Algumas Considerações Sobre a Visibilidade Da Criança, A Infância e a Sua Participação Na Vida...
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8/19/2019 Algumas Considerações Sobre a Visibilidade Da Criança, A Infância e a Sua Participação Na Vida Pública
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A VISIBILIDADE DA CRIANÇA, AINFÂNCIA E A SUA PARTICIPAÇÃO NA VIDA PÚBLICA1
Daiane Silva Santos2
SOBRE PARTTICIPAÇÃO
Machuca (2003), dirigido por Andrés Wood é um filme que acontece no ano de 1973,
em meio ao Golpe de Estado do Chile, golpe este que teve por consequência a morte do
presidente Salvador Allende e a instauração de um regime autoritário, onde a Junta Militar
tomou o poder e delegou à presidência ao General Augusto Pinochet Ugarte (ÁVILA, 2014).
Nesse filme, em um contexto escolar, Gonzalo Infante (Matías Quer) e Pedro Machuca
(Ariel Mateluna) vivenciam uma relação de amizade, o primeiro é um garoto de classe média
alta que mora em um bairro nobre em Santiago, o segundo é um menino que vive em um
bairro periférico, em uma situação de vulnerabilidade econômica. Machuca, é um estudante
bolsista/cotista, sua entrada no colégio Saint Patrick só foi possível graças ao padre McEnroe,
que aprovava o projeto de governo socialista de Salvador Allende.
Dessa forma, o filme ao tratar de um acontecimento histórico e social tendo em vista o
olhar das crianças, mostrou a personagem Silvana, com um pouco mais de onze anos, ela
trabalha vendendo bandeiras partidárias e cigarros nas manifestações que ocorrem nas ruas.
Em mais um dia de trabalho e protestos os meninos (Gonzalo e Machuca) pulam e gritam,
acompanhando o canto da multidão, e incitam para que Silvana o faça, ela não o faz e irrita-se
com os meninos. Num momento posterior, ela aparece em outra manifestação que defende o
socialismo, todavia ela pula, grita e entoa um cântico: “quem não pula é direitista”
(MACHUCA, 2003).
O que se observa nessa cena é que a personagem coloca-se no mundo, posiciona-se,
participa ativa e politicamente da vida social. Apesar de que, com o advento da modernidadeessa expressão não tenha visibilidade, o manifesto ocorre. Nessa perspectiva, Castro (2004) ao
discorrer sobre crianças e jovens na construção da cultura, sustenta que a criança como sujeito
de direitos é constituída, no momento em que sua atuação é a princípio julgada válida, ou seja,
quando sua ação é legitimada.
Ainda nessa obra cinematográfica, constata-se mais uma cena de resistência e
participação da criança na “vida adulta”. Em uma celebração religiosa na paróquia do colégio
1 Trabalho realizado na disciplina Desenvolvimento Humano I2 Estudante do curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso.
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Saint Patrick, após a tomada dos militares, o Pe. McEnroe entra no templo, sobe ao altar e
irreverentemente come todas as hóstias, ao deixar lugar diz: “este lugar não é mais sagrado”
(MACHUCA, 2005). Antes de o padre retirar-se do local, Pedro Machuca levanta-se e
despede-se. Após este gesto todos os demais estudantes levantam-se e dão um adeus ao
McEnroe. O que se supõe é que depois deste episodio, Machuca foi repreendido pelo atual
diretor.
O que podemos entender desse evento, está de acordo com aquilo que Qvortrup (2013)
profere; a liberdade da criança dizer o que pensa e sente em relação a aquilo que lhe diz
respeito é restringida a determinados espaços, na esfera pública o exercício político, a fala
própria e a autonomia – da criança – é proibida. Em nome de uma suposta fragilidade das
crianças, surge o discurso de que elas necessitam ser protegidas, todavia tal proteção acaba por arrancá-las da participação da vida pública. Diante disso, Qvortrup preconiza “Ao mesmo
tempo em que é relevante considerar as crianças como vulneráveis, também seria pertinente
sugerir que o mundo adulto é vulnerável.” (QVORTRUP, p.35, 2013[op. cit]). Castro é ainda
mais audaciosa, alvitra:
Faz se vista grossa a todas as evidências que comprovariam a imaturidade e airresponsabilidade dos próprios adultos, que talvez não sejam nem menos frequente,nem menos aberrante que a das crianças. Citaria como exemplo, a ganância, oimediatismo, e o “egocentrismo” que estão presentes nas decisões pelas inúmerasguerras da história humana que sempre foram decididas por adultos. (CASTRO, p.26, 2004[op. cit])
Nessa acepção, entende-se que a ação/participação deve ser entendida como a
potencialidade de interferir na realidade, ao conceber crianças e adultos na construção da vida,
pensando a ação da criança e do adulto como diferentes, mas singular, distintas. (CASTRO,
2004).
SOBRE INFÂNCIA
De acordo com Ariès (1981) a instituição infância não existia até o início do século
XVII, o diário médico do monarca Henrique IV revela as travessuras do pequeno Luís XIII,
no qual adultos relacionavam-se com a sexualidade infantil de modo natural, despidos de
qualquer pudor.
Foucault (1988) relata em seu primeiro volume do livro “A história da sexualidade”:
Diz-se que no início do século XVII ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas
não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva e, ascoisas, sem demasiado disfarce; tinha-se com o ilícito uma tolerante familiaridade.Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da decência, se comparadoscom os do século XIX. Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões
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visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando,sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos adultos: os corpos "pavoneavam".(FOUCAULT, p. 8, 1988)
Todavia, ocorre que com a chegada da modernidade a sexualidade da criança é
reprimida e extirpada. Conjetura-se uma ausência de sexualidade na infância que é associada
à inocência, e a partir disso os adultos relacionam-se de modo diferente com as crianças,
como evidencia Foucault (1988) não há mais uma “liberdade” de linguagem, em hipótese
alguma alguém se relacionaria como uma criança como nos relatos de Heroard:
Luís Xlll tem um ano: "Muito alegre", anota Heroard, "ele manda que todos lhe beijem o pênis". Ele tem certeza de que todos se divertem com isso. Todos sedivertem também com sua brincadeira diante de duas visitas, o Senhor de Bonnièrese sua filha: "Ele riu muito para (o visitante), levantou a roupa e mostrou-lhe o pênis,mas sobretudo à sua filha; então, segurando o pênis e rindo com seu risinho, sacudiu
o corpo todo". As pessoas achavam tanta graça que a criança não se cansava derepetir um gesto que lhe valia tanto sucesso. Diante de "uma pequena senhorita","Levantou a túnica, e mostrou-lhe o pênis com um tal ardor que ficou fora de si. Elese deitou de costas para mostrá-lo melhor". (ARRIÈS, p. 76, 1981[op. cit])
Nesse sentido, Foucault (1988) atenta-nos para a necessidade de tentar definir os
diversos modos de não dizer, pois segundo ele não se fala menos de sexo quando este é
silenciado, é preciso identificar aquilo que é autorizado dizer na forma de silêncio. Tendo em
vista o fato de que a sexualidade infantil não deixa de existir simplesmente porque os adultos
agem de forma pudica com as crianças.
A penalidade também tem sido uma maneira, na qual os adultos convivem com a
criança, nessa perspectiva a Igreja desempenha o papel fundamental de dizer aquilo que é
ilícito ou lícito, punindo os pecados com a ameaça do inferno. A Lei na medida do possível
julga o casório que não tem o consentimento dos pais, assim como qualquer sexualidade que
seja errante. (FOUCAULT, 1988)
Outro modo que os adultos relacionam-se com a infância é por intermédio do “cuidado
de si”, um discurso que “acaricia” o corpo, dado pelos prognósticos, relatórios pedagógicos,
avaliação psicológica, exames etc. Estas ferramentas caracterizam-se como outro modo de proferir um “não”, de negar e controlar a sexualidade improdutiva e errante – infantil,
inclusive – . (FOUCAULT, 1988)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista dos conceitos de proteção e participação de Qvortrup, o presente trabalho fez
uma correspondência entre estas definições e o filme Machuca.
Partiu do pressuposto que a infância foi construída procuramos demonstrar algumasdas formas que adultos relacionam-se com as crianças, com auxílio do trabalho de Foucault
no livro “História da sexualidade”.
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Nessa sequência, consideramos que pensar a ação humana enquanto um processo
fluído e contingente é necessário, pois desse modo valoriza-se a ação da criança e a entende
como um ser do aqui e agora, não um “devir a ser”. Destacamos a necessidade de se perceber
os “silêncios” da repressão da sexualidade, também considerando silêncios como possibilidade narrativa, ressaltamos a importância de reconhecer os discursos de poder e
controle na contemporaneidade.
REFERÊNCIAS
ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro.: LCT, 1981.
ÁVILA, C.F.D. O golpe no Chile e a política internacional (1973): ensaio de interpretação.História (São Paulo) v.33, n.1, p. 290-316, jan./jun. ISSN 1980-4369. 2014.
CASTRO, L. R. de (Org.) Crianças e Jovens na Construção da Cultura. Rio de Janeiro: NAU/FAPERJ, 2001.
FOUCAULT, M. História da sexualidade I: A vontade de saber , tradução de Maria Thereza daCosta Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.
GÉLIS, J. A individualização da criança. In: CHARTIER, Roger (org.). História da vida privada, 3: da Renascença ao Século da Luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
MACHUCA. Direção: Andrès Wood. Fotografia: Miguel Littin. Paraiso Production Diffusion,2003. 1. DVD (120 min).
QVORTRUP, J. Visibilidades das crianças e da infância. Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 20, n.41, p. 23-42, jan./abr. 2014.