Alternativas para Produção Sustentável da Amazônia

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Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Gado de Leite Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Alternativas para Produção Sustentável da Amazônia Embrapa Brasilia, DF 2013

Transcript of Alternativas para Produção Sustentável da Amazônia

  • Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuriaEmbrapa Gado de Leite

    Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    Alternativas para Produo Sustentvel da Amaznia

    EmbrapaBrasilia, DF

    2013

  • Exemplares desta publicao podem ser adquiridos na:

    Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora MGTelefone: (32)3311-7400Fax: (32)3311-7424http//[email protected]

    Unidade responsvel pelo contedoEmbrapa Gado de Leite

    Comit de Publicaes da Unidade

    Presidente Rui da Silva VernequeSecretria-Executiva Emili Barcellos Martins SantosMembros Alessandro de S Guimares, Carla Christine Lange, Carlos Renato Tavares de Castro, Deise Ferreira Xavier, Flvio Rodrigo Gandolfi Benites, Fbio Homero Diniz, Fausto de Souza Sobrinho, Jos Alberto Bastos Portugal, Joo Cludio do Carmo Panetto, Kennya Be-atriz Siqueira, Marcelo Henrique Otenio, Mrcia Cristina de Azevedo Prata, Marcos Vinicius Gualberto Barbosa Silva, Mariana Magalhes Campos e Mirton Jos Frota Morens

    Superviso editorial Carlos Eugnio MartinsEditorao eletrnica e tratamento das ilustraes Carlos Alberto Medeiros de MouraReviso bibliogrfica Ins Maria RodriguesArte da capa Adriana Barros Guimares

    1 edio1 impresso (2013): 1.000 exemplares

    Embrapa 2013

    Todos os direitos reservados.A reproduo no autorizada desta publicao, no todo ou em parte,

    constitui violao dos direitos autorais (Lei no 9.610).

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Embrapa Gado de Leite

    Alternativas para produo sustentvel da Amaznia / editores tcnicos, Elizabeth Nogueira Fernandes ... [et al.]. Braslia, DF : Embrapa, 2013. 304 p. : il. col. ; 16,3 cm x 22,5 cm.

    ISBN 978-85-7035-242-2

    1. Trabalhos cientficos e tecnolgicos. 2. Sustentabilidade. 3. Pecuria. 4. Bovinocultura. I. Fernandes, Elizabeth Nogueira. II. Embrapa Gado de Leite.

    CDD 636.2142

  • Editores Tcnicos

    Elizabeth Nogueira FernandesEngenheira Florestal, Ph.D. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Alessandro de S GuimaresMdico Veterinrio, Ph.D. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Carlos Eugnio MartinsEngenheiro Agrnomo, D.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Claudio Ramalho TownsendZootecnia, D.Sc. Embrapa Rondnia BR 364, kg 5,5 Zona Rural 76815-800 Rondnia, RO [email protected]

    Fernanda Carolina FerreiraMdica Veterinria, M.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Fernando Csar Ferraz Lopes Analista Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

  • Jos Alberto Bastos PortugalBiologo, D.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Juliana Alves Dias Mdica Veterinria Embrapa Rondnia BR 364, kg 5,5 Zona Rural 76815-800 Rondnia, RO [email protected]

    Luciana Gatto Brito Mdica Veterinria Embrapa Rondnia BR 364, kg 5,5 Zona Rural 76815-800 Rondnia, RO [email protected]

    Mariana Magalhes CamposMdica Veterinria, D.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Mariluce Paes de Souza Universidade Federal de RondniaAv. Presidente Dutra, 2.965 Centro76801-974 Porto Velho, RO

    Myriam Maia NobreMdica Veterinria, M.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Rosangela ZoccalZootecnista, M.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

  • Alessandra Flix Sena Botelho Zootecnista Assessora do Minas Leite da SEAPA

    Andrs Felipe Zuluaga FEDEGAN, Coordinador del proyecto Ganadera Colombiana SostenibleCali, [email protected]

    Antonio Fernandes de Carvalho Farmcia e Bioquca Inovaleite/DTA Universidade Federal de Viosa Avenida P.H.Rolfs, s/n 36570-000 Viosa, MG

    Bernard WoodcockQuality Consultants Of New Zealand Amrica LatinaAlameda do Ing, 840, sl. 605Vale do Sereno 34000-000 Nova Lima, MG - [email protected]

    Clia Regina Grego Engenheira Agrnoma, D.Sc. Embrapa Monitoramento por Satlite Av. Soldado Passarinho, 303 Fazenda Chapado 13070-115 Campinas, SP [email protected]

    Danielle Braga Chelini Pereira Tecnologia de Alimentos Epamig Instituto Laticnios Cndido TostesRua Tenente Luiz de Freitas, 116 Santa Terezinha 36045-560 Juiz de Fora, MG

    David J. RobertsFuture Farming Systems Group, Scotlands Rural College (SRUC), Kings Buildings, West Mains Road, Edinburgh, EH9 3JG, Scotland, UK

    Autores

  • David RossFuture Farming Systems Group, Scotlands Rural College (SRUC), Kings Buildings, West Mains Road, Edinburgh, EH9 3JG, Scotland, UK

    Diogo Fleury Azevedo CostaEsalq/USPAv. Pdua Dias, 1113418-900 Piracibaba, SP

    Elmer Ferreira Luiz de Almeida Mdico Veterinrio Coordenador de Bovinocultura da Emater-MG

    Enrique Murgueitio RestrepoDirector Ejecutivo Fundacin Centro para la Investigacin en Sistemas Sostenibles de Produccin Agropecuaria CIPAVCali, [email protected]

    Ernesto nio Budke Krug Presidente da Associao Gacha de Laticnios Praa Osvaldo Cruz, 15 - Sala 2.312 - Centro 90030-160 Porto Alegre, RS [email protected]

    Fbio Homero Diniz Engenheiro Agrnomo, D.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Feliciano Nogueira de Oliveira Mdico Veterinrio Coordenador de Bovinocultura da Emater-MG

    Fernanda BatistelEsalq/USPAv. Pdua Dias, 1113418-900 Piracibaba, SP

  • Flvio Rodrigues Portela SouzaEngenheiro Agrnomo Departamento de Zootecnia da Esalq/USPAv. Pdua Dias, 1113418-900 Piracibaba, [email protected]

    Guilherme Nunes de SouzaMdico Veterinrio, D.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Helen Ross Professora School of Agriculture and Food SciencesThe University of QueenslandAustralia

    Higor Cordeiro de Souza Universidade Federal de RondniaAv. Presidente Dutra, 2.965 Centro76801-974 Porto Velho, RO

    Jaime E. Velsquez-Restrepo Grupo de investigacin GISAPA Universidad de la AmazoniaFlorencia, [email protected]

    Jonas de SouzaEsalq/USPAv. Pdua Dias, 1113418-900 Piracibaba, SP

    Jos Ricardo Macedo PezzopaneEngenheiro Agrnomo, D.Sc. Embrapa Pecuria SudesceRod. Washington Luiz, km 23413560-970 So Carlos, SP [email protected]

  • Josh WheelerQuality Consultants of New Zealand QCONZ P.O.Box 12316 Chartwell Square Hamilton 324862 Wake StreetHamilton, [email protected]

    Julin Char O. Coordinador de Investigacin, Fundacin CIPAV Cali, [email protected]

    Juliana Alves Dias Mdica Veterinria Embrapa Rondnia BR 364, kg 5,5 Zona Rural 76815-800 Rondnia, RO [email protected]

    Luiz Adriano Maia CordeiroEngenheiro Agrnomo, D.Sc. Embrapa CerradosBR 020 Km 18 Caixa Postal: 0822373310-970 Planaltina, [email protected]

    Mrcio Roberto da SilvaMdico Veterinrio, D.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, MG [email protected]

    Marcos Melo Meokarem Zootecnista Coordenador de Bovinocultura da Emater-MG

    Marianna B. Gentilini DeLaval Rua Estcio de S 13080-010 Campinas, SP

  • Mariluce Paes de Souza Universidade Federal de RondniaAv. Presidente Dutra, 2.965 Centro76801-974 Porto Velho, RO

    Mrio Lopez-BenavidesDeLavalKansas CityMissouri, USA

    Marne Sidney de Paula MoreiraCientista Social Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    Mizeck G.G. ChagundaFuture Farming Systems Group Scotlands Rural College (SRUC) Kings BuildingsWest Mains Road Edinburgh, EH9 3JG Scotland, UK

    Paulo Henrique PereiraGestor AnbientalSecretrio de Meio AmbienteAvenida Delegado Waldemar Gomes Pinto, s/n Bairro Ponte Nova37640-000 Extrema, [email protected]

    Rodrigo Puccini Venturin Zootecnista Assessor Especial do Minas Leite da SEAPA

    Rosangela ZoccalZootecnista, M.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

  • Srgio Rustichelli TeixeiraZootecnista, Ph.D. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Bairro Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

    William Fernandes BernardoEngenheiro Agrnomo, M.Sc. Embrapa Gado de LeiteRua Eugnio do Nascimento, 610 Dom Bosco36038-330 Juiz de Fora, [email protected]

  • Apresentao

    Nas ltimas dcadas, o termo sustentabilidade tem sido muito usado na agropecuria e recebido vrias definies. O ponto em comum entre essas definies a necessidade de se obter produtos agrcolas, pecurios ou florestais, de modo econmico, em longo prazo, sem comprometer o meio ambiente e os recursos naturais, atendendo s questes sociais e permitin-do satisfazer s aspiraes e necessidades das geraes atuais e futuras.

    Portanto, sistemas de produo sustentveis devem ser econmicos e estveis, para permitir o bem-estar da sociedade como um todo e devem conservar ou melhorar os recursos naturais existentes terra e gua, para assegurar a sobrevivncia das futuras geraes.

    No estado de Rondnia, a cadeia produtiva do leite tem se fortalecido nos ltimos anos, colocando o agronegcio em posio de destaque na econo-mia do estado e da regio. Rondnia ocupa a oitava posio na produo de leite no pas, respondendo por 65% da produo da regio Norte. Embora os resultados demonstrem aumento na produo, dados regionais e nacio-nais evidenciam a necessidade de melhoria da qualidade da matria prima.

    A pecuria leiteira no Brasil exibe nveis de produtividade muito baixos, mesmo nas bacias leiteiras mais importantes, se comparada a de pa-ses mais desenvolvidos. Entretanto, nos sistemas de explorao leiteira mais intensivos, nota-se melhores resultados produtivos e econmicos, tornando-os mais competitivos dentro do setor agropecurio nacional.

    As instituies de pesquisa juntamente com os parceiros comprometidos com o setor, tem um papel fundamental na gerao e, principalmente, em possibilitar o acesso aos conhecimentos que melhorem efetivamente os resultados obtidos pelo produtor de leite. Para isso, torna-se impor-tante a articulao de redes e parcerias e o desenvolvimento de estrat-gias de transferncia que possibilite a organizao dos conhecimentos, tecnologias e informaes relevantes, em vrios formatos e em funo das necessidades tanto dos profissionais da assistncia tcnica e exten-so rural quanto dos produtores de leite.

    A Embrapa Gado de Leite em parceria com a Secretaria de Estado de

  • Agricultura, Pecuria e Regulamentao Fundiria de Rondnia e Secre-taria de Estado do Desenvolvimento Econmico e Social de Rondnia, realizam o XII Congresso Internacional do Leite. Este evento de notvel expresso e visibilidade do agronegcio do leite surgiu em 2001 da sn-tese do Simpsio sobre Sustentabilidade da Pecuria de Leite no Brasil e do Workshop sobre Polticas Pblicas para o Setor Leiteiro, apresentando como caractersticas peculiares o fato de ser itinerante, j tendo percorri-do oito Estados, e no ter fins lucrativos.

    A 12 edio do Congresso Internacional do Leite ser realizada em Porto Velho, Rondnia, tendo como pauta a discusso de temas relevantes e emergentes, que interferem de forma decisiva em todos os elos da cadeia produtiva do leite. Conquanto no foi objetivo dissecar todos os fatores que impedem o aumento da efetividade dos sistemas de produo de lei-te, sero debatidos no Congresso temas de grande interesse e extrema importncia para a pecuria leiteira na Amaznia, tais como: desafios para a agricultura familiar, qualidade do leite e segurana alimentar, cenrio atual e futuro da extenso rural no desenvolvimento da cadeia produtiva do leite, novas estratgias para sistemas de produo de leite e produo de leite no contexto da conservao ambiental.

    As solues para as demandas atuais que desafiam a cadeia produtiva do leite no Brasil s podero ser atendidas com a incorporao de tecnologias que gerem resultados efetivos ao produtor de leite aliado elaborao de polticas pblicas, assumindo, como referncia, questes sobre cenrios para o agronegcio; o mercado internacional de lcteos e impactos da reforma tributria sobre a cadeia produtiva do leite e as perspectivas do cooperativismo do sistema agroindustrial do leite.

    necessrio mudar paradigmas no apenas em alguns elos da cadeia produtiva do leite, mas especialmente nos sistemas de produo para que estes estejam estruturados para vencer os futuros desafios do setor. In-formaes importantes para entender estes desafios so tratadas no livro Alternativas para a produo sustentvel de leite na Amaznia.

    Duarte VilelaChefe Geral

  • Sumrio

    Captulo 1. Sucesso da Agricultura Familiar - Como Preparar o Futuro das Propriedades Leiteiras ................................................. 15

    Captulo 2 . Sucesso da Agricultura Familiar - Desafios e Perspectivas para Propriedades Leiteiras .......................................................... 39

    Captulo 3. Critical Points in Milk Production that Affect Milk Quality and Safety ............................................................................... 59

    Captulo 4. Avanos e Desafios Enfrentados para Obteno de Leite com Qualidade na Regio Norte ................................................... 75

    Captulo 5. Qualidade do Leite e Suas Implicaes para a Produo Industrial ................................................................................... 97

    Captulo 6. Australian Experience in The Relationship Between Research, Rural Extension and Farmers - a New Approach ..............119

    Captulo 7 . Benchmarking na Produo Leiteira:um Caso Amaznico .133

    Captulo 8 . Minas Leite - Programa de Qualificao Tcnica e Gerencial dos Sistemas Produtivos de Pecuria Leiteira de Minas Gerais ......................................................................................155

    Captulo 9 . Precision Agriculture and its Use in Dairy Systems ........167

    Captulo 10 . Plano e Programa ABC (Agricultura de Baixa Emisso de Carbono): Oportunidade para o Desenvolvimento Sustentvel de Sistemas de Produo de Leite ....................................................185

    Captulo 11 . La Ganaderia Lechera en Los Tropicos .......................209

  • Captulo 12 . Uso de Modelos Agrometeorolgicos com Ferramentas Aplicadas ao Zoneamento Agrcola Brasileiro ................................231

    Captulo 13 . Experincia Colombiana en el Pago por Servicios Ambientales para Incentivar los Sistemas Silvopastorales ...............243

    Captulo 14 . O Projeto Conservador das guas ...........................257

    Captulo 15 . Quality and Mastitis Control Programs in NZ Dairy Farms 267

    Captulo 16 . Aspectos Econmicos, Sociais e Ambientais da Produo de Leite a Pasto ..........................................................277

    Captulo 17 . Produo Mundial e Nacional de Leite ........................293

  • Captulo 1

    Sucesso da Agricultura Familiar Como Preparar o Futuro das Propriedades Leiteiras

    Ernesto nio Budke Krug

    A Produo de Leite pela Agricultura Familiar muito importante, pois representa mais de 58% da produo total do Brasil e ainda possui um enorme potencial de produo a ser buscado. A Agricultura Familiar mantem o homem no campo e a empregadora mais importante de mo de obra do meio rural com participao de 74,4% do pessoal ocupado. Responsvel por 60% dos alimentos consumidos pelos brasileiros re-presenta 56,4% do VBP (Valor Bruto da Produo Brasileira), ocupando apenas 24,3% da rea cultivada apesar de possuir 84,4% dos estabele-cimentos rurais do Brasil.

    A participao da Agricultura Familiar no volume da produo brasileira de leite total produzido e seus derivados de 58%. J no Sul e o Rio Grande do Sul a sua participao maior, alcanando respectivamente 70% e 85%.

    O estmulo atividade pelas cooperativas de produtores familiares con-cedido por meio de polticas pblicas, dentre elas se destacam o crdito rural, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de Garantia de Preos Mnimos da Agricultura Fa-miliar (PGPM-AF) e o Programa de Aquisio de Alimentos (PAA).

    Preocupado com a Agricultura Familiar e a sucesso familiar, o Sistema Cooperativo do RS, em 1976 apostou nela, criando a CCGL (Cooperativa Central Gacha de Leite). A CCGL desenvolveu atravs de suas 13 Coo-perativas fundadoras, a atividade de leite entre seus cooperados, criando

  • 16 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    um grande Departamento Tcnico que oferecia um Programa Integrado de Assistncia Tcnica, Extenso Rural e amplo Plano de Ao para desenvolver os produtores que j produziam leite e incorporou milhares de novos produtores na produo de leite. Na poca existiam no Estado 73.369 produtores de leite sendo que 88,6% produziam at 60 litros/dia (Tabela 1).

    A produo de leite no Estado se apresentava em alguns momentos, em declnio e em outros crescendo um pouco. Mas com o apoio do Sistema Cooperativo, o leite iniciou seu crescimento e no deixou mais de crescer no Estado. O Rio Grande do Sul ocupava em 1976 a 5 po-sio na produo de leite no pas e hoje ocupa o 2 lugar no Ranking Nacional com participao de 12,21% da produo de leite do Brasil.

    Em 1997, quando a CCGL vendeu seu parque industrial para a Avipal S.A., possua 21 cooperativas associadas que tinham mais de 52.000 cooperados e representava 63,85% da produo de leite do Rio Grande do Sul. Sua venda ocorreu em funo da crise dos gros das Cooperati-vas Singulares e produtores e no em funo do leite. Com a venda do parque industrial, ficou fora da atividade do leite por mais de 10 anos. O crescimento e sua participao na produo do Estado ocorreu em

    Tabela 1. Distribuio dos produtores de leite por classe segundo

    participao na produo leiteira, no Rio Grande do Sul, 1976.

    Classe

    (L/dia)

    Tipos de

    up

    Nmero de

    produtores

    Percentagem

    de

    produtores

    Participao

    na

    produo

    anual (%)

    010 Pequena 19.516 26,60 3,90

    10 30 Pequena 31.843 43,40 23,30

    30 60 Mdia 13.646 18,60 24,50

    60 100 Mdia 5.062 6,90 16,10

    100 300 Grande 3.082 4,20 24,50

    + 300 Grande .220 0,30 5,70

    TOTAL - 73.369 100,00 100,00

    Fonte:OComplexo Agroindustrial do Leite no Rio Grande do Sul (KRUG, 1981).

  • 17Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    funo de um excelente Planejamento Estratgico que contemplou um parque industrial moderno, plano de aquisies, modelo de Assis-tncia Tcnica Integrado e de extenso rural altamente competitiva, um bom modelo de desenvolvimento da marca Eleg e outras, assim como do Marketing da empresa. Enfim, existia um bom modelo de

    governana cooperativa. Montou-se ento, um modelo de desenvol-vimento da Agricultura Familiar que foi vencedor atravs de um con-junto de Programas integrados que contemplava Assistncia Tcnica Integrada e Agregadora de Valor produo, extenso rural, crdito rural acessvel e Plano de Capacitao Tcnica e Profissional do pro-dutor, transportador, tcnico e dirigente. O modelo foi inovador, criou numerosos programas inditos cadeia do leite, tais como: Melhora-mento Gentico (1977); Silagem e produo de fenos (1980); Cota Prmio (1980); Controle de Tuberculose e Brucelose (1981); Mqui-nas e Equipamentos (1981); Higiene e Resfriamento do leite (1982); Custo de Produo (1983); Forrageiras (1984); Alimentao do Gado Leiteiro (1985); Coleta do leite a granel (1985); Gerenciamento da UP (Unidade Produtora) (1985); Programa Integrado Desenvolvimen-to das UPs com Mdulo de 100 litros. (1985); Criao da Ternei-ra (1990); Recria de Novilha (1990); Troca-Troca (1990); Controle de Mamite (1990); Prmio Estmulo (1991); Pagamento de Leite por Qualidade (1996); Benchmarking (2000) (Tabela 3). Esse conjunto de programas foi necessrio para o crescimento da produo, qualidade e produtividade do leite da empresa, refletindo diretamente na produ-o e produtividade do leite no Rio Grande do Sul. Sem isto, no se garante a sucesso familiar bem sucedida na Agricultura Familiar, das mos dos pais para os filhos.

    O objetivo do presente trabalho relatar todo o conjunto de experi-ncias vivenciadas e fundamentadas na Agricultura Familiar e sugerir um conjunto de programas e/ou aes para o desenvolvimento da pro-duo de leite na Agricultura Familiar garantindo a sucesso familiar, atravs dos filhos, envolvendo-os na gesto e no desenvolvimento de

    habilidades para assumirem as propriedades rurais.

  • 18 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Caracterizao da Agricultura Familiar

    Conforme a lei 11.326/2006, em 1970 existia no Brasil 4.924.019 estabelecimentos rurais que em 2006, passou para 5.175.636. Neste perodo houve uma reduo na participao dos estabelecimentos nos extratos at 10 ha passando de 51% para 48% em 2006 e no extrato de 10-100 ha tambm houve diminuio de 39% para 38%, enquanto que no extrato maior de 1.000 ha passou de 1% para 6%. J no Rio Grande do Sul houve, no perodo, um aumento na participao no ex-trato at 10 ha, passando de 35% (1970) para 39% (2006), enquanto que no extrato de 10 a 100 ha houve diminuio, ficando os demais extratos sem alterao significativa (Tabela 2). Pode-se observar que em nvel de Brasil houve um aumento significativo de estabelecimentos no extrato com mais de 1.000 ha e uma diminuio nos extratos at 10 ha como tambm acontece no Sul. Enquanto que no Rio Grande do Sul, houve uma diminuio dos estabelecimentos no extrato de 10-100 ha e um aumento no extrato de at 10 ha, diferentemente do que ocorreu na regio Sul e Brasil. Tudo isto demonstra o quanto a estrutura agrria do pas concentrada e no Rio Grande do Sul houve uma diviso maior das propriedades, dificultando mais ainda a sucesso familiar, inviabili-zando algumas propriedades em termos de renda. Em 2006, segundo o Censo Agropecurio 2006, a Agricultura Familiar ocupava 84,4% dos estabelecimentos do Brasil, com apenas 24,3% da rea cultivada. A rea mdia dos estabelecimentos agrrios da Agricultura Familiar no Brasil de 18,37 ha, enquanto que da Agricultura No Familiar de 309,18 ha. No Rio Grande do Sul, dos 441.467 estabelecimentos, 378.546 so familiares e representam 85,7% e destes 183.566 produzem leite e re-presentam 47% da renda da Agropecuria do RS (IBGE, 2006).

    Tabela 2. N de estabelecimento por extratos de rea no Brasil, Sul e RS,

    1970-2006.

    Fonte: IBGE Censo Agropecurio, 1976 e 2006.

  • 19Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    A Agricultura Familiar ocupa mais de 12,3 milhes de pessoas no cam-po, sendo responsvel por 74,4% dos empregos gerados no campo. A participao do Agronegcio Familiar no PIB de 9% e no conjunto

    somado ao patronal, alcana 28%. (ICHIHARA, SILVIO et alli, 2005). Segundo Spanevello (2011) os seguintes fatores so responsveis pelo xodo juvenil do meio rural: falta de reconhecimento da famlia; falta de autonomia para inovao; falta de renda; falta de acesso a novas terras; falta de polticas pblicas no meio rural, escolas e universidades.

    Experincia Exitosa de Desenvolvimento do Leite na Agricultura Familiar, Viabilizando a Sucesso do Meio Rural

    Os trabalhos necessrios ao desenvolvimento do produtor familiar no tarefa fcil, mas o resultado desse trabalho gratificante. No Rio Gran-de do Sul na dcada de 70, a produo de leite era bastante incipiente, com pequena produo, pequena escala de produo, baixa qualidade e produtividade.

    Em 1976, o Rio Grande do Sul tinha uma produo de 802.465.000 li-tros anual com uma participao de 7,8% da produo Nacional. Possua 73.369 produtores e 70% dos produtores entregavam at 30 litros/dia e representavam 27,20% da produo. No entanto, havia 220 produtores com mais de 300 litros/dia (0,3%), responsveis por 5,7% da produo total do Estado (Tabela 1). Em 2012, o Estado alcanou 4.034.633.000 litros com 122.000 produtores entregando leite indstria, represen-tando 12,21% da produo brasileira, ocupando 2 lugar no Ranking da produo nacional. Assim tambm, a produtividade que era de 945 L/vaca/ano passou para 2.536 litros, ou seja, cresceu 268% no perodo de 1976 a 2012 (IBGE, 2012). O crescimento da produo, produtividade e qualidade foi resultado do trabalho de Assistncia Tcnica e Extenso Rural dos programas de apoio ao desenvolvimento da produo do pro-dutor de leite. O crescimento da produo e da produtividade da CCGL da poca, e consequentemente do Estado, deve-se fundamentalmente ao desenvolvimento de Assistncia Tcnica Integrada pelos diferentes

  • 20 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    programas e das ferramentas de apoio ao produtor familiar, desenvolvido basicamente pelo sistema cooperativo CCGL da poca.

    No era fcil iniciar uma estrutura industrial nica partindo do nada e organizar a produo, produtor, transportador, tcnico e dirigentes para o leite. Mas, com muito trabalho, planejamento estratgico e governan-a tudo foi possvel. Ao longo dos anos foram criados e desenvolvidos muitos programas para desenvolver a produo e o produtor, entre eles os seguintes: Melhoramento Gentico (1977); Silagem e Produo de Fenos (1980); Cota Prmio (1980); Controle de Tuberculose e Brucelose (1981); Mquinas e Equipamentos (1981); Higiene e Resfriamento do leite (1982); Custo de Produo (1983); Forrageiras (1984); Alimenta-o do Gado Leiteiro (1985); Coleta do Leite a Granel (1985); Gerencia-mento da UP (1985); Programa Integrado de Desenvolvimento das UPs com Mdulo de 100 L. (1985); Criao da Terneira (1990); Recria de Novilha (1990); Troca-Troca (1990); Controle de Mamite (1990); Prmio Estmulo (1991); Pagamento de Leite por Qualidade (1996); Benchma-rking (2000) (Tabela 3). Todos os programas eram minuciosamente pre-parados conforme destacaremos alguns deles mais adiante.

    Paralelamente ao preparo do material instrucional, os tcnicos eram trei-nados para desenvolver os diferentes programas e tambm para falarem uma mesma linguagem (nivelamento). A cada dois meses realizava-se uma Reunio Tcnica com participao de todas as cooperativas asso-ciadas. Igualmente, se fazia com os gerentes dos 37 postos de recepo e resfriamento do leite e plataformas industriais. Nessas reunies eram avaliados todos os programas em andamento, passava-se informaes do mercado, andamento dos treinamentos das diferentes reas e reco-lhia-se sugestes para novas aes e necessidades dos produtores e cooperativas associadas. A equipe chegou a ter 582 profissionais, entre Engenheiros Agrnomos, Mdicos Veterinrios, Tcnicos Agropecurios e mais de 500 Inseminadores Artificiais a fim de criar uma viso sistmi-ca da cadeia de leite. Alm do programa amplo de dar total apoio capa-citao dos profissionais, realizaram-se muitas viagens tcnicas ao longo dos anos, entre elas, as seguintes: ao Paran, Minas Gerais, Argentina,

  • 21Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Uruguai, EUA, Canad, Europa. Editaram-se vrios livros, cartilhas, filmes, programas de rdio e jornal mensal. Entre os livros publicados (Figura 1) foram os seguintes: Manual da Produo Leiteira (1980) e sua Reedio ampliada e revisada de 730 pginas (1993); Manual da Silagem (1980); Manual de Higiene e Resfriamento do Leite (1982); Custo de Produo (1983); Alimentao do Gado Leiteiro (1985); Ter-neiro Estabulado (1989); Mastite Bovina (1990); Criao de Terneira (1990); Sistema de Produo de Leite: Identificao de Benchmarking (2001); Os Melhores do Leite: Coeficientes Tcnicos e Econmicos Prticas, Processos e Procedimentos Benchmarking (2003).

    Alm disto, foram realizadas outras aes de apoio ao desenvolvi-mento dos diferentes elos da cadeia do leite, tais como: realizao de convnios de treinamentos de produtores com o Senar, IPVDF, UPF, empresas fornecedoras de insumos, mquinas e equipamentos; cria-o e organizao da compra centralizada e edio de catlogo anual de touros do banco de smen; programa de clculo de alimentao do gado leiteiro por computador; projeto de transferncia de embri-es; desenvolvimento e lanamentos de um leite substitutivo do leite (Terneleite); viabilizao de recursos financeiros prprios do Factec e de crdito rural atravs dos bancos: Bndes, Banrisul, Badesul, Sul Brasileiro, Brde e Caixa Econmica Estadual com a intervenincia da empresa para os diferentes programas; programa de importao de novilhas do Uruguai e Argentina; e por fim viabilizao dos condom-nios leiteiros e grupos de mecanizao.

    O foco da Assistncia Tcnica e dos diferentes Programas de Apoio sempre foram na capacitao tecnolgica, buscando maior produti-vidade, menor custo de produo, maior escala de produo, melhor qualidade do leite produzido e gentica e maior rentabilidade do pro-dutor.

    Vejamos alguns dos programas desenvolvidos ao longo dos anos no Rio Grande do Sul (Tabela 3). Nos diferentes programas foram treina-dos milhares de produtores, todos os tcnicos e transportadores.

  • 22 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Tabela 3. Programa de desenvolvimento da produo do leite da agricultura

    familiar.Programas Incio Objetivos

    Melhoramento

    Gentico1977

    Eliminar o touro da propriedade e reduzir a consanguinidade;

    Melhorar a gentica com a importao de novilhas; Criar o banco de

    smen e compra centralizada; Introduzir a transferncia de embries;

    Importar embries e botijes de smen; Importar mais de 20.000

    matrizes.

    Silagem e

    produo de

    fenos

    1980Conhecer a silagem, processo e uso, reduzir a sazonalidade e

    ociosidade industrial.

    Cota Prmio 1980Estimular a produo de entressafra; Premiar a produo adicional na

    entressafra com 5 a 10% de acrscimo do valor base do leite.

    Controle de

    Tuberculose e

    Brucelose

    1981Controlar a incidncia da tuberculose e brucelose; Abater os animais

    positivos; Aumentar a remunerao do produtor de leite.

    Mquinas e

    Equipamentos1981

    Incentivar a formao de grupos de mecanizao; Viabilizar a

    produo da silagem feno; Viabilizar o resfriamento do leite e a

    inseminao artificial: Grupos de mecanizao; Organizar grupos

    de mecanizao de ensilagem e fenao.

    Higiene e

    Resfriamento do

    leite

    1982

    Melhorar a qualidade do leite entregue; Reduzir a perda do leite

    cido; Viabilizar o resfriamento do leite; Melhorar a remunerao do

    produtor. Viabilizar a coleta de leite a granel.

    Custo de

    Produo1983

    Estudar o perfil tecnolgico do produtor; Desenvolver a metodologia

    do custo de produo; Conhecer a participao das diferentes

    rubricas no custo de produo do leite.

    Forrageiras 1984Melhorar e aumentar a produo de forrageiras; Reduzir o custo de

    produo; Reduzir a sazonalidade da produo.

    Alimentao do

    Gado Leiteiro1985

    Capacitar tcnicos e produtores; Melhorar os mtodos de

    alimentao do gado; Aumentar a produtividade e reduzir o custo de

    produo; Elaborar um programa de formulao via computador e

    Realizar analise dos alimentos em laboratrio conveniado.

    Coleta do leite a

    granel1985

    Melhorar a qualidade de leite que chega plataforma; Reduzir custo

    do frete; Melhorar a remunerao do produtor de leite; Flexibilizar um

    melhor horrio de ordenha.

    Gerenciamento

    da U.P.1985

    Melhorar a gesto das U.P.s; Aumentar a rentabilidade das U.P.s;

    Melhorar os diferentes indicadores tcnicos e econmicos das U.P.s.

    Programa

    Integrado de

    Desenvolviment

    o das UPs com

    Mdulo de 100

    l.

    1985

    Elaborar projetos do Programa de desenvolvimento integrado de

    desenvolvimento das Unidades Produtoras; Realizar convnio com o

    BRDE/BANRISUL para o desenvolvimento das U.P.s com base no

    Projeto Modelo de Unidade Produtora (Mdulo de 100litros/dia)

    Criao de

    Terneira1990

    Melhorar a criao de terneira; Financiar 20.000 projetos de criao

    de terneiras; Reduzir a mortalidade de terneiras; Estimular a criao

    da terneira terceirizadamente; Nivelar a produo S/ES.

    Recria de

    Novilha1990

    Melhorar a criao da novilha; Reduzir a mortalidade de novilhas;

    Estimular os centros de recria.

    Troca-Troca 1990 Financiar resfriadores de leite em recursos prprios (FACTEC).

    Controle de

    Mamite1990

    Melhorar a qualidade do leite entregue; Reduzir a perda de leite;

    Conhecer as consequncias econmicas da doena; Melhorar a

    remunerao do Produtor.

    Prmio Estmulo 1991

    Eliminar a sazonalidade da produo; Melhorar a qualidade do leite;

    Atender os critrios mnimos tecnolgicos com remunerao de 2 a

    5% a mais do preo base.

    Pagamento de

    leite por

    qualidade

    1996

    Melhorar a qualidade do leite entregue a indstria; Aumentar a

    remunerao do produtor de leite; Eliminar o recebimento de leite

    com antibitico; Controlar a tuberculose e brucelose bovina;

    Aumentar o rendimento industrial.

    Benchmarking 2000

    Identificar os sistemas de produo mais viveis; Provocar o

    melhoramento contnuo dos diferentes indicadores de desempenho;

    Identificar e destacar anualmente os melhores produtores nos

    diferentes indicadores de desempenho tcnico, econmico e

    financeiro.

  • 23Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Programa de Silagem (1980)

    O programa tinha trs grandes objetivos: primeiro, tornar amplamente conhecida a silagem e seu processo de obteno; o segundo, conseguir atravs do conhecimento obtido, a adoo do uso da silagem em todas as bacias leiteiras envolvidas pelas Cooperativas e o terceiro, reduzir a sazonalidade da produo de leite e ociosidade industrial da empresa.

    A falta de pastagens nativas e a prpria produo de pastos durante seis meses do ano (maro a setembro) limitava a produo de leite e era responsvel pela fome que os animais passavam e consequentemente, trazia grande sazonalidade produo e ociosidade industrial.

    Os efeitos negativos ao animal, pela falta de pastos, no somente afeta-vam a produo de leite, mas tambm a prpria manuteno do animal pelo seu emagrecimento. Este panorama s se modificava no fim da primavera e entrada do vero. Os animais comeavam a recuperar as foras e alcanavam a plena produo no fim do vero. Ento entrava

    Figura 1. Livros publicados.

  • 24 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    novamente no outono-inverno e recomeava a queda da produo pela falta de pastos. Assim acontecia sucessivamente. Estas eram as princi-pais razes das baixas produes e produtividades em nvel de produtor.

    Muitas vezes, nos surpreendiam as baixas produes alcanadas por animais importados e de alto padro zootcnico. Mas, se analisados fria-mente a razo disto, constatava-se de que o problema bsico era a ali-mentao. Precisava-se dispor de alimentos de qualidade e quantidades suficientes que atendessem s exigncias mnimas dos animais.

    Entendia-se de que a situao existente deveria ser alterada, eliminando a fome dos animais durante os perodos crticos e tambm ao logo do ano, estabelecendo um programa anual de alimentao dos animais, atendendo suas exigncias alimentares, atravs da produo, armaze-namento e fornecimento adequado das forragens aos animais. Para isto, lanou-se o Programa de Silagem e Produo de Fenos. Nele foram treina-dos mais de 15.000 produtores de leite.

    Programa de Higiene e Resfriamento do Leite (1982)

    O Programa tinha como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade do leite gacho que chegava diariamente s plataformas dos postos de Re-cepo e Resfriamento de Leite e s unidades de processamento de leite.

    A produo do leite era atividade considerada de carter complementar receita familiar do agricultor em quase todos os extratos de produtores do Rio Grande do Sul. Eles pagavam pesado tributo para sua qualidade. Esta conjuntura resultou na ocorrncia de produtores eventuais ou safristas e at mesmo de produtores que entregavam pequenas quantidades de leite (Tabela 1), que no tinham nenhum conhecimento da dinmica de produ-o e tambm sobre qualidade do leite. A prpria legislao em vigor na poca, permitia s indstrias receberem leite de baixa qualidade, embora limitando o seu aproveitamento a determinados tipos de produtos.

    O desconhecimento do nosso produtor de leite do que significava qua-lidade do produto podia ser atestada pelo volume desclassificado ou

  • 25Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    recebido com aproveitamento condicional, que diariamente chegava s plataformas das indstrias.

    Os prejuzos eram enormes que afetavam anualmente, diretamente os produtores e indiretamente todo o setor que se ressentia desse volume de produo desperdiada. O avano da tecnologia laticinista marcada de sucessivos aprimoramentos chegaria indstria e iria lev-la a pagar brevemente, o leite por qualidade.

    Esta tendncia em direo qualidade do leite, necessariamente, obri-garia o seu resfriamento prvio, na unidade produtora (propriedade) e o transporte possivelmente passaria a ser feito atravs de caminhes com tanques isotrmicos que evitaria a elevao da temperatura do leite durante o transporte, garantindo a manuteno da qualidade do leite at a chegada plataforma dos Postos de Recepo e Resfriamento ou das Usinas de Beneficiamento e Transformao de Leite.

    Havia exigncia da qualidade do leite pela indstria e para que ela ob-tivesse produtos finais de boa qualidade, elevou o custo do frete em funo da crise do petrleo, o que levou a urgncia de resfriamento em nvel de unidade produtora e de necessidade de recolhimento do leite a granel de dois em dois dias.

    Houve grandes dificuldades para traduzir os enunciados tcnicos numa linguagem popular que pudesse atingir a grande massa dos produtores. Esta deficincia foi, em parte, superada pelo emprego de termos e pa-lavras mais conhecidas, sinnimos, aliada a uma farta ilustrao com desenhos e fotografias no Manual de Higiene e Resfriamento do Leite e no material instrucional do Programa. No Programa foram treinados em trs anos 12.938 produtores e em 1994, todo o leite j era coletado a granel, Programa em que a empresa foi pioneira no Brasil.

    Programa de Alimentao do Gado Leiteiro (1985)

    O programa de capacitao de tcnicos e produtores em alimentao visou introduzir modificaes nos mtodos de alimentao no sentido

  • 26 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    de satisfazer as necessidades nutritivas das vacas para que elas pudes-sem produzir de acordo com as suas potencialidades genticas. Isto era uma exigncia para a competitividade da produo leiteira. Precisava-se aumentar a produtividade que poderia compensar, em partes, os preos menores em pocas de crise de preos e cobrir os custos de produo.

    O programa de capacitao em alimentao contou com o livro Manual da Alimentao do Gado Leiteiro, auxlio de tele-aulas, audiovisuais e de cartilhas, em nvel de produtor. Foram treinados por professores da McGill University do Canad, 264 Engenheiros Agrnomos e Mdicos Veterinrios.

    Dada complexidade do assunto e para vencer a tradio um tanto des-preocupada com a alimentao das vacas, entendia-se ser necessria a prvia compreenso do mecanismo da digesto do animal por parte dos produtores, para que eles pudessem, atravs dos conhecimentos adquiri-dos, avaliar o mecanismo da alimentao e tirar o mximo de vantagens das forragens disponveis. Buscando este objetivo, o Manual de Alimen-tao do Gado Leiteiro aborda o comportamento digestivo provocado pe-los diferentes tipos de alimentos fornecidos aos animais, os conceitos de produo econmica de alimentos satisfao integral das necessidades da vaca, plano de fornecimento de forragens diferentes com o fim de obter um consumo voluntrio mximo dos animais, conceitos e aconse-lhamentos formulao de raes, partindo da utilizao de forrageiras produzidas com o objetivo de reduzir o custo de alimentao e aumentar a produtividade.

    Programa de Controle de Mamite Bovina (1990)

    A mamite um dos maiores pontos de estrangulamento da atividade leiteira, acarretando sensveis quedas na produo e consequentemente, uma reduo das receitas mensais do produtor de leite, alm de afetar a qualidade final dos produtos lcteos produzidos. Essa doena conheci-da em todas as criaes de gado, especialmente naquelas especializadas na produo de leite. Encontra-se disseminada em todo o globo terres-tre, inclusive nos pases mais desenvolvidos como os Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Frana e Nova Zelndia, entre outros.

  • 27Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Devido diversidade dos agentes patognicos e s prticas de manejo que podem estar relacionados com a mamite, torna-se complexo o seu tratamento. Geralmente, so utilizados mais de um medicamento, at que se descubra o mais eficaz. Isto onera muito o tratamento, pois so medicamentos caros, alm de causarem problemas de resduos de anti-biticos no leite e perda de leite. O uso indiscriminado de antibiticos, sem a devida prescrio tcnica e testes de identificao do patgeno especfico, pode levar seleo de cepas resistentes de microrganismos, tornando a cura ainda mais difcil.

    Apesar de sua grande incidncia, a mamite no tem despertado a devida ateno de muitos produtores de leite. Isso ocorre, provavelmente por ser uma doena de aparncia pouco evidente, principalmente nos casos subclnicos, alm de, dificilmente, causar a morte do animal. Por outro lado, observa-se no produtor uma grande falta de conhecimento das consequncias econmicas srias que essa doena representa ativida-de leiteira. Em funo de tudo isto, elaborou-se o Programa de Controle de Mamite com edio do Manual da Mamite e de todas as peas e aes necessrias ao mesmo, visando unificar a linguagem e os proce-dimentos tcnicos recomendados para a doena. No livro se abordou os seguintes aspectos da doena: importncia socioeconmica, distribuio geogrfica, anatomia e fisiologia da glndula mamria, instalao da doena, fatores predisponentes, tipos de mamite, agentes causadores, diagnstico, tratamento, prognstico e preveno. O programa tambm contou com auxlio de filme, cartilhas, cartazes, audiovisuais e conv-nios com laboratrios para anlises microbiolgicas.

    Pagamento do Leite por Qualidade (1996)

    O programa visava melhoria da qualidade do leite entregue, aumento da remunerao do produtor, eliminar o leite com antibiticos, controlar a tuberculose e brucelose e aumentar o rendimento industrial. Era muito difcil falar de qualidade do leite em funo de que muitas empresas acei-tavam qualquer tipo de leite na poca. Ningum pagava por qualidade quando se lanou o programa de pagamento por este motivo, que suce-deu o Programa Prmio Estmulo e Cota-Prmio.

  • 28 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Programa de Melhoramento Gentico (1997)

    A preocupao com o controle gentico nas propriedades familiares era muito pequeno. Nossa primeira preocupao era com o uso de touro no melhorador e consanguinidade e consequentemente, com o baixo nvel gentico dos rebanhos. Este programa teve muitas etapas e ainda hoje, preocupao em nvel de unidade produtora. Iniciou-se importan-do novilhas do Uruguai, Argentina e de outros Estados. Foram mais de 18.000 novilhas importadas, visando acelerar a melhoria do rebanho em nvel de produtor. Paralelamente a isto, organizou-se o Banco de Smen com o objetivo de ter um controle do smen usado e passou-se a esco-lher os touros melhoradores que passaram, anualmente, a fazer parte do catlogo de touros e da compra centralizada de smen. Atualmente compra-se em torno de 130.000 doses por ano (Figura 2) e fazem parte 44 cooperativas e no cooperativas. O Banco de Smen funciona na COOPLIB (Cooperativa de Trabalho dos Profissionais Liberais do Brasil) realiza a coordenao dos eventos ligados gentica, tais como viagens, treinamentos, organiza o Encontro Anual da Inseminao e compras centralizadas, entre outras atividades. Em poca passada, se trouxe um Tcnico da Hungria que ficou trs anos realizando transferncia de em-bries e treinando Veterinrios a realizarem a tcnica de transferncia de embries. Tambm realizou-se a importao de embries.

    Figura 2. Evoluo da compra de smen, banco de smen, 1994-11.Fonte: COOPLIB. Banco de Smen.

  • 29Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Programa de Benchmarking (2000)

    Este programa surgiu partindo-se da pesquisa conhecer para crescer atravs da qual se chegou ao perfil tecnolgico de cada sistema de produo (Tabela 4) e os estudos de acompanhamento possibilitaram a identificar e destacar anualmente os produtores Benchmarking nos dife-rentes indicadores de desempenho: Tcnico, Econmico e Financeiro. O estudo de acompanhamento da evoluo das unidades produtoras Ben-chmarking (UPs) identificadas em 2000, foram acompanhadas durante quatro anos. Benchmarking a tcnica de identificar as UPs (produ-toras) que apresentam os melhores coeficientes tcnicos, econmicos, processos e procedimentos nos diferentes sistemas de produo (Siste-ma Intensivo: confinado, semiconfinado e a pasto e Sistema Extensivo: a campo) cujos resultados encontram-se publicados na Dissertao de Mestrado em Administrao de Krug e tambm publicados nos livros Krug (2001) Sistema de Produo de Leite: Identificao de Benchma-rking e em Krug e Kliks (2004) - Os Melhores do Leite: Coeficientes Tcnicos e Econmicos. Em continuao aos estudos, em 2007, Edna Menegaz realizou a sua Dissertao em Agronegcio tambm com base na evoluo das Unidades Produtoras Benchmarking.

    Inicialmente, realizou-se uma pesquisa geral de campo atravs de um questionrio com 115 perguntas que foram respondidas e devolvidas por 15.378 produtores que corresponderam a um retorno de 47,78% dos questionrios enviados. A populao de produtores aos quais foi enviado o questionrio foi de 64,97% da produo de leite do Estado, portanto os dados trabalhados foram altamente representativos do Estado do Rio Grande do Sul.

    O estudo desses dados possibilitou definir o perfil tecnolgico dos dife-rentes sistemas de produo de leite existentes no Estado. Aps clas-sificadas as unidades produtoras de cada sistema, foram estudadas e acompanhadas as 3 unidades produtoras de cada sistema intensivo (confinado, semiconfinado e a pasto) e sistema extensivo (a campo). No segundo ano o nmero de unidades produtoras Benchmarking foi am-

  • 30 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    pliado para 16 UPs e em funo do sucesso das informaes que vieram a pblico criou-se o Encontro Anual de Entrega de Trofus Destaque aos Produtores Benchmarking, que passou a servir para promover o melho-ramento contnuo nos diferentes indicadores de desempenho. Com isto, passou-se a elevar o nvel tecnolgico das prprias UPs Benchmarking, bem como dos produtores que desejavam melhorar sua produo. Os produtores Benchmarking passaram a receber tantas visitas, que se tor-nou necessrio agendar com boa antecedncia as caravanas de produ-tores que queriam conhecer as razes do sucesso dessas propriedades.

    Destacamos alguns coeficientes dos indicadores de desempenho tcni-co, financeiro e econmico. Os demais dados podem ser observados na Tabela 4. A produo mdia de leite por vaca em lactao por dia do Benchmarking obteve 32,26 L/dia/vaca em lactao, enquanto que a mdia das unidades produtoras Benchmarking de todos os sistemas no perodo, foi de 22,7 L/d/vaca. Mas importante observar que a mdia da Pesquisa Geral foi de 10,53 L/dia (Figura 3).

    Com esses dados pode-se concluir que se todos os produtores tivessem a produtividade da mdia das UPs Benchmarking, a produo de leite no Estado seria o dobro e se fossem igual ao Benchmarking poderia se ter o triplo de produo que se possui hoje. No Rio Grande do Sul estes ndices de produtividade s foram possveis em funo da assistncia tcnica e do crdito rural orientado que na poca era dada aos produ-tores. Essa assistncia tcnica tambm foi responsvel pela colocao do Rio Grande do Sul em 2 lugar na produo de leite no pas e na alta qualidade do leite que o Estado alcana.

    A lotao de Unidades Animais (UA) por ha/ano foi de 5,8 UA/ha e a m-dia das UPs Benchmarking, alcanou 3,1 UA/ha/ano. Mas, a mdia da Pesquisa Geral de apenas 1,34 UA/ha/ano, ou seja, 4,3 vezes menor do que a UP Benchmarking (Figura 4).

    A produtividade de leite por ha/ano tambm significativamente maior do produtor Benchmarking que teve 31.367 L/ha/ano, enquanto que a mdia da pesquisa geral de todos os produtores foi de 2.882 L/ha/ano, o

  • 31Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    que significa que a mdia do melhor produtor foi 11 vezes maior e este foi o dobro da mdia de todos os produtores Benchmarking do perodo (Figura 5).

  • 32 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Figura 3. Produo de leite/vaca em lactao/dia, 2000-04 (L).Fonte e elaborao:

    Sistema de Produo:

    Krug, Ernesto.

    Identificao de benchmarking.

    Figura 4. Lotao, 2000-04 (UA/ha).Fonte e elaborao:

    Sistema de Produo:

    Krug, Ernesto.

    Identificao de benchmarking.

  • 33Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    A eficincia da mo de obra tambm pequena, enquanto que na pes-quisa geral apresenta 35,22 litros por Equivalente Homem (Eq.H/Dia), o Benchmarking alcanou 535,75 L/Eq.H/Dia, ou seja, 15 vezes supe-rior a mdia da pesquisa (Figura 6).

    Figura 5. Produo de leite/ha/ano, 2000-04 (L).Fonte e elaborao:

    Sistema de Produo:

    Krug, Ernesto.

    Identificao de benchmarking.

    Figura 6. Produo de leite Eq.H/dia, 2000-04 (L).Fonte e elaborao:

    Sistema de Produo:

    Krug, Ernesto.

    Identificao de benchmarking.

  • 34 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    A produo de leite/dia (L) da melhor unidade produtora (UP) foi de 2.894 L, enquanto que a mdia das UPs Benchmarking foi, no per-odo, 1.223 L/dia/UP A mdia geral da pesquisa foi de 79,6 L/dia/UP, que corresponde a 36 vezes menor do que o produtor Benchmarking (KRUG, 2001).

    O produtor Benchmarking obteve um lucro de R$ 0,1803/litro enquan-to que a mdia dos Benchmarking alcanou R$ 0,0640/L e a mdia das UPs da pesquisa geral foi de R$ 0,0226/L. Isto significa que o lucro

    de unidade produtora (Benchmarking) obteve quase 8 vezes maior que as UPs da pesquisa geral e obteve uma Margem Bruta de 46% e um lucro lquido de 17% (Figura 7).

    Na Expodireto/Cotrijal foram apresentados pelas Cooperativas Cotriju, Copermil e Cotrisal, os dados de produtores escolhidos para servirem de Unidades demonstrativas que certamente sero os futuros Benchma-rking e que esto em incio de acompanhamento com orientao tcni-ca a menos de 2 anos, mas j mostram as diferenas nos indicadores de desempenho como produtividade, custo operacional e lucro. Dos casos

    Figura 7. Lucro, 2000-04 (R$).Fonte e elaborao:

    Sistema de Produo:

    Krug, Ernesto.

    Identificao de benchmarking.

  • 35Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    apresentados no houve ainda nenhum deles que superasse o produtor Benchmarking do estudo da pesquisa.

    Pode-se concluir que a tcnica de Benchmarking excelente ferra-menta de Assistncia Tcnica e possibilita o melhoramento contnuo rpido das UPs. Existem enormes diferenas nos coeficientes tcnicos e econmicos entre UPs e diferentes Sistemas de Produo. As unidades produtoras familiares tem viabilidade tcnica e econmica, precisam de Assistncia Tcnica, Extenso Rural e Crdito Rural acessvel e factvel com a atividade. A tcnica do Benchmarking leva a UP a uma profis-sionalizao em: gesto, planejamento, gerenciamento, eficincia, inova-o, adoo de tecnologias e mudanas. A tcnica do Benchmarking excelente ferramenta para desenvolver a Assistncia Tcnica visando melhorar os coeficientes de desempenho tcnico, econmico e finan-ceiro dos diferentes indicadores da produo. Com base nos estudos que realizamos, pode-se afirmar que possvel duplicar, triplicar e at quintuplicar a produo de leite do Rio Grande do Sul em longo prazo, utilizando as diferentes ferramentas de assistncia tcnica disponvel e de programas de apoio usando a tcnica do Benchmarking.

    Os treinamentos realizados no Rio Grande do Sul tm sido prioritaria-mente para os temas de Nutrio 95,3% e em segundo lugar voltadas para reproduo (TEIXEIRA E KRUG, 2012).

    Sugesto de um Programa Integrado de Assistncia Tcnica, Extenso Rural e Plano de Ao de Apoio ao Desenvolvimento do Leite da Agricultura Familiar e Sucesso Familiar

    Em funo da experincia vivenciada na atividade leite como tcnico, produtor, professor e dirigentes de Empresas Cooperativas e No Coope-rativas durante 37 anos sugerimos algumas etapas, aes e/ou progra-mas para o sucesso da Agricultura Familiar e sucesso no leite:1. Realizar um diagnstico para conhecer o perfil tecnolgico da regio

    e das Unidades Produtoras por Sistema de Produo;

  • 36 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    2. Elaborar um Programa Interinstitucional de desenvolvimento do leite para a regio e em nvel de Unidades Produtoras;

    3. Elaborar e implementar um plano de ao com a definio das priori-dades a serem desenvolvidas pelas diferentes entidades e empresas e profissionais para cada tema, voltado para as UPs envolvendo pais e filhos nas diferentes atividades (5W2H);

    4. Desenvolver um plano de capacitao dos tcnicos em diferentes nveis e de produtores; e de Assistncia Tcnica s UPs priorizan-do; produo de forrageiras; alimentao do gado leiteiro; gentica, manejo alimentar e reprodutivo; higiene, resfriamento e qualidade do leite e gesto da Unidade Produtora com Crdito Rural atrelado Assistncia Tcnica e criao das terneiras e novilhas. O plano deve contemplar filhos e pais para viabilizar a sucesso familiar;

    5. Realizar convnios com as diferentes instituies, Bancos, Universi-dades, rgos de pesquisa (Embrapa) e de Assistncia Tcnica, (Se-nar e outros) e empresas fornecedoras de insumos, mquinas e equi-pamentos para desenvolver os diferentes programas e/ou planos;

    6. Desenvolver plano de viabilizao e organizao de grupos de meca-nizao, grupos de inseminao artificial, prestadores de servios es-pecficos (individuais ou associaes), condomnios leiteiros, centros de recria e de criao de terneiras, Banco de Smen e empresa rural;

    7. Desenvolver e implementar um plano de capacitao em nvel de Transportadores de leite (Freteiros, Carreteiros, etc), devendo con-templar aspectos de importncia do leite, coleta de amostras, anlise do leite, responsabilidades, comunicao e relaes humanas;

    8. Elaborar e implementar Programa de Pagamento do Leite por Quali-dade;

    9. Implementar um Programa de Controle da tuberculose e brucelose (este pode estar contemplado no Programa de Pagamento do Leite por Qualidade);

    10. Realizar um diagnstico da UP antes de iniciar o Programa de Assis-tncia Tcnica;

    11. Realizar um Programa de destaque anual dos produtores benchma-rking com diferentes Indicadores de Desempenho Tcnico, Econmi-co e Financeiro;

  • 37Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    12. Realizar avaliaes com regularidade dos diferentes programas e de correo dos rumos quando necessrio;

    13. Viabilizar um bom canal de comunicao com o produtor, colabora-dores, entidades pblicas e privadas e com a sociedade onde esta inserida a empresa.

    Consideraes Finais

    A Agricultura Familiar possui enorme potencial com a produo de leite, comprovando-se vivel e altamente competitiva em funo das caracte-rsticas prprias da produo de leite. O leite a sexta atividade do Agro-negcio em termos de VBP (Valor Bruto da Produo), mas a primeira em termos sociais e de uso de mo de obra. A Agricultura Familiar res-ponsvel por 58% da produo de leite do Brasil, 84,4% so produtores familiares e representa 56% do VBP brasileira.

    A resposta dos produtores familiares rpida quando existe um bom Pro-grama de Desenvolvimento da produo contemplando Assistncia Tc-nica, Extenso Rural e ferramentas de apoio ao produtor e a produo. O pagamento do leite por qualidade e um amplo plano de capacitao do Tcnico, Produtor e Transportador so fundamentais para o aumento da produo de leite sustentvel, qualidade, produtividade, rentabilidade em nvel de Unidade Produtora e a sucesso familiar.

    O Rio Grande do Sul possui uma produtividade 85% superior mdia Nacional. O crescimento da produo de leite nos ltimos 12 anos foi de 6,08% ao ano, enquanto que no Brasil, no mesmo perodo, houve um crescimento 4,27% ao ano. Os diferentes trabalhos, programas e quali-ficao do produtor amenizou o xodo rural e contribuiu para a sucesso familiar da propriedade pelos pais e filhos do meio rural.

    Referncias

    FRANA, CAIO GALVO DE, DEZ GROSSI, MAURO E. E MARQUES, VI-CENTE P.H. DE AZEVEDO. O censo Agropecurio 2006 e a Agricultura Familiar no Brasil. Braslia: MDA, 2009. 96p.

  • 38 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    ICHIHARA, SILVIO A et ali. A importncia da Agricultura Familiar no Bra-sil e seus Estados. ESALQ/USP. So Paulo, 2012.

    KRUG, ERNESTO ENIO BUDKE. Sistema de Produo de leite: Identifica-o de Benchmarking. Porto Alegre: Pallotti, 2001. 256p.

    KRUG, ERNESTO ENIO BUDKE E KLIKS, VALDAIR. Os melhores do leite: Coeficientes tcnicos e econmicos: prtica, processo e procedimentos Benchmarking. Santa Maria: Pallotti, 2003. 296p.

    KRUG, ERNESTO ENIO BUDKE. Perfil tecnolgico benchmarking. Cadeia do Leite, Porto Alegre, p. 6-7, 01 fev. 2012.

    KRUG, ERNESTO ENIO BUDKE. O Complexo Agroindustrial do leite no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UNISINOS, 1980. 150p.

    KRUG, E.E.B. TEIXEIRA, S.R. Tratamento tcnico versus realidade da vida profissional de tcnicos de atividade leiteira./n XI Congresso In-ternacional do leite, 2012, Goinia. XI Congresso Internacional do leite: XI Workshop de polticas pblicas; XII Simpsio de Sustentabilidade da atividade leiteira. Juiz de Fora: Embrapa. Gado do leite, 2012.p.1-3.

    SPANEVELLO, ROSANI H. A reproduo gerencial na agricultura fami-liar. Cadeia do Leite, Porto Alegre, p.15, 1

  • Captulo 2

    Sucesso na Agricultura Familiar - Desafios e Perspectivas para Propriedades Leiteiras

    Fbio Homero Diniz, William Fernandes Bernardo, Srgio Rustichelli Teixeira, Marne Sidney de Paula Moreira

    Introduo

    Diferentemente de outras atividades econmicas, as relaes familiares so de fundamental importncia para a agricultura familiar. A sucesso definida neste captulo como um processo que ocorre em um curto ou longo perodo durante o qual a famlia planeja a transferncia de conheci-mento, trabalho, habilidades, administrao, controle e posse da ativida-de familiar de uma gerao para outra (FENNELL, 1981). Vale ressaltar a diferena para herana, onde o herdeiro no necessariamente continuar na atividade, no sendo o sucessor. Este assunto ser tratado com maior profundidade neste captulo.

    As estratgias familiares em relao terra, a distribuio do trabalho na propriedade ou fora dela, a intensidade do trabalho, as associaes informais entre parentes e membros da comunidade, etc., so fortemente orientadas pela sucesso entre geraes, a mdio ou longo prazo. Assim, combinando os recursos que dispe na unidade de produo com aqueles a que pode ter acesso fora da propriedade, a famlia define estratgias que visam, ao mesmo tempo, assegurar sua sobrevivncia imediata e garantir a reproduo das geraes subsequentes (WANDERLEY, 1999).

    O fato de no haver separao entre negcio e famlia e, na maioria das vezes, o local de residncia se confundir com o local de trabalho, confere agricultura familiar uma dinmica prpria, bem diferente da agricultura patronal em relao a continuidade das atividades agropecu-

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    rias (SILVESTRO et al., 2001). Assim, o processo sucessrio apresenta determinadas caractersticas peculiares agricultura familiar, envolven-do no apenas a transferncia de um patrimnio fsico e de capital imo-bilizado ao longo de sucessivas geraes, mas de um cdigo cultural que influencia em escolhas e atitudes para garantir que pelo menos um dos potenciais sucessores possa reproduzir determinados procedimentos que so formas de herana cultural (ANJOS et al., 2006). Portanto, um processo diferenciado daquele observado na agricultura patronal, a qual geralmente conta com corpo especfico de consultores para tratar a questo da sucesso, enquanto este assunto aparece como tema de foro ntimo na agricultura familiar, diante do qual as famlias tomam, na maioria das vezes, decises sem qualquer tipo de orientao profissional (SILVESTRO et al., 2001). Assim, nem as famlias individualmente, nem os movimentos sociais ligados agricultura familiar esto preparados para enfrentar a nova realidade ligada aos processos sucessrios, pois no h critrios claros e objetivos para lidar satisfatoriamente com o tema (ABRAMOVAY et al., 2002).

    A perenidade dos estabelecimentos familiares depende da permanncia de pelo menos um(a) dos(as) filhos(as) e da vontade deste(a) em dar conti-nuidade ao patrimnio familiar (SPANEVELLO et ali., 2008). Entretanto, o grande desafio dos agricultores familiares brasileiros consiste em garantir um espao aos, muitas vezes, numerosos herdeiros, um lugar de trabalho (muitas vezes a prpria atividade familiar), sem que isso se torne tcnica e economicamente invivel (BRUMER et al., 1993 apud BERNARDO, 2009).

    Partindo da premissa de que no existe uma nica forma de sucesso, este captulo tem o objetivo de apresentar os desafios e possveis estra-tgias dos processos sucessrios que ocorrem na agricultura familiar, focado na atividade leiteira, e que podem ser adotadas para tornar o assunto sobre sucesso menos traumtico.

    Desafios do Processo Sucessrio na Agricultura Familiar

    A transmisso de poder entre geraes representa um momento crti-co da histria das unidades familiares porque a relao de apropriao

  • 41Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    recproca entre o patrimnio material, cultural, social e simblico entre indivduos modelados pela e para apropriao encontra-se temporaria-mente em perigo (BOURDIEU, 1999 apud COSTA, 2012). Assim, o pro-cesso sucessrio pode conduzir fragmentao do patrimnio familiar e inviabilidade da unidade de produo ou pode atuar no sentido de favorecer a integridade do patrimnio. De um modo ou de outro, enfati-za Carneiro (2001), importante considerar tanto os custos quanto s perdas ou frustraes dos projetos individuais e coletivos em funo dos arranjos necessrios para se efetivar a sucesso.

    Enquanto assunto interno famlia, discutir sobre os processos suces-srios e hereditrios, embora distintos como vamos comentar na pr-xima seo, no uma tarefa fcil, sendo um tema que incomoda pelo fato de envolver questes relativas morte e transferncia de poder sobre o uso de recursos existentes na propriedade, envolvendo ques-tes consideradas tabus entre os agricultores familiares (ABRAMOVAY et al., 2003; CHEMIN, et al., 2010). Como exemplo, Adachi (apud CHEMIN, et al., 2010) indica algumas frases relacionadas aos tabus mais comuns que impedem o incio da sucesso familiar: A sucesso assunto para ser tratado aps a morte do fundador. Eu tenho que ser melhor do que o meu irmo. difcil comentar sobre sucesso em casa; quando tento falar neste assunto, todos pensam que desejo a morte de nosso pai e me olham como se eu somente pensasse na herana. Meu filho, quando eu morrer, tudo isso ser seu. Assim, do ponto de vista do sucedido, a palavra sucesso remete a ideias negativas como aposentadoria, afastamento, desatualizao e morte. Por outro lado, do ponto de vista do sucessor, significa oportunidade, troca e novos caminhos (TURCO, 2009).

    O processo sucessrio da propriedade familiar um aspecto fundamen-tal para a continuao das atividades agropecurias e do desenvolvimen-to rural. Entretanto, este processo extremamente sensvel s questes gerais que vem sendo observado na realidade brasileira, tais como o xodo rural acentuado dos jovens, a reduo da taxa de natalidade e o envelhecimento da populao, associado ao processo de masculinizao

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    (LOBLEY et al., 2010; COSTA, 2012). Outras questes mais especfi-cas, como a comunicao deficiente entre os envolvidos e falta de pla-nejamento tambm constituem desafios ao processo sucessrio.

    O envelhecimento e masculinizao do meio rural vm pondo em risco, sobretudo, o futuro das da agricultura familiar no Brasil (CAMARANO et ali., 1999). Conforme os autores, j naquele ano, a maioria dos agricul-tores familiares brasileiros tinha 55 anos ou mais, baixa escolaridade, dificuldade de produzir renda regular e aderir s novas tecnologias. Por outro lado, os jovens, mais afetos s informaes e s transformaes advindas da globalizao, so seduzidos pelos atrativos urbanos e, prin-cipalmente a partir do momento em que deixam o campo para estudar ou irem busca de trabalho, acabam trilhando caminhos diferentes do de seus pais. Exemplificando estas questes, Bernardo (2009), em estudo sobre a pluriatividade entre produtores de leite em municpios da Zona da Mata Mineira, aponta que 67% dos jovens entrevistados so atrados pela cidade para ter acesso a telefone, internet, trabalho educao e la-zer, alm da facilidade de mobilidade. Assim, aqueles que vo para a ci-dade, raramente retornam para dar continuidade aos negcios da famlia. O que era um processo natural, resultante da tradio e do fato de que a propriedade era o elemento estruturante e aglutinador da famlia, perdeu a razo de ser. Antes, as terras e o ofcio eram repassados de pai para fi-lho e, por vezes alm do fator econmico, havia um sentimento em torno desse processo. Atualmente, o jovem deixa o campo por vrios motivos. Embora exercer a profisso de agricultor seja uma das opes de escolha jovem, o principal que o jovem no mais vislumbra seu futuro nesse meio, por entend-lo como demasiado desgastante e pouco lucrativo, alm das dificuldades estruturais, como o acesso educao e servi-os de sade, ou ao lazer, essencial principalmente nesta fase da vida (CAMILOTTO, 2011). A Poltica Nacional de Juventude (NOVAES et al., 2006) chama este conjunto de bens e servios urbanos de direito cidade dos jovens rurais. Durhan (1978), estudando o fenmeno de mi-grao no Brasil, identificou a constncia do sentimento de isolamento nos relatos daquelas pessoas que haviam deixado as reas rurais para iniciar nova vida na cidade. A vida na cidade oferece mais possibilidades

  • 43Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    e, mesmo que a renda no seja elevada, permite trabalho com salrio e horrios definidos. Com isso, desfruta da aproximao com o mundo ur-bano, no que h de bom e de ruim. Durhan (1978) tambm observou que o migrante recm-chegado cidade no possua um repertrio cultural para se mover adequadamente naquele novo ambiente. Esta carncia os colocava em desigualdade social e de trabalho em comparao queles que eram nascidos e criados na cidade.

    O entendimento de que a vida no campo muito sofrida acentuou-se com a globalizao e a falta de polticas pblicas para o setor. Assim, os prprios pais concluem que o futuro bem sucedido dos filhos est na cidade e no no meio rural. A opo do jovem em permanecer na ativida-de agropecuria, ento, muitas vezes vista pelos pais como uma nica alternativa para aquele que no gosta de estudar (CARNEIRO, 1998). No mesmo estudo citado anteriormente, Bernardo (2009), indica que as principais justificativas dos pais para que os filhos no dessem continui-dade ao trabalho nas propriedades est relacionado baixa rentabilidade associada instabilidade da atividade leiteira, ao servio penoso na roa, ao pequeno tamanho da propriedade, longa jornada diria, nos finais de semana e feriados. O autor ainda afirma que esta negao ao trabalho na agricultura pelos pais pode exercer forte influncia sobre os filhos de maneira a desestimul-los a exercer essa atividade, ainda mais que o trabalho com agricultura, em geral, tem um baixo reconhecimento social e possuem caractersticas que no estimulam os jovens, conforme j comentado (BERNARDO E TORRES, 2010).

    Outro estudo conduzido por Camilotto (2011) na mesma regio sobre os fatores condicionantes da permanncia de produtores na atividade leiteira conclui que postos de trabalho criados nos centros urbanos nos ltimos anos tm atrado produtores de leite em busca de trabalho as-salariado, motivando o abandono da atividade. Estas situaes so se-melhantes quelas encontradas por Basilio (2009) em estudo sobre a sucesso na agricultura familiar realizado no municpio de Jaru em Ron-dnia. Dessa forma, possvel perceber que h uma onda de desnimo em torno da agricultura familiar, e a soluo apontada pelos agricultores

  • 44 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    est sendo deixar o campo (COMASSETO et ali., 2012). Por outro lado, Camilloto (2011) aponta que a qualidade de vida da populao jovem do meio rural, de um modo geral, pode ser classificada como positiva em relao ao convvio com a natureza, qualidade e quantidade de alimentos e convvio familiar. Alm disso, a continuidade na atividade agropecuria por parte do jovem pode ser entendida como uma escolha de estilo de vida. Este modo de enxergar a vida no espao rural pode ser considerado idealizado ou romantizado, uma forma de ocultar diferentes carncias inerentes sua condio geogrfica.

    Estas duas formas de viso do jovem rural com relao ao campo o desiludido e o apaixonado , quase que antagnicas, podem coexistir em um mesmo tempo e local. Uma das explicaes para este aparente paradoxo aponta para as diferenas nas posies do(a) jovem diante comunidade social local, do tipo de ocupao, do nvel de escolarizao, do tipo de acesso terra e meios de produo, dos meios de acesso a recursos pelo gnero e faixa etria, dos fatores scio-ambientais, da posio hierrquica familiar (NOVAES et al., 2006), alm do acesso a re-cursos materiais e estruturais (opes de lazer, internet, celular, estrada, etc.) e outros elementos.

    Em relao masculinizao do meio rural, em estudo conduzido em 8 pases da Amrica Latina, Deere et al. (2003) indicam que a desigual-dade de gnero na propriedade da terra se deve preferncia masculina na sucesso (ou herana), ao privilgio masculino no casamento e ao vis de gnero no mercado fundirio. Neste contexto, Carneiro (1998) destaca que as famlias agrcolas com maior nmero de filhos homens tero maiores opes para definir o sucessor, liberando (ou at mesmo estimulando) os demais filhos para realizarem seus projetos individuais. s filhas, dentro deste sistema, cabe um leque maior de oportunidades j que no so tidas como responsveis pela manuteno de uma unida-de domstica. Nesse sentido, paradoxalmente, nesse sistema patriarcal, so as mulheres que, com maior frequncia, rompem as fronteiras do universo domstico com a formulao de projetos profissionais de maior longo prazo. Este incentivo ao estudo dado s mulheres pode ser com-

  • 45Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    preendido como uma forma de compensao familiar pela ausncia des-se grupo nos processos de sucesso na propriedade rural familiar, sendo elas, muitas vezes, estimuladas a prosseguir os estudos at completar o ensino superior (BERNARDO et ali, 2010).

    No Brasil so raros os estudos sobre a comunicao intra-familiar re-lacionados a processos sucessrios no meio rural. Esta questo est diretamente relacionada ao desafio que o planejamento da sucesso. Por envolver questes muito sensveis, que se tornaram tabus na socie-dade agrria familiar conforme j comentado, a situao mais comum encontrada por DeVaney (2004) foi inabilidade do potencial sucessor em falar sobre o tema com o sucedido. Por outro lado, embora estudan-do agricultores familiares norte-americanos, Kaplan et al. (2009) destaca que muitos agricultores, mesmo em idades mais avanadas, se recusam a discutir o assunto, supondo que a propriedade s ser repassada ao sucessor aps sua morte. Outro ponto abordado pelos mesmos autores que a dinmica da comunicao intra-familiar aponta forte dependncia de entendimentos implcitos e expectativas quanto s intenes, fun-es e responsabilidades dos outros membros da famlia. Esta orientao passiva de comunicao, juntamente com o fato de que algumas famlias esperam para ver (sobre a carreira e as decises de relacionamento dos filhos), deixam questes fundamentais por resolver, por exemplo, quem seria o sucessor e como outros membros da famlia seriam com-pensados. Como resultado, o planejamento de mdio/longo prazo do processo sucessrio fica comprometido.

    Para extensionistas, consultores e outros profissionais que acompanham e orientam os agricultores familiares no processo sucessrio, o principal foco concentra-se na manuteno da viabilidade socioeconmica da pro-priedade, minimizando o stress econmico e emocional associado a este processo (ERRINGTON, 2002). O nvel de stress envolvido no processo sucessrio tem sido maior nos ltimos tempos em funo da quebra das normas sociais ento vigentes nas quais o primognito seria o herdeiro natural dos valores, cultura e do patrimnio fsico familiar (CARNEIRO, 2001; FROENHLICH, 2002; ERRINGTON, 2002). Soma-se a esta ques-

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    to a existencia de processos conflituosos entre os membros da famlia, sendo a sucesso considerada um assunto da famlia, o que exclui a interferncia de estranhos (COSTA, 2012).

    Falar de sucesso na agricultura familiar falar de um momento de mudana de papis sociais, onde pai e filho(a) passam a assumir novos projetos. O(a) filho(a) assume a gesto da propriedade rural ao mesmo tempo em que o pai deixa total ou parcialmente seu papel nesta ao. Conforme afirma Gilberto Velho (2003), projeto uma conduta pesso-al ou coletiva dirigida a uma finalidade especfica dependente, por sua vez, de um campo de possibilidades, que a dimenso que permite a formulao e implementao dos projetos. As identidades e as escolhas individuais so muito afetadas pelas mudanas de contexto econmico e social que envolve as pessoas que, em funo deste meio, reelaboram suas estratgias e se adaptam continuamente ao ambiente.

    Na perspectiva do pai, abdicar da gesto da propriedade familiar em favor do(a) filho(a) significa iniciar um novo projeto ou compartilhar pro-jetos com o(a) filho(a). H duas teorias principais na gerontologia que explicam a atitude do idoso no momento de assumir novos papeis: a teoria do desengajamento e a teoria da atividade (ALVES, 2004). Na pri-meira o indivduo diminui progressivamente seus papis e suas relaes sociais com o mundo. Este processo resulta em uma dedicao maior ao crculo afetivo mais prximo e um distanciamento das atividades funcio-nais e produtivas. Na segunda teoria o idoso possui uma atitude ativa, assumindo novas atividades, novos laos sociais de forma a compensar a perda de habilidades e de antigos papis sociais. Ainda segundo Alves (2004), esta linha terica tem produzido um discurso de preveno dos sinais da velhice, colocando o indivduo como produtor de projetos e capaz de controlar a sua vida. Este individualismo , alis, a marca da modernidade. Falar de sucesso , pois, a compatibilizao e negociao dos projetos do jovem e do idoso.

    A abdicao ao trabalho pelo idoso em favor de seu(sua) filho(a) tem um desdobramento importante no contexto familiar e social. A categoria trabalho possui um significado grande no capitalismo e que d os contor-

  • 47Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    nos necessrios condio de existncia humana. A ordem econmica moderna coloca o indivduo como uma pea essencial engrenagem econmica, conforme orienta Marx. Deste complexo sistema, embora no tenha conhecimento de seu papel, ele retira os elementos para a constuo de sua personalidade individual e social. Sua existncia no mundo se d por referncia ao trabalho que exerce, uma vez que o homem existe em razo de seu negcio, ao invs de se dar o contrrio (WEBER, 1974, p. 200). preciso pensar, portanto, no vazio social que se cria na medida em que o indivduo se desliga de sua funo laboral. Seu reconhecimento na sociedade se reduz na mesma proporo em que perde sua funo social enquento engrenagem do sistema. Na estrutura familiar seu poder de deciso e influncia diminuem pela perda da centalidade de seu papel financeiro. preciso considerar no processo de sucesso na agricultua familiar as perdas de quem abre mo de seu posto em favor do(a) filho(a).

    Sucesso ou herana?

    Esta seo visa discutir os conceitos de sucesso e herana para o caso da agricultura familiar. O debate em torno dos dois termos permitir des-cortinar importantes elementos que identificam e demarcam a agricultu-ra familiar. Para Chemin (2010), suceder significa substituir o titular de um direito, tomar o lugar de outrem, na gesto, no comando de deter-minado direito; ou seja, sucesso da agricultura familiar tem a ver com quem, aps comprovar capacidade e habilidade, ser o gerenciador, o gestor da continuidade das funes realizadas na propriedade, que pode ser um herdeiro ou um terceiro; j herdar se relaciona transmisso de bens, direitos e obrigaes em razo da morte do titular da propriedade. E embora as figuras de sucessor e herdeiro possam estar numa mesma pessoa, cada um deles pode surgir em momentos diferentes e em pes-soas distintas, como tambm no precisam ocorrer obrigatoriamente juntos. Assim, o processo sucessrio diferencia-se do hereditrio na agricultura familiar por tambm envolver questes relacionadas aos valo-res, cultura e modo de vida que a famlia possui e que, em muitos casos, passado de gerao a gerao. Aqui se amarram os laos da tradio: parentes como devotos assumem o compromisso moral de proteger um

  • 48 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    legado material e simblico construdo e reforado por laos sanguneos. A perda deste patrimnio familiar seria, neste ponto de vista, o mesmo que a extino uma longa corrente que inclui, no limite, a prpria morte.

    Neste ponto, importante destacar que as formas de transmisso de patrimnio na agricultura familiar mudam ao longo do tempo, conforme o contexto histrico, econmico, geogrfico, institucional, etc. Dife-rentes prticas sustentam-se em lgicas reprodutivas especficas e, portanto, no podem ser entendidas dentro de uma concepo apenas formal, ou seja, de jurisprudncia (CARNEIRO, 2001). A autora segue argumentando que falar de herana na agricultura familiar implica re-conhecer dois processos interligados: a escolha do sucessor (aquele que assegura a continuidade da unidade de produo e a manuteno do grupo familiar) e a partilha de bens. Entretanto, as regras culturais sobre questes relativas herana patrimonial entre agricultores fa-miliares brasileiros predominam sobre as regras jurdicas (CARNEIRO, 2001). Os costumes estabelecem o smbolo da unidade e da identidade familiar sobre o patrimnio, reproduzindo ao longo do tempo atravs dos laos familiares e as partilha nem sempre igual. Neste contexto cultural, nem todos os filhos tm direitos iguais: um entre todos, nor-malmente homem, ser escolhido para dar continuidade ao patrimnio familiar, cabendo aos demais irmos buscarem sua sobrevivncia fora da propriedade e, geralmente, fora do meio agrcola. Por exemplo, como forma de compensao, as moas que se casam com outro agri-cultor recebem um enxoval e alguns outros bens, enquanto outros so mantidos na cidade enquanto estudam e se preparam para a insero no mercado de trabalho urbano (BASLIO, 2009). Entretanto, a tendn-cia em privilegiar um herdeiro escolhido como sucessor tem sofrido re-sistncia, na medida em que cresce o valor mercantil da terra e diminui seu valor como meio de vida familiar (CARNEIRO, 2001).

    Ao discutir estas estratgias sucessrias que determinariam a diviso ou no da terra, Seyferth (1985) apontou que na herana com diviso da terra, ao herdeiro que ficasse com a maior parcela da unidade de pro-duo, caberia o cuidado dos pais na velhice, destacando que, mesmo

  • 49Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    com a diviso das terras, a casa e as benfeitorias no eram divididas. J dentro de um sistema mais equitativo de diviso, mediante o qual todos os herdeiros receberiam sua parte, cada parcela recebida pelos filhos seria to pequena que tornaria invivel a condio de agricul-tores familiares, o que conduz a estratgias de venda facilitada entre irmos ou mesmo doao (SANTIAGO, 2010). Entretanto, Carneiro (2001) argumenta que a oferta de emprego urbano e a valorizao do estudo como meio de ascenso social tm efeitos sobre a desvalori-zao do trabalho agrcola. Assim, ocorre flexibilizao da herana como um padro cultural pr-estabelecido, no havendo mais uma regra a seguir, ficando em casa aquele que tiver mais aptido para agricultura e menor vocao para os estudos (CARNEIRO, 2001). Um dos depoimentos colhidos por Bernardo (2009) tem outra explica-o: Do jeito que t o leite sem valor, s fica quem no sabe fazer nada ou t enraizado ali. Este relato refora o preconceito com a prpria atividade que exerce o depoente (produtor de leite): no sabe fazer nada de trabalhos urbanos, ainda que tenha vasto conhecimento sobre o trabalho na agropecuria.

    Esta estratgia sucessria de diviso dos bens poderia ser efetivada atravs do sistema de doao usufruto, simplificando a transmisso da unidade de produo e da unidade produtiva familiar. Essa tradio poderia, contudo, em tempos de democratizao dos direitos indi-viduais, fazer emergir inmeras tenses familiares. Carneiro (2001) mostrou que, quando a propriedade familiar era transferida a apenas um dos filhos, instalava-se a possibilidade de ocorrerem conflitos en-tre herdeiros e no-herdeiros da terra, pelo fato de as compensaes previstas para os no-herdeiros poderem ser vistas por estes como insuficientes, ou mesmo, os encargos atribudos ao herdeiro (como o cuidado dos pais idosos) poderem ser considerados como excessi-vos; fatores que acabariam motivando, por parte dos descontentes, o recurso legislao e ao direito nela previsto de diviso igualitria dos bens. Dentro das estratgias sucessrias, os casamentos tambm seriam usados pelas famlias como estratgias de reproduo em al-gumas realidades (CARNEIRO, 2001).

  • 50 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Preparando a Sucesso em Propriedades Leiteiras

    Pelo que discutimos at aqui, o processo sucessrio em propriedades leiteiras pode ser altamente estressante em funo da falta de conheci-mento e do uso de instrumentos legais, econmicos e tcnicos dispon-veis, alm da falta de familiaridade com relaes humanas por parte dos envolvidos no processo. Desenvolver um plano vivel e abrangente uma possibilidade e, ao mesmo tempo, um desafio, pois exige que os agricul-tores familiares sejam envolvidos em algo que todos ns naturalmente resistimos: mudar. Mas, talvez, o maior desafio que este planejamento envolve e requer a comunicao entre os membros da famlia sobre temas muito difceis de discutir de forma aberta, conforme discutido nas sees anteriores: morte e patrimnio. Como estas questes so delicadas, h uma grande resistncia para desenvolver um plano de transio e suces-so. Dessa forma, torna-se necessrio estabelecer estratgias que deem suporte a este processo. Muitas dessas estratgias so simples, como sugerido por Turco (2009): embora numa perspectiva voltada s empre-sas familiares, a autora orienta utilizar a palavra continuidade ao invs de sucesso. Apesar de essa palavra indicar uma no mudana para a nova gerao e, portanto, um aspecto negativo, para o sucedido significa preservar e respeitar aquilo que ele criou, e para o sucessor significa a no interrupo do meio de vida, melhorando o dilogo entre as geraes.

    De forma bem objetiva, Fetsch (1999) sugere 10 recomendaes para o atual responsvel pela propriedade criar um ambiente mais propcio ao dilogo sobre sucesso:1. Planeje o processo com antecedncia;2. Compartilhe com a famlia a viso que voc tem sobre a atividade;3. Converse sobre objetivos comuns e diferentes com toda a famlia;4. Converse com algum profissional que possa orient-lo, por exemplo,

    extensionistas;5. Mantenha uma comunicao aberta com os envolvidos a fim de re-

    solver efetivamente problemas e questionamentos;6. Escute com ateno o que os demais envolvidos no processo tm a

    dizer, evitando alterar a voz e perder o controle da conversa;

  • 51Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    7. Permita e reconhea os sentimentos envolvidos no planejamento; quando os envolvidos tm conhecimento do que est planejado, eles tm condies de lidar melhor com a questo, mesmo que no gostem;

    8. No presuma o que outras pessoas estejam pensando, sentindo ou planejando;

    9. Respeite a opinio de todos, elevando a autoestima dos envolvidos;10. Diminua o seu trabalho realizado na propriedade, aumentando o en-

    volvimento do potencial sucessor nas atividades prticas e adminis-trativas da propriedade.

    Evidentemente que existem outros fatores jurdicos e tcnicos que tambm contribuem para um processo sucessrio mais harmonioso. Chemin & Ah-lert (2010) sugerem que o sucessor seja inserido no contexto da gesto da propriedade por meio de um contrato de parceria rural, no qual participe dos riscos e dos resultados da atividade. Os autores seguem sugerindo que a partir da deciso de quem ser o sucessor, os responsveis deveriam pre-par-lo concretamente para que saiba lidar com os resultados obtidos nas atividades da propriedade, como, por exemplo, orientando na aplicao de parte ou totalidade dos recursos gerados. Depois de certo tempo em que o filho tenha demonstrado competncia e vontade de efetivamente continuar com as atividades na propriedade familiar, os pais poderiam iniciar as tratati-vas para a compra e venda da parte legtima da propriedade pelo filho, com a anuncia dos demais descendentes. Alm disso, os pais poderiam doar bens e direitos, da sua parte disponvel, ao filho sucessor, na condio de que ele assuma o compromisso de cuidar deles at o final da vida, na forma de usufruto, o que ocorre em muitos casos.

    Como visto, um dos motivos do jovem no continuar na atividade agro-pecuria, e principalmente na leiteira, o trabalho duro e penoso reali-zado nas aes produtivas. Neste caso, o aumento da eficincia na pro-duo de leite por meio da mecanizao (ordenhadeira mecnica, trator e implementos), alm de poder viabilizar economicamente a atividade, reduz o trabalho manual, podendo estimular o jovem a continuar na ati-vidade, conforme apontado por para Camilotto (2011).

  • 52 Alternativas para Produo Sustentvel do Leite na Amaznia

    Outro fator que pode restringir a continuidade nas unidades de produ-o de leite familiares est na comercializao do produto, impactando diretamente na gerao de renda. Em estudo realizado em colnias em Morro Redondo, Rio Grande do Sul, Costa (2006) indica que a falta de estruturas de mercado capaz de absorver a produo dos agricultores familiares pode restringir a sucesso na agricultura familiar, Desse modo, a organizao social da produo de leite por meio de cooperativas e as-sociaes, pode ser fator fundamental para a continuidade da atividade leiteira na agricultura familiar.

    Em muitos casos, o tamanho das propriedades familiares tambm res-tringe a sucesso. Neste ponto, Abramovay et al. (2002) sugerem pol-ticas pblicas que facilitem o acesso a terra para os jovens que, embora tenham vontade e aptido para o trabalho agropecurio, no foram con-templados como sucessores em suas respectivas propriedades.

    Outras aes estratgicas em nveis mais altos tambm podem imple-mentados, como sugerido por Abramovay et al. (2002), envolvendo a criao de novos espaos de participao e deciso, que mobilizem os atores envolvidos no processo sucessrio em torno de um frum regio-nal de desenvolvimento e que esse se subdivida em cmaras setoriais, como de reordenamento fundirio, educao e formao profissional, criao de oportunidades de trabalho e renda, entre outros. Os autores tambm sugerem polticas que despertem o interesse dos jovens e que valorizem seu interesse em continuar na atividade, como por exemplo