Alice Moreira - Significado do dinheiro no Brasil

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A conversibilidade entre moedas faz do dinheiro um objeto concomitantemente universal (etic) e especí- fico a culturas nacionais ( emic); portanto, um objeto privilegiado para estudos comparativos transculturais. A com- preensão das semelhanças e diferenças no significado do dinheiro entre países pode trazer contribuições relevantes não apenas para a ciência, mas também para a política e o comércio internacionais. Mas embora a utilização de culturas nacionais como unidades de análise seja defendida, também é ressaltado o risco de perder a diversidade interna, que se torna mais grave em países onde convivem um número subculturas (Smith & Bond, 1998). Há também que conside- rar que a especificidade do significado do dinheiro não se limita ao nível da nacionalidade, mas continua realizando-se progressivamente nos níveis de grupos e indivíduos. Por seu Dinheiro no Brasil: um estudo comparativo do significado do dinheiro entre as regiões geográficas brasileiras Alice da Silva Moreira Universidade Federal do Pará Resumo Este estudo comparou o significado do dinheiro predominante nas regiões brasileiras usando a Escala de Significado do Dinheiro (ESD), composta pelos componentes Desigualdade, Progresso, Cultura, Poder, Desapego, Conflito, Estabilidade, Sofrimento e Prazer. O estudo foi conduzido com amostra de 760 sujeitos, 60% mulheres, com idades, ocupações e renda variadas, e mais de cinco anos de residência no local. Os resultados indicaram diferenças significativas em todos os componentes, exceto Prazer e Sofrimento, e padrões diferenciados: maior Estabilidade no Norte, maior Conflito e Desapego no Nordeste, menor Estabi- lidade e Poder no Distrito Federal, menor Conflito e Poder no Sul, e no Sudeste, maior Poder, Desigualdade, Cultura, Prazer e Sofrimento e menor Desapego. Exame separado da região Sudeste indicou maior diversidade interna do que entre as regiões do país. Estes resultados são discutidos a partir de diferenças histórico- culturais e estereótipos, indicando a sensibilidade da ESD para discriminar perfis de significado do dinheiro. Palavras-chave: Significado do dinheiro, Psicologia Econômica, Psicologia do Dinheiro, Diferenças regionais, Diferenças sócio- culturais. Abstract Money in Brazil: A comparative study about the meaning of money among Brazilian geographic regions. This study compared the meaning of money that prevail in Brazilian Regions using the Money Meaning Scale (MMS), composed by Inequality, Culture, Power, Progress, Detachment, Conflict, Stability, Pain and Pleasure Factors. The study was carried out with a sample of 760 subjects, 60% women, with varied ages, occupation and income, and more than five years living in the place. Results indicated significant differences in all components, except Pleasure and Pain, and differential patterns: higher Stability in the North, higher Conflict and Detachment in the Northeast, lower Stability and Power in the Federal District, lower Power and Conflict in the South, and in the Southeast higher Power, Inequality, Culture, Pleasure and Pain, and lower Detachment. A separated exam of the Southeast showed a higher internal diversity than among Brazilian Regions. These results are discussed considering historic-cultural aspects and stereotypy. It indicated that MMS is sensitive to discriminate meaning of money profiles. Key words: Meaning of money, Economic Psychology, Psychology of Money, Regional differences. tamanho e especificidades geográficas, históricas, econômi- cas e culturais de suas regiões, o Brasil pode ser considerado um exemplo de país demandando estudos comparativos in- ternos. Este trabalho explora perfis regionais de significado atribuído ao dinheiro, detectando influências sócio-econô- mico-culturais sobre este significado e contribuindo para o conhecimento sócio-psicológico da realidade brasileira. Significado do dinheiro Considerando-se que o dinheiro participa de todos os momentos da vida econômica cotidiana e que esta constitui parte significativa da vida social, o estudo das atitudes frente ao dinheiro e variáveis relacionadas deve ser um tópico rele- vante para a psicologia. Compreender como os fenômenos econômicos afetam a vida dos indivíduos e, por sua vez, como Estudos de Psicologia 2002, 7(2), 379-387

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Dinheiro no Brasil: um estudo comparativo do significado dodinheiro entre as regiões geográficas brasileiras

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    A conversibilidade entre moedas faz do dinheiro umobjeto concomitantemente universal (etic) e espec-fico a culturas nacionais (emic); portanto, um objetoprivilegiado para estudos comparativos transculturais. A com-preenso das semelhanas e diferenas no significado dodinheiro entre pases pode trazer contribuies relevantesno apenas para a cincia, mas tambm para a poltica e ocomrcio internacionais. Mas embora a utilizao de culturasnacionais como unidades de anlise seja defendida, tambm ressaltado o risco de perder a diversidade interna, que setorna mais grave em pases onde convivem um nmerosubculturas (Smith & Bond, 1998). H tambm que conside-rar que a especificidade do significado do dinheiro no selimita ao nvel da nacionalidade, mas continua realizando-seprogressivamente nos nveis de grupos e indivduos. Por seu

    Dinheiro no Brasil: um estudo comparativo do significado dodinheiro entre as regies geogrficas brasileiras

    Alice da Silva MoreiraUniversidade Federal do Par

    Resumo

    Este estudo comparou o significado do dinheiro predominante nas regies brasileiras usando a Escala deSignificado do Dinheiro (ESD), composta pelos componentes Desigualdade, Progresso, Cultura, Poder,Desapego, Conflito, Estabilidade, Sofrimento e Prazer. O estudo foi conduzido com amostra de 760 sujeitos,60% mulheres, com idades, ocupaes e renda variadas, e mais de cinco anos de residncia no local. Osresultados indicaram diferenas significativas em todos os componentes, exceto Prazer e Sofrimento, epadres diferenciados: maior Estabilidade no Norte, maior Conflito e Desapego no Nordeste, menor Estabi-lidade e Poder no Distrito Federal, menor Conflito e Poder no Sul, e no Sudeste, maior Poder, Desigualdade,Cultura, Prazer e Sofrimento e menor Desapego. Exame separado da regio Sudeste indicou maior diversidadeinterna do que entre as regies do pas. Estes resultados so discutidos a partir de diferenas histrico-culturais e esteretipos, indicando a sensibilidade da ESD para discriminar perfis de significado do dinheiro.

    Palavras-chave: Significado do dinheiro, Psicologia Econmica, Psicologia do Dinheiro, Diferenas regionais, Diferenas scio-culturais.

    Abstract

    Money in Brazil: A comparative study about the meaning of money among Brazilian geographic regions. Thisstudy compared the meaning of money that prevail in Brazilian Regions using the Money Meaning Scale(MMS), composed by Inequality, Culture, Power, Progress, Detachment, Conflict, Stability, Pain and PleasureFactors. The study was carried out with a sample of 760 subjects, 60% women, with varied ages, occupationand income, and more than five years living in the place. Results indicated significant differences in allcomponents, except Pleasure and Pain, and differential patterns: higher Stability in the North, higher Conflictand Detachment in the Northeast, lower Stability and Power in the Federal District, lower Power andConflict in the South, and in the Southeast higher Power, Inequality, Culture, Pleasure and Pain, and lowerDetachment. A separated exam of the Southeast showed a higher internal diversity than among BrazilianRegions. These results are discussed considering historic-cultural aspects and stereotypy. It indicated thatMMS is sensitive to discriminate meaning of money profiles.

    Key words: Meaning of money, Economic Psychology, Psychology of Money, Regional differences.

    tamanho e especificidades geogrficas, histricas, econmi-cas e culturais de suas regies, o Brasil pode ser consideradoum exemplo de pas demandando estudos comparativos in-ternos. Este trabalho explora perfis regionais de significadoatribudo ao dinheiro, detectando influncias scio-econ-mico-culturais sobre este significado e contribuindo para oconhecimento scio-psicolgico da realidade brasileira.

    Significado do dinheiroConsiderando-se que o dinheiro participa de todos os

    momentos da vida econmica cotidiana e que esta constituiparte significativa da vida social, o estudo das atitudes frenteao dinheiro e variveis relacionadas deve ser um tpico rele-vante para a psicologia. Compreender como os fenmenoseconmicos afetam a vida dos indivduos e, por sua vez, como

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    o comportamento destes pode influenciar a economia umdos objetivos da disciplina Psicologia Econmica. A pesqui-sa sobre o significado do dinheiro tem avanado nos ltimosanos, buscando delimitar a estrutura cognitiva deste construtoe variveis a ele relacionadas. No mbito internacional, os qua-tro instrumentos mais conhecidos indicaram uma estrutura mul-tifatorial, variando entre quatro e seis fatores ou componentes:

    1. The Modified Semantic Differential ou DiferencialSemntico Modificado (Wernimont & Fitzpatrick, 1972). Estaescala foi constituda pelos componentes Fracasso-Vergo-nha, Aceitabilidade Social, Atitude ora-ora (oudesimportncia), Pecado Moral e Segurana Confortvel.Atravs dela, foram percebidas diferenas entre pessoasempregadas e desempregadas e entre os sexos.

    2. The Money Attitude Scale ou Escala de Atitudes paraDinheiro (Yamauchi & Templer, 1982). Os componentes destaescala - Poder-prestgio, Reteno, Desconfiana, Qualidadenas Compras e Ansiedade - correlacionaram-se principalmen-te a variveis psicolgicas, como maquiavelismo, obsesso,parania e ansiedade. Tambm foram apontadas diferenasde sexo (Gresham & Fontenote, 1989; Yamauchi & Templer,1982) e nacionalidade (Medina, Saegert, & Gresham, 1996).

    3. Money Beliefs and Behaviour Scale ou Escala de Cren-as e Comportamentos Monetrios (Furnham, 1984). Foramencontradas correlaes significativas dos componentesObsesso, Poder/gastar, Reteno, Segurana-conservativa,Inadequao e Esforo-habilidade com as variveis sexo, n-vel educacional, renda, posio poltica, alienao, tica Pro-testante do Trabalho (EPT) e conservadorismo social.

    4. The Money Ethic Scale ou Escala tica do Dinheiro(Tang, 1992). Na primeira verso desta escala, os componen-tes Bom, Mal, Realizao, Respeito, Oramento e Poder-liber-dade relacionaram-se a variveis como: renda, idade, sexo,valores, satisfao com a vida, trabalho, pagamento, promo-es, supervisores e colegas, alm de variveis psicolgicasdo tipo: locus de controle, irritao e ansiedade. Aps algunsestudos empregando variaes desta escala, Tang (2000) con-cluiu que pessoas com altos escores em uma medida geral damesma acreditam que o dinheiro bom, representa sucesso eque so capazes de controlar seus oramentos. Tambm ten-dem a ser mais velhas e ter fortes valores econmicos, fracosvalores religiosos, comportamento controlador, pouca satis-fao no trabalho e muita habilidade poltica (Tang, 2000).

    Diferenas entre pases nas atitudes frente ao dinheirotm sido menos focalizadas como objeto de estudo, mas apa-recem como variveis independentes em pesquisas endere-ando o desenvolvimento econmico. Furnham, Kirkcaldy eLynn (1994) estudaram as atitudes nacionais frente acompetitividade, dinheiro e trabalho como variveisexplicativas, entre outras, para as diferenas entre primeiro,segundo e terceiro mundos em amostra de 41 pases. Atitu-des (positivas) frente ao dinheiro e poupana foram compos-tas por itens selecionados das escalas de Yamauchi e Templer(1982) e de Furnham (1984). Os resultados indicaram correla-o positiva entre atitudes frente ao dinheiro e Produto Inter-no Bruto (0,55), com padres diferenciados para a Europa, astrs Amricas e os pases asiticos. Lynn, Yamauchi e

    Tachibana (1991) indicaram escores mais altos para estudan-tes japoneses que para estudantes ingleses em competitivi-dade e valorizao do dinheiro. Outro estudo (Furnham, 1996)indicou que dinheiro foi considerado mais importante nospases mais pobres enquanto nos pases mais ricos haveriamenor preocupao em ganhar e poupar dinheiro.

    Significado do dinheiro no BrasilA Escala de Significado do Dinheiro (ESD) foi desenvol-

    vida no Brasil por Moreira e Tamayo (1999a), atravs de pro-cedimento que incluiu extenso levantamento de dados preli-minares sobre a perspectiva do senso comum, organizaodestes dados atravs de categorizao por grupos de juzesindependentes e anlise terica baseada em esquemareferencial compreensivo das cincias sociais. Sua validaocontou com numerosa amostra de sujeitos de todas as regi-es geogrficas com caractersticas demogrficas variadas.Os resultados da Anlise dos Componentes Principais comrotao Varimax indicaram uma estrutura de nove componen-tes, com os seguintes alpha de Cronbach: Poder (0,88), Con-flito (0,87), Prazer (0,84), Progresso (0,80), Cultura (0,76), De-sapego (0,73), Sofrimento (0,67), Desigualdade (0,66) e Esta-bilidade (0,57) (Para maiores detalhes ver Moreira, 2000;Moreira & Tamayo, 1999a). As definies dos componentesficaram como segue:

    Poder: Afirmao da crena de que o dinheiro fonte deautoridade, prestgio e reconhecimento social, assegurandouma situao privilegiada a quem o possui e permitindo bur-lar normas sociais.

    Conflito: Significado negativo atribudo ao dinheiro nocontexto das relaes interpessoais cotidianas. Afirmao dacrena de que o dinheiro provoca desconfiana, conflitos,desavenas, mortes, falsidade, neurose e oportunismo.

    Prazer: Afirmao de crenas e sentimentos positivosrelacionados ao dinheiro. Conseqncias positivas atribu-das ao dinheiro, tais como: prazer, felicidade, bem-estar psi-colgico, auto-estima, esperana e harmonia nas relaesinterpessoais.

    Progresso: Significado positivo atribudo ao dinheiroem relao ao contexto social mais amplo, como promotor deprogresso para as sociedades e a humanidade. Afirmao dacrena de que o dinheiro capaz de resolver problemas soci-ais e construir um mundo melhor.

    Cultura: Significado positivo atribudo ao dinheiro comopromotor do desenvolvimento cultural em geral. Disposiopessoal de investir dinheiro no desenvolvimento das cinci-as, artes, cultura e tecnologia.

    Desapego: Afirmao de crenas e comportamentosenvolvendo uma oposio entre dinheiro e espiritualidade ea necessidade de dar mais importncia aos valores de solida-riedade e generosidade que aos bens materiais.

    Sofrimento: Significado negativo atribudo ao dinheirono nvel da subjetividade envolvendo fortes emoes carre-gadas de sofrimento e aspectos de desequilbrio emocional,tais como: angstia, depresso, frustrao e impotncia.

    Desigualdade: Significado negativo atribudo ao dinhei-ro como fonte de desigualdade social, segregao e precon-

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    Dianine CensonHighlight

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    ceito. Afirmao da crena de que o dinheiro cria uma fortedemarcao no espao social, dificultando o acesso de quemno o possui a lugares e pessoas.

    Estabilidade: Significado positivo atribudo ao dinheirocomo fonte de estabilidade e segurana. Afirmao de cren-as e comportamentos envolvendo a importncia de ter as ne-cessidades bsicas asseguradas e estabilidade financeira.

    Utilizando Anlise de Regresso Mltipla, Moreira (2000)indicou significativo poder de predio de variveis econ-micas (renda e nmero de dependentes), demogrficas (sexo,idade, escolaridade, tipo de ocupao) e das regies geogr-ficas sobre os componentes da ESD, com peso significativodas regies para todos os componentes. Exame em separadoda amostra da regio Sudeste indicou influncia significativado estado de residncia e da varivel residir em capitais versuscidades do interior sobre os componentes, exceto Sofrimen-to, que no apresentou resultados significativos para nenhu-ma das variveis examinadas (Moreira, 2000; Moreira &Tamayo, 1999b).

    A influncia das prioridades individuais de valores so-bre o significado que indivduos de diferentes contextos cultu-rais atribuem ao dinheiro foi explorada por Moreira (2000),partindo de hipteses fundamentadas pela Teoria dos Valo-res (Schwartz, 1994; 1999). O estudo comparou trs amostrasde estudantes de Psicologia provenientes de dois pases:Inglaterra e Brasil (cidades de Belm e Braslia), usando umaverso bicultural da ESD desenvolvida e validada para estefim, composta por seis componentes (Prazer, Poder, Conflito,Desapego, Progresso e Cultura). Os resultados da compara-o, depois de controlados os efeitos de sexo, idade e renda,indicaram mdias mais altas para os belenenses em todos oscomponentes, sugerindo percepo mais complexa ou contra-ditria do dinheiro, enquanto os brasilienses ficaram no meiotermo entre ingleses e belenenses. Estes resultados esto emacordo com as diferenas esperadas a partir da caracteriza-o do nvel cultural da Teoria dos Valores e confirmam asconcluses de Furnham e outros (1996) de que maior pobrezacontextual leva a maior importncia atribuda ao dinheiro.

    Caracterizao das regies brasileirasO Brasil possui um territrio de 8.511.965 km2, onde vi-

    vem mais de 160 milhes de pessoas. A regio Norte equivalea aproximadamente metade deste territrio e tem recebidoapelidos como pulmo do planeta, inferno verde ou pa-raso esquecido (Brazilian Embassy in London, 1998). Paraalguns de seus habitantes, a bacia amaznica comparvel aum imenso tero: quente, mido, generoso e protetor. Prote-gido tambm. Os portugueses chegaram a esta rea dois s-culos depois do descobrimento e a regio permaneceu prati-camente inexplorada at o sculo XIX. Durante o efmerociclo da borracha, entre 1885 e 1910, a populao aumentouseis vezes e a renda mdia doze vezes. Foi um perodo deintensa atividade econmica e cultural, do qual muitas cida-des ainda conservam alguns majestosos edifcios (InstitutoBrasileiro de Turismo [EMBRATUR], 1998). Talvez da veio aexpresso popular que caracteriza o estado do Par comoterra do j teve. A partir da dcada de 70, a regio tornou-se

    alvo da ateno internacional por causa dos problemas dedesmatamento e, mais recentemente, tem sido re-enfatizadoseu potencial para o turismo ecolgico (Brazilian Embassy inLondon, 1998).

    O Nordeste caracterizado como o bero da civilizaoportuguesa no pas (EMBRATUR, 1998); onde foi rezada aprimeira missa, abatido o primeiro ndio e chicoteado o pri-meiro escravo, como nos lembra a msica de Gilberto Gil. Temdado ao pas alguns de seus mais respeitveis nomes nasletras, artes, cincias e religio. Do ponto de vista governa-mental, as possibilidades econmicas e tursticas da regioso sempre enfatizadas. Do ponto de vista do esteretipodominante, so freqentemente enfatizados os problemascrnicos e insolveis da seca, a contnua migrao para oSudeste e a inabalvel f do povo nordestino.

    O Distrito Federal um pequeno recorte de 5.814 km2 deterra, incrustado em um plat 1.100 metros acima do nvel domar, bem no centro do pas, eqidistante de seus pontos extre-mos Norte e Sul. A capital do pas, Braslia, foi fundada em 21de abril de 1960, produto do sonho visionrio do presidenteJuscelino Kubitscheck, esboada pela arquitetura futuristade Oscar Niemayer e materializada pelos braos dos can-dangos (primeiros imigrantes). Foi progressivamente povoa-da por gente vinda de todos os cantos do Brasil, alm de sera sede das embaixadas. A cada quatro anos, um novo contin-gente de polticos recm-eleitos com suas famlias e numero-sas equipes de assessores convergem para o planalto central,gerando uma populao flutuante de alto poder aquisitivo.

    A regio Sudeste concentra a maior densidade po-pulacional e de atividade industrial do Brasil. tambm umaregio rica em minerais e sua agricultura a mais avanada dopas, exportando tanto gros como produtos industrializados(Brazilian Embassy in London, 1998). A marca da regio soas disparidades econmicas, que caracterizam principalmen-te as megalpoles So Paulo e Rio de Janeiro: conjunesdesordenadas de favelas e arranha-cus, convivncia cadavez menos pacfica entre misria e ostentao. A diversidadecultural interna da regio pode ser traduzida em termos dosesteretipos que contrastam o workaholic paulistano, omalandro carioca e o come-quieto mineiro.

    A regio Sul considerada economicamente quase todesenvolvida quanto o Sudeste, com bom equilbrio entreproduo rural e industrial (Brazilian Embassy in London,1998). a regio apontada como a mais diferenciada do restodo pas, o que s vezes usado como justificativa para dis-cursos e movimentos separatistas. Alm do clima temperado,a imigrao alem, italiana e polonesa responsabilizada pelamarcante influncia europia, conservada nos corpos, na ar-quitetura, no folclore, alimentao e sotaques da regio. Cri-anas louras, olhos azuis e forte sotaque. Estamos realmenteno Brasil? (EMBRATUR, 1998).

    Mtodo

    AmostraA amostra foi constituda por 760 sujeitos, 60% do sexo

    feminino, idades variando entre 14 e 58 anos, renda familiar

    Dinheiro no Brasil

    Dianine CensonHighlight

    Dianine CensonHighlight

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    mensal entre 120 e 8.000 reais mensais, escolaridade a partirdo segundo grau incompleto e ocupaes variadas. Todosresidiam h mais de cinco anos no Distrito Federal e em cida-des das outras quatro regies geogrficas brasileiras, na se-guinte proporo: Distrito Federal (DF) = 25,8%; Norte (N) =19,2%; Nordeste (NE) = 10,1%; Sudeste (SE) = 29,5%; Sul (S)= 15,4%.

    ProcedimentoQuestionrios auto-aplicveis foram enviados a colabo-

    radores voluntrios em diversos pontos do pas, atravs decorreio. Eles incluam 158 itens sobre o significado do dinhei-ro, com escalas Likert de 1 (discordo fortemente) a 5 (concor-do fortemente), e um questionrio de dados pessoais. Oscolaboradores solicitavam a participao dos sujeitos, entre-gavam os questionrios, recebiam-nos e enviavam-nos devolta pelo correio. A situao em que os respondentes eramcontatados e o prazo de devoluo variou em cada lugar, emfuno de especificidades locais. A coleta ocorreu nos anosde 1997 a 1998.

    Resultados

    Os 82 itens que alcanaram cargas fatoriais maiores que0,40 na validao da ESD (ver Moreira, 2000) foram usadospara as anlises deste estudo. Os alpha de Cronbach paracada um dos nove componentes foram os seguintes: Poder =0,87; Conflito = 0,85; Prazer = 0,84; Cultura = 0,77; Progresso= 0,76; Desapego = 0,70; Sofrimento = 0,65; Desigualdade =0,64 e Estabilidade = 0,51. Os escores foram apurados atravsda mdia dos itens para cada sujeito. As mdias em cadacomponente para a amostra de brasileiros como um todo epara as regies esto em ordem decrescente na Tabela 1.

    Estabilidade foi o componente unanimemente predomi-nante, acontecendo o mesmo em relao ao que ficou emltimo lugar: Sofrimento. O segundo componente para a amos-tra geral de brasileiros foi Desigualdade, ocorrendo o mesmono DF e no Sudeste. No Nordeste e no Sul, este componentecaiu para o terceiro e no Norte para quarto lugar. Progressofoi o terceiro na ordem geral e no DF, subindo para segundonas regies Norte, Nordeste e Sul. Progresso e Cultura empa-taram em terceiro no Sudeste. O quarto componente foi Cul-tura, no Brasil, no DF e no Sul, subindo para terceiro no Nortee no Sudeste, mas caindo para quinto no Nordeste, superadopor Desapego. O quinto componente para brasileiros em ge-ral foi Conflito, que subiu para quarto lugar no Sudeste, cain-do para sexto nas demais regies. Desapego ocupou o sextolugar no geral e no Sudeste, subindo para quinto no DF, Nor-te e Sul e para o quarto no Nordeste, que teve a mdia maisalta neste componente. Poder foi o stimo no Brasil, DF, Nor-te e Nordeste, subindo para quinto no Sudeste e caindo paraoitavo no Sul, superado por Prazer. Exceto para os sulistas,Prazer ocupou o penltimo lugar em todas as regies.

    Em resumo, a anlise das ordenaes de mdias indicouque as amostras do DF e do Sudeste apresentaram poucasdiferenas em relao ao Brasil, envolvendo apenas um parde componentes por vez: Desapego superou Conflito no DFe Poder superou Desapego no Sudeste. No Sul, ocorreramtrs inverses, tambm envolvendo um par de componentescada: Progresso superou Desigualdade; Desapego superouConflito; Prazer superou Poder. No Norte e Nordeste, as alte-raes foram mais freqentes e acentuadas, envolvendo maisde dois componentes por inverso, como a queda de Desi-gualdade do segundo para o quarto lugar no Norte e a subidade Desapego do sexto para quarto lugar no Nordeste.

    Tabela 1Mdias em cada componente para a amostra geral do Brasil e separadamente para cada regio.

    A.S.Moreira

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    A comparao entre as mdias das regies foi feita atra-vs de Anlise de Varincia Multivariada (MANOVA), aps averificao de que os dados agrupados davam suporte aospressupostos para a anlise multivariada (Tabachnick & Fidell,1996). Os resultados dos testes Wilks Lambda e Pillai sTrace apontaram efeito significativo da varivel regio geo-grfica sobre a combinao linear dos nove componentes (p< 0,001). Os nveis de significncia dos testes de efeitos prin-cipais para cada componente e testes post hoc esto na Ta-bela 2 e a configurao das mdias pode ser vista na Figura 1.

    O teste de efeitos principais indicou diferenas significa-tivas para regio geogrfica em sete componentes, excetuan-do apenas Prazer e Sofrimento. Mas para Progresso e Cultu-ra, as comparaes post hoc no indicaram significncia es-tatstica entre pares de amostras. As diferenas mais fortesforam para Estabilidade, Desapego e Poder. As comparaespost hoc para Estabilidade indicaram que a mdia do Nortedestacou-se em relao ao Sul e DF, enquanto o Sudeste foisuperior ao DF. Em Desapego, Norte e Nordeste tiveram m-dias mais altas que Sul e Sudeste, destacando-se principal-mente a diferena entre Nordeste e Sul. Em relao a Poder, oSudeste teve mdias maiores que o Sul e o DF. Os resultadosno componente Conflito confirmaram o que o grfico sugere:mdias mais baixas para os sulistas em relao ao resto dopas, exceto o DF. Para Desigualdade, apenas a mdia do Nortefoi menor que a do Sudeste.

    Em outras palavras, os resultados do DF apresentaram-se geralmente como uma espcie de meio termo entre as regi-es, destacando-se uma percepo mais fraca do dinheirocomo fonte de Estabilidade e Poder. No Sul, percebeu-se umaviso menos negativa do dinheiro, com mdias mais baixasem Conflito, Desapego e Poder, embora tambm baixa em Es-tabilidade. O perfil nortista indicou um sentido mais forte deEstabilidade e Desapego, com menor percepo de Desigual-dade, sugerindo uma percepo mais tradicionalista. O perfilnordestino apresentou uma viso negativa permeada comespiritualidade, ou seja: Desapego e Conflito. No Sudeste,

    destacaram-se Poder, Conflito e Desigualdade como mais for-tes e Desapego como mais fraco: uma imagem negativa relaci-onada a auto-interesse.

    Exame separado da regio sudesteA regio Sudeste tinha maior nmero de sujeitos na amos-

    tra e heterogeneidade interna, ou seja: pessoas residindo emtrs estados, em capitais e cidades do interior. Por isso, pare-ceu vivel e interessante explor-la separadamente. Depoisde eliminados os respondentes das outras regies, a amostraficou constituda por 217 sujeitos, 65,4% do sexo feminino,

    Figura 1Mdias dos componentes por regio na amostra do Brasil.

    Tabela 2Resultados da MANOVA para a varivelregio geogrfica.

    Dinheiro no Brasil

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    56,2% de residentes no estado de So Paulo (SP), 30% noestado do Rio de Janeiro (RJ) e 13,8% no estado de MinasGerais (MG). Do total de respondentes, 29,5% morava emcapitais e 70,5% em cidades do interior. Os alpha de Cronbachpara os componentes foram os seguintes: Poder = 0,87; Pra-zer = 0,84; Conflito = 0,83; Progresso = 0,79; Cultura = 0,79;Desapego = 0,70; Desigualdade = 0,62; Sofrimento = 0,53 eEstabilidade = 0,42. Foram repetidos os mesmos procedimen-tos, de modo a permitir a comparao com a anlise anterior.

    Comparando internamente quanto ordenao das m-dias, vemos que as inverses de ordem nas reas de residn-cia em relao regio como um todo foram mais freqentese envolveram sempre mais que um par de componentes porvez (Tabela 3).

    O primeiro componente, Estabilidade, manteve o mesmolugar no geral e em todas as reas, bem como o ltimo coloca-do, Sofrimento, confirmando o consenso nacional a este res-peito. Desigualdade manteve o segundo lugar em todas asreas, menos o interior-SP, onde caiu para terceiro. Mas asvariaes de ordem para os outros seis componentes forammais acentuadas. Progresso variou entre o terceiro lugar (capi-tal-RJ) e o quinto (capital-SP, interior-RJ e interior-MG). Cultu-ra variou entre o segundo (interior-SP) e o stimo lugares (ca-pital-RJ). Conflito variou entre o terceiro (interior-RJ) e o stimo(interior-So Paulo). Poder ocupou desde o quinto lugar (interi-or-SP) at o oitavo (capital-SP). Desapego foi de quarto (interi-or-MG) a oitavo (interior-SP) e Prazer variou entre o quinto (interior-SP) e o oitavo lugares (capital-RJ, interior-RJ e interior-MG).

    Como na anlise para as regies, aqui tambm os resulta-dos do teste multivariado da MANOVA apontaram efeito sig-nificativo da rea de residncia sobre a combinao lineardos componentes (p < 0,001). Os testes de efeitos principais

    foram altamente significativos para todos os componentes,com nveis mais fracos apenas para Desigualdade e Sofri-mento, o que confirmou a suposio de diversidade que le-vou a explorar separadamente a regio.

    As comparaes post hoc para Estabilidade indicaramque a mdia do interior-SP foi maior que a da capital-SP e dointerior-MG. Para Desigualdade, o interior-SP e o interior-RJtiveram mdias maiores que o interior-MG. Progresso tevemdia significativamente maior no interior que na capital deSo Paulo e no interior-MG. Em Cultura, o interior paulistateve mdia maior que a capital-RJ e que o interior mineiro. EmConflito, o interior-RJ teve mdia maior que a capital-SP, ointerior-SP e o interior-MG. De modo geral, as capitais tiverammdias mais baixas em Poder que os interiores. Quanto a De-sapego, tanto a capital como o interior do Rio de Janeirotiveram mdias maiores que a capital e o interior de So Paulo.Em Prazer, o interior paulista superou todas as reas, exceto acapital daquele estado. Em Sofrimento, apenas a diferenaentre capital e interior de So Paulo foi significativa.

    Resumindo, os resultados indicaram maior diversidadeinterna na regio Sudeste que no Brasil como um todo, noapenas em relao s ordenaes das mdias como aos per-fis que puderam ser percebidos. O destaque foi para o inte-rior do estado de So Paulo, onde o dinheiro apareceu demaneira mais forte como fonte de Estabilidade, Desigualda-de, Progresso, Cultura, Poder, Prazer e Sofrimento, com mdi-as mais baixas que outras reas da regio em Conflito e Desa-pego. Neste estado, a capital e o interior diferenciaram-semarcadamente entre si. O interior apresentou mdias superio-res s da capital em todos os componentes, sendo as diferen-as mais acentuadas para Progresso e Poder. J no estado doRio de Janeiro, foi indicada uma percepo mais acentuada

    Tabela 3Mdias em cada componente no Sudeste em gersal e para cada rea de residncia

    A.S.Moreira

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    de Conflito e Desapego, com percepo menor de Prazer eCultura que outras reas do Sudeste brasileiro. Olhando sepa-radamente capital e interior, neste estado, ressalta-se que acapital teve mdia mais alta que o interior apenas em Progres-so, com menor percepo de Cultura e Prazer que o interior,mas tambm baixa em Sofrimento. O interior de Minas tevemdias mais baixas que todas as outras reas em Desigualda-de e Conflito, o que indica uma viso menos negativa dodinheiro. Na maior parte dos componentes, os mineiros fica-ram como uma espcie de meio termo entre as reas. Asseme-lharam-se mais a moradores das capitais nas baixas mdiaspara Estabilidade, Poder e Sofrimento, mas ficaram mais prxi-mos s mdias altas dos outros interiores em Cultura. Asseme-lharam-se mais ao Rio na baixa percepo de Prazer, da capitalde So Paulo na baixa percepo de Progresso, e ficaram nomeio do caminho entre Rio e So Paulo quanto a Desapego.

    Discusso

    Este estudo comparativo do significado do dinheiro noBrasil apresenta limites de generalizao dos resultados relati-vamente estreitos, levando em conta as limitaes na amplitu-de das variveis renda, idade e escolaridade, que no refle-tem a realidade nacional. Alm disso, por dependermos da

    disponibilidade dos colaboradores voluntrios, no foi poss-vel controlar alguns vieses de distribuio entre as regies,por exemplo, das variveis ocupao, idade e nveis de renda.Mesmo considerando essas limitaes, os resultados encon-trados nas descries de perfis so teis para compreendermelhor o funcionamento da ESD, e compatveis com informa-es coletadas atravs de dados histrico-geogrficos, infor-maes tursticas, esteretipos sociais e observaes pessoais.

    O esteretipo do brasileiro que habita o Pulmo doMundo ou a Terra do J Teve parece coerente com osresultados, que foram obtidos com amostra proveniente ma-joritariamente dos estados do Par e Roraima. A percepomais forte de Estabilidade parece condizente com o ritmo len-to de crescimento econmico. A mdia mais baixa em Desi-gualdade sugere que, do ponto de vista leigo, as diferenaseconmicas existentes podem estar sendo minimizadas oujustificadas pelo preconceito sobre o caboclo indolente esensual, mimado por uma natureza prdiga em peixes e fru-tos. A mdia em Cultura, quase to alta como a do Sudeste,tambm parece condizente com a marca histrica do ciclo daborracha. Como no interior de So Paulo, talvez as pessoasfiquem mais dispostas a investir naquilo que sentem ter per-dido e lhes faz falta. Esta especulao est em acordo com osresultados encontrados em estudo anterior que revelou m-dias significativamente mais altas em Cultura para Belm eBraslia em comparao com a Inglaterra (Moreira, 2000). J oesteretipo nordestino, que combina corajoso com resigna-do e energtico com sofredor, encontra correspondncia comos resultados de uma imagem negativa do dinheiro, com per-cepo mais forte de Conflito e Desapego e mais fraca dodinheiro como fonte de Prazer. A maioria dos dados veio doestado da Paraba, mas tambm incluiu Cear, Pernambuco eBahia. Em comum, as duas regies menos desenvolvidas dopas apresentaram uma diferenciao mais acentuada em rela-o ao resto do pas no que diz respeito ordem de importn-cia dada aos componentes.

    No surpreende que a capital do pas tenha aparecidocomo um meio termo ou parmetro central entre as regies.Isto pode ser interpretado como um indicativo de sntesenacional a partir da convergncia de representantes de todasas regies para esta rea. A populao flutuante de funcion-rios de alto escalo, que gerou a mdia de renda mensal maisalta em nossa amostra, provavelmente tambm est relaciona-da percepo mais fraca de Estabilidade. Interessantemen-te, o componente Poder tambm obteve mdia relativamentebaixa, talvez porque a proximidade ao centro poltico do pasfaa com que as pessoas percebam o dinheiro mais comoconseqncia do que como antecedente do poder. Por outrolado, se considerarmos este resultado junto com a mdia tam-bm baixa em Poder na regio Sul, licito imaginar que estapercepo seja conseqente de menor disparidade econmi-ca interna. Esta hiptese e apoiada pelos resultados de pes-quisa anterior, que indicou maior mdia em Belm em relaoa Braslia e em Braslia em relao Inglaterra (Moreira, 2000).

    A anlise em separado da regio Sudeste permitiu dife-renciar internamente as mdias dos trs estados e explorar oefeito da varivel residir em capitais ou interior. A residncia

    Tabela 4Resultados da MANOVA para a varivel rea deresidncia

    Dinheiro no Brasil

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    em rea rural ou urbana uma das variveis antecedentesrelevantes para a Teoria dos Valores, tendo sido apontadauma relao entre residncia urbana e Abertura Mudana eUniversalismo (Schwartz, Verkasalo, Antonovsky & Sagiv,1997; Smith & Schwartz, 1997). Evidentemente, no podemosafirmar que as cidades do interior do Brasil caracterizam-secomo rea rural, e muito menos que os contrastes encontra-dos neste estudo podem ser generalizados para o pas comoum todo. Tambm deveriam ser levadas em conta as diferen-as em tamanho das cidades, comparando-se as de pequeno,mdio e grande porte. Mesmo assim, as diferenas encontra-das revelaram-se sugestivas.

    No Rio de Janeiro, os resultados da capital, com as mdi-as mais baixas em Prazer e Cultura, parecem contrastar com oesteretipo hedonista da cidade maravilhosa, cantado emprosa e verso e vendido a turistas. Parece mais coerente coma imagem de violncia e criminalidade recentemente prodiga-lizada pelos noticirios e o acirramento de problemas urba-nos como poluio, congestionamento e queda na qualidadede vida (Brazilian Embassy, 1998). Podemos especular sobreum efeito de contraste entre o esteretipo introjetado e arestrio das possibilidades de aproveitar a vida, levando aduvidar que o dinheiro pode ser fonte de prazer; mas semchegar a gerar uma imagem oposta, na medida em que a mdiapara Sofrimento tambm foi baixa. Com relao ao interior doRio de Janeiro, a maioria dos dados veio de So Joo deMeriti, cidade de pequeno porte e localizao prxima capi-tal. Neste segmento da amostra foi encontrado um nvel maisbaixo de renda do que para o restante da regio. A relativasemelhana com o Nordeste, pode ser produto de migrao, eremete ao prprio nome da cidade: meriti uma madeira leve,nativa do norte e nordeste do pas.

    Grosso modo, pode se dizer que o perfil do estado de SoPaulo apresentou o maior nvel de complexidade. Na loco-motiva econmica do pas, capital e interior mostraram per-fis opostos para a maioria dos componentes, provavelmentecomo efeito do grande contingente de imigrantes vindos detodas as regies do pas e tambm do exterior em direo capital paulista. No interior, a maioria dos dados veio de Bauru,cidade de mdio porte e baixo nvel de atividade industrial,mas com localizao prxima afluente Ribeiro Preto, centrode uma das mais produtivas reas rurais brasileiras. Segundodepoimentos de moradores, Bauru nasceu a partir do cruza-mento de duas linhas de trem, caracterizando-se como umacidade de trnsito comercial. Viveu perodo de grande pros-peridade no incio do sculo, para experimentar decadnciaprogressiva a partir da desativao da rede ferroviria. A pre-sena das universidades o fator que mobiliza a vida dacidade, gerando um clima contraditrio, misto de acolhimen-to e resistncia aos estudantes que vm de fora. Encontra-mos mdias mais altas que no resto da regio para sete dosnove componentes, o que pode indicar um modo mais com-plexo de ver o dinheiro, mais carregado de significados con-traditrios. Se olharmos apenas a ordem das mdias, vemosque as alteraes com relao da regio foram a subida deCultura do quarto para o segundo lugar, a de Prazer do oitavo

    para o sexto e a de Poder do sexto para o quarto, o que indicauma viso positiva do dinheiro. As mdias em Conflito e De-sapego assemelharam-se entre capital e interior, sendo maisbaixas que outras reas, o que confirma uma viso menosnegativa. Na capital que no pode parar, o que mais cha-mou a ateno foi a mdia em Progresso, menor que as outrasreas e implicando uma queda do terceiro para o quinto lugarna ordem. Como na capital do Rio de Janeiro, o resultadocontrasta com o esteretipo nacional e mereceria pesquisasadicionais, talvez envolvendo tambm a varivel percepode qualidade de vida.

    Em Minas Gerais, foi possvel obter dados apenas emUberlndia, cidade de grande porte e um dos vrtices do aflu-ente tringulo mineiro. Em termos geogrficos, a cidade estmais prxima de So Paulo do que da capital do estado, masno temos dados de Belo Horizonte que permitam compara-es. Depoimentos de moradores indicam uma grande diver-sidade cultural interna para o estado de Minas Gerais, a partirde influncias determinadas por proximidades geogrficas:Poderamos encontrar o mineiro-paulista no tringulo mi-neiro, o mineiro-carioca na regio de Juiz de Fora, obahianeiro na divisa com a Bahia, e o autntico mineiro,este limitado a Belo Horizonte e Vale do Jequitinhonha. Estadiversidade sugere tambm a necessidade de outras pesqui-sas neste estado.

    Concluso

    Este trabalho testou empiricamente a utilidade da Escalade Significado do Dinheiro (ESD) para delinear perfis de sig-nificado do dinheiro no contexto brasileiro. Partiu-se da pro-posio que o dinheiro um objeto simultaneamente univer-sal e especfico a culturas nacionais; e mais ainda, assumindocrescente especificidade em nveis gradativos, comosubculturas, grupos at os indivduos. O perfil nacional, agru-pando pessoas de todas as reas geogrficas, colocou emordem decrescente de importncia os componentes Estabili-dade, Desigualdade, Progresso, Cultura, Conflito, Desapego,Poder, Prazer e Sofrimento, com unanimidade sobre os doiscomponentes extremos. Interessante notar que entre o se-gundo e o quarto lugares, ficaram componentes que se refe-rem ao que o dinheiro representa no nvel da coletividademais ampla, ou seja: Desigualdade, Progresso e Cultura. Es-tes resultados permitem concluir que o dinheiro assume di-menso de preocupao eminentemente social em nosso pas,contrastando com a tnica das pesquisas conduzidas emoutros contextos, que tm focalizado a dimenses de signifi-cado do dinheiro relacionadas ao nvel individual.

    A explorao em separado de cada regio permitiu dese-nhar perfis mais e menos diferenciados do perfil brasileirogeral: Maior diferenciao foi encontrada no Norte e no Nor-deste, enquanto Sudeste e Distrito Federal foram mais repre-sentativos do perfil nacional, talvez como resultado da maiorimigrao. Estes resultados contrariaram a idia de que ahegemonia econmico-cultural das regies mais desenvolvi-das teria o poder de provocar imposio absoluta de padresde pensamento e comportamento, levando perda das iden-

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    tidades culturais nas reas menos desenvolvidas. Ficou for-talecida a proposio de uma relao mais complexa, que en-volve re-semantizao e limitao da absoro do padro do-minante pelas culturas locais (van der Geest, 1997). Colocou-se tambm a questo do peso relativo das variveis geogrfi-cas, culturais e econmicas como determinantes do significa-do do dinheiro, na medida em que Norte e Nordeste foramno apenas diferentes do padro Brasil, como tambm apresen-taram perfis diferentes entre si; a regio Sul tambm se diferen-ciou no apenas em relao ao geral, como tambm ao Sudes-te, de onde est mais prxima e apresenta desenvolvimentoeconmico mais semelhante.

    O exame em separado da regio Sudeste colocou em rele-vo a diversidade interna da regio de maior densidade demo-grfica do pas. A composio da amostra permitiu, dentro decertos limites, explorar o efeito do nvel de urbanizao e tama-nho das cidades sobre o significado do dinheiro. Os resulta-dos indicaram a pertinncia deste tipo de estudo, sugerindo anecessidade de focalizar variveis como tamanho das cida-des, ndices de desenvolvimento econmico, localizao re-gional e proximidade geogrfica aos grandes plos econmi-cos, ao lado de caracterizao histrica e cultural.

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    Recebido em 12.07.01Revisado em 04.07.02

    Aceito em 26.10.02

    Alice da Silva Moreira, Doutora em Psicologia pela Universidade de Braslia, professora da UniversidadeFederal do Par.Endereo para correspondncia: Avenida Serzedelo Corra, 1157, Ap. 504. Bairro Batista Campos. 66033-770, Belm, PA. Telefone (91)211.2057, Fax: (91)211.1448. E-mail: [email protected].

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