novas coordenadas, as forças, a lagrangiana e a hamiltoniana sãoescritas como ~̃F , L̃ e H̃, respectivamente. E uma função f no espaço de fase étransformada em f ′.

O que é importante notar é que no formalismo newtoniano, dependendo dosistema de coordenadas, novos termos podem aparecer do lado esquerdo da 2a leide Newton, fazendo com que ela assuma formas bem diferentes. Uma maneiraalternativa de entender isso é considerar esses novos termos como novas forçasfictícias. Isso não acontece no caso dos formalismos lagrangiano e hamiltoniano.

Outro comentário importante a ser feito antes de seguirmos adiante (e queserá abordado em maior detalhe quando falarmos dos algoritmos lagrangiano ehamiltoniano) é o seguinte. Além de podermos mudar os sistemas de coorde-nadas que usamos para descrever as posições q e momentos p dos objetos deum sistema, podemos também mudar os sistemas de coordenadas dos espaçosmais abstratos usados para representar a ação S[q(t)], a lagrangiana L(q, q̇, t) ea hamiltoniana H(q, p, t).

Para entender isso, lembre-se que o funcional ação atribui um número acada trajetória específica no espaço de configurações (veja a Aula 5). Matema-ticamente, esses números são pontos sobre a reta real R e o que importa paradeterminar a trajetória de mínima ação são as posições relativas entre essesnúmeros e não seus valores absolutos. Em outras palavras, não importa ondecolocamos a origem da reta real, pois em qualquer caso o menor dos númeroscontinua sendo sempre o mesmo. Se deslocarmos todos os números atribuídos àstrajetórias individuais por um fator constante, isso não fará a menor diferença,pois a trajetória de mínima ação continuará sendo a mesma.

Uma transformação desse tipo, que mantém o resultado do funcional ouda função invariante após a transformação, é chamada de transformação decalibre1. No caso do funcional ação, a transformação de calibre consiste naadição de uma constante ao valor da ação.

Note que como a lagrangiana e a hamiltoniana estão diretamente conectadascom a ação, também teremos uma liberdade similar para escolher os números

1Também chamada de transformação de gauge, do inglês gauge que significa calibre.

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absolutos calculados por essas duas funções. Ou seja, a lagrangiana L(q, q̇, t)e a hamiltoniana H(q, p, t) também possuem invariância sob transformações decalibre.

2 O algoritmo newtonianoNo formalismo newtoniano, nossa principal tarefa é identificar todas as forçasque atuam sobre um dado objeto. Depois de feito isso, é preciso representaressas forças usando vetores que descrevam suas magnitudes, direções e sentidos.Então, substitui-se as expressões para as forças na 2a lei de Newton,

d

dt~p = ~F, (1)

onde ~p = m~v, para se obter a aceleração ~a = ~̇v. Finalmente, usando a acele-ração, podemos calcular como exatamente o objeto se movimenta pelo espaço.De maneira mais técnica, uma vez tendo a aceleração ~a, podemos deduzir avelocidade ~v e a posição ~r do corpo, pois ~a = ~̇v = ~̈r.

Esse procedimento parece simples, mas há duas dificuldades importantes:

• Encontrar todas as forças atuando sobre todos os objetos não é uma tarefafácil. Em geral, as forças apontam em várias direções e é muito fácil nosconfundirmos em sua tentativa de caracterização.

• Resolver as equações de movimento pode ser uma tarefa desafiadora oumesmo impossível. Dependendo das forças, as equações diferenciais re-sultantes da 2a lei de Newton podem ser extremamente difíceis de serresolvidas exatamente2.

Vejamos um exemplo simples.Suponha que você está no topo da Torre Inclinada de Pisa e deixa uma bola

cair em direção ao solo. Qual é o movimento da bola? De maneira geral, qualo movimento de um corpo em queda livre?

2Os problemas que, em geral, são dados aos estudantes nos cursos de mecânica clássicasão aqueles em que as equações de movimento podem ser resolvidas de forma relativamentefácil. Porém, em aplicações no mundo real as equações são tão complicadas que precisam serresolvidas numericamente.

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Desprezando a resistência do ar, a única força que atua sobre a bola é agravidade. Vamos escolher o sistema de coordenadas de tal maneira que o eixoz aponte verticalmente para cima e tenha sua origem exatamente no ponto emque você solta a bola.

A força gravitacional pode ser descrita da seguinte forma:

~F =

00−mg

. (2)

Substituindo a 2a lei de Newton (~F = d~p/dt = d(m~v)/dt) nesta fórmula:

d(m~v)

dt=

00−mg

. (3)

Como m é constante,

md

dt

vxvyvz

=

00−mg

. (4)

Cancelando m dos dois lados:

d

dt

vxvyvz

=

00−g

. (5)

Nossa tarefa é resolver essas três equações de movimento. Este é um problemafácil, pois a aceleração da gravidade g é constante e podemos simplesmente in-tegrar as equações duas vezes:

∫ t

0

dt′d

dt′

vxvyvz

=

∫ t

0

dt′

00−g

⇒ .

vx(t)vy(t)vz(t)

−vx(0)vy(0)vz(0)

=

00−gt

. (6)

Integrando pela segunda vez:∫ t

0

dt′

vx(t′)vy(t′)

vz(t′)

− ∫ t

0

dt′

vx(0)vy(0)vz(0)

=

∫ t

0

dt′

00−gt′

⇒ . (7)

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x(t)y(t)z(t)

−x(0)y(0)z(0)

−vx(0)tvy(0)tvz(0)t

=

00

− 12gt

2

. (8)

Agora, precisamos determinar as constantes de integração,

vx(0), vy(0), vz(0), x(0), y(0), z(0),

a partir das condições iniciais do problema.Como você não joga a bola, a velocidade inicial dela é zero:

vx(0)vy(0)vz(0)

=

000

. (9)

Como a origem do sistema de coordenadas escolhido coincide com a posiçãoinicial da bola:

x(0)y(0)z(0)

=

000

. (10)

Portanto, para este problema concreto a solução é:

x(t)y(t)z(t)

=

00

− 12gt

2

. (11)

Estas três funções descrevem corretamente como a bola cai em direção ao solo.Como não há forças agindo nas direções x e y, a posição da bola sobre essesdois eixos permanece constante. E como a gravidade puxa a bola para baixo,na direção negativa do eixo z, a bola se move para baixo. Se medirmos o tempodesde o instante em que a bola é solta até o instante em que ela toca o solo,teremos como calcular a altura de que ela caiu.

3 O algoritmo lagrangianoPara descrever um sistema segundo o formalismo lagrangiano, nossa principaltarefa é escrever de maneira correta a lagrangiana L para o sistema. Como vistonas Aulas 5 e 6, na mecânica clássica a lagrangiana é dada pela diferença entrea energia cinética e a potencial:

L(q, q̇) = T (q̇)− V (q). (12)

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A energia cinética de um objeto é dada por T = 12m∣∣∣~̇q∣∣∣2 = 1

2m |~v|2. Por-

tanto, a maior dificuldade é especificar a energia potencial V (q) do objeto, quepossivelmente consiste de vários termos V (q) = V1(q) + V2(q) + . . ., de formaanáloga às várias forças que atuam sobre o corpo.

Depois de escrever a lagrangiana, usamos a equação de Euler-Lagrange,

∂L

∂q=

d

dt

(∂L

∂q̇

), (13)

para deduzir a equação de movimento.Vamos aqui introduzir uma nova notação para q̇. Esta grandeza indica a taxa

de variação temporal da variável q, que é uma das coordenadas que descrevea posição do corpo no sistema de coordenadas adotado. Ela é, portanto, acomponente da velocidade ~v do corpo ao longo da direção definida por q. Porcausa disso, podemos escrever q̇ = vq

3.Em termos de vq a equação de Euler-Lagrange é escrita como:

∂L

∂q=

d

dt

(∂L

∂vq

). (14)

Finalmente, depois que tivermos obtido a equação de movimento a partirda resolução da equação de Euler-Lagrange, teremos que resolver a equação demovimento para descrever o comportamento do objeto.

Como exemplo concreto, vamos novamente considerar o problema da bolasendo solta do alto da Torre de Pisa.

A lagrangiana para esse sistema é,

L = T − V =1

2m |~v|2 −mgz, (15)

onde usamos para a energia potencial gravitacional da bola a expressão V (z) =mgz (veja a Aula 1). Em termos das componentes de ~v, a equação acima torna-se:

L =1

2m(v2x + v2y + v2z

)−mgz. (16)

Como temos três coordenadas (x, y, z), teremos três equações de Euler-Lagrange (uma para cada coordenada e sua velocidade correspondente). Aequação de Euler-Lagrange para a componente x é

∂L

∂x=

d

dt

(∂L

∂vx

). (17)

Substituindo a equação (16) nesta equação:3Lembre-se que na seção anterior escrevemos vx, vy e vz para as componentes da velocidade

ao longo das direções x, y e z.

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∂(12m(v2x + v2y + v2z

)−mgz

)∂x

=d

dt

(∂(12m(v2x + v2y + v2z

)−mgz

)∂vx

). (18)

Calculando as derivadas, chegamos à equação:

0 = md

dtvx. (19)

Repetindo exatamente os mesmos passos acima para a equação de Euler-Lagrange para a componente y, obtemos a equação:

0 = md

dtvy. (20)

Finalmente, a equação de Euler-Lagrange para a componente z é

∂L

∂z=

d

dt

(∂L

∂vz

), (21)

ou

∂(12m(v2x + v2y + v2z

)−mgz

)∂z

=d

dt

(∂(12m(v2x + v2y + v2z

)−mgz

)∂vz

). (22)

Calculando as derivadas:

−mg = md

dtvz. (23)

Estas três equações (equação (19), equação (20) e equação (23)) são exata-mente as equações de movimento que já deduzimos usando o formalismo new-toniano (equação (5)).

Você pode ter ficado com a impressão de que o formalismo lagrangiano émeramente uma outra maneira de fazer a mesma coisa que já se faz com oformalismo newtoniano. Note, porém, que na dedução feita acima não usamosvetores. Essa é uma das vantagens do formalismo lagrangiano.

Outra vantagem da formulação lagrangiana da mecânica clássica é que elaé sempre uma boa escolha quando o sistema sob estudo está sujeito a vínculos.Vínculo é o nome técnico dado em mecânica a algum tipo de restrição impostaao movimento de um corpo. Isso parece um pouco abstrato, mas na realidadevínculos são muito comuns.

Por exemplo, se quisermos descrever o movimento de um pêndulo, devemoslevar em consideração que o objeto preso à extremidade da corda nào pode semover livremente. Pelo contrário, o objeto está sempre preso à corda e é issoque chamamos de um vínculo.

Outro exemplo é o de um corpo que se move sobre uma superfície plana.Para descrever seu movimento, devemos levar em consideração a restrição de

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que ele não pode cair por dentro da superfície. O vínculo, neste caso, restringeo movimento do corpo ao plano horizontal definido pela superfície.

Vínculos podem ser incorporados ao formalismo newtoniano pela introduçãodas chamadas forças de vínculo, mas esse é um procedimento complicado. Emcontraste, no formalismo lagrangiano precisamos apenas adicionar um ou maistermos à lagrangiana, os quais seguem naturalmente uma vez que tenhamosidentificado todos os vínculos para um dado sistema. Depois que isso for feito,podemos obter as equações de movimento da forma usual pela equação de Euler-Lagrange.

Como e porque isso funciona é o que será visto na próxima seção.

4 VínculosVínculos ocorrem sempre que um objeto estiver preso a outros objetos ou à suavizinhança. Como resultado, os objetos influenciam uns aos outros e não podemser movimentar livremente pelo espaço. Um exemplo típico é quando um objetoé forçado a deslizar ao longo de um fio (pense numa conta em um colar) ou deuma superfície específica.

Em termos matemáticos, um vínculo é uma relação entre coordenadas. Porexemplo, para uma massa presa a um fio circular de raio ` temos o vínculo:

x2 + y2 = `2.

Em palavras, este vínculo significa que a massa só pode se movimentar aolongo de um círculo.

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De maneira mais geral, um vínculo é uma expressão da forma

f(q1, q2, . . . , t) = const. (24)

Chama-se um vínculo desse tipo de vínculo holonômico.Existem outros tipos de vínculos que não podem ser escritos na forma da

equação (24). Tais vínculos são chamados de não holonômicos. Um exemplode vínculo não holonômico é quando o vínculo só pode ser formulado em termosde uma desigualdade,

f(q1, q2, . . .) ≥ const. (25)

Encontramos esse tipo de vínculo, por exemplo, quando descrevemos um objetomovendo-se sob a ação da gravidade na região externa a uma esfera de raio R.Matematicamente, isso implica que

x2 + y2 + z2 ≥ R2.

Outra situação em que encontramos vínculos não holonômicos é quando o vín-culo depende das taxas de variação das coordenadas,

f(q, q̇, t) = const. (26)

de maneira que não se pode integrar a equação para se obter algo da formaf(q, t) = const.

Não existe um método geral para resolver sistemas com vínculos não ho-lonômicos. Para cada sistema específico é necessário analisar o vínculo nãoholonômico individualmente. Por causa disso, não consideraremos vínculos nãoholonômicos aqui. Isto é, daqui para a frente só consideraremos vínculos ho-lonômicos.

Outro comentário, antes de seguirmos adiante com os vínculos holonômicos,é que costuma-se chamar vínculos que não dependem explicitamente de t deescleronômicos e vínculos que dependem explicitamente de t de reonômicos.

No final da seção anterior, foi dito que depois que todos os vínculos deum dado sistema são identificados, eles podem ser incorporados ao formalismolagrangiano pela adição de um ou mais termos à lagrangiana. O truque peloqual isso pode ser feito é conhecido como método dos multiplicadores deLagrange e funciona da seguinte maneira.

Primeiramente, vamos reescrever a equação de vínculo (equação (24)) de talmaneira que tenhamos zero do lado direito da igualdade. Isso pode ser feitopassando a constante para o lado esquerdo na equação (24):

f(q1, q2, . . . , t)− const. = 0. (27)

Definindo uma nova função,

g(q1, q2, . . . , t) ≡ f(q1, q2, . . . , t)− const., (28)

podemos reescrever a equação de vínculo como:

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g(q1, q2, . . . , t) = 0. (29)

Agora, vamos escrever a lagrangiana para o sistema com vínculo como a somada lagrangiana que usaríamos caso o sistema pudesse se movimentar livrementepelo espaço, Llivre, com uma lagrangiana que representa o vínculo, Lvinc:

L = Llivre + Lvinc. (30)

Vamos impor que a lagrangiana Lvinc tenha a forma

Lvinc ≡ λg(q, t), (31)

onde g(q, t) é a função que descreve o vínculo (equação (28))4 e λ é um multi-plicador de Lagrange.

Este é um truque inteligente, pois se tratarmos λ como uma nova coordenada,a equação de Euler-Lagrange para λ nos dá:

∂L

∂λ=

d

dt

(∂L

∂λ̇

). (32)

Substituindo L dada por (30) nesta equação:

∂(Llivre + λg(q, t)

)∂λ

=d

dt

(∂(Llivre + λg(q, t)

)∂λ̇

). (33)

Tomando as derivadas:∂ (λg(q, t))

∂λ= 0, (34)

oug(q, t) = 0. (35)

Esta é exatamente a condição de vínculo (equação (29)). Portanto, vimos quepela adição do termo de vínculo λg(q, t) como Lvinc à lagrangiana L, o vínculotorna-se parte do formalismo lagrangiano.

Além disso, usando a equação de Euler-Lagrange para as coordenadas usuaisq obtemos:

∂L

∂q=

d

dt

(∂L

∂q̇

)⇒ (36)

⇒∂(Llivre + λg(q, t)

)∂q

=d

dt

(∂(Llivre + λg(q, t)

)∂q̇

)⇒ (37)

⇒∂(Llivre + λg(q, t)

)∂q

=d

dt

(∂Llivre∂q̇

), (38)

pois ∂g(q, t)/∂q̇ = 0. Rearranjando a expressão acima:4Aqui, como de costume, usamos q como uma abreviação para (q1, q2, . . .).

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∂Llivre∂q

+ λ∂g(q, t)

∂q=

d

dt

(∂Llivre∂q̇

), (39)

Na Aula 6 (seção sobre o significado da equação de Euler-Lagrange, caso

da partícula livre), vimos que∂Llivre

∂q descreve as forças atuando sobre o sis-

tema (equação (18) da Aula 6) e que o termo do lado direito, ddt

(∂Llivre

∂q̇

), é

análogo a dpdt no formalismo newtoniano (equação (19) da Aula 6). Portanto, a

equação (39) nos diz que

~F + λ∂g(q, t)

∂q=dp

dt, (40)

isto é, o efeito do vínculo (equação (29)) é adicionar novas forças à equação demovimento. Em outras palavras, o termo λ∂g(q,t)

∂q corresponde exatamente àsforças de vínculo, que são difíceis de determinar na formulação newtoniana damecânica clássica. Isso demonstra o poder do formalismo lagrangiano.

A partir daqui, tendo a equação de movimento com as forças de vínculo,pode-se prosseguir como de costume, isto é, procurar as soluções, etc.

É importante notar que, caso haja mais de um vínculo,

g1(q, t) = 0

g2(q, t) = 0

..., (41)

precisamos de um multiplicador de Lagrange para vínculo:

L = Llivre + λ1g1(q, t) + λ2g2(q, t) + . . . . (42)

Neste caso, usando a equação de Euler-Lagrange para cada um dos multiplica-dores de Lagrange λ1, λ2, . . . obtêm-se a equação de vínculo correspondente. Eusando a equação de Euler-Lagrange para a coordenada q normal obtêm-se aequação de movimento incluindo todas as forças de vínculo:

∂Llivre∂q

+ λ1∂g1(q, t)

∂q+ λ2

∂g2(q, t)

∂q+ . . . =

d

dt

(∂Llivre∂q̇

). (43)

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