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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO LUIS EDUARDO SANTOS COELHO NETTO ALIANÇAS ESTRATÉGICAS COMO FONTES GERADORAS DE VANTAGENS COMPETITIVAS SUSTENTÁVEIS: O CASO EMBRAER RIO DE JANEIRO 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

LUIS EDUARDO SANTOS COELHO NETTO

ALIANÇAS ESTRATÉGICAS COMO FONTES

GERADORAS DE VANTAGENS COMPETITIVAS

SUSTENTÁVEIS: O CASO EMBRAER

RIO DE JANEIRO

2005

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LUIS EDUARDO SANTOS COELHO NETTO

ALIANÇAS ESTRATÉGICAS COMO FONTES

GERADORAS DE VANTAGENS COMPETITIVAS

SUSTENTÁVEIS: O CASO EMBRAER

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.

Orientador: Prof. Dr. Agricola de Souza Bethlem

RIO DE JANEIRO

2005

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Coelho Netto, Luis Eduardo Santos.

Alianças estratégicas como fontes geradoras de vantagens competitivas sustentáveis: o caso Embraer / Luis Eduardo Santos Coelho Netto. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2005.

xxi, 318 f.: il.

Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração, 2005.

Orientador: Agrícola de Souza Bethlem.

1. Estratégia empresarial. 2. Alianças estratégicas. 3. Vantagens competitivas sustentáveis. I. Bethlem, Agrícola de Souza. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. III. Alianças estratégicas como fontes geradoras de vantagens competitivas sustentáveis: o caso Embraer.

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LUIS EDUARDO SANTOS COELHO NETTO

Alianças Estratégicas como Fontes Geradoras de

Vantagens Competitivas Sustentáveis: o Caso Embraer

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.

Aprovada em

____________________________________________________ - Orientador

Prof. Dr. Agricola de Souza Bethlem – COPPEAD/UFRJ

____________________________________________________

Prof. Dr. Antonio Roberto Ramos Nogueira – COPPEAD/UFRJ

____________________________________________________

Prof. Dr. Marco Aurélio Cabral Pinto – TEP/UFF

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A Cinthya e Lucas, sem os quais

absolutamente nada faz sentido.

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AGRADECIMENTOS

Demonstrar o tanto que me sinto grato talvez levasse à elaboração de um

texto maior que a própria dissertação. Na medida do possível, tentarei ser sucinto:

Primeiramente, agradeço ao povo brasileiro pela oportunidade de cursar

mestrado numa escola pública, gratuita e de excelente qualidade. Espero fazer jus

ao investimento em minha educação trazendo o máximo de retorno à sociedade.

Agradeço à minha esposa, Cinthya, personagem principal de minha vida, pelo

apoio e pelo amor. Apoio ao compreender que muitas vezes é necessário o

incômodo do isolamento e da ausência. Amor ao perceber que esta ausência era

involuntária e conseguir suportá-la dignamente. Recebi uma verdadeira prova de

amor não declarada, pela qual serei eternamente grato. Sem seu apoio, Cinthya,

seria impossível a realização desta dissertação. Eu te amo.

Agradeço ao meu filho, Lucas, pelos sorrisos e brincadeiras nas horas mais

difíceis, que logo se tornavam as melhores. Nunca imaginei que fosse apaixonar-me

por um homem. Ser pai de um subverte completamente este conceito. Lucas, papai

te ama muito.

Agradeço a meus pais, Fernando e Ana, pelo apoio e amor a 2.338

quilômetros de distância. À minha mãe, por ter ensinado que só com muito esforço e

sacrifício pode haver recompensa verdadeira. Ao meu pai, pelos conselhos, carinho

e constante ternura. Agradeço também a meus irmãos, Joana e Fernando, pelo afeto

e companheirismo. Ao externarem admiração pelo irmão mais velho, mal sabem eles

quantas vezes mais eu os admiro.

Agradeço ao meu orientador, professor Agricola Bethlem, pela paciência

inesgotável, principalmente nos momentos em que não pude dedicar-me por

completo à dissertação devido a problemas pessoais. Sou eternamente grato pela

compreensão.

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Agradeço também aos amigos Shailon Ian Abdala Menezes, Mauro Gageiro

Pinto, José Gerson Martins Pinheiro e João Luís Abreu Jorge Teixeira pelo

sustentáculo inicial que me permitiu cursar o Coppead.

Como este trabalho aborda a Embraer, há dois colaboradores na empresa

que merecem um agradecimento especial: Satoshi Yokota e Luís Carlos Affonso,

respectivamente Vice-Presidente Executivo de Desenvolvimento e Indústria e Vice-

Presidente de Aviação Corporativa, por terem me recebido para a realização das

entrevistas que constam neste trabalho, sem as quais restaria uma enorme lacuna.

Agradeço também às suas assistentes, sempre muito cordiais e prestativas,

senhoras Arilene Paiva, Edilayne Pereira e Elizabeth Barco.

Agradeço também a Horácio Aragones Forjaz e Sidney Lage Nogueira,

respectivamente Vice-Presidente Executivo de Comunicação Empresarial e Gerente

do Programa de Especialização em Engenharia (PEE) da Embraer, pelas sugestões

de nomes que poderiam contribuir para a evolução do trabalho. Também devo

agradecimentos ao grande amigo Luis Marcelo Coelho Acosta, engenheiro

aeronáutico da Embraer, por conseguir fontes secundárias de pesquisa de muito

valor para este estudo.

Ademais, agradeço a Allan MacPherson (University at Buffalo), Altair Garcia

(Unicamp), Frederico Araújo Turolla (FGV-SP), Marcelo de Figueiredo Alves

(BNDES), Márcio Nobre Migon (BNDES), Roberto Carlos Bernardes (Fundação

SEADE), Rosane Argou Marques (University of Sussex) e William Gostic (Pratt &

Whitney) pela disponibilização de trabalhos acadêmicos importantíssimos e pelas

sugestões de diretrizes para este estudo.

A lista de agradecimentos não ficaria completa sem todos meus amigos da

turma 2003 do Instituto Coppead de Administração, em especial aos “estrategistas”

Iuri Filus Ludkevitch, Jayme Chataque de Moraes, Juliana Coutinho Oliveira, Paulo

Roberto Esteves Grigorovski e Renato Coelho Gomes Pinto, com quem compartilhei

várias angústias e outros tantos momentos engraçados e inesquecíveis.

Agradeço também a todos os professores e funcionários do Coppead pelo

trabalho profissional e diligente que fez destes 30 meses de estudo algo que se

distingue em minha vida.

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E, por fim, agradeço enormemente ao Marechal Casimiro Montenegro Filho

(in memoriam), um dos maiores brasileiros de todos os tempos, pela visão e

empreendedorismo ímpares, sem os quais o Brasil não teria asas.

Muito obrigado.

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“Não tenho condições de criar agora uma indústria

aeronáutica. Vocês um dia o farão!”

Mal. Casimiro Montenegro Filho (1904-2000)

“No bird soars too high if he soars with his own wings.”

William Blake (1757-1827)

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RESUMO COELHO NETTO, Luis Eduardo Santos. Alianças estratégicas como fontes geradoras de vantagens competitivas sustentáveis. Orientador: Agrícola de Souza Bethlem. Rio de Janeiro: COPPEAD/UFRJ, 2005. Dissertação (Mestrado em Administração).

Este estudo possui foco sobre a Embraer, empresa líder na fabricação de aeronaves regionais, carro-chefe da indústria aeronáutica brasileira e uma das principais exportadoras do país. Dois foram os objetivos deste trabalho: analisar sob o ponto de vista estratégico a evolução histórica da gestão de alianças da Embraer ao longo de suas mais de três décadas de existência e compreender o efeito destas alianças na geração de vantagens competitivas sustentáveis e na construção de um competidor global no setor de fabricação de aeronaves.

Inicialmente, foi verificada a formação das condições para o desenvolvimento de uma indústria aeronáutica no Brasil, até o momento da criação da Embraer. Em seguida, foi analisado o histórico da empresa, desde seu crescimento inicial pujante até os problemas financeiros gerados por projetos inadequados e pela recessão no setor aeroespacial mundial ao final da década de 80, culminando com a privatização da empresa em 1994. Posteriormente, foram analisadas as iniciativas da Embraer já sob controle privado, verificando o sucesso de seu ingresso no segmento de aviação regional e sua recente aposta no segmento de aviação executiva. Toda a história da empresa foi observada com foco voltado às alianças estratégias.

Mais adiante, foi realizada análise segundo framework desenvolvido a partir de modelo proposto por Barney (1991), de forma a identificar como as alianças estratégicas nas quais a empresa tomou parte geraram vantagens competitivas sustentáveis.

Por fim, foi constatado que a opção pela realização de alianças estratégicas possuiu papel fundamental no progresso da Embraer, tendo em vista que várias alianças tiveram impacto profundo na evolução dos eixos estratégicos de excelência da empresa, quais sejam, as áreas de pesquisa e desenvolvimento, integração dos parceiros, produção, comercialização e pós-venda.

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ABSTRACT

COELHO NETTO, Luis Eduardo Santos. Alianças estratégicas como fontes geradoras de vantagens competitivas sustentáveis. Orientador: Agrícola de Souza Bethlem. Rio de Janeiro: COPPEAD/UFRJ, 2005. Dissertação (Mestrado em Administração).

This study focuses on Embraer, the world leader in regional aircraft manufacturing, the most important company in the Brazilian aeronautical industry and one of the country’s biggest exporters. This work had two main objectives: analyze under a strategic perspective the evolution of Embraer’s way of managing alliances throughout its more than three decades lifespan and understand the effect of these alliances in the creation of sustainable competitive advantages and in the development of a global competitor in the aircraft manufacturing industry.

Initially, the formation of conditions for the development of an aeronautical industry in Brazil was verified, from the beginning of the 20th Century until Embraer’s foundation. Afterwards, the enterprise’s history was analyzed from its robust initial growth to the financial problems arising on the launching of inadequate products and from the recession in the world aerospace industry by the end of the 80s, culminating with the company’s privatization in 1994. Subsequently, Embraer initiatives already under private control were accurately studied and the success of its entry in the regional aviation segment could be examined, as well as its most recent bet in the executive aviation segment. All of the organization’s history was observed with an emphasis on the strategic alliances.

Also, a framework derived from Barney’s model (1991) was used to identify how these strategic alliances generated sustainable competitive advantages for Embraer.

Finally, evidence was found that the deliberate option on creating and developing strategic alliances was crucial for Embraer’s progress, forasmuch as plenty of these alliances have had profound impact on the evolution of the company’s five strategic axis of excellence: research and development, partner integration and management, production, commercialization and post-selling assistance.

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LISTA DE SIGLAS

ACS Aerial Common Sensor

AFA Academia da Força Aérea

ASA Atlantic Southeast Airlines

BAe British Aerospace

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CAA Commuter Aviation Association

CACEX Carteira de Comércio Exterior

CAD Computer Aided Design

CAM Computer Aided Manufacturing

CAM Correio Aéreo Militar

CAN Correio Aéreo Nacional

CAP Companhia Aeronáutica Paulista

CASA Construcciones Aeronáuticas SA

CATI Cooperative Agreements and Technology Indicators

CATIA Computer Aided Three-dimensional Interactive Application

CBA Cooperação Brasil-Argentina

CFD Computational Fluid Dynamics

CGA Compagnie Générale de Aviation

CIM Computer Integrated Manufacturing

COPPEAD Instituto COPPEAD de Administração

CRJ Canadair Regional Jet

CRV Centro de Realidade Virtual

CTA Centro Técnico de Aeronáutica e, posteriormente, Centro Técnico

Aeroespacial

CVM Comissão de Valores Mobiliários

CVRD Companhia Vale do Rio Doce

DAC Departamento de Aviação Civil

DAM Diretoria Administrativa

DASA Daimler-Benz Aerospace

DCO Diretoria Comercial

DFN Diretoria Financeira

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DIN Diretoria Industrial

DM Diretoria de Material

DPM Diretoria de Produtos Militares

DPR Diretoria de Produção

DTE Diretoria Técnica

EAC Embraer Aircraft Corporation

EAI Embraer Aviation International

EDI Electronic Data Interchange

EFIS Electronic Flight Information System

Embraer Empresa Brasileira de Aeronáutica

ERJ Embraer Regional Jet

EUA Estados Unidos da América

FAA Federal Aviation Administration

FAB Força Aérea Brasileira

FAR Federal Aviation Regulation

FedEx Federal Express

FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

FINEX Fundo de Financiamento às Exportações

FMA Fábrica Militar de Aviones

GE General Electric

HP Horse Power

HS Hamilton Sundstrand

IAE Instituto de Aeronáutica e Espaço

ICAO International Civil Aviation Organization

ICM Imposto de Circulação de Mercadorias

IEAv Instituto de Estudos Avançados

IFI Instituto de Fomento e Coordenação Industrial

IPD Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento

IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas

ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica

ITC International Trade Comission

ITT International Telephone and Telegraph

JAA Joint Aviation Authorities

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JDP Joint Definition Phase

JPATS Joint Primary Aircraft Training System

JV Joint Venture

KBE Knowledge Based Engineering

LJ Light Jet

LTA Long Term Agreements

MBO Management By Objectives

MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

MIT Massachusetts Institute of Technology

MR&O Manutenção, Reparo e Overhaul

NFTC NATO Flying Training in Canada

NYSE New York Stock Exchange

OECD Organisation for Economic Co-operation and Development

OMC Organização Mundial do Comércio

PBA Provincetown Boston Airlines

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

P&W Pratt & Whitney

PROEX Programa de Financiamento às Exportações

RAA Regional Airline Association

RAF Royal Air Force

RCA Radio Corporation of America

SBTA Sociedade Brasileira de Pesquisa em Transporte Aéreo

SHP Shaft Horse Power

SITAR Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional

SIVAM Sistema de Vigilância da Amazônia

SWOT Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats

TABA Transporte Aéreo da Bacia Amazônica

TAM Táxi Aéreo Marília e, posteriormente, Transporte Aéreo Marília

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

VARIG Viação Aérea Rio-Grandense

VASP Viação Aérea São Paulo

VLJ Very Light Jet

WBAC Wright Brothers Aeroplanes Company

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Composição do faturamento da Embraer em 1994 ..............................144

Gráfico 2 – Participação por fabricante no mercado de aviação geral em 2003 .....177

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Relação entre heterogeneidade e imobilidade dos recursos e vantagens

competitivas sustentáveis .........................................................................................15

Figura 2 – Motivos genéricos para alianças estratégicas..........................................32

Figura 3 – Motivos para formação de alianças estratégicas .....................................34

Figura 4 – Processo de consolidação dos fabricantes de aeronaves nas décadas de

80 e 90 ......................................................................................................................45

Figura 5 – Framework para análise de alianças estratégicas como fontes geradoras

de vantagens competitivas sustentáveis ...................................................................72

Figura 6 – Cadeia produtiva da indústria aeronáutica ...............................................78

Figura 7 – Diferenças entre modelos logísticos de transporte aéreo ........................80

Figura 8 – Organograma da Embraer em 1986.......................................................137

Figura 9 – Organograma da Embraer em 1996.......................................................148

Figura 10 – Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no ERJ-

145 ..........................................................................................................................156

Figura 11 – Superposição entre aeronaves regionais e single-aisle gerando

competição direta ....................................................................................................164

Figura 12 – Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no ERJ-

170/190 ...................................................................................................................165

Figura 13 – Eixos estratégicos de excelência da Embraer......................................252

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Fatores Críticos de Competitividade na Indústria Aeronáutica Civil .......79

Quadro 2 – Maiores empresas do mundo no setor aeroespacial militar e de

armamentos em 1995 ...............................................................................................83

Quadro 3 – Aeronaves construídas ou montadas no Brasil na fase pré-Embraer.....87

Quadro 4 – Aeronaves cogitadas para aquisição da FAB no início dos anos 70 ......96

Quadro 5 – EMB-120 Brasília e seus concorrentes ................................................124

Quadro 6 – CBA-123 e seus concorrentes..............................................................131

Quadro 7 – Percentual de vendas de serviços do segmento de subcontratos

aeronáuticos em relação ao faturamento total em 1989-1994 ................................141

Quadro 8 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 1989-1994 ....143

Quadro 9 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 1995-1999 ....147

Quadro 10 – Percentual de vendas de serviços do segmento de subcontratos

aeronáuticos em relação ao faturamento total em 1989-1998 ................................149

Quadro 11 – Comparação resumida entre ERJ-145 e CRJ-200 .............................160

Quadro 12 – Parceiros de compartilhamento de risco da Embraer no

desenvolvimento da família ERJ-170/190 ...............................................................168

Quadro 13 – Comparação resumida entre ERJ-170, CRJ-700 e FD-728 ...............169

Quadro 14 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 2000-2004 ..178

Quadro 15 – Detalhamento das diferentes estratégias de pesquisa .......................180

Quadro 16 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Aermacchi (projeto

EMB-326) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ...........................193

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Quadro 17 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Piper na formação de

vantagens competitivas sustentáveis ......................................................................198

Quadro 18 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Northrop (projeto F-5)

na formação de vantagens competitivas sustentáveis ............................................201

Quadro 19 – Efeito dos recursos adquiridos na primeira aliança com a Sikorsky na

formação de vantagens competitivas sustentáveis .................................................206

Quadro 20 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Aeritalia e Aermacchi

(projeto AMX) na formação de vantagens competitivas sustentáveis .....................215

Quadro 21 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a FMA (projeto CBA-

123) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ....................................218

Quadro 22 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a McDonnell Douglas

(projeto MD-11) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ..................223

Quadro 23 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Boeing (projetos 747 e

767) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ....................................225

Quadro 24 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Boeing (projeto 777)

na formação de vantagens competitivas sustentáveis ............................................227

Quadro 25 – Efeito dos recursos adquiridos nas alianças do projeto ERJ-145 na

formação de vantagens competitivas sustentáveis .................................................234

Quadro 26 – Efeito dos recursos adquiridos na segunda aliança com a Sikorsky

(projeto S-92 Helibus) na formação de vantagens competitivas sustentáveis ........237

Quadro 27 – Efeito dos recursos adquiridos nas alianças do projeto ERJ-170/190 na

formação de vantagens competitivas sustentáveis .................................................245

Quadro 28 – Formas de desenvolvimento dos eixos estratégico de excelência da

Embraer...................................................................................................................258

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................1

1.1 OBJETIVOS E QUESTÃO A SER RESPONDIDA..........................................2

1.2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO ............................................................................3

1.3 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ...........................................................................4

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.....................................................................................5

2.1 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL.......................................................................5

2.2 ALIANÇAS ESTRATÉGICAS........................................................................15

2.2.1 Introdução às alianças estratégicas .......................................................15

2.2.2 Conceito de alianças estratégicas..........................................................21

2.2.3 Classificações de alianças estratégicas .................................................25

2.2.3.1 Formato de alianças estratégicas...................................................25

2.2.3.2 Função de alianças estratégicas ....................................................26

2.2.3.3 Escopo de alianças estratégicas ....................................................27

2.2.3.4 Cobertura de mercado de alianças estratégicas ............................28

2.2.4 Motivações para formação de alianças estratégicas..............................28

2.2.5 Parcerias de compartilhamento de risco na indústria de fabricação de

aeronaves ..........................................................................................................36

2.3 COMPETÊNCIAS CHAVE ............................................................................65

2.3.1 Relação entre redução de custos e foco em competências chave.........66

2.3.2 Características das competências chave de acordo com a literatura.....69

2.3.3 Competências chave e vantagem competitiva .......................................70

2.3.4 Implementação e sinalização de alocação de recursos .........................70

2.4 FRAMEWORK PARA ANÁLISE DE ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA

EMBRAER.............................................................................................................72

3 O CASO EMBRAER...............................................................................................73

3.1 A INDÚSTRIA AERONÁUTICA MUNDIAL ...................................................73

3.2 A HISTÓRIA DA EMBRAER .........................................................................84

3.2.1 A aviação brasileira antes da criação de uma indústria aeronáutica

competitiva .........................................................................................................84

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3.2.2 Década de 70: a decolagem da Embraer .............................................100

3.2.3 Década de 80: a expansão internacional consolidada .........................114

3.2.4 Década de 90: da quase falência ao renascimento..............................140

3.2.5 O século XXI e os desafios para o futuro .............................................172

4 METODOLOGIA DE PESQUISA .........................................................................180

4.1 TIPO DE PESQUISA ..................................................................................180

4.2 CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA DA EMPRESA........................................182

4.3 COLETA DE DADOS..................................................................................183

4.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO .......................................................................184

5 ANÁLISE DE RESULTADOS...............................................................................185

5.1 DELIMITAÇÃO DAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS ANALISADAS.............185

5.2 ANÁLISE INDIVIDUAL DAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA EMBRAER189

5.2.1 Projeto EMB-326 Xavante ....................................................................189

5.2.2 Adaptação de aeronaves leves da Piper para o mercado brasileiro ....194

5.2.3 Acordo com a Northrop para produção de componentes do F-5..........199

5.2.4 Formação de consórcio com a Short Brothers para venda de jatos Super

Tucano à RAF ..................................................................................................202

5.2.5 Acordo com a Sikorsky para aquisição de tecnologia em usinagem

química.............................................................................................................203

5.2.6 Projeto AMX .........................................................................................207

5.2.7 Projeto CBA-123 Vector .......................................................................216

5.2.8 Acordo com a McDonnell Douglas para produção de flaps de fibra de

carbono para a aeronave MD-11 .....................................................................219

5.2.9 Produção de peças que exigem mecânica fina para aeronaves 747 e 767

da Boeing .........................................................................................................224

5.2.10 Produção de wing tips e dorsal fin para aeronaves 777 da Boeing......226

5.2.11 Formação de consórcio com a Northrop para venda de jatos Super

Tucano aos EUA ..............................................................................................228

5.2.12 Projeto da família ERJ-145...................................................................228

5.2.13 Produção de sistema de combustível e sponson para helicópteros S-92

Helibus da Sikorsky..........................................................................................235

5.2.14 Projeto da família ERJ-170/190............................................................238

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5.2.15 Remodelamento dos F-5 da FAB com a Elbit ......................................246

5.2.16 Produção do ERJ-145 na China em joint venture com a AVIC II .........246

5.2.17 Projeto da família Light Jet / Very Light Jet ..........................................248

5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O ATUAL POSICIONAMENTO

COMPETITIVO DA EMBRAER ...........................................................................249

6 CONCLUSÕES ....................................................................................................261

6.1 CONCLUSÕES GERAIS DO ESTUDO ......................................................261

6.2 RECOMENDAÇÕES E SUGESTÕES DE NOVOS ESTUDOS..................268

7 REFERÊNCIAS....................................................................................................270

APÊNDICE A – Entrevista concedida pelo Eng. Luís Carlos Affonso, Vice-Presidente

de Aviação Corporativa da Embraer .......................................................................289

APÊNDICE B – Entrevista concedida pelo Eng. Satoshi Yokota, Vice-Presidente

Executivo de Desenvolvimento e Indústria da Embraer ..........................................304

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1 INTRODUÇÃO

A Embraer é atualmente uma das maiores empresas brasileiras e está entre

as maiores exportadoras do país, sendo uma das poucas companhias nacionais a

comercializar produtos de alto valor agregado.

Uma característica marcante na história da Embraer é sua capacidade em

participar e liderar projetos de desenvolvimento de aeronaves em aliança com

parceiros estratégicos. Tal capacidade tem sido creditada como uma das principais

razões do sucesso financeiro-comercial da empresa desde sua privatização, em

1994.

As alianças vêm permitindo à empresa adquirir capacitação tecnológica,

gerencial e financeira, o que a habilita a competir em posição de destaque no

extremamente competitivo mercado de fabricação de aeronaves global. Entretanto,

não há somente benefícios: as alianças estratégicas também apresentam riscos de

que os parceiros capacitem-se tecnologicamente e, no futuro, venham a se tornar

competidores da Embraer.

Para entender a influência das alianças estratégicas no sucesso atual e nas

perspectivas futuras da Embraer, o presente estudo buscou na literatura de

estratégia subsídios para analisar a empresa.

O estudo encontra-se dividido em seis capítulos:

• No primeiro capítulo é apresentada uma introdução ao estudo, seus

objetivos, as questões a serem respondidas, bem como sua delimitação e

relevância;

• O segundo capítulo é composto pela revisão de literatura, em que são

descritos os preceitos teóricos utilizados na dissertação, a indústria

aeronáutica mundial e a história da Embraer;

• O terceiro capítulo aborda o método de pesquisa, em que são encontrados

os procedimentos utilizados na coleta de dados, bem como a sua

organização e tratamento. Também consta no terceiro capítulo a descrição

do tipo de pesquisa utilizado, bem como suas limitações;

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• No quarto capítulo é apresentada a análise dos resultados, confrontando o

referencial teórico com o estudo de caso histórico e as entrevistas

realizadas;

• No quinto capítulo são abordadas as conclusões e as implicações para

pesquisas futuras;

• Por fim, no sexto e último capítulo são apresentadas as referências

bibliográficas utilizadas.

1.1 OBJETIVOS E QUESTÃO A SER RESPONDIDA

Esta dissertação possui dois objetivos básicos, a saber:

• Analisar sob o ponto de vista estratégico a evolução histórica da gestão de

alianças estratégicas da Embraer ao longo de suas mais de três décadas

de existência; e

• Compreender o efeito das alianças estratégicas da Embraer na geração de

vantagens competitivas sustentáveis e na construção de um competidor

global no setor de fabricação de aeronaves.

Em virtude do contexto em que se desenvolve este estudo e dos objetivos

acima apresentados, a dissertação buscará responder a seguinte pergunta:

• De que forma as alianças estratégicas têm gerado vantagens competitivas

sustentáveis para a Embraer?

Tal pergunta respeita todas as condições estabelecidas por Gil (2002) para

formulação de problemas científicos, quais sejam:

a) O problema deve ser formulado como pergunta;

b) O problema deve ser claro e preciso;

c) O problema deve ser suscetível de solução; e

d) O problema deve ser delimitado a uma dimensão viável.

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1.2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO

O objetivo deste estudo é analisar exclusivamente a Embraer, não sendo

analisadas a fundo a história e as parcerias de sua maior concorrente, a canadense

Bombardier, e de potenciais concorrentes no futuro (por ex. a norte-americana

Boeing e a européia Airbus). Toda análise pormenorizada de competitividade e das

vantagens competitivas sustentáveis de uma determinada empresa deveria envolver

a análise da competitividade dos seus competidores, pois tal conceito é, obviamente,

relativo. Assim, para entender com mais detalhe o posicionamento da Embraer e

suas perspectivas futuras, dever-se-ia aprofundar a análise destas outras empresas.

Também não consta como objetivo deste estudo o aprofundamento da

questão dos subsídios governamentais, que é de crucial importância para a

determinação da competitividade de determinada empresa e/ou indústria

(principalmente no setor aeroespacial), muito embora de nebulosa detecção. Dada a

natureza ilícita das atividades de subsídio, que contrariam acordos de comércio

exterior entre nações e normalmente são camuflados pelos governos de diversas

formas, preferiu-se não dar ênfase a este aspecto neste trabalho.

Além disso, este trabalho é exploratório e não deve ser associado diretamente

a nenhum elemento de predição dos fatos. Em estudos de caso, por definição, não é

possível realizar inferências a respeito das conclusões em outros setores e

empresas, por não ser possível estabelecer cientificamente uma relação de

causalidade.

Dentre outras limitações do trabalho, também vale ressaltar o foco sobre um

período relativamente recente na história da companhia, em que a análise fica

prejudicada pela falta de distanciamento histórico. Muito embora sejam analisados

eventos ocorridos desde antes da fundação da Embraer, a literatura disponível sobre

a companhia realmente possui um viés voltado para as parcerias mais recentes, em

especial as de compartilhamento de risco, sendo mais raro encontrar relatos

detalhados de projetos que ocorreram nos primeiros anos da empresa.

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1.3 RELEVÂNCIA DO ESTUDO

A bibliografia acadêmica sobre a indústria aeroespacial brasileira e a Embraer

é muito escassa. Este estudo vem ajudar a preencher uma lacuna na análise desta

indústria que é uma das mais importantes na pauta de exportações brasileira bem

como um dos poucos setores de atuação de nosso país em que há marcado

desenvolvimento e produção de alto valor tecnológico agregado.

Além disso, este trabalho aborda uma faceta muito interessante do sucesso

recente da Embraer, que é a realização de alianças estratégicas como forma de

adquirir capacitação tecnológica, gerencial e financeira. A compreensão aprofundada

de tal opção estratégica, tão importante para uma empresa do porte da Embraer, é

outro fator que torna o estudo relevante.

Por fim, entende-se que o sucesso continuado da Embraer fatalmente a

levará no futuro a embates com empresas muito maiores e apoiadas por governos

bastante agressivos na concessão de subsídios e defesa de seus interesses

industriais. Este estudo aborda tal futuro e serve como referência para entender as

dificuldades com as quais a empresa brasileira pode vir a se deparar.

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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Esta dissertação atravessa áreas de conhecimento distintas, de forma a

conceitualizar, sistematizar e avaliar a estratégia de alianças da Embraer ao longo

de sua história. Para embasar solidamente os fundamentos teóricos e conceituais

utilizados neste estudo, foi realizada uma revisão da literatura referente aos

seguintes tópicos:

2.1. Estratégia empresarial;

2.2. Alianças estratégicas; e

2.3. Competências chave.

A partir dos conceitos aprendidos nos subcapítulos acima, foi desenvolvido um

framework teórico para a análise do caso, que está presente no seguinte

subcapítulo:

2.4. Framework para análise das alianças estratégicas da Embraer.

Por fim, também será realizada a revisão da literatura de dois tópicos

específicos ao caso analisado:

2.5. A indústria aeronáutica mundial; e

2.6. A história da Embraer.

2.1 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL

Atualmente, um conceito extremamente usado, mas pouco compreendido, é o

de estratégia. Costuma-se usualmente atribuir à estratégia a capacidade de uma

organização em obter sucesso frente ao ambiente em que está inserida. Mas o que

é exatamente estratégia? E como ela se apresenta nas modernas corporações? E

de que forma uma estratégia bem posta gera vantagens competitivas à organização

que dela se utiliza?

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Primeiramente, devem ser entendidas as origens do conceito. O conceito de

estratégia encontra-se em uso desde que Sun Tzu (1971) escreveu o livro “Arte da

Guerra”, no século IV a.C. Sun Tzu abordou, obviamente, a estratégia militar, e não

corporativa ou empresarial. A estratégia também foi estudada por diversos outros

autores de prestígio, como Maquiavel, Napoleão e Von Clausewitz.

A literatura sobre estratégia corporativa surgiu nos anos 50 e 60 (CHANDLER,

1962; ANSOFF, 1965; LEARNED ET AL, 1965) e hoje cresce em ritmo acelerado.

Essencialmente, a estratégia tem a ver com onde a organização deseja estar no

futuro e como chegar lá. Tal afirmação é obviamente imprecisa e, por isso, vários

autores apresentam suas definições e visões sobre o tema.

Como citado acima, a disciplina de gestão de negócios estratégica originou-se

há poucas décadas. Muito embora vários autores tenham contribuído para este

então incipiente ramo da literatura de gestão, os mais influentes inicialmente foram

Alfred Chandler, Philip Selznick, Igor Ansoff e Peter Drucker.

Selznick (1957) introduziu a idéia da análise dos fatores organizacionais

internos e das circunstâncias externas, do ambiente. Esta idéia-chave desencadeou

o que hoje é conhecido como análise SWOT (strengths, weaknesses, opportunities

and threats – ou seja, forças, fraquezas, oportunidades e ameaças), posteriormente

desenvolvida por Learned et al (1965).

Já Chandler (1962) definiu estratégia como a determinação das metas e dos

objetivos básicos de uma empresa para o longo prazo, assim como a adoção de

cursos de ação e a alocação dos recursos necessários para atingir essas metas. O

autor também é bastante conhecido pela afirmação de que a “estrutura segue a

estratégia”1.

Ansoff (1965), por sua vez, construiu sobre o trabalho de Chandler uma série

de conceitos estratégicos bem como um vocabulário que acompanha a disciplina até

os dias de hoje. Ansoff (1965) desenvolveu uma grade estratégica que comparava

estratégias de desenvolvimento de mercados, integração horizontal e vertical e

estratégias de diversificação. Em sua opinião, tais estratégias poderiam ser

1 Ou seja, para Chandler (1962), “uma nova estratégia requer uma nova ou, pelo menos, reformulada estrutura se a empresa deseja atuar eficientemente”.

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utilizadas para sistematicamente preparar as corporações para futuras

oportunidades e desafios. No mesmo trabalho, o autor desenvolveu a hoje famosa

gap analysis (análise de lacunas), utilizada para entender a lacuna entre a situação

em que as empresas se encontram e a situação em que gostariam de se encontrar.

Um outro trabalho de grande popularidade é o de Drucker (1954), que

estabeleceu a importância dos objetivos para a estratégia. Tal abordagem evoluiu

para o que hoje é conhecido como management by objectives (MBO, ou gestão por

objetivos). De acordo com autor, o procedimento de estabelecer objetivos e

monitorar o progresso deve estar permeado por toda a corporação.

Na verdade, o conceito de estratégia é algo muito debatido e no qual não há

grande consenso. Para Bethlem (1998), há dezenas de definições para os conceitos

principais e vários conceitos introduzidos nos anos recentes (por ex. visão

estratégica, pensamento estratégico e estratégia emergente) e sobre estes conceitos

ainda há várias divergências. Mesmo apesar de todas estas dificuldades, o autor

sustenta que há alguns fatos claros e bem definidos. Seriam eles:

• Estratégia é um conceito que precisa ser aprendido;

• Estratégia tem que ser aprendida por várias pessoas e aceita por todas

elas para ser tornada real, ou seja, bem executada;

• A transformação de idéias estratégicas em ações estratégicas que venham

a dar aos estrategistas os resultados que almejam exigirá várias etapas,

enumeradas a seguir:

1. Geração: um processo intelectual individual ou coletivo de geração de

propostas de ação que pode ser chamado de planejamento

estratégico;

2. Cooptação: um processo comportamental-social de obtenção de

concordância e apoio de outros indivíduos às propostas da etapa

anterior, cujo resultado pode ser chamado de plano estratégico ou

plano de ação. Até essa etapa, de acordo com o autor, o produto do

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trabalho existe apenas “no papel” e pode ser abandonado sem grandes

conseqüências;

3. Implementação: outro processo comportamental-social em que os

mesmos indivíduos, ou mais indivíduos cooptados, iniciem, junto ao

autor ou autores das idéias, o processo de concretizar no mundo real

as ações propostas no plano da etapa anterior. Esta etapa já vai alterar

as condições materiais da empresa pela utilização de recursos e

poderá provocar modificações no ambiente em que a empresa atua, se

houver reação dos competidores;

4. Finalização: um processo dinâmico de finalização das ações iniciadas

na etapa anterior.

Além disso, Bethlem (1998) afirma que há perguntas básicas a que toda

organização deve responder, que são:

• Fazer – o quê?;

• Ser – o quê?;

• Estar – onde?;

• Estar – quando?.

Para o autor, as respostas a tais perguntas básicas representarão os objetivos

genéricos de uma organização, que são:

• Fazer alguma coisa;

• Ser alguma coisa;

• Estar em algum lugar;

• Estar em algum momento.

A especificação do que se deve fazer, ser e onde e quando estar definem os

objetivos específicos da organização. Mas para o autor, a motivação principal de

uma empresa é ser uma organização de sucesso. Quatro componentes

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configurariam os objetivos genéricos para obter tal sucesso, a citar: lucro,

crescimento, sobrevivência e prestígio. Desta forma, uma empresa que alcança

estes objetivos é chamada comumente, na literatura, de empresa bem-sucedida.

Para cada um dos quatro objetivos genéricos, há um conjunto de estratégias a

serem adotadas de forma a obter o sucesso. Assim, os objetivos específicos de uma

empresa seriam:

• Fazer alguma coisa, em algum lugar ou mercado, por algum tempo; e

• Ser lucrativa, crescente, prestigiosa e duradoura.

De acordo com Bethlem (1998), alguns autores chamam este conjunto de

objetivos específicos de missão e consideram que, sendo ela também específica,

diferencia uma empresa das demais.

Mintzberg (1987), por sua vez, ataca a necessidade do homem de

erradamente insistir em definições para todo conceito e aponta que o campo de

gestão estratégica não pode apoiar-se numa única definição para estratégia.

Uma definição possível – e uma das mais famosas – é a de Wright et al

(1992), que apresenta estratégia como “planos da alta administração para atingir

resultados consistentes com as missões e objetivos da organização”. Uma outra

definição possível é entender estratégia como um “padrão ou plano que integra em

um todo coeso os principais objetivos, políticas e seqüências de ação de uma

organização”.

De acordo com Mintzberg (1994), a origem do que viria a ser chamado de

estratégia teve início nas organizações em meados dos anos 60 e já nascia

associada ao conceito de planejamento estratégico. Líderes corporativos tomaram o

planejamento como a melhor maneira de criar e implementar estratégias que

aumentassem a competitividade de suas unidades de negócios.

A preocupação com a estratégia corporativa, portanto, surge em uma época

em que a concepção empresarial vigente valorizava exacerbadamente métodos

racionais e quantitativos como forma de prever futuras mudanças nos ambientes

competitivos.

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Mintzberg (1972, 1978) define estratégia como “um padrão para uma

sucessão de decisões”, justificando sua definição pela necessidade de

operacionalizar o conceito de estratégia ou proporcionar uma base tangível para

pesquisar como a estratégia é formada nas empresas.

Outra definição é encontrada em Mintzberg & Quinn (1991), que defendem

que uma estratégia bem formulada ajuda a alinhar e alocar os recursos

organizacionais em uma postura única e viável baseada em suas competências

internas relativas e em suas deficiências, nas mudanças previstas no ambiente e nas

reações de seus oponentes mais inteligentes.

Andrews (1980), por sua vez, define estratégia como um “padrão de decisões

em uma empresa que determina e revela seus objetivos, propósitos ou metas,

produz as principais políticas e planos para o alcance destas metas, e define o

intervalo de negócios que a empresa deve perseguir, o tipo de organização

econômica e humana que é ou pretende ser, e a natureza da contribuição

econômica e não-econômica que pretende fazer a seus acionistas, empregados,

clientes, e comunidades”.

Andrews (1980) também faz uma observação muito importante sobre

estratégia corporativa, definindo o seu caráter dual. Assim, o autor apresenta as

partes da estratégia como sendo a formulação, ou seja, a decisão do que fazer; e a

implementação, ou seja, a busca dos resultados.

Porter (1979), no seu famoso artigo amplamente utilizado para análise

setorial, apresenta um modelo para análise da competitividade de um setor de

acordo com a combinação de cinco forças:

• Intensidade da rivalidade entre os concorrentes do setor;

• Ameaça de novos entrantes;

• Ameaça de produtos e/ou serviços substitutos;

• Poder de negociação dos fornecedores;

• Poder de negociação dos compradores.

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De acordo com o autor, a intensidade de tais forças é determinante para a

rentabilidade do setor em questão. Desta forma, o estrategista deveria analisar as

cinco forças e suas causas e identificar os pontos fortes e fracos da empresa de

forma a definir sua estratégia.

Em outro trabalho muito influente, Porter (1980) sugere que as empresas que

buscam o sucesso devem optar por uma das três estratégias genéricas a seguir:

• Liderança no custo total: a empresa produz produtos e serviços ao menor

custo relativo aos seus concorrentes, sem descuidar da qualidade, da

assistência pós-venda e de outras áreas;

• Diferenciação: a empresa oferece produtos e serviços considerados únicos

em seu setor de atividade, diminuindo a sensibilidade ao preço dos seus

consumidores;

• Enfoque: a empresa concentra-se em atender mais eficaz ou

eficientemente, através de uma posição de diferenciação ou de baixo

custo, ou ambas, apenas um determinado grupo comprador, um segmento

da linha de produtos, ou um mercado geográfico.

Para Porter (1980), as empresas que não decidem por uma das três

estratégias situam-se no “meio-termo”, uma situação que o autor define como sendo

naturalmente de baixa rentabilidade.

Após algum tempo, Porter (1996), buscando responder as críticas de vários

acadêmicos de que seus modelos apoiavam-se numa natureza estática que não

refletia bem a dinâmica competição dos anos 90, afirmou em outro artigo

extremamente influente que a eficácia operacional não pode ser confundida com

estratégia, apesar da relevância de ambas para um desempenho superior. O autor

define eficácia operacional como a execução de atividades similares melhor do que

as realizadas por seus rivais, enquanto que o posicionamento estratégico seria a

execução de atividades diferentes daquelas dos rivais, ou a execução das mesmas

atividades de forma diferente.

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Assim, Porter (1996) defende que a estratégia consiste na criação de uma

posição única e valiosa, a partir de um conjunto diferente de atividades, devendo

estas estarem ajustadas entre si. Para o autor, a essência da estratégia é escolher

executar atividades de forma distinta dos rivais.

Outra perspectiva importante é a de Hamel & Prahalad (1989), que

apresentam o conceito de intento estratégico. Para os autores, a corporação deve

demonstrar a todos os seus funcionários, independente de nível organizacional, uma

obsessão com a liderança global nos setores em que atua. Ou seja, deve usar a

visão para estabelecer a direção, definindo oportunidades emergentes de mercado e

estabelecendo o critério que a organização usará para avaliar seu sucesso. Para

tanto, a alta administração deve, segundo os autores, desafiar a organização a ser

mais inventiva e a alcançar os objetivos propostos, praticando desta forma a

inovação competitiva, mantendo os riscos competitivos em proporções aceitáveis e

gerenciáveis.

Hamel (1996, 2000) sustenta que inovação radical na estratégia tornou-se

algo obrigatório no atual panorama competitivo. O autor defende que o ambiente é

extremamente hostil para os líderes das indústrias e mais agradável para as

empresas menores e mais adeptas à inovação, denominadas por ele de

“revolucionárias”. Para o autor, as defesas que protegiam a “oligarquia industrial”

ruíram na medida em que aumentaram a desregulamentação dos mercados, a

importância tecnológica, a globalização e as mudanças sociais. O autor defende

que, para assegurar o sucesso organizacional, as empresas devem continuamente

revolucionar suas estratégias, o que envolve:

• Reconceber radicalmente produtos e serviços;

• Redefinir continuamente o mercado de atuação; e

• Redesenhar as fronteiras setoriais.

Para atingir tal grau de transformação contínua, as organizações precisam

desenvolver uma competência em inovação direcionada para o redesenho freqüente

de suas estratégias. Pensando na dinâmica competitiva incessante da atualidade,

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D’Aveni (1994) conclui que o novo objetivo estratégico é romper o status quo e criar

vantagens temporárias.

Mas para que uma corporação deve buscar a estratégia ideal? Uma resposta

possível é a busca de vantagens competitivas sustentáveis. De acordo com Barney

(1991), uma firma possui uma vantagem competitiva quando está implementando

uma estratégia geradora de valor que não está sendo implementada

simultaneamente por qualquer competidor atual ou em potencial. A vantagem

competitiva sustentável surgiria, segundo o autor, quando a condição acima

acontece e quando esses competidores atuais e em potencial não são capazes de

duplicar os benefícios desta estratégia. Ou seja, para definir uma vantagem

competitiva como sustentável ou não, deve-se analisar a possibilidade de duplicação

competitiva. Isto, entretanto, não quer dizer que a vantagem competitiva seja eterna.

Mudanças na economia ou na estrutura da indústria podem fazer com que a fonte de

determinada vantagem competitiva sustentável não possua mais valor para a

empresa.

Barney (1991), então, constrói um arcabouço teórico a partir da hipótese de

que os recursos estratégicos são heterogeneamente distribuídos entre as firmas e

que essas diferenças apresentam certa estabilidade ao longo do tempo. A partir

desta hipótese, é examinada a ligação entre recursos e a geração de vantagens

competitivas sustentáveis.

De acordo com este arcabouço teórico, há três categorias de recursos:

• Recursos físicos: inclui tecnologia utilizada nos produtos e processos,

fábricas e equipamentos, localização geográfica e acesso a matérias-

primas, entre outros;

• Recursos humanos: inclui treinamento, experiência, juízos, inteligência,

relações e insights de gerentes e trabalhadores individuais da firma, entre

outros;

• Recursos organizacionais: inclui a estrutura hierárquica formal,

planejamento formal e informal, sistemas de controle e coordenação e

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relações informais entre os grupos dentro da firma e com aqueles no seu

ambiente, entre outros.

Num ambiente heterogêneo, defende o autor, para ter o potencial de gerar

uma vantagem competitiva sustentável, um recurso deve possuir todos os quatro

atributos a seguir:

• Valor: característica dos recursos que permitem a uma empresa conceber

ou implementar estratégias que aumentem sua eficiência e eficácia;

• Raridade: por definição, um recurso valioso possuído por várias empresas

não pode ser fonte de vantagem competitiva sustentável. Assim, uma

empresa só desfruta de uma vantagem competitiva sustentável quando

implementa uma estratégia que não pode ser implementada

simultaneamente por um grande número de empresas;

• Imitabilidade imperfeita: um recurso valioso e raro só pode ser fonte de

vantagem competitiva sustentável se as firmas que não possuem o recurso

não puderem obtê-lo;

• Impossibilidade de substituição: para a vantagem competitiva ser

sustentável, não deve existir ao alcance dos concorrentes um recurso

valioso equivalente que seja disponível (i.e. não-raro) ou imitável.

Barney (1991), então, apresenta um framework, que descreve a relação entre

a heterogeneidade e imobilidade dos recursos e a formação de vantagens

competitivas sustentáveis, de acordo com a figura a seguir:

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Heterogeneidade dos recursos da firma

Imobilidade dos recursos da firma

Vantagem competitiva sustentável

Valor do recurso

Raridade do recurso

Imitabilidade imperfeita

• Condições históricas únicas

• Ambigüidade causal

• Complexidade social

Impossibilidade de substituição

Figura 1 – Relação entre heterogeneidade e imobilidade dos recursos e vantagens

competitivas sustentáveis (BARNEY, 1991)

Por fim, deve-se salientar que um aspecto cada vez mais relevante no estudo

da estratégia são as alianças estratégicas. Devido à interdependência cada vez

maior apresentada entre empresas dos mais variados setores, faz-se necessário

compreender melhor este mecanismo usado freqüentemente pelas companhias. De

especial importância para este estudo, o assunto será aprofundado na próxima

seção.

2.2 ALIANÇAS ESTRATÉGICAS

2.2.1 Introdução às alianças estratégicas

As alianças estratégicas não são algo novo. De acordo com Badaracco

(1991), os mercadores fenícios já desenvolviam joint ventures (JVs) rudimentares

para limitar seus riscos de comerciar em outros países, cidades-estado gregas

estabeleciam acordos político-militares entre si de forma a concentrarem forças para

participar de guerras expansionistas e cidades-estado italianas da Idade Média

construíam acordos de cooperação comercial para expandir seus domínios sobre o

comércio do Mediterrâneo. Apesar de apresentarem-se tão antigas quanto as

organizações, as alianças estratégicas vieram mesmo a ganhar relevância no mundo

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corporativo a partir da década de 80, com a intensificação exponencial deste

fenômeno empresarial.

Segundo Keil (1999), as alianças estratégicas são uma das mais importantes

formas de conduzir atividade produtiva e econômica, enquanto Manson (2002)

defende que a geração de alianças estratégicas é um dos principais fatores de

geração de progresso nas sociedades capitalistas. A partir da década de 1980 o

mundo corporativo vivenciou um número de alianças cada vez maior entre diversas

empresas em todo o mundo, abrangendo praticamente todas as indústrias. Segundo

Dyer et al (2001), no início do século XXI, as 500 maiores empresas do mundo

possuíam em média 500 alianças cada. Para Hamel et al (1989), a colaboração

entre empresas está “na moda”.

De acordo com um estudo realizado por Pekar & Allio (1994), entre 1988 e

1992, foram criadas mais de 20.000 alianças somente nos EUA, contra um total de

5.100 nos 79 anos anteriores (1908-1987). Tais alianças representaram uma fatia de

6% no total das vendas das 1.000 maiores empresas norte-americanas, além de um

retorno sobre o investimento 53% maior que a média do retorno destas empresas.

Em outro estudo, Lahnstein (1996) calcula que as alianças estratégicas

movimentaram mais de US$ 400 bilhões no ano de 1995 somente no hemisfério

ocidental.

Além da quantidade, a forma de estabelecer alianças estratégicas também

mudou. Ao passo que no começo as empresas basicamente restringiam-se a fazer

alianças em áreas distantes das suas unidades de negócios mais importantes (core

businesses), atualmente a maior parte das alianças é iniciada tomando os core

businesses das empresas participantes como os elos sustentadores da parceria.

Procurando novas maneiras de adquirir e manter vantagens competitivas

sustentáveis sobre seus concorrentes, as corporações, principalmente as que atuam

de forma mais global e ampla, têm utilizado alianças estratégicas de forma cada vez

mais intensa (HAGEDOORN, 1996), gerando redes de parceiros que seriam

impensáveis em outros tempos, por vezes com centenas de alianças (GULATI,

1998), mesmo no nível de unidade de negócios.

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Por causa do número elevado de alianças e de sua importância estratégica no

futuro das empresas envolvidas, Keil (1999) argumenta que se faz bastante

importante a compreensão aprofundada das oportunidades e necessidades em

gerenciar esse nexo de alianças simultaneamente.

Diversos executivos das maiores corporações do mundo dão declarações

creditando às alianças uma enorme importância dentro das estratégias de suas

empresas:

“As alianças têm grande participação neste jogo [da concorrência global]... São críticas para a vitória em termos globais... A maneira menos atraente de tentar vencer em termos globais é pensar que você pode abraçar o mundo sozinho” (YOSHINO & RANGAN, 1996, p. 3).

Jack Welch, ex-CEO e Chairman of the Board, General Electric

“Uma empresa não é uma ilha. Em um mundo interdependente, toda empresa deve pensar em trabalhar com as outras se quiser concorrer no mercado global” (YOSHINO & RANGAN, 1996, p. 3).

Akio Morita, Fundador e ex-CEO, Sony Corporation

Segundo Yoshino & Rangan (1996), as alianças estratégicas surgem como

uma resposta à intensa e crescente concorrência global que tornou menos eficazes

as estratégias individuais de outros tempos, quando as empresas possuíam recursos

suficientes para desenvolver isoladamente inovações que lhes propiciavam

vantagens. Dada a crescente necessidade de inovação demandada para gerar estas

vantagens sobre concorrentes e a escassez de recursos para tanto, as empresas

vêem-se impelidas a otimizar seus esforços de forma agregada, através de alianças

que permitam sucesso num ambiente de concorrência mais acirrada.

Alguns autores, como Forrest (1990), apresentam as alianças estratégicas

como uma nova forma de organizar os negócios das empresas vis-à-vis a ineficácia

das antigas estratégias em fazer frente aos desafios decorrentes da mudança na

natureza dos negócios. Desta forma, alianças estratégicas configurar-se-iam como

reações a um ambiente de negócios em que se sobressaem o crescimento da

competição, o crescimento da internacionalização de mercados e um número cada

vez maior de verdadeiros competidores globais.

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Segundo Gulati et al (1994) apud Pinho (1998), vários estudos vêm sendo

desenvolvidos abordando o crescimento das alianças estratégicas como fator-chave

para a sustentação de uma vantagem competitiva de longo prazo.

Pinho (1998) sustenta que seriam diversas as motivações para o

estabelecimento de alianças estratégicas, como apontado em vários estudos. São

elas:

• A necessidade de aquisição de novas habilidades para manter a

competitividade;

• Os avanços tecnológicos;

• A globalização dos mercados; e

• A crescente necessidade de redução de custos e riscos no

desenvolvimento de produtos e processos.

Em relação à redução dos cursos e riscos, Gomes-Casseres (2000a)

apresenta uma perspectiva bastante interessante. Segundo o autor, a principal

justificativa que os executivos utilizavam para estabelecer uma aliança de joint

venture há 30 anos atrás era o compartilhamento de risco. De fato, as modernas JVs

foram praticamente inventadas na indústria de extração de petróleo, extremamente

intensiva em capital, demandando altas somas que faziam de qualquer exploração

um risco muito alto para uma firma isolada. As alianças de hoje em dia, argumenta

Gomes-Casseres (2000a), não só auxiliam as empresas a compartilharem os custos

de projetos de risco, mas também as ajudam a criar opções para explorar futuras

oportunidades, através de algo que poderia ser definido como hedge estratégico,

como, por exemplo, apostar em uma ou mais tecnologias que competem entre si

como padrão dominante da indústria. Mais sobre redução de custos e riscos poderá

ser encontrado neste mesmo trabalho na seção sobre parcerias de

compartilhamento de risco, particularmente importante na indústria de fabricação de

aeronaves.

De acordo com Gomes-Casseres (2001), três condições são fundamentais

para uma aliança ser a forma mais eficiente de organização ou a forma otimizada:

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primeiramente, deve haver alguma vantagem em combinar as capacidades das duas

ou mais firmas parceiras. Para tanto, cada firma deve ser incapaz de desenvolver

internamente as capacidades oferecidas pela sua parceira, seja devido a restrições

de tempo, dinheiro ou habilidades gerenciais. Da mesma forma, a soma das partes

deve ser mais eficaz na realização das tarefas do que as partes separadamente.

A segunda condição requerida para uma aliança efetiva é que deve ser muito

custoso ou impossível combinar as capacidades através de transações de mercado

puras (ou seja, usando contratos completos).

A terceira e última condição é que uma fusão completa entre as firmas deve

ser mais custosa que o gerenciamento de uma rede de alianças como uma maneira

de governar os contratos incompletos. O próprio Gomes-Casseres (2001) admite

que essa condição não ocorre com uma freqüência tão grande como as outras duas,

de forma que várias vezes o que ocorre é uma integração total das firmas

previamente aliadas como uma forma de combinar as suas capacidades

complementares. Alternativamente, cita o autor, barreiras regulatórias e políticas

podem impedir a integração total e levar as firmas a enxergar a aliança como a

segunda melhor solução, ou a melhor respeitando as restrições impostas pela

regulamentação ou pelas forças políticas.

Gomes-Casseres (2001) também argumenta que alianças, apesar de

possuírem características comuns entre si, podem diferir de acordo com a forma

como estão estruturadas e a relação operacional entre parceiros.

Por um lado, embora as alianças obedeçam às características supracitadas,

elas vêm em uma miríade de formas estruturais. Estas diferentes estruturas afetam o

padrão de tomada de decisão e o controle das responsabilidades de cada parceiro.

Assim, segundo Gomes-Casseres (2001) podem ser citados como formas estruturais

de alianças: joint ventures, licenciamentos, programas de P&D conjuntos, programas

de marketing conjuntos e investimento em capital no parceiro.

Por outro lado, as alianças também diferem em relação ao relacionamento

operacional entre os parceiros. Algumas alianças podem ser enquadradas como

“verticais”, ou seja, entre fornecedores e clientes. Outras alianças são denominadas

“horizontais”, ou seja, entre empresas vendendo produtos iguais ou similares.

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As alianças também podem ser descritas como mistas, combinando, por

exemplo, a capacidade de desenvolvimento tecnológico de uma firma com a

expertise de marketing de outra. De maneira oposta, as alianças podem agregar

lado a lado capacidades similares de duas empresas diferentes, e muitas vezes

concorrentes, como, por exemplo, o desenvolvimento tecnológico conjunto de um

novo produto.

Uma recente linha de pesquisa a respeito de alianças entre firmas procura

focar não na governança bilateral desses relacionamentos, mas em alianças

interconectadas que criam verdadeiras redes (GULATI, 1998) ou constelações rivais

(GOMES-CASSERES, 1996). Quando duas ou mais firmas ligam-se numa aliança

estratégica, a competição passa a ser mais de grupos contra grupos e menos de

firma contra firma, num fenômeno que foi identificado por Nohria & Garcia-Pont

(1991) e Gomes-Casseres (1994). Recentemente, o setor de manufatura de

aeronaves vem estruturando-se cada vez mais em constelações, compostas por

firmas independentes, mas que coordenam suas ações para competir como parte de

um grupo, a exemplo do que ocorre com o setor de manufatura de automóveis e o

setor de linhas aéreas.

Muitas alianças, entretanto, carecem da estratégia como base. Segundo

Gomes-Casseres (2000b), as empresas precisam ter em prática uma estratégia de

alianças coerente, possuidora de quatro características:

• Uma estratégia de negócios que molde a lógica e o desenho das alianças;

• Uma visão dinâmica para guiar a gestão de cada aliança;

• Uma abordagem de portfolio de forma a permitir a coordenação entre as

alianças; e

• Uma infra-estrutura interna para maximizar o valor da colaboração.

A perspectiva apresentada, portanto, é de que as empresas devem abordar

de forma integrada suas várias alianças. A gestão integrada de uma rede de

alianças estratégica é, portanto, uma das principais habilidades que uma empresa

globalizada pode possuir. Gerenciar múltiplas alianças estratégicas simultaneamente

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pode abrir novas oportunidades, mas também riscos. As firmas podem ser capazes

de criar sinergias entre suas várias alianças e novas competências podem ser

adquiridas através da combinação de habilidades adquiridas em diferentes alianças.

Doz & Hamel (1998) defendem que as firmas devem entender minuciosamente as

alianças estratégicas de suas parceiras e suas correlações.

Por outro lado, apesar de trazer benefícios potenciais, gerir múltiplas alianças

levanta novas questões. Há estudos como o de Simonin (1997) que apontam

evidências de que existem diferenças fundamentais entre as empresas na

capacidade de gerenciar alianças e que estas diferenças podem explicar em parte o

resultado das alianças estratégicas.

2.2.2 Conceito de alianças estratégicas

Segundo Pinho (1998), o termo aliança estratégica é relativamente novo e

tenta unificar as várias denominações dadas ao longo do tempo por estudiosos e

executivos a uma mesma forma de fazer negócios.

Frankel et al (1996) e Stafford (1994) apresentam vários termos encontrados

na literatura e que podem ser empregados com o mesmo sentido de alianças

estratégicas dependendo do autor, como, por exemplo: parcerias, parcerias de valor

agregado, marketing simbiótico, coalizões, joint ventures, redes estratégicas e

híbridos. Neste estudo, os termos alianças, alianças estratégicas e parcerias

poderão ser usados indistintamente.

Há também muita diversidade nas definições de alianças estratégicas, sendo

que muitas delas são conflitantes entre si. Murray & Mahon (1993) citam que, apesar

de muitos trabalhos acerca de alianças estratégicas já terem sido publicados, a

definição do termo ainda é imprecisa.

De acordo com Badaracco (1991), o termo aliança descreve relações

cooperativas entre companhias e competidores, clientes, fornecedores, órgãos

governamentais, universidades, sindicatos e outras organizações. O próprio autor

considera a definição como muito abrangente.

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Para Gomes-Casseres (1996), uma aliança é uma estrutura organizacional

para governar um contrato incompleto entre firmas distintas e em que cada firma

possui controle limitado sobre a outra. Como os parceiros permanecem entidades

distintas, não há convergência automática nos seus interesses e ações. Na medida

em que há possibilidade de divergência e para lidar com contingências não previstas

inerentes ao contrato incompleto, os parceiros precisam tomar decisões em

conjunto.

Gomes-Casseres (1996) enumera três características de uma aliança:

primeiramente, todas as alianças são acordos entre duas ou mais firmas envolvendo

contribuições de recursos para agregar valor em conjunto. Em segundo lugar, todas

as alianças são de alguma forma um contrato incompleto – expressão utilizada pelo

direito econômico e que se refere a um acordo em que os termos não podem ser

completamente especificados logo no princípio. Como resultado da primeira e da

segunda característica, surge uma terceira característica das alianças: a tomada de

decisão em conjunto de forma a gerenciar o negócio e repartir o valor gerado.

Um contrato é denominado incompleto quando, apesar dos esforços em

torná-lo exaustivo, ele não especifica exatamente o que cada parte deve fazer em

cada circunstância possível (WILLIAMSON, 1975). Os advogados normalmente

procuram evitar os “contratos incompletos” porque este tipo de acordo costuma

acabar em processos e discussões judiciais entre as partes. De qualquer forma, os

juristas são os primeiros a reconhecerem que sempre há brechas em contratos, ou

seja, que de certa forma todos os contratos são incompletos e que é necessário

estabelecer “contratos evolutivos” ou “contratos relacionais” para os acordos entre as

empresas. Estes são essencialmente as alianças.

A integração de atividades é a melhor maneira de lidar com esses contratos

incompletos. Para Coase (1937), transações de mercado funcionam adequadamente

quando as partes podem estabelecer contratos completos e exaustivos. Quando isto

não é possível, é bem mais eficiente internalizar a transação dentro da firma, de

forma a assegurar que a empresa possa tomar decisões ótimas quando

circunstâncias não previstas surgem. Em seu artigo seminal, este autor questionou

os motivos da existência das firmas, dado que, segundo o paradigma corrente no

século XIX e início do século XX, os próprios mercados teoricamente cuidariam de

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otimizar a produção e distribuição de bens e serviços, com a firma claramente

representando uma limitação à operação de mercado. Este artigo gerou

repercussões enormes no estudo das organizações e deu origem a todo um novo

ramo acadêmico denominado Teoria da Firma.

Uma aliança seria uma das formas de gerenciar um contrato incompleto, e

uma alternativa à internalização e verticalização das atividades da empresa em sua

cadeia de valor. Por serem tipicamente contratos incompletos, abertos e com

brechas jurídicas naturais, as alianças valem-se de tomada de decisão conjunta

entre os aliados para lidar com circunstâncias não previstas. Se por um lado isso

adiciona incertezas ao processo, também adiciona flexibilidade e agregação de

forças entre os parceiros. Pode-se compreender, portanto, porque as empresas

utilizam acordos tão incertos e aceitam enfrentar todas as dificuldades e riscos de

uma aliança: porque as alternativas são menos atraentes. Por muitas vezes, estas

alternativas são contraproducentes vis-à-vis a aliança: um contrato rígido pode não

fornecer os incentivos para as firmas colaborarem profundamente e uma fusão ou

aquisição pode ser muito cara, arriscada ou barrada por regulamentação

governamental.

Por sua vez, Pinho (1998) apresenta as definições criadas por vários autores,

reproduzidas a seguir:

Para Borys & Jeminson (1989), as alianças estratégicas são “arranjos

operacionais que utilizam recursos e/ou estruturas de uma ou mais organizações

existentes... Algumas delas são organizações formais e outras relações que não são

propriamente organizações”.

No estudo de Frankel et al (1996), “uma aliança reflete um processo em que

os participantes estão dispostos a modificar suas práticas de negócios básicas para

reduzir as duplicidades e perdas, facilitando a melhoria de desempenho”.

Gugler (1992), por sua vez, afirma que “as alianças estratégicas diferem dos

acordos de cooperação na sua forma contratual, bem como no propósito para o qual

ela é formada”.

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Klein & Zif (1994) defendem que as alianças “referem-se a arranjos entre

empresas separadas (exclusive fusões e aquisições), e atividades encadeadas, indo

além do escopo de transações no mercado competitivo... As alianças podem ser

vistas como o meio termo entre os contratos formais e as fusões”.

Lei (1993) define as alianças como “co-alinhamentos entre duas ou mais

empresas, nas quais os parceiros esperam aprender e adquirir, do outro, a

tecnologia, os produtos, competências e o conhecimento que não estão disponíveis

aos outros competidores”.

Murray & Mahon (1993) utilizam o conceito de objetivos e metas para definir

uma aliança, que apresentam como “uma coalizão de duas ou mais organizações

para atingir metas e objetivos estrategicamente significativos e que tenham

benefícios mútuos. Estas metas e objetivos podem ser tanto na esfera econômica

como na política, e podem ser flexibilizados ao longo do tempo. Benefícios mútuos

não significam benefícios iguais, mas sim que todas as partes têm que receber

benefícios proporcionais às contribuições dadas”.

Por fim, em seu estudo, Stafford (1992) conceitua as alianças como uma

parceria de cooperação de longo prazo.

Como pode ser notado, há uma divergência significativa nas definições de

alianças estratégicas. Ainda assim, argumenta Pinho (1998), alguns autores tendem

a convergir em relação a alguns aspectos e características que uma aliança deve

possuir. O autor apresenta um sumário dos pontos de convergência nas definições

que se mostra bastante útil e que é reproduzido a seguir:

1. É um acordo, arranjo, associação, coalizão ou coligação com objetivos

específicos, que une aspectos específicos de duas ou mais empresas –

denominadas empresas-mãe ou parceiros;

2. A base desta união é uma parceria comercial, que permite a cada um dos

parceiros criar e manter vantagem competitiva, através do benefício mútuo

da troca de tecnologias, produtos, habilidades ou qualquer outro tipo de

recurso;

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3. As alianças estratégicas possuem quatro atributos, necessária e

suficientemente:

- As duas ou mais empresas permanecem independentes após a

formação da aliança;

- Os parceiros compartilham o controle sobre o desempenho das tarefas

associadas à parceria e os benefícios advindos das mesmas;

- Os parceiros contribuem de forma contínua para a aliança; e

- Os parceiros geram uma relação de dependência mútua, ou seja, os

projetos são indivisíveis.

Pinho (1998) defende que estes quatro atributos definem as alianças

estratégicas e permitem compreendê-las como intermediárias à criação de um ramo

ou braço do negócio (filiais e subsidiárias) e formas de acordos que envolvem a

totalidade do controle acionário, tais como aquisições.

2.2.3 Classificações de alianças estratégicas

Assim como acontece com as definições de alianças estratégicas, a literatura

apresenta uma ampla gama de classificações para as alianças. Pinho (1998) propõe

uma classificação baseada em quatro critérios, quais sejam, formato, função, escopo

e cobertura de mercado.

2.2.3.1 Formato de alianças estratégicas

De acordo com Pinho (1998), entre os formatos sugeridos pelos autores da

literatura em alianças estratégicas, têm-se: acordos de cooperação, joint ventures,

acordos de licenciamento e consórcios.

• Acordo de cooperação: forma de colaboração, sem que haja a criação de

nenhuma nova entidade legal. Podem ser subdivididos em contratuais ou

não-contratuais;

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• Joint Venture: forma de colaboração entre duas ou mais empresas-mãe

que acarreta na criação de uma nova entidade legal, independente dos

parceiros e controlada por elas. Os lucros e prejuízos são divididos de

acordo com a composição acionária da nova entidade;

• Acordos de licenciamento2: aquisição do direito ao uso de um ativo, por

tempo definido, que oferece rápido acesso a novos produtos, tecnologias

ou inovações; e

• Consórcios: formados por três ou mais parceiros, resguardadas as

condições de controle acionário.

2.2.3.2 Função de alianças estratégicas

De acordo com Pinho (1998), o segundo critério para definir o tipo e classificar

uma aliança refere-se à função para a qual ela está sendo formada, a partir da

análise das três atividades básicas (P&D, produção e marketing) da cadeia de valor

de Porter (1986).

Segundo Porter & Fuller (1986), existiriam dois tipos de alianças estratégicas:

coalizões tipo Y e coalizões tipo X.

As coalizões tipo X seriam alianças em que cada uma das empresas

participantes entra com competências e recursos de estágios diferentes da cadeia

de valor de Porter. Estas alianças também são chamadas de verticais, devido ao

caráter de integração vertical das atividades das cadeias de valor dos parceiros. O

tipo Y, por sua vez, é a aliança em que as firmas entram com competências e

recursos de um mesmo estágio da cadeia de valor. Analogamente, tais alianças são

chamadas de horizontais.

2 Pinho (1998) ressalta que Yoshino & Rangan (1996) não consideram acordos de licenciamentos um tipo de aliança estratégica, mas argumenta que tal atividade comercial respeita as definições de aliança no item 2.2.2.

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2.2.3.3 Escopo de alianças estratégicas

O escopo da aliança pode ser entendido como a motivação para as empresas

em estabelecer a parceria. Entretanto, segundo Terpstra & Simonin (1993), “para

cada um dos participantes em uma aliança, pode existir um conjunto de motivos.

Eles representam os benefícios imaginados antecipadamente pelo parceiro.

Freqüentemente, é muito difícil identificar o real objetivo diretamente, uma vez que

as agendas ‘secretas’ e as estratégias ‘subterrâneas’ são a alma de uma aliança”.

Segundo Rocha & Arkader (1996) apud Pinho (1998), “o escopo das alianças pode

variar substancialmente”, com cooperações nas áreas de:

• Tecnologia: neste caso, uma das empresas possui acesso a uma

tecnologia de desenvolvimento de produto ou de processo, como

resultado direto da aliança;

• Sistemas de informação: estes tipos de alianças objetivam acesso rápido,

barato e eficaz a uma massa grande de dados;

• Logística: normalmente objetivam diminuição de custos logísticos, como

estoque e distribuição, ou o acesso logístico ao mercado de um dos

parceiros;

• Fornecimento: é dada pelo estreitamento das relações entre comprador e

fornecedor;

• Marketing: normalmente envolve empresas com produtos

complementares, demandando a coordenação dos planos de marketing

dos parceiros;

• Suporte Financeiro: parceria em que uma das empresas tem por objetivo

a captação de fundos para novos projetos em que os altos gastos e o

payback time longo ou incerto faz com que o projeto não seja

recomendável de ser feito com recursos exclusivamente próprios.

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2.2.3.4 Cobertura de mercado de alianças estratégicas

Por fim, outro aspecto necessário para a completa caracterização de uma

aliança é seu escopo geográfico. Pinho (1998) cita a divisão de Gugler (1992), que

classifica a cobertura de mercado das alianças estratégicas em:

• Nacional: a área de atuação prevista é um país específico;

• Regional: a área de atuação prevista é uma região geográfica bem

delineada;

• Global: não há uma área de atuação bem delimitada, sendo a mesma

estendida a todas as regiões onde os parceiros fizerem negócios e,

mesmo, para novas áreas.

2.2.4 Motivações para formação de alianças estratégicas

Da mesma forma que o conceito e as classificações de alianças estratégicas,

as motivações das empresas para formação destas também têm sido alvo de muitas

divergências entre os acadêmicos. De acordo com Pinho (1998), muitos autores

citam diversas motivações, mas poucos pesquisaram minuciosamente este aspecto

e propuseram um arcabouço teórico, explicando a motivação das empresas em

estabelecer parcerias.

Ainda assim, apesar de não haver consenso a respeito das motivações, este

tópico vem sendo continuamente estudado. Particularmente interessantes são as

perspectivas teóricas de Glaister & Buckley (1996) e de Kogut (1988). Este último

destaca três grandes motivações para a formação de joint ventures, que podem ser

estendidas a outros tipos de alianças estratégicas: a busca pela diminuição de

custos de transação; o comportamento estratégico que leva as firmas à busca pelo

aperfeiçoamento de sua posição competitiva; e a busca por conhecimento

organizacional que resulta da pretensão de um ou ambos os parceiros em adquirir

conhecimento crítico do outro.

A maioria dos estudos empíricos iniciais em alianças estratégicas, assim

como o estudo de Kogut (1988), possuía seu foco na formação de JVs, ou seja, na

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criação de uma nova entidade com capital dividido entre os parceiros. Tais estudos

muitas vezes procuravam identificar pré-condições estratégicas para tal tipo

particular de aliança, incluindo aumento da eficiência e melhor posicionamento

competitivo dos sócios. Vários estudos de caráter quantitativo buscavam analisar a

incidência de tais alianças entre indústrias e o tamanho das firmas parceiras. A

concentração destas alianças em algumas indústrias, normalmente manufatureiras,

e a tendência de firmas de grande tamanho a buscarem este tipo de associação

levaram alguns estudiosos (PATE, 1969; BERG & FRIEDMAN, 1978) a concluírem

que a busca por maior poder de mercado e pela melhora da posição competitiva

eram fatores importantes para a decisão estratégica de formar alianças estratégicas.

Posteriormente, o estudo de Berg & Friedman (1981) concluiu que também eram

motivações importantes para a formação de alianças a diminuição dos custos

transacionais e a aquisição de conhecimento, respectivamente.

Outros estudos mais recentes continuaram a tradição de examinar fatores no

nível da indústria que poderiam explicar a freqüência com que alianças ocorrem.

Alguns autores (HARRIGAN, 1988; SHAN, 1990) avaliaram a formação de estratégia

à luz de características setoriais, como o grau de competição, o estágio de

desenvolvimento do mercado e a incerteza no nível de demanda.

Já outros estudos são mais focados em fatores específicos às firmas, e não

às indústrias, levando aquelas a formar alianças, como, por exemplo, o de Harrigan

& Newman (1990). Abriu-se, então, um campo de pesquisa relacionado ao exame de

quais tipos de firmas em quais indústrias entram em que tipos de alianças e por

quais motivos.

Outro estudo interessante é o de Harrigan (1985), em que é apresentada uma

abordagem de custo-benefício, na qual as alianças são formadas a partir do

momento em que os benefícios excedem os custos.

Alguns outros acadêmicos como Shan (1990) analisaram alguns fatores

específicos às firmas, como tamanho, idade, posição competitiva, diversificação no

portfolio de produtos e recursos financeiros, de forma a ajudar a prever a propensão

a estabelecer alianças estratégicas com outras firmas. Kogut (1991), por sua vez,

focou na importância dos recursos como motivador de estabelecimento de JVs,

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sugerindo que o estabelecimento de tal tipo de aliança ocorre como a compra de

uma opção real de expansão no futuro, ou seja, como uma forma de precaver-se

frente à incerteza.

Uma outra questão associada à formação de alianças tem a ver com o tipo de

parceiros que as firmas buscam. A decisão de formar uma aliança está

profundamente ligada não só com a escolha do parceiro, mas também com a

disponibilidade deste. Um ramo da literatura que é relacionado à formação de

alianças sob a ótica dos tipos de parceiros é a teoria de dependência de recursos

(LEVINE & WHITE, 1961), em que as organizações formam parcerias quando

percebem uma interdependência estratégica crítica com outras organizações.

A perspectiva de interdependência estratégica sugere que as firmas aliam-se

com as organizações com as quais elas compartilham o maior grau de

interdependência. Alguns acadêmicos defensores da teoria da dependência de

recursos testaram empiricamente o papel da interdependência estratégica através

da previsão do número de JVs formados em determinadas indústrias, como em

Pfeffer & Nowak (1976a, 1976b), Berg & Friedman (1980) e Duncan (1982). Tal

perspectiva contou ainda com importantes estudos que tentam explicar a

interdependência estratégica como resultante de vantagens de recursos específicos

a diferentes países (SHAN & HAMILTON, 1991), à capacidade estratégica (strategic

capability) das firmas nas suas respectivas indústrias (NOHRIA & GARCIA-PONT,

1991) e ao tamanho e desempenho das firmas (BURGERS ET AL, 1993). Tais

pesquisas demonstram que padrões setoriais na formação de alianças indicariam

que as firmas são levadas a formar alianças com outras devido ao fenômeno de

interdependência estratégica crítica.

No entanto, o fenômeno de interdependência não pode explicar todos os tipos

de formação de alianças, pois nem todas as oportunidades de aumentar a

interdependência entre firmas geram alianças, seja pelo receio associado a tal tipo

de parceria, seja pela decisão estratégica de não depender demais de firmas

competidoras, preferindo, assim, contratos de fornecimento mais rígidos e seguros.

Este receio é um dos principais fatores de restrição para uma ainda maior

disseminação de alianças estratégicas e deve-se principalmente ao comportamento

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imprevisível dos parceiros e aos altos custos que podem ter que ser arcados em

caso de comportamento oportunista dos parceiros. Apesar do crescimento acelerado

do número de alianças estratégicas, os fatores citados acima fazem com que tais

parcerias ainda sejam consideradas de risco (KOGUT, 1989; DOZ ET AL, 1989).

Como apresentado acima, poucos autores buscaram estabelecer um

arcabouço teórico adequado para entender a motivação de empresas em

estabelecer alianças. Para Pinho (1998), poucos estudos trataram do tema de

motivações para formação de alianças estratégicas de uma forma estruturada. O

autor dá destaque para os trabalhos de Lorange & Roos (1995), Hagedoorn (1993),

Hagedoorn & Schakenraad (1994) e Murray & Mahon (1993). Além destes, vale

salientar o trabalho de Badaracco (1991), que também contribui para o entendimento

das motivações para estabelecimento de alianças estratégicas.

Primeiramente, Lorange & Roos (1995) propuseram um quadro teórico para

explicar os motivos genéricos para a formação das alianças estratégicas, partindo da

posição da empresa no mercado (se é líder ou seguidora) e da posição estratégica

do negócio para o qual a aliança estratégica foi montada, dentro do portfolio de

negócios da empresa. Assim, segundo os autores, haveria quatro naturezas de

motivações para formação de alianças estratégicas, conforme pode ser visto na

figura a seguir, quais sejam:

• Defesa: a empresa é líder de mercado, e busca acesso a mercados e/ou

tecnologia e segurança de recursos;

• Avanço: o negócio se encontra na área principal do portfolio da empresa,

mas ela é apenas uma seguidora e uma parceria pode ser a única

solução para o fortalecimento de sua força competitiva;

• Permanência: o negócio exerce um papel relativamente periférico no

portfolio, mas a empresa é líder no segmento de mercado; a empresa

busca, portanto, o máximo de eficiência fora de sua posição; e

• Reestruturação: a meta para a formação de parcerias é a de rearranjar o

portfolio da empresa, de forma a criar outras forças competitivas.

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Defesa Avanço

Permanência Restruturação

Posição no mercado

Líder Seguidor

Importância estratégica no portfolio das Empresas-mãe

Central

Periférico

Figura 2 – Motivos genéricos para alianças estratégicas (LORANGE & ROOS, 1995)

Por sua vez, Hagedoorn (1993) e Hagedoorn & Schakenraad (1994)

pesquisaram mais de 4.000 alianças com escopo tecnológico, a partir do banco de

dados CATI (Cooperative Agreements and Technology Indicators). Em seu estudo,

Hagedoorn (1993) levantou diversos motivos propostos na literatura e elaborou uma

lista bastante completa, contendo os motivos para as empresas cooperarem

tecnologicamente, apresentada a seguir:

• Motivos relacionados à pesquisa básica e aplicada e características gerais

do desenvolvimento tecnológico:

- Aumento da complexidade e da natureza intersetorial das novas

tecnologias, fertilização cruzada entre as diversas áreas da ciência e

campos da tecnologia, monitoração da evolução tecnológica, sinergia

tecnológica, acesso a conhecimentos tecnológicos ou tecnologia

complementar;

- Redução ou divisão das incertezas em P&D; e

- Redução e divisão de custos.

• Motivos relacionados aos processos concretos de inovação:

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- Captura tácita do conhecimento tecnológico, transferência

tecnológica, salto tecnológico; e

- Encurtamento do ciclo de vida dos produtos, reduzindo o período

entre a invenção e a introdução no mercado.

• Motivos relacionados a acessos aos mercados e oportunidades:

- Monitoração das mudanças no mercado e oportunidades;

- Internacionalização, globalização e entrada em mercados

estrangeiros; e

- Novos produtos e novos mercados, entrante no mercado, expansão

do alcance do produto.

A partir destas motivações genéricas, Hagedoorn (1993) passou a estudar as

alianças a partir de entrevistas com executivos de quatrocentas empresas-mãe de

algumas destas parcerias, encontrando sete grande motivos para a formação de

alianças estratégicas:

1. Complementaridade tecnológica;

2. Pesquisa e desenvolvimento básicos;

3. Divisão dos altos custos e riscos;

4. Necessidade de recursos financeiros;

5. Redução do período para renovação da linha de produtos;

6. Monitoração do mercado e da evolução tecnológica; e

7. Acesso a novos mercados.

Vale ressaltar o elevado percentual do item relativo a altos custos e riscos

como motivação para a formação de alianças estratégicas na indústria aeronáutica e

de defesa. Isto vai se refletir numa tendência crescente de alianças estratégicas

elaboradas para compartilhar o risco e os custos, conforme será apresentado

adiante.

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Murray & Mahon (1993), por sua vez, afirmam que “muitos tipos de alianças

estratégicas podem ocorrer, dependendo das pressões externas e internas à

empresa”. Para estes autores, as parcerias ocorreriam como resposta a duas

motivações básicas: de defesa, para sobreviver; e de ataque, para alcançar

vantagens competitivas. Neste sentido, esta posição assemelha-se à de Newman &

Chaharbaghi (1996), apresentada acima.

A partir desta idéia, Murray & Mahon (1993) propõem uma estrutura teórica

contendo as motivações para a formação de alianças, conforme mostrado na figura

a seguir. De acordo com Pinho (1998), a estrutura proposta abrange todas as

motivações citadas pela bibliografia até o presente momento, podendo, portanto, ser

assumida como um bom arcabouço teórico para explicar as razões pelas quais as

empresas são levadas a estabelecerem alianças estratégicas.

Motivação Básica Motivadores Variáveis-chave

Sobrevivência

Vantagem competitiva

Gerados pela organização

Derivados do ambiente

1. Obter tecnologia ou competências de produção

2. Obter acesso a mercados

3. Redução de risco financeiro

4. Reduzir riscos políticos

5. Atingir paridade competitiva

1. Turbulência ou incerteza

2. Mudanças descontínuas no ambiente

3. Mudanças tecnológicas rápidas

4. Mudanças de tecnologia de numerosas fontes

5. Risco financeiro significativo

6. Mudanças rápidas nos mercados

7. Crescente complexidade política

8. Tamanho e complexidade do projeto são altas

9. Competitividade crescente

10.Proteção ou assistência governamental

ALIANÇA

ESTRATÉGICA

Figura 3 – Motivos para formação de alianças estratégicas (MURRAY & MAHON, 1993)

Por fim, Badaracco (1991) defende que há várias motivações pelas quais as

companhias cooperam com outras firmas:

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1. Reduzir a competição: as empresas teriam como objetivo cartelizar suas

indústrias, de forma a aumentar os lucros e a outros propósitos;

2. Compartilhar riscos: como alguns projetos são muito grandes ou

carregados de riscos para uma única firma conduzir, a colaboração

diminui estes riscos a um nível aceitável. Em indústrias em que há alto

grau de inovação e em que o conhecimento evolui rápida e

perigosamente, as parcerias permitem acesso a novos conhecimentos

sem a necessidade de empregar tantos recursos quanto se fosse

desenvolver tal conhecimento por conta própria;

3. Trazer recursos complementares: para minimizar falhas em sua cadeia de

valor, complementando-a com expertise de outra firma;

4. Superar barreiras de mercado: via de regra para minimizar

desconhecimento de peculiaridades em novos mercados a serem

explorados ou para satisfazer exigências de governos e órgãos

regulatórios;

5. Reduzir custos: através do compartilhamento da estrutura de custos dos

projetos com os parceiros;

6. Acelerar entrada nos mercados: através de aquisição de capacidade

específica do parceiro ou aumento da rede de distribuição;

7. Desenvolvimento de flexibilidade: garantindo uma gama maior de

alternativas para decisões estratégicas futuras;

8. Monitoramento de competidores: uma empresa pode usar as alianças

como sensores para acompanhar como, quando e onde seus

competidores estão desenvolvendo novas tecnologias e/ou habilidades;

9. Direcionamento da migração de conhecimento: através do controle sobre

o conhecimento adquirido e/ou desenvolvido, diminuindo o risco de

concorrentes menores utilizarem este conhecimento para obter melhor

posicionamento estratégico; e

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10. Neutralização de competidores: principalmente através da formação de

fornecedores exclusivos, limitando ou negando sua associação aos

principais concorrentes.

2.2.5 Parcerias de compartilhamento de risco na indústria de fabricação de

aeronaves

Como visto acima, mitigar o risco é somente uma das funções das alianças

estratégicas. Mas em indústrias de capital intensivo, como na de fabricação de

aeronaves, em que os projetos demandam altos investimentos e possuem uma

probabilidade significativa de retorno abaixo do esperado, tal função das alianças

acaba adquirindo um significado mais importante. Assim, ao longo do tempo, uma

modalidade específica de aliança estratégica foi tornando-se cada vez mais

importante nesta indústria: as parcerias de compartilhamento de risco (risk-sharing

partnerships).

Nas últimas décadas, a indústria de fabricação de aeronaves civis vem

sofrendo mudanças estruturais significativas. Alterações drásticas no mercado de

linhas aéreas – em especial a desregulamentação do mercado nos EUA, em 1978 –

impuseram pressões sobre os preços dos fabricantes, forçando-os a exigir

concessões aos seus fornecedores, como diminuição nos preços e participação na

responsabilidade e nos riscos do desenvolvimento de novas aeronaves, através de

parcerias de compartilhamento de risco.

O risco sempre esteve presente na atividade da indústria aeronáutica, pois os

projetos demandam enormes somas de capital a ser investido e que algumas vezes

não são recuperadas. De acordo com Chen & Chi (2001), os riscos num projeto

podem ser subdivididos em risco de compras, risco de produção, risco de mercado e

risco de produto/cliente. Estes riscos também podem ser subdivididos. Por exemplo,

risco de mercado pode ser subdividido em mudanças intertemporais na demanda e

mudanças do fator preço.

O risco é um fator importante tanto no segmento de aviação militar como de

aviação civil. No caso de fabricação de aeronaves militares, os governos várias

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vezes mudam seus objetivos estratégicos e suas prioridades, levando à redução ou

mesmo ao cancelamento de bilhões de dólares em ordens de aeronaves. A

fabricação de aeronaves civis também é extremamente arriscada, exibindo

flutuações de acordo com os ciclos econômicos. O cronograma de desenvolvimento

diversas vezes estende-se por anos ou mesmo décadas, exigindo altas somas de

investimentos, tornando a atividade de desenvolver e produzir aviões como

intrinsecamente de alto risco.

De acordo com Bernardes (2000b), o mercado aeronáutico caracteriza-se por

ser um mercado ofertante e com várias opções de escolha para os compradores

(linhas aéreas). Os compradores são poucos e a concentração da compra é grande.

Além disso, o custo de mudança do comprador (linhas aéreas) é relativamente baixo

e este possui informações precisas e detalhadas sobre os fornecedores (fabricantes

de aeronaves) e seus produtos. É um mercado que se caracteriza como do tipo pull,

ou seja, os grandes compradores influenciam na decisão de compra dos menores. A

qualidade dos produtos oferecidos é semelhante e os trade offs (neste caso, a

possibilidade de realização de negócios com outras empresas) são altos, existindo

até a possibilidade de realizar leilão de compra. Assim, toda atenção vem sendo

dada às expectativas e necessidades das linhas aéreas, com foco totalmente voltado

ao cliente. Neste ambiente, Bernardes (2000b) identifica três categorias de risco

para os fabricantes de aeronaves:

• Risco de Liderança: é o risco a que os fabricantes de aeronaves estão

sujeitos devido à ação dos concorrentes. A principal característica que

compromete a liderança de um ator neste mercado é a mudança

tecnológica. Devido ao longo ciclo de vida do produto e das

características da fabricação, a mudança de um determinado patamar

tecnológico necessita de grandes investimentos. Os produtos que surgem

posteriormente no mercado e que incorporam novas tecnologias de

engenharia e produção podem ser elaborados a um custo menor. Desta

forma, a liderança conquistada anteriormente fica comprometida;

• Risco de diferenciação: é o risco de que os produtos concorrentes

lançados no mercado incorporem maior valor agregado para o cliente.

Novos lançamentos tendem a incorporar as últimas solicitações do

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mercado, tanto em termos de evolução como em termos de custos. A

empresa líder que lançou seus produtos quando da identificação de um

nicho de mercado sofre as conseqüências deste pioneirismo; e

• Risco da Estratégia de Lucro: é o risco dos compromissos e estimativas

adotadas na fase de estudo e concepção de um novo produto não poder

ser cumpridos. A demanda prevista inicialmente pode, por motivos

econômicos e de mercado, não ser atingida. Devem ser considerados

aqui também os riscos financeiros, políticos e sociais inerentes à

fabricação aeronáutica.

As parcerias de compartilhamento de risco normalmente se dão entre os

fabricantes de aeronaves e seus fornecedores (fabricantes de estruturas

aeronáuticas), que podem ser especializados em desenvolver e produzir produtos ou

sistemas de um avião, como aviônicos, sistema propulsor, fuselagem, asas, trem-de-

pouso, empenagens, interior, etc.

Além do interesse em compartilhar os riscos dos empreendimentos

aeronáuticos por parte dos fabricantes de aeronaves, o número reduzido destes,

aliado à quantidade mais elevada de fabricantes de estruturas aeronáuticas, levou a

um processo rigoroso de consolidação destes últimos (SCOTT, 2001; VELOCCI,

1999), de forma a fazer frente ao enorme poder de barganha adquirido pelos

primeiros.

De acordo com Andersen et al (2001), as transações comerciais na indústria

de grandes aeronaves civis são normalmente feitas contratualmente. Isto também

ocorre na indústria de aeronaves menores, como aeronaves regionais, commuters e

executivas. As principais barreiras para a entrada na indústria de fabricação de

estruturas aeronáuticas são os mesmos critérios que definem a relação comercial

entre os fabricantes de aeronaves e os seus fornecedores: capital, experiência

tecnológica, mão-de-obra qualificada e aprovação de órgãos reguladores. Alguns

determinantes de competitividade são fatores decisivos para vencer contratos com

os fabricantes de aeronaves. Qualidade é um fator necessário, mas não suficiente,

pois os fabricantes requerem que seus fornecedores passem por todos os testes de

certificação e qualificação necessários. A habilidade de construir uma estrutura

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aeronáutica de qualidade é o requisito mínimo para um fornecedor ser considerado

numa concorrência pelos fabricantes de aeronaves e normalmente não é

considerado um fator determinante de competitividade.

Entre os determinantes de competitividade, podem ser encontrados fatores

relacionados a custos e fatores não relacionados a custos. E entre os fatores

relacionados a custos, encontram-se eficiência na produção, mão-de-obra, capital,

economias de escala e efeitos de aprendizado. Já entre os principais fatores não

relacionados a custos, podem ser encontradas algumas competências chave (core

competencies) dos fabricantes de estruturas, on-time delivery e capacidade de

produção flexível (flexible production). Outro fator exógeno que pode afetar

significativamente a competitividade são as taxas de câmbio entre o país do

fornecedor e do fabricante de aeronaves.

Os fatores determinantes de competitividade dos fabricantes de estruturas

também dependem do nível e do papel desempenhado pelo fornecedor na cadeia de

fornecimento da indústria. As empresas que atuam na fabricação de peças simples

ou no trabalho mecânico de determinados componentes formam a base da indústria

e são conhecidas como de terceiro nível (third-tier suppliers). Já as empresas com

capacidade tecnológica mais avançada e que agregam tecnologia às estruturas dos

fornecedores de terceiro nível são conhecidas como fornecedoras de segundo nível

(second-tier suppliers). Por fim, há ainda os fornecedores de primeira linha (first-tier

suppliers), que fabricam um pacote tecnológico de alto valor agregado,

desenvolvendo estruturas completas com sistemas integrados, e garantindo o

padrão de qualidade de seus produtos. O estágio de desenvolvimento tecnológico e

de especialização de alguns fornecedores de primeira linha é altíssimo, e eles

constituem-se nos principais parceiros de compartilhamento de risco das empresas

fabricantes de aeronaves.

Geralmente, quanto mais alto for seu nível (por ex. fornecedores de primeira

linha), mais importante é a habilidade do fornecedor em compartilhar o risco do

programa com o fabricante de aeronaves, o que requer uma grande capacidade

financeira e alto nível de conhecimento tecnológico. Na medida em que os

fabricantes de aeronaves repassam responsabilidade a seus fornecedores de

primeira linha, os determinantes de competitividade da indústria de fabricação de

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estruturas aeronáuticas tendem a tornarem-se similares aos da indústria de

fabricação de aeronaves.

Para Andersen et al (2001), via de regra, os contratos entre fabricantes de

aeronaves e seus fornecedores assumem uma de três formas:

• Abertura de concorrência: os fabricantes de aeronaves definem a

estrutura a ser fabricada e os fornecedores apresentam estimativas de

preços;

• Compra direta (directed procurement): o fabricante de aeronaves dita o

que está disponível a pagar por determinada estrutura aeronáutica a um

dado fornecedor, que analisa o preço comparando-o aos custos a serem

incorridos, de forma a determinar se o acordo é viável ou não. Via de

regra a determinação do preço leva em consideração a experiência do

fornecedor, custos de mão-de-obra e de overhead do fornecedor e

também as técnicas de fabricação disponíveis; ou

• Parcerias de compartilhamento de risco (risk-sharing partnerships): no

qual os fornecedores incorrem em investimentos utilizados no

desenvolvimento de estruturas complexas e subsistemas importantes da

aeronave, investimentos estes amortizados na medida em que as vendas

ultrapassam um determinado número de aeronaves.

O uso de parcerias de compartilhamento de risco e de compra direta tem

aumentado, na medida em que os fabricantes de aeronaves vêm buscando a

diminuição de seus custos e o risco dos novos programas. Geralmente estas

empresas preferem ter mais de um fornecedor por componente, embora nos últimos

anos tenham requerido menos fornecedores que há décadas atrás. Ao executar o

downsizing de sua rede de fornecedores, as empresas enfrentam a tensão entre

manter somente aqueles eficientes e com preços competitivos e manter uma rede

suficientemente diversificada de forma a não ficar muito dependente de somente um

fornecedor. De acordo com Proctor (1999), a Boeing chegou a anunciar que gostaria

de cortar sua cadeia de fornecedores em até 40%, exemplificando o interesse dos

grandes produtores de aeronaves em diminuir sua dependência.

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Já segundo Squeo & Pasztor (2001), a Boeing pretende adotar o conceito

japonês e americano de fabricação de automóveis para construir suas aeronaves. O

novo paradigma envolve usar menos estruturas, fabricadas por menos fornecedores,

e trabalhar com linhas de montagem móveis que reduzam tempo e mão-de-obra,

combinado com estoques operando segundo a filosofia just in time.

Adicionalmente, acrescentam Andersen et al (2001), os contratos vêm sendo

estendidos tanto em tempo como em escopo. Acordos de longo prazo (long term

agreements ou LTAs) têm sido utilizados cada vez mais por empresas fabricantes de

estruturas aeronáuticas. Tais acordos caracterizam-se por serem contratos de vários

anos entre fabricantes de aeronaves e de estruturas aeronáuticas que garantem ao

fornecedor um determinado volume de negócios por um número pré-determinado de

anos em troca do atendimento a metas de produtividade agressivas. Mais

especificamente, os LTAs incorporam aumentos de produtividade ao longo do

tempo, fazendo com que os preços pagos ao fornecedor caiam na medida em que a

produção aumenta. Os LTAs via de regra substituem processos de abertura de

concorrência entre fornecedores e são reservados aos fornecedores de melhor

desempenho, teoricamente proporcionando a estes uma maior estabilidade e

previsibilidade, o que é interessante também para seus clientes, os fabricantes de

aeronaves. Assim, os LTAs normalmente proporcionam ao fornecedor um

planejamento mais eficiente da produção e um controle mais efetivo dos custos do

que contratos de curto prazo, além de facilitar o retorno sobre os investimentos.

Além disso, LTAs possibilitam ao fabricante amortizar em mais aeronaves os

altos investimentos em P&D para fabricar a estrutura, bem como obter economias de

escala em custos diretos (matéria-prima, mão-de-obra, etc.) e indiretos (custos de

overhead). No caso de custos diretos, como o de matéria-prima, um LTA que se

estenda por vários anos, proporcionando a fabricação de um alto volume de

estruturas, permite a negociação dos preços das matérias-primas usadas nessas

estruturas com seus fornecedores.

O prazo dos LTAs normalmente é determinado por fatores tais como relação

prévia, experiência, importância e criticalidade da estrutura a ser fabricada e

restrições na capacidade de produção do fornecedor. Há que se buscar um equilíbrio

na definição do prazo dos LTAs, pois contratos muito curtos requerem freqüente

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negociação e tomam tempo e recursos dos funcionários do setor de compras do

fabricante de aeronaves, enquanto LTAs demasiadamente longos podem levar à

perda de controle sobre os preços e os principais pontos negociados.

Recentemente, à luz da crise pela qual passou o mercado de transporte

aéreo, alguns fabricantes de aeronave (principalmente Boeing e Airbus) quebraram

e/ou renegociaram alguns LTAs, exigindo mudanças no planejamento da produção

ou reduções ainda maiores de preços. Tal tendência parece refletir o caráter cíclico

da demanda por aeronaves. Os fabricantes de aeronaves preferem utilizar LTAs

quando as ordens de aeronaves são abundantes, mas quando as novas ordens

começam a diminuir, a pressão nas margens de lucratividade faz com que os

fabricantes tentem renegociar os termos de seus LTAs. Atualmente, conforme citado

no estudo de Andersen et al (2001), os LTAs são vistos pelos fabricantes de

estruturas aeronáuticas como ferramentas usadas por fabricantes de aeronaves para

impor menores preços sem a garantia de que os termos do contrato serão honrados.

Sem muito poder de barganha frente aos fabricantes de aeronaves, os fabricantes

de estruturas aeronáuticas possuem poucas alternativas a não ser sujeitarem-se aos

novos termos do contrato. Tais práticas, portanto, estimulam a consolidação entre os

fornecedores, de forma a atingirem maior tamanho e poderem lidar mais

efetivamente com seus clientes fabricantes de aeronaves.

No caso do segmento de grandes aeronaves, no qual atuam Boeing e Airbus,

o declínio na demanda dos últimos anos fez as reduções de custo tornarem-se

obrigatórias, sob pena de diminuição das margens de lucratividade. Assim, estes

fabricantes de aeronaves vêm forçando os fornecedores a baixarem seus preços

inclusive contra LTAs previamente estabelecidos. Adicionalmente, a tendência à

consolidação na indústria de fabricantes de estruturas aeronáuticas também fez com

que os fabricantes de aeronaves tentassem negociar LTAs para beneficiarem-se de

economias de escala que eventualmente surjam nos processos de fusões e

aquisições dos fornecedores. De acordo com Andersen et al (2001), dada a natureza

da relação entre fornecedor e cliente e a diferença entre os tamanhos das

organizações envolvidas, os fornecedores possuem poucas alternativas quando os

fabricantes de aeronaves demandam alterações nos termos de contratos. Como

resultado desta tendência de mercado, é cada vez mais importante para os

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fornecedores manterem-se operacionalmente flexíveis de forma a responderem às

mudanças no cronograma de produção e de entregas.

Na medida em que os fabricantes de aeronaves procuram diminuir o número

de fornecedores e reduzir custos, os contratos expandiram-se em escopo para

proporcionar aumento das responsabilidades por parte dos fornecedores de primeira

linha (first-tier suppliers). Espera-se destes fornecedores que desenvolvam

estruturas completas com sistemas instalados e a garantia de que todos os sistemas

operarão adequadamente, além da garantia de que a estrutura e os sistemas serão

inteiramente compatíveis com as outras estruturas e sistemas, o que demanda o

desenvolvimento em conjunto, tanto com o fabricante de aeronaves (que atua como

um integrador de sistemas e estruturas) como, por vezes, com outros fornecedores.

Nos casos de parcerias de compartilhamento de risco, espera-se dos fornecedores

de primeira linha que gerenciem suas cadeias de fornecimento e assumam partes

dos investimentos não-recorrentes em projeto e manufatura. Em alguns casos, tais

responsabilidades são empurradas abaixo na cadeia de fornecimento para os

fornecedores de segunda e terceira linha (second- and third-tier suppliers).

Outro aspecto importante é que os fabricantes de estruturas aeronáuticas por

muitas vezes subcontratam seus próprios fornecedores pelos mesmos motivos que

os fabricantes de aeronaves os subcontratam. Além de proporcionar aos fabricantes

de estruturas aeronáuticas a divisão do trabalho de fabricação e do risco financeiro,

a subcontratação de atividades secundárias permite a estas firmas focarem seus

esforços de P&D e as habilidades técnicas de seus empregados em atividades mais

lucrativas. Em alguns casos, a subcontratação permite acesso a novos mercados e

também proteção contra variações cambiais.

Antes de analisar as parcerias de compartilhamento de risco em si, faz-se

necessário entender a estrutura da indústria de fabricação de aeronaves. Ainda

segundo Andersen et al (2001), os fabricantes de aeronaves são um subconjunto da

indústria de estruturas aeronáuticas. Os principais fabricantes de aeronaves civis

(Boeing, Airbus, Embraer e Bombardier) realizam as atividades mais nobres da

indústria, integrando sistemas e projetando e fabricando estruturas de altíssimo valor

agregado. Os outros fabricantes de estruturas aeronáuticas atuam como

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fornecedores dos fabricantes de aeronaves, produzindo partes aeronáuticas e

subsistemas a serem integrados pelos últimos.

A indústria global de fabricantes de estruturas aeronáuticas é dominada por

produtores da América do Norte e da Europa. Tal indústria é dominada pelas

empresas fabricantes de aeronaves, que ocupam uma posição no topo da cadeia de

abastecimento (supply chain) da indústria. Entre os fabricantes de aeronaves,

destacam-se as empresas que produzem grandes aeronaves, como Boeing

(Estados Unidos) e Airbus (Europa). Outra empresa da América do Norte que se

destaca é a Bombardier, localizada no Canadá, e concorrente da Embraer no

mercado de aviação regional. Há algumas empresas competitivas em outros

continentes, como a própria Embraer, que fabrica aeronaves regionais, e

fornecedores de estruturas aeronáuticas localizadas em países como Argentina,

China, Coréia do Sul, Índia, Israel, Malásia, Taiwan e Turquia.

Há uma hierarquia clara na indústria. Os fornecedores de primeira linha (first-

tier suppliers) diferenciam-se dos outros pela magnitude de suas vendas ou pela

complexidade das estruturas que fornecem. Fornecedores de segunda e terceira

linha (second- and third-tier suppliers) fabricam as partes e subsistemas para a

integração a ser feita pelos fornecedores de primeira linha. Adicionalmente, a

indústria é segmentada por produto, com um número limitado de produtores

fabricando as estruturas aeronáuticas mais complexas. Tal fato se acentuou

recentemente com a consolidação no mercado de fabricantes de aeronaves, através

de intenso processo de fusões e aquisições nas últimas décadas. Tal processo de

consolidação é bem visualizado através da figura a seguir:

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Figura 4 – Processo de consolidação dos fabricantes de aeronaves nas décadas de 80 e 90

(EMBRAER, 2004b)

Devido a ganhos de escala e escopo nos projetos e na produção, várias

empresas fabricantes de estruturas aeronáuticas produzem para os mercados civis e

militares e oferecem serviços, tais como manutenção, reparo e overhaul (MR&O).

Embora as firmas norte-americanas e européias possuam portfolios de produtos

diversificados, a maioria normalmente fornece a um único fabricante de grandes

aeronaves (Boeing e Airbus), normalmente para o fabricante de sua região. Já os

fornecedores dos fabricantes de aeronaves regionais (Embraer e Bombardier),

normalmente são também fornecedores dos fabricantes de grandes aeronaves

descritos acima. Os fabricantes asiáticos de estruturas aeronáuticas costumam

produzir para a Boeing e para a Airbus, sendo que a Boeing possui um

relacionamento bastante aprofundado com as empresas desta região, em particular

as japonesas, datando da década de 60.

Outro fator importante da indústria de fabricantes de estruturas aéreas é que

esta é dominada por algumas empresas de grande porte e por isto este mercado

pode ser caracterizado como um oligopólio. Certos segmentos específicos deste

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mercado podem ser entendidos como oligopólios bilaterais, pois poucos

compradores negociam com poucos vendedores, e ambos os lados possuem alto

poder de barganha. Se ambos os lados possuem poder de barganha, isto significa

que os preços são negociados. Por exemplo, há uma série de fornecedores de

painéis para fuselagem. Como neste caso os compradores são em menor número

que os fornecedores, aqueles possuem maior poder de barganha que estes nas

negociações de contrato.

Com o movimento de consolidação de fabricantes de aeronaves das últimas

décadas e a conseqüente diminuição do número de fabricantes, as empresas

restantes, como Boeing, Airbus e, em menor escala, Embraer e Bombardier,

possuem poder de barganha suficiente para restringir aumentos de preços nos

fabricantes de estruturas aéreas que lhes fornecem partes e subsistemas e que

disputam os principais contratos de fornecimento.

De acordo com Andersen et al (2001), dois fatores-chave levaram a maior

pressão sobre os preços dos fornecedores. Primeiro, a desregulamentação do

mercado americano de linhas aéreas pressionou as margens dos fabricantes de

aeronaves, o que, por sua vez, pressionou seus fornecedores. Adicionalmente, a

consolidação na indústria de fabricantes de aeronaves – tendo como principal

exemplo a aquisição da McDonnell Douglas pela Boeing – e o conseqüente

cancelamento de alguns dos programas das empresas adquiridas levaram à alta

capacidade ociosa na indústria de fabricantes de estruturas aeronáuticas, permitindo

aos fabricantes de aeronaves explorarem seu poder de barganha através do

oferecimento de contratos de alto volume e negociando descontos nos preços.

Conseqüentemente, os fabricantes de estruturas aéreas sentiram altíssima pressão

para cortar custos, bem como aumentar suas responsabilidades na produção.

Para Scott (2001), a consolidação da indústria de fabricantes de estruturas

aeronáuticas vem prevalecendo nas últimas décadas, principalmente entre os

fornecedores de primeira e segunda linha, normalmente mais próximos dos

fabricantes de aeronaves e que assumem mais responsabilidades que os

fornecedores menos relevantes. A consolidação e globalização da indústria de

fabricantes de estruturas aeronáuticas foi determinada principalmente por pressões

nos preços e capacidade ociosa. O resultado da consolidação entre as firmas deve

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diminuir a capacidade ociosa e aumentar o poder de barganha destas, muito embora

este movimento não seja suficiente para fazer frente ao poder de seus clientes, os

fabricantes de aeronaves. A consolidação deve também fazer com que as empresas

produtoras de estruturas aeronáuticas restantes passem a focar somente nas suas

competências chave (core competencies) e pressioná-las a empregar capital e

recursos técnicos em acordos de parcerias de risco, por imposição das companhias

fabricantes de aeronaves.

Segundo Scott (2001), esta tendência é amplificada pela preferência da

Boeing e da Airbus, os dois maiores fabricantes de aeronaves do mundo, em

simplificar sua rede de fornecedores e diminuir custos transacionais através de

contratos com poucos e grandes fornecedores, tecnicamente habilitados para

fornecer estruturas aeronáuticas complexas. Esta estratégia de redução da base de

fornecedores também se estende aos fabricantes de estruturas aeronáuticas, que

reduzem suas próprias bases de fornecedores, fazendo com que o processo de

consolidação atue em toda a cadeia de fornecimento.

A indústria de fabricantes de estruturas aeronáuticas também é cada vez mais

globalizada, pois os fabricantes produzem e vendem seus produtos por todo o

mundo. Uma força por trás deste fenômeno de globalização na indústria aeronáutica

é o desejo de ganhar acesso a mercados antes restritos (i.e. offsets). Quando

subcontratam empresas fabricantes de estruturas aeronáuticas em outros países, os

fabricantes de aeronaves por muitas vezes buscam ganhar uma vantagem

competitiva quando a compra de novas aeronaves for considerada por linhas aéreas

destes países. Exemplos disto podem ser vistos na All Nippon Airways e na Japan

Airlines que, de acordo com Andersen et al (1993), são as maiores operadoras

globais de Boeing 767 e Boeing 747, respectivamente. Não coincidentemente, para

desenvolver e produzir estas duas aeronaves, a Boeing promoveu parcerias

principalmente com fabricantes japoneses de estruturas aeronáuticas.

A decisão de comprar de um fornecedor estrangeiro normalmente envolve

pesar os benefícios de acesso ao mercado e baixos custos de mão-de-obra contra

as desvantagens de deficiências na infra-estrutura do país e os recursos a serem

despendidos para que o produto final atinja as rígidas metas de qualidade.

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Graças aos altos investimentos demandados e ao alto risco do negócio de

fabricação de aeronaves assim como à crescente pressão pela redução de custos,

os fabricantes de aeronaves encaram cada vez mais os produtores de estruturas

aeronáuticas como potenciais compartilhadores de risco nos mais recentes

programas de desenvolvimento de aeronaves. Por diversas vezes o nível de

investimento necessário para desenvolver uma nova aeronave faz com que os

produtores de aeronaves arrisquem o seu próprio futuro a cada projeto. Isto é

verificado no exemplo apresentado por Andersen et al (1998), que cita o

desenvolvimento do Boeing 747 em 1966, estimado em US$ 1,2 bilhões, mais do

que o triplo do patrimônio líquido da empresa na época. A Boeing subcontratou 70%

do valor da produção inicial do programa 747, tanto para fornecedores norte-

americanos como estrangeiros (principalmente japoneses). Vários destes

fornecedores tiveram que contribuir financeiramente com o projeto, participando

como parceiros de compartilhamento de risco. De acordo com O’Lone (1977), tais

parceiros financiaram os custos não-recorrentes das primeiras 200 aeronaves

produzidas.

Andersen et al (1998) citam que a magnitude do investimento requerido para

desenvolver e produzir uma aeronave define uma característica importante da

indústria de fabricação de aeronaves: ser altamente intensiva em capital. Altas

quantias de capital são necessárias para o desenvolvimento de novos programas,

aplicadas em P&D, construção de novas fábricas ou expansão das antigas, compra

de materiais, partes aeronáuticas e subsistemas, estabelecimento de rede global de

suporte e atendimento ao cliente, etc. Este capital pode ser levantado através dos

mercados de capitais, através de parceiros de compartilhamento de risco, via ajuda

governamental ou capital próprio. Outra característica importante desta indústria é o

fato da maior parte do capital requerido ser utilizado em investimentos que são

considerados custos afundados, ou seja, não podendo ser recuperados pela venda

dos ativos adquiridos.

Dada a natureza destes investimentos, os produtores de aeronaves

estabelecidos (incumbents) têm uma enorme vantagem competitiva sobre potenciais

novos entrantes, já que contam com o capital resultante de lucros em projetos

anteriores. Assim, as empresas já estabelecidas normalmente possuem avaliação de

crédito mais favorável e, portanto, acesso a capital com taxas de juros menores.

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Fabricantes de aeronaves de países economicamente mais desenvolvidos

também possuem vantagens sobre os de países em desenvolvimento no que diz

respeito a acesso a capital. O custo de empréstimos em países desenvolvidos

normalmente é bem menor que em países em desenvolvimento, devido ao risco-país

embutido nas taxas de juros destes, que é maior em comparação com o daqueles.

Neste sentido, a utilização de parcerias de compartilhamento de risco entre

fabricantes de aeronaves de países em desenvolvimento com fornecedores de

estruturas aeronáuticas de países desenvolvidos ajuda a diminuir o custo de capital

dos primeiros. Por exemplo, de acordo com a World Trade Organization (1999), o

Canadá acusa a Embraer de receber ajuda extensiva por parte de seus parceiros de

compartilhamento de risco em países desenvolvidos e, por isso, no entendimento

dos canadenses, não poderia ser considerada como um fabricante isolado de um

país em desenvolvimento. Ainda de acordo com o mesmo estudo, os canadenses

sustentam suas alegações com base em um outro estudo do banco de investimento

Deutsche Morgan Grenfell elaborado em 1997, que cita:

“O pacote de compartilhamento de risco da Embraer para o programa EMB-

145 significa que a empresa é efetivamente financiada por seus fornecedores: de

acordo com os termos do acordo, a companhia só paga aos fornecedores por

componentes aeronáuticos após entregar as aeronaves aos clientes e receber o

pagamento pela aeronave”.

No estudo de Andersen et al (2001), os autores defendem que os fabricantes

de aeronaves esperam de seus parceiros em compartilhamento de risco o

investimento de tempo, capital e recursos de P&D para projetar uma parte

específica, decidir com que fornecedores subcontratar, integrar sistemas e assegurar

que o produto final siga os padrões exigidos de qualidade. Tais parcerias não só

fornecem os recursos necessários, mas também possibilitam aos fabricantes de

aeronaves a determinação de gestão de fornecedores menores (lower-tier suppliers)

para seus parceiros. Como resultado, o papel do fornecedor é realçado e elevado a

um patamar mais estratégico.

Para Muniz Jorge (1995), numa parceria de compartilhamento de risco, o

desenvolvimento de segmentos subcontratados é financiado pelos parceiros de

risco, que recuperam o investimento na fase de produção em série.

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Nota-se, portanto o caráter mitigador de risco comercial das parcerias de

compartilhamento de risco. Outros benefícios, entretanto, também surgem como

conseqüência das parcerias de compartilhamento de riscos, por exemplo:

• Foco de cada parceiro na ligação entre investimento e lucro;

• Obriga os fornecedores a perseguirem um objetivo global para o projeto;

• Dá mais liberdade aos fornecedores sem os restringir a detalhes e

procedimentos de um acordo de fornecimento tradicional;

• Incentiva os parceiros a usarem melhores práticas gerenciais;

• Encoraja a integração de culturas e habilidades;

• Agrega os parceiros em torno dos objetivos estratégicos a serem

atingidos; e

• Possibilita menor tempo de desenvolvimento (time-to-market) das

aeronaves, devido à possibilidade de aperfeiçoar a engenharia simultânea

em parcerias de compartilhamento de risco.

Vale reforçar que o modelo de engenharia simultânea proporciona menores

time-to-market, pois há menos problemas na montagem e no projeto da aeronave

devido à participação simultânea de várias áreas corporativas, como engenharia,

produção, marketing, compras, entre outras. O resultado, via de regra, também é um

produto final de qualidade superior e atendendo os critérios de projeto da aeronave.

A engenharia simultânea, por ser um fenômeno razoavelmente recente na

indústria aeronáutica, é apoiada por sofisticadas redes virtuais de fornecedores e

parceiros conectadas remotamente ao fabricante de aeronaves. De acordo com

Bernardes & Fensterseifer (2004), as empresas fabricantes de aeronaves utilizam

cada vez mais portais na Internet e ferramentas computacionais que permitem a

interação eletrônica entre os parceiros de compartilhamento de risco, ajudando na

coordenação e tornando mais rápidas tanto as fases de projeto quanto de produção

das aeronaves.

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De acordo com Pritchard & MacPherson (2004a), a mitigação do risco

comercial ao longo da cadeia de suprimentos através do compartilhamento de

receitas possui a mesma lógica econômica do princípio internacional de vantagem

comparativa, em que a utilidade da corporação é maximizada quando cada unidade

de negócios especializa-se na produção de itens que melhor exploram suas

competências internas em termos de projeto, engenharia ou capacidade industrial,

ou seja, nas competências chave da corporação.

Gomes-Casseres (2000), acredita que as estratégias de compartilhamento de

risco são usadas para proteger uma determinada companhia de prejuízo excessivo

devido a seu portfolio de alianças. Ou seja, a parceria de compartilhamento de risco

seria uma espécie de hedge, mitigando o risco financeiro excessivo.

Por sua vez, o estudo da Merrill Lynch (2004) defende que a indústria

aeronáutica utiliza-se em freqüência cada vez maior de contratos de

compartilhamento de risco. O estudo aponta algumas variações possíveis deste tipo

de parceria:

• O fornecedor compromete-se a pagar uma parte do investimento inicial do

projeto na esperança de recuperá-lo ao longo da vida do produto. O

fabricante da aeronave pode garantir ao fornecedor um número mínimo

de aeronaves vendidas, mas o fornecedor corre o risco de não recuperar

o investimento se não são vendidas tantas aeronaves quanto o número

previsto; ou

• O fornecedor compromete-se a pagar uma parte do investimento inicial do

projeto na esperança de recuperá-lo ao longo da vida do produto, mas

precifica o subsistema pelo qual é responsável de acordo com o nível de

preço que o fabricante das aeronaves as vende.

De acordo com a A.T. Kearney (2003), ainda há perspectiva de

aprofundamento na utilização de parcerias de compartilhamento, em especial após

os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, pois as

iniciativas de redução de custos dos fabricantes de aeronaves não são suficientes e

precisam ser expandidas ao longo da cadeia de suprimentos. Ainda segundo este

estudo, os fabricantes de aeronaves estão adotando práticas de outras indústrias

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como, por exemplo, a automotiva. Para a A.T. Kearney (2003), o próprio conceito de

parceria de compartilhamento de risco seria derivado desta indústria.

Segundo Bernardes (2003), os fabricantes de aeronaves obrigam os parceiros

de compartilhamento de risco a investir grandes quantias no projeto, o que inviabiliza

a participação de pequenas empresas, pouco capitalizadas, em programas que

utilizam este tipo específico de parceria estratégica. A Airbus, por exemplo,

encontrou enormes dificuldades em encontrar parceiros para o projeto A380,

conforme relatam Dupont & Beauclair (2000), pois os fabricantes de estruturas

aeronáuticas consideravam as condições oferecidas pela companhia extremamente

arriscadas.

Dorna et al (2003) consideram as parcerias de compartilhamento de risco um

novo arranjo produtivo baseado numa maior interdependência entre os atores

inseridos na atividade de produção de forma a obter melhores resultados

econômicos, associados à redução dos custos, incertezas e riscos inerentes aos

projetos aeronáuticos. Para tais autores, a Embraer passou adotar o modelo de

parcerias de compartilhamento de risco inicialmente de forma a viabilizar

economicamente o ERJ-145, mas que tal prática continua sendo adotada como o

alicerce dos projetos mais recentes da empresa, isto é, nas aeronaves ERJ-170 e

ERJ-190.

As parcerias de compartilhamento de risco permitem o desenvolvimento de

vantagens competitivas buscando a centralização dos esforços nas áreas de

excelência da empresa e nas etapas do processo de desenvolvimento e produção

que conferem maior valor agregado aos clientes finais dos produtos. Neste sentido,

a contribuição de Marques (2001) para a definição de parceria de compartilhamento

de risco é significativa. Para a autora, um acordo deste tipo é normalmente selado

entre empresas de diferentes níveis da cadeia de suprimentos. Os fornecedores,

neste contexto, assumem parcelas dos custos de desenvolvimento de um projeto,

auferindo rendimentos a posteriori, na mesma proporção de seus investimentos.

Além disso, a agregação de conhecimento tecnológico do projeto final acaba

dependendo das capacidades do conjunto de parceiros. Tais parcerias costumam

durar todo o ciclo do projeto (via de regra aproximadamente trinta anos) e é

improvável a troca de parceiros no decorrer do projeto, bem como a celebração de

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outras alianças, adicionando-se um grau de rigidez a mais no pool de fornecedores.

Os acordos de parceria de compartilhamento de risco também prevêem

transferência tecnológica de acordo com a capacitação do parceiro e dos contratos

firmados.

A própria Embraer (2001) aborda a rigidez causada pelas parcerias de

compartilhamento de risco conforme descrita acima. Para a empresa, uma vez

selecionados os parceiros de compartilhamento de risco, é difícil substituí-los. Em

alguns casos, como no dos motores, a aeronave é projetada especialmente para

acomodar um determinado componente, o qual não pode ser substituído por outro

fornecedor sem incorrer em atrasos e despesas adicionais no projeto. Tal

dependência torna a empresa suscetível ao desempenho, à qualidade e às

condições financeiras de seus parceiros de risco.

Ainda de acordo com a Embraer (2001) e com Bernardes & Pinho (2002), os

parceiros de risco desenvolvem e produzem componentes significativos, incluindo

motores, componentes hidráulicos, aviônica, asas, cauda, interior e partes da

fuselagem. Os contratos firmados entre a empresa e os parceiros de

compartilhamento de risco caracterizam-se principalmente por serem de longo prazo

e incluírem os seguintes termos:

• Diferimento (prolongamento) de pagamentos para componentes e

sistemas por um prazo negociado após a entrega destes; e

• Requerimento de entrega mínima para um certo número de aeronaves,

dependendo do contrato. Caso a empresa desenvolvedora não venha a

entregar o número mínimo de aeronaves contratualmente definido, terá de

reembolsar proporcionalmente os fornecedores por seus custos de

desenvolvimento e ferramental.

Para Dorna et al (2003), a dinâmica de uma parceria de compartilhamento de

risco encerra um novo padrão de organização empresarial mais integrado e flexível,

que se articula na forma de redes (networks) de desenvolvimento, aprendizado e

inovação tecnológica. Este arranjo apresenta grandes vantagens para o

financiamento de projetos aeronáuticos, diluindo, em parte, os riscos e incertezas de

mercado, na medida em que cada participante do projeto possui o compromisso de

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desenvolver uma parte do produto, agregar mercado e empenhar-se em garantir o

sucesso comercial do empreendimento. Assim, os parceiros empenham-se para

assegurar o êxito do projeto, uma vez que todos os parceiros desfrutam

conjuntamente de seus ganhos e benefícios e não apenas atuam no processo de

fornecimento de peças e componentes. Na medida em que os parceiros assumem

riscos financeiros no projeto e que a substituição de um parceiro ao longo do

programa mostra-se um problema de difícil solução, esses contratos acabam

caracterizando-se por um perfil de longo prazo.

Por sua vez, o estudo do MDIC (2002) cita que os parceiros de

compartilhamento de risco caracterizam-se por desenvolverem e produzirem os

produtos ou sistemas principais de um avião, como os hidráulicos, aviônicos,

sistema propulsor, asas, trem-de-pouso, empenagens horizontais e verticais, interior,

fuselagens, etc. O estudo cita o exemplo dos motores, que representam 25% a 40%

do custo de produção de uma aeronave, envolvendo alto grau de complexidade

tecnológica e possuindo escala de produção limitada. O custo de desenvolvimento

de um novo motor costuma ser da mesma ordem de grandeza do projeto do avião

que o utilizará.

Já Panhoca (2000) define o risco de um empreendimento aeronáutico como a

probabilidade de insucesso, que poderá afetar o patrimônio líquido da empresa, ou o

perigo iminente e relevante de uma perda contingencial irrecuperável, devido à

probabilidade de ocorrência de um evento indesejado, tanto na fase de engenharia e

desenvolvimento como na de manufatura do produto. Para o autor, quanto maior for

a exigência com relação ao patamar tecnológico, mais difícil será estimar o risco e

prever suas contingências. Os altos montantes de recursos envolvidos no setor

fazem com que, na indústria de fabricação de aeronaves, os riscos sejam

qualificados como críticos ou graves, no mínimo moderados, mas jamais pequenos

ou desprezíveis.

Por sua vez, para Goldstein (2002) a estratégia de firmar parceiras de risco

não apenas reduz custos e riscos, mas também, ao reduzir o número de

fornecedores e melhorar a logística, permite às empresas fabricantes de aeronaves

concentrarem-se naquilo que fazem melhor, ou seja, design, marketing, prestação

de serviços e montagem final da aeronave.

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Atualmente, os fabricantes vêm tentando levar esta estratégia de

compartilhamento de risco ao extremo, como no caso da Boeing e seu programa

7E7 (atualmente denominado 787 Dreamliner), produzido com maior percentual de

materiais compostos que as aeronaves atuais e aerodinâmica de última geração. De

acordo com Bowermaster (2003), a Boeing propôs aos potenciais parceiros de

compartilhamento de risco que projetassem, construíssem e integrassem os

componentes da aeronave, absorvendo todos os custos não-recorrentes de

desenvolvimento, projeto e fabricação dos subsistemas. A Boeing, portanto, atuaria

como integrador de sistema, produzindo somente a montagem final (de três dias de

duração), em que conectaria quatro seções da aeronave, os motores e o interior do

avião, todos desenvolvidos por parceiros de compartilhamento de risco.

O modelo de parceria de compartilhamento de risco proposto pela Boeing

acabou colocando muita pressão em vários potenciais parceiros, que ficariam com

quase todo o risco do projeto para si, deixando grande parte dos potenciais lucros

para a Boeing. Certamente, a proposta de lançar o 7E7 (ou 787) foi bastante

arrojada e revolucionária desde sua concepção. De acordo com Pritchard &

MacPherson (2004a), isto se deu por duas razões principais: primeiramente, a

Boeing demandou que os parceiros de compartilhamento de risco absorvessem

todos os custos não-recorrentes, ao contrário de parte destes; em segundo lugar, a

Boeing exigiu dos parceiros que produzissem estruturas aeronáuticas de enorme

complexibilidade tecnológica, além dos patamares tecnológicos atuais destes

fornecedores, o que exigiria maiores investimentos por parte deles.

Para Andersen et al (1998), o número de parcerias de compartilhamento de

risco vem crescendo em toda a indústria aeronáutica. Cada parceiro assume uma

parte do risco financeiro do projeto e da produção da aeronave e, em alguns casos,

os parceiros podem trabalhar em conjunto como uma única organização (joint

venture) para um determinado programa. De acordo com March (1989), parceiros de

compartilhamento de risco podem preencher lacunas em linhas de produção e

também podem ser fundamentais no desenvolvimento conjunto de tecnologia crítica

para gerar vantagens competitivas.

Um benefício significativo do uso de compartilhamento de risco é o fato do

fabricante de aeronaves poder adiar uma parte de seus custos de produção. Via de

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regra, os fornecedores recuperam custos não-recorrentes de saída e os custos

unitários na medida em que entregam os componentes ao fabricante de aeronaves.

Já os parceiros no compartilhamento do risco usam um mecanismo de pró-rateio de

todos os investimentos sobre um número pré-determinado de aeronaves. Caso as

vendas excedam este número, o fornecedor que compartilhou o risco recupera seus

custos e tem um lucro adicional. Se a meta não é atingida, o parceiro deve absorver

uma parte dos custos não-recorrentes.

A maior parte do capital requerido dos fornecedores para parcerias de

compartilhamento de risco é usada para investimentos antes do início do

desenvolvimento do programa (up-front) e pode ser considerado custo afundado. O

capital pode ser utilizado para vários propósitos, como adquirir ou desenvolver novos

bens de capital para a produção, gerenciar a própria cadeia de fornecimentos,

conduzir P&D, treinar funcionários e investir em nova infra-estrutura. Fornecedores

de estruturas aeronáuticas estabelecidos normalmente possuem um rating de crédito

melhor e mais acesso a capital de baixo custo que os novos entrantes, o que faz

daqueles melhores parceiros de compartilhamento de risco que estes últimos, cujo

acesso a capital barato é mais limitado.

Ao mesmo tempo, subsídios governamentais também podem contribuir para a

habilidade de uma empresa fabricante de estruturas aeronáuticas em levantar capital

e participar de parcerias de compartilhamento de risco. Tais subsídios podem

acontecer sob a forma de empréstimos a baixas taxas de juros ou linhas de crédito

destinadas a P&D que possibilitem a aquisição de equipamentos novos e

tecnologicamente mais avançados. Assim, argumentam Andersen et al (1998), o

suporte governamental, da mesma forma que na indústria de fabricantes de

aeronaves, pode subsidiar altos investimentos de fabricantes de estruturas

aeronáuticas e permitir às mesmas o oferecimento de menores preços aos seus

clientes, os fabricantes de aeronaves.

Por outro lado, as parcerias de compartilhamento de risco fazem com que os

fornecedores trabalhem em conjunto com o fabricante de aeronaves no

desenvolvimento do produto desde as etapas iniciais, como o planejamento,

tornando-os familiares às maiores necessidades de seus clientes e, principalmente,

aprimorando a capacidade de desenvolver P&D. A aquisição destas habilidades

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através das parcerias de compartilhamento de risco gera um ciclo virtuoso, pois, por

estarem mais habilitados, tais fornecedores saem em vantagem em outros contratos

com o mesmo fabricante de aeronaves ou mesmo com outros. Por exemplo, a

prática da Airbus de delegar mais responsabilidades de projeto a seus

subcontratados do que a Boeing pode ter levado a uma melhora da capacidade

técnica e competitividade dos fornecedores da empresa européia vis-à-vis os

fornecedores da empresa norte-americana. A consultoria A.T. Kearney (2003)

concorda com esta afirmação, defendendo que as parcerias de compartilhamento de

risco deram à Airbus maior vantagem sobre a Boeing nos últimos anos, através da

terceirização modular, que permite à empresa européia o desenvolvimento

simultâneo de vários diferentes modelos e redução dos custos de desenvolvimento.

A consultoria, entretanto, nota que os regulamentos contábeis modificados nos

últimos anos devido aos recentes escândalos com as finanças de grandes empresas

forçam as empresas fabricantes de aeronaves a declarar os benefícios de parcerias

de compartilhamento de risco num menor número de anos que anteriormente, o que

limita um dos principais benefícios das parcerias e pode restringir o desenvolvimento

futuro de tais acordos.

Adicionalmente, Andersen et al (1998) citam que os fornecedores estão em

melhor posição para gerenciarem seus custos quando se encontram envolvidos nas

fases de P&D e projeto. Visto que há uma forte tendência no sentido dos fabricantes

de aeronaves exigirem menores preços unitários para pedidos de maior volume, os

fornecedores que atuam em parcerias de compartilhamento de risco e têm maior

controle sobre seus custos podem manter mais eficazmente suas margens de

lucratividade em patamares mais altos.

De maneira geral, os fabricantes norte-americanos de estruturas aeronáuticas

estão em desvantagem em relação aos seus competidores europeus e asiáticos no

que diz respeito a parcerias de compartilhamento de risco com produtores de

aeronaves. Isto acontece porque as empresas norte-americanas não participaram

tanto de parcerias de compartilhamento de risco como seus competidores europeus

e asiáticos. Por exemplo, em 1970, a própria Airbus foi criada como uma parceria de

compartilhamento de risco entre companhias da Alemanha e da França

(posteriormente seguidas por membros da Espanha e da Grã-Bretanha), sendo que

cada companhia compartilhava o risco com as outras através do desenvolvimento de

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partes específicas dos novos programas Airbus (ANDERSEN ET AL, 1993, 2001). A

Airbus manteve e aprofundou sua estratégia de utilizar parcerias de

compartilhamento de risco nos anos 80 e 90 com vários de seus fornecedores.

Já a Boeing realizou as suas primeiras parcerias de compartilhamento de

risco tardiamente e de forma muito tímida. Apesar de ter subcontratado empresas

japonesas em grau elevado desde a década de 60 (ANDERSEN ET AL, 1993), só

em 1978, no programa Boeing 767, foi buscado aprofundar as parcerias de

compartilhamento de risco (PRITCHARD & MACPHERSON, 2005). A Boeing

realmente vem cada vez mais forçando seus fornecedores a compartilhar o risco de

seus novos programas e absorver custos não-recorrentes de projeto, engenharia e

aquisição de bens de capital para a produção. No início, a empresa reembolsava os

fornecedores de estruturas aeronáuticas pelos custos incorridos assim que a

primeira aeronave de um novo programa era enviada ao cliente. Agora, os

fornecedores precisam amortizar os custos ao longo de toda a vida útil do programa,

de forma que o risco dos fornecedores tornou-se bem maior, podendo os levar a

grandes prejuízos caso o programa não atinja um determinado nível de vendas.

Agora, segundo Andersen et al (2001), a Boeing possui parcerias de

compartilhamento de risco com seus maiores fornecedores norte-americanos de

estruturas aeronáuticas e tem indicado que pretende utilizar mais este tipo de acordo

no futuro, em seus novos programas.

Segundo a Flight International (2000), a Airbus, notando aquiescência cada

vez maior dos fornecedores norte-americanos em participar de parcerias de

compartilhamento de risco, vem buscando formar parcerias com tais empresas, com

a expectativa de aumentar suas vendas e melhorar sua imagem nos EUA. De

acordo com Ott (2001), a norte-americana Goodrich anunciou acordo com a Airbus

para projeto, fabricação exclusiva e manutenção da estrutura de trem-de-pouso do

programa A380, tornando-se o primeiro parceiro de risco norte-americano da Airbus

para o programa A380. Ainda assim, de acordo com a Flight International (2000) a

pressão por parte do governo norte-americano e da Boeing sobre os fabricantes

norte-americanos de estruturas aeronáuticas é sentida em decisões como a da

Northrop Grumman, que, antes de vender sua unidade de negócios que fabrica

estruturas aeronáuticas para o Carlyle Group, decidiu que não participaria do projeto

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Airbus A380 como parceiro de compartilhamento de risco, mas somente como

fornecedor tradicional.

De acordo com Andersen et al (2001), vários fornecedores norte-americanos

de estruturas aeronáuticas muitas vezes avaliam como inaceitável o risco envolvido

em participar de determinados projetos na forma de parceiros de compartilhamento

de risco, seja por falta de capacidade financeira ou por experiência limitada em

acordos deste tipo. Isto os deixa em acentuada desvantagem quando comparados

com os fornecedores norte-americanos, europeus e asiáticos capazes de tomar

parte destes acordos. É estimado que, no futuro, os fornecedores deverão ter

receitas anuais de, no mínimo, € 50 milhões a € 150 milhões, de forma a poder fazer

frente aos requisitos de investimento de parcerias de compartilhamento de risco com

fabricantes de aeronaves ou motores aeronáuticos (DZIOMBA, 2000). Portanto,

segundo Dziomba (2000), assume-se que pouquíssimos fornecedores de menor

porte terão recursos suficientes para assumir uma posição de parceiro de

compartilhamento de risco em projetos aeronáuticos.

Os fornecedores europeus, no entanto, acostumados a compartilhar o risco

com seu principal cliente, a Airbus, normalmente possuem as habilidades gerenciais

e os recursos financeiros (por vezes subsidiados pelo governo local) para participar

de parcerias de compartilhamento de risco. Além disso, conforme apontado por

Sparaco (2001), a Airbus incentiva e cobra agressivamente de seus fornecedores o

compartilhamento do risco de seus programas, como no recente A380, em que a

empresa oferece cerca de 40% do valor do programa para seus fornecedores, em

troca de investimentos totalizando US$ 1,9 bilhões por parte deles. Vários

fabricantes de estruturas aeronáuticas aceitaram as condições da Airbus e tornaram-

se parceiros de risco no projeto A380 por considerarem que este será a plataforma

do futuro para as aeronaves da empresa, muito embora considerem as condições

estabelecidas pela Airbus para as parcerias de risco como difíceis de suportar. De

acordo com Dupont & Beauclair (2000), com a exceção de alguns poucos

fornecedores de primeira linha, a maioria das empresas é tão dependente da Airbus

que as torna inabilitadas a negociar condições mais justas.

Hoje em dia, a praxe da Airbus é escolher fornecedores que contribuam com

custos não-recorrentes, aceitem risco de taxa de câmbio, possuam produção flexível

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em termos de volume e prazos e também estejam localizados em países em que a

Airbus planeja vender suas aeronaves (i.e. offsets). Em 2001, a Airbus

subcontratava 45% do trabalho de fabricação das estruturas aeronáuticas em suas

aeronaves, com previsões de ultrapassar 50% em 2003. A Boeing possuía um índice

similar. Esta estratégia permite a estas companhias lidar com os ciclos de mercado –

neste que é um mercado extremamente cíclico – sem ter que aumentar ou diminuir a

capacidade de produção.

A Bombardier, por sua vez, além de ser um grande fabricante de aeronaves

também atua como fornecedor de estruturas aeronáuticas para a Boeing e Airbus,

através de suas fábricas de Montreal e Belfast (Irlanda do Norte), esta última

pertencente à sua subsidiária Short Brothers. O fornecimento de estruturas

aeronáuticas, entretanto, representa somente 4% de suas receitas e está baseado

em contratos de longo prazo firmados entre 1979 e 1996 e de relacionamentos

comerciais de empresas adquiridas pela Bombardier. De acordo com Andersen et al

(2001), o crescimento da divisão aeroespacial da Bombardier reduz o interesse da

companhia em trabalhos adicionais para a Boeing ou Airbus. Isto fica ressaltado

ainda mais na medida em que se sabe que a Bombardier intenciona há muito tempo

competir diretamente com a Boeing e a Airbus no segmento de aeronaves com

capacidade maior que 100 passageiros. Desta forma, assim como a Embraer, a

Bombardier vem diminuindo os seus esforços em fabricação de estruturas

aeronáuticas, para focar na fabricação de aeronaves.

Atualmente, os fabricantes canadenses buscam com grande ênfase parcerias

de compartilhamento de risco, embora haja relutância da Boeing em celebrar estes

acordos com tais empresas. A Avcorp é uma das poucas empresas canadenses que

participam de parcerias de compartilhamento de risco, neste caso com a

Bombardier, para o projeto CRJ-700. A Avcorp, assim como a Bombardier, também

produz para a Boeing, embora esta relação de fornecimento seja tradicional e não de

compartilhamento de risco.

As subsidiárias canadenses de empresas européias parecem executar mais

trabalho de projeto e desenvolvimento de estruturas aeronáuticas, o que traz para as

mesmas vantagens na realização de parcerias de compartilhamento risco em

comparação com as subsidiárias canadenses de empresas dos Estados Unidos.

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Já as empresas asiáticas que fabricam estruturas aeronáuticas passaram a

destacar-se e expandir-se a partir do advento das parcerias de compartilhamento de

risco. Os principais países produzindo estruturas aeronáuticas são Japão, Coréia do

Sul e China, que também compõem uma grande parte da demanda atual por

aeronaves, tanto regionais como grandes aeronaves. Este fato por si só

praticamente determina que os fabricantes de estruturas aeronáuticas destes países

possuirão destaque e continuarão recebendo pedidos da Boeing e da Airbus,

interessadas na demanda de aeronaves esperada. Tal fator de certa forma

contrabalanceia outros, como deficiências tecnológicas, falta de experiência na

produção de sistemas e ineficiência produtiva – embora tais fatores venham sendo

reduzidos na medida em que as empresas asiáticas ganham experiência

aeronáutica.

Dentre os três países, o Japão é o que possui a maior indústria de fabricação

de estruturas aeronáutica, bem como o tecnologicamente mais avançado. Tal fato

pode ser creditado ao início da produção de componentes simples (low-tech) ainda

na década de 60. As empresas japonesas, como a Fuji Heavy Industries, Kawasaki

Heavy Industries, Mitsubishi Heavy Industries, Japan Aircraft Manufacturing e

ShinMaywa Industries, apesar de até há pouco tempo não produzirem sistemas

complexos integrados, como asas, seções de fuselagem e trem-de-pouso, alcançam

um nível impressionante de qualidade, sendo os defeitos praticamente inexistentes.

As empresas coreanas produtoras de estruturas aeronáuticas (Daewoo Heavy

Industries, Samsung Aerospace Industries, Hyundai Space & Aircraft and Korean Air,

Aerospace Division), por sua vez, produzem sistemas maiores que as japonesas,

mas com níveis diferentes de sucesso. Tais empresas estão associadas aos

grandes conglomerados coreanos, os chaebols, e normalmente não atuam através

de parcerias de compartilhamento de risco, mas através de contratos build-to-print.

O movimento de consolidação já se iniciou entre os fabricantes coreanos, com as

divisões aeroespaciais da Samsung, Hyundai e Daewoo fundindo-se em 1999 (dois

anos após a crise da Coréia) para formar a Korea Aerospace Industries (KAI).

Já as empresas chinesas fabricantes de estruturas aeronáuticas (Xi’an Aircraft

Co., Shenyang Aircraft Corp., Shanghai Aircraft Manufacturing Factory, and Chengdu

Aircraft Industrial Corp., Aviation Industries of China I, Aviation Industries of China II,

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entre outras), quase todas de capital estatal, são pequenas em comparação às

empresas japonesas e coreanas. As empresas da China praticamente não

participam de parcerias de compartilhamento de risco e os principais atrativos que

essas companhias têm a oferecer aos fabricantes de aeronaves são os baixos

custos de mão-de-obra e a possibilidade de vendas sob a forma de offset num

mercado de gigantesco potencial, já que o transporte aéreo na China cresce a taxas

muito maiores que a mundial e o Governo controla tanto fabricantes de estruturas

aeronáuticas como linhas aéreas chinesas. Ou seja, poderia vir a favorecer parceiros

de companhias estatais chinesas em licitações de venda de aeronaves.

De maneira geral, as empresas asiáticas, com apoio de seus governos,

assumem uma posição extremamente receptiva a parcerias de compartilhamento de

risco com os produtores de aeronaves, com benefícios visíveis no desenvolvimento

de capacidade de projeto e fabricação através de transferência de tecnologia. Até

agora, as indústrias japonesas e, em menor escala, coreanas, já fizeram parcerias

de compartilhamento de risco com fabricantes de aeronaves e provavelmente

continuarão a fazer em maior escala, enquanto as empresas chinesas lutam contra

falta de know-how tecnológico e de capital para financiar as parcerias.

O Japão vem crescentemente aumentando o número de parcerias de

compartilhamento de risco nos últimos anos e aumentando suas responsabilidades

sob a produção de estruturas aeronáuticas complexas. Para MacKnight (1995), o

primeiro contrato de parceria de compartilhamento de risco entre uma empresa

japonesa e um fabricante de aeronaves estrangeiro deu-se em 1978, quando firmas

japonesas absorveram US$ 343 milhões em custos de pré-produção e investimentos

em infra-estrutura e assumiram responsabilidade na produção de 15% de um

determinado número de aeronaves Boeing 767 – acordo que, aliás, deu prejuízo

para as empresas japonesas, devido à apreciação do iene frente ao dólar durante a

vigência da parceria. Outro acordo significativo entre a Boeing e empresas

japonesas foi acertado em 1991, com os fabricantes de estruturas aeronáuticas

comprometendo-se a desenvolver e produzir cerca de 20% das estruturas do Boeing

777 por toda a vida do programa.

Mais recentemente, de acordo com Aviation Week & Space Technology

(2000), os fabricantes japoneses celebraram uma parceria de compartilhamento de

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risco com a Boeing para desenvolvimento de versões de longo alcance do Boeing

777. Além disso, segundo Jasper (2000), também foi celebrada parceria de

compartilhamento de risco para projeto e manufatura de 20% do Boeing 747X,

inclusive a asa, num investimento estimado de US$ 1 bilhão.

Já as empresas coreanas limitaram-se a participar em parcerias de

compartilhamento de risco somente no programa Boeing 717, mas estão em

discussões para estabelecer parcerias deste tipo em outros programas.

De acordo com Andersen et al (1998), o medo de transferência tecnológica

resultante de parcerias de compartilhamento de risco é razoavelmente exagerado,

pois o produtor de aeronaves controla todo o processo de colaboração. Fontes da

indústria citam o fato de que a informação compartilhada com empresas asiáticas é

obsoleta, com os principais projetos e técnicas de manufatura sendo mantidos in-

house pelas firmas fabricantes de aeronaves. Para MacKnight (1995), normalmente

as informações só são passadas para o parceiro de acordo com a necessidade

(need-to-know basis). Engenheiros do parceiro produtor de estruturas aeronáuticas

também possuem acesso limitado às instalações e aos sistemas do parceiro

fabricante da aeronave. Outra estratégia utilizada pelas empresas fabricantes de

aeronaves é celebrar acordos de compartilhamento de risco com base no

fornecimento de sistemas e estruturas para aeronaves antigas. Mais

especificamente, a Boeing celebrou um desses acordos com empresas coreanas

para prover estruturas para o Boeing 717, uma aeronave cujo projeto possui mais de

30 anos. Assim, quase nenhum conhecimento tecnológico atualizado ou experiência

de manufatura foi repassado ao parceiro.

Já Pritchard & MacPherson (2004b) não concordam muito com tais

afirmações. Para estes autores, embora as parcerias de compartilhamento de risco

representem uma estratégia lógica sob o ponto de vista financeiro, o perigo em

potencial é que subcontratados estrangeiros e/ou parceiros de compartilhamento de

risco recebam infusão direta de tecnologia e conhecimento tácito do integrador de

sistemas (pois de outra forma a estratégia não funcionaria). Preocupados com o

grau de transferência tecnológica das empresas norte-americanas para as

estrangeiras, os autores também defendem que tal fenômeno levanta uma questão

muito importante para os analistas de políticas comerciais e acadêmicos

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preocupados com a competitividade industrial norte-americana: especificamente, até

que ponto esta transferência de tecnologia para empresas estrangeiras representa

uma boa estratégia no que diz respeito aos efeitos econômico-industriais de longo

prazo?

Ainda assim, apesar dos entraves postos pelas empresas fabricantes de

aeronaves, as empresas asiáticas fabricantes de estruturas aeronáuticas continuam

demonstrando interesse em participar de parcerias de compartilhamento de risco e,

embora a transferência tecnológica não seja extensa, tais companhias podem

assegurar através destes acordos um nível satisfatório de produção e acumular

alguma experiência em manufatura e familiaridade em projeto de aeronaves.

No caso específico da transferência de tecnologia do Boeing 717 para

empresas coreanas, Pritchard & MacPherson (2004b) citam que o acordo

proporcionou rapidamente (cerca de 2 anos) à coreana Hyundai o conhecimento de

engenharia e as especificações técnicas requeridas para a construção das asas,

uma das estruturas mais importantes de uma aeronave, cujas técnicas de fabricação

são consideradas core technology pelos fabricantes de aeronaves.

Como pode ser notado, a questão da transferência tecnológica resultante de

parcerias de compartilhamento de risco ainda não está bem equacionada: alguns

autores a consideram um risco muito grande, outros consideram que a tecnologia

transferida é obsoleta e dificilmente poderia gerar um novo competidor.

Como visto acima, uma das grandes motivações para a geração de parcerias

de compartilhamento de risco por parte dos grandes fabricantes do setor de

construção de aeronaves é a possibilidade de repassar atividades de menor valor

agregado para seus fornecedores/parceiros e concentrar seus esforços nas

atividades de maior valor agregado, como o projeto, coordenação do pool de

parceiros, montagem final da aeronave, ações de marketing, vendas e serviços de

atendimento pós-venda aos clientes. Estas são as atividades mais nobres da

indústria não só para a Embraer, mas para os outros fabricantes de aeronaves,

sendo consideradas competências chave. Assim, faz-se necessário uma

compreensão mais aprofundada das competências chave de uma organização à luz

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da literatura acadêmica sobre o assunto, o que será feito em detalhe nesta próxima

seção.

2.3 COMPETÊNCIAS CHAVE

Nos anos 90, a literatura de administração de empresas começou a enfatizar

que uma organização cercada por limites e restrições das mais variadas origens, em

particular financeiros e de tempo dos gestores, deveria focar estrategicamente em

suas competências chave. Tal conceito ganhou destaque quando desenvolvido por

Prahalad & Hamel (1990), muito embora seja uma idéia presente em vários

trabalhos anteriores de outros autores. Prahalad & Hamel descrevem as

competências chave como o aprendizado coletivo da organização, em especial na

forma de coordenar habilidades de produção diversas e integrar correntes múltiplas

de tecnologia. A excelência em poucas competências chave seria a fonte de

vantagem competitiva para as organizações.

De acordo com estudo da RAND Corporation de Pint & Baldwin (1997), as

competências chave devem ser limitadas a duas ou três atividades mais críticas para

o sucesso futuro da organização. Tais atividades devem ser definidas pela alta

gestão, fazendo com que passem a ser definidas como competências chave ou não,

neste último caso abrindo a possibilidade de analisar a viabilidade de terceirização.

Para os autores, o foco em poucas competências chave internamente retidas

permite trabalhar mais eficazmente para evitar que os competidores aprendam,

tomem, erodam ou ultrapassem tais competências. Focando num número menor de

atividades, os resultados da organização em campos selecionados tornar-se-iam

incrivelmente difíceis de serem superados pelos competidores, de forma que o foco

em atividades específicas pode gerar diferenciais de desempenho.

Quinn & Hilmer (1994) destacam várias características das competências

chave, que podem, segundo os autores, serem consideradas como:

• Conjunto de habilidades ou conhecimento que atravessam as principais

funções corporativas e permitem à organização obter um desempenho

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consistentemente melhor que seus competidores em determinada

atividade;

• Plataformas de longo prazo flexíveis (ao invés de produtos ou serviços

específicos), que são capazes de adaptação ou evolução para atender as

necessidades do cliente ao longo do tempo;

• Fontes de valor únicas, que são difíceis de duplicar e nas quais

investimentos em recursos intelectuais possuirão maior retorno;

• Atividades em que a organização é um líder de mercado e pode focar

seus recursos financeiros e gerenciais para manter a liderança;

• Elementos que se relacionam diretamente com a compreensão de

padrões de comportamento dos consumidores e o serviço aos mesmos,

que a organização pode proporcionar a menor custo ou mais

eficientemente; e

• Atividades que estão infiltradas nos valores, estruturas e sistemas

gerenciais da organização – não dependendo da ação de poucos

indivíduos de talento.

Devido ao fato que gerentes seniores podem não dedicar tanta atenção a

atividades consideradas não essenciais, serviços internos e atividades de suporte

são por muitas vezes considerados dispensáveis pelas empresas, criando a

presunção de que a terceirização para as competências consideradas não

essenciais pode ser uma alternativa viável para ganhar acesso a serviços de melhor

qualidade para tais funções e melhor desempenho corporativo.

2.3.1 Relação entre redução de custos e foco em competências chave

Uma vez que foram identificadas atividades consideradas não essenciais com

potencial para terceirização, a organização deve determinar o que espera atingir

com a decisão de transferir responsabilidade para terceiros. Vários autores

enfatizam que os menores custos não devem ser o único objetivo da terceirização.

Por exemplo, Corbett (1995) lista as seguintes metas:

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• Melhorar o foco do negócio através da redução dos recursos da empresa

(principalmente gerenciais) destinados a atividades não essenciais;

• Ganhar acesso a serviços de maior qualidade (inclusive investimentos em

tecnologia, metodologias e pessoal) de empresas cujas competências

chave são o provimento de atividade terceirizada;

• Acelerar os esforços de reengenharia para reduzir ciclos e melhorar a

qualidade através de um provedor que já possui padrões de excelência

em determinado processo;

• Compartilhar os riscos com os parceiros terceirizados, através do

investimento destes em tecnologia, diluído em seus múltiplos contratos;

• Reduzir custos operacionais através do contrato de um terceiro que pode

atingir economias de escala e outras vantagens de custo baseadas na

especialização;

• Converter o investimento de capital para funções não essenciais em

custos operacionais e focar os investimentos nas competências chave; e

• Ganhar maior controle sobre uma função sendo executada in-house que

não está atingindo o desempenho esperado ou as expectativas dos

clientes.

As metas e prioridades das organizações que tomam decisões de

terceirização determinarão os critérios mais importantes para seleção de

fornecedores, elaboração do contrato e monitoramento de desempenho.

O desenvolvimento e uso de competências chave para criar vantagem

competitiva vem sendo amplamente utilizado em diversas indústrias. Tais

competências vêm sendo criadas através do rearranjo de habilidades dos

funcionários, de ativos organizacionais, de processos e tecnologias, de forma a

proporcionar mais benefícios para os consumidores do que os competidores

normalmente oferecem.

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De acordo com Grant (1991), recentemente houve um ressurgimento no

interesse pelo papel dos recursos da firma como base para a sua estratégia. Para

Prahalad & Hamel (1994), competências chave são vitais para o desenvolvimento de

novos produtos no futuro no ritmo demandados pelos mercados. São as “raízes” da

competitividade enquanto os produtos e serviços individuais seriam os “frutos”. Para

estes autores, todo time de alta gestão está competindo não só para proteger a

posição da empresa nos mercados existentes, mas para posicioná-la de forma a

obter sucesso em novos mercados. Assim, concluem Prahalad & Hamel (1994), os

gestores que falhem na tarefa de construir e gerar competências chave estão

inadvertidamente hipotecando o futuro da companhia.

Foram criados vários métodos, classificações e frameworks para analisar

quais são os recursos internos e as competências chave de uma companhia, mas as

informações a respeito de como são desenvolvidos e o impacto financeiro nas firmas

ainda é muito incipiente.

Examinando a literatura, também se nota que há vários termos para as

habilidades de uma organização que constituem as competências chave. Não há

consenso na terminologia, o que faz com que alguns autores prefiram os termos

competência distintiva (SELZNICK, 1957; SNOW & HREBINIAK, 1980), capacidades

organizacionais (ULRICH, 1987; COLLIS, 1994) ou competências chave

(PRAHALAD & HAMEL, 1990). Por terem popularizado o termo além do patamar

atingido pelos seus antecessores, usa-se neste estudo a expressão de Prahalad &

Hamel (1990), embora os termos sejam sinônimos e possam ser definidos como o

conjunto de habilidades diferenciadas, ativos complementares e rotinas que

proporcionam a base para a capacidade competitiva e a vantagem sustentável de

uma firma.

A característica em comum entre a maioria dos estudos é que as

competências chave são internas à organização e são atividades ou processos que

a organização executa bem. Mas há outras características definidas por

pesquisadores que variam dependendo do estudo. As várias características, quando

estudadas, parecem sugerir que as competências chave são algo muito intrínseco

(ou seja, produzido dentro da organização e afetado por suas características e

experiências) e interno (não facilmente visível ou compreendido por pessoas

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externas à organização). Há, entretanto, pouca evidência conclusiva de que as

competências chave proporcionam vantagem competitiva. As principais

características das competências chave podem ser identificadas através do

construto a seguir.

2.3.2 Características das competências chave de acordo com a literatura

Da literatura acadêmica, depreende-se que as competências chave

caracterizam-se por serem:

• Raras (BARNEY, 1986, 1991, 1997);

• Não imitáveis, sem possibilidade de transferência ou replicação (BARNEY

1986, 1991; DIERICKX & COOL, 1989; PRAHALAD & HAMEL, 1990;

GRANT, 1991; TAMPOE, 1994);

• Adicionadoras de valor significativo ao produto ou serviço (BARNEY,

1986, 1991, 1997; SYNDER & EBELING, 1992; GRANT, 1991; TAMPOE,

1994);

• Possuidoras de potencial para dar suporte a múltiplos produtos ou

serviços (PRAHALAD & HAMEL, 1990; SYNDER & EBELING, 1992);

• Representativas de uma capacidade única que produz vantagem

competitiva duradoura (SYNDER & EBELING, 1992; TAMPOE, 1994);

• Essenciais para a sobrevivência corporativa (TAMPOE, 1994);

• Invisíveis aos competidores (TAMPOE, 1994);

• Maiores que a competência de um indivíduo (TAMPOE, 1994);

• Essenciais para a visão estratégica e as decisões da organização

(TAMPOE, 1994);

• Em número limitado em cada organização (TAMPOE, 1994);

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• Duráveis (GRANT, 1991); e

• Diferentemente manifestadas em cada organização (TURNER &

CRAWFORD, 1991).

Selznick (1957) defendeu que as competências chave e as limitações de uma

organização surgem na medida em que ela desenvolve-se. Essas competências e

limitações são intrínsecas à organização e duas organizações nunca desenvolveriam

as mesmas competências e limitações, mesmo partindo das mesmas condições de

ambiente, pessoal e escolhas estratégicas, entre outros fatores.

2.3.3 Competências chave e vantagem competitiva

Hofer & Schendel (1978) foram os primeiros a estabelecer a ligação entre

vantagem competitiva e competências chave. Para os autores, vantagem

competitiva é a posição única que uma organização desenvolve vis-à-vis seus

competidores através de um padrão de disposição dos seus recursos. Para avaliar

oportunidades e ameaças existentes, uma empresa deveria, portanto, comparar o

perfil de seus recursos com os fatores críticos de sucesso dos segmentos em que

compete. Examinando a teoria destes autores, sobra a impressão de que os

recursos só contribuem para a vantagem competitiva se são fortes e estão

apropriadamente posicionados. Para tanto, os gestores devem estar conscientes de

quais recursos são estes, que devem estar desenvolvidos e fazendo parte da

estratégia da empresa.

2.3.4 Implementação e sinalização de alocação de recursos

Uma vez que as competências chave tenham sido identificadas, as

organizações devem investir nas mesmas (PRAHALAD & HAMEL, 1990; STALK ET

AL, 1992; COLLIS & MONTGOMERY, 1995) e alimentá-las (TAMPOE, 1994).

Também vale ressaltar que habilidades e recursos únicos não se traduzem

automaticamente em vantagens competitivas. O desenvolvimento, investimento e

reavaliação constante destes recursos é que proporciona retorno superior e

vantagem competitiva (BHARADWAJ ET AL, 1993).

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As vantagens competitivas são extremamente dependentes da qualidade da

gestão. A habilidade dos gestores de juntar, relacionar e aplicar seus recursos

rapidamente é crucial para a formação de vantagem competitiva (DOZ &

PRAHALAD, 1988). De acordo com Castanias & Helfat (1991), as habilidades da alta

gestão afetam a estrutura, sistemas, iniciativas estratégicas, cultura e relações. Para

Barney (1986), a cultura afeta diretamente o desenvolvimento de competências e

ajuda a definir algumas das características das competências chave: difíceis de

serem imitadas, raras e de grande valor. Os gestores afetam e perpetuam a cultura

de uma organização através de suas práticas. Já de acordo com Lado et al (1992),

as competências são desenvolvidas através das decisões e ações dos líderes.

Embora a literatura aborde em profundidade o papel e a responsabilidade dos

gestores na identificação, desenvolvimento, implementação e disposição das

competências chave, houve poucos esforços para delinear como este processo

ocorre.

De acordo com Chabert (1998), alguns dos principais fatores na alocação,

desenvolvimento e implementação de recursos são:

• Existência de plano para investimento de capital no desenvolvimento de

competências;

• Existência de um sistema de rastreamento para as competências e para

as pessoas associadas com certas habilidades;

• Ação dos gestores buscando reunir, organizar, relacionar e alinhar os

recursos;

• Ação dos gestores buscando reavaliar as competências chave;

• Ação dos gestores buscando sinalizar aos membros da organização quais

competências são importantes; e

• Ação dos gestores no sentido de desenvolver um sistema para avaliar o

retorno financeiro dos recursos aplicados.

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2.4 FRAMEWORK PARA ANÁLISE DE ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA EMBRAER

Tendo analisado todo o arcabouço acadêmico acima, de fundamental

importância para o tema deste trabalho, faz-se necessário apresentar o framework

que será utilizado para análise do caso Embraer.

Ao framework de Barney (1991), que apresenta a relação dos recursos da

firma com a geração de vantagem competitiva sustentável, será acoplada a ligação

que existe entre as alianças estratégicas e os três tipos de recursos propostos pelo

autor. Assim, espera-se compreender de que forma as alianças estratégicas afetam

e afetaram os recursos da Embraer, de forma a gerar vantagens competitivas

sustentáveis para a empresa. A figura a seguir apresenta o framework de forma mais

clara:

Alianças estratégicas

Vantagem competitiva sustentável

Recursos

• Físicos

–Tecnologia

–Fábricas e equipamentos

–Localização geográfica

–Matérias primas

–Capital

• Humanos

–Treinamento

–Experiência

–Conhecimento técnico

–Relações

–Insights individuais

• Organizacionais

–Estrutura hierárquica formal

–Práticas gerenciais

–Planejamento formal e informal

–Sistemas de controle e coordenação

–Relações informais

–Cultura

• Valioso

• Raro

• Imperfeitamente imitável

• Impossível de ser substituído

Atributos dos Recursos

Figura 5 – Framework para análise de alianças estratégicas como fontes geradoras de

vantagens competitivas sustentáveis (Adaptado de BARNEY, 1991)

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3 O CASO EMBRAER

3.1 A INDÚSTRIA AERONÁUTICA MUNDIAL

Uma vez compreendidos os fundamentos teórico-conceituais da literatura de

gestão apresentados acima, deve-se aprofundar o conhecimento sobre a empresa

analisada neste estudo de caso. Para isto é necessário antes analisar as

características da indústria aeronáutica, um subconjunto da indústria aeroespacial.

A indústria aeroespacial é um dos setores econômicos mais dinâmicos e de

grande importância para os países e empresas. Isto se deve a uma série de fatores,

tais como: tamanho do mercado, geração de empregos diretos e indiretos, facilitação

das atividades econômicas através do transporte de passageiros em larga escala,

questões de segurança nacional, desenvolvimento de tecnologia de ponta, entre

outros. Compõem a indústria aeroespacial os seguintes segmentos:

• Indústria de mísseis;

• Indústria de veículos espaciais; e

• Indústria aeronáutica:

- Fabricação de motores (grupos motopropulsores);

- Fabricação de aviônicos;

- Fabricação de aeronaves:

i. Fabricação de aeronaves militares:

1. Aeronaves militares de treinamento;

2. Caças;

3. Bombardeiros;

4. Aeronaves de patrulha e sensoriamento remoto;

5. Helicópteros;

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ii. Fabricação de aeronaves civis:

1. Aeronaves de pequeno porte:

a. Aeronaves de treinamento;

b. Aeronaves executivas;

c. Aviação geral (agrícola, esportiva, etc.);

2. Aeronaves de médio porte (regional aircraft):

a. Aeronaves de 10-20 lugares;

b. Aeronaves de 20-45 lugares;

c. Aeronaves de 45-120 lugares;

3. Aeronaves de grande porte (wide-body);

4. Helicópteros.

Este capítulo limita seu escopo à indústria aeronáutica, por ser a única das

indústrias descritas acima em que a Embraer atua de fato.

De acordo com estudo de Coutinho et al (1993), a indústria aeronáutica

atende a dois mercados, civil e militar, com dinâmicas competitivas bastante

diferenciadas. Segundo o estudo, para aeronaves militares, à semelhança do que

ocorre nos demais segmentos da indústria de armamentos, é o desempenho do

produto que orienta as decisões de aquisição, sendo a capacidade de inovação

fortemente influenciada por fatores externos à empresa. A diferenciação do produto

e a segmentação de mercado são estratégias inerentes ao setor de armamentos. Ao

contrário do que se verifica no mercado civil, onde as decisões de compra são

tomadas por companhias, o Estado é, no mercado militar, o único comprador.

Ainda segundo Coutinho et al (1993), a motivação estratégico-militar

determina a criação e manutenção do setor de fabricação de aeronaves. Além disso,

tal setor é considerado por muitos países uma locomotiva tecnológica, tendo em

vista os desdobramentos do desenvolvimento de alta tecnologia, que possuem

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aplicação em vários outros setores industriais. Nos países da OECD (Organização

para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, da sigla em inglês), com

exceção do Japão, o governo financia entre 30 e 70% dos gastos de P&D das

empresas do setor aeroespacial. Por fim, o setor gera empregos de alta qualificação.

Entre as principais características da indústria aeronáutica, ou de fabricação

de aeronaves, tanto civis como militares, podem ser citadas:

• Necessidade de atender a rígidos padrões de qualidade, desempenho e

confiabilidade;

• Elevado valor unitário e alto valor agregado;

• Grande parte da produção se dá por encomendas;

• Ciclo de vida do produto relativamente alto; e

• Custos elevados e crescentes de desenvolvimento tecnológico.

As considerações a seguir sobre a indústria aeronáutica têm por objetivo

fornecer elementos mais precisos para compreensão da trajetória percorrida pela

Embraer desde sua fundação e seu posicionamento nos dias atuais. Para Bernardes

(2000b), apesar das singularidades deste mercado nos últimos anos, com

intensificação da globalização, reestruturação produtiva e aceleração do progresso

técnico, tem-se presenciado a imposição das grandes tendências de competição,

alterando a lógica de funcionamento do setor e exigindo mudanças drásticas nas

formas de produção, financiamento e organização empresarial. De acordo com o

autor, tornou-se imperativa para a sobrevivência no setor a adoção de critérios tais

como o controle de custos, a flexibilidade, a integração e a busca frenética por

alianças estratégicas.

As reduções de gastos militares decorrentes do final da Guerra Fria e a

recessão do mercado de transporte aéreo civil nos anos 90 gerou intensa

competitividade no setor aeronáutico e pressões dos clientes sobre as empresas

produtoras de aeronaves civis e militares, motivando um profundo processo de

reestruturação produtiva e patrimonial. Tal processo culminou na formação de ondas

de incorporações, aquisições, fusões e alianças estratégicas.

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Já de acordo com Bernardes (2000a), as indústrias aeroespacial e

aeronáutica são caracterizadas pela alta densidade tecnológica e montantes

vultosos de investimentos efetuados em P&D pura, básica e aplicada. O

desenvolvimento e os grandes avanços do setor foram impulsionados no início pelo

surgimento da aviação comercial e, em grande parte, pela ocorrência da I e II

Guerras Mundiais e da Guerra Fria.

Dado o alto impacto na força militar e nos rumos de desenvolvimento

tecnológico de um país, a tecnologia aeroespacial é considerada estratégica pelos

países que a detêm, sendo extremamente incentivada e controlada pelos governos

através da organização de apoios institucionais e políticas de promoção de

exportações (por exemplo, subsídios no financiamento) e de aumento de

competitividade.

Os governos também atuam ativamente na proteção das indústrias

aeroespaciais instaladas em seus países através das políticas de compras

governamentais, dando preferência a empresas que geram empregos, tecnologia e

desenvolvimento internamente. Tais políticas são especialmente importantes para o

segmento de aviação militar. Alguns governos como os dos EUA e do Reino Unido

simplesmente se recusam a adquirir aeronaves militares de empresas que não

tenham estabelecido operações em seus países.

Como visto anteriormente, a indústria aeronáutica pode ser organizada em

três grandes grupos de empresas especializadas em segmentos distintos:

• Fabricantes de aeronaves ou da estrutura aeronáutica per se (também

conhecida por célula ou, equivocadamente, por fuselagem);

• Fabricantes de motores (também conhecido por grupo motopropulsor); e

• Fabricantes de aviônicos, que vêm a ser os sistemas eletrônicos das

aeronaves.

De acordo com Panhoca (1995), os fabricantes e montadores de células são

os principais aglutinadores da cadeia produtiva do setor aeronáutico, sendo

responsáveis pelo estudo e desenvolvimento do aparelho, da integração do produto

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final e de sua comercialização. Trata-se, portanto, da atividade mais nobre da cadeia

em toda a indústria. Dar-se-á um enforque maior acerca deste segmento adiante.

Já o segmento de motores caracteriza-se por ser um oligopsônio globalizado

(poucos vendedores e poucos compradores) composto pelos seguintes fabricantes:

General Electric (EUA), Pratt & Whitney (EUA e Canadá) e Rolls-Royce (Inglaterra)

e, em menor escala, a Snecma (França). Este segmento de mercado caracteriza-se

por possuir elevadas barreiras de entrada decorrentes do alto grau de complexidade

tecnológica e do montante exigido para o desenvolvimento de um motor, por muitas

vezes da mesma ordem de grandeza do desenvolvimento de um avião. Segundo

Bernardes (2000a), cada uma das três grandes empresas está vinculada a um

parceiro transatlântico: a GE possui uma joint venture bem-sucedida com a Snecma,

a Pratt & Whitney mantém aliança com a DASA (Daimler-Benz Aerospace) e a Rolls-

Royce adquiriu a Allison (EUA) e foi adquirida pela BMW (Alemanha).

Por fim, o setor de fabricantes de aviônicos caracteriza-se pela fragmentação

e atomização de milhares de empresas de pequeno e médio porte, ao contrário dos

setores de fabricantes de células e motores, que são verdadeiros oligopsônios

(poucos vendedores e poucos compradores). Segundo Panhoca (1995), em muitos

casos os fabricantes de aviônicos são divisões de grandes complexos eletrônicos

como a ITT, RCA, Bendix, Philips, Siemens, Thomson (atual Thales) e Garmin. Ao

contrário dos motores, muitas vezes desenvolvidos especificamente para uma

determinada aeronave, uma boa parte dos sistemas aviônicos não é projetada para

atender a uma determinada aeronave, mas podendo ser utilizada em várias delas.

Assim como os fabricantes de motores, os produtores de aviônicos costumam fazer

acordos comerciais ou de cooperação com os grandes construtores de aeronaves e

também com os clientes finais (empresas aéreas e forças aéreas).

De acordo com o estudo do MDIC (2002), a figura a seguir representa os

principais grupos constituintes da cadeia produtiva da indústria aeronáutica,

ressaltando a interação das atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre todos

os elos da cadeia:

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Figura 6 – Cadeia produtiva da indústria aeronáutica (MDIC, 2002)

O mercado civil também se caracteriza pelo alto valor unitário e adicionado

dos produtos e séries de fabricação relativamente reduzidas, possuindo alto ciclo de

vida (entre 10 a 15 anos nos países mais ricos e uma sobrevida em países mais

pobres). Outro detalhe importante no mercado civil é a assistência técnica e os

serviços de suporte pós-venda oferecidos pelos fabricantes.

Quando comparado à aviação militar, o setor civil caracteriza-se por ser

relativamente conservador, uma vez que não há normalmente inovações radicais,

mas incrementais e em torno de três critérios básicos: segurança, conforto e custos

operacionais. O lançamento de qualquer aeronave civil é direcionado para o

mercado internacional. A Europa contém aproximadamente 20% do mercado global

de aviação civil, os EUA 50% e os 30% restantes correspondem ao resto do mundo.

Outras características do setor civil atualmente, conforme descritas por

Bernardes (2000c), são apresentadas no quadro a seguir:

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Internos à Empresa • Marca • Design • Capacitação em P&D • Focalização em competências estratégicas • Inteligência competitiva: conhecimento de

mercado e clientes • Logística • Produtividade • Marketing • Qualificação dos recursos humanos • Suporte técnico • Estrutura de financiamento

Produto • Imagem • Time-to-market • Inovação • Fator de aversão a um determinado motor • Conceito da família • Conceito de comunalidade • Custo de aquisição por assento • Custo operacional (por assento e distância

percorrida) • Desempenho/despachabilidade

Mercado • Estrutura concentrada/oligopólio diferenciado • Focalização em nichos de mercado • Substituição de aeronaves turbo-hélices por

sistemas de propulsão a jato • Segmentação por necessidades técnicas • Compradores seletivos e restritos • Atendimento a especificações dos clientes • Global

Configuração da Indústria • Alianças Estratégicas • Economias de especialização • Interação com usuários • Sistema de ciência e tecnologia forte

Regimes de Incentivos e Regulação • Apoio ao risco tecnológico e à P&D • Subsídios governamentais • Incentivos fiscais e tributários • Proteção seletiva • Poder de compra do Estado • Crédito aos usuários e financiamentos às

exportações

Quadro 1 – Fatores Críticos de Competitividade na Indústria Aeronáutica Civil (BERNARDES,

2000c)

Desde os anos 50, o mercado de aviação civil era dominado por três firmas

norte-americanas: Boeing, McDonnell Douglas e Lockheed. Na época da criação do

consórcio europeu Airbus em 1970, os EUA contavam com 94% de participação de

mercado no setor de fabricação de aeronaves civis. Em menos de 5 anos, a

Lockheed saía do setor civil para concentrar seus esforços na fabricação de

aeronaves militares e a Airbus já passou a obter 15% do mercado (contra 56% da

Boeing e 25% da McDonnell Douglas).

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A Airbus beneficiou-se de uma política agressiva de apoio das nações

participantes do consórcio, proporcionando aporte de capital, execução de

processos intensivos de P&D, criação de programas de exportação agressivos e

instituição de política de compras governamentais em prol da nova empresa.

A consolidação do setor aprofundou-se ainda mais após a fusão da Boeing

com a McDonnell Douglas em 1997, que a esta altura contava com somente 5% de

participação de mercado. Assim, o mercado de aeronaves civis de grande porte

tornou-se na prática um duopólio constituído pela Boeing e pela Airbus.

A partir da desregulamentação do mercado de transporte aéreo norte-

americano, o maior do mundo, em 1978, prevaleceu a estratégia das linhas aéreas

conhecida por hub-and-spoke, em que os aeroportos das grandes cidades (por

exemplo, Nova York, Los Angeles, Dallas, Chicago e Atlanta) agem como hubs

(pontos centrais) e as menores cidades alimentam o fluxo de passageiro aos hubs,

otimizando assim a malha logística aérea, conforme pode ser visto através da figura

a seguir:

Figura 7 – Diferenças entre modelos logísticos de transporte aéreo

O modelo hub-and-spoke revolucionou a aviação mundial, praticamente

dividindo o setor de aviação civil em dois segmentos:

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• Grandes aeronaves, que atuavam principalmente na ligação entre os hubs; e

• Aeronaves regionais ou commuters, que atuavam principalmente nas ligações

entre as cidades de pequeno e médio porte e os hubs.

No caso do segmento regional, o fim da regulamentação nos EUA levou ao

acirramento da concorrência, forçando o ingresso de algumas empresas nas rotas

de curta distância. As projeções futuras indicam que, apesar da disputa aguerrida

entre Embraer e Bombardier, este é um dos mercados mais promissores e de

maiores margens de lucratividade do setor de fabricação de aeronaves.

Embora os EUA detenham posição importante no mercado de aeronaves de

grande porte com a Boeing, a participação de empresas norte-americanas no setor

de aviação regional não tem apresentado desempenho equivalente. Os governos

europeus apóiam com êxito suas indústrias de aviões pequenos, helicópteros,

motores e peças aeronáuticas, mas não possuem presença significativa na aviação

regional. Com isto, o mercado de aviação regional de aeronaves entre 20 e 70

lugares, e mais recentemente entre 70 e 120 lugares, é dominado por aeronaves de

outros países, em especial a brasileira Embraer e a canadense Bombardier. As duas

empresas sobreviveram ao massacre determinado pela crise do setor nos anos 90,

em que faliram, abandonaram o segmento de aviação regional ou foram adquiridas

empresas tradicionais como Fokker (Holanda), De Havilland (Canadá), Fairchild

(Alemanha), Saab (Suécia), Short Brothers (Irlanda do Norte) e British Aerospace

(Inglaterra).

Segundo Bernardes (2000a), em todos os países que produzem aeronaves o

mercado militar é o mais importante e apresenta fator determinante do

desenvolvimento tecnológico da indústria aeronáutica, e a alta intervenção estatal

deve-se a uma lógica de natureza militar. Outra característica importante é que, ao

contrário da aviação civil, em que as decisões de compra são tomadas por clientes

atomizados, ou seja, empresas de transporte aéreo, no mercado militar o Estado é o

único comprador. De acordo com Dagnino (1993) apud Coutinho et al (1993), a

aquisição de um equipamento ou aeronave militar decorre de um processo de

estudos e negociações que se inicia pela sua especificação genérica por parte de

um dos serviços das Forças Armadas, gerando a elaboração de um projeto de

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desenvolvimento, a construção de protótipos, um programa de testes, até sua

produção em escala industrial.

Atualmente, após intenso processo de consolidação em que se destacaram

as fusões e aquisições, as maiores empresas do setor aeroespacial militar são

praticamente todas de capital norte-americano: Lockheed Martin, Boeing, Raytheon

e Northrop Grumman. Ainda segundo Bernardes (2000a), na Europa Ocidental o

processo de reestruturação não avançou tanto como nos EUA. Ao invés de optarem

pelo caminho das grandes fusões e aquisições, as empresas vêm preferindo

formação de joint ventures em áreas específicas, como a Matra Marconi Space

(entre a francesa Lagardère e a britânica GEC) em satélites, a Thomson Marconi

Sonar (entre a francesa Thomson e a GEC) e a Eurocopter (entre a francesa

Aérospatiale e a alemã DASA) em helicópteros civis e militares. Dentre as empresas

européias, destacam-se ainda a British Aerospace e a Daimler-Benz Aerospace.

Atualmente, os EUA possuem cinco fornecedores de primeira linha de aviões

e helicópteros militares, a Europa tem dez, o que mostra a profundidade do processo

de consolidação que aconteceu entre as empresas norte-americanas.

O quadro a seguir demonstra o domínio dos EUA no mercado de setor

aeroespacial e de armamentos:

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Empresa País de origem Receita em aviação militar e armamentos (US$ bilhões)

Lockheed Martin EUA 19,39 Boeing / McDonnell Douglas EUA 17,90 Raytheon / Hughes / Texas Instruments EUA 11,67 British Aerospace Grã-Bretanha 6,47 Northrop Grumman EUA 5,70 Thomson França 4,68 Aérospatiale / Dassault França 4,14 GEC Grã-Bretanha 4,12 United Technologies EUA 3,65 Lagardère Groupe França 3,29 Daimler-Benz Aerospace (DASA) Alemanha 3,29 Direction dês Constructions Navales França 3,25 General Dynamics EUA 2,90 Finmeccanica Itália 2,59 Litton Industries EUA 2,40 Mitsubishi Heavy Industries Japão 2,22 General Electric EUA 2,15 Tenneco EUA 1,80 TRW EUA 1,71 ITT Industries EUA 1,56

Quadro 2 – Maiores empresas do mundo no setor aeroespacial militar e de armamentos em

1995 (BERNARDES, 2000a)

A Embraer atua unicamente na indústria de fabricação de aeronaves,

desenvolvendo aeronaves militares (AMX e ALX) e aeronaves de patrulha e

sensoriamento remoto (EMB 145 AEW&C, EMB 145 RS/AGS e P99); e aeronaves

civis corporativas (Legacy) e regionais (EMB 120, família ERJ 145, família ERJ

170/190). Além disso, a Embraer ainda desenvolve estruturas aeronáuticas para

outras empresas, como a Boeing e a Sikorsky, muito embora, com o sucesso de

suas aeronaves, a fabricação de componentes não mais seja uma prioridade para a

companhia.

Tendo compreendido a estrutura da indústria aeronáutica mundial, faz-se

necessária a descrição da trajetória histórica da Embraer e de suas alianças

estratégicas, conforme será apresentado no subcapítulo a seguir.

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3.2 A HISTÓRIA DA EMBRAER

3.2.1 A aviação brasileira antes da criação de uma indústria aeronáutica

competitiva

O Brasil sempre fora considerado um país com tradição aeronáutica. Alguns

estudiosos da aviação, como Hoffman (2004), atribuem a Alberto Santos-Dumont,

um filho de aristocratas nascido em Minas Gerais e cuja família possuía ascendência

francesa, a primazia do vôo autopropulsado.

Santos-Dumont, a despeito de toda a inútil polêmica sobre a paternidade da

aviação, foi um pioneiro e um gênio da engenharia aeronáutica. Além do 14-Bis, sua

mais famosa invenção, Santos-Dumont também foi um dos primeiros balonistas. Um

de seus principais feitos foi a invenção do balão N-6, o primeiro dirigível alado do

mundo, que espantou Paris em 19 de outubro de 1901. Também é atribuída ao

brasileiro a invenção de superfícies de controle cuja função é manter o equilíbrio

estático e dinâmico da aeronave, sem o qual o vôo torna-se impraticável.

Segundo Barros (2003), Santos-Dumont disputava com diversos inventores e

institutos europeus e americanos apoiados por investidores de risco a glória de se

tornar o primeiro ser humano a voar num artefato mais pesado que o ar, deixando o

chão com sua própria força, e cumprindo um rumo não aleatório ao capricho dos

ventos.

Devido ao alto número de patentes requisitadas no final do século XIX e o

nascimento de leis destinadas a fazer cumprir os direitos à propriedade intelectual,

não eram incomuns conflitos de interesse devido ao registro de patentes. Vários

inventores que vislumbravam objetivos comerciais para seus projetos preferiram a

segurança da reclusão, como os norte-americanos irmãos Wright, que faziam todos

os seus ensaios aeronáuticos em sigilo. Este tipo de atitude, amparada por

investimentos cada vez maiores em pesquisa e desenvolvimento que não podiam

ser perdidos pelo puro “amor à ciência”, foi, mais que exceção, a regra.

Alberto Santos-Dumont, entretanto, foi uma exceção. Filho de família

abastada e sem investidores capitalistas por trás de seus projetos aeronáuticos,

Santos-Dumont não dava maiores atenções à propriedade de patente de seus

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inventos, logo não possuindo necessidade de trabalhar em silêncio, escondido dos

concorrentes e da incipiente comunidade científica da aviação. Assim, desde o início

de suas atividades, colocou gratuitamente à disposição do público os projetos e

patentes de seus inventos.

O desprendimento de Santos-Dumont poderia ser considerado o prenúncio da

aviação brasileira na primeira metade do século XX, de muitas tentativas e poucos

sucessos comerciais.

Santos-Dumont, apesar da falta de aptidão e desejo em transformar suas

conquistas científicas em sucessos comerciais, entendia a importância do papel que

as aeronaves desempenhariam no futuro. No início, poucos vislumbravam o

potencial comercial da aeronáutica. Os irmãos Wright, por exemplo, tiveram que se

deslocar para a Europa, onde o novo invento despertava entusiasmo e onde havia

maior potencial comercial para os aviões. Em 1909 foi desenvolvido um contrato de

aviação seriada entre a Wright Brothers Aeroplanes Company (WBAC) e a Short

Brothers, da Irlanda do Norte, pioneira na Europa. A Short Brothers viria a se tornar

um importante parceiro comercial da Embraer no futuro.

Já em 1906, ano do vôo do 14-Bis, o brasileiro Santos-Dumont confidenciava

aos fabricantes de material e de motores, membros da Sociedade de Engenheiros

Civis do Aeroclube da França e da Academia de Ciências de Paris, o importante

papel que ele antevia para os dirigíveis e aviões. Recomendava, assim, a criação de

instituições de ensino que pesquisassem aerodinâmica, materiais, estruturas,

motores e meteorologia. Tais conselhos seriam repetidos também no Brasil, no

período de 1915 a 1918, em seus pronunciamentos orais e escritos, procurando

atrair a atenção de membros do governo para a oportunidade que surgia.

Em seu livro “O que vi, o que veremos”, Santos-Dumont registrou a idéia de

criação de uma escola técnica no Brasil voltada para a capacitação de projeto e

fabricação aeronáutica, antevendo a criação de um centro de excelência que só se

concretizaria cerca de trinta anos mais tarde3, nas mãos de um outro visionário.

3 Trecho do livro de Santos-Dumont (1918): "É tempo, talvez, de se instalar uma escola de verdade em um campo adequado... Margeando a linha da Central do Brasil, especialmente nas imediações de Mogi das Cruzes, avistam-se campos que me parecem bons. Os alunos precisam dormir junto à Escola, ainda que para isso seja necessário fazer instalações adequadas... Penso que, sob todos os

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Em 1931, dois tenentes da Aviação Militar do Exército Brasileiro, Nélson

Freire Lavenére-Wanderley e Casimiro Montenegro Filho, saíram do Rio de Janeiro

e chegaram a São Paulo conduzindo uma mala postal com 2 cartas. Nascia assim o

Correio Aéreo Militar (CAM), posteriormente denominado Correio Aéreo Nacional

(CAN), e que desempenharia papel importantíssimo na integração nacional,

possibilitando a presença do Governo Federal nos mais distantes rincões brasileiros.

O Tenente Casimiro Montenegro Filho, posteriormente possuiria um papel de

liderança fundamental na criação do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) e do

Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que gerariam as bases para a posterior

criação da Embraer, como será visto mais à frente.

Até então, todas as tentativas de fabricar uma aeronave brasileira possuíam

em comum o insucesso comercial total ou parcial, impedindo a consolidação de uma

indústria aeronáutica pujante no Brasil. A maioria das empresas criadas para a

construção de aeronaves ou só fabricava o protótipo, ou vendia não muitas

unidades, normalmente ao governo.

Em 1942, Francisco “Baby” Pignatari, que ficou conhecido como um dos mais

famosos playboys brasileiros, montou uma empresa de fabricação aeronáutica

chamada Companhia Aeronáutica Paulista (CAP). Em 1943, voava o CAP-4, mais

conhecido como Paulistinha. O governo brasileiro, através do Ministro da

Aeronáutica Salgado Filho, e o Governo do Estado de São Paulo, através do

interventor Adhemar de Barros, subsidiou a compra de aeronaves Paulistinha por

parte de aeroclubes de todo o país. O Paulistinha seria ainda lançado por uma nova

empresa fundada em 1953, a Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva, de

Botucatu (SP), em uma versão alterada, chamada Paulistinha P-56, construído em

1956. Ao contrário de seus antecessores, o Paulistinha foi uma das poucas

aeronaves genuinamente brasileiras a apresentar sucesso industrial e comercial,

embora restrito ao Brasil.

pontos de vista, é preferível trazer professores da Europa e dos EUA, em vez de para lá enviar alunos. Meu mais intenso desejo é ver verdadeiras Escolas de Aviação no Brasil. Ver o aeroplano, hoje poderosa arma de guerra, amanhã meio ótimo de transporte, percorrendo as nossas imensas regiões, povoando nosso céu, para onde, primeiro, levantou os olhos o Pe. Bartolomeu Lourenço de Gusmão“.

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O quadro a seguir, apresentado por Cabral & Braga (1986) apud Bernardes

(2000a), detalha o saldo da aviação brasileira em sua fase pré-Embraer:

Período Modelo Produção Fabricante Protótipo Henrique Lage e Muniz 1936 M-7 26 Fábrica Nacional de Aviões 1 1937 M-9 40 Fábrica Nacional de Aviões 1 1940-41 HL-1 108 Cia. Nacional de Navegação

Aérea 1

1942-48 HL-6 60 Cia. Nacional de Navegação Aérea

1

Grupo Pignatari 1942-43 CAP-1 Planalto 9 CAP 1 1945 CAP-3 8 CAP 1 1943-48 CAP-4 777 CAP Neiva e Aerotec 1945-58 Neiva-B2* 20 Neiva 1952-56 Neiva-B1* 4 Neiva 1956-66 Paulistinha-56 280 Neiva 1961-66 Regente 80 Neiva 1968-71 Regente-Elo 40 Neiva 1965-79 T-25 160 Neiva 1965-77 T-23 150 Aerotec Fábrica do Galeão 1940-42 1 FG 40 Fábrica do Galeão 2 FG 25 Fase alemã (Focke-Wulf) 1944-47 3 FG 220 Fábrica do Galeão 1947-53 5 FG 68 Fase americana (Fairchild) 1953-59 Gloster Meteor 70 TF-7 10 Fábrica do Galeão S-11 (T-21) 100 Fase holandesa (Fokker) S-12 (T-22) 35 Fase holandesa (Fokker)

* Planadores

Quadro 3 – Aeronaves construídas ou montadas no Brasil na fase pré-Embraer (CABRAL &

BRAGA, 1986)

Em 1945, o Ten.-Cel. Casimiro Montenegro Filho, pioneiro do Correio Aéreo

Nacional (CAN), vai aos EUA em missão oficial, visitando diversas bases aéreas

norte-americanas. Lá é procurado por um oficial da FAB (Força Aérea Brasileira) que

cursava Engenharia Aeronáutica no prestigioso Massachussets Institute of

Technology (MIT) e que sugeria a Casimiro que procurasse o Prof. Richard H. Smith,

chefe do Departamento de Aeronáutica daquele instituto.

A replicação de uma instituição como o MIT em outro país era há anos uma

aspiração do Prof. Smith e uma necessidade real para o Brasil, de acordo com a

visão de Casimiro Montenegro Filho. Assim, no encontro que tiveram, ambos viram

aumentar as possibilidades de concretização de seus ideais. Ainda em 1945, o Prof.

Smith chega ao Rio de Janeiro, dando início ao plano que daria origem ao CTA e ao

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ITA, inspirado no MIT, um plano que posteriormente ficaria conhecido como plano

Montenegro-Smith.

Segundo Silva (1998), o plano consistia em assegurar a operação de uma

instituição ampla e baseada num tripé considerado fundamental para o

desenvolvimento de uma indústria aeronáutica: ensino, pesquisa e indústria. Os

idealizadores acreditavam, e o tempo provou-os certos, que para a criação de uma

indústria aeronáutica no país, seria necessária a criação de uma escola de alto nível.

Por esta razão, completa Silva (1998), o Centro Técnico iniciou exatamente pelo ITA,

através de um convênio firmado com o MIT. O objetivo era muito claro: formar

engenheiros aeronáuticos. Vários professores americanos do departamento de

engenharia aeronáutica do MIT vieram para o Brasil, bem como profissionais

extremamente respeitados de outros países, como o engenheiro alemão Henrich

Focke, um dos fundadores da fábrica Focke Wulf de aviões. Henrich Focke veio para

o Brasil em 1951, montando uma equipe de quarenta integrantes, entre profissionais

que vieram com ele da Focke Wulf e alguns estrangeiros já radicados no Brasil,

como Joseph Kovacs. Segundo Cabral & Braga (1986) apud Bernardes (2000a),

Kovacs, um húngaro radicado no Brasil após a II Guerra Mundial, trabalhou no IPT

(Instituto de Pesquisas Tecnológicas), na Neiva e transferiu-se para a Embraer em

1973, sendo considerado um dos projetistas mais brilhantes da história da indústria

aeronáutica brasileira e o principal responsável pela concepção do T-25 Universal da

Neiva e do T-27 Tucano da Embraer.

Posteriormente outros institutos foram sendo agregados ao CTA: o Instituto de

Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), o Instituto de Fomento e Coordenação

Industrial (IFI), o Instituto de Atividades Espaciais (IAE) e o Instituto de Estudos

Avançados (IEAv).

No início da década de 50, o CTA (através do IPD), já fiel à sua vocação de

projeto e construção de aeronaves, engajou-se no projeto de duas aeronaves

avançadas, o Convertiplano e o Beija-Flor. Tais projetos foram liderados por um

grupo de engenheiros e especialistas alemães radicados no Brasil após a II Guerra

Mundial (SILVA, 1998; CASSIOLATO ET AL, 2002). O primeiro era um

revolucionário avião de decolagem vertical, capaz de voar horizontalmente com boa

velocidade, o que não era possível para os helicópteros da época. O segundo era

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um novo modelo de helicóptero, baseado em mecânica inovadora. Silva (1998) cita

que o preço de tal arrojo foi o fracasso de ambos os projetos, que estavam em total

desacordo com o desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira da época,

ainda engatinhando. Foram passos maiores que as próprias pernas da incipiente

indústria. Tais fracassos, nota o autor, criaram uma resistência muito grande ao

desenvolvimento de projetos pelo IPD, o que quase acabou com o projeto do

Bandeirante antes mesmo do seu desenvolvimento. Os fracassos, entretanto,

serviram de lição para o futuro: o desenvolvimento deveria partir de um projeto

aeronáutico simples, mas que tivesse demanda suficiente para obter sucesso

comercial.

De acordo com Silva (1998), já em 1961, 11 anos após a formatura da

primeira turma de engenheiros do ITA em São José dos Campos (SP), a cidade

escolhida para a instalação do CTA já ensaiava os primeiros passos de sua vocação

aeroespacial. Naquele ano, nascia a Avibrás, empreendimento de um grupo de

engenheiros formados pelo ITA. O primeiro projeto da empresa, de nome Alvorada,

foi formalmente contratado pelo CTA, sendo aproveitado pelo IPD sob a sigla IPD

6101. Posteriormente, projetou e produziu o Falcão, um pequeno avião de

treinamento, também adquirido pela FAB.

Durante a década de 60, havia várias as empresas trabalhando com intenção

de fabricar aeronaves. Conforme esperado, quase todas eram lideradas por

engenheiros formados pelo ITA, como idealizado por Casimiro Montenegro Filho.

O entusiasmo dos pioneiros, entretanto, nem sempre se revertia em empresas

financeiramente saudáveis. Mais comuns eram os fracassos ou a total dependência

de encomendas do Governo Federal, através da FAB. Segundo Silva (1998), as

empresas falhavam em conseguir conquistar um segmento de mercado comprador,

exceto o governo, e este, devido às suas limitações orçamentárias, nunca conseguia

manter ordens de aquisição suficientes para a vida contínua de uma linha de

produção. Um estudo do MDIC (2002) corrobora esta hipótese, citando que diversas

empresas da cadeia produtiva da indústria espacial brasileira ainda são totalmente

dependentes das aquisições governamentais.

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Segundo Austin (1990), só em 1965 foi iniciado um projeto em escala

significativa, realizado pelo IPD e liderado pelo então Capitão Ozires Silva,

diplomado pelo ITA em 1962. A proposta consistia num pequeno avião turbo-hélice

que substituísse os antigos Beech-18 da frota de transporte da FAB. Devido ao

ceticismo gerado pelos fracassos dos projetos Convertiplano e Beija-Flor, o Ministro

da Aeronáutica autorizou a proposta sob a condição de que fosse “sem custo” para a

FAB, ou seja, não exigisse nenhuma verba do orçamento ministerial.

A solução encontrada para levantar essas verbas seguiu caminhos sinuosos,

através da Diretoria de Material (DM) do Ministério da Aeronáutica. Naquela época o

Brig. Oswaldo Baloussier, da DM, desejava que o CTA estudasse a adaptação de

motores turbo-hélice aos aviões T-6 em uso na FAB. O próprio Ozires Silva relata

que, caso essa solução fosse factível, poderia dar vida nova àqueles aviões, cuja

robusta estrutura resistiria ainda a muitos anos de serviço ativo. A FAB deu-se por

satisfeita com a proposta de adaptação de sua frota de T-6, convencendo a DM a

pagar o salário do experiente engenheiro aeronáutico francês Max Holste e sua

equipe, de forma que se transferissem para o Brasil. Ozires, por sua vez, convenceu

Max Holste a fazer as duas coisas ao mesmo tempo: o estudo do novo T-6 e o

projeto do novo avião bimotor.

Ozires Silva, com o apoio do CTA, agora dirigido pelo Brigadeiro Paulo Victor

da Silva, também formado pelo ITA, alocou Max Holste e sua equipe no IPD. O CTA

arcou com vários custos do projeto, principalmente sob a forma de utilização de seus

laboratórios e instalações, garantindo assim o critério estabelecido pelo Ministro da

Aeronáutica de que o projeto deveria ser “sem custo” para a FAB (muito embora isto

fosse um mero artifício administrativo, visto que o CTA era uma organização da

própria FAB). Para Austin (1990), dada a forma complicada como o projeto do

Bandeirante foi financiado, ninguém sabe dizer ao certo quanto seu desenvolvimento

realmente custou.

O apoio do Brig. Paulo Victor da Silva, chefe do CTA, foi importantíssimo,

principalmente depois que a DM da FAB retirou seu apoio financeiro, ao notar a

inviabilidade do projeto de adaptação da frota de T-6 e que parte das verbas que

designara para aquele estudo tinha sido usada para subsidiar o desenvolvimento de

outra aeronave.

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Max Holste, por sua vez, não era exatamente a pessoa mais confiante na

idéia dos oficiais da FAB em desenvolver um avião brasileiro. A maioria dos projetos

anteriores nunca saíra da prancheta dos desenhistas. Como ele próprio confessou

depois, não acreditava muito na capacidade industrial de um país ainda em

desenvolvimento como o Brasil.

O encontro de Max Holste com Ozires Silva ocorreu num momento muito

favorável, quando o Ministério da Aeronáutica buscava um substituto nacional para

as aeronaves médias de transporte em uso nas empresas brasileiras de aviação

comercial. Era a época em que vigorava a doutrina de substituição de importações e

qualquer esforço no sentido de fabricar no Brasil produtos que comumente eram

importados do exterior era apoiado, buscando assim reverter situações

desfavoráveis na balança comercial. Segundo Silva (1998), o governo federal

controlava os principais investimentos e colocava-se na posição de promotor

principal do desenvolvimento econômico, centralizando as decisões.

Um ano antes, em 1964, o próprio Ministério encomendara um estudo sobre a

viabilidade de ser criada, no Brasil, uma linha de produção para aeronaves leves de

transporte com motores turbo-hélice, como o Fokker F-27, o Avro HS-748, o Dart

Herald e o Convair-550. Todos estes aparelhos, entretanto, eram muito grandes e

complexos para a capacidade industrial do Brasil, que ainda dava seus primeiros

passos. A adaptação de um modelo já existente de propriedade de Max Holste, o

Broussard Major, era inviável, pois esta aeronave era muito pequena e rústica para

os requisitos estabelecidos pela FAB. A solução era um modelo intermediário, de

nome IPD-6504, que mais tarde se transformaria no Bandeirante, um nome sugerido

pelo Brig. Paulo Victor, embora fosse esta uma palavra de difícil pronúncia para

estrangeiros.

De fundamental importância no projeto do IPD-6504 foi a especificação da

aeronave. Estava claro para os principais responsáveis pelo projeto que, mais que

um avião projetado segundo técnicas aeronáuticas avançadas, ele deveria atender a

uma demanda específica do mercado. Silva (1998) cita que nas considerações

iniciais foram considerados diversos clientes em potencial e não só o governo. Além

deste, foram cogitados como clientes em potencial as linhas aéreas de transporte de

passageiros e de carga, os operadores privados, os serviços aéreos especializados,

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etc. Foi identificada, então, uma tendência no transporte aéreo brasileiro: cada vez

mais o domínio passava a ser dos aviões de grande porte, capazes de oferecer

custos operacionais mais baixos e, assim, maiores margens. Mas o fenômeno do

aumento do tamanho das aeronaves resultava num número cada vez menor de

cidades com privilégio de serem servidas por linhas de transporte aéreo regular.

Além disso, essas cidades menores não possuíam os recursos para prover

instalações aeroportuárias necessárias para a operação de grandes aeronaves.

Assim, o poder público ficava sob pressão constante de suas pequenas

comunidades, desejosas por usufruir as benesses do transporte aéreo. Este

verdadeiro nicho de mercado, que estava sendo abandonado pelos grandes

fabricantes de aeronaves, foi identificado pelos pioneiros do que viria a ser a

Embraer e a resposta para esta oportunidade foi o projeto do IPD-6504.

Com o anteprojeto da aeronave (ou seja, sua especificação) já em estágio

avançado, os engenheiros do IPD começaram a ser sondados por empresas

fabricantes de motores, que já tinham conhecimento do interesse do governo

brasileiro em desenvolver uma aeronave. Três possibilidades foram analisadas

criteriosamente: o motor PT-6 da Pratt & Whitney (P&W) canadense, o motor

Aztazou da Turbomeca francesa e um motor de fabricação soviética. Segundo Silva

(1998), esta última opção foi abandonada devido às disputas da Guerra Fria e

devido à vontade da Embraer de competir por uma fatia do mercado mundial com

aquela aeronave, o que desaconselhava a aquisição de uma parte tão importante do

avião com um fornecedor “comunista”. O escolhido acabou sendo o motor PT-6, o

que posteriormente se mostrou bastante acertado, pois facilitou o acesso da

empresa ao mercado dos EUA (já que a P&W canadense era uma subsidiária da

empresa americana de mesmo nome).

Os pioneiros do IPD adotaram uma postura cautelosa no desenvolvimento

dos principais sistemas da aeronave. Como a experiência prática no projeto de

aeronaves comerciais era escassa, não fazia sentido internalizar todo o projeto.

Parecia ser melhor concentrar-se no desenvolvimento do projeto e de algumas

estruturas e sistemas selecionados (para os quais houvesse comprovada expertise

técnica) e terceirizar a produção de vários sistemas para fornecedores capacitados.

Segundo Silva (1998), muitas vezes o IPD viu-se diante do difícil dilema de

internalizar o desenvolvimento e produção ou terceirizá-lo. Como os recursos para o

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programa eram escassos, dava-se preferência à terceirização ou mesmo a utilização

de algo que já estava instalado em algum dos aviões da FAB. Além disso, a escolha

por empresas consagradas para projetar e produzir sistemas para a aeronave, ao

invés da produção interna, também era uma escolha lógica sob o ponto de vista da

assistência técnica aos operadores aéreos.

Como visto anteriormente, o setor aeronáutico pode ser organizado em três

grupos de empresas especializadas em segmentos distintos: célula, motores e

aviônicos. Os fabricantes de célula, também conhecidos por fabricantes de

fuselagem, são os principais aglutinadores da cadeia produtiva do setor,

normalmente responsáveis pelo estudo e desenvolvimento da aeronave e da

integração das partes num produto comercializável, bem como do esforço de

comercialização.

Assim, tendo em vista o desenvolvimento de capacidade tecnológica dos seus

recursos humanos, fazia todo o sentido para a Embraer focar no desenvolvimento de

células e na integração final de todos os sistemas. Nenhum fabricante desenvolve os

motores de suas aeronaves nem os principais sistemas aviônicos, deixando esta

tarefa para as empresas especializadas. Deve ser enfatizado que o desenvolvimento

do projeto da aeronave provavelmente é a atividade mais nobre da indústria, ou seja,

a de maior valor agregado. De acordo com Bernardes (2000a), apesar da Embraer

ter focado na integração de sistemas e projeto da aeronave, ela dominava e domina

completamente as diversas especificidades e fases técnicas dos subsistemas, sem,

no entanto, fabricá-los. Porém possui a capacidade de combinar e adaptá-los

conforme as necessidades do projeto e de mercado.

Desta forma, diz Silva (1998), era claro para os empreendedores a decisão de

nunca verticalizar a produção quando fosse possível terceirizá-la. Isto

posteriormente acabou rendendo diversas críticas de leigos ao projeto Bandeirante,

que não o viam como um produto genuinamente nacional. Tais críticas por vezes

eram sustentadas pela visão da época que estimulava a substituição de

importações. Sem uma licença de importação emitida pela CACEX (Carteira de

Comércio Exterior, uma agência governamental responsável pelas transações do

Brasil com outros países), nada podia ser importado. Havia até pressão da imprensa

e da opinião pública a respeito do “Índice de Fabricação Nacional” do IPD-6505,

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definido como percentual da relação entre os pesos dos componentes nacionais e o

peso total do equipamento. Isto gerava distorções graves na análise do projeto IPD-

6504. Por exemplo, não faz sentido um fabricante de aviões projetar os motores, um

item particularmente pesado e, como não havia (e não há) fabricantes nacionais de

motores aeronáuticos, estes deveriam ser necessariamente importados. Os

questionadores, obviamente, não se davam por convencidos, e as críticas

continuavam. Segundo Bernardes (2000a), na estratégia delineada para a Embraer,

o controle de tecnologia por meio da capacidade de integrar eficazmente sistemas

produzidos por diferentes fornecedores sempre foi interpretado como uma meta mais

importante que o aumento do índice de nacionalização.

Para Dagnino (1993) apud Coutinho et al (1993), se as autoridades

governamentais brasileiras tivessem perseguido a miragem do índice de

nacionalização, nos anos noventa ela poderia ter chegado próximo aos 50%, mas

este fator teria implicado na adoção de uma estratégia tecnológica completamente

diferente. Os custos poderiam tornar-se proibitivos e o tempo de entrada no mercado

(time-to-market) seria certamente maior, pois tal estratégia implicaria na reprodução

de todo o ciclo de desenvolvimento dos países desenvolvidos.

Assim, seguindo esta filosofia de terceirizar sempre que possível o projeto de

sistemas, o IPD selecionou a Collins, um renomado fabricante norte-americano, para

o desenvolvimento do sistema de aviônica (eletrônica da aeronave). O sistema de

freios foi terceirizado para a francesa ERAM, por indicação de Max Holste, e os

pneus foram desenvolvidos pela norte-americana Goodyear de acordo com as

especificidades que as futuras operações do Bandeirante requereriam, como

campos de pouso mal preparados e pisos irregulares e esburacados.

Segundo Austin (1990), apesar de algumas complicações, o projeto do IPD-

6504 foi terminado a tempo, e a fabricação de seu primeiro protótipo começou em

1966. Em 1968, diz Silva (1998), na presença de autoridades e jornalistas, abriu-se a

porta do hangar do CTA e foi oficialmente apresentado o Bandeirante. Fez um vôo

curto, de poucos minutos, mas o suficiente para demonstrar que o projeto havia

dado resultados. Em 1969 uma série de ensaios foi realizada, reafirmando as

qualidades da aeronave e dando base para seu sucesso comercial no futuro.

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O protótipo da aeronave estava lançado e funcionava bem. Agora, os

empreendedores do IPD buscavam lançar as bases para a fabricação seriada do

avião. Primeiramente, buscaram realizar extensivos ensaios em vôo com a finalidade

de assegurar a confiabilidade da aeronave em relação aos padrões exigidos. Em

paralelo, tiveram vários encontros com autoridades em que proferiram palestras,

num trabalho de convencimento acerca da importância do projeto e da necessidade

da implantação de uma fábrica para a produção em série. Promoviam também

demonstrações com o protótipo do Bandeirante em todo o país, buscando maior

visibilidade junto ao público. Tal procedimento, embora não sendo correto sob o

ponto de vista técnico (pois uma aeronave não homologada não deveria realizar

vôos de demonstração), foi muito útil para vender a idéia de que o país agora

possuía capacidade real de produzir aviões.

Neste ínterim, Max Holste, o francês chefe técnico do projeto do IPD-6504, já

tendo passado por vários atritos com as lideranças brasileiras do projeto, entre elas

Ozires Silva, resolve desistir de continuar a trabalhar para o governo brasileiro e

volta à França. Ele é imediatamente substituído pelo engenheiro Guido Pessotti, que

viria a ser o diretor técnico da Embraer por muitos anos.

No caminho para criar uma verdadeira empresa fabricante de aeronaves, os

empreendedores do IPD decidiram que não poderiam depender de um único

produto. Partiram então para a diversificação. A pedido do Ministério da Agricultura,

que havia elaborado estudos identificando uma forte demanda por uma aeronave

agrícola, o IPD passou a projetar um avião destinado à pulverização de inseticidas e

defensivos agrícolas. O próprio Ministério da Agricultura investiu recursos no projeto

de desenvolvimento da aeronave, de certa forma eximindo o Ministério da

Aeronáutica e o IPD desta responsabilidade.

Com poucos riscos envolvidos neste projeto agrícola, o IPD levou-o em frente

sob o nome IPD-6909, o que resultou no desenvolvimento do Ipanema (futuramente

EMB-200), um monomotor de asa baixa, de alta confiabilidade para as baixas

altitudes em que deveria voar. Novamente, a filosofia de terceirizar sempre que

possível a produção de componentes e subsistemas, aplicada ao projeto

Bandeirante, também foi utilizada no projeto Ipanema. O motor escolhido, por

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exemplo, era fabricado pela norte-americana Lycoming e a hélice era fabricada pela

Hartzell, também dos Estados Unidos.

Com dois projetos de bom potencial em suas mãos, sendo que um já

funcionando como protótipo e o outro subsidiado pelo governo através do Ministério

da Agricultura, os empreendedores do IPD intensificaram os contatos com o

governo, procurando estabelecer as bases para a criação de uma empresa

aeronáutica que fugisse da sina dos empreendimentos aeronáuticos do Brasil até

então: a construção de um protótipo que não conseguia ser levada à produção em

série e à comercialização. Segundo Silva (1998), o governo, através do Ministério da

Aeronáutica, e os responsáveis pelo projeto do Bandeirante estavam convencidos de

que o projeto deveria ser fabricado e comercializado, e que a solução deveria ser

através de propriedade e gestão privadas. Convencer o empresariado, entretanto,

mostrou-se tarefa impossível. A solução, então, foi estabelecer a empresa como

uma “Sociedade de Economia Mista”, sob a forma de uma entidade de direito

privado e moldada segundo a Lei das Sociedades Anônimas, embora controlada

pelo Poder Público.

Ozires Silva, o responsável pelos projetos no IPD, ficou responsável também

por selecionar a aeronave para reequipar a frota de caças supersônicos da FAB.

Paralelamente, como contrapartida, solicitariam a proposta de fabricação no Brasil,

sob licença, de aviões a jato de treinamento e de emprego tático para a Academia

da Força Aérea (AFA), escola de treinamento dos pilotos da FAB. Após pesquisa, as

aeronaves que figuravam como alternativas para o reaparelhamento foram as

constantes do quadro a seguir:

País Avião de Combate Avião de Treinamento

Inglaterra BAC Lightning BAC 167 Strikemaster

Suécia SAAB Draken SAAB 105

França MD Mirage III Fouga Magister

Itália Lockheed 104* Aermacchi 326G

* Fabricado sob licença pela Fiat Aviation, de Torino.

Quadro 4 – Aeronaves cogitadas para aquisição da FAB no início dos anos 70 (SILVA, 1998)

Então, os empreendedores do IPD, apoiados pelo Brig. Paulo Victor do CTA,

apresentaram ao Ministro da Aeronáutica um plano composto por duas propostas: a

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aquisição do avião de combate supersônico, bem como a fabricação do Bandeirante,

em conjunto com a produção, sob licença, do avião de treinamento no Brasil.

Aprovado pelo Ministro da Aeronáutica, a esta altura convencido da possibilidade de

desenvolvimento de uma indústria aeronáutica competitiva no país, restava

convencer os principais membros da área econômica do governo.

Apoiados agora pelo Ministro da Aeronáutica (Márcio de Souza e Mello), os

empreendedores do IPD agendaram, então, uma reunião com membros do alto

escalão governamental, como os Ministros da Fazenda (Delfim Netto), da Indústria e

Comércio (Macedo Soares) e o Secretário-Geral do Ministério do Planejamento

(Marcus Vinicius Pratini de Moraes). Na pauta da reunião, duas apresentações,

exatamente as mesmas que foram propostas anteriormente ao Ministro da

Aeronáutica: o reaparelhamento da frota de caças da FAB através da aquisição dos

supersônicos estrangeiros e o projeto de fabricação do Bandeirante em conjunto

com a produção da aeronave de treinamento no Brasil.

Com o apoio do Ministro da Aeronáutica, foi possível convencer os membros

do governo da importância da formação desta indústria aeronáutica no país. Em

reuniões posteriores, chegou-se a uma solução para a criação da empresa:

capitalizá-la através de um mecanismo de incentivo fiscal pelo qual qualquer

empresa do país que desejasse poderia abater 1% do seu imposto de renda,

aplicando igual quantia na compra de ações da nova empresa (GHEMAWAT ET AL,

2000). Nesta época, surgiu o nome Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica),

que seria utilizado pela companhia pelo resto de sua vida.

Neste sentido, vale acrescentar que o apoio do governo brasileiro, ao longo

da história da Embraer, foi crucial para o seu sucesso. Para Bernardes (2000a),

desde o início a empresa contou com apoio farto e continuado do Estado, sem

precedentes na história do desenvolvimento tecnológico e industrial brasileiro, seja

através de benefícios e incentivos fiscais, políticas governamentais de compra, seja

no fomento para realização de pesquisa básica e aplicada. Em grande parte, cita o

autor, essa experiência foi viabilizada graças ao apoio governamental a centros e

institutos de excelência como o CTA e o ITA.

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Ainda segundo Bernardes (2000a), o alto apoio governamental é justificado

pelo nível de complexidade, refinamento e rápida obsolescência tecnológica dos

produtos. Uma outra justificativa utilizada para legitimar o apoio estatal é o fato do

setor aeroespacial atuar como gerador de inovações de processos e produtos para

outros setores, transferindo para o âmbito comercial de outros setores avanços que

elevam o bem-estar da sociedade. Ademais, as atividades aeroespaciais estariam

relacionadas ao uso intensivo de força de trabalho extremamente qualificada,

resistindo à automação em face da baixa escala de produção, criando empregos de

altíssimo nível em todas as etapas produtivas, ao passo que outros setores passam

por tendências acentuadas de automatização da produção ou utilização de mão-de-

obra menos qualificada. Além destas, há a motivação estratégico-militar, cujos

defensores percebem as indústrias aeronáuticas, mesmo as de caráter civil-

comercial, como potenciais fabricantes de produtos militares num eventual esforço

de guerra e estoque de recursos humanos extremamente preparados para o

desenvolvimento de armamentos, caso necessário.

De acordo com Dagnino (1993) apud Coutinho et al (1993), ao contrário da

implantação da indústria automobilística (em que empresas transnacionais

ocuparam o nível mais elevado da atividade industrial), a Embraer foi concebida

como uma estatal e como uma montadora final, que se dedicaria exclusivamente à

montagem de aviões por meio da materialização de um projeto aeronáutico

concebido internamente, evidenciando o comprometimento governamental no

desenvolvimento da incipiente indústria aeronáutica brasileira. Coincidentemente,

pela ausência de uma indústria aeronáutica forte contando com empresas

fornecedoras, a Embraer por diversas vezes recorreu no Brasil às indústrias

automobilísticas para fornecimento de alguns materiais e componentes para a

produção de aeronaves.

Para compreender a estratégia da Embraer em ser uma montadora de

aeronaves, deve-se retroceder até à experiência das corporações transnacionais

automobilísticas e à instalação desta indústria no Brasil durante o governo JK.

Segundo Bernardes (2000a), tais empresas controlavam o nível mais elevado da

atividade produtiva industrial, a montagem final. Tal estratégia permitiu a essas

empresas o controle de todo o complexo produtivo, dirigindo assim a cadeia de

fornecedores em toda sua extensão.

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Desta forma, a estratégia inicial da Embraer era ser uma montadora final,

dedicando-se exclusivamente à montagem de aviões endogenamente concebidos,

tendo assim condições de determinar o desenvolvimento do setor aeronáutico no

Brasil. Ao fazê-lo, a empresa renunciou aos sonhos dos primeiros anos da indústria

aeronáutica brasileira de construir um avião completo, com motores, componentes,

peças e aviônicos totalmente nacionalizados, privilegiando o domínio e a

capacitação tecnológica em áreas como aerodinâmica, fuselagem e integração de

projeto (BERNARDES, 2000a; BERNARDES, 2003; CASSIOLATO ET AL, 2002). Os

esforços foram direcionados para capacitação em projeto e integração do mix de

componentes. A empresa desde o seu início investiu pesadamente na qualificação

de seus engenheiros em aerodinâmica, estruturas aeronáuticas, projeto, processos

de fabricação e integração de componentes.

Segundo Cassiolato et al (2002), a aquisição de competência técnica na

fuselagem era considerada estratégica para o futuro da companhia. De acordo com

entrevistas com gestores seniores da empresa, a competência era “a única área em

que o know-how requerido não podia ser obtido satisfatoriamente fora do Brasil”.

Esta competência era considerada condição essencial para a autonomia da empresa

em projeto de produto e o eventual sucesso como uma integradora de sistemas e

montadora de aeronaves. Esta abordagem, segundo os autores, provou-se essencial

para o futuro da Embraer, pois permitiu aprender as tecnologias mais importantes da

indústria aeronáutica e criar oportunidades de mercado.

Através do Decreto-Lei 770, o Presidente Costa e Silva, ao final de 1969,

declarou criada a Embraer, faltando somente a Assembléia Constitutiva da empresa,

que se realizou no dia 29 de dezembro de 1969. A Embraer nasceu como uma

empresa de economia mista na qual a União detinha, por exigência legal, pelo

menos 51% do capital votante (GHEMAWAT ET AL, 2000). Para a efetiva operação

da empresa, entretanto, ainda faltava muito: decisões estratégicas como sua a

localização e como convencer empresas a aproveitarem os benefícios fiscais

oferecidos de forma a capitalizar a Embraer ainda eram desafios a serem superados.

Além disso, a Embraer não possuía quase nenhum capital de giro para iniciar suas

operações. Segundo Silva (1998), existiam duas alternativas plausíveis para

começar a operar: um forte aporte de capital pela União Federal (improvável) ou a

compra, por parte da FAB, de cem Bandeirante, além dos jatos estrangeiros de

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treinamento (fabricados pela Embraer sob licença), aquisição esta que já estava

sendo analisado pelo Estado-Maior.

Foi assim que a década de 60 acabou, abrindo espaço para novos desafios a

serem enfrentados na década de 70. Lutando contra estes desafios encontravam-se

os pioneiros da Embraer e o sonho brasileiro de montar uma empresa fabricante de

aviões.

3.2.2 Década de 70: a decolagem da Embraer

Com toda sua operação já funcionando, a Embraer precisava gerar receitas

rapidamente, afinal havia uma folha de pagamento a honrar ao final de cada mês,

além de outros custos fixos importantes, que não poderiam ser cobertos no longo

prazo somente pelo aporte de capital feito pelas empresas estimuladas pela isenção

fiscal. Segundo Bernardes (2000a), a empresa iniciou suas atividades contando com

um quadro efetivo de 150 funcionários (todos provenientes do CTA), num terreno de

700.000 m2. A Embraer tinha que vender, e rápido. A melhor alternativa para uma

empresa que começava do nada era continuar com as negociações com a FAB,

para aquisição de aeronaves Bandeirante, dos caças supersônicos e das aeronaves

de treinamento produzidas sob licença.

Depois de extensas análises, a Embraer recomendou que a FAB adquirisse

as aeronaves da Aermacchi (MB-326G), bem como cem aviões Bandeirante.

Posteriormente este se mostraria um movimento acertado, pelo tanto que a empresa

brasileira incorporou de aspectos em que a italiana apresentava excelente

desempenho, como, por exemplo, na assistência técnica e know-how de produção,

fatores vitais para qualquer empresa aeronáutica.

Outro fator crucial foi contar com pessoal técnico qualificado. Uma empresa

que compete em um setor baseado em conhecimento como o aeronáutico não se

pode dar ao luxo de ter uma força de mão-de-obra não-qualificada ou inexperiente.

Segundo Silva (1998), foi necessário convencer os funcionários do IPD a abandonar

a tranqüilidade da carreira como funcionários públicos para empreender junto à

Embraer.

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Em maio de 1970, a FAB decidiu pela aquisição das aeronaves MB-326G da

Aermacchi, num significativo contrato de compra de 112 aviões. A transferência de

tecnologia foi um dos pré-requisitos para a compra: foram requeridos 600 homens-

mês à Aermacchi, projetando e ajudando a Embraer não somente na produção dos

112 MB-326G (posteriormente EMB-326G Xavante) como dos próprios Bandeirante.

Pode-se dizer que a opção estratégica da Aermacchi de licenciar a sua aeronave à

Embraer tornou imprescindível a vinda para o Brasil de especialistas italianos, que

vieram auxiliar pessoalmente a produção local, num claro processo de transferência

de tecnologia e repasse de conhecimento aos engenheiros e técnicos da Embraer.

Segundo Silva (1998), alguns engenheiros italianos acabaram por naturalizarem-se

brasileiros em conseqüência deste programa e incorporaram-se à Embraer,

verificando a importância das formas de aprendizado por contratação (learning by

hiring).

Para Bernardes (2000a), o projeto do Xavante possibilitou à empresa o seu

primeiro know-how de produção em série, através do contrato de cooperação com a

Aermacchi. De acordo com Sbragia & Terra (1993), o Xavante vinha em kits para

serem montados no Brasil, desta forma permitindo à Embraer o aprendizado sobre o

funcionamento de uma linha de produção em série. À medida que ia aprendendo

técnicas eficazes de produção para o Xavante, a Embraer as aplicava na linha do

Bandeirante.

Além do contrato dos Xavante, também foi assinado o contrato de aquisição

de Bandeirante, no total de oitenta aeronaves (menos que as cem inicialmente

previstas, mas ainda assim bastante significativo). O Ministério da Agricultura, por

sua vez, fez um pedido de cinqüenta aeronaves Ipanema.

Segundo Bernardes (2000a), as encomendas dos Bandeirante, Xavante e

Ipanema correspondiam a aproximadamente oito anos de produção da Embraer, a

uma cadência razoável de produção de duas aeronaves por mês. O uso do poder de

compra governamental foi, portanto, fator indispensável para o início das operações

da empresa e continuidade em seus primeiros anos de vida.

Em paralelo às vendas, eram construídas as instalações fabris da empresa,

adquiridas máquinas utilizadas no processo de fabricação, recrutados funcionários

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(principalmente do IPD) e projetadas novas aeronaves, pois, de acordo com Silva

(1998), o Bandeirante comercializado era uma aeronave bastante diferente do

projeto original no qual foram inspirados os primeiros protótipos.

Ainda segundo Silva (1998), desde o início havia o interesse em estabelecer

no país uma base forte para a indústria aeronáutica, composta de fornecedores que

pudessem atender às demandas da Embraer. Inspiravam-se na realidade norte-

americana, em que milhares de empresas habilitam-se a fornecer à indústria

aeronáutica nos mais diversos elos da cadeia de fornecimento, desde matérias-

primas até componentes e sistemas aeronáuticos sofisticados. Da mesma forma, há

uma quantidade muito grande de empresas prestando serviços aeronáuticos aos

grandes fabricantes norte-americanos do setor.

Esta realidade, entretanto, mostrou-se impossível de ser estabelecida no

Brasil, por uma série de fatores. A pretendida horizontalização da produção da

Embraer foi um processo difícil e complicado de ser implementado, pois as

empresas fornecedoras não possuíam capital para investir em máquinas para a

produção, a escala ainda era muito pequena para justificar os investimentos e a

qualidade exigida muito alta, fazendo com que o processo produtivo tornasse-se

economicamente inviável para pequenas empresas eventualmente interessadas em

participar da cadeia de fornecimento da Embraer.

Já para Bernardes (2000a), a empresa brasileira criou extensa rede de

fornecedores, promovendo esquemas interativos de pesquisa e desenvolvimento

(P&D), em especial em desenvolvimento da área de engenharia eletrônica.

Ainda de acordo com Silva (1998), apesar das dificuldades, algumas

empresas, principalmente empresas montadas por engenheiros do ITA, passaram a

fazer parte do incipiente pool de fornecedores nacionais da Embraer. Era claro para

os diretores da Embraer que a empresa seria muito lenta se tentasse internalizar

toda a produção.

Assim, iniciaram-se conversas que resultaram em entendimentos comerciais,

como com a AVITEC Indústria Aeronáutica, uma empresa do Rio de Janeiro, que

recebeu importantes encomendas da Embraer para a produção de superfícies de

controle do Bandeirante, como ailerons, leme de direção e profundores, bem como

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os flaps. Outro exemplo é encontrado na Sociedade Aerotec, para a qual foi

terceirizada a produção de toda a estrutura básica da fuselagem do Ipanema. Várias

outras empresas passaram a trabalhar como fornecedoras da Embraer, dentre as

quais a Aeromot, Aeroservices, Alcan, Avibrás, Bendix, Blindex, Bosch, Brasinca,

Devilbiss, D.F. Vasconcelos, Goodyear, Ermeto e Elebra. Muitas destas empresas

logo perceberam que os baixos volumes não compensavam os altos investimentos,

principalmente em qualidade e certificações oficiais, e abandonaram de vez suas

atividades na indústria aeronáutica.

A menos das encomendas iniciais para a FAB, os dirigentes da Embraer logo

perceberam as dificuldades encontradas na venda das suas aeronaves. O problema

não era exatamente a qualidade técnica das mesmas, mas um fator fundamental

para o sucesso na indústria aeronáutica mundial: o financiamento das vendas.

A indústria aeronáutica é caracterizada pela comercialização de um produto

de alto valor agregado, cuja venda movimenta quantias significativas, normalmente

milhões de dólares. O avião pode ser caracterizado como uma mistura de bem de

consumo durável e bem de capital, ou seja, um meio que leva ao aumento da

capacidade produtiva. Tendo em vista os altos montantes relativos à aquisição de

aeronaves, as vendas quase sempre incluem um modelo de financiamento oferecido

ao comprador, em que o fabricante atua como elemento credor.

As dificuldades da Embraer em financiar as aeronaves acentuavam-se ainda

mais levando em conta o ambiente econômico-financeiro do Brasil na década de 70,

em que inflação em nível muito alto era comum, inviabilizando a participação de

bancos comerciais na concessão de créditos de longo prazo a taxas de juros

competitivas em relação às adotadas no exterior. Assim, a única fonte de

financiamento disponível era o BNDE (posteriormente BNDES), único órgão que

poderia auxiliar a Embraer a equalizar as deficiências estruturais encontradas nas

taxas de juros brasileiras.

Outra dificuldade enfrentada referia-se à tributação. Segundo Silva (1998),

nas vendas para a FAB, o problema ainda não tinha sido percebido, pois as

entidades governamentais normalmente gozam de isenções de impostos. Mas ao

iniciar o esforço de vendas para o mercado privado, a Embraer notou que, embora

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as aeronaves importadas usufruíssem isenção de imposto de importação e de ICM

(Imposto de Circulação de Mercadorias), os produtos nacionais não tinham acesso a

essas benesses. No início, a Embraer também sofreu com a carga tributária do IPI

(Imposto sobre Produtos Industrializados), da qual posteriormente, após longa

reivindicação, tornou-se isenta, ainda que por prazo determinado. O autor expõe que

as aeronaves da Embraer carregavam até 30% sobre o valor do produto em

impostos, sendo esta somente uma amostra das dificuldades que uma empresa

como a Embraer, almejando competir mundialmente, enfrentava com o emaranhado

fiscal brasileiro e com a elevada carga tributária brasileira.

Em 1971, a Embraer teve homologadas (i.e. certificadas) suas aeronaves

EMB-200 Ipanema e EMB-110 Bandeirante, habilitando-as para serem vendidas ao

mercado privado nacional. Assim, a empresa iniciou seu esforço de comercialização,

adotando inicialmente uma estratégia horizontal de vendas, ou seja, estabelecendo

parcerias com empresas independentes, que se tornariam representantes da

Embraer para uma determinada região. Aliás, esta era a mesma estratégia utilizada

por empresas de aviação geral como a Cessna, a Piper e a Beechcraft.

Entretanto, apesar das dificuldades em financiar as vendas e à carga tributária

adversa, nem tudo eram problemas. A Embraer contou com o apoio do Ministro da

Aeronáutica, Brig. Joelmir Araripe Macedo, em negociações para venda de

aeronaves Bandeirante à VASP e à Transbrasil. Finalmente, em 1973, a Embraer

concretizava a venda de seis Bandeirante à Transbrasil. Posteriormente, foi

realizada a venda de mais cinco Bandeirante à VASP.

Ao final de 1973, a Embraer organizou, em São José dos Campos, o I Salão

Internacional Aeroespacial do Brasil. Embora não tenha sido possível aproveitar o

evento para realizar vendas, principalmente devido à falta de homologação

internacional do Bandeirante e do Ipanema, a Embraer conseguiu contatos valiosos

com fornecedores internacionais, que, vendo ares promissores para aquela nova

empresa, intensificaram suas visitas comerciais.

Segundo Dias (2002), em 1975, mediante decreto governamental, foi

estabelecido o Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR), que dividiu

o país em cinco regiões, cada uma a ser operada por uma empresa de transporte

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aéreo. Desta iniciativa, surgiram quatro empresas, a TABA (Transporte Aéreo da

Bacia Amazônica), a Nordeste, a TAM, a Rio-Sul e a Votec. A estas empresas,

foram oferecidas linhas de financiamento extremamente favoráveis para a aquisição

de Bandeirante, que era ideal para este tipo de operação regional. Segundo os

estudos de Bernardes (2000a) e Dias (2002), o resultado deste tipo de incentivo

governamental foi a venda de cinqüenta e duas aeronaves Bandeirante para essas

linhas aéreas regionais.

Ainda em 1975, a Embraer recebeu a visita de Frederick W. Smith, então

CEO da Federal Express (FedEx), dos Estados Unidos. A empresa já pensava

naquela época em formar frota própria para transporte de malotes expressos. O

interesse da FedEx em adquirir até seiscentas aeronaves Bandeirante justificou,

dada a atratividade do pacote, uma série de modificações no projeto, prontamente

implementadas pela Embraer. Segundo Silva (1998), esta modificação foi apenas

uma das várias versões elaboradas para a aeronave, dando à Embraer

oportunidades comerciais muito mais amplas que as que se poderia obter com a

configuração original. A versatilidade e capacidade de adaptação da Embraer era um

dos grandes trunfos da empresa. De acordo com Austin (1990), a empresa chegou a

fabricar até nove versões diferentes do Bandeirante.

Corria o ano de 1973 e a Embraer decidiu que o mercado brasileiro de aviões

leves (também chamado de aviação geral), o segundo maior do mundo, perdendo

apenas para o norte-americano, justificaria a entrada da empresa neste segmento.

No mercado brasileiro, dominavam os aviões leves norte-americanos, da Cessna

Aircraft Company, da Beech Aircraft Corporation e da Piper Aircraft Aviation

Corporation. Tais empresas monopolizavam o mercado do Brasil devido à qualidade

de suas aeronaves, às suas excelentes infra-estruturas de assistência técnica e suas

equipes de vendas.

Inicialmente, a empresa chegou a cogitar o projeto de modelos próprios para

competir com as empresas norte-americanas, mas logo ficou claro que, apesar da

capacidade do Departamento Técnico sob o comando do Eng. Guido Pessotti, não

seria possível projetar e desenvolver vários modelos de aviões diferentes para

atender uma demanda diversificada como a da aviação geral. Assim, ficou claro que

a estratégia a ser seguida era a negociação com os fabricantes pré-estabelecidos

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para a aquisição de direitos de produção de seus produtos no Brasil. A Embraer foi

bastante incentivada pelo governo brasileiro a avançar no mercado de aviação leve,

pois havia muita preocupação com o aumento no número de aeronaves leves

importadas, de 300 aviões em 1972 para 529 em 1973, ou seja, mais de 76%, e o

decorrente estrago nos resultados da balança comercial.

Assim, segundo Silva (1998), a Embraer iniciou as negociações com a

Cessna, a Beech e a Piper. A Cessna, em meados da década de 70, era a empresa

líder no mercado de aviação geral no Brasil. Possuía modelos de elevado apelo

comercial, como o Cessna 172 Skylane ou 206 Skywagon. O Brasil, como segundo

maior mercado de aviação geral do mundo, era parcela significativa das vendas da

Cessna. Talvez por isso, dada a sua liderança no mercado, a empresa tenha

decidido que não fazia sentido buscar uma estratégia de cooperação, diferente da

que vinha seguindo até então.

A Beech, por sua vez, possuía uma linha de produtos diferente das outras

empresas, com aeronaves maiores que seus concorrentes, normalmente mais caras

e pouco adaptáveis à operação em um país tropical, de clima quente. As

conversações também não foram para frente, por desinteresse mútuo.

Por fim, iniciaram-se as negociações com a Piper, na época a segunda maior

vendedora de aviões leves no Brasil. A empresa havia atravessado uma série de

dificuldades financeiras, pois os descendentes de William T. Piper, que estava no

comando da empresa, não aparentavam ter vocação gerencial. Houve uma troca de

comando e os Piper assumiram posições consultivas, deixando a gestão para

profissionais. Este era o panorama da empresa com a qual a Embraer iniciou

negociações em 1973. A Piper possuía muito interesse em desbancar a Cessna

como a líder no mercado brasileiro, e encarava as negociações com a Embraer

como uma ótima oportunidade para galgar maior participação no mercado. De

acordo com Silva (1998), as negociações foram demoradas, terminando somente em

1975, com a assinatura de contrato de parceria. No contrato, foram definidos os

modelos dos aviões a serem produzidos no Brasil e as condições da parceria,

procurando assim atender as mais diversas demandas da aviação geral. Segundo

Bernardes (2000a), a proposta da Piper foi a vencedora, pois ofereceu maiores

benefícios à Embraer em relação à transferência de tecnologia, utilização de rede

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internacional de representantes e ausência de pagamentos de royalties. Foram

escolhidos as principais aeronaves da Piper, tornando-se conhecidas no Brasil

como:

• EMB-170 Carioca, derivado do Piper Pathfinder PA-28-235;

• EMB-711 Corisco, derivado do Piper Arrow II PA-28R-200;

• EMB-720 Minuano e EMB-721 Sertanejo, derivados do Piper Cherokee

“Six”;

• EMB-810 Seneca, derivado do Piper Seneca II PA-34-200T; e

• EMB-820 Navajo, derivado do Piper Navajo Chieftain PA-31-350.

A produção seria realizada a partir de kits (conjuntos semi-acabados)

enviados pela Piper, o que garantia a agilidade na linha de montagem. Rapidamente,

as aeronaves da Piper produzidas pela Embraer começaram a ser vendidas em

larga escala, mostrando o acerto da escolha estratégica pela empresa brasileira.

Devido à aliança com a Embraer, até o final da década de 70 a Piper passaria a

Cessna em número de aeronaves vendidas no mercado brasileiro de aviação leve.

Logo após a formalização do acordo, o governo brasileiro elevou as tarifas

alfandegárias para as aeronaves leves estrangeiras de 7% para 50%, basicamente

garantindo o sucesso da parceria Embraer-Piper em detrimento da ex-líder Cessna e

da Beech.

Vale salientar que esta estratégia de capacitação tecnológica da Embraer

utilizada a partir da década de 70, procurando aprender através das parcerias, foi

extremamente adequada. Como destacou Cabral (1987), “planejadas ou não, as

decisões foram sendo tomadas dentro de uma seqüência bastante lógica quanto ao

processo de desenvolvimento tecnológico. Em primeiro lugar, a empresa adquire

capacitação em projetos em função da forma de transferência de tecnologia

ocorrida. Simultaneamente, faz-se um contrato de produção sob licença com o qual

se ganha muita tecnologia de fabricação (programa Xavante). Em seguida, celebra-

se um acordo com a Piper onde (sic) os benefícios se prendem mais aos aspectos

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de comercialização e assistência técnica, completando, em linhas gerais, o processo

de desenvolvimento e aprendizado tecnológico”.

Entretanto, defende Bernardes (2000a), apesar desta ter sido uma fase

caracterizada por uma estratégia de desenvolvimento, aprendizado e capacitação

tecnológica de sucesso, a empresa não punha a análise do desempenho entre suas

principais preocupações. A falta de controle de aspectos como custos, desprezados

por muito tempo, acabariam levando a empresa à crise que sobre ela se abateria no

futuro.

A parceria com a Piper não traria somente benefícios comerciais. A empresa

também adquiriu capacitação em marketing e vendas na medida em que foi tendo

contato com outras empresas de maior experiência. A assinatura do contrato com a

Piper foi, neste sentido, um evento marcante, possibilitando à Embraer o treinamento

adequado de sua força de vendas nas principais técnicas de comercialização do

mercado aeronáutico. Para Bernardes (2000b), os benefícios deste acordo com a

Piper destinaram-se mais para estratégias de marketing, comercialização e apoio ao

produto do que para a tecnologia de produção propriamente dita. Todo o sistema de

distribuição da Embraer teve como ponto de partida o sistema de distribuição da

Piper.

Logo nos primeiros anos, era claro para a Embraer que a empresa não se

viabilizaria financeiramente se ficasse restrita ao mercado brasileiro. Era obrigatório,

portanto, a conquista de espaço no mercado externo. O marco inicial da busca por

clientes estrangeiros foi a participação da empresa em 1971 no 29º Salão

Internacional de Aeronáutica de Paris, no Aeroporto de Le Bourget. Auxiliados pelo

Itamaraty e pelos fornecedores franceses do Bandeirante, como a Erca (sistema

elétrico), ERAM (trem-de-pouso e sistema hidráulico) e a Marston (tanques de

combustível), a Embraer montou seu stand na feira aeronáutica, uma participação

que seria mantida ininterruptamente até a grave crise da empresa no início dos anos

90. Vários contratos de venda seriam fechados em Le Bourget, o que justificava a

presença da empresa na feira. Segundo Silva (1998), a participação da Embraer nas

feiras aeronáuticas, em particular na de Le Bourget, deixou claro que a empresa só

obteria sucesso em suas vendas ao exterior se passasse pela chancela de órgãos

certificadores, num processo regulatório denominado homologação, ou certificação,

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que é requerido pelos órgãos estrangeiros equivalentes ao Departamento de

Aviação Civil (DAC) brasileiro, entre eles o Federal Aviation Administration (FAA)

norte-americano. Sem homologação, não é possível vender ou operar uma

aeronave. Portanto, sem a homologação do FAA, seria impossível vender nos

Estados Unidos e, conseqüentemente, tornar-se uma empresa competitiva no

mercado global de aviação.

Desta forma, após a homologação no Brasil, fazia sentido buscar a

homologação norte-americana do Bandeirante, o avião com maior potencial

comercial dentre todas as aeronaves da Embraer no início da década de 70. Foi

assim que em 1975 a Embraer deu entrada no processo de homologação junto ao

órgão público norte-americano. Apesar de diversos entraves técnicos colocados pelo

FAA na homologação do Bandeirante – segundo alguns, nada menos que barreiras

não-tarifárias ao produto brasileiro, que despontava como um potencial concorrente

de empresas americanas –, a Embraer logrou homologá-lo três anos depois do início

do processo, em 1978.

Em paralelo ao processo de homologação nos Estados Unidos, a Embraer

buscava vender o Bandeirante a países que aceitassem a homologação brasileira,

expedida pelo CTA. O Uruguai adquiriu, em 1975, cinco Bandeirante e dez Ipanema,

configurando-se na primeira exportação brasileira de aeronaves Embraer. Logo

após, em 1976, a Embraer fechou contrato com o Chile para a venda de duas

versões militares do Bandeirante. Assim, de acordo com Silva (1998), na medida em

que buscava a homologação nos Estados Unidos, a Embraer concentrava seu

esforço de venda nos países periféricos que aceitavam a homologação brasileira do

Bandeirante.

Segundo Bernardes (2000a), o esforço pela internacionalização não é à toa.

Por um lado, nenhum país, fora os Estados Unidos, possui mercado com tamanho

suficiente para justificar os custos de desenvolvimento de uma aeronave. Por outro

lado, os parâmetros de desempenho e segurança para a homologação das

aeronaves são estabelecidos por acordos internacionais. Assim, mesmo que se

produzisse uma aeronave com foco somente no mercado interno, seria obrigatório

projetá-la de acordo com os critérios de homologação internacionais.

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Além disso, para Dosi et al (1990) a internacionalização justifica-se não só

pela busca de escala, mas também de acesso a tecnologias. Como praticamente

não é relevante a noção de propriedade intelectual ou patente industrial para

controle de desenvolvimento tecnológico no setor aeronáutico, as empresas são

forçadas a se internacionalizarem para não verem cópias similares às suas

aeronaves sendo lançadas por outras empresas. A título de exemplo, cita Bernardes

(2000a), nem 5% dos componentes de uma aeronave Boeing são patenteados. Além

do mais, a formação oligopolista do setor faz com que a defesa de inovações

tecnológicas sob a forma de patentes não seja prioritária.

Em 1975, a Embraer deu um passo importante na sua busca perene por

tecnologia aeronáutica de ponta. Segundo Bernardes (2000a), com a aquisição de

aeronaves F-5 da Northrop Aircraft pela FAB e a imposição do Governo de

contrapartidas comerciais (offset), a empresa brasileira foi indicada pela FAB como

responsável pela fabricação da empenagem vertical dos F-5 e alguns componentes

deste avião. Assim, a Embraer adquiriu importante capacidade tecnológica nas

áreas de soldagem metal-metal, materiais compostos e no uso de máquinas de

controle numérico.

Já em 1978, com a homologação americana quase em mãos, a Embraer

buscava as homologações de outros países desenvolvidos, como França, Alemanha

e Inglaterra. Na época, os serviços de homologação em países europeus ainda não

eram unificados como hoje, sob a tutela do Joint Aviation Authorities (JAA) europeu.

Para a homologação inglesa, a Embraer utilizou a experiência da empresa

CSE Aviation, localizada em Oxford (Inglaterra). A CSE também participou

ativamente das vendas da Embraer no exterior, auxiliando na venda de aviões da

empresa para seis empresas inglesas e duas sauditas. Analogamente, a Embraer

utilizou os serviços da Compagnie Générale de Aviation (CGA) na França, para

facilitar seu processo de homologação no órgão regulador francês, empresa esta

que depois passou a representar a Embraer em vendas para empresas aéreas

francesas ou de países francófonos.

Nos Estados Unidos, uma empresa desempenhou um papel similar ao da

CSE e CGA e crucial para a entrada definitiva da Embraer neste que era o maior

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mercado de aviação do mundo. Devido a restrições do FAA à homologação de uma

empresa estrangeira como a Embraer, foram levantadas fortes barreiras

determinando que a empresa brasileira só seria homologada se houvesse alguma

empresa aérea americana operando o Bandeirante, sob a justificativa de “proteção

ao dinheiro do contribuinte norte-americano”. Era claro, entretanto, que isso levava a

um círculo vicioso: a Embraer não conseguia vender a nenhum operador norte-

americano, pois não obtinha a homologação do Bandeirante, e não conseguia a

homologação do Bandeirante porque não conseguia vender a nenhuma linha aérea.

Para resolver esta barreira intencional criada pelo governo norte-americano através

do FAA, a Embraer aliou-se a um empresário norte-americano chamado Robert

Terry, que criou uma pequena empresa chamada Aero Industries e uma subsidiária

chamada Mountain West Airlines. A Mountain West encomendou os três primeiros

Bandeirante do mercado norte-americano.

Segundo Silva (1998), o acordo de venda dos Bandeirante à Mountain West

Airlines foi amarrado à exclusividade de vendas da aeronave nos Estados Unidos e

a um fee por aeronave vendida. Apesar de preferir estabelecer por si própria uma

subsidiária nos Estados Unidos, o que seria feito alguns anos depois, a Embraer não

tinha alternativa, já que dava uma importância muito grande ao processo de

homologação do Bandeirante. A Aero Industries e Robert Terry possibilitaram a

quebra do círculo vicioso, em 1979.

Como imaginado, a Aero Industries não possuía estrutura suficiente para

atender todo o mercado norte-americano a contento. Segundo Silva (1998), “os

Bandeirante inicialmente comercializados nos Estados Unidos não eram vendidos,

mas comprados”. Mesmo assim, a demanda foi intensa. Deve-se levar em

consideração que a Embraer também teve sorte: as crises do petróleo de 1973 e

1979-81 contribuíram para o sucesso de uma aeronave turbo-hélice, já que a

operação de aviões a jato, que consomem mais combustível que os turbo-hélices,

tornou-se muito custosa. Segundo Panhoca (1995), o Bandeirante, bem mais

econômico que um jato, era um dos poucos projetos turbo-hélices disponíveis. O

Bandeirante realmente era um avião privilegiado para o incipiente mercado de

commuter (aviação entre cidades de pequeno porte). Dentre seus poucos

concorrentes (ou seja, aeronaves de dez a vinte passageiros), destacavam-se o

Twin Otter da De Havilland (Canadá) e o Beechcraft 99 da Beech Aviation Company

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(EUA). Porém todos eles possuíam custos operacionais bem mais altos que os da

aeronave brasileira. Alguns estudiosos do setor nem chegavam a considerar o

Beechcraft 99 como um competidor direto do Bandeirante, somente considerando o

Twin Otter como a outra aeronave pertencente a este nicho.

Em 1977, a Embraer identificou uma ótima oportunidade para projeto de avião

militar de treinamento para a FAB, cujos jatos T-37 fabricados pela Cessna e

utilizados na formação dos pilotos brasileiros em dois anos não mais contariam com

fornecimento de peças de reposição. Isso deixava ao Ministério da Aeronáutica duas

alternativas: investir pesadas somas para adquirir uma quantidade significativa de

peças para estoque ou abolir o uso do T-37 no treinamento dos pilotos militares

brasileiros. Embora a FAB tivesse sérias dúvidas sobre a capacidade da Embraer

em produzir uma aeronave adequada para tal missão, a empresa apresentou uma

proposta extremamente atrativa, o EMB-312, posteriormente denominado Tucano,

um avião turbo-hélice de asas baixas e pilotos em tandem (um à frente do outro),

equipado com motores Pratt & Whitney PT-6 e com bom desempenho para vôo em

baixas velocidades. A opção por um turbo-hélice mostrou-se acertada, ao contrário

da tendência verificada à época de forças aéreas utilizarem jatos para treinamento

de seus pilotos militares. Os turbo-hélices apresentavam consumo relativamente

baixo de combustível em comparação aos jatos, além de custos de manutenção bem

menores. As duas crises do petróleo ocorridas na década de 70 e as previsões

tenebrosas de especialistas a respeito das reservas de petróleo disponíveis para

exploração no futuro contribuíram como mais um forte argumento da Embraer junto

à FAB.

O Tucano foi um avião tecnicamente impecável. Soluções tecnológicas

criadas pela Embraer, como o controle de aeronave turbo-hélice com manete única

ou as capotas da aeronave projetadas em CAD (Computer Aided Design) através de

perfis de cônicas, tornaram-se padrão para a aviação militar, sendo copiadas por

vários de seus concorrentes e demonstrando a alta qualidade de desenvolvimento

tecnológico da empresa. Em 1980, o protótipo do Tucano voava pela primeira vez.

Tendo adicionado soluções inovadoras e as principais sugestões dos oficiais da

FAB, a Embraer foi contemplada em 1982 com uma encomenda de 118 unidades do

Tucano e uma opção de compra de mais 50 aeronaves. A aeronave foi rebatizada

pela FAB como T-27, seu nome militar no Brasil.

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Segundo Silva (1998), a necessidade de produzir o EMB-312 Tucano para

atender a encomenda da FAB fez com que a Embraer tivesse que expandir sua

capacidade de produção, já que a fabricação do Bandeirante, nessa época a pleno

vapor, encontrava-se num ritmo de seis aeronaves por mês.

Uma aeronave militar tão boa e revolucionária como o Tucano certamente não

ficaria restrita somente ao mercado brasileiro. Logo o governo do Egito anunciou a

aquisição de 120 unidades da aeronave e mais 60 opções de compra (num total de

US$ 181 milhões, a maior venda internacional da Embraer até então). Além disso,

uma fábrica no Cairo ficaria responsável por fabricar sob licença 40 aeronaves

Tucano, a serem vendidos para o Iraque.

A Embraer também buscou participar da concorrência de substituição dos

aviões Jet Provost, antigos jatos de treinamento da RAF (Royal Air Force) da Grã-

Bretanha. A concorrência na Grã-Bretanha dava-se da mesma forma que em

qualquer outro país desenvolvido que fabrique aviões: um produto estrangeiro só é

considerado como concorrente válido se estiver associado a um fabricante nacional,

gerando empregos no território deste país. Assim, a Embraer aliou-se à irlandesa

Short Brothers para competir na licitação com o Tucano, que seria fabricado sob

licença pela parceira britânica. Em 1985, após dois anos trabalhando por este

cliente, a Embraer anunciou a venda de 130 unidades do Tucano. Foi a primeira

venda de equipamento militar de uma empresa brasileira para um membro da OTAN

(Organização do Tratado do Atlântico Norte). Diante de tantas modificações exigidas

pela RAF britânica, o Tucano acabou recebendo o nome de Super Tucano,

possuindo mais potência que a aeronave original, hélice com cinco pás, cabine

pressurizada, eletrônica de vôo com displays de cristal líquido modernos e assentos

ejetáveis.

Segundo Bernardes (2000a), apesar de tantas adaptações às exigências do

cliente, levando a aumentos substanciais do custo unitário, a Embraer não promoveu

alterações no preço final do Tucano para a RAF. Tal atitude refletia a disposição da

empresa brasileira em atender a demanda dos consumidores e aumentar suas

próprias capacidades tecnológicas, mesmo que sob risco de prejuízo na operação

comercial. Segundo o estudo do Office of Technology Assessment (1991) do

Congresso norte-americano, o Tucano vendeu mais de seiscentas aeronaves em

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todo o mundo, tornando-se o líder em vendas dentre as aeronaves turbo-hélices de

treinamento militar.

Em 1979, o governo federal, como acionista controlador da Embraer, ordenou

à empresa a aquisição da Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva, que se

encontrava em dificuldades financeiras e enfrentava reais possibilidades de falência.

Procurando restaurar a rentabilidade da empresa, a Embraer transferiu a

responsabilidade pela produção do Ipanema para a Neiva, embora mantivesse a

marca Embraer e utilizasse a estrutura de vendas da empresa em São José dos

Campos. Fechou-se o escritório da Neiva em São José dos Campos, concentrando

suas atividades em Botucatu. Em 1982, surgiu a oportunidade de criar uma variante

do EMB-820 Navajo, fabricado sob licença da Piper. O novo avião, que passou a se

chamar Neiva N-821 Carajá, teve substituídos os motores a pistão do Navajo original

por motores turbo-hélices, oferecendo ganhos significativos de desempenho

operacional. Embora tenha feito algum sucesso, o Carajá não alcançou sucesso

absoluto pela falta de pressurização, que então já se tornava um diferencial

importante na aviação.

3.2.3 Década de 80: a expansão internacional consolidada

A década de 80 foi um período que iniciou com grande crescimento da

empresa, principalmente em virtude da consolidação de sua liderança no mercado

doméstico e do sucesso de sua estratégia de conquista de mercados externos,

principalmente o norte-americano. Com as suas aeronaves operando em um número

cada vez maior de linhas aéreas estrangeiras, a Embraer passou a enfrentar novos

desafios e a descobrir novas oportunidades. Não mais a empresa ficava restrita ao

mercado brasileiro, estando de certa forma protegida pela ajuda governamental,

embora enfrentando algumas dificuldades pontuais, como a tributação inadequada

aos produtos aeronáuticos brasileiros.

Um dos problemas enfrentados foi a assistência técnica deficiente.

Visivelmente, a Aero Industries, parceira e representante da Embraer nos Estados

Unidos, não estava atendendo adequadamente as altas demandas dos operadores

americanos por assistência técnica rápida e eficaz, resolvendo os problemas a

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tempo e impedindo a interrupção prolongada dos vôos. Afinal, como diz qualquer

empresário da aviação civil, “avião no chão é dinheiro no lixo”.

Assim, a Embraer desfez o acordo de representação com a Aero Industries.

Sem nenhum outro parceiro alternativo para atender o mercado norte-americano, a

solução foi internalizar esta função, criando a Embraer Aircraft Corporation (EAC),

uma subsidiária da empresa brasileira para aquele país. O local escolhido para a

instalação da subsidiária foi Fort Lauderdale, no estado americano da Flórida, pois a

cidade possuía um aeroporto internacional com significativas operações em aviação

de pequeno porte, o foco comercial da Embraer, e o condado local ofereceu

generosos incentivos fiscais para realização dos investimentos na região. A esta

altura, citam Ghemawat et al (2000), a Embraer já havia capturado 46% do mercado

de commuters do tipo turbo-hélice e o Bandeirante já havia ultrapassado em vendas

o líder anterior Fairchild, vindo a ser chamado de “bandido” pelos competidores.

Nesta época, o mercado americano de commuters, que explorava a ligação

entre as cidades de menor porte, estava evoluindo a passos rápidos, demonstrando

o acerto da Embraer no desenvolvimento do Bandeirante, uma aeronave adequada,

talvez a única, para este segmento de mercado. Ficava claro que era antieconômico

operar grandes jatos entre cidades de menor porte, o que abria oportunidades para

aeronaves menores.

Segundo Silva (1998), a EAC possuía como atividades principais a venda de

aviões e peças de reposição, além da prestação de assistência técnica e

treinamento aos operadores norte-americanos clientes da Embraer. Afastando-se

dos problemas da época em que era parceira da Aero Industries, a Embraer viu sua

estratégia de instalar-se no maior mercado do mundo lograr sucesso: as vendas de

Bandeirante a empresas dos Estados Unidos cresceram significativamente.

Também contribuiu bastante para o crescimento da Embraer nos Estados

Unidos a associação da empresa à Commuter Aviation Association (CAA),

posteriormente Regional Airline Association (RAA), quando a associação era ainda

recém-criada. Em contato próximo com as empresas que dominavam o mercado de

commuters, a Embraer largou na frente da concorrência e estabeleceu vínculos que

resultaram posteriormente em várias vendas.

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Na mesma época, a Embraer também tratou de preparar sua expansão em

outro mercado importante, a Europa. Descontando algumas poucas vendas de

Bandeirante, principalmente para linhas aéreas inglesas, a Embraer ainda não

possuía uma posição tão forte na Europa no início da década de 80, embora o seu

crescimento ano após ano fosse promissor. De acordo com Silva (1998), a solução

de criar uma subsidiária na Europa como a EAC americana foi aventada, mas logo

considerada inadequada, pois a Europa é constituída de diversos países e a

diversidade não poderia ser desconsiderada. Estabelecer uma subsidiária em cada

país também estava fora de questão, pois se mostrava antieconômico. A solução,

então, passava claramente pelo estabelecimento de parcerias com empresas que

representassem a Embraer em cada país.

Assim, a Embraer iniciou sua expansão européia através do estabelecimento

de uma aliança com a Compagnie Générale de Aeronautique (CGA) na França, que

passou a ser a representante da Embraer neste país. Um dos principais resultados

desta parceria, em conjunto com o esforço da diplomacia brasileira, foi a venda de

41 EMB-121 Xingu, aeronave de treinamento e transporte, para a Força Aérea

Francesa, respeitada em todo mundo. Segundo Silva (1998), esta venda fez a

Embraer ser reconhecida como uma empresa capaz de fabricar de aeronaves

militares de excelência.

Em 1982, a Embraer constituiu uma subsidiária na França chamada Embraer

Aviation International (EAI), com o objetivo de apoiar aos seus representantes

europeus, sem foco único e específico no mercado francês. A subsidiária instalou-se

no Aeroporto de Le Bourget.

Mas o crescimento da Embraer no mercado internacional não se fez sem

batalhas ferozes com os concorrentes. A exemplo da disputa entre Embraer e

Bombardier que ocorre hoje na Organização Mundial do Comércio (OMC), a

Fairchild Aircraft Corporation entrou com uma ação contra a Embraer perante a

International Trade Comission (ITC), uma agência governamental norte-americana

vinculada ao Departamento do Comércio e cuja função é analisar queixas de

produtores americanos no que se refere a práticas de comércio ilegais (SILVA,

1998).

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A Embraer, por pertencer a um país subdesenvolvido com altas taxas de

inflação e de juros reais, passou a contar com apoio econômico do governo

brasileiro, que se manifestava na concessão de financiamentos diretos ao cliente

estrangeiro, nivelando as taxas de juros a patamares internacionais, e no

oferecimento de compensações a instituições financeiras não-brasileiras,

possibilitando que as mesmas pudessem oferecer taxas de juros menores.

Após dois anos de batalhas judiciais, a ITC finalmente deu um veredicto

favorável à Embraer, o que possibilitou à empresa brasileira a continuidade da venda

de seus produtos aos operadores norte-americanos.

Logo no início da década de 80, com o Bandeirante sendo vendido a várias

empresas de várias partes do mundo, a Embraer passou a estudar seriamente a

viabilidade comercial de uma aeronave também voltada para o mercado commuter,

mas com uma capacidade de 30 lugares, portanto maior que a do Bandeirante.

Como a ocupação da capacidade (load factor) das linhas aéreas operando

Bandeirante estava muito alta (no caso do setor aeronáutico, uma taxa média de

ocupação de 65% já é considerada alta), acreditava-se que as empresas poderiam

estar perdendo clientes, podendo voltar a conquistá-los caso fossem utilizadas

aeronaves de maior capacidade. De acordo com o estudo do Office of Technology

Assessment (1991) do Congresso norte-americano, a oportunidade comercial e o

prestígio desenvolvido pela Embraer com o sucesso do Bandeirante levaram a

empresa brasileira a desenvolver o EMB-120 Brasília, uma aeronave que também

viria a ter um grande sucesso comercial, catapultando a empresa a vôos ainda mais

altos. Desde 1975 já havia investimentos no projeto do EMB-120 Brasília, uma das

aeronaves do Projeto 12X (que compreendia uma família de aeronaves

pressurizadas), mas somente no início da década de 80, o projeto mostrou-se uma

excelente oportunidade comercial, o que acelerou seu desenvolvimento.

O conceito de família deriva da descoberta de vantagens existentes no

desenvolvimento de versões derivadas de modelos básicos, proporcionando ganhos

de escala e de escopo, bem como menor time-to-market (tempo para introduzir a

nova aeronave no mercado). Segundo Bernardes (2000a), um avião derivado entra

no mercado em cerca de dois ou três anos, aproximadamente metade do tempo de

um projeto novo. O conceito de família permite a vantagem da comunalidade entre

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os aviões, beneficiando tanto os fabricantes como os clientes. Este conceito,

também utilizado por outros fabricantes de aeronaves, como Boeing e Airbus,

possibilita menor custo de infra-estrutura de manutenção, estoques mais enxutos e

menores custos de treinamento de pilotos e pessoal técnico.

Apesar de ser uma ótima aeronave sob o ponto de vista do operador de linha

aérea, o Bandeirante recebia diversas críticas dos passageiros: apertado, ruidoso e

muito quente quando no solo. Mas um de seus maiores problemas, na ótica dos

usuários, era a falta de pressurização, que provocava grande desconforto em alguns

passageiros. A evolução técnica para a pressurização era um passo difícil de ser

dado, pois os requisitos de segurança para garantir que o sistema não oferece riscos

aos passageiros são muito rigorosos, além do que a pressurização da cabine leva ao

aumento do peso estrutural da aeronave, encarecendo significativamente os custos

operacionais, o que era uma grande vantagem do Bandeirante. Mas, embora fosse

um passo difícil a ser dado, a Embraer sabia que a evolução da aviação commuter

caminhava em direção a aeronaves pressurizadas.

O início do envolvimento da Embraer com a tecnologia de pressurização de

cabines deu-se com o desenvolvimento do projeto de uma nova versão do

Bandeirante, chamada EMB-110P3. Segundo Silva (1998), todas as empresas

nacionais e internacionais operando Bandeirante sugeriam que a aeronave com

pressurização teria um potencial comercial muito grande. A pressurização requerida

para o perfil de vôo do Bandeirante não era tão grande quanto a dos grandes jatos

operando em longa distância (cerca de 30% somente), mas mesmo assim

representava um desafio tecnológico significativo, devido aos maiores esforços

estruturais na fuselagem da aeronave e à maior potência requerida aos motores,

necessária para a pressurização. Portanto, a pressurização necessariamente levaria

a investimentos altos no projeto, complexo que era, e em custos operacionais

maiores para os operadores, visto que a nova aeronave certamente apresentaria um

peso estrutural maior que o Bandeirante padrão.

O EMB-110P3 Bandeirante acabou não saindo das pranchetas dos

projetistas. A aeronave pressurizada, devido ao seu maior peso e aos motores

necessariamente mais potentes, realmente possuiria um consumo de combustível

que o tornaria antieconômico nas curtas etapas em que era normalmente utilizado.

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Entretanto, o tempo no projeto de aperfeiçoamento do Bandeirante não foi perdido.

O EMB-120 Brasília, próxima aeronave da Embraer, utilizaria com grande êxito a

tecnologia de pressurização de cabine.

O Projeto 12X, de aeronaves pressurizadas pertencentes a uma mesma

família, contava com três modelos diferentes: o EMB-120 Araguaia (projeto

posteriormente modificado e denominado EMB-120 Brasília), o EMB-121 Xingu e o

EMB-123 Tapajós (posteriormente CBA-123 Vector). Para Bernardes (2000a), este

foi um passo ousado demais, além das capacidades da Embraer, que não possuía

experiência na produção de aeronaves sob o conceito de “família”. Claramente foi

dada ênfase excessiva no desenvolvimento tecnológico em detrimento da viabilidade

comercial. Além do mais, com a empresa em crescimento rápido e pujante, não

havia planejamento adequado da capacidade de produção nem controle de custos, o

que se transformou em sério problema quando a indústria aeronáutica desaqueceu.

O primeiro avião projetado da família foi o EMB-121 Xingu. O Xingu era um

bimotor turbo-hélice pressurizado com capacidade para até seis passageiros. O foco

comercial da aeronave era o segmento de aviação executiva.

A Pratt & Whitney canadense, fornecedora da linha de motores PT-6 ao

Bandeirante, tornou-se também a fornecedora de motores para o Xingu, dando

continuidade ao relacionamento de parceria iniciado desde 1970. Com os

especialistas da empresa canadense, que possuía extensa experiência no

fornecimento a fabricantes de aeronaves pressurizadas, a Embraer aprendeu

tecnologias que não conhecia.

Apesar de serem modelos diferentes do Bandeirante, a Embraer procurou

manter o máximo de comunalidade entre a família 12X e o Bandeirante, reduzindo

os seus custos de projetos e de fabricação e os de manutenção dos operadores

aéreos.

A estratégia da Embraer foi posicionar o Xingu dentro dos limites de

homologação do regulamento FAR 23 do FAA americano, o que limitava o peso da

aeronave a 5.680 kg. Isto teve profundas implicações no desempenho comercial da

aeronave, pois, com a introdução do sistema de pressurização, a aeronave ficou

com um peso vazio substancialmente alto, o que limitou a carga útil da aeronave, um

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sério problema em se tratando do mercado executivo. Além disso, o peso elevado da

aeronave diminuiu o seu desempenho, tornando-o um grande consumidor de

combustível. Por fim, a homologação da aeronave no FAA sofreu diversos atrasos, o

que reduziu substancialmente sua chance de sucesso no mercado americano.

Apesar dos seus avanços tecnológicos, o Xingu era difícil de pilotar, e menos

competitivo que o seu competidor fabricado pela Beech, o Raytheon Beech King Air

B200.

Segundo Silva (1998), além dos 41 Xingu para a Força Aérea Francesa, a

Embraer vendeu 6 unidades para o governo brasileiro, 5 unidades para a Sabena

belga e poucas unidades para a CSE Aviation inglesa, para o governo nigeriano e

para operadores brasileiros e colombianos. Assim, com um saldo de 106 aeronaves

vendidas, o projeto Xingu nunca foi um resultado comercial, e se não fosse a

intervenção do Ministério das Relações Exteriores ao intermediar a venda de 41

unidades para a França, este programa teria proporcionado prejuízos ainda maiores

para a Embraer. Na verdade, de acordo com Bernardes (2000a), apesar de

tecnicamente sofisticado, o Xingu drenou recursos preciosos do caixa da Embraer e

foi um dos motivos que levou a empresa à situação de penúria ao final da década de

80.

O fracasso comercial do projeto Xingu levou a Embraer a convencer-se de

que o mercado executivo não era adequado para a Embraer, pelo menos não no

momento (SILVA, 1998). A empresa conhecia em muito maior profundidade o

mercado de aviação regional/commuter e decidiu dedicar todo o seu esforço de

fabricação de aeronaves civis neste segmento. A idéia de explorar o mercado

executivo só reapareceria quase duas décadas depois com o Legacy, uma aeronave

da família ERJ-145.

Como foi apresentado acima, a utilização de pressurização pela Embraer

levou a empresa a buscar soluções tecnológicas inovadoras. A pressurização de

uma aeronave normalmente leva a um indesejado aumento de seu peso estrutural.

Para minimizar a necessidade de usar chapas metálicas muito mais pesadas, o que

traz prejuízos na competitividade do avião, as empresas costumam utilizar um

processo complexo chamado usinagem química. Como tal técnica era desconhecida

no Brasil, a Embraer tinha duas alternativas: desenvolvê-la sozinha ou adquiri-la de

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uma empresa com know-how suficiente. Através de uma aliança celebrada com a

Sikorsky Aircraft (uma divisão da United Technologies Corporation, que também

controla a Pratt & Whitney canadense), a Embraer pôde adquirir a tecnologia que

permite diminuição do peso estrutural sem prejuízo da resistência mecânica a falhas.

Esta tecnologia é crucial para garantir a competitividade de projetos de aeronaves

pressurizadas.

Porém, esta importante tecnologia não foi transferida à toa. Segundo Silva

(1998), o Ministério da Aeronáutica havia encomendado à Sikorsky uma quantidade

significativa de helicópteros para sua frota e impôs aos vencedores contrapartidas

comerciais (conhecidas como offset ou countertrade), dentre as quais estava a

transferência da tecnologia de usinagem química, garantindo o treinamento dos

engenheiros e técnicos da Embraer, bem como indicando os fornecedores das

matérias-primas utilizadas.

Apesar de ter sido considerado um fracasso comercial, o Xingu capacitou a

Embraer em seus projetos futuros. Segundo Cabral (1987), a capacitação

tecnológica conquistada na aeronave com o novo sistema de pressurização foi

fundamental para a realização do programa EMB-120 Brasília. Diferentemente do

Xingu, o próximo projeto da família 12X foi um sucesso comercial. O EMB-120

Brasília, aeronave de transporte destinado à aviação regional, com capacidade

máxima de 30 passageiros, atendia os mais modernos requisitos técnicos da época

e a demanda dos principais operadores aéreos por uma aeronave de maior

capacidade que complementasse o Bandeirante. Por exemplo, contava com sistema

eletrônico de última geração, o que permitia sua operação em aeroportos modernos

e uma elevada quantidade de peças em materiais compostos (frutos do avanço da

Embraer nesta área com o projeto AMX), além do sistema de pressurização

desenvolvido no projeto Xingu. De acordo com Bernardes (2000a), o Brasília foi o

primeiro turbo-hélice a ultrapassar a barreira de 300 nós de velocidade e o primeiro

avião a utilizar o sistema eletrônico de instrumentos de vôo (EFIS), assegurando

qualidade de vôo muito melhor que os outros turbo-hélices da época.

Segundo Silva (1998), desde o início o Brasília foi projetado para atender

seus operadores sem qualquer limitação de regulamento contemporâneo, ou seja,

todo o projeto seria baseado nos regulamentos mais rigorosos, assegurando uma

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grande “longevidade legal” para aeronave. Toda a concepção foi, portanto, baseada

nas diretrizes mais recentes das principais autoridades homologadoras dos Estados

Unidos e da Europa. Nos Estados Unidos, a aeronave foi homologada através das

normas do FAR-25 (as mesmas exigidas para aeronaves Boeing ou Airbus),

abandonando as requisições do FAR-23, que se referiam a aeronaves pequenas

(utilizadas para homologação do Bandeirante, por exemplo). Assim, a empresa

demonstrava incontestavelmente a qualidade e segurança de seu produto.

A Embraer Aircraft Corporation (EAC) realizou uma iniciativa inusitada:

instituiu um Comitê de Orientação, composto por empresas operadoras de

aeronaves Bandeirante, cujo objetivo era ajudar a Embraer na especificação do

Brasília. Assim, além de permitir a melhor compreensão das principais demandas

dos clientes, esses painéis de discussão asseguraram que a Embraer adicionava as

inovações que o mercado solicitava, permitindo assim uma vantagem competitiva

sobre os seus concorrentes.

O EMB-120 foi realmente um excelente avião. O projeto, elaborado segundo

as mais avançadas técnicas da época, resultou numa aeronave leve, veloz, com alto

desempenho e relativamente confortável em comparação a seus concorrentes.

Diversos componentes estruturais foram feitos a partir de plásticos e materiais

compostos (principalmente fibra de carbono e kevlar), reduzindo assim o peso total

da aeronave e conseqüentemente tornando-a mais econômica.

A esta altura um fornecedor e parceiro tradicional da Embraer, a Pratt &

Whitney (P&W) viu a empresa brasileira solicitar-lhe um motor que oferecesse os

1.600 HP requeridos para a operação da aeronave. Embora não tivesse tal item em

sua linha de produtos, a empresa canadense garantiu a continuação do

relacionamento comercial ao comprometer-se a desenvolver o motor

especificamente para as condições determinadas pela Embraer, abandonando assim

a configuração dos famosos PT-6 que, na empresa brasileira, equipavam os

Bandeirante e os Xingu. Assim, nasciam os PWC 100, motores turbo-hélice

incorporando uma série de modernos conceitos da engenharia aeronáutica.

Para o desenvolvimento das hélices foi selecionada a Hamilton Standard

(HS), dos Estados Unidos, assim como a P&W, também uma divisão da United

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Technologies. O anteprojeto técnico da hélice, elaborado pela Embraer, levava em

consideração técnicas aerodinâmicas inéditas até então, melhorando o desempenho

deste item.

O projeto do Brasília também foi desenvolvido sob a perspectiva de

comunalidade entre as aeronaves da família 12X e outras aeronaves da Embraer.

No projeto, foram aproveitadas as asas do Bandeirante (modificadas para suportar o

maior peso estrutural) e a cauda e fuselagem do Xingu (esta última tendo sido

alongada).

Ao contrário do Bandeirante, que ocupava quase sozinho um nicho do

mercado, o Brasília claramente concorria com outras aeronaves. Sua excelência

técnica, portanto, foi fator crucial para o bom desempenho comercial durante o

tempo de vida útil do projeto. Segundo Silva (1998), na época do roll-out

(apresentação) do Brasília, o Bandeirante voava em 26 países diferentes, com

quase quatrocentas unidades fabricadas. O declínio de suas vendas deixava claro o

acerto em desenvolver uma nova aeronave para sucedê-lo, atendendo à demanda

por produtos com maior capacidade e maior conforto para os passageiros.

Em 1984, a Embraer anunciou 22 ordens firmes de compra do Brasília na

Convenção da Regional Airline Association e contrato de venda de dez aeronaves

para a Provincetown Boston Airlines (PBA), uma companhia americana do tipo

commuter. Outra companhia norte-americana, a Atlantic Southeast Airlines (ASA),

seguiu a PBA e executou ordem de compra também de dez Brasília. Ambas as

empresas operavam Bandeirante, o que, de acordo com Silva (1998), demonstrava a

satisfação com o desempenho técnico e de assistência da Embraer e suas

aeronaves. Assim, as encomendas para 1985 já contemplavam a fabricação da nova

aeronave, a preços unitários entre US$ 5 e 6 milhões, dependendo da configuração

e os opcionais solicitados.

O sucesso da Embraer, antes com o Bandeirante e logo após com o Brasília,

chamou a atenção de diversas empresas para o mercado de aviação regional. Além

da De Havilland (Canadá), Beech e Sweringen (EUA) e Short Brothers (Grã-

Bretanha), que competiam ao menos indiretamente com o Bandeirante, entravam no

mercado empresas como a SAAB (Suécia), a Aérospatiale (França), a British

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Aerospace (Grã-Bretanha), a DASA (Alemanha), a CASA (Espanha) e a Nurtanio

(Indonésia). Realmente, um nicho de mercado com margens tão altas justificava a

briga por fatias de mercado. Os principais competidores no nicho de mercado do

Brasília podem ser encontrados no quadro a seguir:

Segmento Construtor Avião Assentos Propulsão

20-45 assentos BAe Jetstream 41 25 Turbo-hélice

Dornier Dornier 30 Turbo-hélice

Short Brothers Shorts 330 30 Turbo-hélice

Embraer Brasília 30 Turbo-hélice

Saab Saab 340 32 Turbo-hélice

Short Brothers Shorts 360 36/39 Turbo-hélice

De Havilland Dash 8-100 37/40 Turbo-hélice

CASA / IPTN CN-235 40 Turbo-hélice

Quadro 5 – EMB-120 Brasília e seus concorrentes (AIR & COSMOS, 1992)

O mercado, portanto, era muito mais competitivo e parecia distante a época

em que a aeronave da Embraer (no caso, o Bandeirante) pudesse ser considerada

praticamente o único produto num determinado nicho de mercado.

De acordo com Silva (1998), no início a preocupação era a de criar a base

para a fabricação de aeronaves, num país sem tradição industrial neste setor. Mas já

na década de 80, as maiores preocupações estavam em aprimorar a infra-estrutura

da fábrica e as técnicas de gerenciamento para adquirir melhor eficiência

operacional. Por exemplo, ao contrário da tendência mundial do setor de fabricação

aeronáutica, a Embraer ainda contava com uma produção muito pouco horizontal,

visto que a maior parte das peças que compunham seus aviões eram fabricadas na

própria empresa.

Por isso, todo o sucesso encontrado até então sofria algumas ameaças. Nem

sempre a Embraer atuava como seus principais concorrentes. Por exemplo, a

inexistência no Brasil de um parque industrial adequado forçou a empresa a

executar uma produção muito mais vertical que seus concorrentes, que podiam

contar com uma gama de fornecedores muito maior que a empresa brasileira. A

Embraer realmente produzia a maior parte das peças que compunham seus aviões.

Isto não era necessariamente negativo, mas a história mostra que, ao menos na

indústria aeronáutica, pressões de mercado para a horizontalização da produção

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levaram as empresas fabricantes a uma especialização cada vez maior.

Analogamente às montadoras de automóveis, os fabricantes de aeronaves tornam-

se cada vez mais montadoras de partes e sistemas produzidos por terceiros.

Ainda que premida pelas dificuldades inerentes em fabricar aviões no Brasil,

um país em desenvolvimento, a Embraer vinha de uma série de sucessos,

crescendo substancialmente, em parte pela sua excelente capacidade técnica, em

parte pelo auxílio governamental. O tino comercial, identificando oportunidades em

nichos inexplorados, também explicava parte do sucesso da empresa. Foi então que

a empresa deu seu primeiro grande passo comercial em falso: o AMX.

O AMX foi outra aeronave desenvolvida no início da década de 80. Ainda na

década de 70, a FAB apresentou à Embraer o interesse de possivelmente adquirir

versões monoposto (ou seja, somente para um piloto) do EMB-326G Xavante, uma

aeronave fabricada sob licença da Aermacchi. Uma aeronave monoposto seria mais

adequada para missões de grande alcance, necessárias num país de dimensões

continentais como o Brasil. Em pouco tempo, trabalhando em conjunto com a

empresa italiana, nasceu um pré-projeto da aeronave, que recebeu o nome de MB-

325K na Itália. Tal pré-projeto claramente não atingia os requisitos da FAB. A

Aermacchi, entretanto, resolveu fabricá-la por conta própria, sem participação da

Embraer, e chegou a vendê-la para a África do Sul e para a própria Itália.

Assim, novos cálculos foram feitos, e uma nova alternativa, denominada EMB-

340 surgiu, bem mais adequada às necessidades da FAB. O anteprojeto do EMB-

340 previa uma aeronave com asas enflechadas (ou seja, com um ângulo formando-

se entre as asas e a fuselagem da aeronave quando vista em planta, formando o

desenho de uma flecha) e contendo o novo motor Rolls-Royce M-45H, permitindo

um ótimo desempenho a baixo consumo de combustível. O governo brasileiro então

intercedeu e moldou uma nova parceria para a Embraer através de seus contatos

com o Ministério da Defesa Italiano. Agora uma aliança tripla seria formada, entre a

Embraer, a Aeritalia (hoje Alenia) e a Aermacchi. A despeito das preocupações

manifestadas pela Embraer em estabelecer uma parceria com uma estatal italiana

(no caso, a Aeritalia), as similaridades entre os requisitos apresentados tanto pela

FAB como pela Força Aérea Italiana fizeram com que a aliança fosse selada. A

Embraer teria que se resignar e participar do projeto, já que estava sujeita ao

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controle governamental brasileiro. O programa AMX previa a aquisição de 266

aeronaves da versão monoposto (para somente um tripulante), sendo 187 unidades

para a Itália e 79 unidades para o Brasil.

De acordo com Silva (1998), a hostilidade da Aeritalia para com os brasileiros

era clara desde as primeiras reuniões. A empresa italiana sentia-se como a principal

viabilizadora do projeto do binacional, boicotando as sugestões da brasileira

Embraer e da italiana Aermacchi. Como o governo italiano adotava um sistema de

reserva de mercado para suas fábricas aeronáuticas, sistema em que a Aeritalia

ficava responsável pelas aeronaves militares de primeira linha (ataque ou apoio ao

solo) e a Aermacchi ficava responsável por aeronaves de treinamento militar

(normalmente mais simples que os caças de ataque), a Aeritalia via-se numa

posição superior tanto à Aermacchi quanto à Embraer.

Além dos desentendimentos entre os parceiros, o ambiente macroeconômico

brasileiro tornava difícil o sucesso do projeto. A FAB possuía orçamento limitado, o

que impedia transferência direta de recursos para a pesquisa e desenvolvimento do

AMX na Embraer. Por ser uma instituição de caráter misto, a Embraer também

possuía restrições quanto à capacidade de financiar-se em órgãos como a FINEP ou

o BNDES, cujas operações financeiras eram preferencialmente direcionadas para

concessão de linhas de crédito a empresas privadas. O financiamento por bancos

comerciais brasileiros também era desaconselhável: o país passava por um surto de

hiperinflação que levava os juros a patamares que tornavam impraticáveis os

financiamentos. Assim, a única alternativa que restou para o financiamento do

programa foi mesmo buscar linhas de crédito internacionais.

Em 1982, foi definida a divisão do trabalho e a proporção relativa a cada

empresa (em homens-hora, o padrão usual no desenvolvimento de projetos

aeronáuticos): à Aeritalia caberiam 46%; à Aeronáutica Macchi, 24%; e à Embraer,

30%. Segundo Silva (1998), a Embraer ficou responsável pelo projeto e fabricação

das asas, entradas de ar do motor, suportes dos armamentos, tanques externos de

combustível, trens-de-pouso principais e o estabilizador horizontal. A Aermacchi

ficou responsável pelo nariz do avião, parte posterior da fuselagem, sistemas

eletrônicos de navegação e sistemas de armas. À Aeritalia, coube o

desenvolvimento e manufatura da fuselagem da aeronave, do trem-de-pouso

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dianteiro e do estabilizador vertical, além do gerenciamento global do programa.

Enfim, um projeto cujas responsabilidades estavam bem balanceadas.

Segundo Silva (1998), nem sempre um projeto desenvolvido em parceria é

mais eficaz do que um projeto desenvolvido por uma empresa só. Teoricamente,

muitas empresas utilizam alianças no desenvolvimento de projetos para mitigar

riscos ou diminuir os custos, mas segundo o autor nem sempre isto ocorre, podendo

acontecer exatamente o oposto. Para ele, em projetos complexos como os da

indústria aeronáutica, em que deslizes na fase de desenvolvimento podem acarretar

custos adicionais e recorrentes muito altos, deve-se dar ênfase absoluta na gestão

da aliança, sob risco de enfrentar falhas graves que inviabilizem o projeto. Além

disso, muitas vezes é extremamente difícil ajustar-se ao trabalho em equipe quando

as lideranças são muitas e por vezes difusas, como ocorre algumas vezes em

projetos de cooperação e alianças estratégicas.

De acordo com Bernardes (2000a), os programas de cooperação e alianças

estratégicas tornam-se cada vez mais importantes no setor aeroespacial, sendo uma

das principais características desta indústria. Além da ótica empresarial, em que as

alianças são encaradas como fatores mitigadores de risco e forma de reduzir custos

de desenvolvimento, sob a ótica dos trabalhadores as alianças representam a

possibilidade de manutenção dos níveis de emprego e as possibilidades de

aprimoramento profissional-tecnológico ante a adoção de novas tecnologias e

intercâmbio entre as empresas.

Assim foi concebido o AMX, que na FAB passou a ser conhecido pelo seu

nome militar A-1. Projetada para voar em altas velocidades subsônicas (ou seja,

pouco abaixo da velocidade do som), a aeronave podia operar em altitudes

extremamente baixas, tanto de dia como à noite, em condições adversas para a

operação. Era um monomotor de asa alta, inicialmente concebido como um

monoposto, mas o projeto sofreu alterações para posteriormente permitir a versão

biposto. A aeronave possuía uma aerodinâmica excepcional, possibilitando missões

em condições adversas, além de contar com sistemas eletrônicos de última geração.

Para equipar o AMX, foi selecionado o motor Rolls-Royce Sey Mk 807,

fabricado sob licença pela Fiat, Piaggio e Alfa Romeo, um motor considerado muito

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confiável, fator indispensável para a segurança dada a especificação da aeronave

como monomotor.

Não só o projeto, mas o programa industrial de desenvolvimento do AMX foi

extremamente complexo. A Aeritalia teria dificultado ao máximo o acesso da

empresa brasileira aos sistemas de aviônica militar da aeronave. Foi necessária

intervenção do governo brasileiro para que a Embraer tivesse acesso aos sistemas e

softwares, conseguindo assim as qualificações necessárias para projetar ou

modificar qualquer item eletrônico do AMX (SILVA, 1998). Isto era indispensável

para o apoio técnico da Embraer à FAB na pós-venda, pois sistemas eletrônicos são

parte indispensável de uma aeronave militar moderna, sem os quais o avião não

poderia executar várias de suas missões.

Segundo Bernardes (2000a), para atender todas as modificações requeridas

pela FAB, o AMX teve seu custo unitário aumentado de US$ 8 milhões para US$ 18

milhões, diminuindo consideravelmente a possibilidade de retorno do programa, pois

era extremamente difícil efetuar repasses equivalentes aos preços.

Para Silva (1998), o projeto do AMX foi bastante importante para o

desenvolvimento tecnológico de ambos os países, mas a aliança não se caracterizou

como um processo de transferência de tecnologia, pois tanto os italianos como os

brasileiros depararam-se com a sofisticação das especificações do avião pela

primeira vez. Assim, foi necessário buscar soluções inovadoras, não se baseando

em nenhum projeto existente, ação usual no desenvolvimento de uma nova

aeronave. Já segundo Bernardes (2000a), o projeto AMX foi um dos grandes

aprendizados da Embraer, por ser um projeto de cooperação internacional, que se

consagra como uma grande tendência do setor para o desenvolvimento de produtos.

Para o autor, este aprendizado será de grande valia no programa ERJ-145.

Em 1984, voou o primeiro protótipo do AMX, sendo o primeiro exemplar

entregue à Aeronáutica Militar Italiana em 1989, após os ensaios em vôo que

comprovaram a capacidade da aeronave em atender as especificações do projeto.

O projeto AMX foi extremamente criticado por alguns setores da sociedade

brasileira pelo alto valor despendido no seu desenvolvimento, cerca de US$ 1,8

bilhão de 1979 a 1987. Segundo Lopes (1994), o jornalista Gilberto Dimenstein, da

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Folha de S. Paulo, apurou que os recursos arrecadados mediante taxações

compulsórias sobre mercadorias como combustíveis e automóveis, recursos estes

oficialmente destinados ao financiamento de programas de desenvolvimento

econômico e social, estavam na verdade sendo desviados para o programa AMX.

Alguns analistas argumentavam que o valor era suficiente para adquirir caças muito

mais modernos que os AMX, como os F-16 Falcon americanos ou os Mirage 2000

franceses. Estas críticas de uma maneira geral não encontravam eco no governo

brasileiro e na FAB. Ainda de acordo com Lopes (1994), Ozires Silva, em resposta

às críticas, argumentava “que o governo não havia investido no AMX para ter retorno

financeiro, havia investido para ter o avião”.

No início de 1986, a mando do Presidente da República José Sarney, a

Embraer iniciou um projeto em parceria com a Força Aérea Argentina (através da

FMA, Fábrica Militar de Aviones) no desenvolvimento de uma outra aeronave de

transporte aéreo regional. A política externa brasileira já dava os primeiros passos

no caminho da integração continental, criando rudimentos de uma zona de livre

comércio que posteriormente, no governo Collor, seria batizada de Mercosul,

adicionando maior competitividade aos produtos dos países membros.

Assim, a Embraer propôs o desenvolvimento do EMB-123 (posteriormente

rebatizado CBA-123 Vector, cuja sigla significa Cooperação Brasil-Argentina), uma

aeronave baseada na plataforma do Projeto 12X. O projeto do CBA-123

caracterizava-se por adotar o que havia de mais moderno na construção aeronáutica

de então. A intenção era fazer um projeto state-of-the-art, oferecendo maior conforto

aos passageiros e custos operacionais menores aos operadores, de forma que

houvesse incentivos à substituição dos Bandeirante pelos novos CBA-123. O CBA-

123 Vector foi o primeiro avião da Embraer inteiramente desenhado por

computadores, utilizando os sistemas CAD (Computer Aided Design) e CAM

(Computer Aided Manufacturing). Segundo Cabral (1987), o CAD começou a ser

difundido mundialmente para cálculo estrutural em 1978 e a Embraer já o adotou

como sistema em fins de 1979, antes de várias outras companhias aeronáuticas. De

acordo com Bernardes (2000a), o projeto CBA-123 Vector também utilizou conceitos

de CIM (Computer Integrated Manufacturing) e engenharia simultânea, uma

abordagem que leva todos os desenvolvedores a trabalhar em paralelo e com alto

grau de interação, levando em conta aspectos técnicos e comerciais.

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Segundo Silva (1998), a Embraer baseava-se em estudos de mercado que

indicavam o maior grau de exigência dos passageiros das commuter airlines, que

demandavam soluções como cabines pressurizadas, maior espaço disponível, etc. O

projeto, entretanto, corria um risco considerável: decidiu-se que o aparelho teria até

19 assentos, portanto menor que o EMB-120 Brasília. Por carregar soluções de

última geração numa aeronave com capacidade relativamente pequena, a Embraer

corria o risco de produzir uma aeronave com custos operacionais tão altos que não

compensassem a receita reduzida. Como será visto à frente, foi o que acabou

acontecendo.

O projeto da aeronave durou cinco anos, até 1991, antes que fosse

interrompido. O programa não pôde continuar por incapacidade das duas empresas,

Embraer e FMA, em conseguir financiamento adequado para o projeto. Ademais, o

avião já se apresentava excessivamente sofisticado e caro, tanto em seu preço final

como nos custos operacionais previstos, espantando assim potenciais clientes.

Realmente, na ânsia de criar uma aeronave muito superior ao que havia no mercado

até então, a Embraer fez um produto tão tecnicamente superior aos competidores

que se mostrou muito caro e economicamente inviável. Segundo Bernardes (2000a),

a realidade demonstrou que a empresa superestimou as exigências do mercado, ou

seja, erroneamente acreditou que os clientes estariam dispostos a pagar um

premium pelas inovações tecnológicas incorporadas ao CBA-123. Ainda segundo o

autor, sob a ótica técnica o CBA-123 foi um sucesso, mas comercialmente foi um

fracasso monumental. Custava aproximadamente US$ 6 milhões, o que era muito

superior aos preços de seus concorrentes. Por exemplo, os modelos Beech 1900 e

Jetstream 31 apresentavam mesmo desempenho por custos operacionais até 45%

menores e preço entre US$ 3,5 milhões e US$ 4,5 milhões.

Para Goldstein (2001), o CBA-123 foi um golpe muito duro para a Embraer.

Numa indústria em que o financiamento de longo prazo é indispensável devido ao

extenso tempo de desenvolvimento de projetos, a companhia brasileira acumulou

dívidas com um perfil de vencimento de curto prazo extremamente perigoso e

oneroso.

O projeto do CBA-123, entretanto, trouxe vários aprendizados para a

Embraer. Pela primeira vez a empresa pretendia utilizar parceiros de

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compartilhamento risco para o desenvolvimento da aeronave, diminuindo assim a

necessidade de financiar sozinha o projeto (ou em conjunto com a FMA Argentina,

que também dispunha de escasso capital para investir). Um dos parceiros de risco

encontrados foi a Garrett Corporation, dos Estados Unidos, que desenvolveu novos

motores a partir de uma plataforma mais antiga. Como curiosidade, o projeto do

CBA-123 previa a instalação dos motores na cauda, com as hélices voltadas para

trás, numa configuração conhecida como pusher (“empurradora”). Mesmo apesar da

participação de parceiros de compartilhamento de risco, o financiamento do projeto

foi insuficiente devido aos altos montantes requeridos (SILVA, 1998).

Ademais, análises do projeto mostraram que a aeronave era excessivamente

pesada, o que resultava em mau desempenho. Avião pesado não vende bem e isto

ficou claro no projeto do CBA-123, que não passou da fase de protótipo para a

produção seriada, configurando-se assim no maior fracasso da história da Embraer.

O quadro a seguir detalha os principais competidores no nicho de mercado

esperado para o CBA-123:

Segmento Construtor Avião Assentos Propulsão

10-20 assentos Beechcraft Beech 1300 13 Turbo-hélice

Harbin Y-12 17 Turbo-hélice

Fairchild Metro 3 / 23 19 Turbo-hélice

BAe Jetstream 31 19 Turbo-hélice

Dornier Dornier 228 19 Turbo-hélice

Beechcraft Beech 1900 D 19 Turbo-hélice

Embraer / FMA CBA-123 19 Turbo-hélice

CASA 212 19 Turbo-hélice

Quadro 6 – CBA-123 e seus concorrentes (AIR & COSMOS, 1992)

Apesar do fracasso no projeto do CBA-123, que representou um rombo de

US$ 280 milhões nos cofres da empresa (GHEMAWAT ET AL, 2000; BERNARDES,

2000b), a Embraer no final da década de 80 podia gabar-se de ter atingido um

prestígio quase inimaginável desde sua criação, cerca de 20 anos antes. Com

alguns sucessos no desenvolvimento de aeronaves militares e fortemente

posicionada no nicho de aviação regional, a empresa possuía um passado glorioso.

O mercado de aviação regional, um segmento específico da aviação comercial,

ainda não interessava aos grandes fabricantes (Boeing, McDonnell Douglas e

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Airbus), que estavam mais voltados ao desenvolvimento de grandes aeronaves.

Assim, a maior parte das aeronaves produzidas para a aviação regional

curiosamente não eram americanas, embora este país constituísse o maior mercado

para este segmento.

Segundo Silva (1998), os países europeus, contando com uma malha

rodoviária e ferroviária desenvolvida, não eram um mercado tão atrativo para a

aviação regional, muito embora não pudessem ser desprezados. As vendas não

eram tão significativas e as projeções de crescimento não eram tão animadoras.

Já a Ásia, devido ao menor poder aquisitivo das populações e à sua grande

extensão geográfica também não se mostrava um mercado muito atrativo para a

aviação regional. A União Soviética era um caso a parte. Para Silva (1998), o país

era analisado sob dois olhares diferentes: como fabricante e como operador/usuário.

As técnicas aeronáuticas deste país eram tão diferentes das consagradas no mundo

ocidental que estes dois “mundos” quase nunca se cruzavam. Ou seja, o ocidente

raramente adquiria aeronaves soviéticas e vice-versa.

A África, com exceção de países como a África do Sul, era basicamente

desconsiderada pela Embraer como um mercado consumidor de seus produtos, por

contar com populações extremamente pobres, digladiando-se muitas vezes em

guerras tribais ou civis. Neste mercado, normalmente encontravam-se as aeronaves

usadas, dentre as quais também as da Embraer, via de regra adquiridas após

extenso uso nas regiões desenvolvidas.

Por fim, a Oceania apresentava um panorama completamente diferente, com

um mercado de características muito similares ao brasileiro. Ainda segundo Silva

(1998), a demanda pelo transporte aéreo regional era intensa e crescente. Assim, a

Embraer passou a ser uma importante fornecedora de aviões para os operadores

aéreos daquela região.

Apesar dos sucessos passados, a empresa brasileira passava por sérias

dificuldades ao final da década de 80. O panorama competitivo nesta época era

extremamente arisco. Na aviação comercial, havia prenúncios de uma retração da

demanda, sinalizando a impossibilidade de se manter o ritmo de compras do início

da década de 80. A aviação regional, segmento do mercado em que a Embraer

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focava, estava em profunda mudança no exterior e no mercado nacional. Neste

sentido, a invasão do Kuwait, em 1991, pelo Iraque, trouxe um impacto negativo

violento para o setor de aviação comercial, que se retraiu ainda mais, gerando

seqüelas negativas importantes na empresa brasileira.

Além disso, cita Bernardes (2000a), o quadro econômico negativo também

trouxe mudanças na forma de gerir a inovação no setor aeronáutico. Vários

fabricantes efetuaram profundas mudanças no padrão de P&D industrial e

tecnológica, sinalizando na direção de um modelo caracterizado pela parceria e

celebração de joint ventures para os gastos em P&D e acordos de licenciamento de

tecnologia. Para o autor, conseqüentemente houve uma transformação na forma de

gerir inovação e aprendizagem tecnológica: as empresas passaram a preparar seus

programas de novas aeronaves de forma mais interativa e cooperativa, levando o

setor de manufatura aeronáutica a internacionalizar rotinas de P&D. Desta forma,

conclui o autor, há hoje uma maior necessidade de estruturas empresariais mais

flexíveis e integradas e com um estoque de recursos humanos altamente

qualificados para gerenciar e participar das sinergias proporcionadas por tais

alianças estratégicas.

Ainda assim, apesar da retração da demanda, diversas empresas decidiram

competir com a Embraer em seu nicho, dentre as quais empresas como a

Aérospatiale (França), SAAB (Suécia), DASA (Alemanha), Fokker (Holanda) e a

CASA (Espanha), todas obviamente apoiadas pelos seus respectivos governos por

meios de subsídios.

Em 1986, apoiada pelo governo canadense, surgiu uma empresa que

passaria a atuar como principal competidora da Embraer no nicho de aviação

regional: a Bombardier. Resultado da união da Canadair (Canadá) com a Short

Brothers (Irlanda do Norte), a Learjet (EUA) e a De Havilland (Canadá), a empresa

montou as bases de uma estratégia de penetração nos mercados de transporte

aéreo regional e aviação executiva.

Para Silva (1998), o papel dos governos no estímulo das empresas

aeronáuticas é fundamental. Como as tecnologias de desenvolvimento e fabricação

de aeronaves são muitas e caras, é muito difícil e arriscado o desenvolvimento de

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um projeto complexo como o de uma aeronave pelo setor privado. Este apoio se dá

normalmente sob a forma de subsídios, financiando atividades básicas de P&D que

levam ao desenvolvimento de sistemas e materiais aeronáuticos. Este tipo de

subsídio é normalmente mais difícil de ser identificado que subsídios às vendas das

aeronaves, através de mecanismos de financiamento, e por isso muitas vezes pode

passar despercebido.

Muitas vezes, entretanto, esta ajuda governamental a empresas aeronáuticas

incipientes é dada sob a forma de barreiras não-tarifárias, restringindo a importação

de aeronaves estrangeiras. Por exemplo, a Embraer enfrentou problemas com a

Indonésia, que buscava proteger a sua companhia Nurtanio Aircraft Industry Ltd.

Segundo Silva (1998), tal empresa, em virtude da proteção ao seu mercado interno,

proibindo aeronaves de várias empresas (dentre as quais as da Embraer), logrou

abrir um espaço no mercado mundial de aeronaves. Isso mostra como é importante

a força do governo neste setor e como se faz necessária a existência de

mecanismos multilaterais de regulação do comércio, como a OMC (Organização

Mundial do Comércio).

No final da década de 80, os fabricantes de aeronaves comerciais não podiam

voltar seus esforços para o setor militar na esperança de retornos melhores. A

aviação militar também enfrentava séria crise. Com o arrefecimento da Guerra Fria,

os gastos em equipamentos militares caíram muito e havia uma onda de substituição

dos conflitos armados por negociações diplomáticas. Assim, os orçamentos para

despesas militares eram diminuídos, afetando a demanda por aeronaves militares.

De acordo com Bernardes (2000a), os gastos militares mundiais caíram para US$

811 bilhões em 1996, o nível mais baixo desde 1966 e 40% inferior ao topo,

alcançado em 1987. Conseqüentemente, houve cortes de empregos no setor de

armamentos, passando de 17,5 milhões de funcionários diretos em 1987 para 11,1

milhões em 1995.

Segundo Silva (1998), tudo isso criava um quadro de preocupação na

Embraer a respeito do setor. Para ele, a diversificação dos produtos da empresa,

que atuava na aviação geral, comercial e na militar, fortaleceu-a para enfrentar

períodos difíceis no futuro, mesmo com a crise afetando ambos os setores em que a

Embraer atuava mais fortemente, o regional e o militar.

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Adicionalmente, a lei de incentivo fiscal oferecida a empresas privadas para

aquisição de ações da Embraer foi extinta em 1988, através da Lei n.o 7.714. Para

Bernardes (2000a), a extinção de tal incentivo contribuiu seriamente para a crise

financeira que se abateria sobre a empresa futuramente.

Em outro estudo, Bernardes (2000b) apresenta um resumo a respeito dos

fatores que levaram a empresa à crise no início dos anos 90:

• Grandes projetos sem estrutura adequada de financiamento;

• Desenvolvimento de projetos sem verificação prévia das condições do

mercado e das necessidades de clientes potenciais;

• Não cumprimento de encomendas por parte do Governo;

• Mercado externo civil e militar em recessão;

• Engessamento do modelo institucional da empresa – como empresa

estatal, havia falta de flexibilidade empresarial para a captação de

recursos financeiros;

• Falta de sincronia entre as políticas industrial, tecnológica e de

privatização;

• Questões relacionadas ao Custo Brasil (deficiências na infra-estrutura

física e tecnológica);

• Crise fiscal e política do Estado e desistência de modelo nacional-

desenvolvimentista que fornecia suporte político à empresa;

• Falta de competitividade nos mercados interno e externo no que tange à

oferta de financiamento aos clientes;

• Gestão excessivamente engineering driven, ou seja, muito direcionada à

excelência técnica e pouco para os resultados financeiros, ou, em outros

termos, ausência de importância dada a custos e gestão do negócio;

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• Perda de competitividade no mercado interno devido à alta carga de

impostos;

• Redução do apoio financeiro governamental, enquanto acionista,

emprestador, avalista e regulador de crédito a empresas estatais;

• Relações precárias e dissociamento gerencial com as subsidiárias

sediadas no exterior (Embraer Aircraft Corporation – EAC e Embraer

Aviation International – EAI), que afetaram negativamente os negócios da

empresa, tanto comercial como financeiramente; e

• Elevadas demissões de seu quadro técnico altamente qualificado e na

perda do conhecimento acumulado durante anos, devido à difícil situação

financeira.

Em maio de 1986, Ozires Silva, então presidente da Embraer, recebeu convite

do Presidente da República José Sarney para assumir a Petrobrás. Aceitando,

passou a responsabilidade da empresa aeronáutica ao seu companheiro e quase

homônimo Ozílio Carlos da Silva, também engenheiro formado no ITA.

Segundo Cabral (1987), das sete diretorias existentes da Embraer em 1986, a

DTE (Diretoria Técnica) e a DPR (Diretoria de Produção) eram então consideradas

as mais relevantes para o desenvolvimento tecnológico da empresa. A estrutura

organizacional da empresa em 1986 pode ser vista na figura a seguir:

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Assembléia Geral

Conselho de Administração

Presidente Ozires Silva

Conselho Fiscal

Diretor Superintendente

Ozílio Silva

Assessoria Jurídica

Assessoria de Comunicação

Social

Assessoria de Auditoria Interna

Assessoria de Planejamento

Estratégico

DFN

Diretoria Financeira

DTE

Diretoria Técnica

DAM

Diretoria Administra-

tiva

DIN

Diretoria Industrial

DPR

Diretoria de Produção

DCO

Diretoria Comercial

DPM

Diretoria de Programas

Militares

Núcleo de Articulação

com a Indústria

Figura 8 – Organograma da Embraer em 1986 (CABRAL, 1987)

Segundo Sbragia & Terra (1993), a DTE, tinha por missão especificar,

projetar, testar e certificar novas aeronaves. A DPR era responsável pela fabricação

das peças primárias feitas na empresa e pela montagem final da aeronave. Uma vez

acabado um avião, este era dirigido à DCO (Diretoria Comercial), responsável pelas

aeronaves civis, ou à DPM (Diretoria de Produtos Militares).

Segundo Bernardes (2000a), o setor de marketing, representado pela DCO,

era considerado uma área ineficiente e quase descolada da estrutura organizacional

da empresa, não possuindo todas as informações técnicas e produtivas disponíveis

do produto que vendia.

Quanto às outras diretorias, como a DIN (Diretoria Industrial), a DFN (Diretoria

Financeira) e a DAM (Diretoria Administrativa), todas cumpriam funções de apoio e

planejamento das atividades técnicas, não sendo consideradas centrais para o

sucesso da empresa.

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Nesta época, a crise no setor era aprofundada devido à conjuntura sócio-

econômica da época e levou a um processo de fusões e aquisições muito rápido,

mesmo apesar das iniciativas de diversos governos de tentarem proteger suas

indústrias sob argumentos estratégicos e de interesse nacional. Várias empresas

tradicionais, produtoras de aeronaves há vários anos, desapareceram neste período.

A Embraer, fruto de uma política de desenvolvimento de quase duas décadas,

cujo objetivo era dotar o país de uma indústria autônoma de produção aeronáutica e

contando com uma visão orientada para o produto permeada por toda a

organização, sofreu bastante com a crise que se instalou no mercado. Assim,

defende Bernardes (2000a), a ênfase excessiva na tecnologia (projetos Xingu e

CBA-123) e o fator preço como reflexo de uma estrutura de custos e financiamento

pouco adequadas à realidade já apresentavam indícios de sérios problemas.

Segundo Goldstein (2001), os motivos para o declínio da empresa foram a atenção

excessiva à engenharia (e cuidado insuficiente com controle de custos e marketing),

falta de capacidade financeira devido à sua condição estatal e os custos associados

à sua condição de empresa brasileira (Custo Brasil). Ou seja, algumas das razões

para a queda da Embraer foram exógenas, muito embora sua vulnerabilidade tenha

aumentado devido à inabilidade da companhia em diversificar tais riscos e proteger-

se contra os mesmos.

A Embraer, por sua vez, combalida principalmente pelo fracasso retumbante

do CBA-123, que não vendeu uma unidade sequer, encontrava-se em situação

financeira delicada, sob risco de ter sua falência decretada. Desta forma,

pressionado por um mercado em recessão, a Embraer traçou sua estratégia para o

futuro, que envolvia a privatização da empresa, desamarrando-a da enorme

quantidade de restrições burocráticas impostas pelo governo, e o aprimoramento do

projeto EMB-145, jato de transporte aéreo para cinqüenta passageiros, cujos

primeiros estudos iniciaram-se ainda em 1989, baseando-se nas plataformas

existentes do EMB-120 Brasília e do CBA-123 Vector (CASSIOLATO ET AL, 2002).

De acordo com Ghemawat et al (2000), em 1994, ano de privatização da Embraer, a

empresa teve um prejuízo colossal de US$ 310 milhões para vendas de somente

US$ 177 milhões. O EMB-145 permitia ligações diretas entre rotas de pequena

densidade de tráfego e as de longa distância, e ligações com corredores de entrada

de grandes aeroportos (hubs). A aeronave foi anunciada como uma versão jato puro

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do bem-sucedido EMB-120 Brasília, usando como ponto de partida a plataforma

desta aeronave.

De acordo com Bernardes (2000a), o EMB-145 viria a ser o primeiro projeto

da Embraer desenvolvido totalmente segundo a filosofia de comunalidade,

aproveitando diversos componentes do EMB-120 Brasília e do CBA-123 Vector,

principalmente do primeiro. Assim, o avião possuiria custos de desenvolvimento, de

fabricação e de manutenção muito menores do que se viesse a ser desenvolvido

sem o conceito de comunalidade. Segundo estimativas da época, a previsão era que

cerca de 75% dos componentes do EMB-145 fossem iguais aos do EMB-120

Brasília. Ainda assim, o custo de desenvolvimento da aeronave chegou a US$ 300

milhões, sendo US$ 240 milhões desembolsados após a privatização da empresa

(GHEMAWAT ET AL, 2000). Segundo Ghemawat et al (2000), os parceiros de

compartilhamento de risco contribuíram com US$ 100 milhões (33% do total) para o

projeto, sendo que o BNDES investiu US$ 115 milhões (38% do total). Alguns

autores, como Bernardes (2000b), chegam a considerar o BNDES mais que um

órgão financiador, na verdade um verdadeiro parceiro estratégico da Embraer no

desenvolvimento de seus projetos.

Em relação ao projeto do EMB-145, diz Silva (1998), a alternativa para o seu

desenvolvimento envolvia forçosamente o encontro e seleção de parceiros de risco,

ressarcidos nos custos de desenvolvimento pelas vendas futuras dos aviões

produzidos. Esta alternativa mostrava-se obrigatória, tendo em vista a falta de fôlego

financeiro da empresa brasileira, que vinha de uma série seguida de anos com

prejuízos, e do governo brasileiro, preso a cortes de verbas orçamentárias devido às

recessões pelas quais o país passou nos anos do governo Collor.

A encomenda de dez peças para o Boeing 747, efetuada em 1989, permitiu a

assinatura de contratos de fornecimento de componentes para a Boeing, dois anos

mais tarde, aliviando um pouco a situação financeira calamitosa da empresa.

Para Bernardes (2000a), a Embraer chegava ao final da década de 80 em

condição crítica no que diz respeito à sua capacidade de financiamento e gestão

financeira e de desatualização de seu parque tecnológico, além de seu prestígio

começar a ser questionado. Com o intuito de economizar US$ 109 milhões e salvar

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a empresa, o diretor-presidente Ozílio Silva ordenou a redução de 3.600 vagas (de

um total inicial de 12.607 funcionários). Tal medida custaria sua própria demissão.

3.2.4 Década de 90: da quase falência ao renascimento

Em 1990, a delicada situação financeira da Embraer foi deteriorada ainda

mais com a edição do Decreto n.o 99.694, reduzindo a zero a alíquota de IPI sobre

aeronaves em geral, exceto aviões a jato de pequeno e médio porte. O objetivo da

redução era diminuir o ônus tributário sobre os preços de aeronaves importadas e

estimular a renovação das frotas das empresas nacionais (BERNARDES, 2000a).

Isto prejudicou em especial a Embraer e sua subsidiária Neiva, uma vez que suas

aeronaves contavam com elevada carga tributária ao passo que as aeronaves

importadas usufruíam isenção. O EMB-120 Brasília, por exemplo, apresentava carga

tributária de 19,2% do preço, enquanto a carga sobre um avião importado similar era

nula. Assim, para vender um avião para o mercado doméstico, a Embraer teve que

usar de um artifício para reverter tal situação, que consistia em exportar a aeronave

para uma empresa intermediária que, por sua vez, o revendia ao cliente nacional.

Tudo isto encarecia a operação de vendas da Embraer.

Com o agravamento da crise, no início de 1990, é indicado um novo diretor

presidente, João Cunha, homem de confiança do presidente Fernando Collor. João

Cunha solicita ao Banco Central um empréstimo de US$ 600 milhões (concedido

pelo Banco do Brasil) para atender ao vencimento de dívidas de curto prazo e

determina a demissão de mais 3.100 funcionários. Devido às altas pressões

internas, João Cunha não resiste e pede demissão. O empréstimo é considerado por

Bernardes (2000a) o último grande apoio do governo à empresa.

Com a saída de Cunha, regressa para ocupar o cargo de diretor presidente o

engenheiro Ozires Silva, em junho de 1991. Ozires, após passagens pela Petrobrás

e pelo Ministério da Infra-Estrutura, viria a atuar na preparação da Embraer para o

posterior processo de privatização pelo qual passaria.

No início da década, em 1991, já sofrendo enorme crise financeira, a Embraer

intensificou a venda de serviços como uma saída para a crise dos anos 90. Para

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141

Bernardes (2000a), a grande potencialidade de seu parque de máquinas, aliada à

alta capacidade ociosa do período permitiu que a empresa ampliasse a venda de

serviços através de subcontratos com outros fabricantes de aeronaves. Assim,

ampliava a sua atuação neste segmento ao mesmo tempo em que projetava a sua

marca em novos segmentos do mercado aeroespacial, diluindo também o seu custo

fixo.

Assim, a Embraer tornou-se subcontratada da McDonnell Douglas, para

produção dos flaps de fibra de carbono para o avião MD-11, num acordo de offset

decorrente da venda de aeronaves MD-11 para a VARIG. Também produziu peças

que exigem mecânica fina (de precisão) para os Boeing 747 e 767 (GOLDSTEIN,

2001). Além disso, foi homologada pela Boeing para produção de peças em material

composto para o Boeing 777, ficando responsável pela produção de quinhentos

conjuntos de ponta da asa e do dorsal fin (superfície aerodinâmica para aumentar

estabilidade da aeronave), de acordo com contrato assinado em 1991 (BETHLEM,

2002).

A crise foi tão forte que a empresa viu-se forçada a diversificar sua atuação

para áreas não relacionadas à aviação. Passou, então, a atuar na área de colagem

estrutural, junção sem uso de rebites e termofornagem. Dentre os vários clientes

desta época, que chegavam a mais de 120 empresas, podem ser citados a General

Motors, a Autolatina, a Tecnasa, a Hoechst e a Villares.

Segundo Bernardes (2000a), os serviços representavam cerca de 2% da

capacidade instalada da empresa, correspondendo a um faturamento de US$ 45

milhões, entre 1989 e 1994, como pode ser observado no quadro a seguir:

1989 1990 1991 1992 1993 1994

Vendas de serviços 19 10 - 2 10 4

Quadro 7 – Percentual de vendas de serviços do segmento de subcontratos aeronáuticos em

relação ao faturamento total em 1989-1994 (BERNARDES, 2000a)

O pesado endividamento de curto prazo, de US$ 241,5 milhões em 1991, e a

queda significativa nas vendas fizeram com que a empresa suspendesse a entrega

de produtos (Brasília, AMX, flaps do MD-11, etc.), o que abalou a credibilidade e a

imagem da Embraer no exterior. Um estudo de Coutinho et al (1993) já alertava para

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142

o efeito negativo da alta dívida no desempenho da empresa à época, afetando sua

relação comercial com os parceiros.

Os anos 90 também são caracterizados como um período em que a Embraer

consolidou-se como gestora de uma rede de fornecedores muito grande e complexa.

As importações representavam entre 40% a 50% dos insumos e 60% a 70% da

produção. De acordo com Bernardes (2000a), nesta época a Embraer já registrava

cerca de quatrocentos fornecedores, fabricando ampla gama de produtos, com graus

diferenciados de complexidade tecnológica. Dentre os insumos e produtos

fornecidos à Embraer, encontravam-se kits de aviões (Piper e Aermacchi), placas de

alumínio aeronáutico (Alcan e Alcoa), conectores, placas de aço inoxidável e outras

ligas, aviônicos e motores.

De acordo com Dagnino (1993) apud Coutinho et al (1993), o alto nível das

importações em relação à produção da empresa era um indicador suficiente para

questionar o argumento da importância do setor no comércio exterior do país, uma

vez que mesmo os fornecedores nacionais seriam extremamente dependentes de

importações. Para o autor, no entanto, a alta dependência de importações não

caracteriza necessariamente dependência tecnológica.

Para Bernardes (2000a), o conjunto das desastradas medidas de abertura

tomadas pelo governo Collor, a desestruturação do Estado com a perda da

capacidade de promover políticas industriais e tecnológicas e os problemas internos

da Embraer (como falta de capacidade financeira de investimento) levaram à aguda

crise financeira do início da década de 90. Os indicadores de desempenho financeiro

da Embraer podem ser vistos no quadro a seguir:

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1989 1990 1991 1992 1993 1994

Faturamento 700 582 402 333 261 177

Vendas

Mercado externo 36% 37% 32% 32% 38% 40%

Mercado interno 64% 63% 68% 68% 62% 60%

Ativo total 1.145 1.092 1.435 1.227 1.125 1.067

Patrimônio líquido 416 126 324 86 156 281

Lucro/Prejuízo 89 (265) (241) (258) (116) (310)

Investimentos em

P&D 107 128 48 24 35 55

Inv. em P&D /

faturamento 15,3% 22,0% 11,9% 7,2% 13,4% 31,0%

Obs.: Valores em US$ milhões, a não ser quando indicado

Quadro 8 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 1989-1994 (BERNARDES,

2000a)

Ainda em 1991, a FAB manifestou interesse por uma aeronave que servisse

como braço armado do programa SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia). A

Embraer adaptou o Super Tucano para este tipo de missão, transformando-o no ALX

(Aeronave Leve de Ataque). O avião teria de ser moderno e possuir excelentes

características de vôo, para poder interceptar as aeronaves de traficantes e

contrabandistas, que voam na selva amazônica em baixa altitude.

Em 1992, a Embraer é incluída no Programa Nacional de Desestatização do

governo do Brasil (BETHLEM, 2002). Até a privatização, em 1994, a Embraer seguiu

uma estratégia vigorosa de saneamento financeiro e racionalização da mão-de-obra.

Segundo Bernardes (2000a), entre 1989 e 1994, foram eliminados cerca de 7.000

postos de emprego. No entanto, de acordo com Sbragia & Terra (1993), a Diretoria

Técnica (DTE), considerada o coração da empresa, possuía em 1993 um efetivo

somente 10% menor que o existente antes da primeira onda de demissões.

Por fim, em 1994, durante o governo de Itamar Franco (que assumiu após o

impeachment de Fernando Collor) e após seis tentativas fracassadas de

privatização, a Embraer é transferida para a iniciativa privada, por meio de leilão na

Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A empresa foi privatizada por R$ 265

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milhões após longo programa de saneamento inteiramente bancado pelo governo

federal ou por seus órgãos públicos com os quais a Embraer possuía dívida (por

exemplo, o Banco do Brasil). O consórcio liderado pelo grupo Bozano, Simonsen

comprou 40% das ações com direito a voto da empresa, adquirindo também o

controle. Os principais investidores do consórcio eram o Bozano, Simonsen Limited

(13,65%), a Sistel (10,42%), a Previ (10,40%), o Bozano Leasing (3,63%) e a

Fundação Cesp (1,90%). O banco de investimentos americano Wasserstein Perella

adquiriu 19,09% das ações ordinárias da empresa e foram reservados 10% aos

funcionários. Posteriormente o Wasserstein Perella não pagou a parcela que lhe

cabia e o grupo Bozano, Simonsen comprou a parte norte-americana em 1995. Na

privatização também estavam incluídas a Embraer Aircraft Corporation (EAC), a

Embraer Aviation International (EAI) e a Neiva. Também foi criada uma classe

especial de ações, a golden share, que dava à União direito de veto em matérias

relativas à atuação da Embraer em programas militares, mudança do objeto social e

transferência do controle acionário.

Quando foi privatizada, o programa EMB-145 encontrava-se em

desenvolvimento e a principal fonte do seu faturamento provinha dos programas

Brasília e AMX (66% em 1994), como pode ser visto no gráfico a seguir:

34%

32%

15%

8%

6%

5%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

Outros

MD-11

EMB-312 - Tucano

Peças e componentes

AMX

EMB-120 Brasília

Gráfico 1 – Composição do faturamento da Embraer em 1994 (BERNARDES, 2000a)

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145

Tanto o AMX quanto o Brasília, que representavam uma parcela tão

significativa das vendas da empresa, encontravam dificuldades para serem

vendidos. As vendas de EMB-120 Brasília haviam declinado com a recessão

mundial. O preço desta aeronave era considerado alto, em parte por causa das

modificações e inclusões de tecnologia de ponta, mas também devido aos altos

preços cobrados por fornecedores estrangeiros à Embraer, fornecendo-lhes uma

proteção natural contra as dificuldades financeiras da empresa brasileira e seu alto

endividamento. Além disso, cita Bernardes (2000a), houve grande dificuldade em

financiar as aeronaves entre o término em 1990 do Fundo de Financiamento às

Exportações (FINEX) e o início em 1991 de seu substituto, o Programa de

Financiamento às Exportações (PROEX). Por sua vez, o AMX enfrentava

dificuldades na medida em que a FAB não conseguia honrar seus compromissos,

impossibilitando o retorno sobre o alto investimento na aeronave militar e agravando

a situação financeira da Embraer.

Em 1994, os novos controladores acionistas elegem para o cargo de diretor-

presidente o engenheiro Maurício Botelho, formado pela Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ) e com passagens pelo grupo Odebrecht e diretoria executiva

do Bozano, Simonsen. Segundo Bernardes (2000a), a escolha de Maurício Botelho

deixava claro que a prioridade que a nova administração daria aos resultados

econômicos e à satisfação dos clientes. Ainda segundo o autor, do ponto de vista da

estratégia é o reconhecimento que a sobrevivência e o desenvolvimento de novos

projetos da Embraer só serão realizados mediante parcerias institucionais ou

empresariais e celebração de alianças estratégicas que agreguem valor e fortaleçam

economicamente a Embraer. Para a nova diretoria, a abordagem com foco no

produto (engineering driven) deveria ser transformada numa em que a satisfação do

cliente estivesse em primeiro lugar.

Em 1995, foi concluída a concorrência JPATS (Joint Primary Aircraft Training

System) dos EUA, para o fornecimento de até 711 aeronaves de treinamento para a

Força Aérea e a Marinha dos EUA, além dos pacotes em solo e apoio logístico. O

valor do contrato ultrapassava US$ 7 bilhões (embora a parte que caberia à empresa

brasileira caso o consórcio em que participava ganhasse não chegaria a tanto) e a

Embraer vinha se preparando há anos para a disputa com o seu Super Tucano. Por

exigência da legislação americana era necessário um parceiro dos EUA. Por isso, a

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Embraer estabeleceu consórcio com a norte-americana Northrop Aircraft Corp,

empresa com a qual já havia trabalhado em 1975. A crise atravessada pela

Embraer, entretanto, parece ter influído no resultado final, e a empresa perdeu o

contrato para o consórcio suíço-americano produtor da aeronave Beech/Pilatus Mk

II. Tal aeronave apresentava desempenho similar ao do Super Tucano, tendo

inclusive perdido algumas outras concorrências para a aeronave brasileira, como as

que ocorreram na Grã-Bretanha, na França e no Egito.

Ainda em 1995, o Ministério da Aeronáutica assinou contrato com a Embraer

para aquisição de cem unidades do ALX (cinqüenta da versão monoposto e

cinqüenta da biposto). Este contrato permitiu a continuidade do projeto, apesar da

grande derrota na licitação para o JPATS.

Outra concorrência, desta vez canadense, chamou a atenção dos fabricantes

de aeronaves militares de treinamento. O programa NFTC (NATO Flying Training in

Canada) foi criado como uma parceria de 20 anos entre o governo canadense e a

Bombardier para treinamento de pilotos militares e previa a compra de aeronaves

militares de treinamento.

Desta vez o Super Tucano foi anunciado como vencedor da concorrência,

mas numa reviravolta suspeita e inesperada, no momento do fechamento do

contrato (em 1998), foram encomendados aviões do modelo Beech/Pilatus Mk II. O

fato causou profundo mal-estar nas relações comerciais e diplomáticas entre Brasil e

Canadá e acirrou ainda mais a disputa entre Embraer e Bombardier. Analistas da

indústria de aviação atribuíram a súbita mudança à disputa entre as duas empresas

no mercado de aviação regional. Mesmo com este enorme revés, o programa

continuou, agora rebatizado de EMB-314 na versão de treinamento e na versão ALX.

Entre 1995 e 1996, os novos acionistas injetaram US$ 500 milhões, em novo

capital e em emissão de debêntures, com a finalidade de estruturar a empresa com

um capital compatível com suas operações. A estratégia delineada previa a

reestruturação financeira com a posterior recuperação financeira resultante dos

lucros que eram esperados para o projeto EMB-145.

Ainda em 1995 a empresa obteve financiamento via BNDES totalizando US$

120 milhões, com prazo de dez anos e três de carência. Segundo Bernardes

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147

(2000a), tais recursos destinavam-se exclusivamente para o término do

desenvolvimento do EMB-145 e para o programa de fornecimento do sistema de

combustível e trem-de-pouso (sponson), que integram o projeto do helicóptero S-92

Helibus da Sikorsky, num contrato de US$ 300 milhões assinado em 1995

(BETHLEM, 2002). Inicia-se a partir daí uma ação coordenada entre a Embraer e o

BNDES para financiamento dos produtos da empresa brasileira no mercado externo,

que renderam reclamações da canadense Bombardier.

Os anos que se seguiram à privatização da Embraer apresentaram melhora

significativa do desempenho financeiro, com aumento no faturamento (US$ 380

milhões em 1996) e redução no prejuízo (BERNARDES, 2000a). Ainda assim o

endividamento da empresa era muito alto, por volta de US$ 1,23 bilhões em 1997.

Tal resultado pode ser atribuído às despesas financeiras pré-privatização e ao

volume de produção ainda reduzido, resultando em estoques excessivamente

elevados. Os indicadores de desempenho financeiro da Embraer no período 1995-

1999 podem ser visualizados no quadro a seguir:

1995 1996 1997 1998 1999

Faturamento 295 380 764 1.354 1.837

Vendas

Mercado externo 39% 35% 84% 89% 95%

Mercado interno 61% 65% 16% 11% 5%

Ativo total 1.107 1.221 1.263 1.841 2.211

Patrimônio líquido 188 281 37 170 365

Lucro/Prejuízo (253) (123) 3 145 235

Margem de lucro -86% -32% 0% 11% 13%

Endividamento

Divida/Patr. líquido N/A N/A 3.271% 985% 506%

Dívida total N/A N/A 1.225 1.671 1.846

Dívida curto prazo N/A N/A 648 1.034 1.118

Dívida longo prazo N/A N/A 577 637 728

Obs.: Valores em US$ milhões, a não ser quando indicado

Quadro 9 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 1995-1999 (BERNARDES,

2000a; GHEMAWAT ET AL, 2000; EMBRAER, 2002)

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De acordo com Bernardes (2000a), com o objetivo de incrementar a

produtividade, em 1995 a Embraer iniciou um programa de reestruturação

organizacional, demitindo 1.700 funcionários, sendo 1.200 do setor administrativo.

Entre 1995 e 1996, promoveu mais uma rodada de demissões, desta vez

dispensando mais 1.900 funcionários. A nova gestão também atacou o alto número

de níveis gerenciais, reduzindo-os de dez para quatro, bem como dando aumentos

apenas um mês após a privatização a gerentes e engenheiros mal-pagos devido às

restrições governamentais (GHEMAWAT ET AL, 2000). Em 1996 foi lançado o

projeto de reorganização da empresa, que levou a Embraer a uma estrutura

organizacional matricial estruturada por projetos. Tal estrutura, que pode ser vista na

figura a seguir, pretendia aumentar a flexibilidade, a interação e a autonomia das

áreas da companhia, ao mesmo tempo em que reduziria o tempo e os custos de

desenvolvimento de produtos.

Presidente & CEO

Maurício Botelho

Vice-Presidente de Comunicação Empresarial

Walter Nori

Vice-Presidente de Relações Externas

Henrique Rzezinski

Vice-Presidente de Plan. e Desenv. Organizacional

Horácio Aragones Forjaz

Vice-Presidente Jurídico Carlos Rocha Villela

Vice-Presidente de Finanças e CFO

Antonio Luiz P. Manso

Vice-Presidente Industrial

Satoshi Yokota

Vice-Presidente para o Mercado de Defesa

Romualdo M. de Barros

Vice-Presidente para o Mercado de Aviação

Corporatica

Samuel D. Hill

Vice-Presidente de Atendimento ao Cliente

Artur Valério Coutinho

Vice-Presidente para o Mercado de Aviação

Comercial

Frederico Fleury Curado

Figura 9 – Organograma da Embraer em 1996 (GHEMAWAT ET AL, 2000)

O quadro financeiro da empresa começou a ser revertido com o lançamento

do EMB-145, alavancando as vendas da empresa devido ao reaquecimento do

mercado de aviação regional e aos ganhos obtidos com o plano de reestruturação

da empresa. Tal recuperação, aliada à diminuição do efetivo de funcionários, fez

com que a produtividade por empregado da empresa evoluísse fortemente.

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Passada a crise, os serviços subcontratados à Embraer também diminuíram

como um percentual das receitas, conforme pode ser visualizado no quadro a seguir:

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Vendas de serviços 19 10 - 2 10 4 5 5 0,8 0,5

Quadro 10 – Percentual de vendas de serviços do segmento de subcontratos aeronáuticos em

relação ao faturamento total em 1989-1998 (BERNARDES, 2000a)

A venda de serviços levou à troca do foco na aviação pela sobrevivência a

qualquer custo, levando à Embraer a diversificar para melhor aproveitar sua cara

capacidade instalada, que se encontrava subutilizada. De acordo com Bernardes

(2000a), na crise dos anos 90, a empresa vendeu e forneceu serviços de usinagem

de peças, materiais compostos, engenharia de qualidade e ensaios. Além disso,

desenvolveu peças automobilísticas, pás para ventiladores e até uma bicicleta

mountain bike em fibra de carbono. Com a retomada do faturamento da empresa, a

participação dos subcontratos, embora aproximadamente mantivesse seu padrão de

vendas, teve sua participação relativa significativamente reduzida, numa clara

tendência a retomar o foco na fabricação de aeronaves e de estruturas aeronáuticas.

A nova diretoria acreditava que a empresa deveria abandonar a diversificação

e focar no projeto e montagem de aeronaves, áreas em que possuía ampla

experiência. Ainda assim, deu seqüência ao fornecimento dos flaps do MD-11

(aeronave produzida pela McDonnell Douglas) e ao dorsal fin e wing tip do B-777

(aeronave produzida pela Boeing). Ficou claro, então, que a atuação da Embraer

não poderia distanciar-se de suas atividades-fim e que a empresa deveria aproveitar

sua tecnologia e capacidade instalada para atividades aeronáuticas, ainda que de

forma oportunista pudesse aproveitar seu know-how em projetos de fornecimento de

componentes a outros fabricantes aeronáuticos.

Ainda nesta linha de só realizar serviços relacionados à aeronáutica e

envolvendo alta tecnologia, em 1995 a Embraer assinou um contrato de grande

porte com a Sikorsky Aircraft americana para desenvolvimento e fabricação do trem-

de-pouso, sistema de combustível e o sponson (estrutura responsável por flutuação

da aeronave em caso de queda n’água) do novo helicóptero S-92 Helibus, voltado

para três segmentos: a aviação civil básica, a aviação offshore (ou oceânica,

normalmente utilizado por empresas petroleiras com extração marítima) e a aviação

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militar. Estimativas da época previam que o programa viria a ser responsável por

cerca de 10% do faturamento da Embraer. Além do mais, foi uma oportunidade de

desenvolvimento de novas tecnologias, destacando-se a manipulação de ligas de

última geração como o Invar, que apresenta resistência próxima à do alumínio e

tolerância à fadiga próxima à da fibra de carbono. O Invar, que consiste em aço com

aproximadamente 36% de níquel e mais alguns outros elementos, é a primeira

tentativa com êxito na elaboração de uma liga metálica que exibe um coeficiente de

dilatação térmica praticamente nulo.

Para Bernardes (2000a), o projeto do S-92 Helibus ilustra bem a atual

tendência do mercado de fabricação aeronáutica mundial de desenvolver novas

aeronaves a partir de alianças de empresas sob a forma de parcerias de risco. Este

projeto contou com a participação de seis empresas: Sikorsky (EUA), Gamesa

(Espanha), JHG (China), MHI – Mitsubishi Heavy Industries (Japão), AIDC –

Aerospace Industrial Development Corporation (Taiwan) e Embraer (Brasil), sendo

que estas duas últimas atuaram com responsabilidades peculiares, não podendo ser

consideradas fornecedores tradicionais ou parceiros no compartilhamento de risco,

mas um misto entre estas formas de relacionamento comercial.

Ainda segundo Bernardes (2000a), outro grande aprendizado tecnológico de

meados dos anos 90 foi o uso de CATIA (Computer Aided Three-dimensional

Interactive Application), desenvolvido pela empresa francesa Dassault e considerado

um software muito mais avançado que o CAD. A utilização de CATIA permitiu a

realização do projeto em 3D e eliminou a necessidade de construção de protótipos,

gerando assim economias significativas, além de time-to-market mais curto.

Atualmente, a Embraer utiliza um novo modelo de gestão de desenvolvimento

de produto mais sincronizado com a estratégia delineada para a empresa,

satisfazendo clientes, fornecedores, parceiros, acionistas e empregados. O novo

modelo, ao contrário do modelo utilizado na sua época estatal, em que havia menos

comunicação entre as áreas, preza pela integração e interação entre diversas áreas

da empresa, fornecedores e parceiros participantes do projeto. Ainda assim, há

espaço para avanços no novo modelo. Para Bernardes (2000a), nem todos os

fornecedores e parceiros dispõem de capacitação tecnológica no desenvolvimento

de produtos como a Embraer. Por exemplo, são poucas as empresas habilitadas a

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operar softwares complexos como o CATIA e o Intergraph, utilizados pela Embraer.

Assim, conclui o autor, a integração informacional entre empresas precisa avançar

bastante para que possa ser percebida como uma arquitetura plena de networking.

Outra técnica que modificou consideravelmente a produção e o

desenvolvimento de aeronaves é o sistema de liaison engineering, que interliga as

diversas áreas da empresa e auxilia nas tomadas de decisão. Segundo Bernardes

(2000a), este sistema diminuiu em 50% o ciclo de trabalho na fase de produção dos

EMB-120 Brasília e EMB-145.

Ademais, um aspecto importante a ser ressaltado é que, após a sua

privatização, a Embraer foi submetida pela primeira vez a práticas gerenciais

razoavelmente difundidas em empresas privadas de grande porte, como o

planejamento estratégico e a gestão de desempenho. O primeiro planejamento

estratégico foi realizado em 1996, contendo projeções e metas de curto e longo

prazo. Em paralelo ao planejamento estratégico, é posto em prática um sistema de

gestão de desempenho, formulando indicadores de desempenho para áreas críticas

como a produtivo-industrial, a financeira, a de recursos humanos e a de suporte aos

clientes.

O setor de treinamento, embora considerado estratégico para uma empresa

tão baseada no conhecimento (knowledge-based) passou por um amplo processo de

ajuste do seu quadro de funcionários. Atualmente o treinamento da empresa é

terceirizado, ganhando em custo e em qualidade segundo avaliação da própria

empresa. Em 1997, a Embraer formou cerca de 150 funcionários no supletivo e

todos os seus funcionários passaram a ter nível de escolaridade mínimo de segundo

grau, o que hoje passou a ser um pré-requisito para a admissão na empresa.

Há modificações significativas também no departamento de projetos,

considerado por Bernardes (2000a) o coração da empresa. Numa empresa como a

Embraer, ao término de um determinado projeto, normalmente os engenheiros ficam

ociosos à espera de um novo projeto, o que pode ser encarado como um custo fixo

alto e com baixa utilização. Como os engenheiros são de alta qualificação, a

tendência internacional tem sido a de subcontratar mão-de-obra pelo tempo

determinado de duração de projeto, num arranjo conhecido como coalizão de

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projeto, o que a Embraer vem realizando com reservas. Neste sentido a Embraer é

diferente de empresas como Boeing, Airbus e Bombardier que, por serem grandes

grupos, dispõem de projetos suficientes para manter com baixo grau de ociosidade

os seus departamentos de projetos. Para Bernardes (2000a), a adoção de tal

estratégia pode render dividendos no curto prazo, mas pode mostrar-se um desastre

no longo prazo, levando a empresa a perder enorme conhecimento acumulado pelos

engenheiros.

Ainda em 1997, a empresa desenvolveu dois aviões, derivados do EMB-145

(50 passageiros): o EMB-135 (37 passageiros) e o EMB-140 (44 passageiros).

Assim, formava-se a família EMB-145, um conceito utilizado por outros fabricantes

de aeronaves, como Boeing e Airbus.

Em 1998, a empresa cria sua área de Inteligência de Mercado, mesclando

análises top-down (através de avaliação de elementos como previsão de vendas,

carteira de pedidos, frota em operação, condição da frota, perspectivas

macroeconômicas, etc.) e bottom-up (através de entrevistas diretas com potenciais

clientes). A partir da criação dessa área, a Embraer passou a realizar suas próprias

análises prospectivas de mercado, internalizando estudos que antes eram

contratados junto a consultores externos. Segundo BERNARDES (2000b), a

Embraer dispõe hoje, graças à área de Inteligência de Mercado, de instrumentos de

análise muito mais refinados e sintonizados com os sinais de mercado que em sua

época estatal.

Ainda em 1998, a Embraer mudou o nome do seu principal produto de EMB-

145 para ERJ-145 (sigla derivada de Embraer Regional Jet), um movimento nascido

na área de marketing da empresa, evidenciando a importância que essa área

passava a ter nas decisões estratégicas da Embraer. Tal decisão foi tomada levando

em conta a disseminação no mercado do termo “jato regional” como um tipo

específico de aeronave. Também renomeou as aeronaves EMB-135 e EMB-140

para ERJ-135 e ERJ-140, respectivamente. Estas três aeronaves possuem alto grau

de comunalidade entre si. De acordo com Bernardes & Pinho (2002), as principais

características das mesmas são:

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153

• ERJ-145: jato regional para 50 lugares, com custo de aquisição e

operação próximo aos dos turbo-hélices. Seu desenvolvimento exigiu

investimentos de US$ 350 milhões;

• ERJ-140: jato regional para 44 passageiros, seguindo o conceito de

“família de jatos” iniciado com o ERJ-145. Seu desenvolvimento exigiu

investimentos adicionais da ordem de US$ 45 milhões; e

• ERJ-135: jato regional para 37 passageiros, é a versão compacta do ERJ-

145. O investimento adicional da ordem de US$ 100 milhões deve ser

amortizado num prazo de 10 anos, com a venda de 500 aeronaves.

O sucesso com as vendas de suas aeronaves, principalmente o ERJ-145 e o

ERJ-135 fizeram da Embraer a líder mundial de vendas em jatos regionais ainda em

1998, sacramentando a virada na situação da empresa, que até poucos anos antes

era caótica. Segundo Goldstein (2001), tal sucesso foi gerado em grande parte pela

introdução no mercado dos bons produtos da Embraer numa época em que as

linhas aéreas buscavam trocar suas frotas de aeronaves a hélice por jatos, ou seja,

deu-se devido a um casamento perfeito entre a oferta e a demanda, ainda que não

se soubesse se o desenvolvimento de tais produtos tenha sido dado pelo desafio

tecnológico ou pela real descoberta de uma necessidade de mercado.

Com o sucesso do ERJ-145, a Embraer retomou investimentos necessários

para executar a estratégia determinada pelos executivos. Segundo Bernardes

(2000a), em 1996, a empresa anunciou investimentos de US$ 112 milhões para os

próximos anos, substituindo alguns equipamentos na linha de produção,

aumentando a qualidade e a produtividade da manufatura de aeronaves,

informatizando a empresa, eliminando gargalos (bottlenecks) que representavam

riscos de paradas da produção e buscando reduzir custos de manutenção. Além

disso, a Embraer procurou focar nas atividades mais nobres da manufatura

aeronáutica, buscando novos fornecedores e parceiros para diminuir seu grau de

verticalização e de trabalho em atividades de menor valor agregado. Por fim,

recursos também foram investidos para a homologação da empresa segundo o

sistema de garantia de qualidade ISO-9001.

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Outro grande aprendizado da empresa, segundo Bernardes (2000a), é a

implementação de um sistema de análise do desempenho (system performance

feedback), baseado em análise aprofundada de indicadores de desempenho

financeiros, comerciais, operacionais e tecnológicos.

Atualmente, de acordo com Bernardes (2000b), a Embraer hierarquiza sua

cadeia de fornecimento (supply chain) em três grupos:

• Parceiros: definidos como os que assumem riscos financeiros nos

projetos;

• Fornecedores: empresas que entregam as peças, partes e serviços

encomendados pela empresa com periodicidade freqüente; e

• Subcontratados: empresas e indivíduos que recebem a matéria-prima e o

desenho da Embraer, vendendo serviços à empresa por homens-hora

utilizados.

O projeto do ERJ-145 foi o primeiro no qual a Embraer teve experiência real

na gestão de parceiros de risco. Como a empresa não possuía recursos suficientes

para arcar com o projeto de uma nova aeronave, teve que reduzir seus custos de

desenvolvimento, associando-se a parceiros com pouca ou nenhuma tradição no

mercado aeronáutico. Isto também ocorreu devido ao mercado considerar o projeto

como tendo remotas chances de vingar comercialmente. Os governos locais, como

Espanha e Chile, através de isenções fiscais, incentivaram suas empresas a

participar do projeto. O governo espanhol, por exemplo, arcou com mais de US$ 100

milhões na participação da Gamesa no projeto.

Já os fornecedores são selecionados de acordo com a capacidade de atender

a requisitos comerciais, técnicos e de garantia da qualidade. Até 2000, a empresa

contava com cerca de 450 a 500 fornecedores, dentre os quais 95% localizados no

exterior. De acordo com Bernardes (2000a), dentre os 15 fornecedores nacionais,

nenhum domina tecnologia de ponta, o que justifica os altos volumes importados

necessários para a operação da empresa e o baixo índice de nacionalização que,

como já foi visto, não é um parâmetro adequado para mensurar o desempenho da

indústria e da própria empresa.

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Segundo Bernardes (2000a), a Embraer no passado já chegou a registrar

cerca de cem empresas prestando-lhe serviços, normalmente na área de usinagem

e ferramental. Algumas destas empresas realizam serviços simples, como

torneamento de placas metálicas, entretanto outras realizam trabalhos de alta

tecnologia, como engenharia de precisão e mecânica fina. Gomes et al (2005) citam

que alguns prestadores de serviços da Embraer vêm procurando se unir sob a forma

de um consórcio chamado HTA (High Technology Aeronautics), de forma a obter

maior competitividade para exportação de seus produtos e serviços, bem como se

posicionarem em atividades de maior valor agregado na cadeia de produção da

Embraer.

Apesar dos esforços para desenvolver um parque aeronáutico que suportasse

suas atividades manufatureiras, a Embraer esbarra em sérias dificuldades para

encontrar e formar fornecedores locais, seja pela falta de capacitação nas

tecnologias necessárias (engenharia aeronáutica, mecânica fina, materiais

compostos, aviônica, etc.), seja pela ausência de escala das empresas locais,

restritas ao mercado brasileiro.

A utilização de parceiros de risco no desenvolvimento de aeronaves, mais que

um simples rearranjo da cadeia de suprimentos, foi na verdade uma estratégia

totalmente diferente da que a Embraer adotava até então. Na verdade, cita

Bernardes (2000a), a estratégia de formação de alianças, aliada à reestruturação e

modernização da empresa, acaba interagindo positivamente, gerando sinergias e um

momento positivo para a Embraer. De acordo com Bernardes (2000b), a estratégia

adotada no programa ERJ-145 exige profundas mudanças na gestão do negócio em

relação à qualidade, integração, flexibilidade, prazo de entrega e produtividade.

No programa ERJ-145, a Embraer celebrou parcerias com quatro empresas

(Gamesa, da Espanha; ENAer, do Chile; Sonaca, da Bélgica; e C&D Interiors, dos

Estados Unidos), em que cada participante comprometeu-se a desenvolver uma

parte do produto final, e empenhou-se em assegurar o sucesso de vendas do

produto, pois os lucros, assim como os riscos, também seriam compartilhados. As

parcerias foram celebradas em 1992/93, ainda sob gestão estatal, como uma forma

de fugir das sérias restrições financeiras que cercavam a empresa naquele

momento. Além disso, todas as empresas se comprometeram a investir recursos no

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projeto, tendo como contrapartida o recebimento de determinadas tecnologias

aeronáuticas, num processo de transferência de tecnologia capitaneado pela

Embraer. Segundo alguns autores, como Bernardes (2000a), tal transferência de

tecnologia talvez possibilitará que alguns desses parceiros venham a concorrer com

a Embraer no futuro nas áreas em que adquiriram a tecnologia. Para o autor, o

grande ganho da Embraer não ocorreu no aprendizado de tecnologias que não

possuía, mas na gestão de contratos interempresariais.

Entre as empresas parceiras, a Gamesa ficou responsável pela produção das

asas, naceles (estrutura em que ficam alojados os motores), junção asa/fuselagem e

portas do trem-de-pouso principal. A Sonaca responsabilizou-se pela construção das

portas da aeronave excluindo-se a do trem-de-pouso, por duas seções da fuselagem

e pelos pilones (estrutura que sustenta as naceles e o motor). Já a ENAer passou a

produzir o conjunto empenagem horizontal/profundor (superfície aerodinâmica

responsável pelo movimento da aeronave no eixo vertical) e a empenagem vertical.

Por fim, a C&D Interiors desenvolveu e fabricou o interior da cabine de passageiros e

o compartimento de bagagem.

A figura a seguir apresenta os subsistemas do ERJ-145 de responsabilidade

dos parceiros de compartilhamento de risco:

Figura 10 – Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no ERJ-145

(EMBRAER, 2004b)

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Segundo Bernardes (2000a), o programa ainda contou com 68 fornecedores

de componentes, empregando cerca de 2.300 pessoas. Para o autor, a grande

virtude do ERJ-145 foi o fato de que cada parceiro estava realmente empenhado no

sucesso do programa e não somente em fornecer peças ou serviços. Desta forma,

todos se comprometem com prazos menores, custos mais baixos e padrões de

qualidade superiores.

Desde sua concepção, ainda em 1989, a filosofia do programa ERJ-145 foi a

de projetar uma aeronave simples e com custos reduzidos. Apesar de todo o seu

sucesso, o ERJ-145 é uma aeronave tecnologicamente simples para os padrões

atuais, utilizando muitas soluções desenvolvidas ainda nas décadas de 70 ou 80

para o EMB-120 Brasília e o CBA-123 Vector, o que faz dela uma aeronave barata.

Tecnologias em voga atualmente na indústria, como a utilização de materiais

compostos (por ex. kevlar, fibra de carbono, fibra de vidro e Nomex), foram usadas

moderadamente no ERJ-145 e isto foi um dos fatores que possibilitaram preço final

mais barato que os de seus concorrentes.

Os aviônicos do ERJ-145, por sua vez, destoam do conjunto, por serem de

última geração. Segundo Bernardes (2000a), todos eles foram fornecidos pela

empresa americana Honeywell, incluindo displays, sistemas de navegação aérea e

computadores de bordo. De acordo com o estudo do MDIC (2002), os aviônicos

podem representar até 30% do custo final de um avião.

No desenvolvimento do ERJ-145, a Embraer utilizou fortemente o conceito de

engenharia simultânea (concurrent engineering) para eliminar a necessidade de

modificações no projeto advindas de problemas na produção. Segundo Bernardes

(2000a), cada um dos 19.518 itens da aeronave foi inteiramente projetado em

CAD/CAM, o que possibilitou à Embraer a elaboração de um mock-up eletrônico,

gerando economias financeiras e no tempo do desenvolvimento do projeto. Segundo

o presidente da empresa Maurício Botelho, “quando chegamos na Embraer o

desenvolvimento de aviões como o Brasília era feito com peças de madeira,

tornando mais difícil a execução do projeto. Já a família do jato ERJ 145 foi toda

projetada e desenvolvida em CAD-CAM, de tal forma que se tornou muito mais

harmônica e fácil a produção desse aparelho” (DAMIANI, 2000).

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O êxito do programa ERJ-145 foi coroado com a conquista do significativo

contrato com a Continental Express para fornecimento de duzentas aeronaves,

permitindo a recuperação econômica da empresa bem como a volta do prestígio

perdido com a crise financeira. Assim como nas épocas passadas, a venda dos ERJ-

145 não se viabilizaria sem financiamento. Desta vez, como uma empresa privada, a

Embraer utilizou linhas de financiamento do PROEX (Programa de Financiamento às

Exportações), um mecanismo usado para financiar exportações de empresas

brasileiras, equalizando as taxas de juros oferecidas para as empresas participantes

àquelas do mercado internacional. Para Bernardes (2000a), tal financiamento foi

fundamental para o sucesso e, inclusive, para a sobrevivência da Embraer no

mercado de jatos regionais.

A utilização de redes empresariais agregando parceiros estratégicos que

compartilham riscos e lucros foi uma grande mudança de paradigma para a

Embraer. De acordo com Bernardes (2000a), antes os projetos multinacionais de

desenvolvimento e produção de aeronaves eram exceção e não eram vistos

positivamente pela ótica da gestão estatal com ênfase estratégico-militar, devido ao

risco de troca de segredos industriais. Hoje, a celebração de tais alianças é regra na

indústria, pois há a necessidade de diluir os custos crescentes no desenvolvimento

de novas aeronaves. O sucesso do programa ERJ-145 deve muito ao aprendizado

da empresa no programa de cooperação Brasil-Itália para produção do caça AMX

em parceria com as empresas italianas Aermacchi e Aeritalia. Neste projeto, a

Embraer adquiriu a capacidade de gerenciar parceiros de forma eficaz.

Segundo Bernardes (2003), a rede empresarial no setor de fabricação de

aeronaves é controlada pelos produtores e fabricantes das células ou fuselagem,

que criam e gerenciam os elos principais na cadeia do setor. Tais empresas são

responsáveis pelo estudo, concepção e desenvolvimento do projeto aeronáutico,

pela integração das partes e subsistemas num produto final e pela comercialização e

serviços de assistência técnica ao cliente. De acordo com o autor, a lógica das redes

no setor de fabricação de aeronaves pode ser entendida como uma configuração de

teias centralizadas de “sistemas e produtos complexos” articulados às redes de valor

globais. Desta forma, alguns dos pontos críticos para a competitividade no setor são:

• Capacidade de gerenciar a rede de fornecimentos global;

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• Dominar os fatores logísticos do processo de produção e

desenvolvimento;

• Reduzir os custos transacionais através de aumento da margem de lucro

devido à fixação dos preços na fase de produção; e

• Ser pioneiro em tecnologias e processos inovadores ou imitar

rapidamente.

De acordo com Bernardes (2000a), com a nova filosofia de projeto e produção

baseada na celebração de parcerias de risco, o ERJ-145 acabou saindo por um

valor de referência da ordem de US$ 14,8 milhões, cerca de 20% mais barato que

seu concorrente direto, o CRJ-200 da Bombardier, que custa cerca de US$ 18,6

milhões. Além disso, o ERJ-145 apresenta custos operacionais menores que os

seus principais concorrentes, o CRJ-200 e o SAAB-2000, este último um turbo-

hélice.

A homologação do ERJ-145 no FAA deu-se em 1996. A Embraer pôde, enfim,

disputar o mercado de jatos regionais, com um atraso de 110 aviões, a quantidade

de CRJ-200 já vendidos até então (BERNARDES, 2000b). Segundo Bernardes

(2000a), a primeira grande concorrência internacional disputada entre o ERJ-145 e o

CRJ-200 foi o contrato de fornecimento de 150 aeronaves para as empresas

americanas de transporte aéreo regional ASA e Comer. Apesar da preferência

demonstrada pelo ERJ-145, dada a sua superioridade técnica e o preço mais

competitivo, a Bombardier ganhou a concorrência devido à linha de financiamento

aberta para essas empresas a juros mais competitivos. Novamente, ficou clara a

velha lição aprendida pela Embraer desde a década de 70: na indústria aeronáutica

não basta ter o melhor avião nem o preço mais baixo se a empresa não puder

financiar seus produtos em condições de igualdade com seus concorrentes.

O quadro a seguir apresenta uma comparação entre as principais

características operacionais do ERJ-145 e do CRJ-200:

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Características da aeronave ERJ-145 CRJ-200

Número de assentos 50 50

Tamanho (pés) 91,7 80

Tamanho mínimo de pista (pés) 4.605 4.850

Velocidade de cruzeiro (Macha) 0,78 0,80

Alcance máximo (milhas náuticasb) 2.000 1.900

Peso básico operacional (lb) 27.400 30.900

Carga paga máxima (lb) 12.800 14.000

Eficiência estrutural do projetoc 0,47 0,45

Volume acondicionado total (ft3) 525 485

Preço de referência (US$ milhões)d 17,6 21

Avaliação econômica

Distância (milhas náuticas) 200 500 200 500

Tempo de vôoe (min) 43 86 43 86

Custos de combustível 175 363 183 379

+ Custos com tripulação 138 272 138 272

+ Custos de taxas de pouso 47 47 52 52

+ Custos com seguro 34 67 41 81

+ Custos de manutenção 188 348 245 356

= Total dos custos operacionais 582 1.097 659 1.140

+ Custos de posse da aeronavef 398 787 475 939

= Total dos custos do trecho 980 1.884 1.134 2.079 a Mach refere-se à velocidade do som no ar b 1 milha náutica é igual a aproximadamente 1,15 milhas-padrão. Os dados referem-se ao ERJ-

145XR (extended range) c Eficiência estrutural do projeto = Carga paga máxima / Peso básico operacional d A maioria das aeronaves é vendida com descontos em seu preço e Inclui 10 minutos de táxi na pista do aeroporto; assumiu-se que a diferença de tempo operacional

entre as duas aeronaves era zero f Calculado como 0,78% do preço da aeronave por mês (ou o equivalente a 210 horas de vôo

assumindo um total de 2.500 horas de vôo por ano)

Quadro 11 – Comparação resumida entre ERJ-145 e CRJ-200 (GHEMAWAT ET AL, 2000)

A reviravolta no mercado acontece em 1996 na Feira de Farnborough, na

Inglaterra, quando a Embraer vende duzentos ERJ-145 para a Continental Express,

sendo 25 vendas firmes (totalizando US$ 375 milhões) e 175 opções de compra. Já

em 1997, no famoso Salão Aeronáutico de Le Bourget, na França, a Embraer vence

outra disputa feroz com a Bombardier, numa encomenda de 67 ERJ-145 para a

American Eagle (subsidiária da American Airlines), totalizando aproximadamente

US$ 1 bilhão. Desta vez, a Embraer contou com financiamento do BNDES, cobrindo

em até 100% o valor da operação, a juros internacionais e num prazo de até quinze

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anos. Tais contratos garantiram que a crise financeira seria mesmo somente parte

do passado da empresa e que a Embraer posicionava seu produto, o ERJ-145,

como uma excelente alternativa para o mercado de aviação regional.

Com os resultados positivos, não só a Embraer passou a lucrar, mas também

seus parceiros de risco. Emblemático é o caso da Gamesa, empresa espanhola

controlada pelo Banco de Bilbao y Viscaya (BBV) e pela Iberdrola. A empresa

creditava ao sucesso do ERJ-145 cerca de 90% das vendas de sua divisão

aeronáutica e o seu índice de participação no projeto/produção da aeronave era de

12,5%, sendo a participação nos lucros um valor semelhante. Com o crescimento

das vendas de ERJ-145, a empresa espanhola teve que investir pesado em novos

equipamentos bem como contratar pessoal, muitos dos quais brasileiros e ex-

funcionários da Embraer.

Obviamente, a Bombardier sentiu o seu monopólio ruir e reagiu com energia,

conforme esperado. A empresa canadense acusou o governo brasileiro de subsidiar

a fabricação de aviões e apresentou queixa à Organização Mundial de Comércio

(OMC), acusando de ilegal a modalidade de equalização de taxas de juros dos

financiamentos oferecidos pelo PROEX. Por sua vez, o Itamaraty acusou o governo

canadense e a Bombardier de serem sócios em uma empresa criada especialmente

para conceder financiamentos para a empresa canadense.

Aproveitando o impacto positivo gerado pelo ERJ-145, a Embraer anunciou

em 1997 o desenvolvimento do novo jato regional para 37 passageiros, o ERJ-135.

Com base no conceito de família, o ERJ-135 apresentava grau de comunalidade

com o ERJ-145 maior que 90%, gerando economias significativas à Embraer (tempo

e custos de desenvolvimento mais baixos) e aos operadores (menor custo de

manutenção, de treinamento dos pilotos e comissários, etc.). Este jato foi

desenvolvido no mesmo conceito de parcerias de compartilhamento de risco e com

as mesmas empresas integrantes do programa ERJ-145.

O novo programa das aeronaves regionais ERJ-170/190 (aeronaves de 70 a

118 passageiros), anunciado em 1999 na Feira de Le Bourget (Paris, França), foi

concebido como uma plataforma completamente diferente da família ERJ-145.

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Alongar o ERJ-145 foi uma idéia cogitada, mas logo excluída devido à sua apertada

fuselagem.

As aeronaves pertencentes ao programa ERJ-170/190 são:

• ERJ-170: jato de capacidade de 70 a 78 assentos, certificado em fevereiro

de 2004;

• ERJ-175: jato de capacidade de 78 a 86 assentos, certificado em

dezembro de 2004;

• ERJ-190: jato de capacidade de 98 a 106 assentos, certificado em agosto

de 2005;

• ERJ-195: jato de capacidade de 108 a 118 assentos, com certificação

prevista para o segundo trimestre de 2006.

A aprovação para o novo programa só foi dada após extensivos estudos e

pesquisas de mercado com potenciais clientes, a partir do qual foi identificada forte

demanda por aeronaves regionais na faixa de 70 a 110 passageiros. De acordo com

Ghemawat et al (2000), a Embraer, através de tais estudos, descobriu que as linhas

aéreas esperavam que o tráfego regional crescesse significativamente mais que o

tráfego de passageiros de longa distância e até 3 vezes mais que o PIB mundial.

Também identificou a demanda por jatos regionais, na medida em que as

companhias substituíam suas frotas de turbo-hélices. A demanda também dependia

de fatores específicos à indústria, tais como o relaxamento de restrições impostas

pelos sindicatos das linhas aéreas para o vôo com mais de 70 passageiros em linhas

aéreas regionais (que pagam aos pilotos e comissários substancialmente menos que

as linhas aéreas tradicionais). Outro fator importante identificado foi o conforto aos

passageiros: embora não se pudesse descuidar do preço da aeronave e da

eficiência operacional, o conforto passava a ser um item cada vez mais importante,

em especial para as linhas aéreas européias.

Os estudos junto aos clientes em potencial (linhas aéreas) também

identificaram alguns fatos curiosos. Por exemplo, os clientes sugeriram que as novas

aeronaves possuíssem os motores embaixo das asas, ao contrário dos aviões da

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família 145, que possuíam dois motores ligados à parte traseira da fuselagem. Esta

solução simplifica os serviços de manutenção nos motores e aumenta o conforto dos

passageiros por permitir o carregamento de bagagens e de alimentos a bordo com

somente um dos motores ligados, fornecendo a energia necessária para o

funcionamento do ar condicionado e dos dispositivos elétricos da aeronave. A

configuração com motores abaixo da asa também ajuda a diminuir o tempo em solo

(AVIATION WEEK & SPACE TECHNOLOGY, 1999). Segundo Cassiolato et al

(2002), o programa ERJ-170/190 foi desenvolvido num contexto totalmente diferente

do ERJ-145. Enquanto o primeiro caracteriza-se por uma grande ênfase em custos,

com os parceiros de compartilhamento de risco atuando mais como fornecedores

que parceiros de verdade, o projeto mais recente desenvolve-se num contexto de

adicionar alto valor e tecnologia aos projetos. A família ERJ-170/190 é

definitivamente mais sofisticada que a família ERJ-145.

As aeronaves da família ERJ-170/190 possuem capacidade para 70 a 118

passageiros, de acordo com uma progressão geométrica comumente usada na

aeronáutica para definir a capacidade das aeronaves de uma determinada família.

Esta capacidade reflete o conhecimento de que as linhas aéreas regionais

normalmente operam com lucro a partir de 55% de load factor médio (capacidade

utilizada da aeronave). Sabe-se empiricamente, entretanto, que load factors acima

de 75% significam que a linha aérea está deixando muitos passageiros no solo sem

poderem voar em suas aeronaves, e um “vácuo competitivo” está sendo criado.

Assim, o ideal é operar com load factors entre 55-75%. Desta forma, as aeronaves

ERJ-135, ERJ-145, ERJ-170 e ERJ-190 possuíam cada uma, aproximadamente

36% (ou seja, 75/55 menos um) mais assentos que a aeronave anterior. A única

exceção à regra era o ERJ-195, cuja capacidade refletia restrições impostas ao

alongamento excessivo da fuselagem usada para a aeronave de 70 passageiros

(ERJ-170), assim como considerações de cunho competitivo (ou seja, não competir

diretamente com o Boeing 737 e o Airbus A319, muito embora estivesse situado na

mesma faixa que o Boeing 717-200, de 106 passageiros; que os Boeing 737 mais

antigos; e que o Airbus A318, de 107 passageiros).

A figura a seguir mostra esta competição entre as aeronaves regionais e as

menores aeronaves da Boeing e da Airbus (chamadas single-aisle aircraft ou

aeronaves de uma única passagem):

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Figura 11 – Superposição entre aeronaves regionais e single-aisle gerando competição direta

(MERRILL LYNCH, 2004)

As parcerias estratégicas no novo programa foram aprofundadas, tornando-se

mais integradas e complexas. O projeto foi feito em co-design com as parceiras e

não pela Embraer isoladamente. O compartilhamento de risco foi tornado obrigatório

para todos os principais fornecedores ao invés de opcional. O pedido de propostas

foi enviado a 85 parceiros em potencial, dos quais 58 enviaram propostas e 16 foram

selecionados. Outros parceiros menores foram adicionados ao grupo de projeto na

medida em que o desenvolvimento progredia. As empresas parcerias foram

meticulosamente analisadas para a escolha, pois as parcerias possuem horizonte de

longo prazo e torna-se muito difícil – além de perigoso – terminar uma parceria antes

do fim da vida útil do programa. Estima-se um horizonte de aproximadamente trinta

anos para as parcerias de compartilhamento de risco da Embraer (MARQUES,

2004), tanto no programa ERJ-145 como no programa ERJ-170/190.

A figura a seguir apresenta os subsistemas do programa ERJ-170/190 de

responsabilidade dos parceiros de compartilhamento de risco:

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Figura 12 – Responsabilidades dos parceiros de compartilhamento de risco no ERJ-170/190

(EMBRAER, 2004b)

De acordo com Ghemawat et al (2000), diferentemente do projeto da família

ERJ-145, a Embraer esperava de seus parceiros em compartilhamento de risco para

o projeto ERJ-170 e ERJ-190 o fornecimento de sistemas completos ao invés de

componentes, encorajando assim um relacionamento muito mais próximo. Em

contraste, a Bombardier dava menos ênfase ao uso de parcerias com outras

empresas, por ser bem maior e mais integrada horizontalmente e verticalmente. A

Fairchild Dornier também se encontrava comprometida quanto à possibilidade de

estabelecer relacionamentos de longo prazo, tanto por problemas financeiros como

por dúvidas no mercado a respeito de seus gestores.

Já de acordo com Bernardes (2000a), a Embraer possui 45% de participação

nos projetos da família ERJ-170 e ERJ-190 e é responsável pela integração de todos

os sistemas, estrutura e parte técnica final da montagem. Segundo Ghemawat et al

(2000), a previsão de investimentos necessários para o desenvolvimento desta nova

família era de US$ 850 milhões (dos quais US$ 500 milhões seriam usados no

desenvolvimento do primeiro avião da família, o ERJ-170). Caso o projeto fosse um

sucesso, citam os autores, as receitas da Embraer mais que dobrariam (numa

estimativa contando com mais de US$ 2 bilhões em receitas anuais adicionais

devido às vendas do novo programa).

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Outro aspecto relevante é o fato de que todos os requisitos técnicos de

seleção dos parceiros foram estabelecidos antes do início do projeto, levando a

Embraer a escolher parceiros de reconhecido conhecimento aeronáutico e

capacidade de projeto e produção. Além disso, as parcerias foram estabelecidas

levando em conta não somente a capacidade tecnológica do parceiro, mas também

aspectos como influência em mercados importantes, aquisição de conhecimento

comercial, infra-estrutura comercial e logística, capacidade de produção instalada,

escala tecnológica e capacidade financeira.

Para Bernardes (2000a), o uso e aperfeiçoamento da estratégia de alianças

estratégicas com parceiros de risco é condição sine qua non para o sucesso da

Embraer frente à concorrência internacional, caracterizada por oligopsônios e

conglomerados com grande capacidade de investimento e poder de mercado, além

de subsídios financeiros dos seus países de origem, muito mais ricos e influentes

que o Brasil. Dentre tais empresas, destacam-se a Boeing (Estados Unidos) nos

mercados civil e militar; a Airbus (Europa) e a Bombardier (Canadá) no mercado

civil; a Lockheed Martin (Estados Unidos), a Raytheon (Estados Unidos), a British

Aerospace Systems (Grã Bretanha), a Northrop Grumman (Estados Unidos), a

Thomson (França) e a Aérospatiaele/Dassault (França) no mercado militar.

Para a família de jatos ERJ-170 e ERJ-190, a Embraer reformulou o conjunto

de seus parceiros de risco. Um deles é a empresa americana General Electric (GE),

que foi escolhida para fornecer os motores, muito embora também fosse fornecedora

do CRJ-700 da Bombardier e do FD-728 da Fairchild Dornier, os competidores

diretos do ERJ-170. A GE é considerada um parceiro crucial para o sucesso do

projeto, já que os motores representam cerca de 20% do preço final da aeronave,

que totaliza aproximadamente US$ 22 milhões para o ERJ-170 e US$ 27 milhões

para o ERJ-190. Outra parceira da nova família é a Honeywell, que participou do

projeto ERJ-145 somente como fornecedora e não como parceira de risco. A

Honeywell projeta e fabrica os aviônicos das aeronaves. A Gamesa, pertencente ao

pool de parceiros do projeto ERJ-145 também integra o novo programa,

desenvolvendo as empenagens da aeronave e a parte traseira da fuselagem. A

Hamilton Sundstrand é responsável pelo cone de cauda. Outro parceiro é a japonesa

Kawasaki Heavy Industries, investindo US$ 100 milhões no desenvolvimento da

parte central da asa, superfícies de controle e pilones.

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A parceria de compartilhamento de risco foi estabelecida da seguinte forma:

os parceiros devem custear o desenvolvimento dos sistemas sob sua

responsabilidade no projeto, valor que não será reembolsado pela Embraer e que

era estimado em US$ 200-250 milhões. Adicionalmente, os parceiros devem fazer

contribuições ao caixa da Embraer para ajudar a empresa brasileira a financiar os

seus custos de desenvolvimento do projeto, embora a companhia comprometesse-

se a reembolsar esta contribuição para os parceiros caso não conseguisse obter o

certificado de aeronavegabilidade da nova aeronave. Por fim, os parceiros também

são envolvidos na estruturação de financiamento das vendas e em garantias

financeiras como o valor residual da aeronave para os clientes.

Enquanto o projeto ERJ-145 possui cerca de 400 fornecedores, a nova família

chegou a um número de aproximadamente 40, o que representa maior facilidade no

gerenciamento desta cadeia e menores custos para a Embraer. Além disso, muitos

dos fornecedores e parceiros de risco instalaram fábricas em São José dos Campos

ou nas imediações, demonstrando a importância dos programas ERJ-170/190 e a

confiança no desempenho futuro da Embraer. Em 1999, a JDP (joint definition

phase) contou com 350 engenheiros da Embraer e 250 engenheiros dos parceiros

em compartilhamento de risco, trabalhando lado-a-lado em São José dos Campos.

O quadro a seguir, elaborado por Ghemawat et al (2000), apresenta o grupo

de parceiros da Embraer para a família ERJ-170 e ERJ-190:

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Parceiro de compartilhamento de risco Responsabilidades no projeto

Sonaca (Bélgica) Slats da asa

Latécoère (França) Fuselagem (seções centrais I e III)

Liebherr (Alemanha) Trem-de-pouso

Kawasaki (Japão) Superfícies de controle, pilone e suporte de asa

Gamesa (Espanha) Estabilizadores vertical e horizontal, leme,

profundores e fuselagem traseira

General Electric (EUA) Motores e naceles

Allied Signal (EUA) Iluminação externa e de cabine

Hamilton Sundstrand (EUA) Cone de cauda, APU (auxiliar power unit),

sistemas de comando elétrico e de ar

Honeywell (EUA) Aviônicos

C&D (EUA) Interiores

Parker Hannifin Corporation (EUA) Controle de Vôo, Sistema de combustível e Sistema Hidráulico

Quadro 12 – Parceiros de compartilhamento de risco da Embraer no desenvolvimento da

família ERJ-170/190 (BERNARDES & OLIVEIRA, 2003)

Segundo Cassiolato et al (2002), a nova política de fornecimento da Embraer

possui três objetivos principais:

1. Produção doméstica de partes, componentes e subsistemas, através da

atração de parceiros no programa ERJ-170/190 para as vizinhanças da

fábrica em São José dos Campos;

2. Redução do número de fornecedores externos e locais, estabelecendo

novas normas e parâmetros para a composição e integração da cadeia de

fornecimento. Tal esforço explica a redução de 90% no número de

fornecedores (de aproximadamente 400 no programa ERJ-145 para

aproximadamente 40 no programa ERJ-170/190); e

3. Construção de novos tipos de relacionamento com fornecedores e gestão

de fluxos entre os fornecedores de sistemas, partes, componentes e

serviços tecnológicos, através de um padrão de “pacotes tecnológicos”.

Os resultados do projeto da nova família a princípio indicam uma

superioridade da Embraer sobre seus concorrentes. O quadro a seguir mostra as

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principais características do ERJ-170 com seus concorrentes diretos, o CRJ-700 e o

FD-728:

Características da aeronave ERJ-170 CRJ-700 FD-728

Número de assentos 70 70 75

Tamanho (pés) 97,4 106,3 87,3

Tamanho mínimo de pista (pés) 4.132 4.658 4.526

Velocidade de cruzeiro (Mach) 0,78 0,77 0,78

Alcance máximo (milhas náuticas) 1.740 1.470 1.625

Peso básico operacional (lb) 41.116 43.500 46.032

Carga paga máxima (lb) 20.062 18.800 20.767

Eficiência estrutural do projeto 0,49 0,43 0,45

Vol. acondicionado total (ft3) 842 654,6 876,3

Preço de referência (US$ milhões)d 22,3 25,6 26,5

Backlog de pedidos (em 31/12/99) 40b 99 60

Avaliação econômicaa

Distância (milhas náuticas) 200 500 200 500 200 500

Tempo de vôoc (min) 45 87 45 88 45 87

Custos de combustível 281 479 272 465 283 489

+ Custos com tripulação 303 586 304 594 303 586

+ Custos de taxas de pouso 123 123 117 117 133 133

+ Custos com seguro 18 34 20 40 21 41

+ Custos de manutençãod 195 377 226 441 227 439

= Total dos custos operacionais 920 1.599 939 1.657 967 1.688

+ Custos de posse da aeronavee 711 1.374 816 1.595 844 1.632

= Total dos custos do trecho 1.631 2.973 1.755 3.252 1.811 3.320

Obs.: Vide quadro comparativo entre ERJ-145 e CRJ-200 para discussão mais completa sobre nomenclatura e hipóteses assumidas a Os custos podem não ser totalmente iguais aos deste quadro por terem sido obtidos em datas diferentes de comparação b Adicionalmente, 30 ordens firmes foram recebidas para o ERJ-195 c Tempos de vôo levemente maiores que para as aeronaves de 50 assentos refletem-se em mais manobrabilidade durante o vôo e, no caso do CRJ-700, velocidades um pouco menores d Números preliminarmente baseados nas estimativas do Departamento de Engenharia e Manutenção da Embraer e Calculado como 1% do preço da aeronave por mês (ou o equivalente a 210 horas de vôo assumindo um total de 2.500 horas de vôo por ano)

Quadro 13 – Comparação resumida entre ERJ-170, CRJ-700 e FD-728 (GHEMAWAT ET AL,

2000)

Como citado acima, Bernardes (2000a) defende que as alianças são

condições necessárias para a sobrevivência da Embraer na indústria aeroespacial,

dominada por conglomerados muito maiores que a empresa brasileira, todos

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dotados de enorme escala industrial. Para o autor, as alianças devem levar em

consideração diversos fatores críticos, como a capacidade de aporte de capital nos

futuros projetos, transferência e desenvolvimento de novas tecnologias, participação

e agregação de mercado, conhecimento comercial e a logística. De acordo com o

autor, o grande desafio da Embraer será a gestão institucional e a celebração de

alianças com os maiores fabricantes mundiais, com grande capacidade financeira e

tecnológica, sem incorrer no risco de ser absorvida por uma delas num processo de

fusão ou aquisição.

A década de 90 foi uma década de predomínio da aviação civil sobre a militar

dentro da Embraer. Em parte isso é explicado pela diminuição dos orçamentos

militares no mundo, o que afetou as encomendas de aeronaves militares da

empresa. Por outro lado, o sucesso das famílias ERJ-145 e ERJ-170/190 fizeram

com que as vendas militares representassem pequena parte do faturamento da

Embraer. A tendência natural é de que diminuam as vendas do EMB-312 Tucano ao

passo que aumentem as do EMB-312H Super Tucano, considerada uma ótima

aeronave de treinamento. O programa AMX demanda investimentos em melhorias,

principalmente em aviônicos mais modernos, mas sua estrutura e aerodinâmica

continuam adequados para as missões a que se propõe.

Além disso, a Embraer participa da licitação de renovação da frota de

aeronaves caça da FAB. Por um lado, a empresa brasileira já foi escolhida pelo

governo brasileiro como responsável pela modernização dos caças F-5E/F. Por

outro lado, pode vir a substituir os Mirage III da FAB com o caça Mirage 2000 BR,

competindo pelo contrato com o F-16 (da norte-americana Lockheed Martin), o Mig-

29 (da russa RAC-MIG), o Gripen (da sueca SAAB) e o Sukhoi S-35 (da russa

Rosoboronexport). O caça francês Mirage 2000 BR é apoiado pela brasileira

Embraer, pois um consórcio francês composto pelas empresas Aérospatiale-Matra

(5,66%), Dassault Aviation (5,66%), Thomson-CSF (5,66%) – agora chamada Thales

– e Snecma (3%) adquiriu 20% das ações da Embraer em 1999. Posteriormente, a

parte da Aérospatiale-Matra foi absorvida pela EADS, controladora da Airbus e de

outras empresas aeroespaciais européias. Por enquanto a licitação de substituição

dos Mirage III encontra-se suspensa.

Segundo Bernardes (2003), tal aliança permitirá acesso a novas tecnologias

críticas tanto para as áreas militares como civis, tais como tecnologia aeronáutica

supersônica, softwares de integração de armamentos, equipamento aeronáutico

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avançado. Além disso, também deve permitir o desenvolvimento de novos produtos

e novas fontes de financiamento para pesquisa e desenvolvimento, aquisição de

outras empresas e abertura de novos mercados, tais como o chinês (devido às

operações das empresas francesas no país). Deve ser salientado que o sudeste

asiático (e a China em particular) é a região em que está previsto o maior

crescimento da demanda por aviões regionais, o foco da operação da Embraer

atualmente.

A Embraer também foi escolhida pela FAB como fornecedora do projeto

SIVAM (Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia), desenvolvendo e produzindo

oito aviões ERJ-145 adaptados para vigilância aérea e coleta de dados. Destes,

cinco contam com radares da sueca Ericsson e são destinados a controle aéreo e

três para sensoriamento remoto. O contrato, assinado em 1997, foi bastante

significativo, representando cerca de US$ 450 milhões. Em paralelo, também para o

projeto SIVAM, a Embraer passou a desenvolver o ALX (Aeronave Leve de Ataque),

baseado no Tucano e projetado para atender as necessidades da FAB na Amazônia,

bem como treinamento de pilotos. Os motores do ALX são de uma das primeiras

fornecedoras da Embraer, a Pratt & Whitney, com potência de 1.600 SHP, e as

hélices são Hartzell de cinco pás.

Além disso, de acordo com Bernardes (2000a), haveria ainda um programa

militar brasileiro desenvolvido com extremo sigilo, para projeto e fabricação do

primeiro avião supersônico brasileiro. Segundo o autor, o projeto é estimado em US$

3 bilhões e passa por negociações cercadas de segredo entre a Embraer e a FAB.

Percebe-se que a aviação militar na Embraer encontra-se num momento de

pouca importância relativa em comparação à aviação civil, se for tomado por base o

critério do faturamento. Em 2002, a aviação militar representava somente 5,7% do

faturamento da empresa, frente 87,9% da aviação civil (sendo os 6,4% restantes

referentes a serviços ao cliente). Comparando-se estes números à média histórica

do mercado militar, de 45% do faturamento total da empresa, pode-se perceber a

importância que os projetos civis ganharam no conjunto de produtos da empresa.

Ainda assim, o planejamento da empresa prevê aumento gradual da aviação militar,

pois neste segmento os contratos normalmente são relevantes, de mais longo prazo,

permitindo a estabilidade financeira e operacional da empresa. Além disso, o

desenvolvimento de aeronaves militares possibilita a geração de novas tecnologias,

posteriormente aproveitadas nas aeronaves civis.

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De acordo com o Vice-Presidente para o Mercado de Defesa da Embraer,

Romualdo Monteiro de Barros, a companhia estava num processo de mudança de

um fabricante de aeronaves militares para um fornecedor de sistemas inteligentes de

defesa. Assim, a Embraer busca a transferência de tecnologia dos seus novos

parceiros franceses, tentando adquirir capacidade tecnológica em sistemas e

softwares de defesa, para poder oferecer produtos além de aeronaves militares e

capacitar-se também para competir em outros mercados com sistemas de defesa

para forças navais e exércitos.

3.2.5 O século XXI e os desafios para o futuro

Na presente década a Embraer começou expandindo suas instalações fabris.

Em 2000, ampliou a fábrica da Neiva, em Botucatu (SP) e adquiriu uma instalação

industrial próxima à fábrica de São José dos Campos. Além disso, deu início à

construção de uma fábrica nova em Gavião Peixoto (SP), destinada à montagem

final de aeronaves para a aviação corporativa e militar, além de ser um centro de

ensaios em vôo. A demanda por novas aeronaves encontrava-se tão forte no ano

2000 que a empresa teve que expandir sua capacidade em 33% ao longo do ano

(GOLDSTEIN, 2002).

Consolidando sua posição competitiva e inserindo-se no mercado global de

capitais, a Embraer lançou suas ações na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE)

em 2000, além de emissão secundária e primária de ações na Bolsa de Valores de

São Paulo (Bovespa).

Também em 2000, a Embraer deu continuidade ao seu plano de

aprimoramento tecnológico, implementando vários projetos que buscam manter a

empresa numa posição de liderança nesse aspecto. Neste ano inaugurou o Centro

de Realidade Virtual (CRV), uma das mais modernas ferramentas disponíveis para

auxiliar na concepção, desenho, cálculo e dimensionamento de sistemas, além da

simulação da integração de sistemas e componentes. Esse sofisticado conjunto

possibilita que o ciclo de um projeto, englobando desde a concepção até o

lançamento do produto, seja significativamente reduzido. Segundo a Embraer, o

CRV também possibilita otimizar os futuros serviços de manutenção, pois

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disponibiliza uma perfeita simulação das condições que serão encontradas durante

as rotinas de manutenção.

Um outro sistema implementado pela Embraer em 2000 é conhecido pelo

nome de Knowledge Based Engineering (KBE). Trata-se de um sistema integrado,

que incorpora sofisticado software, contendo banco de dados com informações,

regulamentações, normas e restrições relativas a todo o conhecimento adquirido

pela Engenharia da Empresa ao longo do tempo. O sistema permite resgatar para

projetos futuros todos os fatores condicionantes e restrições que, no passado,

influenciaram uma determinada decisão técnica.

Outro fato relevante de 2000 foi a celebração de acordo de cooperação

tecnológico com a TsAGI, da Rússia, o maior instituto de pesquisas aeronáuticas do

mundo, que permite o acesso da Embraer aos túneis de vento e aos laboratórios de

aeroelasticidade e aerodinâmica computacional daquela instituição.

O ano 2000 também viu o retorno da empresa brasileira a um segmento em

que não atuava há muito tempo, o de aeronaves executivas. Baseada na aeronave

regional ERJ-135, a Embraer lançou o Legacy, obtendo grande sucesso: até 2005 já

possuía quase cinqüenta unidades operando em doze países.

Em 2001, houve uma grande vitória para a Embraer: a OMC (Organização

Mundial do Comércio) divulga sua conclusão quanto à adequação do programa

brasileiro de financiamento de exportações (PROEX) às regras internacionais de

comércio exterior.

O desenvolvimento da nova família ERJ-170/190 também inaugura uma nova

oportunidade de atração de investimentos externos e instalação dos parceiros no

Brasil. Alguns fornecedores já se instalaram na região de São José dos Campos, de

acordo com estratégia da empresa de operar em regime de just in time a partir de

2001.

No início de 2002, a Embraer torna pública a sua intenção de instalar uma

linha de montagem de jatos regionais da família ERJ 145 na China. Pouco depois, a

empresa anuncia em Pequim contrato com as empresas Harbin Aircraft Industry

Group Co. Ltd. e Hafei Aviation Industry Co. Ltd., controladas pela China Aviation

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Industry Corporation II (AVIC II), para criar a Harbin Embraer Aircraft Industry

Company Ltd., joint venture dedicada à montagem de aeronaves da família ERJ 145

na China e sediada em Harbin, na província de Heilongjiang. O primeiro avião da

Embraer produzido na China teve sua cerimônia de roll-out em dezembro de 2003.

Já em 2003, a Embraer anuncia intenção de inaugurar instalações industriais

em Jacksonville, Flórida, para a produção de aeronaves voltadas para o mercado

norte-americano de defesa e segurança nacional. As novas instalações no Cecil

Commerce Center qualificam integralmente a empresa como fornecedora do

governo dos Estados Unidos para os programas do Departamento de Defesa. A

efetiva implementação dessa planta está condicionada à existência de contrato ou

contratos para esse segmento. Este movimento era o prenúncio para a parceria a

Lockheed Martin anunciada ainda no mesmo ano, de forma a competir em uma

concorrência para desenvolver a próxima geração de sistemas de Inteligência,

Vigilância e Reconhecimento das Forças Armadas dos Estados Unidos, conhecida

como Aerial Common Sensor (ACS). Em 2004, foi anunciado que o consórcio

liderado pela Lockheed Martin havia ganhado a licitação do Pentágono, sendo

escolhido para o desenvolvimento do sistema aerotransportado de inteligência,

vigilância e reconhecimento para o Exército (U.S. Army) e para a Marinha (U.S.

Navy) dos EUA. A participação neste consórcio vencedor marca a entrada da

Embraer no mercado de defesa norte-americano, cujo contrato excede US$ 880

milhões (num total de mais de US$ 7 bilhões para todos os membros do consórcio

durante a vida útil do programa, estimada em 20 anos). Inicialmente, o jato ERJ-145

da Embraer seria a plataforma para a nova aeronave ACS. Entretanto, por restrições

técnicas impostas pelos Estados Unidos, a Embraer atualmente tenta fazer com que

o ERJ-190 venha a ser aceito pelo governo norte-americano. A aeronave brasileira,

caso aprovada, será montada em uma nova fábrica em Jacksonville, Flórida, de

acordo com os princípios de Buy America.

Durante a concorrência ACS, a Embraer publicou anúncios em jornais norte-

americanos voltados para o setor de aviação, que diziam: “uma boa parte da

América voa em toda aeronave que construímos”, acrescentando que a companhia

possui oficinas de manutenção no estado do Tennessee e engenheiros no estado da

Flórida. O anúncio concluía: “Criando empregos americanos. Fortalecendo a aviação

americana”. Numa competição marcada por acusações de perdas de empregos dos

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norte-americanos para estrangeiros, uma “identidade norte-americana“ certamente

era tão importante quanto um produto tecnologicamente superior.

Como comprovação da competitividade da empresa brasileira, ainda em 2003

a Embraer e a Air Canada assinaram proposta comercial relacionada à venda de 45

aeronaves ERJ-190, com possibilidade de opções para mais 45 unidades do mesmo

modelo. Tal venda foi uma surpresa para muitos no mercado, devido ao fato da

Embraer ter conseguido realizar uma venda no próprio país da concorrente

Bombardier.

Já em 2005, a Embraer anunciou sua entrada no desenvolvimento de

aeronaves executivas nos segmentos de Light Jets (LJ) e Very Light Jets (VLJ). A

primeira categoria é composta por aeronaves que comportam entre oito e nove

pessoas e a segunda entre seis e oito pessoas. O sucesso do Legacy no mercado

executivo permitiu à empresa adquirir conhecimentos deste subsetor e obter

reconhecimento do mercado, abrindo as portas para clientes que demandem

aeronaves executivas menores que o Legacy, que é baseado no ERJ-135. A

empresa estima um potencial de venda de 3.000 aeronaves deste tipo na próxima

década (não é computado o mercado potencial de táxi-aéreo – neste caso seriam

cerca de 6.000 aeronaves) e prepara-se para a competição através de um

investimento total de US$ 235 milhões, suportado por parceiros estratégicos,

instituições financeiras e geração de caixa próprio. A empresa estima que as

aeronaves iniciarão suas operações em 2008, com um preço estimado de US$ 2,75

milhões para o Very Light Jet e US$ 6,65 milhões para o Light Jet, todos em valores

de 2005.

A Embraer acredita que as barreiras de entrada nos segmentos inferiores do

mercado são mais baixas do que no mercado de aviação comercial de longo

alcance, havendo uma janela de oportunidade especialmente na área dos Very Light

Jets.

Vale salientar, que o segmento de aviação corporativa totalizou US$ 23,4

bilhões em vendas no ano de 2004, superando o de segmento de jatos regionais.

Tomando como medida o número de unidades entregues, a empresa espera que os

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modelos medianos, leves e muito leves devem ser responsáveis, respectivamente,

por 18%, 10% e 17% do mercado de jatos executivos nos próximos dez anos.

A Embraer identificou três classes de consumidores dispostos a comprar

modelos corporativos: indivíduos com alto poder aquisitivo (pessoas físicas),

grandes empresas – sobretudo nos EUA – e companhias de propriedade fracionada,

como a NetJets (maior empresa de propriedade fracionada de aeronaves em todo o

mundo e pertencente ao conglomerado Berkshire Hathaway, de Warren Buffett).

Os maiores compradores dos jatos Legacy são pertencentes ao grupo de

indivíduos com alto poder aquisitivo. A Embraer justifica este fato argumentando que

clientes das outras duas classes (grandes empresas e companhias de propriedade

fracionada) dão preferência a marcas já reconhecidas e são ainda mais avessos a

testar novos aviões.

Cinco competidores incomodam os planos de crescimento da Embraer no

segmento de aviação executiva: Cessna, Gulfstream, Bombardier, Raytheon e

Dassault já vêm produzindo aviões executivos há vários anos e possuem maior

conhecimento do mercado.

Diversificar produtos já é regra entre essas concorrentes. A maioria possui

cinco ou mais modelos para suprir as necessidades específicas dos diversos

consumidores de aviação executiva. A canadense Bombardier, por exemplo, fabrica

onze tipos de jatos corporativos. Com isso, as entregas anuais para um determinado

modelo de aeronave dificilmente superam cinqüenta unidades. Ou seja, há uma

maior diversificação dos riscos. De acordo com os vice-presidentes da Embraer

entrevistados para este trabalho (Satoshi Yokota e Luís Carlos Affonso), a empresa

também planeja lançar vários outros jatos para este segmento de mercado,

certamente buscando a estratégia de competir com mais aeronaves do que as três

até agora conhecidas (Legacy, LJ e VLJ).

Respondendo às demandas do mercado de aviação corporativa, a companhia

brasileira traçou planos para roubar parte do espaço defendido por suas

concorrentes. A Embraer planeja modelos mais rápidos, com cabine maior e que

incluam banheiros. Parece uma preocupação trivial, mas os toaletes, um item tão

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importante para percursos aéreos de longa duração, não são encontrados em

grande parte dos modelos concorrentes.

Uma outra possibilidade foi anunciada recentemente pela Embraer e trata-se

da utilização das aeronaves ERJ-170 e ERJ-190 como plataformas para novas

aeronaves executivas, consolidando a opção da empresa brasileira por este

subsegmento. Segundo afirmou o Vice-Presidente de Aviação Corporativa da

Embraer, Luís Carlos Affonso, durante a feira Paris Air Show de 2005, esta “é uma

das possibilidades que ultimamente estamos analisando. Isso reduz custo de

desenvolvimento, então, é uma enorme vantagem”. Além disso, a empresa acredita

que os modelos ERJ-170 e ERJ-190 poderiam dar margem a aviões shuttle (ou seja,

para executivos) muito bons em função do espaço de suas cabines.

Na aviação executiva, o objetivo do fabricante brasileiro é ser ator de peso no

prazo de 10 anos. Para isso, terá que correr atrás de rivais estabelecidas há

décadas no segmento, como Cessna, Gulfstream, Bombardier, Raytheon e Dassault.

Um fato realmente interessante é que, neste subsetor, desde 1960, somente um

novo entrante obteve sucesso em entregar mais de uma aeronave por mês de forma

sustentável, ou seja, por vários anos – justamente a brasileira Embraer. O gráfico

ilustrado a seguir mostra de que forma o mercado de aviação geral / executiva é

repartido entre os principais players do mercado:

Gráfico 2 – Participação por fabricante no mercado de aviação geral em 2003 (GRIP, 2005)

De certa forma, a opção de investir mais intensamente na aviação executiva é

uma forma de evitar competição direta com a Boeing e a Airbus, conforme

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recentemente anunciou o presidente da Embraer, Maurício Botelho, dando sinais

que não há interesse ainda da empresa brasileira em estender a capacidade de suas

aeronaves para além dos 108-118 passageiros do ERJ-195.

O desempenho apresentado pela Embraer nos últimos cinco anos pode ser

considerado excelente, ainda mais se forem levados em conta os efeitos dos

atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, que

provocaram intensa retração na indústria aeronáutica e cancelamento de vários

pedidos de aeronaves. Os principais indicadores de desempenho financeiro da

Embraer no período 2000-2004 podem ser vistos no quadro a seguir:

2000 2001 2002 2003 2004

Faturamento 2.762 2.927 2.526 2.143 3.441

Vendas

Mercado externo 98% 98% 98% 99% 93%

Mercado interno 2% 2% 2% 1% 7%

Ativo total 2.893 3.561 4.285 6.081 6.082

Patrimônio líquido 785 1.020 1.090 1.169 1.354

Lucro/Prejuízo 321 328 223 136 380

Margem de lucro 12% 11% 9% 6% 11%

Endividamento

Divida/Patr. líquido 268% 249% 293% 420% 349%

Dívida total 2.108 2.540 3.195 4.911 4.729

Dívida curto prazo 1.332 1.688 1.642 2.446 2.316

Dívida longo prazo 776 853 1.553 2.465 2.412

Obs.: Valores em US$ milhões, a não ser quando indicado

Quadro 14 – Indicadores de desempenho financeiro da Embraer em 2000-2004 (EMBRAER,

2002, 2003, 2004a, 2005)

Assim, há pelo menos sete anos (1998-2004) que a Embraer vem

apresentando um resultado consistentemente superior, com margem média de lucro

líquido média de 10% (EMBRAER, 2002, 2003, 2004a, 2005). Este resultado é

extremamente favorável se for comparado com os resultados obtidos pela Boeing,

com 3% de margem de lucro líquido no período entre 1998 e 2004 (BOEING, 2000,

2001, 2002, 2003, 2004, 2005); pela Bombardier Aerospace, que obteve 2% entre 1

de fevereiro de 2000 e 31 de janeiro de 2005 (BOMBARDIER, 2000, 2001, 2002,

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2003, 2004, 2005); e pela EADS, controladora da Airbus, que alcançou 1% entre

1998 e 2004 (EADS, 2000?, 2001?, 2002?, 2004, 2005).

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4 METODOLOGIA DE PESQUISA

4.1 TIPO DE PESQUISA

De acordo com Gil (2002), este estudo pode ser classificado como uma

pesquisa exploratória, descritiva e explicativa.

É uma pesquisa exploratória por estar relacionada a um tema sobre o qual há

muito pouca familiaridade na literatura acadêmica. É uma pesquisa descritiva na

medida em que se tratou de tentar descrever o comportamento da Embraer diante

de um ambiente altamente dinâmico ao longo de sua história. E, por fim, é uma

investigação explicativa, pois o presente trabalho busca compreender os motivos

que levaram a Embraer a optar pela alternativa de criar e gerir alianças estratégicas

e a entender quais as perspectivas que estas decisões trazem ao futuro da empresa.

Já de acordo com Yin (1989), existem diferentes métodos de pesquisa que

podem ser utilizados de acordo com a pergunta que o pesquisador pretende

responder. O autor estabelece uma relação entre os métodos disponíveis (a que

chama de estratégias), o tipo de pergunta a ser respondia e as implicações da

pergunta sobre a necessidade de controle de eventos comportamentais e sobre o

foco em eventos contemporâneos. As relações estabelecidas podem ser observadas

no quadro a seguir:

Estratégia Forma da pergunta da

pesquisa

Necessita de controle

sobre eventos

comportamentais?

Está focada em eventos

contemporâneos?

Experimento Como, por quê Sim Sim

Amostra Como, o quê, onde,

quanto Não Sim

Análise de registros Como, o quê, onde,

quanto Não Sim/Não

História Como, por quê Não Não

Estudo de caso Como, por quê Não Sim

Quadro 15 – Detalhamento das diferentes estratégias de pesquisa (YIN, 1989)

Desta forma, de acordo com as estratégias propostas por Yin (1989), esta

dissertação é classificada como um estudo de caso, pois possui enfoque em eventos

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contemporâneos, não necessita de controle sobre eventos comportamentais e

procura responder às perguntas “como” e “por quê”. A diferença entre o método de

estudo de caso e o de história consiste no foco temporal diferente de ambos. O

estudo de caso dá ênfase aos eventos mais recentes, enquanto o método de história

aborda fatos antigos.

A opção pelo estudo de caso como método é decorrência direta da

curiosidade em entender o mecanismo de parcerias de compartilhamento de risco da

Embraer e os efeitos destas na trajetória de sucesso recente da empresa.

Para Yin (1989), a necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de

compreender fenômenos sociais complexos e permite uma investigação para

preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real, tais

como ciclos de vida individuais, processos organizacionais e administrativos,

mudanças ocorridas em regiões, relações internacionais e maturação de alguns

setores.

Embora existam pessoas vivas que possam relatar toda a história da

Embraer, as principais fontes de evidências utilizadas são documentos primários e

secundários. Entretanto, as entrevistas com colaboradores da Embraer constituem

uma parte de suma importância para este estudo.

Por sua vez, Snow & Thomas (1994) classificam os estudos em estratégia de

acordo com o estágio de desenvolvimento da teoria (construção ou teste) e de

acordo com o propósito da teoria (descrição, explicação e predição).

Desta forma, para estes autores, o estágio de desenvolvimento da teoria pode

ser segmentado em:

• Construção: desenvolvimento de uma nova teoria; ou

• Teste: busca testar uma teoria desenvolvida.

Já o propósito da teoria, pode ser segmentado em:

• Descrição: estudos baseados apenas na observação, tendendo a

responder a perguntas do tipo “o quê”;

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• Explicação: estudos baseados no desenvolvimento de relações entre

construtos, respondendo a questões do tipo “como” e “por quê”; ou

• Predição: estudos que buscam examinar condições de fronteira de uma

teoria, procurando responder a perguntas “quem”, “onde” e “quando”.

Este trabalho, agora segundo a segmentação proposta por Snow & Thomas

(1994), carrega características de descrição e explicação. Em relação ao estado de

desenvolvimento da teoria, esta dissertação caracteriza-se por buscar um estado

misto entre a construção de uma nova teoria e o teste da teoria desenvolvida por

Barney (1991).

4.2 CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA DA EMPRESA

A escolha da Embraer como empresa para ser estudada por esta dissertação

deu-se por três motivos:

1. A empresa deveria possuir ou ter possuído relevância econômica para o

Brasil ao longo de sua existência;

2. A empresa deveria pertencer a um setor econômico com produtos de alto

valor agregado, não sendo empresa vendedora de commodities;

3. A empresa deveria possuir atividades em território brasileiro e enfrentar

intensos desafios a seu sucesso no futuro.

A Embraer preencheu todos os critérios escolhidos. Primeiramente, a

Embraer é uma das maiores empresas do Brasil em faturamento, e normalmente

disputa com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a Petrobras a primazia de

maior exportadora do país. Em segundo lugar, o setor aeroespacial é um dos poucos

setores cujos produtos possuem alto valor agregado e em que o Brasil é

internacionalmente competitivo. Por fim, a empresa é brasileira, com quase todas

suas operações no Brasil, deparando-se com um cenário de intensa competição na

indústria de fabricação de aeronaves, marcada por embates com empresas de

países desenvolvidos, algumas muito maiores que a brasileira.

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4.3 COLETA DE DADOS

No que se refere à coleta de dados, o estudo de caso é o mais completo de

todos os delineamentos (GIL, 2002), pois pode valer-se tanto de contatos com

pessoas como dados registrados em papel ou meio eletrônico.

A coleta de dados teve como unidades de análise a indústria, a firma e

pessoas físicas:

• Indústria: informações sobre empresas fabricantes de aeronaves e de

estruturas aeronáuticas, no Brasil e no mundo;

• Firma: informações sobre a Embraer e empresas coligadas e/ou

controladas pela Embraer; e

• Pessoas Físicas: informações sobre pessoas que assumiram importantes

papéis ao longo da história da empresa, como Ozires Silva (fundador e

primeiro presidente), Satoshi Yokota (atual vice-presidente executivo de

engenharia e desenvolvimento), Luís Carlos Affonso (ex-líder do projeto

ERJ170/190 e atual vice-presidente de aviação corporativa) e Maurício

Botelho (atual diretor presidente).

Ou seja, o primeiro levantamento procurou identificar documentos relevantes

disponíveis sobre estes três níveis de abordagem. Ressalta-se que o objetivo foi

realizar um levantamento exaustivo no nível da firma, ou seja, reunir todos os

estudos disponíveis sobre a Embraer. Para isso, foram realizadas buscas nas

seguintes fontes, em ordem cronológica:

• Biblioteca Coppead: pesquisa no Banco de Dados Minerva e nos demais

Banco de Dados nacionais e internacionais acessíveis pela Biblioteca;

• Internet: home-page da Embraer, busca com ferramenta Google e lista de

e-mails da SBTA (Sociedade Brasileira de Pesquisa em Transporte

Aéreo);

• Arquivo da Embraer; e

• Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

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Além disso, também foi feita coleta de dados junto às seguintes fontes:

• Vice-presidência de desenvolvimento e indústria, através de entrevista

com o Sr. Satoshi Yokota;

• Vice-presidência de aviação corporativa, através de entrevista com o Sr.

Luís Carlos Affonso.

4.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO

A principal crítica a estudos como o histórico e o de caso refere-se à falta de

procedimentos metodológicos rígidos. Desta forma, é demandada do autor atenção

redobrada tanto na coleta quanto na análise dos dados (GIL, 2002).

Também é importante salientar que as conclusões obtidas neste estudo são

específicas, não podendo ser generalizadas nem extrapoladas. A análise de um caso

não permite levantar conclusões sobre outros objetos de análise ou mesmo sobre o

mesmo objeto de análise no futuro, pois as mesmas condições dificilmente se repetem.

A análise das entrevistas, realizadas por vezes muitos anos após os fatos

relatados, permite colher a percepção de pessoas envolvidas no processo. Entretanto, é

impossível, dado o distanciamento temporal, reproduzir de forma fidedigna o que

realmente ocorreu durante o período estudado. O estudo de caso histórico torna-se,

então, uma visão peculiar e limitada da realidade, sob a ótica do autor.

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5 ANÁLISE DE RESULTADOS

5.1 DELIMITAÇÃO DAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS ANALISADAS

Conforme citado na introdução, este capítulo tem como objetivo confrontar o

referencial teórico com o estudo de caso histórico e as entrevistas realizadas, de

forma a compreender o papel das alianças estratégicas da Embraer na formação de

vantagens competitivas sustentáveis. Para tanto, as alianças estratégicas em que a

Embraer tenha participado desde sua criação serão estudadas de forma individual, à

luz do framework desenvolvido para análise das alianças estratégicas, que foi

apresentado no subcapítulo 2.4. Desta forma, espera-se que possa ser respondida a

questão a que este estudo se dedica: de que forma as alianças estratégicas têm

gerado vantagens competitivas sustentáveis para a Embraer?

Como visto no subcapítulo 2.2, não há exatamente um consenso sobre o

conceito de alianças estratégicas entre os acadêmicos. Para fins da aplicação do

framework desenvolvido neste estudo, considerar-se-á a definição de alianças

estratégicas apresentada por Pinho (1998) no subcapítulo 2.2, elaborada a partir de

uma compilação de vários trabalhos sobre o tema. Este estudo restringe-se,

portanto, às interações da Embraer com outras organizações que apresentem as

seguintes características:

1. Acordo com objetivos específicos, que une aspectos específicos de duas

ou mais empresas (denominados parceiros);

2. A base da união é uma parceria comercial, que permite a cada um dos

parceiros criar e manter vantagem competitiva, através do benefício mútuo

da troca de tecnologias, produtos, habilidades ou qualquer outro tipo de

recurso;

3. As alianças estratégicas possuem quatro atributos, necessária e

suficientemente:

3.1. As duas ou mais empresas permanecem independentes após a

formação da aliança;

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3.2. Os parceiros compartilham o controle sobre o desempenho das

tarefas associadas à parceria e os benefícios advindos das

mesmas;

3.3. Os parceiros contribuem de forma contínua para a aliança; e

3.4. Os parceiros geram uma relação de dependência mútua, ou seja,

os projetos são indivisíveis.

Esta definição de Pinho – na verdade uma compilação dos pontos

convergentes encontrados nos estudos de diversos autores sobre alianças

estratégicas – já exclui de antemão o desenvolvimento de alguns projetos da

Embraer, a saber:

• EMB-110 Bandeirante;

• EMB-200 Ipanema;

• Adaptação de motores turbo-hélice aos T-6 da FAB;

• Relacionamento com a Aero Industries (EUA);

• EMB-121 Xingu;

• EMB-120 Brasília; e

• EMB-312 Tucano.

Os projetos de adaptação de motores turbo-hélice aos T-6 e de criação do

IPD-6504/EMB-110 Bandeirante foram desenvolvidos em conjunto pelos

engenheiros do IPD (posteriormente Embraer) e a equipe do engenheiro francês

Max Holste. Muito embora conhecimentos valiosos tenham sido adquiridos pela

Embraer nestes projetos, a relação entre as partes não se configurou numa aliança

estratégica, pois a equipe francesa não era uma corporação propriamente dita, mas

sim uma equipe incorporada pelo IPD, que contratou todos os engenheiros e

técnicos sob a rubrica da Diretoria de Material da FAB e, posteriormente, do CTA.

Desta forma, o conhecimento adquirido é similar ao de um profissional que aprende

algo novo com um colega de trabalho mais experiente. Transferência de

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conhecimento dentro da própria organização (neste caso, o IPD) não é considerada

recurso adquirido por aliança estratégica para fins deste trabalho, por não estar de

acordo com o item 3.1. apresentado acima.

Outro importante relacionamento ocorrido na história da Embraer que não se

configura em uma aliança estratégica é a relação com a Aero Industries iniciada em

1979. Como a Embraer rompeu facilmente este relacionamento após perceber as

deficiências da Aero Industries como seu representante comercial para o mercado

dos EUA (simplesmente o que apresentava maior potencial para a empresa), este

relacionamento fere o critério 3.4. para definição de aliança estratégica. Ou seja,

como os parceiros não geraram uma relação de dependência mútua e o projeto não

foi indivisível, este relacionamento não pode ser considerado uma aliança

estratégica.

O desenvolvimento e produção das aeronaves EMB-200 Ipanema, EMB-121

Xingu, EMB-120 Brasília e EMB-312 Tucano também possuíram impacto

significativo na história da empresa, porém foram iniciativas da empresa em que não

foram estabelecidas alianças estratégicas significativas, mas somente relações

comerciais da Embraer com seus fornecedores. Apesar de ter adquirido várias

competências através destes projetos, as mesmas foram obtidas através de

desenvolvimento interno e não em contatos com parceiros.

Desta forma, respeitadas todas as condições estabelecidas por Pinho, as

alianças estratégicas que a Embraer realizou, ao longo de toda a sua história, foram:

1. Projeto EMB-326 Xavante, com a Aermacchi (Itália);

2. Adaptação de várias aeronaves leves para o mercado brasileiro, com a

Piper (EUA);

3. Produção de componentes (inclusive empenagem vertical) para as

aeronaves militares F-5 via acordo de offset, com a Northrop Grumman

(EUA);

4. Formação de consórcio para a venda de jatos de treinamento Super

Tucano à RAF (Royal Air Force), com a Short Brothers (Irlanda);

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5. Aquisição de tecnologia em usinagem química via acordo de offset, com a

Sikorsky Aircraft (EUA);

6. Projeto AMX, com a Aeritalia e Aermacchi (Itália);

7. Projeto CBA-123 Vector, com a Fábrica Militar de Aviones (Argentina);

8. Produção de flaps de fibra de carbono para a aeronave MD-11 via acordo

de offset, com a McDonnell Douglas (EUA);

9. Produção de peças que exigem mecânica fina (de precisão) para

aeronaves 747 e 767, com a Boeing (EUA);

10. Produção de conjuntos de ponta da asa (wing tip) e do dorsal fin

(superfície aerodinâmica para aumentar estabilidade da aeronave) para

aeronaves 777, com a Boeing (EUA);

11. Formação de consórcio para a venda de jatos de treinamento Super

Tucano à Força Aérea e Marinha dos Estados Unidos, com a Northrop

Aircraft Corp (EUA);

12. Projeto da família ERJ-145, com Gamesa (Espanha), Sonaca (Bélgica),

ENAer (Chile) e C&D Interiors (EUA);

13. Produção do sistema de combustível e trem-de-pouso (sponson) do

helicóptero S-92 Helibus, com a Sikorsky (EUA);

14. Projeto da família ERJ-170/190, com Sonaca (Bélgica), Latécoère

(França), Liebherr (Alemanha), Kawasaki (Japão), Gamesa (Espanha),

General Electric (EUA), Allied Signal (EUA), Hamilton Sundstrand (EUA),

Honeywell (EUA), C&D Interiors (EUA) e Parker Hannifin (EUA);

15. Remodelamento dos F-5 da FAB, com a Elbit (Israel);

16. Produção de ERJ-145 na China, com a AVIC II (China); e

17. Projeto da família Light Jet / Very Light Jet, com parceiros ainda em

definição.

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5.2 ANÁLISE INDIVIDUAL DAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA EMBRAER

5.2.1 Projeto EMB-326 Xavante

Em 1970, recém-criada, a Embraer já atuava como o braço de análises da

FAB quando esta instituição buscava adquirir novas aeronaves para sua frota. A

empresa brasileira fazia contatos e examinava propostas das empresas que se

interessavam pelos programas de reaparelhamento da frota aérea militar brasileira.

De acordo com Silva (1998), esta era uma época em que a Embraer ainda

não se encontrava pronta para criar e fabricar aviões tecnologicamente complexos,

faltando conhecimento de projeto e, principalmente, de produção. Segundo o autor,

era impossível convencer a FAB a aguardar cinco anos, o tempo mínimo julgado

necessário para conceber, projetar, desenvolver, aprovar e lançar a fabricação em

série de uma nova aeronave. De certa forma a Embraer já adquirira capacitação em

projeto de aeronaves, ainda que civis (portanto, mais simples), através de suas

atividades como IPD. Porém o know-how de fabricação seriada de aeronaves ainda

não existia.

Nesta época, a FAB havia delineado um programa para desenvolvimento da

indústria aeronáutica brasileira, que previa a compra da recém-desenvolvida

aeronave Bandeirante e também a aquisição de jatos militares para treinamento. O

Bandeirante era um avião extremamente adaptado para as condições da aviação

brasileira, dotado de robustez para operar em aeroportos de cidades menores, que

normalmente não possuíam infra-estrutura adequada. Se o projeto do Bandeirante,

desenvolvido ainda no IPD, trazia perspectivas tão promissoras, o mesmo não podia

ser dito da possibilidade de que a Embraer projetasse e fabricasse a aeronave de

treinamento a jato. A tecnologia envolvida num equipamento de uso militar é muito

mais complexa que a utilizada no Bandeirante, um turbo-hélice não pressurizado,

com pouca sofisticação tecnológica. Assim, era claro que a Embraer ainda não se

encontrava capacitada para projetar e produzir uma aeronave militar de qualidade.

Desta forma, a FAB ordenou que a Embraer analisasse as propostas das

seguintes empresas: a francesa Aérospatiale (aeronave Fouga Magister), a sueca

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SAAB (aeronave SAAB 105), a britânica British Aerospace (aeronave BAC 167

Strikemaster) e, posteriormente, a italiana Aermacchi (MB-326G).

Apesar de ter sido a última aeronave analisada pelos engenheiros da

Embraer, a proposta da Aermacchi acabou sendo considerada a melhor. Um fator

importante para isso, segundo Silva (1998), foi a qualidade da empresa italiana em

uma série de aspectos, em particular no campo de assistência técnica, descrita

como vital pelo autor. Outro fator que contribuiu para a aceitação da empresa italiana

foi o fato dela ser bem menor que suas concorrentes, o que poderia fazer da mesma

uma parceira mais interessante que as outras empresas, certamente gigantes se

comparadas à ainda pequena Embraer.

De acordo com Satoshi Yokota, atual Vice-Presidente Executivo de

Desenvolvimento e Indústria da Embraer, a licença de fabricação do MB-326 foi

adquirida, com intuito deliberado de aquisição de know-how de industrialização. Este

passo foi crucial para uma empresa que ainda engatinhava na produção das

aeronaves projetadas em seu departamento técnico.

O MB-326 foi projetado em 1953, obtendo grande sucesso comercial em

várias forças aéreas do mundo inteiro. Em 1967, foi lançado o MB-326G com uma

versão mais potente de motor, tornando o avião melhor e mais competitivo em

relação aos que eram fabricados por concorrentes. Este último modelo foi o que

passou a ser produzido sob licença pela Embraer no Brasil, sob o nome de EMB-

326GB Xavante.

O projeto Xavante foi muito produtivo para a Embraer. Segundo Silva (1998),

toda a incipiente produção do Bandeirante sofreu uma intensa melhoria de qualidade

devido ao conhecimento adquirido da empresa italiana, principalmente no projeto e

confecção de gabaritos e ferramental de produção, permitindo a implementação de

uma linha de montagem para a construção em série das aeronaves. Além do

conhecimento adquirido na criação destes bens de capital (as ferramentas de

produção), Satoshi Yokota defende que também foi de fundamental importância a

inspiração que a aliança trouxe no estabelecimento de processos, normas e

procedimentos de fabricação e controle de produção que a Embraer não dominava,

visto que era originária de um instituto de pesquisa.

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Outro relato que defende a importância do projeto Xavante no

desenvolvimento e consolidação da Embraer é o de Mattos (2005), que apresenta

vários benefícios decorrentes da fabricação desta aeronave, entre eles: tecnologia

de integração e ensaio de motor à reação; desenvolvimento de ferramental de

fabricação para produção em larga escala; projeto de aviões de caça com base no

Xavante (oferecido à FAB, mas não levado adiante); e elaboração de manuais

técnicos.

A Embraer também solicitou à Aermacchi um número grande de italianos

residindo em São José dos Campos, num total de 600 homens-mês, de forma que

os parceiros não atuaram somente na montagem e operação dos EMB-326GB

Xavante, mas também no projeto e produção seriada dos EMB-110 Bandeirante,

modificando uma série de características técnicas do protótipo desta aeronave.

Certamente, o conhecimento adquirido dos italianos por parte dos brasileiros foi

crucial para o sucesso comercial do Bandeirante. Vários deles inclusive

naturalizaram-se brasileiros e continuaram suas carreiras na Embraer. Em

contrapartida, cerca de 70 funcionários da Embraer foram designados para

treinamento na Itália. Deste modo, a empresa pôde rapidamente passar da operação

de montagem à operação de fabricação nacional deste avião (BERNARDES,

2000b).

Cabral (1987) também concorda. Para ele, a Embraer adquiriu capacitação

em projetos em função da forma de transferência de tecnologia ocorrida. No caso do

programa Xavante, o contrato de produção sob licença resultou em aquisição de

muita tecnologia de fabricação. Neste sentido, é importante ressaltar que no início da

década de 70, os engenheiros da Embraer possuíam alguma experiência em termos

de projeto de aeronaves, adquirida no meio acadêmico (através do ITA) e

posteriormente num instituto de pesquisas avançadas em aeronáutica (através do

IPD). Entretanto, apesar de compreenderem bem os conceitos teóricos por trás de

um projeto aeronáutico, a experiência fabril era praticamente nula. Desta forma, esta

parceria com a Aermacchi ainda no começo da vida da empresa brasileira pode ter

sido uma das decisões estratégicas mais acertadas em toda a sua história.

Embora ainda não gerassem vantagens competitivas sustentáveis,

certamente os novos aprendizados constituíam-se em condições necessárias para

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que a empresa ao menos conseguisse competir em melhor situação com empresas

muito mais preparadas e experientes.

O quadro a seguir analisa os recursos adquiridos na aliança com a Aermacchi

e de que forma eles contribuíram ou não para a formação de vantagens competitivas

sustentáveis:

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Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Melhoria de técnicas para

produção em larga escala

(principalmente projeto e

confecção de gabaritos e

ferramental de produção).

Todos.

Sim. Através deste recurso, as

empresas conseguem acelerar

seus processos de produção

em larga escala. Sem ele, o

processo de produção torna-se

demasiadamente artesanal e,

portanto, mais sujeito a falhas,

mais custoso e mais lento.

Não para as empresas já

estabelecidas no mercado.

Sim para os possíveis novos

entrantes.

Em termos. O recurso pode

ser imitável, mas o

desenvolvimento interno do

conhecimento pode tomar

muito tempo e ser muito

custoso em comparação ao

aprendizado junto a um

parceiro.

Sim. A alternativa ao know-

how de produção adquirido é a

fabricação de caráter mais

artesanal, o que inviabiliza a

construção de grande número

de aeronaves, aumenta os

custos e diminui

significativamente a

competitividade da empresa.

Experiência em elaboração de

manuais técnicos. Todos.

Não. Embora os manuais

sejam importantes para a

manutenção adequada da

aeronave, eles não constituem

fator determinante de

competitividade.

Não. Várias empresas

possuem experiência na

elaboração de manuais

técnicos de excelente

qualidade.

Sim. A experiência em

elaboração dos manuais não

pode ser imitada.

Sim. Os manuais técnicos são

obrigatórios de acordo com

regulamentações da ICAO

(International Civil Aviation

Organization), não podendo

ser substituídos.

Naturalização de engenheiros

italianos no Brasil para ficarem

na Embraer.

Todos.

Sim. Os engenheiros italianos

possuíam capacidade técnica

comprovada e contribuíram

com seus conhecimentos em

outros projetos da Embraer.

Não. A capacidade técnica dos

engenheiros italianos era

equivalente à dos brasileiros e

a dos engenheiros de outras

empresas concorrentes.

Sim. É impossível imitar o

conhecimento humano

adquirido através da

experiência.

Não. Havia à disposição dos

concorrentes engenheiros com

conhecimentos similares.

Know-how em tecnologia de

integração e ensaio de motor à

reação.

N/A. N/A. N/A. N/A. N/A.

Quadro 16 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Aermacchi (projeto EMB-326) na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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194

5.2.2 Adaptação de aeronaves leves da Piper para o mercado brasileiro

O Brasil sempre foi um dos maiores mercados do mundo para aeronaves

leves. Tendo em vista as suas dimensões continentais, o país sempre se apresentou

como área geográfica de grande interesse para os fabricantes deste tipo de

aeronave, sendo hoje o segundo maior mercado do mundo para aeronaves leves,

atrás somente dos Estados Unidos. Motivada por esta enorme demanda, a Embraer

identificou ainda na década de 70 este nicho como uma nova possibilidade para a

indústria nacional, passando a cogitar a fabricação de aeronaves leves, nicho este

também conhecido como Aviação Geral. Isto foi muito motivado pelas autoridades

brasileiras, que procuravam estimular a substituição de importações de aeronaves

estrangeiras por aeronaves brasileiras, política muito em voga na época.

Aviação Geral é um termo muito genérico, abrangendo todos os tipos de

aeronaves menos as militares e as civis destinadas a transporte regular de

passageiros e cargas. Ou seja, a entrada da Embraer neste segmento certamente

demandaria o investimento em projeto e produção de vários tipos de aeronaves

desenhadas para diferentes finalidades. A empresa ainda não se encontrava

preparada para a dificuldade desta empreitada. Desta forma, iniciou negociações

com fábricas estrangeiras para negociar os direitos de produção de seus aviões no

Brasil. As companhias com as quais a Embraer negociou dominavam quase todo o

mercado brasileiro em 1973. Eram as norte-americanas Cessna (59% de market

share), Piper (19%) e Beech (16%).

A participação de mercado expressiva da Cessna conferia a ela uma situação

vantajosa nas negociações e, por isso, ela não se dispôs a aceitar as condições

brasileiras, que incluíam um acordo de cooperação industrial pelo qual a Embraer

ficava autorizada a realizar as modificações que julgasse necessárias nos aviões

que produzisse.

A Beechcraft também não mostrou interesse em licenciar tecnologia e, por

isto, a empresa escolhida foi a Piper. Para esta empresa, o acordo de licenciamento

representava um negócio interessante, na medida em que potencialmente alijava

sua maior concorrente do segundo maior mercado de aeronaves leves do mundo.

De fato, a Cessna, que em 1974 vendera 373 aviões ao Brasil, vendeu apenas seis

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195

aeronaves dois anos após. Em 1974, um decreto do Presidente da República elevou

a alíquota do imposto de importação incidente sobre aeronaves leves, o que

proporcionou uma modificação radical neste mercado, com o declínio acentuado das

importações e o favorecimento das aeronaves Piper fabricadas no Brasil sob licença

pela Embraer.

A Embraer beneficiou-se bastante do conhecimento de técnicas de produção

em série da Piper, uma empresa com grande histórico de sucesso. Inicialmente

enviou aos EUA funcionários que passariam pelo processo de treinamento

empregado na montagem dos aviões (fornecidos sob a forma de kits). Além do

treinamento, cita Silva (1998), a equipe tinha por objetivo coletar toda a

documentação técnica necessária para os processos de produção e manutenção.

A parceria também habilitou a empresa brasileira a alcançar melhores índices

de desempenho de produção (medidos em homens-hora por quilo de estrutura

fabricada e horas de produção por aeronave produzida), ainda que não fosse

possível chegar aos níveis norte-americanos.

Segundo Bernardes (2000a), esta aliança possuiu três estágios:

• Estágio 1: a Piper enviaria as estruturas completas, fuselagem, comandos

e asas, e a Embraer se encarregaria da fase da montagem de todos os

componentes e sistemas;

• Estágio 2: a Piper remeteria os componentes pré-montados e forneceria

auxílio para montagem completa do produto;

• Estágio 3: este estágio pode ser dividido em três etapas:

a) Substituição gradual de peças fabricadas na Piper nos EUA, que

passariam a ser produzidas localmente, incluindo mais de 50%

das peças de acrílico e fibra de vidro;

b) Apoio para a substituição de todas as peças de acrílico e fibra

de vidro, e reposição das peças fabricadas pela Piper;

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196

c) Produção completa no Brasil das aeronaves com as peças e

componentes sendo produzidos localmente, com exceção dos

limitados por questões tecnológicas ou problemas de escala.

Como o contrato também incluía a compra, venda, entrega e assistência

técnica, todos estes aspectos constituindo também novidades para a Embraer, a

aliança com a Piper proporcionou uma série de outros aprendizados. Para

Bernardes (2000a), os benefícios deste acordo destinaram-se mais para estratégias

de marketing, comercialização e apoio ao produto do que para a tecnologia de

produção propriamente dita. O autor acredita que o aprendizado da Embraer nas

vendas de seus produtos pode ser considerado fruto de uma trajetória evolucionária

e cumulativa, além de estar associado a uma política cuidadosa de identificação de

segmentos de mercado e da ação direta do Estado. De acordo com Cabral (1987), a

aliança com a Piper gerou vários benefícios relacionados à comercialização e

assistência técnica, completando, em linhas gerais, o processo de desenvolvimento

e aprendizado tecnológico da Embraer.

A Embraer adquiriu grande capacitação em marketing e vendas, na medida

em que foi tendo maior contato com uma empresa experiente como a Piper. Assim,

a aliança possibilitou à empresa brasileira treinamento intensivo de sua força de

vendas em técnicas que antes lhe eram desconhecidas, apesar de difundidas no

mercado aeronáutico. Como uma empresa recém-criada, a Embraer ainda tinha

muito a aprender, mas as parcerias com empresas bem posicionadas e a

mentalidade da companhia brasileira, buscando absorver o máximo de

conhecimento possível de projeto, fabricação e venda, fez com que a evolução do

seu aprendizado fosse muito rápida.

Todo o sistema de distribuição da Embraer teve como ponto de partida o

sistema de distribuição da Piper, com a companhia brasileira instituindo uma rede de

revenda em nível nacional para comercializar as aeronaves licenciadas pela norte-

americana, utilizando a rede montada pelo distribuidor brasileiro da Piper – a J. P.

Martins, sediada no Campo de Marte. De acordo com Silva (1998), o contato com o

executivo-chefe da J. P. Martins, Jeremias Martins, permitiu um aprendizado mais

rápido por parte dos funcionários da Embraer sobre técnicas de venda. Jeremias

também ajudou a Embraer a montar listas de opcionais que permitiriam à empresa

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197

manter os produtos no mercado sempre modernizados e respondendo

adequadamente aos anseios dos clientes.

O quadro a seguir a seguir os recursos capturados pela Embraer através de

sua aliança estratégica com a Piper:

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198

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how de comercialização

(marketing e vendas) de

aeronaves.

Todos.

Sim. A capacidade de

comercializar adequadamente

os produtos é fundamental

para o sucesso dos mesmos

no mercado posto que às

vezes há pouca diferenciação.

Sim. O know-how de

comercialização eficaz de

aeronaves é fundamental num

mercado oligopsônico, em que

poucos fabricantes vendem a

poucos compradores. Poucas

empresas possuem este know-

how no nível apresentado pela

Embraer.

Sim. A área comercial de uma

empresa não pode ser imitada.

Ou a empresa detém o know-

how ou sofre as

conseqüências da má

comercialização do produto e

do contato precário com os

clientes.

Em termos. Pode-se substituir

a área interna de

comercialização (vendas) por

representantes comerciais nos

principais países. A história do

setor, entretanto, mostra que a

estratégia mais eficaz é

realmente investir na evolução

da área comercial da própria

empresa.

Know-how de apoio pós-venda

e assistência técnica. Todos.

Sim. A assistência técnica é

fator importante no processo

decisório dos clientes.

Não para as empresas já

estabelecidas no mercado.

Sim para os possíveis novos

entrantes.

Sim. Nenhuma empresa

consegue oferecer aos seus

clientes assistência técnica de

qualidade através da imitação

das práticas de seus

concorrentes.

Sim. Uma assistência técnica

de qualidade é demandada

pelos clientes e não há

substituto a esta atividade

comercial.

Know-how tecnológico para

fabricação de peças de acrílico

e fibra de vidro.

Nenhum.

Não. A tecnologia de

estruturas em acrílico e fibra

de vidro é utilizada em

aeronaves de baixo valor

agregado e com pouca

tecnologia.

Não. É uma tecnologia

difundida entre várias

empresas, inclusive algumas

de fora do setor aeroespacial,

como o automobilístico e o

naval.

Não. Algumas ligas de

alumínio ou materiais

compostos substituem com

vantagens as estruturas de

acrílico e fibra de carbono.

Não. Há vários especialistas

no mercado com este know-

how e a tecnologia não é difícil

de ser desenvolvida.

Quadro 17 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Piper na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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199

5.2.3 Acordo com a Northrop para produção de componentes do F-5

Em 1973, a FAB anunciou que adquiriria 49 aeronaves supersônicas norte-

americanas Northrop F-5E Tiger para reaparelhamento de sua frota. De acordo com

a política de comércio exterior brasileira da época, a FAB procurou exigir

contrapartidas comerciais (offset) à Northrop, que resultaram na aliança desta

empresa com a Embraer. Entre as exigências, estava previsto que a Embraer

passaria a fabricar a empenagem vertical e alguns outros componentes estruturais

para esta aeronave.

Esta aliança beneficiou bastante a Embraer na aquisição de capacitação

tecnológica em colagem metal-metal, materiais compostos, usinagem de ligas

avançadas de alumínio-magnésio, uso de máquinas de controle numérico e

fabricação de colméias de alumínio (honeycomb), tecnologias estas que viriam a ser

futuramente aproveitadas tanto no projeto quanto na produção dos novos programas

da empresa.

De acordo com Serra (2005), o acordo com a Northrop foi conscientemente

elaborado para aquisição de novas tecnologias que eram consideradas estratégicas

pela direção da empresa. Neste sentido, mais do que os benefícios financeiros

auferidos pela venda dos componentes para a Northrop, o principal ganho da

Embraer foi realmente a aquisição de conhecimentos tecnológicos que se tornaram

recursos valiosos para a empresa.

Segundo o vice-presidente da empresa Satoshi Yokota, a Embraer participou

de diversos projetos como fornecedora de componentes ou mesmo parceira de risco

de uma integradora (Boeing, McDonnell Douglas e Northrop) em que as

coordenadoras do projeto conscientemente transferem tecnologia a seus parceiros

e/ou fornecedores para a produção de subsistemas e componentes. Como a própria

aliança com a Northrop exemplifica, a empresa brasileira aproveitou bastante este

modelo de negócios para adquirir tecnologias que não dominava. Vários outros

exemplos similares ocorreram, como poderá ser visto mais à frente.

O quadro a seguir detalha os recursos adquiridos pela Embraer na parceria

com a Northrop para produção de componentes para o F-5:

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200

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how em tecnologia de

material composto. Todos.

Sim, poucas empresas

dominam o uso de estruturas

aeronáuticas de material

composto, que conduzem a

pesos estruturais bem

menores e, portanto, a

produtos mais competitivos.

Em termos. A maioria das

empresas estabelecidas detém

esta tecnologia, embora em

níveis variados de sofisticação

tecnológica. Entretanto,

possíveis novos entrantes não

a possuem ou não detêm o

ciclo tecnológico completo.

Sim. O uso de material

composto apresenta uma

revolução na qualidade da

estrutura aeronáutica, tanto

em termos de peso (é mais

leve que as ligas de alumínio),

como em termos de segurança

(possui alta resistência a

falhas e fadiga mecânica).

Sim. Os materiais compostos

são a melhor opção para

fabricação de determinadas

estruturas aeronáuticas. Esta

tecnologia pode ser substituída

pela fabricação das mesmas

estruturas em ligas de

alumínio, como nas aeronaves

mais antigas, mas sob pena de

perda de desempenho

operacional e resistência

mecânica. O uso de materiais

compostos é uma tendência

inevitável e cada vez mais

importante na indústria

aeronáutica.

Know-how em tecnologia de

usinagem de ligas avançadas

de alumínio-magnésio.

Todos.

Não. Ligas de alumínio-

magnésio são extremamente

leves e apresentam boa

resistência. A usinagem deste

tipo de liga não é, no entanto,

algo muito valioso no processo

de produção industrial de

aeronaves.

Não. A maioria das empresas

aeronáuticas domina a

usinagem deste tipo de liga e

mesmo em outros setores

(automotivo, alimentício,

elétrico, entre outros) este tipo

de tecnologia é disseminada.

Não. Este know-how é obtido

com relativa facilidade, visto

que a tecnologia já se

encontra difundida e dominada

por diversos outros setores.

Sim. O conhecimento não

pode ser substituído por outro

método de trabalho, pois a

usinagem de ligas

aeronáuticas é um processo

complexo, tendo em vista a

necessidade de garantir a

segurança da estrutura contra

falhas.

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201

Know-how em uso de

máquinas de controle

numérico.

Todos.

Sim. Para aumentar a

capacidade de produção e a

qualidade dos produtos

fabricados na indústria

aeronáutica, o uso de

máquinas de controle

numérico de alta velocidade é

fundamental.

Em termos. O controle

numérico na produção existe

há vários anos e há diversos

tipos de equipamentos para

esta finalidade. As máquinas

atuais, que a Embraer domina

e utiliza, são extremamente

rápidas e precisas,

constituindo-se num diferencial

de sua produção em relação a

possíveis novos entrantes

(Obs.: Outros grandes

produtores de aviões civis e/ou

militares já dominam este

know-how).

Sim. O know-how é

considerado importante e,

portanto, restrito a quem

detém o domínio sobre o ciclo

completo da tecnologia. De

certa forma, a falta de

conhecimento sobre

fabricação automatizada é

uma das grandes barreiras de

produtividade a novos

entrantes no setor.

Sim. O uso de máquinas de

controle numérico é a melhor

opção para fabricação de

várias estruturas aeronáuticas.

Esta tecnologia pode ser

substituída pela fabricação das

mesmas estruturas através de

processos de usinagem

tradicionais, como nas

aeronaves antigas, mas sob

pena de perda de eficiência na

produção.

Know-how em tecnologia de

soldagem (ou colagem) metal-

metal.

Todos.

Não. A tecnologia de

soldagem metal-metal é

importante na produção de

estruturas resistentes e

seguras, muito embora não se

constitua num diferencial

extremamente valioso na

indústria aeronáutica.

Não. Praticamente todas as

empresas do setor aeronáutico

possuem know-how de

tecnologia de soldagem metal-

metal.

Não. Os possíveis novos

entrantes que ainda não

possuam este know-how

podem obtê-lo através da

contratação de especialistas

ou mesmo em outras

indústrias (como a de bens de

capital ou a automobilística)

Sim. A tecnologia de soldagem

metal-metal é imprescindível

na indústria aeronáutica pelo

alto uso de ligas metálicas

para fabricação nas estruturas

utilizadas nas aeronaves e,

portanto, impossível de ser

substituída.

Know-how em fabricação de

colméias de alumínio

(honeycombs).

N/A. N/A. N/A. N/A. N/A.

Quadro 18 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Northrop (projeto F-5) na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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202

5.2.4 Formação de consórcio com a Short Brothers para venda de jatos Super

Tucano à RAF

Em 1985, a Embraer assinou acordo de co-produção do Tucano com a

empresa irlandesa Short Brothers para o fornecimento deste tipo de aeronave à RAF

(Royal Air Force) da Grã-Bretanha. Como em qualquer país desenvolvido, a Grã-

Bretanha exigia que um produto estrangeiro só poderia entrar na concorrência de

sua Força Aérea se associado a um fabricante nacional, de forma a gerar empregos

em seu território.

Desta forma, a aliança estratégica com a Short Brothers surgiu como forma de

contornar as restrições impostas pelo governo britânico. Devido à qualidade

excepcional do Tucano e à eficácia do consórcio Embraer/Short Brothers na

elaboração da proposta, a aeronave brasileira acabou sendo escolhida pela RAF,

numa encomenda de 130 unidades.

O contrato ainda previa modificações de uma série de componentes, visando

a otimização de seu desempenho, de maneira que a versão final do Tucano para a

RAF acabou tendo seu nome alterado, passando a ser conhecido como Super

Tucano. Dentre as modificações exigidas encontravam-se maior potência, hélice

pentapá (com cinco pás), cabine pressurizada, eletrônica de vôo com displays de

cristal líquido modernos e assentos ejetáveis.

Segundo Bernardes (2000a), mesmo após as adaptações, a Embraer

absorveu quase todos os custos, repassando-os somente em parte para preços

finais apresentados à RAF.

O projeto do Super Tucano gerou extenso desenvolvimento tecnológico para

a Embraer, mas a principal causa da absorção destes recursos foi devido às

pressões da RAF pelas modificações tecnológicas de forma a atender aos requisitos

mínimos de desempenho. A aquisição desta tecnologia, entretanto, foi financiada

com recursos (de capital e humanos) da própria Embraer, não tendo sido adquiridos

através da aliança estratégica com a Short Brothers. Na verdade, a aliança com a

Short Brothers foi praticamente uma tática para ultrapassar as exigências britânicas

por produção local, sem mais conseqüências na aquisição por parte da Embraer de

recursos físicos, humanos ou organizacionais que ajudassem na formação de

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203

vantagens competitivas sustentáveis. Desta forma, não há recursos diretamente

adquiridos através da aliança e, conseqüentemente, a aliança em si não foi útil no

sentido de gerar vantagens competitivas sustentáveis para a empresa brasileira.

5.2.5 Acordo com a Sikorsky para aquisição de tecnologia em usinagem

química

Durante a década de 70, a Embraer apresentou um ótimo desempenho para

uma empresa iniciada há tão pouco tempo. Tal sucesso deu-se em grande parte

devido à aceitação pelo mercado de aeronaves como o Bandeirante e do Xavante.

No início da década de 80, a empresa já ensaiava passos mais ousados, através do

desenvolvimento gradual do programa 12X, do qual posteriormente resultariam os

EMB-120 Brasília, EMB-121 Xingu e CBA-123 Vector.

O principal desafio tecnológico enfrentado neste processo de P&D era, sem

dúvidas, relativo à pressurização das aeronaves. Ainda durante uma fase do ciclo de

vida do Bandeirante, a Embraer sentiu a demanda de alguns de seus clientes por

versões pressurizadas desta aeronave. Era claro que a pressurização era uma

tendência consolidada e inexorável na indústria de fabricação de aeronaves.

Mas o desenvolvimento de tal tecnologia traz consigo uma série de desafios.

A pressurização faz com que seja necessária uma fuselagem (o “corpo” da

aeronave, em que voam os passageiros, tripulantes e carga) mais robusta, para

suportar os esforços estruturais adicionais decorrentes da pressurização. A nova

fuselagem deve resistir a todas as cargas aerodinâmicas, suportando a pressão

interna, muito maior do que se não houvesse pressurização. Isso normalmente

significa fuselagens mais espessas e, conseqüentemente, mais pesadas, o que pode

afetar para pior o desempenho operacional previsto, com maior consumo de

combustível.

De forma a reduzir o peso sem prejuízo da resistência estrutural agora

necessária, as empresas que trabalhavam com aeronaves pressurizadas

normalmente utilizavam a usinagem química, um processo tecnológico no qual é

reduzida a espessura da chapa estrutural mediante processo de corrosão química

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204

controlado. Desta forma, diminui-se o peso estrutural sem prejuízo à resistência

mecânica ao mesmo tempo em que se aumenta o índice de tolerância à fadiga

estrutural.

Entre outras questões levantadas pela necessidade da pressurização

estavam complicações adicionais nos sistemas de injeção, renovação e

condicionamento de ar, controle da pressão interna da aeronave e suprimento de

energia, problemas estes que teriam que ser resolvidos por qualquer companhia que

desejasse fabricar aeronaves pressurizadas. Mas o que mais preocupava a Embraer

era realmente a questão do ganho de peso estrutural, que teria que ser resolvido via

usinagem química.

Enfim, era um problema de difícil solução. À Embraer, que previa a

necessidade imperativa (imposta por seus clientes) de desenvolver a pressurização

em suas novas aeronaves, só restavam duas alternativas: desenvolver internamente

a tecnologia de usinagem química ou adquiri-la de um parceiro.

Na mesma época em que a Embraer deparava-se com este problema, a FAB

buscava adquirir novos helicópteros para a sua frota, sendo a Sikorsky Aircraft uma

das concorrentes na licitação. Aproveitando a oportunidade, a Embraer efetuou

contato com a FAB, que autorizou as conversações entre os dois fabricantes. De

acordo com Silva (1998), na medida em que ficava claro o favoritismo da Sikorsky na

licitação, foi sendo acertada uma cláusula de offset, que previa a transferência da

Sikorsky para a Embraer dos métodos, técnicas, processos e treinamentos

necessários para aprender e aplicar usinagem química nas estruturas necessárias.

O acordo de offset, como já explicado, é a contrapartida comercial imposta

pelos governos, em que é previsto que um certo valor do contrato deve implicar em

compra de produtos nacionais. No caso brasileiro, a FAB via de regra embutia em

seus acordos de offset cláusulas prevendo transferência de tecnologia à Embraer,

ainda em pleno e intenso processo de aprendizagem tecnológica.

A Sikorsky Aircraft era (e ainda é) uma divisão da United Technologies, que

também controlava (e ainda controla) a Pratt & Whitney Canada, antiga fornecedora

de motores do EMB-110 Bandeirante, de forma que a transferência de tecnologia de

usinagem química entre as duas empresas deu-se adequadamente, de forma

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amistosa e com grande eficácia. Ainda segundo Silva (1998), a Sikorsky não só se

empenhou a fundo para que o treinamento dos engenheiros e técnicos da Embraer

fosse adequado como também indicou à empresa brasileira os fornecedores de

matérias-primas e de equipamentos necessários no novo processo.

Além disso, pode-se dizer que a Sikorsky era mesmo a empresa ideal para

transmitir esta nova tecnologia para a companhia brasileira: nos helicópteros o peso

estrutural é um fator ainda mais crítico que nos aviões, de forma que a Embraer

estava aprendendo com um dos melhores “professores” que poderia querer

encontrar.

Desta forma, a aquisição da nova tecnologia de usinagem química permitiu à

Embraer desenvolver sua nova família de aeronaves de acordo com a tendência da

aviação de construir aeronaves pressurizadas. Para o vice-presidente da Embraer

Satoshi Yokota, o salto tecnológico com a aquisição do know-how de usinagem

química não foi muito grande, pois a tecnologia é facilmente adquirida no mercado,

podendo ser comprada de fornecedores. O diferencial teria sido na verdade a

possibilidade de realizar in-house o processo, facilitando significativamente a

logística da produção. Ao invés de enviar várias chapas metálicas para um

fornecedor em outra parte do mundo que dominasse a tecnologia de usinagem

química, a Embraer podia fazer o trabalho metalúrgico internamente.

O quadro a seguir detalha o recurso de know-how em usinagem química

adquirido pela Embraer na parceria com a Sikorsky:

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206

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how de tecnologia de

usinagem química.

Todos os programas com

aeronaves pressurizadas (12X,

145, 170/190, LJ/VLJ).

Sim. A tecnologia de usinagem

química é fundamental para o

desenvolvimento de aeronaves

pressurizadas com estrutura

em alumínio que possuam alta

eficiência operacional (i.e.

baixo consumo de

combustível).

Não. Pode ser facilmente

obtida através de contrato com

fornecedores especializados

neste tipo de tarefa

metalúrgica.

Sim. Nenhuma tecnologia

pode imitar os efeitos da

usinagem química na

fabricação de fuselagens

pressurizadas sem

comprometer a integridade

estrutural da aeronave e,

portanto, a segurança da

mesma.

Em termos. A substituição só

pode ser dada por uma

tecnologia ainda mais valiosa

e rara que a de usinagem

química e ainda não

completamente dominada, que

é o domínio de materiais

compostos (ex. fibra de

carbono, kevlar, etc). A única

aeronave comercial

pressurizada com fuselagem

em fibra de carbono é o

Boeing 787, ainda em fase de

projeto.

Quadro 19 – Efeito dos recursos adquiridos na primeira aliança com a Sikorsky na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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207

5.2.6 Projeto AMX

O AMX nasceu de uma necessidade específica da FAB por uma aeronave

militar subsônica de alto desempenho, que logo foi requisitada à Embraer. Através

de contatos com o Ministério da Defesa Italiano e ao verificar que a Itália também

necessitava de aeronave similar, o governo brasileiro decidiu que o projeto seria feito

em conjunto com aquele país e moldou a parceria entre as empresas participantes, a

saber, Embraer, Aeritalia (atual Alenia) e Aermacchi.

Nesta época, a Itália adotava um sistema de reserva de mercado para seus

dois principais fabricantes de aeronaves militares: a Aeritalia ficava responsável

pelas aeronaves militares de primeira linha (ataque ou apoio ao solo) e a Aermacchi

ficava responsável por aeronaves de treinamento militar (normalmente mais simples

que os caças de ataque).

Divididas as tarefas, coube à Embraer a responsabilidade pelo projeto e

fabricação das asas, entrada de ar do motor, suportes dos armamentos, tanques

externos de combustível, trens-de-pouso principais e estabilizador horizontal. A

Aermacchi, por sua vez, foi responsável pelo nariz da aeronave, pela parte posterior

da fuselagem e sistemas aviônicos. Por fim, à Aeritalia coube o papel mais nobre, de

coordenador e integrador do programa, além do projeto específico do trem-de-pouso

dianteiro e do estabilizador vertical. Em homens-hora totais, coube à Aeritalia

responsabilidade sobre 46% do projeto; à Aermacchi, 24%; e à Embraer, 30%.

Segundo Cavagnari (1993), o AMX foi projetado para voar à noite a

baixíssima altitude e conta com navegação computadorizada extremamente precisa,

controlada por 32 computadores sendo 2 centrais. Possui aparelhagem de

reconhecimento aerofotográfico e de infravermelho, além de um radar extremamente

complexo e moderno para ataque a navios. Também possui a capacidade de se

defender de mísseis antiaéreos e de mísseis infravermelhos, contanto com uma

grande quantidade de equipamentos de autodefesa. A parte eletrônica é realmente o

diferencial desta aeronave, tornando-a o mais moderno em sua faixa de atuação, de

acordo com Cavagnari. Já para o vice-presidente da Embraer Luís Carlos Affonso, o

AMX foi um projeto em que a Embraer aprendeu a fazer integração de sistemas com

um software cujo processamento acontecia em tempo real.

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208

Ainda de acordo com Cavagnari (1993), entre os objetivos brasileiros para o

programa, encontravam-se:

• Formação de uma frota de aviões modernos, de ataque, para a Força

Aérea, com raio de ação superior a mil quilômetros, levando 4 mil libras

de carga bélica;

• Capacitação tecnológica da indústria aeronáutica nacional, que lhe

permita construir aviões militares complexos e, assim, colocar-se na

vanguarda dentro da indústria aeronáutica mundial; e

• Criação de um programa economicamente viável, complementado por um

alto potencial de exportação, capaz de ativar a indústria aeronáutica e as

múltiplas indústrias associadas, com duração de mais de dez anos.

Percebe-se, portanto, que o programa AMX possuía uma envergadura muito

maior do que apenas produzir as aeronaves para atender às necessidades da FAB.

Ele foi concebido com enorme abrangência, visando o crescimento e fortalecimento

industrial e tecnológico do setor aeronáutico do país, seguindo a estratégia de

segurança e desenvolvimento posta em prática pelos sucessivos governos militares

(MATTOS ET AL, 2005).

Ainda segundo Cavagnari (1993), a FAB possuía duas alternativas: recorrer

ao mercado internacional, mantendo a dependência das potências militares (não só

dos aviões, mas do suprimento de peças, da manutenção e da assistência técnica);

ou integrar algum programa em que pudesse participar diretamente do

desenvolvimento da aeronave. Esta segunda opção, que acabou sendo a escolhida,

trazia o risco de não lograr êxito no reaparelhamento da frota da FAB, mas ao

mesmo tempo significava a redução da dependência dos fabricantes externos.

Apesar de fabricado visando o combate no teatro de operações europeu, o

AMX era plenamente adaptável ao teatro de operações sul-americano. Para a FAB,

o avião continua sendo uma aeronave de tecnologia avançada, que satisfaz as

necessidades brasileiras nas missões para as quais foi planejado como caça-

bombardeiro: apoio e ataque ao solo.

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209

De acordo com Cavagnari (1993), a Embraer teve que duplicar seu parque de

usinagem para o projeto AMX, além de realizar um intenso treinamento de pessoal

para operá-lo, já que esse processo é realizado totalmente através de controle

numérico, comandado por computador central. Também teve que se capacitar para

o projeto da inteligência do avião (os softwares), da qual era responsável por 30% do

desenvolvimento, necessitando então conhecer a totalidade do processo de projeto.

Ainda segundo o autor, houve incorporação de tecnologia nova no desenvolvimento

de material composto, utilizado em várias partes do AMX. Esta capacitação seria

crucial para posteriores encomendas feitas junto à Embraer, como a de fabricação

dos flaps para o McDonnell Douglas MD-11.

Outro recurso importante obtido na parceria do projeto AMX foi o know-how

de gestão de projetos. Neste programa multinacional em parceria, foi permitido

acesso a todos os documentos e projetos de subsistemas, além do fato da tomada

de decisões ter sido paritária. Desta forma, neste projeto em específico, a Embraer

capacitou-se enormemente para o desenvolvimento de acordos de cooperação

industrial em fabricação de aeronaves com múltiplos parceiros e a partir de então a

maioria dos acordos de que participou foram implementados sob a sua liderança e

gestão.

De acordo com Silva (1998), a gestão da parceria foi muito complexa, pois

houve vários atritos entre os parceiros, em especial a Embraer e a Aeritalia.

Prosseguindo em suas críticas, o autor alega que a Aeritalia teria dificultado o

acesso da empresa brasileira aos sistemas aviônicos da aeronave, sendo

necessária intervenção do governo brasileiro para que a Embraer tivesse acesso a

estes sistemas e softwares, conseguindo assim as qualificações necessárias para

projetar ou modificar qualquer item eletrônico do AMX. Era tão clara a importância

dos softwares desenvolvidos no projeto que houve tentativas deliberadas de impedir

os brasileiros de absorverem este conhecimento específico. Certamente os italianos

temiam transferir a tecnologia à Embraer, o que acabou ocorrendo de qualquer

forma. Este conhecimento era fundamental para a pós-venda da aeronave, visto que

os aviônicos e os softwares são o cérebro da aeronave militar moderna, sem os

quais o avião não pode executar uma série de missões a que está apto.

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210

Além disso, o programa AMX também apresentou uma excelente

oportunidade para os engenheiros e técnicos da empresa brasileira de se

aprimorarem tecnologicamente, através do intercâmbio com os profissionais das

outras empresas. Certamente, num ramo em que o desenvolvimento de tecnologia é

fundamental, isso se torna um atrativo diferencial para os funcionários e, por

conseqüência, para suas empresas, que passam a contar com conhecimento

tecnológico mais aprofundado.

O AMX foi uma aeronave tecnologicamente impecável. Sua aerodinâmica

excepcional permitia ótimo desempenho mesmo em missões difíceis e seu sistema

eletrônico era de última geração à época. O projeto AMX realmente foi um enorme

aprendizado para a Embraer. Pode ser considerado também o primeiro grande

projeto de cooperação internacional da empresa brasileira, capacitando-a para os

futuros projetos em jatos regionais. No início da década de 80, quando estava sendo

desenvolvido o AMX, a cooperação entre empresas de diferentes países já

despontava como uma tendência consolidada ao desenvolvimento de novas

aeronaves, tanto civis quanto militares. O programa AMX foi o grande passo que a

Embraer deu para adquirir a capacidade de participar em projetos deste tipo.

Cavagnari (1993) acredita que o projeto AMX, apesar de fracassado

comercialmente, teria sido o responsável direto pelo salto da Embraer em termos de

capacitação tecnológica e industrial. Tal avanço permitiu a produção de trens-de-

pouso e outros sistemas de tecnologia mais avançada do que os encontrados no

EMB-110 Bandeirante, o que forneceu a base para o desenvolvimento de outras

aeronaves de grande sucesso, como o EMB-120 Brasília e a família ERJ-145.

O desenvolvimento de recursos tecnológicos e novo conhecimento é

conseqüência certa em projetos como o AMX. A título de exemplo, vale salientar que

em 1968 a Itália (através da Aeritalia) integrou, juntamente à Inglaterra (BAe) e à

Alemanha Ocidental (MBB), o projeto do caça Tornado, com participação de apenas

15% no desenvolvimento e produção da aeronave. Tal experiência foi tão profunda

no desenvolvimento industrial e tecnológico do setor aeronáutico italiano que

permitiu, em menos de uma década, à Aeritalia liderar um novo projeto complexo

como o do caça-bombardeiro subsônico AMX.

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211

De acordo com Mattos et al (2005), o AMX capacitou a Embraer a participar

de cooperações internacionais de grande envergadura, aperfeiçoando métodos e

processos, e proporcionou uma receita que a manteve funcionando no difícil e crítico

início dos anos 90. Os autores citam, entre as melhorias nos processos e métodos, a

fabricação de peças usinadas em cinco eixos, técnicas de conformação de asa

(posteriormente aplicada ao CBA-123 Vector), material composto e sistema aviônico

integrado.

Também é importante ressaltar a criação do Comunicado de Discrepância,

um documento utilizado para análise de não-conformidades de fabricação. Além

disso, os procedimentos de ensaios em vôo foram otimizados e equipamentos de

ensaio, tanto de solo quanto em vôo, foram adquiridos.

Por fim, o sistema de CAD (Computer Aided Design ou Projeto Assistido por

Computador) foi introduzido ao final dos anos 70 e utilizado pela primeira vez no

programa AMX. Nesta época, poucas empresas utilizavam este sistema, o que

contribuiu para as tarefas brasileiras no desenvolvimento da aeronave (MATTOS ET

AL, 2005).

A absorção de conhecimento tecnológico neste empreendimento não deve

ser subestimada. De acordo com Mattos et al (2005), nos anos de 1980/1981 a

Embraer começou a enviar uma grande equipe para a Itália, a maioria para Turim,

sede da Aeritalia, e os outros para Varese, sede da Aermacchi. O depoimento do Sr.

Paulo Marton, da Gerência de Cargas Estáticas, é emblemático: “Fui com o intuito

de aprender o máximo possível e trazer conhecimento para a Embraer. Participamos

do cálculo de cargas da asa, slats, flapes, pilones, corpos subalares (tanques de

combustível e armamentos), entrada de ar e fixação do motor e do míssil ar-ar

SideWinder. Atualmente, ainda empregamos métodos de cálculo de cargas que

aprendemos no programa AMX nos aviões civis” (MATTOS ET AL, 2005).

Complementam Mattos et al (2005) que o trabalho em parceria do sistema

aviônico, o grande diferencial do AMX, foi o último em que foi estabelecido acordo

com os italianos, tendo sido alvo de negociações prolongadas. De acordo com os

autores, tal sistema impactou profunda e favoravelmente os programas

subseqüentes da Embraer, notadamente o CBA-123 e o ERJ-145. Segundo o

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212

engenheiro Francisco de Assis Ferreira Gomes, “o trabalho pioneiro empreendido

pela equipe (...) criou o alicerce do que é hoje uma sólida capacidade técnica e

profissional da Embraer em desenvolvimento e integração de sistemas complexos e

com sofisticados softwares embarcados. A relevância daquele empreendimento se

reflete (sic), hoje, não apenas no desenvolvimento dos programas de defesa, mas

também em programas da área comercial onde (sic) é possível ser constatado que o

desenvolvimento, a integração e certificação de sistemas e software foram também

viabilizados por meio de complexos laboratórios de integração, envolvendo todos os

sistemas destas aeronaves”.

No quadro a seguir são apresentados todos os recursos adquiridos pela

Embraer em sua aliança estratégica com a Aeritalia e a Aermacchi para o programa

AMX. Como pode ser verificado, o projeto AMX foi extremamente rico no que diz

respeito ao aprendizado tecnológico e de gestão da empresa brasileira:

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213

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how em tecnologia de

material composto. Todos.

Sim, poucas empresas

dominam o uso de estruturas

aeronáuticas de material

composto, que conduzem a

pesos estruturais bem

menores e, portanto, a

produtos mais competitivos.

Em termos. A maioria das

empresas estabelecidas detém

esta tecnologia, embora em

níveis variados de sofisticação

tecnológica. Entretanto,

possíveis novos entrantes não

a possuem ou não detêm o

ciclo tecnológico completo.

Sim. O uso de material

composto apresenta uma

revolução na qualidade da

estrutura aeronáutica, tanto

em termos de peso (é mais

leve que as ligas de alumínio),

como em termos de segurança

(possui alta resistência a

falhas e fadiga mecânica).

Sim. Os materiais compostos

são a melhor opção para

fabricação de determinadas

estruturas aeronáuticas. Esta

tecnologia pode ser substituída

pela fabricação das mesmas

estruturas em ligas de

alumínio, como nas aeronaves

mais antigas, mas sob pena de

perda de desempenho

operacional e resistência

mecânica. O uso de materiais

compostos é uma tendência

inevitável e cada vez mais

importante na indústria

aeronáutica.

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214

Know-how em tecnologia de

sistemas aviônicos e softwares

para aviação militar.

Todos.

Sim, principalmente na

aviação militar, em que os

sistemas aviônicos e os

softwares desempenham

papel fundamental na

qualidade do produto. A

aviônica vem ganhando

destaque crescente na aviação

civil também, constituindo-se

em um grande diferencial.

Sim. O conhecimento

aprofundado nesta área

permite o projeto de aeronaves

com melhores sistemas

aviônicos e uma melhor

integração com os

fornecedores de tais sistemas.

Este know-how é

particularmente raro em

potenciais novos entrantes ou

empresas em países sem uma

indústria aeronáutica

desenvolvida.

Sim. Sistemas aviônicos são

uma das partes mais

importantes no

desenvolvimento de uma

aeronave e, por isso,

normalmente subcontratados a

empresas especializadas. Este

know-how permite às

empresas detentoras o

desenvolvimento e a escolha

de sistemas aviônicos e

softwares embarcados mais

adequados para as missões a

que a aeronave se destina.

Sim. Uma aeronave sem

sistemas aviônicos ou com

sistemas ineficientes não

desempenha tão bem como

uma aeronave com sistemas

adequados. Ou se detém o

conhecimento tecnológico do

uso deste tipo de sistema ou o

programa aeronáutico fica

seriamente debilitado em

comparação aos produtos

concorrentes que possuam

bons sistemas aviônicos.

Know-how de gestão de

projetos, integração de

sistemas e acordos de

cooperação industrial.

Todos.

Sim. O know-how em gestão

de projetos aeronáuticos e

integração de sistemas

capacita a empresa a assumir

a posição mais privilegiada na

cadeia de suprimentos da

indústria aeronáutica – a de

projetar a aeronave e integrar

os sistemas desenvolvidos

pelos parceiros e/ou

fornecedores.

Sim. Atualmente, poucas

empresas possuem expertise

para atuarem como líderes em

processos de desenvolvimento

de aeronaves. Potenciais

novos entrantes ou empresas

especializadas em sistemas

específicos não detêm este

know-how e, portanto, atuam

em elos menos nobres da

cadeia de fornecimento, com

margens menores.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para desenvolver

projetos aeronáuticos através

de acordos de cooperação

com centenas de empresas

fornecedoras ou parceiras é

resultado de alta experiência e

know-how, não sendo,

portanto, imitável.

Sim. Tal conhecimento é a

chave para a participação na

posição privilegiada de

integrador de sistemas e

fabricante de aeronaves

tecnologicamente avançadas,

não podendo, a priori, ser

substituído ou adquirido

diretamente.

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215

Know-how em técnicas de

conformação de asa. Todos.

Sim. Os processos de

conformação de asa são

importantes para obter

estruturas mais leves (com

menor espessura) e, ao

mesmo tempo, sem perder

características como

resistência a falhas.

Não. No Brasil, as empresas

que dominam os processos

metalúrgicos de conformação

são normalmente grandes

empresas, porém este know-

how é dominado por várias

pequenas e médias empresas

nos países com indústria

metal-mecânica desenvolvida.

Não. Tal recurso é facilmente

assimilável por ser

amplamente disseminado,

inclusive em pequenas e

médias empresas em países

desenvolvidos.

Sim. As técnicas metalúrgicas

de conformação são a melhor

opção para fabricação de

estruturas como asas, por

manterem a resistência a

falhas e fadiga ao mesmo

tempo em que permitem

diminuição do peso estrutural.

Ainda assim, é possível aplicar

técnicas metalúrgicas mais

antigas, embora isto implique

em piores características da

estrutura fabricada.

Know-how em fabricação de

peças usinadas em 5 eixos. N/A. N/A. N/A. N/A. N/A.

Quadro 20 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Aeritalia e Aermacchi (projeto AMX) na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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216

5.2.7 Projeto CBA-123 Vector

Tal qual o AMX, o CBA-123 Vector foi outro projeto imposto pelo governo

brasileiro à Embraer. O ano era 1986, o segundo do governo Sarney, primeiro

governo civil após 21 anos de ditadura militar no Brasil. Nesta época, apareciam os

primeiros acordos do que posteriormente viria a ser reconhecido como o Mercosul.

De forma a ampliar o relacionamento com nossos vizinhos argentinos, o governo

federal determinou que a Embraer fizesse uma parceria com a Fábrica Militar de

Aviones (FMA). O CBA-123 era baseado na plataforma do Projeto 12X, inicialmente

desenhado na década de 70.

Este foi o primeiro projeto totalmente feito pela Embraer em computador.

Foram utilizadas as novas tecnologias de CAD (Computer Aided Design), replicando

a experiência obtida com sucesso no programa AMX, e CAM (Computer Aided

Manufacturing), métodos difundidos em poucos fabricantes naquela época. Outro

novo conceito utilizado foi a engenharia simultânea, que diminui o tempo de

desenvolvimento, e o CIM (Computer Integrated Manufacturing).

Todos os esforços das empresas foram interrompidos em 1991, sem a venda

de uma única aeronave. O projeto já apresentava perspectivas de ser muito mais

caro do que o mercado estava demandando para aquele tipo de aeronave. Apesar

de ser um projeto com tecnologia state-of-the-art os parceiros arcaram com o

prejuízo por não compreenderem que os clientes não necessitavam de um produto

tão sofisticado.

O projeto CBA-123, entretanto, foi pioneiro para a Embraer no

compartilhamento de riscos com parceiros, pois não somente a Embraer financiaria

o projeto: além da FMA, alguns poucos fornecedores ainda foram escolhidos para

aportar investimentos e mitigar o risco da empresa brasileira, antes que o projeto se

paralisasse por completo. Mas mesmo com a participação destes potenciais

parceiros de risco, a Embraer e a FMA, passando por sérias dificuldades financeiras,

não puderam financiar totalmente o programa (SILVA, 1998). Embora tivesse sido

uma experiência embrionária, a empresa brasileira ainda pôde absorver alguns

conceitos do modelo de compartilhamento de risco com parceiros. Em outras

palavras, o projeto CBA-123 Vector foi um “treinamento” para a gestão de parcerias

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217

de compartilhamento de risco, enquanto o projeto ERJ-145 utilizou com muito mais

profundidade esta estratégia.

Além disso, várias soluções tecnológicas e sistemas desenvolvidos para o

CBA-123 viriam a ser posteriormente utilizados no ERJ-145. Curiosamente, o

fracasso do CBA-123 teve grande influência no sucesso do ERJ-145.

O quadro a seguir detalha o aprendizado obtido pela Embraer no projeto

CBA-123 Vector, limitado ao know-how obtido na tentativa de estabelecer um

modelo de gestão através de parcerias de compartilhamento de risco, que era o

modelo de negócios sob o qual era pretendido que se desenvolvesse o projeto. Deve

ser salientado que este know-how, obviamente, não foi obtido por completo, tendo

em vista a decisão de paralisar o projeto.

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218

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how em projeto de

compartilhamento de risco.

ERJ-145, ERJ-170/190,

LJ/VLJ.

Sim. Os projetos de

compartilhamento de risco são

uma tendência bem definida

na indústria aeronáutica,

permitindo mitigação de riscos

e alta agregação de tecnologia

aos produtos através da

especialização de cada

parceiro no projeto produzindo

sistemas específicos.

Sim. A liderança de um pool

de parceiros de risco impõe

desafios significativos na

gestão do nexo de contratos e

relacionamentos para que o

projeto se desenvolva de

acordo com o cronograma e o

orçamento previstos e seja

produzida uma aeronave de

qualidade. Pouquíssimas

empresas detêm este know-

how na liderança de parcerias

de risco.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para liderar

parcerias de compartilhamento

de risco num projeto

aeronáutico é resultado de alta

experiência e know-how, não

sendo, portanto, imitável nem

facilmente obtido.

Em termos. Os projetos

desenvolvidos sob a forma de

parcerias de risco podem ser

substituídos pela configuração

tradicional na indústria,

envolvendo relações

comerciais usuais entre

comprador e fornecedores.

Este modelo, entretanto, é

mais alavancado e arriscado

que o modelo de parcerias de

compartilhamento de risco,

carregando os riscos

normalmente mitigados pelo

compartilhamento.

Quadro 21 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a FMA (projeto CBA-123) na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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219

5.2.8 Acordo com a McDonnell Douglas para produção de flaps de fibra de

carbono para a aeronave MD-11

A Embraer sempre esteve envolvida em atividades de cooperação,

subcontratos e prestação de serviços desde seus primórdios. Na década de 90,

devido à séria crise financeira pela qual passava, a Embraer procurou diversificar

suas fontes de receitas, expandindo a venda de serviços (por exemplo, usinagem de

peças, produção de estruturas de materiais compostos, engenharia de qualidade e

ensaios) e colocando à disposição das empresas do setor, bem como as que não

atuavam no ramo aeronáutico, a sua tecnologia de ponta e sofisticados laboratórios.

O fracasso comercial do seu último projeto, o CBA-123 Vector e o desaquecimento

do setor aeronáutico descapitalizaram a empresa e forçaram-na a lutar pela

sobrevivência, buscando diminuir a capacidade ociosa das linhas de produção.

Nesta mesma época, em 1992, a Embraer acabou sendo beneficiada quando

a VARIG comprou aviões MD-11 da McDonnell Douglas. Neste caso foi estabelecido

um offset (contrapartida comercial) sob a forma de contrato de fabricação de 200

conjuntos de flaps em tecnologia de material composto para os MD-11, com opção

de compra para outros 100 conjuntos. O contrato, no valor total de US$ 120 milhões,

também incluiu todo o suporte para treinamento e transferência de tecnologia, além

de financiamento de aeronaves EMB-120 Brasília para linhas aéreas dos EUA.

De acordo com o vice-presidente da Embraer Luís Carlos Affonso, a Embraer

atuou como uma verdadeira parceira de risco da McDonnell Douglas na produção

dos flaps para o MD-11, contribuindo para a absorção do conhecimento de gestão

de projetos desta natureza, o que foi iniciado no programa CBA-123 Vector e

aprofundado na família ERJ-145.

Outro aprendizado importante neste tipo de projeto foram as normas e

procedimentos de fabricação aprendidos junto ao integrador norte-americano.

Segundo o vice-presidente da empresa brasileira Satoshi Yokota, a Embraer

estudou todos os contratos de serviços da McDonnell Douglas, visando entender

como era feita a gestão dos parceiros de risco e também normas e procedimentos

de produção. Luís Carlos Affonso também enfatiza a importância desta parceria para

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220

o desenvolvimento de sistemas de gestão similares aos do fabricante norte-

americano.

Também deve ser considerado que a absorção da nova tecnologia em

materiais compostos foi muito importante, pois há uma tendência consolidada na

indústria de fabricação aeronáutica levando à substituição de chapas de alumínio por

estruturas mais leves e resistentes, como fibras de carbono, fibras de vidro e kevlar.

Materiais compostos são muito mais leves que as ligas de alumínio, diminuindo o

peso da aeronave e, conseqüentemente, aumentando sua eficiência operacional (ou

seja, proporcionando menor consumo de combustível por quilômetro voado). Além

disso, certos materiais compostos apresentam resistências estruturais maiores que o

alumínio, o que também aumenta a segurança da aeronave. As aeronaves mais

recentes da Embraer utilizam cada vez mais estruturas de materiais compostos,

decorrência direta do know-how adquirido também nesta aliança estratégica com a

McDonnell Douglas.

Nesta época a empresa ainda foi homologada pelo Departamento de Aviação

Civil (DAC) brasileiro e pelo Federal Aviation Administration (FAA) norte-americano

para execução de reparos estruturais em peças fabricadas em materiais compostos

avançados e em estruturas metálicas que passassem por um processo complexo

chamado de colagem estrutural.

No quadro a seguir, são apresentados os recursos adquiridos pela Embraer

devido ao offset com a McDonnell Douglas:

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221

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how em tecnologia de

material composto. Todos.

Sim, poucas empresas

dominam o uso de estruturas

aeronáuticas de material

composto, que conduzem a

pesos estruturais bem

menores e, portanto, a

produtos mais competitivos.

Em termos. A maioria das

empresas estabelecidas detém

esta tecnologia, embora em

níveis variados de sofisticação

tecnológica. Entretanto,

possíveis novos entrantes não

a possuem ou não detêm o

ciclo tecnológico completo.

Sim. O uso de material

composto apresenta uma

revolução na qualidade da

estrutura aeronáutica, tanto

em termos de peso (é mais

leve que as ligas de alumínio),

como em termos de segurança

(possui alta resistência a

falhas e fadiga mecânica).

Sim. Os materiais compostos

são a melhor opção para

fabricação de determinadas

estruturas aeronáuticas. Esta

tecnologia pode ser substituída

pela fabricação das mesmas

estruturas em ligas de

alumínio, como nas aeronaves

mais antigas, mas sob pena de

perda de desempenho

operacional e resistência

mecânica. O uso de materiais

compostos é uma tendência

inevitável e cada vez mais

importante na indústria

aeronáutica.

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222

Know-how em normas e

procedimentos de produção. Todos.

Sim. O uso de procedimentos

corretos na produção de

aeronaves é fundamental para

obter resultados satisfatórios,

em termos de qualidade,

desempenho e custo unitário

da estrutura produzida.

Em termos. A maioria das

empresas estabelecidas detém

este know-how (e foi em

grande parte graças a

parcerias com elas que a

Embraer o adquiriu).

Entretanto, possíveis novos

entrantes não detêm o

conhecimento completo de

normas eficazes de produção.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para implementar

processos eficazes e eficientes

de produção é resultado de

alta experiência e know-how

desenvolvido internamente ou

adquirido através de parcerias,

como a Embraer muitas vezes

fez.

Sim. É impossível substituir

procedimentos complexos de

produção de aeronaves, que

são resultado da acumulação

gradual de conhecimento e

experiência ao longo dos anos.

Know-how de gestão de

projetos, integração de

sistemas e acordos de

cooperação industrial.

Todos.

Sim. O know-how em gestão

de projetos aeronáuticos e

integração de sistemas

capacita a empresa a assumir

a posição mais privilegiada na

cadeia de suprimentos da

indústria aeronáutica – a de

projetar a aeronave e integrar

os sistemas desenvolvidos

pelos parceiros e/ou

fornecedores.

Sim. Atualmente, poucas

empresas possuem expertise

para atuarem como líderes em

processos de desenvolvimento

de aeronaves. Potenciais

novos entrantes ou empresas

especializadas em sistemas

específicos não detêm este

know-how e, portanto, atuam

em elos menos nobres da

cadeia de fornecimento, com

margens menores.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para desenvolver

projetos aeronáuticos através

de acordos de cooperação

com centenas de empresas

fornecedoras ou parceiras é

resultado de alta experiência e

know-how, não sendo,

portanto, imitável.

Sim. Tal conhecimento é a

chave para a participação na

posição privilegiada de

integrador de sistemas e

fabricante de aeronaves

tecnologicamente avançadas,

não podendo, a priori, ser

substituído ou adquirido

diretamente.

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223

Know-how em projeto de

compartilhamento de risco.

ERJ-145, ERJ-170/190,

LJ/VLJ.

Sim. Os projetos de

compartilhamento de risco são

uma tendência bem definida

na indústria aeronáutica,

permitindo mitigação de riscos

e alta agregação de tecnologia

aos produtos através da

especialização de cada

parceiro no projeto produzindo

sistemas específicos.

Sim. A liderança de um pool

de parceiros de risco impõe

desafios significativos na

gestão do nexo de contratos e

relacionamentos para que o

projeto se desenvolva de

acordo com o cronograma e o

orçamento previstos e seja

produzida uma aeronave de

qualidade. Pouquíssimas

empresas detêm este know-

how na liderança de parcerias

de risco.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para liderar

parcerias de compartilhamento

de risco num projeto

aeronáutico é resultado de alta

experiência e know-how, não

sendo, portanto, imitável nem

facilmente obtido.

Em termos. Os projetos

desenvolvidos sob a forma de

parcerias de risco podem ser

substituídos pela configuração

tradicional na indústria,

envolvendo relações

comerciais usuais entre

comprador e fornecedores.

Este modelo, entretanto, é

mais alavancado e arriscado

que o modelo de parcerias de

compartilhamento de risco,

carregando os riscos

normalmente mitigados pelo

compartilhamento.

Quadro 22 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a McDonnell Douglas (projeto MD-11) na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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224

5.2.9 Produção de peças que exigem mecânica fina para aeronaves 747 e 767

da Boeing

Dando prosseguimento à sua política de prestação de serviços para

vencer a crise financeira em que se encontrava, a Embraer firmou contrato

com a Boeing em 1990, para produção de suportes usinados para os flaps

das aeronaves 747 e 767 da empresa norte-americana. Através deste

contrato, a Embraer adquiriu algum conhecimento na área de mecânica fina

(também conhecida como engenharia de precisão ou mecatrônica). A

mecânica fina trata da execução de determinadas tarefas através da

combinação da mecânica, da eletrônica e da computação. Uma vez

combinados, estes conhecimentos permitem a geração de sistemas mais

simples, econômicos, confiáveis e versáteis. No caso específico da indústria

aeronáutica, a mecânica fina foi utilizada para a fabricação de estruturas com

maior precisão e em que há baixa tolerância a falhas estruturais.

A produção de peças de acordo com os critérios de produção

estipulados pela Boeing também foi um aprendizado importante na absorção

de normas e procedimentos de fabricação utilizados pela empresa norte-

americana. Num processo gradual, iniciado na aliança estratégica

estabelecida com a McDonnell Douglas e aprofundada com a Boeing, a

Embraer absorveu muito know-how em técnicas de produção, podendo

replicar os conceitos aprendidos na fabricação de suas próprias aeronaves.

No quadro a seguir é apresentada a análise dos recursos adquiridos

pela Embraer junto à Boeing no fornecimento de estruturas aeronáuticas aos

programas 747 e 767:

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225

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how em tecnologia de

mecânica fina. Todos.

Sim. A mecânica fina é

importante para a produção de

determinadas estruturas

aeronáuticas em que a

precisão é fator importante.

Muito embora a fabricação de

aeronaves ainda seja um

processo que não é sujeito à

automatização total, algumas

etapas do processo podem ser

executadas por robôs para

realização de certas tarefas.

Em termos. A maioria das

empresas estabelecidas detém

esta tecnologia. Entretanto,

possíveis novos entrantes não

a possuem ou não detêm o

ciclo tecnológico completo.

Sim. É difícil obter o know-how

necessário para utilizar

mecânica fina na linha de

montagem das aeronaves.

Não. A utilização de mecânica

fina para a execução de

tarefas de produção pode ser

substituída pela mão-de-obra

humana, embora com uma

eficácia menor para realização

de tarefas que exijam alta

precisão.

Know-how em normas e

procedimentos de produção. Todos.

Sim. O uso de procedimentos

corretos na produção de

aeronaves é fundamental para

obter resultados satisfatórios,

em termos de qualidade,

desempenho e custo unitário

da estrutura produzida.

Em termos. A maioria das

empresas estabelecidas detém

este know-how (e foi em

grande parte graças a

parcerias com elas que a

Embraer o adquiriu).

Entretanto, possíveis novos

entrantes não detêm o

conhecimento completo de

normas eficazes de produção.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para implementar

processos eficazes e eficientes

de produção é resultado de

alta experiência e know-how

desenvolvido internamente ou

adquirido através de parcerias,

como a Embraer muitas vezes

fez.

Sim. É impossível substituir

procedimentos complexos de

produção de aeronaves, que

são resultado da acumulação

gradual de conhecimento e

experiência ao longo dos anos.

Quadro 23 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Boeing (projetos 747 e 767) na formação de vantagens competitivas sustentáveis

Page 247: ALIANÇAS ESTRATÉGICAS COMO ONTES - coppead.ufrj.br · ao investimento em minha educação trazendo o máximo de retorno à sociedade. Agradeço à minha esposa, Cinthya, personagem

226

5.2.10 Produção de wing tips e dorsal fin para aeronaves 777 da Boeing

Ainda buscando contornar a crise através da prestação de serviços, em 1991

a Embraer firmou contrato de fornecimento para a Boeing de wing tips (placas

metálicas aerodinâmicas que diminuem a formação de vórtices nas pontas das asas

e o conseqüente gasto de combustível) e dorsal fins (superfície aerodinâmica vertical

que aumenta a estabilidade do avião). Tais estruturas seriam utilizadas na

montagem final do Boeing 777, na época o novo projeto da Boeing para percursos

de longa distância.

Tal qual as alianças estratégicas com a McDonnell Douglas (MD-11) e Boeing

(747 e 767) descritas acima, o principal aprendizado da Embraer na parceria firmada

para produção de partes do 777 foi na área de produção, novamente absorvendo

know-how da Boeing em normas e procedimentos de produção.

No quadro a seguir é analisado o recurso adquirido pela Embraer com a

Boeing no fornecimento de peças para o programa 777:

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227

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how em normas e

procedimentos de produção. Todos.

Sim. O uso de procedimentos

corretos na produção de

aeronaves é fundamental para

obter resultados satisfatórios,

em termos de qualidade,

desempenho e custo unitário

da estrutura produzida.

Em termos. A maioria das

empresas estabelecidas detém

este know-how (e foi em

grande parte graças a

parcerias com elas que a

Embraer o adquiriu).

Entretanto, possíveis novos

entrantes não detêm o

conhecimento completo de

normas eficazes de produção.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para implementar

processos eficazes e eficientes

de produção é resultado de

alta experiência e know-how

desenvolvido internamente ou

adquirido através de parcerias,

como a Embraer muitas vezes

fez.

Sim. É impossível substituir

procedimentos complexos de

produção de aeronaves, que

são resultado da acumulação

gradual de conhecimento e

experiência ao longo dos anos.

Quadro 24 – Efeito dos recursos adquiridos na aliança com a Boeing (projeto 777) na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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228

5.2.11 Formação de consórcio com a Northrop para venda de jatos Super

Tucano aos EUA

Tal como a aliança estratégica estabelecida com a empresa irlandesa Short

Brothers em 1985, a parceria com a Northrop visava contornar restrições impostas

pelo governo norte-americano à venda de aeronaves Super Tucano aos Estados

Unidos.

Na verdade, a aliança com a Northrop foi uma tática para ultrapassar as

exigências de produção local impostas pela a U.S. Navy e pela U.S. Air Force, sem

conseqüências na aquisição novos de recursos físicos, humanos ou organizacionais

que ajudassem na formação de vantagens competitivas sustentáveis. Os contatos

da Embraer com sua aliada norte-americana cessaram por completo após a perda

da licitação para o consórcio suíço-americano produtor da aeronave Beech/Pilatus

Mk II, pelo menos no que diz respeito à fabricação conjunta de aeronaves Super

Tucano.

Desta forma, não houve recursos diretamente capturados através da aliança e

esta não gerou vantagens competitivas sustentáveis para a empresa brasileira.

5.2.12 Projeto da família ERJ-145

A idéia da aeronave ERJ-145 surgiu em 1989 (na mesma época que seu

principal concorrente, o CRJ-200 da Bombardier), quando se iniciaram os primeiros

estudos para o projeto, então com o nome de EMB-145. De acordo com o vice-

presidente da empresa Satoshi Yokota, desde esta época visualizava-se a

necessidade de viabilizar o projeto através de parcerias de compartilhamento de

risco.

A Embraer pretendia atender o florescente mercado de aviação regional com

o ERJ-145, muito embora as necessidades de financiamento do programa

estivessem além das possibilidades da empresa, que à época atravessava séria

crise financeira decorrente do desaquecimento do mercado aeronáutico civil e militar

e de seus próprios insucessos comerciais nos projetos AMX, EMB-121 Xingu e CBA-

123 Vector.

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229

A finalização do desenvolvimento do projeto só pôde ser completada após a

privatização da Embraer, em 1994. Agora capitalizada com a entrada de novos

controladores e a saída do Governo Federal do bloco de controle, a Embraer podia

dar prosseguimento ao projeto, após uma injeção de US$ 620 milhões entre 1995 e

1996 pelos novos sócios e pelo BNDES.

Em 1997, foram desenvolvidos mais duas aeronaves, o ERJ-135 e o ERJ-

140, baseados na plataforma do ERJ-145, completando-se assim a família ERJ-145.

Este conceito de família é muito comum no mercado aeronáutico: as aeronaves de

uma mesma família possuem uma comunalidade (similaridade entre as peças) muito

alta entre si, o que diminui os custos de manutenção e treinamento das linhas

aéreas que adquirem aviões diferentes de uma mesma família, bem como os

investimentos em pesquisa e desenvolvimento por parte do fabricante da aeronave.

A família ERJ-145 trouxe sucesso quase instantâneo para a Embraer,

consolidando a dramática recuperação financeira da empresa. Este sucesso esteve

diretamente relacionado ao aproveitamento de uma oportunidade ímpar no mercado

(e que foi corretamente identificada pela empresa brasileira): a visão de que as

linhas aéreas regionais buscavam renovar sua frota de aeronaves a hélice por

aeronaves a jato.

O projeto do ERJ-145 foi o primeiro no qual a Embraer teve experiência real

de gerenciamento de uma rede global de parceiros de risco. Anteriormente, a

empresa havia participado do desenvolvimento do S-92 Helibus, no qual houve

formação de parcerias de risco, mas não como o desenvolvedor principal do projeto.

O programa CBA-123 Vector também contou com parceiros de risco, mas de

maneira muito mais tímida que no programa ERJ-145, além de não ter progredido

muito devido à falta de clientes. Outro grande aprendizado que trouxe muito

conhecimento em gestão de alianças estratégicas foi o projeto AMX, viabilizando a

complexa estrutura montada para o projeto ERJ-145.

Segundo Bernardes (2000c), o programa ERJ-145 reflete a presente

realidade da Embraer, isto é, um novo padrão de organização empresarial, mais

integrado e flexível, que se articula na forma de redes centralizadas (core networks)

de desenvolvimento, aprendizado e inovação tecnológica, bem como permite o

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230

financiamento de projetos desta natureza através da diluição, em parte, dos riscos e

incertezas de mercado. Ademais, todo o processo de aprendizado na coordenação

de redes empresariais, gestão dos contratos, dos prazos e dos fluxos de peças e

componentes, dos ciclos de trabalho e da qualidade dos produtos foi um grande

evento para a empresa, o que, de acordo o autor, teria mudado radicalmente a

cultura empresarial da Embraer. Neste sentido, Cassiolato et al (2002) também

acredita que o sucesso do programa ERJ-145 foi construído sobre estratégias

desenvolvidas quando a empresa ainda era controlada pelo Estado, por exemplo,

durante o programa AMX.

No programa ERJ-145, a empresa, por enfrentar situação financeira crítica

para arcar com os custos do projeto da nova aeronave, buscou reduzi-los ao

associar-se a quatro parceiros: Gamesa (Espanha), ENAer (Chile), Sonaca (Bélgica)

e C&D Interiors (EUA). Todas estas empresas possuíam pouca ou nenhuma tradição

no setor aeronáutico, pois as companhias com maior renome e experiência no

mercado consideravam remotas as chances do projeto vingar comercialmente e não

se interessaram pelo programa.

A utilização de parceiros de risco em todos os aspectos do projeto ERJ-145

foi uma estratégia radicalmente diferente de todos os outros projetos dos quais a

empresa tinha tomado parte. Bernardes (2000a) cita que a estratégia de formação

de alianças, aliada à reestruturação e modernização da empresa, acabou

interagindo positivamente, gerando sinergias e um momento positivo para a

Embraer. Para Satoshi Yokota, vice-presidente da Embraer, o grau de utilização de

parcerias de compartilhamento de risco nos projetos da empresa brasileira é no

mínimo tão grande quanto o de qualquer outra empresa. Outro vice-presidente da

empresa, Luís Carlos Affonso, acredita que a Embraer foi bastante inovadora no

estabelecimento das parcerias de risco, até por necessidade financeira. Isto ocorreu

no projeto ERJ-145 devido à situação crítica vivida pela empresa, mas perdurou

mesmo depois de sua recuperação. Agora saneada, a Embraer usa parcerias de

compartilhamento de risco para os programas ERJ-170/190 e LJ/VLJ num grau

ainda maior que o utilizado no ERJ-145, visando principalmente aproveitar a

oportunidade de financiar-se a taxas de juros oferecidas nos países dos parceiros,

taxas estas que se encontram em nível muito menor que as praticadas no Brasil.

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231

O grande recurso adquirido pela Embraer no desenvolvimento da família ERJ-

145 foi mesmo o conhecimento na gestão de uma cadeia complexa de fornecedores

e parceiros de risco, atuando de forma coordenada e em vários países ao mesmo

tempo. Para harmonizar o andamento das diversas áreas que participavam do

programa foi formalizado um Grupo Diretivo do Programa ERJ-145, que realizava

reuniões periódicas com a presença de representantes de cada parceiro, além de

clientes em potencial e membros de associações de pilotos.

Dorna et al (2003) consideram que a celebração das parcerias de risco no

programa ERJ-145 permitiu a redução brutal dos custos de produção da Embraer

na medida em que os “pacotes tecnológicos” fornecidos pelos parceiros foram

resultantes da especialização produtiva, tornando-se mais eficiente a busca do

ponto ótimo no trade-off entre tecnologia utilizada e custos de produção

associados.

Já para Bernardes (2000c), o grande aprendizado da Embraer neste projeto

foi a gestão dos contratos interfirmas e não ganhos relacionados a tecnologias de

que a empresa não dispunha. Segundo o autor, a única tecnologia adquirida pela

Embraer junto a seus parceiros foi o sistema ativo de degelo do bordo de ataque

(parte frontal da asa) e todas as tecnologias importantes que foram desenvolvidas,

isoladamente ou com os parceiros de risco, foram modificações atualizando o que já

havia nos programas EMB-120 Brasília e EMB-110 Bandeirante. Neste sentido, as

tecnologias desenvolvidas e acumuladas através dos anos pela Embraer foram

fundamentais para o novo projeto, tanto que alguns analistas chegavam a afirmar

que a nova aeronave (ERJ-145) nada mais era que o EMB-120 Brasília (um turbo-

hélice) com motores turbo-fan.

Um outro grande benefício do programa foi obtido na redução de custos dos

processos produtivos subcontratados. Com o processo de desverticalização da

produção a Embraer criou condições para a redução do preço do produto final. Ou

seja, a estratégia que norteou o programa de parcerias do ERJ-145 obteve

claramente um sucesso no seu foco em custos e engenharia financeira.

Para gerenciar esta cadeia desverticalizada, foram muito importantes as

habilidades e conhecimentos adquiridos em projetos virtuais (pelo computador), de

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232

forma a agilizar o time-to-market do ERJ-145, que já se encontrava atrasado em

relação ao seu concorrente, o CRJ-200, lançado pela Bombardier em 1992.

Até 1995 a Embraer usava o sistema Intergraph, enquanto os parceiros de

risco do projeto do jato ERJ-145 já haviam adotado o CATIA, software desenvolvido

pela empresa aeronáutica Dassault. De acordo com o gerente de Recursos

Avançados de Projetos da Embraer, Marco Cecchini, "a troca de informações com

parceiros e clientes era muito complicada. Perdíamos muito tempo tentando

consertar erros de cálculos e retrabalhos, pois com freqüência tínhamos que fazer a

mesma coisa mais de três vezes" (SIQUEIRA, 2001). Todas as novas versões do

ERJ-145 já estão sendo feitas no sistema CATIA e a Embraer é atualmente a

principal empresa usuária do CATIA no Brasil.

Outros importantes aprendizados no projeto do ERJ-145 foram a gestão dos

cronogramas de desenvolvimento, produção e entrega e a gestão do fluxo de

logística de estruturas e subsistemas, tudo isso garantido por um rigoroso sistema

de controle de qualidade.

No programa ERJ-145, pode-se dizer que a Embraer finalmente descobriu

sua vocação e principais competências: excelência em P&D, integração de

sistemas com complexidade tecnológica altíssima, montagem (assembly),

comercialização e assistência técnica.

Desta forma, a filosofia tecnológica da empresa hoje é menos determinada

pela engenharia e mais centrada na gestão estratégica de competências que

agreguem valor e vantagens competitivas para a companhia (BERNARDES, 2003).

De acordo com o autor, a própria política tecnológica da empresa prevê a aquisição

de sistemas e pacotes tecnológicos, dado que não os considera um diferencial

competitivo. Assim, a natureza da estratégia de inovação, principalmente a partir do

programa ERJ-145, tornou-se condicionada à valorização das atividades

econômico-financeiras, mais direcionadas para a adaptação tecnológica do que

para o desenvolvimento de inovações criativas (não-existentes no mercado). Assim,

tornou-se possível direcionar recursos para as competências chave, eliminando

atividades de suporte ou produção e transferindo-os para uma rede de

fornecedores e parceiros organizados para este objetivo. Desta maneira, a Embraer

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233

espera que sua estratégia de foco evite capacidade ociosa nas linhas de produção

(um grande problema na indústria), reduza custos administrativos e de

desenvolvimento de produtos e processos industriais e permita obter o mesmo

produto final com menor capital investido.

No quadro a seguir são apresentados os recursos obtidos pela Embraer no

programa ERJ-145:

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234

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how em gestão de

projeto de compartilhamento

de risco.

ERJ-170/190, LJ/VLJ.

Sim. O know-how em gestão

de projeto de

compartilhamento de risco

capacita a empresa a assumir

posição nobre na cadeia de

suprimentos da indústria

aeronáutica – a de projetar a

aeronave e integrar os

sistemas desenvolvidos pelos

parceiros e/ou fornecedores.

Sim. A liderança de um pool

de parceiros de risco impõe

desafios significativos na

gestão do nexo de contratos e

relacionamentos para que o

projeto se desenvolva de

acordo com o cronograma e o

orçamento previstos e seja

produzida uma aeronave de

qualidade. Pouquíssimas

empresas detêm este know-

how na gestão de projetos em

que há compartilhamento de

risco.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para liderar

parcerias de compartilhamento

de risco num projeto

aeronáutico é resultado de alta

experiência e know-how, não

sendo, portanto, imitável.

Em termos. Os projetos

desenvolvidos sob a forma de

parcerias de risco podem ser

substituídos pela configuração

tradicional na indústria,

envolvendo relações

comerciais usuais entre

comprador e fornecedores.

Este modelo, entretanto, é

mais alavancado e arriscado

que o modelo de parcerias de

compartilhamento de risco,

carregando os riscos

normalmente mitigados pelo

compartilhamento.

Know-how em

desenvolvimento virtual de

projeto (uso de software

CATIA).

Todos.

Sim. O desenvolvimento virtual

de projeto aeronáutico permite

a participação ativa de

parceiros em localidades

diferentes e a economia de

custos na construção de

maquetes e nas simulações de

desempenho.

Não. Em várias outras

indústrias, como na

automobilística, por exemplo, o

CATIA é um software bem

difundido.

Sim. É impossível gerar este

know-how sem a expertise em

desenvolvimento de projetos

contando com uma rede global

e remota de parceiros.

Sim, a não ser por ferramentas

mais avançadas que o CATIA.

Entretanto, este ainda é o

software de desenvolvimento

virtual de projeto com maior

aceitação entre os fabricantes

de aeronaves.

Quadro 25 – Efeito dos recursos adquiridos nas alianças do projeto ERJ-145 na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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235

5.2.13 Produção de sistema de combustível e sponson para helicópteros S-92

Helibus da Sikorsky

O projeto S-92 Helibus foi idealizado pela norte-americana Sikorsky (uma

empresa do grupo United Technologies), de forma a atender a demanda militar e

civil por helicópteros de grande porte. De acordo com Bernardes (2000b), o S-92

Helibus possui capacidade para 19 passageiros e preço estimado de US$ 12,5

milhões. A aeronave será produzida em três versões: uma para utilização civil básica

(S-92C); outra para aviação offshore, normalmente utilizada por empresas extratoras

de petróleo com plataformas em alto-mar; e a versão militar (S-92IU). A Sikorsky

espera que 67% das receitas do programa originem-se da versão militar.

O projeto do S-92 Helibus deu-se sob a forma de parceria de

compartilhamento de risco, com a Embraer tendo sido escolhida como um dos

parceiros, recebendo um pagamento fixo por peça (fixed price partner), sem o upside

dos lucros caso o projeto fosse um sucesso ou o downside dos prejuízos caso

fracassasse. Entre os outros parceiros da Sikorsky que participaram do

compartilhamento de risco, encontravam-se a Mitsubishi Heavy Industries (Japão), a

Gamesa (Espanha) e a Jingdezhen Helicopter Group (China). Vale salientar que a

Gamesa posteriormente viria a ser parceira de compartilhamento de risco da

Embraer em seus programas ERJ-145 e ERJ-170/190.

Segundo Bernardes (2000b), de acordo com o contrato, assinado em junho

de 1995 e com prazo de duração até 2014, coube à empresa brasileira a

responsabilidade do projeto, desenvolvimento e produção do sistema de

combustível, trem-de-pouso e estrutura de suporte (sponson) do helicóptero S-92

Helibus. De acordo com estudos de mercado da Sikorsky, o mercado estaria

preparado para absorver cinco mil helicópteros do porte do S-92 até o ano 2019.

Um dos principais benefícios deste contrato, além do fôlego financeiro extra

que dava à empresa brasileira, foi a aquisição de novo conhecimento tecnológico.

Adicionando ao know-how adquirido no acordo de offset com a McDonnell Douglas,

as responsabilidades da Embraer no projeto do S-92 Helibus permitiram à empresa

adquirir ainda mais conhecimento no domínio da tecnologia de materiais avançados,

agora passando a aplicar o uso de Invar, uma liga de Níquel-Ferro importada dos

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236

EUA, que apresenta resistência próxima ao alumínio e coeficiente de tolerância à

fadiga próximo ao da fibra de carbono. Cerca de 40% do Helibus é produzido em

material composto e ligas metálicas de última geração (como o Invar), um índice

considerado bastante alto, mesmo para um helicóptero.

Além disso, a participação no projeto S-92 Helibus também permitiu à

Embraer avançar na detenção de tecnologia de projeto virtual, através do software

CATIA (Computer Aided Three-Dimensional Interactive Application), que também

teve papel importante nos programas ERJ-145 e ERJ-170/190. A partir daí, a

companhia brasileira passou a utilizar o CATIA como uma plataforma para os

processos de desenvolvimento do projeto de aeronaves e para aprimorar a

integração de operações internas e relações com os parceiros internacionais. O uso

de CATIA também foi o prenúncio para o Centro de Realidade Virtual (CRV) da

Embraer, inaugurado em 2000, que será detalhado mais à frente neste trabalho.

Vale enfatizar que a tecnologia de projeto virtual permite reduzir o tempo de

desenvolvimento de novas aeronaves (time-to-market) e abre caminho para a maior

personalização de produtos (custom-made), de acordo com as especificações

desejadas pelos clientes.

O quadro a seguir detalha os recursos obtidos pela Embraer no projeto do S-

92 Helibus e de que forma estes recursos geraram vantagens competitivas para a

Embraer em relação a fabricantes de aeronaves menos avançados:

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237

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how de uso de materiais

avançados (liga Invar). N/A.

Sim, as ligas metálicas de

materiais avançados possuem

altíssimo desempenho, com

alta resistência a esforços e

alto coeficiente de tolerância à

fadiga. Desta forma, são cada

vez mais utilizadas pela

indústria aeronáutica, o que

torna o know-how em utilizá-la

um recurso valioso.

Em termos. A maioria das

empresas estabelecidas detém

esta tecnologia. Entretanto,

possíveis novos entrantes não

a possuem ou não detêm o

ciclo tecnológico completo.

Sim. A tecnologia de uso de

materiais avançados é restrita

àquelas empresas que

dominam o conhecimento de

seu uso, não sendo, portanto,

facilmente obtida.

Em termos. Materiais

avançados podem ser a

melhor opção para fabricação

de determinadas estruturas

aeronáuticas. Porém, esta

tecnologia pode ser substituída

pela fabricação das mesmas

estruturas em ligas de

alumínio, como nas aeronaves

mais antigas, ainda que sob

pena de perda de

desempenho operacional e

resistência mecânica.

Know-how em

desenvolvimento virtual de

projeto (uso de software

CATIA).

Todos.

Sim. O desenvolvimento virtual

de projeto aeronáutico permite

a participação ativa de

parceiros em localidades

diferentes e a economia de

custos na construção de

maquetes e nas simulações de

desempenho.

Não. Em várias outras

indústrias, como na

automobilística, por exemplo, o

CATIA é um software bem

difundido.

Sim. É impossível gerar este

know-how sem a expertise em

desenvolvimento de projetos

contando com uma rede global

e remota de parceiros.

Sim, a não ser por ferramentas

mais avançadas que o CATIA.

Entretanto, este ainda é o

software de desenvolvimento

virtual de projeto com maior

aceitação entre os fabricantes

de aeronaves.

Quadro 26 – Efeito dos recursos adquiridos na segunda aliança com a Sikorsky (projeto S-92 Helibus) na formação de vantagens competitivas

sustentáveis

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238

5.2.14 Projeto da família ERJ-170/190

O projeto da família ERJ-170/190 foi uma opção natural para a Embraer após

o estrondoso sucesso da família ERJ-145 (que além desta aeronave, inclui os ERJ-

135, ERJ-140, Legacy, EMB-145 AEW&C, EMB-145 RS/AGS e P-99). A empresa

brasileira rapidamente verificou a existência de um nicho de mercado para

aeronaves regionais com capacidade maior que 70 passageiros e pouco menores

que os aviões da Boeing e a Airbus de menor capacidade, evitando assim concorrer

diretamente com estas empresas.

Capitalizada após as vendas de diversas unidades da família ERJ-145, a

Embraer ainda assim optou por desenvolver o programa ERJ-170/190 sob a forma

de parceria de compartilhamento de risco e até aprofundou o uso desta estratégia.

De alguma forma, a empresa brasileira percebeu durante o projeto da família ERJ-

145 que, além da função mitigadora de risco, este tipo de aliança era fundamental

para desenvolver sua estratégia de focar nos seus core businesses e terceirizar

atividades de projeto e produção menos nobres para seus parceiros. Assim, a

empresa brasileira decidiu priorizar as atividades mais nobres da cadeia de

fornecimento da indústria aeronáutica, quais sejam: projeto da aeronave, integração

dos subsistemas desenvolvidos pelos parceiros, comercialização e pós-venda.

Para Cassiolato et al (2002), o programa ERJ-170/190, apesar de também ser

voltado para aviação regional, foi desenvolvido num contexto totalmente diferente do

programa ERJ-145. Este, devido às dificuldades financeiras sérias pelas quais

passava a Embraer, possuía grande ênfase em custos, com os parceiros de

compartilhamento de risco atuando mais como fornecedores e financiadores do que

como parceiros de verdade. No programa ERJ-170/190, o desenvolvimento é dado

num contexto de adicionar alto valor e tecnologia aos projetos, buscando os

parceiros que possam fornecer o que há de melhor para os subsistemas da

aeronave pelos quais fiquem responsáveis. Além disso, ao decidir levar em frente o

programa ERJ-170/190, a Embraer já não atravessava uma situação financeira tão

grave quanto ao desenvolver o ERJ-145. Desta forma, a ênfase financeira do

programa ERJ-170/190 pôde ser diferente da utilizada no programa ERJ-145.

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239

No que diz respeito ao aspecto técnico, enquanto na família ERJ-145 a

ênfase era fazer um produto simples, que pudesse ser oferecido com o apelo de

baixo preço, no ERJ-170/190 era buscada a diferenciação do produto, o que era

respaldado por pesquisas de mercado que confirmavam uma maior sofisticação dos

passageiros de vôos regionais e busca por aeronaves cada vez mais confortáveis.

Outro fato a ser ressaltado é o nível de conhecimentos adquiridos pela

empresa em projetos de desenvolvimento. Por exemplo, entre os projetos ERJ-145 e

ERJ-170/190 houve evolução de Engenharia Simultânea para o Desenvolvimento

Integrado. Para complementar a tecnologia de mock-up eletrônico já dominada, foi

criado o Centro de Realidade Virtual (CRV) e a participação de parceiros ampliou-se

drasticamente, demandando novas capacidades gerenciais.

Na família ERJ-170/190, as alianças estratégicas foram aprofundadas,

tornando-se mais integradas e complexas. O projeto foi feito em co-design com as

parceiras e não pela Embraer de forma isolada. Com uma situação financeira

privilegiada e maior poder de barganha, a empresa brasileira pôde impor a seus

parceiros condições que demonstravam sua situação bem mais favorável que na

época do programa anterior, tornando o compartilhamento de risco obrigatório para

todos os principais fornecedores ao invés de opcional. As empresas parcerias foram

meticulosamente analisadas levando em conta vários fatores: capacidade de atender

satisfatoriamente os requisitos técnicos de projeto e de produção, influência em

mercados importantes, aquisição de conhecimento comercial, infra-estrutura

comercial e logística e saúde financeira.

A estratégia de co-design permitiu ganhos de 18 meses no desenvolvimento

da aeronave (36 meses ao invés de 54 meses) sem perda de qualidade. Com a

implementação de sistemas web e EDI (Electronic Data Interchange), foi possível

manter contato on-line com a rede de firmas parceiras e fazer modificações no

mock-up eletrônico do projeto e na base de dados do ERJ-170/190 que estava

centralizada na estrutura de tecnologia de informação da Embraer.

As modificações no projeto feitas pelos parceiros e fornecedores, enviadas

eletronicamente para a Embraer, eram checadas e validadas, para posterior

atualização do mock-up e da base de dados. O andamento do programa podia ser

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checado através do CRV, o que é um imenso avanço na solução de problemas que

surgem no projeto. No exterior, segundo Bernardes (2000c), empresas como a

Boeing, British Aeroespace e Bombardier já utilizam Centros de Realidade Virtual

para projetos de aeronaves pelo menos desde 1991. Ainda assim, o CRV é uma

vantagem competitiva considerável sobre a maioria das outras empresas do setor

aeronáutico e potenciais novos entrantes.

O CRV é uma moderna ferramenta tecnológica utilizada por pouquíssimas

empresas no mundo e que possibilita aos engenheiros da empresa e de seus

parceiros a capacidade de visualizar, em três dimensões, por meio de modernos

computadores, toda a estrutura de uma aeronave em fase de projeto, permitindo a

harmonização técnica entre os diversos subsistemas produzidos.

A tecnologia do CRV pode ser aplicada em diversas áreas, como projeto,

manufatura, modelo humano de simulação, marketing (algumas vendas só foram

confirmadas após o cliente “passear virtualmente” dentro do avião), design review,

manufatura, cinemática, ergonomia, apresentação corporativa, entre outras. O uso

de CRV ajuda a identificar e corrigir antecipadamente problemas de interferência que

se tornam muito custosos caso só sejam posteriormente identificados. Por fim, o

sistema também permite que os órgãos de homologação possam avaliar melhor a

aeronave antes que ela esteja finalizada, portanto antecipando ainda mais o time-to-

market do produto.

O projeto ERJ-170/190 conta com os seguintes parceiros de

compartilhamento de risco:

• Parker Aerospace (EUA): controle de vôo, sistema de combustível e

sistema hidráulico;

• Hamilton Sundstrand (EUA): sistema de geração elétrica, sistema de

gerenciamento de ar, APU e cone de cauda;

• General Electric Aircraft Engines (EUA): motor e nacele;

• Latécoère (França): fuselagem central I, fuselagem central III e portas;

• Gamesa Aeronáutica (Espanha): fuselagem traseira e empenagem;

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• Liebherr (Alemanha): trem-de-pouso;

• Sonaca (Bélgica): slats;

• C&D Aerospace (EUA): interiores;

• Kawasaki Heavy Industries (Japão): asa (bordo de ataque fixo, bordo de

fuga fixo, stub, pilone, superfícies de controle);

• Honeywell (EUA): aviônica; e

• Parker Hannifin Corporation (EUA): controle de vôo, sistema de

combustível e sistema hidráulico.

O projeto prevê que estes parceiros de risco desenvolvam e produzam os

sistemas completos ao invés de somente componentes. Esta escolha proporciona

um relacionamento mais próximo entre os parceiros, o que teoricamente leva a um

produto mais integrado e de melhor qualidade.

Segundo Dorna et al (2003), as parcerias de risco tornaram-se paradigma de

gestão da cadeia produtiva (supply chain management) e tal fenômeno já é uma

realidade entre as empresas líderes do mercado: Boeing, Airbus, Bombardier e

Embraer. Entretanto, segundo entrevistas realizadas com os vice-presidentes da

Embraer Satoshi Yokota e Luís Carlos Affonso, a empresa brasileira aparentemente

usaria a estratégia de parcerias de compartilhamento de risco num nível mais

intenso que outras empresas, até por necessidade de aproveitar as vantagens desta

estratégia para garantir a competitividade de seus produtos.

Esta configuração de arranjos entre parceiros de compartilhamento de risco

permite a centralização de esforços nas atividades mais nobres e que agregam

maior valor ao produto final. Ademais, a desverticalização produtiva obtida através

da adoção deste modelo de gestão da cadeia de suprimentos permite às empresas

que ocupam posições centrais nas cadeias aeronáuticas mobilizar esforços em

algumas competências chave (core competencies), a saber, o design e a integração

de sistemas. De acordo com Prahalad & Hamel (1990), as reais fontes de vantagens

competitivas devem ser encontradas nas habilidades produtivas dentro de

competências que permitam às empresas adaptarem-se rapidamente e adequarem-

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242

se às oportunidades e nichos específicos. As parcerias de compartilhamento de

risco, portanto, trazem esta flexibilidade, entre outros benefícios.

Já Bernardes (2000c) busca explicitar essa mudança de paradigma de

atuação da empresa em que a estratégia de reestruturação e modernização aliada à

estratégia de formação de alianças interagiu de forma positiva, gerando pressões e

sinergias. Desta forma, houve estímulo à conformação de uma nova dinâmica de

competição empresarial, especialmente na redução dos custos de produção.

Segundo o autor, os programas da família ERJ-145 e da família ERJ-170/190,

possuem dois enfoques diferenciados. O primeiro pode ser caracterizado por um

foco totalmente voltado aos custos, sendo os parceiros de risco hoje classificados

pela Embraer mais como fornecedores de insumos do que propriamente parceiros.

Já o novo programa ERJ-170/190 teve sua concepção desenvolvida em outro

contexto, em que a agregação de valor e tecnologia é característica inerente ao

projeto.

Segundo Bernardes & Oliveira (2003), o desenvolvimento da nova família de

jatos ERJ-170/190 inaugurou oportunidades de atração de novos investimentos

externos e a própria instalação de empresas estrangeiras no Brasil. A transferência

de alguns dos parceiros de risco do programa para a região de São José dos

Campos, próximo à sua fábrica, faz parte de um plano estratégico da empresa para

passar a operar em regime de just in time, o que se constitui numa tendência

crescente para a indústria de fabricantes de aeronaves, tendo em vista os altos

custos incorridos com estoques.

Segundo Voss (1987), o just in time (JIT) é uma abordagem disciplinada, que

visa aprimorar a produtividade global e eliminar os desperdícios. Ele possibilita a

produção eficaz em termos de custo, assim como o fornecimento apenas da

quantidade necessária de componentes, na qualidade correta, no momento e locais

corretos, utilizando o mínimo de instalações, equipamentos, materiais e recursos

humanos. Atualmente, o just in time é usado com muito êxito na indústria

automobilística e crescentemente na indústria aeroespacial. Devido aos altos custos

de estocagem presentes na atividade desta última, adotar a filosofia logística just in

time faz todo o sentido para os fabricantes de aeronaves.

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Para pôr em prática este novo regime de produção de estímulos praticamente

instantâneos na cadeia produtiva, a Embraer precisou atrair fornecedores e

parceiros de risco para o Brasil, de forma a situarem-se mais próximos às suas

instalações fabris. O sucesso do projeto ERJ-145 e o poder de barganha que a

empresa conseqüentemente ganhou, levou a Embraer a condicionar a participação

de algumas empresas no projeto ERJ-170/190 à instalação das mesmas no Brasil.

Segundo Bernardes & Oliveira (2003), seis empresas confirmaram as intenções de

instalarem-se ou realizar novos investimentos no país e quatro já estão em fase de

início de operação. Dentre as empresas atraídas pelas perspectivas do programa

ERJ-170/190, podem ser destacadas:

• A C&D Interiors (também participante do programa ERJ-145), fornecedora

de revestimento de interiores, por exemplo, já iniciou suas operações em

São José dos Campos;

• A Parker Hannifin (responsável por sistemas hidráulico, de comandos de

vôo e de combustível), que dispõe de uma fábrica em Jacareí (cidade

próxima a São José dos Campos), onde produz sistemas para a indústria

automobilística, e agora iniciando suas operações aeronáuticas no Brasil;

• A empresa alemã Liebherr, que celebrou uma associação com a Divisão

de Equipamentos da Embraer (EDE) para a abertura de uma nova

empresa, denominada ELEB (Embraer Liebherr Equipamentos do Brasil),

situada em São José dos Campos, e já está operando normalmente;

• A empresa belga Sonaca, que, através de sua subsidiária brasileira

Sobraer iniciou em dezembro de 2000, a fabricação de conjuntos de

suporte do motor e da fuselagem traseira dos jatos; e

• A Latécoère, que estuda a possibilidade de criação de uma empresa

nacional, mas já assinou contratos com empresas sediadas em São José

dos Campos para o fornecimento de serviços de engenharia e suporte

técnico.

No quadro a seguir são apresentados os recursos obtidos pela Embraer no

programa ERJ-170/190:

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244

Recurso adquirido na aliança

estratégica

Programas nos quais o

recurso foi posteriormente

utilizado

O recurso é valioso? O recurso é raro? O recurso é imperfeitamente

imitável?

O recurso é impossível de ser

substituído?

Know-how em gestão de

projeto de compartilhamento

de risco.

LJ/VLJ.

Sim. O know-how em gestão

de projeto de

compartilhamento de risco

capacita a empresa a assumir

posição nobre na cadeia de

suprimentos da indústria

aeronáutica – a de projetar a

aeronave e integrar os

sistemas desenvolvidos pelos

parceiros e/ou fornecedores.

Sim. A liderança de um pool

de parceiros de risco impõe

desafios significativos na

gestão do nexo de contratos e

relacionamentos para que o

projeto se desenvolva de

acordo com o cronograma e o

orçamento previstos e seja

produzida uma aeronave de

qualidade. Pouquíssimas

empresas detêm este know-

how na gestão de projetos em

que há compartilhamento de

risco.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial

necessário para liderar

parcerias de compartilhamento

de risco num projeto

aeronáutico é resultado de alta

experiência e know-how, não

sendo, portanto, imitável.

Em termos. Os projetos

desenvolvidos sob a forma de

parcerias de risco podem ser

substituídos pela configuração

tradicional na indústria,

envolvendo relações

comerciais usuais entre

comprador e fornecedores.

Este modelo, entretanto, é

mais alavancado e arriscado

que o modelo de parcerias de

compartilhamento de risco,

carregando os riscos

normalmente mitigados pelo

compartilhamento.

Execução de harmonização

técnica durante o projeto de

aeronaves (através do Centro

de Realidade Virtual – CRV).

LJ/VLJ.

Sim. Sem este recurso é muito

difícil desenvolver um projeto

verdadeiramente integrado

com parceiros de riscos, o que

inviabiliza todo o modelo de

negócio dos últimos projetos

da empresa.

Sim. Pouquíssimas empresas

possuem acesso a uma

ferramenta tão poderosa como

o CRV e menos ainda

possuem a capacidade que a

Embraer possui em gerir o

conjunto de

fornecedores/parceiros como a

empresa brasileira.

Sim. O conhecimento e a

experiência da Embraer na

integração de subsistemas e

gestão remota de parceiros e

fornecedores é única, fruto da

sua história de vários projetos

envolvendo alianças

estratégicas. Este know-how é

impossível de ser emulado e

as particularidades são muitas,

tornando o recurso não

imitável.

Sim. Este know-how é

decorrente da participação da

Embraer em várias alianças

estratégicas e participação em

processos de harmonização

técnica de aeronaves.

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Execução de produção

segundo modelo just in time. LJ/VLJ.

Sim, pois proporciona

diminuições significativas de

custos de produção e de

estoques.

Em termos. As empresas

estabelecidas (Boeing, Airbus

e Bombardier) detêm este

know-how e utilizam o modelo

just in time. Entretanto,

possíveis novos entrantes não

possuem ou possuem

incompletamente as técnicas

de produção de acordo com

este modelo.

Sim. O conhecimento

tecnológico e gerencial usado

para operar um sistema

coordenado de just in time não

é perfeitamente imitado,

podendo, inclusive, levar a

sérias deficiências na linha de

montagem se não for

implantado e acompanhado

adequadamente.

Em termos. Os projetos

desenvolvidos sob o modelo

just in time podem ser

substituídos pela configuração

tradicional na indústria

(normalmente resource-to-

order, ou recursos contra

pedido). Entretanto, o modelo

logístico por trás do just in time

é reconhecidamente mais

eficaz e menos custoso, o que

faz a diferença num setor

como o aeronáutico, que se

caracteriza por altos custos de

estoques.

Quadro 27 – Efeito dos recursos adquiridos nas alianças do projeto ERJ-170/190 na formação de vantagens competitivas sustentáveis

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5.2.15 Remodelamento dos F-5 da FAB com a Elbit

Em 2000, o Senado brasileiro aprovou o financiamento para o Programa F-

5BR da Força Aérea Brasileira (FAB). De acordo com o website DEFESA@NET

(2001), o programa, orçado em US$ 285 milhões, prevê completa modernização dos

F-5E/F da FAB, incluindo novo pacote de aviônicos, sistema de navegação,

armamentos, sistema de mira, autodefesa, sistema de computadores, radar

multimodo e atualização estrutural e da qualificação dos armamentos padrão da

FAB. O programa é desenvolvido em conjunto com a Elbit, uma empresa israelense

especializada no desenvolvimento de aviônicos para o mercado de Defesa.

Como parte do programa de offset acordado com a Aeronáutica, a Elbit está

produzindo a maior parte dos equipamentos no Brasil, na empresa gaúcha

Aeroeletrônica, adquirida pelo grupo israelense em 2002. Segundo informações da

Aeronáutica, o acordo de offset fechado com a Elbit obriga a empresa a investir no

país 100% do valor do contrato que fechou com a FAB.

Segundo o Vice-Presidente Executivo de Comunicação Empresarial da

Embraer, Horácio Forjaz, a parceria com a Elbit encontra-se em pleno andamento e

por envolver conhecimentos considerados confidenciais, a empresa não pode

pronunciar-se muito sobre o tema. Aparentemente, a Embraer está adquirindo algum

know-how em desenvolvimento de aviônicos, já que a Elbit é especializada neste

tipo de sistemas, embora isto não tenha sido confirmado pela empresa brasileira.

5.2.16 Produção do ERJ-145 na China em joint venture com a AVIC II

Em 2002, a Embraer assinou contrato para a construção de uma unidade

industrial na China através de uma joint venture com a Harbin Aircraft Industry Group

e a Hafei Aviation Industry, controladas pela China Aviation Industry Corporation

(AVIC II), criando a Harbin Embraer Aircraft Industry Ltd., dedicada à montagem de

aeronaves da família ERJ-145 na cidade de Harbin, na China. A Embraer, com 51%

de participação, controla a JV, cabendo à AVIC II os 49% restantes. Ressalte-se que

é extremamente difícil que o governo chinês aceite que uma empresa estrangeira

possua o controle de uma JV formada com uma empresa local.

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Este foi o primeiro empreendimento industrial da Embraer fora do país,

justificado pelas projeções de enorme potencial para o mercado de aviação regional

na China. De acordo com estudos de mercado da Embraer, a demanda total da

China por aeronaves regionais no segmento de 30 a 120 assentos era estimada em

635 unidades entre 2004 e 2023.

O interesse da Embraer na JV foi estimulado por modificações no imposto

chinês sobre valor agregado para as aeronaves importadas com até 25 toneladas.

Antes, o imposto era de 6%, mas foi elevado para 17%. Com o imposto mais alto,

durante o período entre 2001 e 2005, as vendas de novas aeronaves na China

haviam sido praticamente paralisadas. A AVIC II vinha negociando por dois anos

com vários fabricantes de aviões, entre eles a Bombardier e a Fairchild Dornier, mas

acabou fechando a aliança estratégica com a empresa brasileira.

Esta aliança por enquanto tem apresentado nenhum ou pouco benefício em

termos de aprendizado, principalmente no desenvolvimento de novas tecnologias.

Como visto no capítulo que aborda as parcerias de compartilhamento de risco, as

empresas chinesas na indústria de fabricação de aeronaves são pequenas, com

pouco know-how tecnológico e falta de capital para financiar projetos. As grandes

vantagens em ter empresas chinesas como parceiras são os baixos custos de mão-

de-obra e a possibilidade de vendas sob a forma de offset num mercado de

gigantesco potencial, pois o setor de transporte aéreo chinês vem crescendo a taxas

muito maiores que o mundial e o Governo controla ou exerce influência tanto sobre

os fabricantes de estruturas aeronáuticas como sobre as linhas aéreas chinesas.

Desta forma, pode vir a favorecer parceiros das companhias estatais chinesas nas

licitações de venda de aeronaves.

Os interesses da Embraer na aliança estratégica com a AVIC II limitam-se à

possibilidade de conquistar fatias maiores de um grande mercado em potencial, mas

até o momento isto não vem acontecendo. As entregas na China não têm

ultrapassado o ritmo de cinco aeronaves por ano, muito aquém do estimado pela

empresa brasileira.

Por outro lado, a aliança apresenta o risco de que a empresa chinesa consiga

absorver tecnologia da brasileira, tornando-se um competidor em potencial no futuro.

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Este risco não é descartado, muito embora seja reduzido, pois não há

desenvolvimento de novo produto na China (o ERJ-145 da JV Harbin Embraer

Aircraft Industry é praticamente igual ao produzido em São José dos Campos). Se

há transferência de tecnologia, esta se dá na própria linha de montagem.

Desta forma, pelo menos até o presente momento, a aliança da Embraer com

a AVIC II ainda não se converteu em recursos que possam vir a gerar vantagens

competitivas sustentáveis à empresa brasileira.

5.2.17 Projeto da família Light Jet / Very Light Jet

O projeto da família Light Jet (LJ) / Very Light Jet (VLJ) foi anunciado

recentemente, em 2005, envolvendo aeronaves com capacidade entre seis e oito

passageiros (VLJ) e oito a nove pessoas (LJ). O sucesso do Legacy, um subproduto

da família ERJ-145 para o mercado de aviação executiva, permitiu à empresa

brasileira uma maior compreensão deste mercado e reconhecimento por parte dos

clientes e dos clientes em potencial.

De certa forma, o investimento da Embraer neste nicho é uma maneira de

ocupar outros segmentos de mercado e evitar por ora o confronto direto com a

Boeing e a Airbus em aeronaves com capacidade maior que 120 passageiros.

A Embraer já anunciou que a nova família será desenvolvida nos mesmos

moldes dos programas ERJ-145 e ERJ-170/190, ou seja, através de parcerias de

compartilhamento de risco. Até o presente momento o único parceiro de

compartilhamento de risco anunciado é a empresa norte-americana fabricante de

motores Pratt & Whitney Canada, fornecedora da Embraer desde o projeto de

gênese da empresa, o EMB-110 Bandeirante.

De acordo com Luís Carlos Affonso, Vice-Presidente para Aviação

Corporativa da Embraer, os Light Jets e Very Light Jets são somente os primeiros de

uma série de aeronaves a serem futuramente lançadas no setor de aviação

executiva, compondo uma família que deve abarcar todos as aeronaves deste nicho,

desde as menores aeronaves executivas até as de maior capacidade.

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O programa LJ/VLJ foi recentemente anunciado e, portanto, ainda não há

indicações suficientes de que gerará efetivamente vantagens competitivas

sustentáveis para a empresa. É certo, entretanto, que esta é a principal aposta

comercial da Embraer para manter o crescimento sustentado pelo sucesso das

famílias ERJ-145 e ERJ-170/190.

5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O ATUAL POSICIONAMENTO

COMPETITIVO DA EMBRAER

A Embraer sofreu transformações radicais ao longo de sua história. No início,

pela ausência de uma indústria aeronáutica pujante no Brasil, a direção da empresa

percebeu a necessidade de internalizar a produção e desenvolvimento de uma série

de tarefas, mesmo que conscientemente soubesse que a melhor opção era manter o

foco em algumas competências chave (SILVA, 1998). Por força da conjuntura e sem

poder contar com uma indústria aeronáutica brasileira forte ao seu redor, a Embraer

acabava tendo que tomar para si a responsabilidade por atividades menos nobres,

devido à ausência ou debilidade de outras empresas brasileiras atuantes no setor.

Isto dificultou a terceirização de atividades de menor valor agregado e forçou-a a

tornar-se um dos fabricantes de aeronaves mais verticalizados da indústria

aeroespacial mundial, ainda que de forma bem mais horizontal que as tentativas

anteriores de fabricar aeronaves no Brasil.

Ainda assim, a visão estratégica de seus pioneiros fez com que a Embraer

fosse concebida como uma empresa estatal e como uma montadora final, que se

dedicaria exclusivamente à montagem de aviões através da materialização de um

projeto aeronáutico endogenamente concebido, tendo assim condições de

determinar com autonomia, em função da posição que ocupava e da estratégia de

capacitação tecnológica que adotou, o desenvolvimento de suas aeronaves

(BERNARDES, 2000b). Desta forma, estrategicamente a companhia privilegiou o

domínio e a capacitação tecnológica nas áreas de aerodinâmica, fuselagem e

integração de projeto. Os esforços também foram direcionados para a capacitação

na área de projetos de aviões e na integração do mix de componentes que não

podiam ser fabricados pela Embraer, por inúmeras razões: escala, mercado,

confiabilidade, tecnologia, etc.

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250

Na verdade, o esforço real para terceirizar as atividades menos importantes

do processo produtivo esbarrava no fato de não haver muitas empresas na indústria

aeronáutica brasileira que tivessem capacidade de produzir componentes para as

aeronaves na qualidade necessária para garantir a segurança de vôo. Assim, devido

à imposição desta conjuntura, a Embraer era bem mais verticalizada que seus

concorrentes estrangeiros.

Os fracassos comerciais da década de 80 proporcionaram mudanças

significativas na estratégia e na estrutura da empresa, forçando um grau de

terceirização da produção e do desenvolvimento muito maior que o inicial, através da

mitigação do risco de mercado na venda de aeronaves. A partir do programa ERJ-

145, a Embraer passou a adotar a estratégia de compartilhamento de risco com

parceiros num grau dificilmente encontrado em outras empresas, o que se configura

numa ruptura radical com a estratégia anteriormente utilizada. Para isso contribuiu o

fato da empresa brasileira ter participado de várias parcerias nas quais pôde

desenvolver a capacidade de gerenciar a ação coordenada de um conjunto de

empresas. Desta forma, a Embraer pôde focar somente em suas competências

chave (projeto, coordenação de parceiros e fornecedores, integração de sistemas,

produção, comercialização e pós-vendas), terceirizando a maior parte das atividades

consideradas de menor valor agregado para os parceiros ou para os fornecedores.

Segundo Bernardes & Pinho (2002), a estratégia de foco da Embraer busca

uma operação mais competitiva, com redução de ociosidades (pela

desverticalização produtiva), de custos administrativos e custos de desenvolvimento

de produto e processo. De acordo com os autores, a redução de fornecedores

externos e locais cria novas relações e parâmetros para a composição e integração

da cadeia de suprimento global e local, implicando no encaminhamento dos fluxos

de fornecimento de sistemas, partes, componentes, estruturas e serviços

tecnológicos em direção a “pacotes tecnológicos”. Na prática, os fornecedores de

primeira linha são responsáveis pela agregação de um conjunto de subsistemas e

componentes que vão compor um “pacote tecnológico” do projeto da aeronave a ser

integrado na fase final, que é a linha de montagem na Embraer. Este modelo de

produção é muito próximo ao conceito de condomínio industrial adotado pela

indústria automobilística.

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Ao longo de seus mais de trinta anos de história, a Embraer utilizou vários

acordos de licenciamento e alianças para adquirir mais recursos e conhecimentos

para a empresa e desenvolver as suas competências chave. Como visto acima,

certas alianças foram fundamentais para desenvolver algumas competências

específicas. Por outro lado, algumas competências só foram desenvolvidas ao longo

de programas desenvolvidos internamente pela companhia. Este processo gradual

de acumulação de conhecimento foi crucial para a conquista do posicionamento

competitivo privilegiado de que a empresa hoje desfruta no mercado de aviação

regional.

Atualmente, é um consenso entre os vice-presidentes da Embraer

entrevistados para este estudo (Satoshi Yokota e Luís Carlos Affonso) que a

verdadeira vantagem competitiva da empresa brasileira não é dada por um recurso

isolado, mas na verdade é o conjunto integrado e coordenado de vários recursos,

que permite à empresa lançar produtos tecnologicamente avançados a um preço

menor que a concorrência, mesmo possuindo uma desvantagem inicial devido ao

Custo Brasil. É este diferencial observado no conjunto das atividades da empresa

que gera vantagens competitivas sustentáveis em relação à Bombardier e a

potenciais novos entrantes. Esta excelência está presente em cinco eixos

estratégicos nos quais a Embraer se destaca, apresentados na figura a seguir:

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• Assistência técnica• Serviços adicionais (manutenção,

elaboração de manuais técnicos, etc.)

• Marketing (promoção de vendas)

• Esforço de vendas (próprio ou de representantes)

• Estrutura de financiamento a baixas taxas de juros e de longo prazo

• Lean production• Implementação de

logística just in time• Gestão eficaz dos

processos de produção

• Rigoroso processo de concorrência para seleção de parceiros de risco

• Definição de responsabilidades nos projetos

• Gestão da cadeia de fornecedores e parceiros

• Mecanismos de controle de comunicação, informação e transmissão de dados

• Foco em competências chave

• Know-how tecnológico avançado

• Altíssima especialização dos engenheiros

• Inovação• Marketing (inteligência

competitiva)• Lean design e lean

development• Integração de

sistemas/estruturas• Harmonização técnica

(através de CATIA/CRV)

Pós-venda Comerciali-zação

ProduçãoP&D

Integração dos

parceiros

Figura 13 – Eixos estratégicos de excelência da Embraer

O primeiro eixo estratégico de excelência da Embraer é relacionado a

pesquisa e desenvolvimento (P&D). Este eixo está relacionado tanto à pesquisa

aplicada como ao desenvolvimento de produto. Neste sentido, vale observar que o

marketing é parte fundamental do desenvolvimento da aeronave, na medida em que

é impositivo desenvolver um produto de acordo com as necessidades dos clientes.

Esta foi uma dura lição aprendida pela Embraer após vários projetos que não

buscavam identificar as necessidades dos clientes e, portanto, enfrentaram o

fracasso comercial.

Também está vinculada ao eixo de P&D a questão da integração de sistemas

produzidos por diversas empresas e a harmonização técnica, fundamental para

garantir a qualidade do produto num processo de desenvolvimento contado com

vários parceiros. A Embraer, após ter participado de vários projetos com parceiros,

adquiriu a competência técnica na compreensão detalhada de como os subsistemas

presentes em suas aeronaves funcionam. Desta forma, a harmonização técnica da

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aeronave dá-se sob o comando de uma empresa extremamente capacitada,

inclusive na compreensão dos detalhes tecnológicos de sistemas que não projeta.

A alta capacidade desenvolvida pela empresa brasileira no uso de softwares

de harmonização técnica como o CATIA e o Centro de Realidade Virtual (CRV)

também foi aprimorada ao longo de alianças estratégicas, em especial nos

programas ERJ-145, ERJ-170/190 e S-92 Helibus (parceria com a Sikorsky). A

utilização de tais softwares faz-se necessária na medida em que os projetos são

cada vez mais complexos e há alto grau de interdependência entre os subsistemas

produzidos por diferentes empresas.

A alta capacidade interna da empresa em P&D não se destaca por ter sido

obtida numa aliança estratégica específica. Ao contrário, é resultado da capacitação

gradual ocorrida projeto a projeto, tanto naqueles que contaram com alianças

estratégicas como nos que foram desenvolvidos endógena e isoladamente pela

Embraer. Atualmente, a Embraer conta com um corpo de engenheiros especialistas

de altíssimo conhecimento tecnológico, o que se constitui por si só num diferencial

da companhia brasileira em relação à maioria das empresas da indústria aeronáutica

mundial. Tal conhecimento não é facilmente adquirido, sendo, na verdade, resultado

de anos e anos de acumulação de experiência na área. Para o vice-presidente

Satoshi Yokota, na Embraer o conjunto de engenheiros entende de praticamente

todos os aspectos de um avião.

O segundo eixo estratégico de excelência da Embraer, de integração dos

parceiros, está diretamente relacionado à opção estratégica da empresa em agregar

outras companhias no desenvolvimento e produção de suas aeronaves. De acordo

com o vice-presidente da empresa Luís Carlos Affonso, os objetivos no uso de

parcerias são:

• Divisão de riscos;

• Redução de investimentos;

• Redução de necessidade de mão-de-obra; e

• Abertura dos mercados dos parceiros.

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O eixo estratégico de integração de parceiros, ao contrário do anterior, foi

todo desenvolvido conforme a participação da Embraer em alianças estratégicas

com outras empresas. Neste sentido, os programas AMX, CBA-123 Vector, MD-11

(McDonnell Douglas), 747 (Boeing), 767 (Boeing), 777 (Boeing), ERJ-145, S-92

Helibus (Sikorsky) e ERJ-170/190 foram fundamentais no desenvolvimento da

capacidade de gerir e integrar adequadamente a cadeia de fornecedores e

parceiros.

O vice-presidente da empresa Satoshi Yokota ressalta a importância dos

programas desenvolvidos em parceria para a aquisição do know-how em

estabelecimento de processos, normas e procedimentos. Para o Sr. Satoshi, tais

processos, normas e procedimentos atuam como uma pauta de coordenação das

atividades de P&D e produção seriada de forma a garantir a harmonia de

subsistemas projetados e fabricados por empresas diferentes. O desenvolvimento de

tal capacidade é, desta forma, fundamental para garantir a manutenção de um

padrão de qualidade superior.

O terceiro eixo estratégico de excelência da Embraer é o de produção. Aqui a

obtenção de know-how ocorreu tanto através de alianças estratégicas como de

programas desenvolvidos isoladamente pela empresa. De acordo com diversos

autores (SILVA, 1998; MATTOS, 2005; BERNARDES, 2000b; CABRAL, 1987) o

projeto que proporcionou a capacitação inicial em produção de aeronaves foi a

parceria com a Aermacchi para produção do EMB-326 Xavante. Vários outros

projetos, desenvolvidos em parceria ou individualmente, contribuíram para o

desenvolvimento da atividade de produção de aeronaves. Para o vice-presidente da

Embraer Luís Carlos Affonso, a capacidade de produção da companhia é hoje “fora

de série”, superior às dos concorrentes.

Para o aprimoramento da produção ao longo dos anos, foi fundamental o

desenvolvimento de processos de controle de produção. Neste sentido, como visto

acima, as alianças estratégicas com outras empresas mostraram-se decisivas,

principalmente as com a Aermacchi (EMB-326 Xavante), Aeritalia e Aermacchi

(AMX), Boeing (747, 767 e 777) e McDonnell Douglas (MD-11).

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Recentemente a Embraer também vem aprimorando sua produção através da

implementação de um sistema de logística just in time, que permite redução no nível

de estoques e adequação da produção à demanda. Neste sentido, a operação da

empresa assemelha-se cada vez mais a de uma montadora de automóveis,

integrando diversas partes da aeronave (os subsistemas) produzidas por uma série

de empresas em várias partes do mundo.

O quarto eixo estratégico de excelência da Embraer é o de comercialização.

Numa companhia cuja gênese foi essencialmente técnica, tendo sido criada por

engenheiros egressos de institutos de pesquisa (ITA e IPD), a comercialização foi

um fator naturalmente relegado a um segundo plano no início das atividades. Com o

tempo, entretanto, foi sendo constatada a necessidade de levar a cabo esforços para

adquirir conhecimento nesta área, fundamental para o sucesso de praticamente

qualquer companhia. Neste sentido, a parceria com a Piper foi especialmente

importante, proporcionando aprendizado profundo em técnicas de comercialização

de aeronaves.

Segundo Bernardes (2000a), o contrato com a Piper incluía também a

comercialização e a pós-venda das aeronaves, o que constituía numa total novidade

para a Embraer, que até então só tinha obtido experiência nas primeiras vendas do

EMB-110 Bandeirante e do EMB-326 Xavante (aeronave militar, cujo único cliente

até então era a FAB). Para o autor, foi nessa parceria com a Piper que a Embraer

saiu de um estágio embrionário de comercialização de seus produtos para formar e

capacitar uma equipe de vendas preparada para competir por encomendas com as

outras empresas do mercado (principalmente Cessna e Beech, no mercado de

aviação geral brasileiro). Cabral (1987) é outro autor que considera a aliança com a

Piper como crucial para o desenvolvimento de capacitação em comercialização,

complementando o aprendizado tecnológico até então obtido.

Nesta aliança, toda a equipe de vendas da Embraer foi intensivamente

treinada segundo o ”método Piper” de venda de aeronaves, o que foi bastante

importante para a empresa brasileira dada a experiência de sua parceira norte-

americana na comercialização de aeronaves. Além disso, todo o sistema de

distribuição da Embraer foi inspirado no da Piper, inclusive com a utilização da rede

montada pelo representante brasileiro da empresa norte-americana.

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Para Bernardes (2000a), a partir da aliança estratégica com a Piper, o

aprendizado da Embraer na comercialização de seus produtos pôde então evoluir

evolucionária e cumulativamente. Segundo um dos vice-presidentes da companhia

entrevistados para este estudo, Eng. Luís Carlos Affonso, a comercialização é um

dos fatores que hoje diferenciam a Embraer de seus concorrentes.

Tão ou mais importante que o marketing e o esforço de vendas do produto é a

questão do financiamento, que muitas vezes é fator decisório no processo de

compras por parte dos clientes. A Embraer, ao longo de sua história, sempre esteve

exposta ao Custo Brasil, problema este acentuado pelo ambiente econômico caótico

das décadas de 70, 80 e início da década de 90. Com a inflação em patamares

muito altos, ficava inviabilizada a concessão de créditos de longo prazo a taxas

internacionalmente competitivas por parte de bancos comerciais. Desta forma, a

única fonte de financiamento de longo prazo disponível era o BNDE (posteriormente

BNDES). Vale salientar que, mesmo após a estabilização da economia brasileira,

após 1994, a Embraer continuou dependente dos empréstimos do BNDES, já que as

taxas de juros reais do Brasil permanecem entre as maiores do mundo, de forma a

atrair capitais para financiamento do déficit público do país. Para o vice-presidente

Luís Carlos Affonso, o alto custo de capital é hoje a principal desvantagem da

Embraer em relação a seus concorrentes. Portanto, é razoável afirmar que sem o

BNDES para equalizar o financiamento dos produtos da Embraer aos oferecidos por

seus concorrentes, dificilmente a empresa brasileira teria sobrevivido. Na prática, o

BNDES tem atuado como um verdadeiro parceiro da empresa brasileira, absorvendo

boa parte do risco das operações de financiamento.

Neste momento é importante fazer uma observação. A utilização de parcerias

de compartilhamento de risco também apresenta efeitos altamente positivos na

comercialização das aeronaves da Embraer, quais sejam:

• Possibilidade de financiar o desenvolvimento da aeronave a taxas de

juros de longo prazo dos países parceiros (mais baixas que as taxas

brasileiras);

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• Possibilidade de abertura de mercado nos países das empresas parceiras

(através da suspensão de barreiras tarifárias ou não-tarifárias, incentivos

governamentais ou do próprio esforço de vendas da empresa parceira).

Por fim, o quinto e último eixo estratégico de excelência da Embraer é o de

pós-venda. A experiência neste eixo foi adquirida tanto externamente, através de

alianças estratégicas, como internamente, identificando as necessidades dos

clientes e buscando atendê-las.

Entre as alianças que geraram acumulação de experiência em atividades pós-

venda, a parceria com a Piper apresenta-se com destaque. Segundo Bernardes

(2000a) e Cabral (1987), além de oferecer oportunidade de aprendizado na

comercialização (esforço de vendas), esta parceria foi fundamental para

compreender de que maneira uma empresa consolidada como a Piper oferecia

assistência técnica aos seus clientes. Juntando o know-how em P&D da Embraer

obtido no IPD e no ITA e a capacidade de produção adquirida na parceria com a

Aermacchi (EMB-326 Xavante), ficava claro que ainda faltava adquirir conhecimento

nas atividades mais soft da indústria, a saber, comercialização e pós-venda. A

aliança com a Piper possibilitou o preenchimento desta lacuna.

A empresa brasileira também vem desenvolvendo internamente o seu eixo de

pós-venda. Bastante aprimorado desde a aliança com a Piper, a Embraer hoje

fornece um serviço de acompanhamento pós-venda e assistência técnica similar ao

de seus competidores. Entretanto, para o vice-presidente Luís Carlos Affonso, há

espaço significativo para melhora nos serviços de assistência técnica, visto que

atualmente a empresa prepara-se para competir no segmento de aviação executiva

com os Light Jets / Very Light Jets. Este segmento notoriamente é caracterizado

pela necessidade de assistência técnica aprimorada e de suporte personalizado ao

cliente, já que este não costuma voar em rotas pré-determinadas. Enfim, um novo

desafio está aberto à empresa brasileira e uma das principais questões a qual a

Embraer terá que se adaptar é o aperfeiçoamento de suas atividades de pós-venda.

Assim, pode-se perceber a influência das alianças estratégicas desenvolvidas

pela Embraer ao longo de sua história na construção de seus cinco eixos de

excelência. O quadro a seguir apresenta em maior detalhe esta questão:

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Eixo estratégico de excelência Principal modo de desenvolvimento

Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) Internamente e através de alianças

Integração dos parceiros Através de alianças

Produção Internamente e através de alianças

Comercialização Internamente e através de alianças

Pós-venda Internamente e através de alianças

Quadro 28 – Formas de desenvolvimento dos eixos estratégico de excelência da Embraer

Vale salientar que os eixos estratégicos de excelência apresentados acima

não devem ser confundidos com vantagens competitivas sustentáveis que a

Embraer possui sobre as empresas com quem concorre. Na verdade, tais eixos são

pontos de destaque na operacionalização da estratégia da companhia de acordo

com os altos gestores da mesma, mas podem estar presentes em concorrentes em

igual estágio de desenvolvimento ou até superior.

De maneira geral, no entanto, o que se observa é que no mercado de aviação

civil (que é o foco estratégico da Embraer a despeito das tentativas de aumentar a

participação da aviação militar na receita total da empresa) há um distanciamento

muito grande entre as capacidades dos quatro principais fabricantes (Boeing, Airbus,

Embraer e Bombardier) e de outras empresas (tanto fabricantes de aeronaves

menores como possíveis novos entrantes).

A Boeing e a Airbus encontram-se num patamar à parte. Em relação a P&D,

as empresas certamente estão à frente da Embraer e da Bombardier, embora não

em todos os aspectos. Mesmo assim, se forem comparadas ao fabricante brasileiro

e ao canadense, a Boeing e a Airbus ainda possuem vantagens em aspectos como

o uso intensivo de materiais compostos (por exemplo, no Boeing 787) e outras

tecnologias de ponta.

De uma maneira geral, tanto a Embraer como a Bombardier encontram-se à

frente de outras empresas (excluindo-se Boeing e Airbus) no que diz respeito à P&D.

Entretanto, há exceções à regra. Algumas empresas especializadas podem ser mais

avançadas que Embraer e Bombardier em certos campos da tecnologia aeronáutica.

Como exemplo, pode ser citada a Scaled Composites, empresa do famoso projetista

de aeronaves Burt Rutan, que é uma das companhias aeronáuticas com maior

know-how no uso de materiais aeronáuticos não-metálicos, principalmente materiais

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compostos. A Scaled Composites também é famosa pelo desenvolvimento de

projetos aerodinâmicos inovadores, como a SpaceShipOne (espaçonave

experimental propulsionada a foguete) e a Voyager (primeira aeronave a

circunavegar o globo sem parada ou reabastecimento).

Em relação à integração dos parceiros, a Embraer não fica a dever a

nenhuma empresa do mundo, nem mesmo à Boeing ou à Airbus. Dada a sua

extensa experiência no desenvolvimento conjunto de projetos com aliados, a

companhia brasileira hoje possui todo o know-how necessário para selecionar e gerir

os parceiros bem como garantir a qualidade final dos subsistemas entregues. Neste

ponto, a Embraer também se encontra num patamar muito mais avançado que a

Bombardier, que só veio a utilizar alianças estratégicas de forma mais profunda em

seu mais recente programa, o CSeries (objetivando competir com Boeing, Airbus e

com os ERJ-190 e ERJ-195).

A produção da Embraer também é extremamente avançada. Para o vice-

presidente Luís Carlos Affonso, esta área da empresa encontra-se no estado da

arte, ou seja, incorpora o que há de mais avançado em técnicas de produção seriada

de aeronaves dominadas por fabricantes de aeronaves. Sabe-se, no entanto, que

fabricantes como Boeing e Airbus encontram-se em estágio muito avançado na

utilização de estratégias logísticas de ponta que se mostraram adequadas para a

indústria aeronáutica, como, por exemplo, o just in time, que só mais recentemente a

Embraer passou a implementar em sua cadeia de produção.

No que diz respeito à comercialização de aeronaves, a Embraer

provavelmente só se encontra defasada em relação à Airbus e à Boeing. Esta

defasagem não se deve, no entanto, à capacidade da empresa de empregar

adequadamente esforços de vendas e marketing, mas à pequena relevância política

e econômica do Brasil quando comparada à dos EUA e Europa. A indústria

aeronáutica é considerada tão estratégica que há esforços reais dos países-sede

das principais empresas para incentivar as vendas a outros países. Neste sentido, o

fato de EUA e Europa serem muito mais relevantes econômica e politicamente que o

Brasil leva a Boeing e a Airbus a possuírem imensa vantagem comercial frente à

empresa brasileira e à canadense. A decisão estratégica da Embraer de não entrar

nos mercados de aeronaves maiores que 120 passageiros é principalmente

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conseqüência do receio de competir diretamente por mercado com Boeing e Airbus,

secundadas por seus respectivos governos. É certo que os ERJ-190 e ERJ-195

competem diretamente com aeronaves da Boeing (717 e 737) e Airbus (A318), mas

também é deliberada e clara a intenção da Embraer em não competir com

aeronaves de maior capacidade, evitando assim se tornar alvo preferencial da

Boeing e da Airbus.

De uma maneira geral, a empresa brasileira sofre as dificuldades de situar-se

num país em que o custo de capital é altíssimo. Ainda assim, este fator por si só não

afeta tanto a competitividade da empresa visto a existência de linhas de

financiamento de longo prazo a baixos juros, oferecidas pelo BNDES para venda de

aeronaves como forma de equalizar as discrepâncias estruturais existentes no

mercado de capital brasileiro em comparação aos dos países em que se encontram

os concorrentes da Embraer (notadamente o Canadá, da Bombardier). Além disso, a

empresa brasileira utiliza significativamente as parcerias de compartilhamento de

risco para financiar seus projetos de acordo com o custo de captação de seus

parceiros nos seus respectivos países.

Por fim, há a questão da pós-venda. De acordo com o vice-presidente da

empresa Luís Carlos Affonso, a assistência técnica da empresa é boa, mas ainda

precisa capacitar-se para atender adequadamente os clientes executivos,

principalmente nesta nova etapa com a qual a companhia se depara, que é a

priorização do mercado executivo através dos novos Light Jet / Very Light Jet. Em

relação a outros serviços de pós-venda, como MR&O (manutenção, reparo e

overhaul), a Embraer encontra-se em patamar similar ao de sua principal

concorrente, a Bombardier.

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6 CONCLUSÕES

6.1 CONCLUSÕES GERAIS DO ESTUDO

Os dois objetivos deste estudo foram apresentados no primeiro capítulo:

• Analisar sob o ponto de vista estratégico a evolução histórica da gestão

de alianças estratégicas da Embraer ao longo das suas mais de três

décadas; e

• Compreender o efeito das alianças estratégicas da Embraer na geração

de vantagens competitivas sustentáveis e na construção de um

competidor global no setor de fabricação de aeronaves.

Para atingir estes objetivos, foi feito um estudo exaustivo a respeito da história

da empresa com ênfase especial na participação da mesma em alianças

estratégicas.

O primeiro objetivo foi atingido na medida em que o presente estudo analisa

parcela relevante da escassa literatura acadêmica sobre a Embraer e o setor de

fabricação de aeronaves brasileiro, bem como colhe depoimentos de dois dos

principais executivos da companhia. Apesar da importância das atividades da

Embraer para o país, há relativamente poucos trabalhos acadêmicos sobre a

companhia e nenhum com o foco voltado a um aspecto estratégico de tamanha

relevância para os resultados da empresa como foram e são as suas alianças com

outras companhias.

Realizar a pesquisa sobre toda a história da Embraer foi uma tarefa permeada

por grandes dificuldades, entre as quais se destacam a coleta de informações para o

trabalho, a verificação de contradições nos eventos relatados e a determinação da

relevância de determinados dados.

Através da análise da história da Embraer puderam-se perceber claramente

os processos que descrevem e explicam a formação de um competidor global na

indústria aeronáutica. Gradualmente, foi possível compreender como a participação

da Embraer em cada projeto de sua história de mais de trinta anos, quase que

independentemente do sucesso ou fracasso comercial do mesmo, possibilitou à

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empresa tornar-se um dos mais importantes fabricantes de aeronaves do mundo,

setor este caracterizado pela alta complexidade tecnológica e em que é inusitada a

presença de um competidor do Hemisfério Sul.

Pôde-se então verificar que em pouquíssimo tempo (basicamente dez anos,

durante a década de 70), a Embraer deixou de ser uma idéia abstrata (“fazer

aeronaves brasileiras”) alimentada por pesquisadores do IPD, engenheiros do ITA e

militares da Aeronáutica e tornou-se realidade com a criação e o desenvolvimento de

uma empresa extremamente competitiva no mercado internacional de manufatura de

aeronaves. Também foi visto que a década seguinte (anos 80) foi marcada por

avanços tecnológicos importantes e pelo início dos problemas financeiros da

companhia, em parte causados pela conjuntura desfavorável, em parte por erros

estratégicos da própria Embraer. As dificuldades e o fantasma da falência ainda

rondariam a companhia até meados da década de 90, quando a privatização e o

lançamento do programa ERJ-145 trariam novo fôlego e o excelente posicionamento

num dos nichos de melhores perspectivas na indústria aeronáutica, o de aviação

regional. Viu-se também que o programa ERJ-145 proporcionou capacidade

financeira para empreendimentos mais complexos, como o programa ERJ-170/190 e

o programa LJ/VLJ, que foi lançado recentemente.

Neste sentido, é importante reconhecer a importância das alianças

estratégicas na formação desta empresa e nos resultados que obteve. Tivesse a

Embraer optado por uma estratégia de independência tecnológica em cada etapa do

desenvolvimento e produção de aeronaves – ao invés da interdependência com os

parceiros que lhe é característica – e talvez hoje não apresentasse a competitividade

que possui na disputa por mercado com seus concorrentes.

Em relação à estratégia da Embraer, é importante ressaltar o papel crucial do

Estado brasileiro no direcionamento e no incentivo à viabilização do

empreendimento. A Embraer gozou desde cedo de apoio estatal que, a despeito das

muitas amarras burocráticas que restringiam o funcionamento da companhia,

proporcionou reservas de mercado importantes e subsídios que se mostraram

decisivos para o seu sucesso. Para entender a importância do Estado no

desenvolvimento da Embraer, é importante analisar o desempenho dos outros

empreendimentos aeronáuticos privados criados no Brasil: nenhum deles conseguiu

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atingir relevância significativa, o que é um indício relevante do valor da proteção

governamental na indústria aeronáutica. De fato, não existe nenhum fabricante de

aeronaves que tenha prosperado sem empenho do governo de seu país de origem.

O segundo objetivo deste trabalho também foi atingido na medida em que foi

analisado o efeito de cada aliança estratégica no desenvolvimento das vantagens

competitivas sustentáveis que hoje possui a empresa brasileira.

O vínculo existente entre os recursos da firma e a geração de vantagens

competitivas sustentáveis, proposto por Barney (1991), foi crucial para o

desenvolvimento do framework apresentado no subcapítulo 2.4, que estabelece a

ligação entre as alianças estratégicas e a geração de vantagens competitivas

sustentáveis. Através da análise das alianças da Embraer ao longo dos anos, pôde-

se observar a absorção e o aprendizado de novos recursos e entender os efeitos

que estes tiveram na geração das vantagens competitivas para a companhia.

Com relação aos desafios enfrentados pela Embraer, não é possível prever o

êxito futuro da companhia, visto que este trabalho possui caráter exploratório,

descritivo e explicativo, não possuindo assim função preditiva. No entanto, é possível

observar que a empresa brasileira encontra-se muito bem posicionada no nicho de

aviação regional, com produtos de reconhecida qualidade e preços inferiores aos

dos concorrentes, partindo agora para explorar o importante nicho de aviação

executiva através de seu programa LJ/VLJ e futuras aeronaves.

Na opinião do autor, a empresa deve continuar a aprofundar o grau de

utilização de alianças estratégicas em atividades que não sejam seus core

businesses. Tais alianças permitirão a mitigação dos riscos e a oportunidade de

financiamento a custo mais barato que o que poderia ser obtido pela empresa no

Brasil. Esta estratégia de utilização de alianças estratégicas, entretanto, não deve

ser executada de forma qualquer, sob risco de transferir tecnologia ou conhecimento

aos parceiros nos processos de desenvolvimento e produção, que se dão de forma

muito integrada. Esta transferência involuntária, se dada em grau elevado,

certamente tem o potencial de gerar futuros concorrentes. Aparentemente a Embraer

não possui uma estratégia bem definida para minimizar o grau de transferência de

tecnologia de ponta para as empresas parceiras, o que é um risco significativo para

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a empresa. O comportamento oportunista de uma empresa parceira, como foi visto

no subcapítulo 2.2, é um dos principais riscos a que está sujeita uma companhia que

participa de aliança estratégica.

Também deve ser ressaltada como fator de alto risco para a Embraer a

estratégia (denominada coalizão de projetos) de subcontratação temporária de

engenheiros projetistas somente pelo tempo de duração do projeto. A alta

capacitação técnica de tais profissionais, ao invés de ser considerada um ativo

intangível precioso, passa a ser vista como dispensável devido a uma visão

econômico-financeira que carece de fundamentação estratégica. A Embraer, sob

pena de ver evadida parte significativa de seu conhecimento interno, deveria rever

essa estratégia e utilizar um foco menos voltado ao resultado financeiro imediato,

adotando uma perspectiva de longo prazo e implementando uma gestão mais

cautelosa do nível de conhecimento interno acumulado pela empresa.

Outro ponto a ser considerado é a perspectiva de longo prazo da Embraer.

Como pôde ser observado nas entrevistas realizadas com os vice-presidentes da

empresa, o investimento no setor de aviação executiva, inicialmente através da

aeronave Legacy e agora através do programa LJ/VLJ, foi a saída promissora que a

empresa encontrou para não ter que competir diretamente com a Boeing e a Airbus

em aeronaves de maior capacidade que a família ERJ-170/190.

Mas, vale perguntar, e quando o ciclo de vida dos jatos regionais e executivos

com que a Embraer atualmente compete se esgotar? Teria a empresa brasileira

capacidade de competir diretamente com Boeing e Airbus, ambas apoiadas por

governos muito mais influentes tanto política como economicamente? As respostas

para estas perguntas são incertas. É razoável supor, entretanto, que os nichos de

aeronaves regionais com capacidade menor que 100 passageiros e de aeronaves

executivas não desaparecerão. Eles continuam existindo, entretanto contando com

clientes cada vez mais exigentes, demandando incorporação de soluções

tecnológicas de ponta.

Também há o risco do segmento de aviação regional perder relevância na

medida em que a aviação civil passe a usar outras configurações logísticas

diferentes do modelo hub-and-spoke, mas como este cenário é improvável, faz

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sentido partir da premissa de que o mercado para aeronaves regionais continuará

sendo um nicho pequeno em comparação ao de grandes aeronaves, mas

suficientemente atrativo para uma empresa como a Embraer.

Desta forma, enquanto a Embraer mantiver-se tecnologicamente avançada

em comparação a seus concorrentes e partindo da premissa de que não há

interesse da Boeing e da Airbus em desvirtuar o foco de sua disputa em grandes

aeronaves para entrar no segmento de aeronaves regionais e executivas, é razoável

supor que a empresa brasileira encontra-se em posição competitiva robusta.

Num cenário mais improvável, se a concorrência acirrada entre Boeing e

Airbus causasse a falência de uma das empresas e se o respectivo governo norte-

americano ou europeu não interviesse para salvar sua companhia nativa, isso

deixaria o segmento de grandes aeronaves com uma única grande empresa

monopolista, o que poderia vir a favorecer a entrada desta companhia num nicho de

aeronaves menores. Tendo em vista que já não possuiria a necessidade de

elevados dispêndios de capital para manter sua posição frente a um competidor de

tamanho similar, esta empresa monopolista poderia apresentar novos programas

para competir em nichos como a aviação executiva ou regional. Um caso como este,

entretanto, é muito pouco provável, já que o interesse estratégico dos Estados

Unidos e da Europa em possuírem indústrias aeronáuticas fortes é evidente: seria

improvável que permitissem a falência da Boeing e da Airbus, respectivamente, por

pior que venha a ser a situação financeira destas empresas.

Ademais, para manter-se competitiva no mercado de aviões de capacidade

menor que 100 passageiros, a Embraer precisa diferenciar-se de sua principal

concorrente, a Bombardier. Atualmente, há indícios suficientes que a Embraer vem

vencendo a disputa. Seus produtos apresentam maior qualidade e custos

operacionais mais baixos que os da Bombardier além de serem em geral mais

baratos (dependendo do financiamento oferecido ao cliente).

Outro ponto que diferencia a Embraer da Bombardier é o foco da empresa

brasileira. Ao contrário de sua maior concorrente, a Embraer é uma empresa de

aviação e não dá sinais de que pretenda fazer diversificações não relacionadas. A

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empresa enxerga claramente os segmentos em que pretende atuar nos próximos

anos, quais sejam: aviação regional, executiva e militar.

A Bombardier, por sua vez, é uma organização semelhante a um

conglomerado, com negócios em várias áreas pouco correlacionadas, como aviação,

equipamentos de transporte ferroviário e serviços financeiros. Até pouco tempo

atrás, a empresa ainda dedicava recursos à unidade de negócio de produtos de

recreação (Bombardier Recreational Products), vendida em dezembro de 2003. Não

são claras as oportunidades de sinergia entre os processos de desenvolvimento,

fabricação e comercialização de produtos como equipamentos de ferrovias,

locomotivas, sistemas de propulsão e controle e de sinalização com os processos de

desenvolvimento, fabricação e comercialização de aeronaves.

Também há indícios de que a Embraer possua administração mais

profissionalizada que a Bombardier. No caso da Bombardier, a família controladora,

que fundou a companhia em 1942 e ocupa dois cargos no Conselho (Board of

Directors), possui clara influência no rumo da companhia, o que transparece na

mensagem do Presidente do Conselho (Chairman of the Board) no relatório de

administração da Bombardier (2004), em que discorre sobre “a dificuldade

enfrentada pela família fundadora em desinvestir do negócio de produtos

recreativos, o segmento em que as atividades da empresa começaram e se

desenvolveram”. Assim como pode ter atrasado esta decisão, a influência da família

pode implicar na não implantação de outras medidas necessárias à boa condução

da companhia.

O caráter ainda familiar da Bombardier também pode ser percebido no final da

mesma mensagem do Presidente do Conselho, quando ele afirma que “os herdeiros

da família confiam no futuro da Bombardier e estão firmemente comprometidos com

o contínuo sucesso da empresa”.

Desta maneira, manter o foco é um imperativo para que a Embraer amplie

suas vantagens competitivas frente à Bombardier, na medida em que esta empresa

também precisa empregar esforços em outras unidades de negócios de seu

conglomerado, desvirtuando um pouco o foco do setor aeronáutico.

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A empresa brasileira também deve aproveitar o momento favorável da

economia brasileira e de sua própria capacidade financeira para reestruturar parte

de sua dívida, que se encontra em níveis bastante elevados em comparação a seu

patrimônio líquido. Aproveitando a solidez dos fundamentos econômicos brasileiros e

a taxa de câmbio apreciada, a Embraer poderia analisar a quitação de parte de suas

obrigações em dólar ou, a exemplo de diversas empresas brasileiras, a rolagem da

dívida a taxas de juros mais favoráveis que as inicialmente obtidas.

Empresas brasileiras de capital nacional, como a Companhia Vale do Rio

Doce (CVRD), e parcialmente nacional, como a Inbev (ex-Ambev), recentemente

foram promovidas ao investment grade por agências classificadoras de risco, ou

seja, seus títulos de dívida são considerados de baixa possibilidade de default. Isto

possibilita a obtenção de empréstimos a menor custo no exterior. Estes exemplos

demonstram que a Embraer, caso conseguisse diminuir significativamente seu

endividamento, poderia obter fontes de financiamento a juros mais acessíveis, de

forma a:

• Reduzir a dependência de fontes de financiamento governamental (via

BNDES); e

• Reduzir a dependência de parceiros de compartilhamento de risco para

financiamento de nos novos projetos. Desta forma, a empresa poderia

escolher parceiros segundo critérios puramente técnicos e/ou comerciais,

e não financeiros.

Como citado acima, a atualização tecnológica da Embraer nos avanços mais

significativos em fabricação de aeronaves é um imperativo para manter sua posição

de liderança no mercado de aviação regional. Neste sentido, uma das tecnologias

que deveria ser estrategicamente perseguida pela empresa é a de fabricação em

material composto. Apesar de já dominar esta tecnologia para o uso moderado em

algumas estruturas aeronáuticas (partes da asa, por exemplo), a Embraer ainda não

domina completamente a técnica de material composto de forma a expandir o uso de

tal tipo de material a outras estruturas mais pesadas, como a fuselagem, diminuindo

assim de forma significativa o peso estrutural da aeronave. Assim, seria interessante

um esforço da companhia brasileira para adquirir este recurso, seja endogenamente

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ou através de alianças estratégicas, pois este know-how específico está

despontando como um dos mais importantes para o desenvolvimento das aeronaves

da próxima geração.

Na verdade, a sugestão acima pode ser expandida para uma de caráter mais

geral: a Embraer deve buscar atualização tecnológica nas competências mais

relevantes para o desenvolvimento das aeronaves regionais e executivas da nova

geração. Estas competências poderão ser desenvolvidas internamente, através do

uso de seu corpo de engenheiros extremamente especializado, ou através de

alianças estratégicas com empresas que detenham o know-how. No caso de buscar

alianças com outras empresas para obter esta capacitação tecnológica, vale

salientar que são poucas as companhias que possuem algum conhecimento que não

é dominado pela empresa brasileira, entre as quais podem ser citadas Boeing

(fabricante de aeronaves civis e militares), Airbus (aeronaves civis) e Lockheed

Martin, Raytheon, British Aerospace, Northrop Grumman, Thales, Aérospatiale-Matra

e Dassault (aeronaves militares).

Assim, torna-se ainda mais positiva a decisão da Embraer de não ter partido

para o confronto direto com Boeing e Airbus em aeronaves single-aisle de 150

passageiros de capacidade, pois mantém aberta a possibilidade de promover

alianças estratégicas com estas empresas.

Por fim, a Embraer também deve analisar a viabilidade de promover uma aliança

estratégica com algum de seus sócios franceses (Thales, Aérospatiale-Matra,

Dassault e Snecma), absorvendo know-how específico para utilização em seus

próximos programas, já que estas empresas possuem conhecimentos avançados

em aviação militar que poderão ser futuramente utilizados em aeronaves civis.

6.2 RECOMENDAÇÕES E SUGESTÕES DE NOVOS ESTUDOS

Conforme exposto em no subcapítulo 1.2, a análise da competitividade de

uma determinada empresa torna-se limitada se não é feita a análise detalhada de

seus competidores, tendo em vista que tal conceito é relativo. Assim, sugere-se um

estudo que analise o posicionamento competitivo da Embraer em relação a outras

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empresas fabricantes de aeronaves, com foco não só na empresa brasileira, mas

também nos competidores, de forma a compreender as competências chave tanto

dos atuais concorrentes como de potenciais novos entrantes. Um estudo como este

certamente traria à luz mais informações acerca da dinâmica competitiva da indústria

aeronáutica mundial.

Também seria bastante interessante a realização de um estudo que

abordasse especificamente a qualidade da gestão da cadeia de suprimentos (supply

chain). Neste estudo, foram verificados indícios de que a Embraer executa esta

função muito eficaz e eficientemente se comparada com a maioria dos outros

fabricantes de aeronaves. Porém, é necessário um estudo mais detalhado que

possa submeter à análise a propalada qualidade da gestão da rede de fornecedores

por parte da empresa brasileira vis-à-vis a de seus competidores.

Outro estudo relevante que pode ser sugerido é a análise da estrutura de

financiamento das vendas de aeronaves e a concessão de subsídios. Como o fator

financiamento costuma ser decisivo para a realização de uma venda, um estudo que

abordasse este tema certamente seria importantíssimo para a compreensão

aprofundada da indústria aeronáutica. No entanto, por ser um tema envolto por sigilo

e disfarçado por criativa engenharia financeira, esperar-se-ia dificuldades na

execução de um estudo deste tipo.

Por fim, seria muito interessante elaborar um estudo para analisar de que

forma a estratégia de parceria de compartilhamento de risco utilizada tão

intensamente e com tanto sucesso pela Embraer poderia ser replicada em empresas

brasileiras de outras indústrias. Num país com tão baixa disponibilidade de crédito e

taxas de juros tão elevadas, a parceria de compartilhamento de risco poderia vir a

ser uma solução para o financiamento de projetos a custo de capital mais reduzido,

proporcionando a mitigação dos riscos de mercado da empresa empreendedora com

seus parceiros.

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APÊNDICE A – Entrevista concedida pelo Eng. Luís Carlos Affonso, Vice-

Presidente de Aviação Corporativa da Embraer

Data: 22/07/2005, sexta-feira

Luis Eduardo Coelho – Para começar, gostaria de saber quais os projetos em que

você participou. O senhor se formou no ITA mais ou menos em 80, não é?

Luís Carlos Affonso – Em 82.

LEC – 82, não é?

LCA – Na famosíssima turma 82. (risos). Meu primeiro projeto foi o Brasília. E depois

o CBA-123, que foi feito em parceria com a Argentina. E depois o 145 e o 170/190.

Na verdade eu participei também um pouco de alguns projetos militares, o ALX e o

SIVAM, mas foi uma participação menor, mais esporádica. Nestes eu participei

intensamente (aponta para as anotações sobre os projetos Brasília, CBA-123, 145 e

170/190).

LEC – No começo era “engenheirão” mesmo, não é?

LCA – Eu entrei como engenharia, engenharia de sistemas, daí fui progredindo na

área de engenharia até me transformar no diretor de engenharia. Bom, durante

alguns anos eu fui o responsável técnico pela Embraer. O vôo do 145 foi com meu

CREA, o primeiro vôo do 145 (risos). E eu fiquei nessa posição, daí eu passei para a

área de gerência de programas. Foi uma área nova na Embraer que na verdade eu e

o Satoshi criamos e eu fui o primeiro diretor de programas nesse novo formato da

Embraer, com gerentes de vários programas debaixo de mim. E eu fiquei nesta

posição até o lançamento do 170/190. Eu virei o responsável pelo programa 170/190

desde antes dele existir, já com a responsabilidade de fazer o plano de negócios, o

business plan. Foi aprovado, aí desenvolvi até fevereiro deste ano, quando mudei de

área. Agora estou com a área de aviação executiva.

LEC – Tá. Desses projetos aqui que você falou, Luis, pelo que eu já li, no Brasília

não teve muita aliança...

LCA – Foi bem verticalizado.

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LEC – Foi bem verticalizado. O 123... quer dizer, foi uma ascendente, né... o 123

(teve) um pouco mais (de alianças)...

LCA – É.

LEC – ... acho que se pensou até em um pouco de risk-sharing no 123, não foi?

LCA – Não muito, não muito. Na verdade havia o parceiro estratégico que era a

Argentina, mas que na época também estava numa situação muito difícil e eles

acabaram não conseguindo desempenhar o previsto. Eu diria que a estratégia

mesmo de parceria de risco como a gente conhece hoje ela começou no 145.

LEC – No 145.

LCA – É.

LEC – Tá. Hoje em dia esses projetos de cooperação com muitas alianças são uma

tendência do setor aeronáutico. A Embraer está fazendo isso aí, não é? Eu queria

entender um pouco se a Embraer faz, se executa gestão de projetos, integração de

sistemas, esses acordos de cooperação de uma forma mais eficaz que outros

players do mercado e se tem algo que nos diferencie nisso deles, toda essa questão

da gestão da cooperação entre diversas empresas em várias partes do globo.

LCA – Eu acho que a Embraer foi bastante inovadora, até por necessidade, eu diria,

no programa e no projeto 145, porque foi uma situação de crise na Embraer em que

as parcerias na verdade viabilizaram o programa. Então até por necessidade a

Embraer foi mais, eu diria, criativa e mais agressiva do que as outras empresas.

Então eu acho que nós tivemos uma certa liderança nesse processo. Nós não

sabemos com detalhes o que os concorrentes fazem, mas a minha impressão é que

nós temos, eu diria, inovado no 145 e depois de novo no 170/190.

LEC – E como que se manifestava essa inovação? De que forma poderia se dizer

que a Embraer realmente é mais inovadora? O que é que se faz de diferente?

LCA – Eu acho que é o nível de participação dos parceiros. Qual o conceito da

parceria no caso desses programas? É um conceito de divisão de riscos comerciais,

redução de investimento, redução da necessidade de mão-de-obra também. Não é

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só o investimento, é você ter a disponibilidade de pessoas treinadas. Elas andam

juntas, mas são diferentes. Então esses são os principais benefícios. A gente

poderia pensar também que através dessas parcerias a Embraer agregaria

tecnologia. Nesses programas não houve grande agregação de tecnologia dos

parceiros.

LEC – A expectativa era que....

LCA – Eu até quero fazer um parêntesis: eu diria que como a Embraer participou de

outros programas que eu não mencionei aqui (aponta para as anotações sobre os

projetos Brasília, CBA-123, 145 e 170/190), em que na verdade nós fomos parceiros

de outros aviões, como, por exemplo, o flap do MD-11, que é um flap totalmente de

carbono, e, por exemplo, peças para aviões da Boeing, aí sim nós éramos os

parceiros de um outro integrador. E neste caso, então, o integrador transferia as

suas tecnologias para que nós, enfim, fabricássemos peças para ele.

LEC – Aprendeu muito de material composto...

LCA – Então houve um progresso em particular nessa área de material composto

com o MD-11, porque apesar de nós termos feito o projeto, nós tínhamos que seguir

uma série de normas e, enfim, regras de projeto que acabaram resultando num certo

aprendizado. E já nessas parcerias (do 145), eu diria que os objetivos eram aqueles,

o objetivo não era a tecnologia. Tanto que o que houve foi até o contrário, foi a

Embraer transferindo tecnologia. No caso do 145, eu diria um exemplo típico, nós

escolhemos a Gamesa como parceiro para a asa. E a Gamesa na época

simplesmente não existia.

LEC – Não sabia fazer nada.

LCA – Não, ela não tinha essa competência e... mas por que (a Gamesa tornou-se

parceira)? Porque a Embraer estava numa situação bastante difícil, era um risco

para a Gamesa, mas era uma oportunidade. A Gamesa muito provavelmente não

conseguiria fazer uma asa para a Boeing ou para uma outra empresa. Então, havia o

risco para a Embraer de escolher uma empresa que não existia e o risco também da

Gamesa de fazer uma asa para uma empresa numa situação tão difícil quanto

estava a Embraer. Então houve uma conjunção de interesses, mas na prática o que

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ocorreu foi: a Embraer transferindo tecnologia e essa empresa ajudando a financiar

o projeto. Ela viabilizou o projeto através de investimentos, seja na sua própria parte,

sejam investimentos na parte que a Embraer tinha.

LEC – E como é que era o gerenciamento do risco de se transferir muita tecnologia e

eventualmente gerar um novo competidor aí no futuro? Existe essa preocupação?

LCA – Na verdade no caso da Gamesa houve sem dúvida a transferência de

tecnologia para a fabricação de peças, de componentes, de subconjuntos, digamos.

Mas não na fabricação de um avião. Então existe uma diferença bastante grande.

Quer dizer, a função do fabricante de avião é uma função de integrador: a

concepção aerodinâmica, a integração de sistemas, essas sim são as competências

essenciais do fabricante de aviões. E essas não foram transferidas para eles

(inaudível) de forma nenhuma. E o negócio da Embraer não é fabricar subconjuntos,

nisto não somos bons. Existem outros lugares com taxas-hora, com custo de mão-

de-obra ainda menores do que o da Embraer e com custo de capital também menor,

os países asiáticos, que então conseguem fazer esses subconjuntos de forma mais

competitiva que nós. Então o nosso core business não é subconjuntos. Na verdade

não estávamos criando um competidor.

LEC – Então quando você fala que a Embraer está fazendo muito bem a divisão de

riscos, redução de investimentos, redução da necessidade de mão-de-obra... se a

Embraer de certa forma está fazendo isso mais inovadoramente que os outros

competidores talvez possa se dizer até que, com o montante do investimento total, a

Embraer consegue investir um porcentual menor do que as parcerias de risco que a

Boeing está fazendo, as parcerias que a Bombardier está fazendo...

LCA – É... Como eu disse, eu não conheço os detalhes, não são divulgados, mas a

impressão é essa. E eu acrescentaria mais uma linha aqui (aponta para as

anotações sobre divisão de riscos, redução de investimentos e redução da

necessidade de mão-de-obra) que é a questão do mercado. Existem mercados que

se abrem quando você tem um parceiro local.

LEC – De lá.

LCA – Então existe também essa função.

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LEC – Perfeito. Agora, queria que você, Luís, falasse um pouquinho mais – na

medida do possível, pois eu sei que é algo que está acontecendo agora – do projeto

Light Jet / Very Light Jet. A minha impressão de quem está de fora é que é um

excelente projeto, mas que ao mesmo tempo não parece suficiente para manter o

crescimento da empresa no patamar que foi o crescimento do 145, 170 e 190.

Parece que é um nicho de mercado, mas que é um mercado bem menor do que o

explorado até hoje. Então queria que você falasse um pouco qual é a expectativa da

empresa com relação a esse projeto, se é o próximo big shot mesmo da empresa e

eu estou enganado, ou se não.

LCA – Na verdade, o que ocorre é que a Embraer hoje cobriu toda a faixa da

aviação regional até médio porte. Aviões menores do que o 135 não faz muito

sentido do ponto de vista de custo. Maiores do que o 195 seria enfrentar diretamente

Boeing e Airbus: alto risco. Nossa área de defesa é uma área importante, mas que

nunca terá uma escala global. Nós nunca vamos competir com a Lockheed Martin ou

com a General Dynamics. Não é um mercado livre de fato. Então a nossa principal

fronteira de expansão é a aviação executiva. Então, na verdade, Light Jets são

projetos importantes, mas eles não são os únicos na área de aviação executiva.

Então o crescimento da Embraer deverá ocorrer nesse segmento, mas não só com

esses produtos. Nós esperamos poder ao longo dos anos colocar vários, vários

produtos, vários produtos. E aí sim manter o crescimento da Embraer.

LEC – Tá. E até me chamou a atenção há pouco tempo atrás uma entrevista, acho

que do Maurício Botelho no Roda Viva (programa da TV Cultura), falando que a

Bombardier estaria fazendo uma besteira em entrar no mercado aeronaves maiores.

LCA – Alto risco. É alto risco, porque Boeing e Airbus têm um poder de fogo muito

grande. (...) Mas em bases unicamente comerciais e de mercado é um investimento

de altíssimo risco. Agora se você não precisa repagar o investimento, aí você pode

fazer um pouco mais tranqüilo (risos)

LEC – Mas quer dizer que a estratégia hoje da Embraer, então, é evitar ao máximo

possível a competição com Boeing e Airbus?

LCA – Neste momento é. Quer dizer, neste momento em que nós temos o

desalojamento do 170/190, uma sobra de recursos humanos e de recursos

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materiais, capacidade de investimento, o foco está sendo aviação executiva com

uma certa família de aviões que vão complementando o Legacy.

LEC – Entendi. Mas se for pensar, digamos, 20 anos à frente, a Embraer tem

alternativa a não competir com a Boeing e a Airbus ou é inexorável, uma hora vai ter

que partir pro campo (de batalha)?

LCA – Não sei. Essa é uma decisão que vai ter que ser tomada mais à frente, não é

(sorri)? Por enquanto existem caminhos de menores barreiras, esse é o fato. Então

por que ir pelo caminho de maiores barreiras se existem caminhos de menores

barreiras de entrada?

LEC – Tá.

LCA – Então eu diria que é uma decisão até comparativa. Acho que dizer que a

gente nunca vai entrar, eu acho que a gente não pode falar de um futuro tão distante

assim.

LEC – Perfeito. De que maneira você avalia o posicionamento competitivo da

Embraer em relação aos competidores, tanto os competidores que estão no

mercado hoje em dia, quanto os potenciais novos entrantes? Quais são as

tecnologias e as capacidades internas da empresa que fazem com que a gente

possa competir bem com os atuais e que a gente possa manter afastados os que

ainda não estão no mercado?

LCA – Eu diria que a Embraer de hoje é o resultado da mescla de duas culturas: a

cultura pré-privatização, com forte orientação técnica e tecnológica, quando se

desenvolveu uma capacidade de desenvolvimento e de produção fora de série,

muito sólida; e depois da privatização, (quando) também agregamos capacidade de

gestão, capacidade na área financeira e mesmo na área comercial que nós não

tínhamos anteriormente. Então eu diria que a Embraer ela é muito forte nessas

questões todas que, por exemplo, uma empresa nova, uma start-up, ela não tem.

Não tem nenhuma capacidade de desenvolvimento, não tem capacidade de

produção, não tem a rede de assistência técnica no mundo. Então são várias

barreiras de entrada. Qual que é a principal desvantagem da Embraer? A principal

desvantagem da Embraer é o custo de capital do lugar onde ela está. O ambiente

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em que nós vivemos no Brasil é um ambiente em que capitais para desenvolvimento

de longo prazo, financiamento de desenvolvimento e financiamento à venda são

muito escassos. E eu diria que hoje, comparativamente, a Embraer é o fabricante

pior posicionado se nós comparamos Boeing, Airbus, Bombardier, em relação a esse

quesito. Então, aí voltamos, fechamos a malha nas parcerias. Quer dizer, as

parcerias para nós no fundo (são) o caminho da viabilização dos nossos

investimentos e dos nossos programas, do nosso futuro.

LEC – Realmente se consegue dinheiro com um custo de capital menor, através das

parcerias...

LCA – É uma forma de financiar o desenvolvimento, eu acho que é uma forma pela

qual nós conseguimos financiar nosso desenvolvimento. E, é claro, se um parceiro

está financiando uma parcela do desenvolvimento, esse financiamento é feito a um

custo de capital lá de fora, dele. E, por exemplo, a gente vê aí no noticiário a... o

nosso competidor, com a intenção de lançar um competidor do 170/190, obteve US$

700 milhões, a fundo perdido, e mais duzentos ou trezentos (milhões de dólares) na

Europa.

LEC – Foi só para P&D?

LCA – São investimentos, nós não temos detalhes, mas, enfim... Agora, ainda

voltando às vantagens, eu deixei de falar algo importante: a Embraer, mais uma vez

por necessidade, nós temos... e acho até uma satisfação ver... nós temos um lean

design, lean development, lean production, que eu diria estarem num estado da arte

e nada como esse novo programa para demonstrar isso. Nós fizemos... nós estamos

terminando de fazer quatro aviões diferentes, 170, 175, 190, 195, com alguma coisa

como US$ 850 milhões, condição econômica de 99. Hoje... (em) dinheiro de hoje

seria alguma coisa como novecentos e cinqüenta (milhões de dólares). E nós vemos

lá que o cana... o nosso concorrente ele não está fazendo quatro aviões, ele está

fazendo dois modelos, e vai gastar US$ 2 bilhões. Então é um fator de quatro que

nós estamos falando.

LEC – E mais rápido, o time-to-market...

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LCA – É uma percepção... uma identificação do mercado pior do que a nossa, e um

ciclo maior do que o nosso. Então, acho que nós temos essas vantagens e, aliás, é

por isso que nós estamos aí no mercado. Apesar dessa desvantagem estrutural que

é muito grande, é muito grande.

LEC – Entendi. Aí com toda essa capacidade, digamos, lean, da Embraer, do

projeto, desenvolvimento, produção, ela acaba gerando custos menores e um time-

to-market menor. Seria mais ou menos esse o sentido...

LCA – Custos de desenvolvimento menores e um time-to-market menor.

Exatamente. E depois eu acrescentaria que nós também temos a vantagem do custo

de mão-de-obra ser menor. Também o custo de produção é um pouco menor. Mas

essa diferença grande não é feita por causa do custo de mão-de-obra. Não seria

possível, porque nem tudo é mão-de-obra. Então não é só o custo de mão-de-obra,

são também os nossos processos. É o jeito Embraer de desenvolver e fabricar os

aviões.

LEC – Ótimo. Uma coisa que parece, para quem está de fora, quem estudou, quem

leu sobre a companhia, em papers e livros, é que... bem, o foco da empresa se dá

em quatro eixos: desenvolvimento, a integração de sistemas, a pós-venda, que

envolve a assistência técnica e a questão da comercialização, que envolve

marketing, esforço de vendas, etc. É nisso que a empresa foca-se hoje.

LCA – É, eu acho que é importante dizer que aqui você tem marketing (aponta para

o eixo de desenvolvimento desenhado no papel) e aqui (aponta para o eixo de

comercialização desenhado no papel), na verdade, é outra vertente do marketing

que seria mais a promoção de vendas. Mas aqui (no desenvolvimento) tem um

marketing importante. Faz toda a diferença pra você lançar um projeto na hora certa

e com as características corretas, o marketing aqui (no desenvolvimento) é o

marketing “antes”. E aqui tem o marketing “depois”, que é pra vender, né.

LEC – A minha pergunta aqui... quer falar alguma coisa?

LCA – Não, eu ia só dizer que tem uma outra...

LEC – Tem outro eixo?

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LCA – Não, você colocou aí desenvolvimento... aqui embaixo é o que?

LEC – Integração de sistemas. Integração de sistemas, toda essa questão de

(inaudível)

LCA – Ah, então integração de parceiros?

LEC – Exatamente.

LCA – Porque integração de sistemas está dentro de desenvolvimento...

LEC – Tá.

LCA – Integração de sistemas, integração de estruturas, ensaio em vôo, isso tudo

está em desenvolvimento. Existe a integração dos parceiros...

LEC – Perfeito. Que é mais a questão de gestão...

LCA – Mais que a questão de gestão. Existe a integração da máquina, a integração

dos parceiros de negócios. Não sei se é assim que você escreveu aí.

LEC – Isso. Perfeito.

LCA – Depois, não sei onde apareceu aí (no papel) a produção.

LEC – A produção... tá. Então seria um quinto eixo.

LCA – Você tem que introduzir. É uma questão importantíssima – o nosso negócio é

complexo –, mas tem também o financiamento. Talvez você queira colocar dentro da

comercialização. Mas é preciso financiar. Quer dizer, é uma das capacidades que é

preciso ter para financiar... mas você ia fazer uma pergunta.

LEC – É o seguinte: uma boa parte dessas competências, pelo que eu entendi,

foram adquiridas de acordo com as parcerias que aconteceram. Por exemplo, a

questão da assistência técnica, pelo que eu li... você não estava ainda na empresa,

mas deve saber muito bem... foi adquirida com o projeto do Xavante, quando

adquiriu todo um aprendizado de como é que a Macchi fazia a assistência técnica e

pós-venda pros clientes.

LCA – Olha, a Macchi foi principalmente produção...

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LEC – Produção. Também.

LCA – ... foi o aprendizado. Alguma coisa de assistência técnica, mas eu acho que

nossa maturidade na assistência técnica veio depois. Porque é muito difícil, é muito

diferente você fazer assistência técnica, por exemplo, num cliente militar no seu

país. E, agora, você fazer assistência técnica no mundo, (em) vários clientes, então

eu diria que nós começamos com o Brasília e eu diria que adquirimos uma

maturidade com o 145. E como o 145 possui uma frota muito mais espalhada no

mundo, muitos na Europa, muitos nos Estados Unidos...

LEC – E hoje a assistência técnica da Embraer é reconhecidamente boa...

LCA – Ela é boa.

LEC – É boa.

LCA – Ela é boa. É difícil, enfim, de ser implementada. Nós temos um desafio agora,

eu tenho esse desafio, na área de aviação executiva. Nessa nova fronteira que nós

estamos abrindo, teremos que nos capacitar novamente pra um desafio que é

diferente: o suporte ao cliente individual, que não tem rotas pré-determinadas, pré-

definidas. Então é uma assistência técnica diferente. Eu diria que nossa assistência

técnica está boa, mas nós temos que nos readaptar agora com esse novo foco.

LEC – Tá. Outra coisa que eu aprendi também foi que a questão da comercialização,

essa questão de marketing, esforço de vendas, foi muito forte também na parceria

com a Piper, na década de 70. Parece que toda a estrutura de vendas da Embraer

foi montada inspirada na parceria com a Piper. Não sei se você é dessa época...

LCA – Eu não sou dessa época. Pergunta pro Satoshi, pergunta pro Satoshi. (risos)

LEC – Tá.

LCA – Eu não saberia dizer.

LEC – Não, tudo bem. Mas no que eu quero chegar é o seguinte: toda essa questão

do desenvolvimento e da integração de sistemas que vem de diversas empresas,

como se fosse uma montadora de automóveis, onde é que isso foi desenvolvido ao

longo da história da empresa?

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LCA – Isso foi desenvolvido, eu diria, pelas nossas equipes para enfrentar desafios.

E eu diria que os dois desafios que ocorreram simultaneamente em que a Embraer

deu um salto quântico na sua capacidade de integração foi no Brasília e no AMX.

Foram dois projetos que ocorreram simultaneamente nos anos 80, início dos anos

80. O Brasília foi o primeiro avião PART 25, ou seja, requisitos realmente complexos

e de alto nível quanto à integração, análise de falha, análise zonal, que significa, do

ponto de vista instalativo... se você for ver, tanto do ponto de vista funcional quanto o

instalativo, a Embraer pôde aprender muito. A Embraer enviou engenheiros para

fazer cursos no exterior, em universidades de renome, sobre, como fazer, por

exemplo, análise de falhas, coisas deste tipo. E o AMX, que ocorria

simultaneamente, também foi um avião no qual a Embraer aprendeu a fazer

integração de sistemas com um software em tempo real, quer dizer, a Embraer

desenvolveu software embarcado, com processamento em tempo real. Então toda a

parte de pontaria de armas do AMX foi feita pela Embraer rodando em computador

feito por terceiros, hardware feito por terceiros, mas o software feito pela Embraer.

Então, foi adquirida toda uma tecnologia de desenvolvimento, de certificação e

testes e de integração com vários outros sensores. Então, você imagina... eu tive a

oportunidade de participar um pouco (desse projeto). Antigamente, na II Guerra

Mundial, como você soltava uma bomba? Você vinha com o avião num ângulo

constante, colocava ali na mira, tava na mira, solta, e vai lá, então tinha um...

chamava-se colimador, que calculava a trajetória que a bomba faria, então ele

apontava para aquilo. Só que você imagina como era fácil abater um avião vindo

numa reta constante. Então, por exemplo, o AMX tem um sistema de pontaria de

armas em que o avião pode entrar variando velocidade, trajetória, o que for, puxando

G, que ele (o sistema) fica em tempo real calculando o ponto de impacto. Então você

poder vir numa manobra evasiva, fugindo de mísseis e, no que for o momento em

que ele (o avião) passar em cima, se soltar a bomba, vai lá. Então você imagina a

capacidade que tem que ter de cálculo em tempo real e de integração. Porque esse

computador não está só fazendo conta, mas ele está fazendo aquisição de dados:

qual é a velocidade, qual é o fator de carga, qual é a altitude, qual é a distância do

solo. Então, eu diria que ambos os programas tiveram rigs de integração. O Brasília

teve um rig de integração principalmente mecânico, elétrico, hidráulico, e o AMX teve

um rig de integração eletrônico, aviônica, todos esses sistemas. A maioridade de

integração de sistemas da Embraer foi nesses dois programas. Isso depois só

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cresceu, eu diria que culminou no 170, que é um programa enorme, muito desafiador

do ponto de vista de integração de sistemas, com o avião fly-by-wire, de aviônica

totalmente integrada.

LEC – Tecnologicamente, o 170/190 é um avião...

LCA – Estado da arte. Estado da arte. Hoje não tem um avião com o mesmo nível de

integração, o mesmo nível de avanços tecnológicos que o 170/190. Quando o A380

e o 787 estiverem certificados, vão ter mais dois no mercado. Mas o 170, hoje não

tem pra ninguém, não tem pra ninguém.

LEC – O 145 era simplesinho ao máximo, né?

LCA – O 145 ele foi um avião mais simples, foi um avião simples até em função da

situação que vivíamos.

LEC – Deixe-me ver se há mais alguma coisa... como é que está de hora aí?

LCA – Não, beleza. Mais um pouquinho dá pra agüentar.

LEC – Há um comentário que eu queria fazer também. Até que ponto as alianças

passadas da empresa... quer dizer, a primeira vez que a empresa fez, como você

falou, parceria de risco pra valer mesmo foi no 145, não foi? Até que ponto as

alianças passadas da empresa, as parcerias passadas da empresa mesmo não

sendo risk-sharing contribuíram pra esse programa 145 e essa gestão do...

LCA – Acho que contribuíram bastante. O AMX foi um ensinamento grande de

parceria. Está em outro modelo. Não é exatamente uma parceria de risco, mas foi

uma parceria no desenvolvimento e depois na produção. E as parcerias do flap do

MD-11, acho que elas, sem dúvida... sem dúvida com elas se aprendeu muito: como

se relacionava com o parceiro, questão contratual, questão da gestão.

LEC – Agora eu pergunto: por que o AMX não seria uma parceria de

compartilhamento de risco se a Aeritalia, a Macchi e a Embraer entraram cada uma

com sua parte do investimento?

LCA – Não, você pode chamar assim...

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LEC – Pode chamar assim...

LCA – ... mas a diferença que existe é que no AMX houve uma parceira entre

construtores de avião...

LEC – Tá.

LCA – ... e o que nós chamamos de parceria de risco é uma parceria entre o

construtor do avião e fornecedores ou de subconjuntos ou de sistemas, é diferente.

Lá você pode dizer que é uma parceria para desenvolvimento e produção. O que

nós realmente chamamos de parceria de risco... qual que é a definição da parceria

de risco? É alguém que investe num projeto e corre o risco de mercado. Por que

antigamente, muitos anos atrás, quando se começava a fazer um avião, e você

chamava alguém pra desenvolver um, por exemplo, trem-de-pouso, esse fabricante

falava: “olha, eu desenvolvo o tempo todo. Faço todo esse investimento aqui, são

vários milhões de dólares. Porém eu quero que você me garanta que vai me

comprar no mínimo 100 unidades”. E aí, então, quem acabava correndo todo o risco

de mercado era o fabricante do avião, que tinha que contratar um fornecedor de

equipamento. A mudança que houve com a chamada parceria de risco é uma

oportunidade de “você vender seu trem-de-pouso. Em cima dele, você investe no

seu desenvolvimento. Se vender, vendeu. Você está levando seu retorno, eu o meu,

mas o seu retorno está embutido no preço do equipamento: eu não vou lhe garantir

uma compra mínima”. Ou seja, o fabricante do equipamento corre junto com o

fabricante do avião o risco comercial, tem que acreditar que aquele avião terá

sucesso no mercado. Só através de sucesso no mercado é que ele obterá o seu

retorno. Então, é um pouco diferente de quando você pega dois fabricantes se

dividindo pra fazer um... é também uma parceria, que também está diminuindo o

risco, mas é um...

LEC – Um conceito diferente...

LCA – É um conceito diferente.

LEC – Luís, você participou do MD-11, dos flaps?

LCA – Não.

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LEC – Não.

LCA – Nesse eu não tive participação nenhuma. O Satoshi conhece um pouco.

LEC – Conhece, né.

LCA – ... ele participou. Eu não... realmente, nesse eu não tive participação

nenhuma.

LEC – O principal conhecimento nele foi material composto, né? Pelo que eu li...

LCA – Eu diria que é material composto e eventualmente sistemas de gestão

também.

LEC – Tá. Material composto é hoje o know-how, que gera uma vantagem

competitiva sustentável mesmo? Evita que empresas que não sabem mexer com

material composto entrem e tenham uma aeronave operacionalmente eficaz?

LCA – Olha, o material composto é uma vantagem competitiva e você pode ver que

aviões aí mais recentes, como o 787, o A380, estão usando um percentual maior de

material composto. Inclusive em estruturas até inusitadas: o 787 vai ter o tubo da

fuselagem de (material) composto. Aliás, existem aviões menores que tinham isso. O

Premier, os jatos executivos pequenos. Mas é um first, num avião daquele tamanho,

toda a fuselagem em composto. Então, é uma vantagem competitiva. Mas eu

realmente acho que a principal barreira de entrada de um novo fabricante é o

conjunto das coisas, porque a nossa indústria é tão complexa que é preciso ser forte

em todas essas facetas que você desenhou ali há pouco. E então não é uma (única)

barreira de entrada, eu diria que é o conjunto.

LEC – Tanto que os japoneses estão aí há trinta anos tentando...

LCA – E eles, por exemplo, até têm tecnologia: metal, material composto, disso,

daquilo. A questão é você ter a tecnologia da integração, você verificar o mercado,

bolar um produto, depois ser bom em tudo: na produção, no suporte, no

financiamento de venda. Eu diria que essa é a principal barreira de entrada.

LEC – Tá. Só pra já terminar: e as parcerias com a Boeing de que você falou, os

contatos com a Boeing, você participou deles?

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LCA – Não. Eu não participei desses subconjuntos.

LEC – Só sabe de ouvir falar, né?

LCA – É. O Satoshi eu acho que participou sim.

LEC – No que é que o Satoshi não participou, né?

LCA – É, participou de tudo (risos). Aliás, você explore bastante o 145 com ele,

porque ele foi o mentor aí das parcerias. Ele foi realmente o ...

LEC – A idéia das parcerias de risco...

LCA – Ele foi um grande puxador, ele foi um enorme puxador. Claro, eu gosto de

dizer que na nossa indústria não tem nada que tenha sido feito por uma pessoa só.

Por mais que acabe significando (o trabalho da pessoa). Mas é sempre um trabalho

de equipe, então existem várias outras pessoas que escreveram, contribuíram, mas

o Satoshi foi uma pessoa-chave.

LEC – Certo. A Bombardier, no CRJ-200, o competidor do 145, eles fizeram também

com parceria de risco?

LCA – Não.

LEC – Não. Agora essa nova família deles, que vai competir com os nossos (190 e

195), eles pretendem, não é?

LCA – (Assente com a cabeça)

LEC – Entendi. E já teriam sido indicados quem serão os parceiros deles? Ainda

não...

(Nesse momento a fita é interrompida. O Sr. Luís Carlos Affonso responde que ainda

não são conhecidos os parceiros da Bombardier no programa CSeries 110 e

CSeries 130. É a última resposta. A entrevista é encerrada.)

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APÊNDICE B – Entrevista concedida pelo Eng. Satoshi Yokota, Vice-Presidente

Executivo de Desenvolvimento e Indústria da Embraer

Data: 22/07/2005, sexta-feira

Luis Eduardo Coelho – Primeiro, para começar, como a dissertação é a respeito das

alianças estratégicas, gostaria de saber quais foram os projetos em que o senhor

participou ao longo da sua história aqui na Embraer. De que projetos o senhor

participou desde o começo da empresa?

Satoshi Yokota – Participar eu participei de praticamente todos: Bandeirante, Xingu,

Tucano, AMX...

LEC – O senhor começou aqui como engenheiro mesmo?

SY – (Assente com a cabeça)

LEC – Qual era a área?

SY – Sistemas.

LEC – Mesma área que o senhor Luís Carlos, não é?

SY – É.

LEC – OK. Primeiro eu queria saber o seguinte: o senhor participou do projeto

Xavante?

SY – Ah, o projeto Xavante não foi um projeto, foi absorção de conhecimento de

produção, porque foi comprada a licença de fabricação mesmo.

LEC – Foi comprada a licença, não é?

SY – Não, foi contratada. Não sei exatamente (se foi) comprada, mas em troca de

fornecer material, sei lá, não sei exatamente, mas houve transferência do know-how

de industrialização.

LEC – Entendi. (Então o) principal conhecimento adquirido nessa parceria foi o

know-how de fabricação, de produção...

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SY – Não, na realidade é um pouco mais complexo. Como foi o primeiro grande

projeto estruturado, serializado de que a Embraer cuidou, ele serviu de inspiração

para estabelecer uma série de processos, normas, procedimentos, que a Embraer,

originária de um instituto de pesquisa, não dominava, e nunca teve como objetivo...

sobre definição de produto, como fazer a fabricação, controlar a ordem de fabricação

e qualidade.

LEC – Entendi. E com relação à parceria com a Piper, o senhor participou dessa

também?

SY – A parceria com a Piper... Como o Xavante era um projeto basicamente militar,

de treinamento militar, ele tinha características de produto militar, que em geral são

um pouco mais sofisticados, mais complexos e mais caros. E o projeto Piper fez um

contraponto, porque era um avião muito mais barato, dentro de aviação geral,

monomotor/bimotor, produzido em larga escala e tem que ter preços muito menores.

Então a forma como isso é feito serviu de contraponto aos processos do Xavante. É

um equilíbrio e nos dá a perspectiva de como otimizar as coisas conforme a

necessidade.

LEC – Entendi. Um pouco pelo que eu li a Piper teria sido muito importante na

aquisição de know-how de comercialização de aeronave, força de venda, etc. Isso

daí é fato, ou não é tanto assim?

SY – Não sei. Aí eu não sei se foi um bom exemplo não. Familiaridade, sem dúvida

deu.

LEC – Tá. O engenheiro Luís (Carlos Affonso) pediu para eu focar muito no senhor a

respeito do projeto 145. Imagino que talvez foi o projeto do qual o senhor tenha

participado que mais o orgulhe. Então, queria saber um pouco do senhor, com

relação ao 145, primeiro que o senhor falasse a respeito dele e segundo de que

forma a Embraer faz hoje em dia esses projetos de cooperação industrial com outras

empresas diferentemente de outros players do mercado... esta questão de

compartilhamento de risco, tudo isso.

SY – Esse conceito de parceria de risco, compartilhamento de risco, na realidade

não é um... ovo de Colombo. Isso existe em vários graus de intensidade de

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306

aplicação. O que eventualmente a Embraer fez foi elevar o patamar de envolvimento

dessas empresas. Acho que poucos projetos anteriores foram feitos com um grau de

parceria de risco desse tipo. Há e houve projetos com parcerias, mas parcerias mais

equilibradas, em que duas ou três empresas se juntam. Por exemplo, o AMX...

LEC – O AMX...

SY – O AMX, (com) Embraer, Alenia e Macchi. Então temos três parceiros

relativamente equilibrados e que em conjunto fazem o produto. O ATR também.

Então isso existia muito. Ou existia o modelo em que o dono do produto, Boeing,

Airbus, faz a aeronave e eventualmente passa algumas coisas para parceiros que

investem a risco. Na Embraer, no 145 especialmente, o volume de atividades

passadas para parceiros de risco é que foi muito maior, inclusive coisas que talvez

fossem incomuns até a época, como, por exemplo, a asa do avião.

LEC – Entendi. E isso daí se mantém hoje em dia. Hoje em dia nas parcerias de

risco da Embraer os parceiros são muito mais envolvidos do que nas parcerias de

risco de outros players do mercado?

SY – Eu não diria que hoje é tão marcadamente dessa forma. A Bombardier, a

Boeing já usam parcerias com um patamar muito alto. Por exemplo, a Boeing nesse

último avião, 787, cerca de 1/3 do avião, do projeto, foi passado para parceiros

japoneses. E ainda tem outros, né. Tem Alenia e Vought. Então, eu não sei

exatamente qual é o percentual de parcerias que a Boeing usa no 787, mas eu acho

que é da mesma ordem de grandeza que nós estamos fazendo.

LEC – Entendi. A Bombardier usa bastante parceria de risco hoje? No CRJ-200 eles

não usaram não, né?

SY – No CRJ-200 não. Mas no 700, eles passaram um bom pedaço. Por exemplo, a

asa do CRJ-700/900, é, se não me engano, (da) Mitsubishi, do Japão.

LEC – Mitsubishi, tá. De uma maneira geral, o que o senhor acha que diferencia a

Embraer da Bombardier hoje em dia? Quais são as principais vantagens

competitivas da Embraer em comparação com a Bombardier e vice-versa?

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SY – Bom, eu acho que hoje são os produtos, a estratégia de produto adotada. Hoje,

a situação de ambas é diferente basicamente por decisões de qual tipo de produto

fazer. Eles escolheram esticar o CRJ-200. No curto prazo foi uma decisão sensata,

deu resultados, mas na medida em que os 170/190 chegaram ao mercado com

características – eu não vou dizer superiores – mas bem diferenciadas em relação

ao CRJ-700/900, eles viram seu horizonte muito limitado.

LEC – Entendi. A estratégia deles foi mesmo de esticar ao máximo, né? O próprio

CRJ-200 já é esticado, né?

SY – É. O (CRJ-)200 é uma modificação do (CRJ-)100 e o (CRJ-)100 é o Challenger

esticado.

LEC – Perfeito. Outra pergunta: o senhor chegou a citar a questão da (competição

com a) Boeing e a Airbus. Hoje em dia a estratégia da Embraer é não competir com

estas empresas? Eu pergunto até porque eu vi uma entrevista do Maurício Botelho

em que ele fala que a Bombardier estaria fazendo algo errado, que é entrar no meio

dessa briga (entre Boeing e Airbus).

SY – Sem dúvida não é bom entrar na briga de cachorro grande, né.

LEC – Mas hoje em dia, a Embraer... o próprio projeto Light Jet / Very Light Jet seria

uma forma de não precisar lançar famílias com capacidade de passageiros maior de

forma a (evitar) competir com Boeing e Airbus...

SY – Não, essas coisas são independentes. Querer ou não enfrentar cara-a-cara

com o mesmo tipo de produto a Boeing e a Airbus é uma decisão que está tomada,

não faz sentido e só muda se a Embraer adquirir um porte muito maior, costas

quentes e o Brasil adquirir força política. Então, hoje ela não faz sentido. Agora, o

Very Light Jet ou o Light Jet é uma estratégia de crescimento da empresa num outro

nicho de mercado.

LEC – Entendi.

SY – Poderia ser simultânea. Uma coisa não invalida a outra.

LEC – Mesmo em questão de capacidade de investimentos?

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SY – Não, aí é claro que pode haver uma limitação.

LEC – O Very Light Jet e o Light Jet têm condição de manter o crescimento da

empresa, que começou no 145 e agora nos 170/190, ou não, é uma estratégia de

nicho mesmo, “vamos nos aproveitar daquele nicho porque ele é um nicho”...?

SY – Não, ele estabeleceu um novo patamar, a entrada num outro tipo de mercado,

e a Embraer pretende ir acrescentando outros jatos executivos, aumentando seu

portfolio.

LEC – Entendi. A idéia, então, seria ampliar dentro do nicho de jatos executivos. Isso

por si só seria um projeto que talvez levasse a Embraer a um outro patamar de

tamanho. O senhor mesmo falou que o tamanho seria um critério de decisão para,

eventualmente, no futuro se decidir a competir com a Boeing, com a Airbus, e

encará-los, não é?

SY – É, sem dúvida. Mas aí, não é só isso, quer dizer...

LEC – Sim...

SY – Ainda faltaria muito. A Embraer não tem condições perceptíveis de poder

chegar a equiparar-se com uma empresa de vinte e cinco, trinta bilhões de dólares.

Nem no sonho mais utópico sobre aviação executiva não vamos chegar lá. Vamos

chegar, sei lá, a sete, oito bilhões (de dólares), não sei.

LEC – Outra pergunta: de uma maneira geral que tipo de vantagens competitivas o

senhor vê que a Embraer teria hoje em dia contra potenciais novos entrantes? Com

relação à própria Bombardier o senhor já falou um pouquinho, dos nossos

diferenciais com relação a ela... Com empresas que eventualmente venham a tentar

entrar no mercado regional ou mesmo...

SY – Tipo China, Rússia?

LEC – Exatamente.

SY – Bom, depende da complexidade do produto. Se forem aviões micro-jato, Very

Light Jets, empresas de pequeno porte têm chances de fazer alguma coisa e

lentamente abrir um espaço no mercado. Agora, pra fazer jatos do porte do 170/190,

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nós estamos falando de investimentos muito substanciais, da ordem de um bilhão,

um bilhão e meio, dois bilhões de dólares, que já não são pequenas empresas que

podem, que vão conseguir cacifar isso, certo? Agora, na Rússia, na China, poderão?

Poderão, sem dúvida. Agora, criar toda a bagagem, toda a experiência, todo o know-

how, pra poder desenhar, fabricar o produto bem ajustado ao mercado, requer um

pouco de experiência acumulada. Então, isso aí não deve acontecer... Um

minutinho... (é interrompido por uma ligação de celular). Então...

LEC – Competência acumulada...

SY – ... não há dúvida que competência de engenharia, a capacidade, ela pode ser

juntada ou ter internamente dentro de um país ou também importada. A questão é

conseguir fazer isso se tornar um empreendimento viável como negócio. Bom,

nesses países, não necessariamente teria que ser um negócio viável

economicamente...

LEC – Verdade, pode ter subsídio.

SY – ... mas, mesmo assim, leva ainda algum tempo pra eles poderem se tornar

competitivos.

LEC – A gente transfere tecnologia pra Harbin (empresa chinesa parceira da

Embraer em JV para produção de ERJ-145 na China), não?

SY – Não diretamente. Alguma coisa sempre existe. Tem na linha de montagem,

mas não há dúvida que quem trabalha muito perto de um produto acaba aprendendo

muita coisa.

LEC – Por osmose, né. Nem que seja por osmose.

SY – Por osmose.

LEC – Tá. O senhor falou que, realmente pra tentar competir com a Embraer hoje

em dia, demandaria um certo know-how acumulado ao longo dos anos. Esse know-

how ele se manifesta principalmente em que coisas que a empresa faz hoje em dia,

em que tópicos? Quer dizer, a questão de desenvolvimento eu imagino que seja

uma, integração de sistemas é uma competência-chave pra empresa também?

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SY – Hoje nós temos cerca de três mil engenheiros. Então, existem pessoas que

entendem de quase todos os aspectos de um avião: pneu, trem-de-pouso, luzes,

materiais metálicos, não metálicos, integração, aviônica, displays, interface homem-

máquina, tudo isso. Então, o problema é você ter as competências individuais, a

experiência acumulada sobre o que dá certo, o que não dá certo, o que dá encrenca,

e a gestão dos conjuntos. São os maestros que vão fazer a orquestra funcionar. Isso

daí significa não só pessoas, mas também processos. Você precisa ter uma pauta

de cinco linhas, com a escrita da música, que todo mundo leia e entenda. E isso não

nasce do céu. Você precisa criar o código e ensinar todo mundo a ler e saber qual o

tempo. Não necessariamente se você juntar dois mil engenheiros você vai conseguir

fazer a coisa. Você, sem dúvida, vai fazer a coisa aos pedaços, mas não

necessariamente vai funcionar como um conjunto harmônico.

LEC – Perfeitamente. Sendo um pouquinho mais específico agora em relação a

algumas alianças que a empresa já fez, o senhor participou por acaso do projeto

com a Sikorsky, que adquiriu...

SY – Um pouquinho, sim.

LEC – Um pouquinho?

SY – (Assente com a cabeça)

LEC – Pelo que eu li, o que foi muito bem adquirido foi a questão de usinagem

química. O que teria permitido à Embraer...

SY – Não, aí tem várias fases, vários Sikorsky. O Sikorsky do passado...

LEC – Ah, década de 70.

SY – ... foi, sem dúvida, usinagem química, e mais alguma coisa que não lembro.

Mas isso foi, sei lá, 30 anos atrás, certo?

LEC – Certo. Pelo que eu li, a tecnologia de usinagem química foi o que permitiu à

Embraer começar a pensar em aeronaves pressurizadas, (como) no Brasília, por

exemplo.

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SY – Ela ajuda, mas ela não é tecnologia muito difícil. De novo é uma questão de

controle do processo. Por exemplo, o controle da temperatura, das propriedades

químicas do tanque, dos fornecedores de quem você pode comprar o produto de

ataque, qual o nível de qualidade de pureza que você precisa. Isso não está no

livro...

LEC – Certo.

SY – ... certo? Isso você apanha, apanha, você vê que não consegue, está dando

desvio, até você chegar: “peraí, o fornecedor ABC fornece produto que tem 99% de

pureza e que dá o resultado que a gente precisa”.

LEC – Perfeito. E a usinagem química hoje em dia então não é uma vantagem

competitiva da Embraer? Quer dizer, as outras empresas sabem fazer...

SY – Não, eu podia ir ao mercado e comprar.

LEC – Podia tranqüilamente, não é?

SY – Existem empresas no mercado que fazem. Agora, é claro que do ponto de vista

logístico, não é pegar, cortar a chapa, mandar pra um fornecedor pra fazer usinagem

química, trazer, etc. Aí complica sensivelmente. Então todos aqueles que fazem

peças com chapa e em que faz sentido usar, fazer usinagem química, têm que ter

esse trabalho. Nós temos aqui, a Embraer em São José dos Campos, os nossos

parceiros, Latécoère, Gamesa, etc., todos eles também têm.

LEC – Não é uma coisa...

SY – Não é muito diferente de você ter que saber furar e rebitar, quer dizer, hoje em

dia já se tornou um know-how tipo commodity, você tem que ter. Não é trivial, mas

também não é... (neste momento o Sr. Satoshi Yokota é interrompido pela

secretária). Pode falar.

LEC – Outra tecnologia específica que foi adquirida foi no MD-11, a questão de

material composto. Essa daí é um diferencial ou não também?

SY – É, hoje...

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LEC – Já “commoditizou” um pouquinho mais...

SY – É, hoje existem vários patamares de conhecimento (de materiais compostos).

No patamar, digamos, para o nosso arroz e feijão, nós estamos bem. Agora, nós não

temos o know-how que permitiria, por exemplo, fazer um 787, que é uma fuselagem

em (fibra de) carbono. Aí é outro patamar, outra história, outras tecnologias, outros

autoclaves, outros...

LEC – Agora, a Boeing vai levar pra frente mesmo o 787? Porque eu lembro que a

Boeing primeiro fez aquele avião lá...

SY – Sonic Cruiser.

LEC – ... é, o Sonic Cruiser, que me pareceu mais um blefe, que não saiu nem do

papel na verdade. O 787 então está bem mais adiantado, né.

SY – É, na realidade o Sonic Cruiser nasceu numa outra fase, em que a demanda

era crescente e o mercado exigia transporte melhor, mais rápido e o combustível

não era tão caro. Aí as pressões de custos passaram (a ser) muito fortes e o

petróleo subiu do patamar de 20 para 50, 60 dólares, o que inviabilizou o Sonic

Cruiser. O Sonic Cruiser sem dúvida não seria eficiente em consumo de

combustível.

LEC – Entendi. A Boeing teria então a capacidade para produzir a aeronave mesmo

esta sendo transônica?

SY – É, eu acho que tem...

LEC – Pelo que eu aprendi no ITA eu acho muito estranho uma aeronave transônica

funcionando, ser economicamente viável, mas...

SY – É, se você olhar...

LEC – No meio daquela curva de arrasto lá no pico...

SY – ... o 47 (Boeing 747) ainda é um dos aviões que voam com um (número de)

Mach mais alto: a ponto oito sessenta e pouco (Mach 0,86)...

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LEC – Tá. Outra capacidade específica sobre a qual eu li e que a empresa teria

adquirido foi com a Boeing e aconteceu na época em que a empresa (Embraer)

estava numa situação financeira ruim. Então fez algumas parcerias para fornecer

estruturas para o 747 e para o 767 e, pelo que eu li, ela teria adquirido tecnologia de

mecânica fina, de robótica.

SY – Ah, isso é um pouco... sem dúvida, qualquer objeto que a gente fabrique pra

outra empresa, você acaba aproveitando alguma coisa. Sem dúvida, esses produtos

para o 74... 75... 767, 777, tinham requisitos específicos, inclusive sobre processos,

acabamento, proteção superficial, as normas são diferentes, e você acaba tendo a

exposição a essas diferentes normas, com possibilidade de escolher o processo que

você quer adotar.

LEC – Pras suas aeronaves...

SY – É. E para aquele tipo de aplicação, porque não necessariamente se usa o

mesmo processo para qualquer área, então todas essas parcerias indiretamente

sempre trouxeram algum ganho de processo.

LEC – Perfeito. Falando agora do segundo Sikorsky, o S-92 Helibus, a Embraer

participou dele como risk-sharing partner ou foi somente como fornecedor?

SY – Não, foi parceiro.

LEC – Foi então a primeira vez em que a Embraer utilizou... quer dizer, não num

projeto liderado por vocês, mas participou de um projeto...

SY – Não, no MD-11 também houve uma certa (parceria de risco)...

LEC – Ah, é?

SY – É. Claro que o envolvimento... o que a gente pode dizer (se é) parceria de risco

ou não, é questionável, certo?

LEC – Não é preto no branco.

SY – Não é preto no branco, mas...

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LEC – Tá. De onde é que foi que surgiu a idéia de fazer compartilhamento de risco

para o 145, especificamente? Foi uma necessidade, o projeto não sairia sem o risk-

sharing ou...

SY – A idéia tinha sido desde o começo, quer dizer, já em 89, 90, quando se falava

em 145, já se falava em arranjar parcerias de risco, porque a Embraer já não tinha

mais fôlego em 89, 90...

LEC – Em 89, 90 já tava ruim a situação...

SY – Já tava ruim e o governo que era o principal acionista não tinha condições de...

LEC – ... injetar capital.

SY – ... injetar capital pra fazer um programa desse tipo. Você vê, o Brasília já tinha

sido parcialmente custeado por fundos próprios e o 123 (CBA-123) foi todo ele com

fundos próprios e deu no que deu, quer dizer, captar dinheiro a custo de banco

comercial pra fazer um projeto de longo tempo de maturação e de recuperação é

suicídio absoluto. Então, não havia essa experiência. Mesmo entre pessoas que não

têm mentalidade empresarial – porque quem dirige uma empresa estatal em

princípio não tem que ter essa cultura – dava para perceber que não dava, o custo

do dinheiro matava. Então, arranjar parceria de risco era vital. Sem parceria de risco

não havia condições de construir.

LEC – E, na verdade, mesmo com parceria de risco no começo não teve como fazer.

Teve que esperar ser privatizada até para a Embraer poder investir a sua parte...

SY – Não, não, mais ou menos. Quer dizer, mesmo na fase de pré-privatização o

governo, bem ou mal, mantinha a empresa “viva”, quer dizer, mais ou menos

pagando a folha (de pagamento). Então esse pessoal estava trabalhando e indo à

frente. Claro que a velocidade era muito menor porque investimentos, despesas

especiais, é (tudo) muito difícil. Mas a Embraer estava indo. Claro que ganhou muito

mais foco depois da privatização.

LEC – Perfeito. O 145 era uma aeronave bem simples tecnologicamente falando,

não é?

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SY – Não, não é tecnologicamente bem simples. Ele já tem aviônica integrada, tem

perfil de asa avançado e sistemas de controle de vôo, bordo, ar-condicionado, etc,

bastante avançado, para o tipo de avião que nós estamos falando.

LEC – Certo.

SY – Ele sem dúvida era muito mais avançado que o Brasília, Xingu, etc. E usou

muito do que foi aprendido fazendo o 123, que apesar de ter sido um fracasso no

negócio...

LEC – Comercial...

SY – ... no negócio, ele fez todo mundo se dedicar a gerar as tecnologias. Você é

engenheiro o que?

LEC – Aeronáutico.

SY – Aeronáutico, não é? Por exemplo, a asa do 123 já tinha shot-pinning e o perfil

da asa do 123 era muito bem calculado em CFD (computational fluid dynamics). A

parte de cockpit, de aviônica, é integrada. Quer dizer, muitas daquelas coisas,

apesar de não ter vendido bem, elas serviram de aprendizado para o pessoal que

veio a fazer o 145.

LEC – Entendi. Tecnologicamente o 123 é state-of-the-art para a época dele? Ele

era muito bom tecnologicamente, em comparação...

SY – É. Não sei se muito bom. Mas era bom. (Um) turbo-hélice que fazia 350 nós

naquela época, possuía (propulsão) pusher... Só dominar a tecnologia de hélice

pusher foi um negócio...

LEC – Não é trivial não. Quando chegou a época do 145, todas essas capacidades

mais técnicas, tecnológicas, aparentemente tinham sido desenvolvidas muito bem ao

longo da história da empresa. Mas quando a Embraer adquiriu essa capacidade de

gerenciar todos esses parceiros, essa rede internacional de parceiros, que funcionou

tão bem no projeto 145? Essa capacidade veio de aprendizado nos projetos

anteriores, o AMX...

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SY – É, eu acho que uma coisa é a experiência prévia, porque a Embraer bem ou

mal já tinha feito vários projetos de cooperação, por exemplo o CBA-123, com a

Argentina; o AMX, com Alenia e Aermacchi; já tinha feito o projeto de

industrialização do Tucano no Egito; na Irlanda (com Short Brothers)... quer dizer,

esses trabalhos em cooperação a gente já dominava um pouco. E aí, a necessidade

é mãe... enfim, você...

LEC – Aprendeu muito na hora também. Entendi.

SY – É claro que, ao montar os esquemas, talvez tenha tido sorte, mas a gente

estudou todos os contratos de serviços, por exemplo, da Douglas, (no projeto) MD-

11, pra ver qual o padrão, como é que faz isso ou aquilo. Então o fato de ter feito

esses outros programas também serviu de base pra ver como que faz essa gestão.

LEC – Perfeito. Uma coisa que parece, quando a gente fala de Boeing, Airbus, é que

as parcerias deles são do tipo “bem, você é meu parceiro, deixa eu te ensinar aqui”,

aí transfere a tecnologia (pro parceiro) e este produz. E a Embraer aproveitou muito

disso nas parcerias que fez. Teve muito conhecimento adquirido nessas parcerias.

Hoje em dia a empresa previne-se com relação à transferência de tecnologia para as

outras empresas parceiras? Isso preocupa a empresa ou não exatamente? Enfim,

há uma transferência real de tecnologia e isso preocupa a empresa?

SY – Há uma transferência. Os projetos da Embraer sem dúvida servem de escola

para muitas empresas, a gente sabe disso e não tem como evitar. Você pega um

parceiro A para fazer, digamos, o trecho 2 da fuselagem: eles botam 10 engenheiros

experientes e 30 novinhos. Esses 30 novinhos vão (absorver know-how através de)

on-the-job training, certo? E, inclusive, como vão estar integrados com a gente, vão

ver como é que a gente faz (o produto), como é que a gente faz o relatório, tudo isso

acaba sendo...

LEC – Entendi. Acaba aprendendo. Mas eu estou perguntando isso especificamente

por uma impressão que me deixou essa questão de transferência de tecnologia: por

exemplo, no 145, a Gamesa era a empresa que fazia a nossa asa, que é uma parte,

vamos dizer, crítica de uma aeronave. No 170/190 ela já não está (fabricando a asa).

Então, eu não sei se isso foi deliberado, “opa, vocês estão aprendendo muito”...

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SY – Não, não.

LEC – Isso aí não, a princípio...

SY – Ao mesmo tempo é uma questão de competitividade do negócio, quer dizer,

eles tiveram oportunidade de entrar na concorrência e perderam.

LEC – Entendi. Pra parte da asa, né? Quem é que faz a asa do 170/190?

Latécoère?

SY – É a Kawasaki.

LEC – A Kawasaki. Tá. Perfeito.

SY – Agora veja, você falou em transferência de tecnologia. No caso da Gamesa foi

um exemplo bem diferenciado. Não são só eles: há a Sonaca e várias outras. Era

um toma-lá-dá-cá, um ganha-ganha. Nós usamos os recursos de investimento do

País Basco pra fazer asa (através da Gamesa). Ganhamos um parceiro que correu o

risco de investir setenta, cem milhões de dólares no 145, que, como a Embraer

estava quebrada, poucas empresas estariam dispostas. A maioria das outras que

nós tínhamos consultado anteriormente não quiseram correr o risco.

LEC – A Embraer levou muito “não”...

SY – Levou muito “não”. Então, o País Basco e a Gamesa toparam, mas havia a

contrapartida. Quer dizer, eles eram uma empresa de pouquíssima experiência

aeronáutica e o País Basco tinha o objetivo estratégico de desenvolver a sua

indústria aeronáutica. E realmente hoje eles têm bastante tecnologia de estrutura

aeronáutica.

LEC – Tá. Entendi. Muito adquirido com base nessa...

SY – Então é um toma-lá-dá-cá.

LEC – Perfeito. Entendi. Minha agora pergunta é a seguinte: como é que se organiza

esse desenvolvimento de um projeto com tantas empresas e de partes tão diferentes

do mundo? Essa questão do CRV, Centro de Realidade Virtual, serve pra isso?

Como é toda essa organização?

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SY – Não, o CRV é mais pra harmonização técnica, mas não necessariamente à

distância. Pode ser entre nossas equipes. Mas sem dúvidas você precisa de

ferramentas, você precisa de processos, como mecanismos de controle de

comunicação, de informação, de passagem de dados. Precisa de uma série de

processos porque senão a massa de coisas com que você lida, o trabalho que mil

engenheiros estão fazendo, se você não tiver um processo de harmonização, vira

uma balbúrdia. Cada um fazendo a volonté, não sai nada. Então, é preciso uma

pauta para trabalhar e essa pauta realmente você precisa desenvolver, precisa de

ferramenta, de normalizar como serão as comunicações, você tem que estabelecer

padrões, senão não funciona.

LEC – Então eu imagino que a Embraer, na verdade, esteja ali sempre em cima dos

parceiros, trabalhando junto para que, no final das contas, a aeronave não saia um

“frankenstein”, não é? Então esse é o papel de integradora, ela está ali junto no

próprio...

SY – Sim. Mas também é um papel de maestro, ditando o ritmo: “vai mais pra cá,

mais pra lá, sobe o tom, desce o tom”. Quem define se é – não sei se você entende

música, o quanto você entende – uma música lenta, triste, ou se é o sambinha, é o

maestro, que está ali cuidando do negócio. Então a Embraer que determina, a

Embraer define o conjunto, as especificações gerais e as especificações específicas

de cada pedaço, e aí cada elemento...

(Nesse momento a fita é interrompida. O resto da conversa transcorre a respeito de

assuntos não relacionados com este presente trabalho.)