Alvaro Borges de Oliveira - Uma Definição de Propriedade

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48 Pensar, Fortaleza, v. 13, n. 1, p. 48-56, jan./jun. 2008. Introdução O presente artigo tem por objeto uma definição contemporânea de propriedade circunscrita ao direito civil, já que o conceito de propriedade dado pela constituição não serve ao direito privado. Tem-se como objetivo inicial não conceituar, mas buscar uma definição de propriedade o que ensejam conceituar várias outras categorias que muitas vezes são mal interpretadas como: constitucionalização do direito privado; inserção Uma definição de propriedade A property definition Álvaro Borges de Oliveira* Resumo O presente artigo propõe uma definição contemporânea de propriedade, utilizando-se de uma classificação da propriedade, incluso a propriedade coletiva, e da trilogia inserção social, restrição e limite à propriedade. Discute-se que a Função Social deve ser dirigida somente aos bens do Estado enquanto que a propriedade particular deve estar inserida socialmente, pois do contrario sofre sanções da Sociedade ou do Estado. Ante estes conceitos operacionais é que se propõe uma definição para propriedade. Palavras-chave: Inserção social. Restrição. Propriedade coletiva. Função social. Abstract The present article considers a contemporary definition of property, using itself of a classification of property, enclosed the collective property, and of the trilogy social insertion, restriction and limits of property. It is argued that the social function must be directed only to the goods of State whereas the particular property must be Socially Inserted, therefore from the opposite side it suffers sanctions from the Society or from the State. Before these operational concepts it is that it intends a definition for property. Keywords: Social insertion. Restriction. Collective property. Social function. social; prestação positiva e negativa; função social; limite à propriedade; restrição à propriedade e; propriedade coletiva. As categorias apresentadas nem todas são conceituadas, mas ficam implícitas de uma forma ou outra, pois, todas estão atreladas à definição de propriedade. Ao conceituar estas categorias chega-se a uma definição a qual se entende apropriada para a propriedade contemporânea, construída de forma aceitável e baseada numa lógica matemática. * Graduado e Mestre em Direito; Graduado em Ciência da Computação; Mestre e Doutor em Engenharia de Produção; Professor da Graduação das disciplinas: de Direito das Coisas e Informática Jurídica, na Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI; Professor do Mestrado da disciplina Informática, Propriedade e Transnacionalidade, no Curso de Pós-Graduação em Ciência Jurídica – CPCJ/UNIVALI. Email: [email protected].

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    lvaro Borges de Oliveira

    Introduo

    O presente artigo tem por objeto uma definio contempornea de propriedade circunscrita ao direito civil, j que o conceito de propriedade dado pela constituio no serve ao direito privado.

    Tem-se como objetivo inicial no conceituar, mas buscar uma definio de propriedade o que ensejam conceituar vrias outras categorias que muitas vezes so mal interpretadas como: constitucionalizao do direito privado; insero

    Uma definio de propriedade

    A property definition

    lvaro Borges de Oliveira*

    Resumo

    O presente artigo prope uma definio contempornea de propriedade, utilizando-se de uma classificao da propriedade, incluso a propriedade coletiva, e da trilogia insero social, restrio e limite propriedade. Discute-se que a Funo Social deve ser dirigida somente aos bens do Estado enquanto que a propriedade particular deve estar inserida socialmente, pois do contrario sofre sanes da Sociedade ou do Estado. Ante estes conceitos operacionais que se prope uma definio para propriedade.

    Palavras-chave: Insero social. Restrio. Propriedade coletiva. Funo social.

    Abstract

    The present article considers a contemporary definition of property, using itself of a classification of property, enclosed the collective property, and of the trilogy social insertion, restriction and limits of property. It is argued that the social function must be directed only to the goods of State whereas the particular property must be Socially Inserted, therefore from the opposite side it suffers sanctions from the Society or from the State. Before these operational concepts it is that it intends a definition for property.

    Keywords: Social insertion. Restriction. Collective property. Social function.

    social; prestao positiva e negativa; funo social; limite propriedade; restrio propriedade e; propriedade coletiva.

    As categorias apresentadas nem todas so conceituadas, mas ficam implcitas de uma forma ou outra, pois, todas esto atreladas definio de propriedade.

    Ao conceituar estas categorias chega-se a uma definio a qual se entende apropriada para a propriedade contempornea, construda de forma aceitvel e baseada numa lgica matemtica.

    * Graduado e Mestre em Direito; Graduado em Cincia da Computao; Mestre e Doutor em Engenharia de Produo; Professor da Graduao das disciplinas: de Direito das Coisas e Informtica Jurdica, na Universidade do Vale do Itaja - UNIVALI; Professor do Mestrado da disciplina Informtica, Propriedade e Transnacionalidade, no Curso de Ps-Graduao em Cincia Jurdica CPCJ/UNIVALI. Email: [email protected].

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    Uma definio de propriedade

    ou CD(f). Logo, CD(f) = B.c) ao elemento y de B, associado ao elemento x de A, d-se o nome de imagem de x, pela funo f. Indica-se que y a imagem de x pela notao y = f(x) (l-se: y igual a f de x).d) ao conjunto dos elementos y de B, que so imagens dos elementos x de A, d-se o nome de conjunto-imagem ou simplesmente imagem da funo. Indica-se o conjunto-imagem da funo por Im ou Im(f). Para toda funo, Im B.e) indica-se que f uma funo de A em B pela notao f : A B (l-se: f de A em B).

    1 Consideraes sobre funo matemticaNo h matematismo neste artigo, todavia se

    embasaremos nela para retirar o substrato necessrio compreenso da palavra Funo junto ao conceito de Propriedade. Noutro artigo (OLIVEIRA, 2007, on line) explicamos melhor os conceitos matemticos, o que aqui no se faz necessrio mais do que se vai expor.

    Dito isto, para se resolver um problema, deve-se retirar os elementos de que se necessita de um conjunto que os contenham. Esse conjunto de onde se retiram os elementos chama-se Conjunto Universo (U)1.

    Entende-se assim, que o conjunto Universo possui todos os atributos, ou melhor, donde se encontram os elementos necessrios soluo de um determinado problema.

    J a noo de funo surge da necessidade de se analisar e entender fenmenos2 naturais, econ-micos psicolgicos, a exemplo das relaes, tornan-do-se um assunto muito importante na matemtica e, contemporaneamente, como a correspondncia entre uma instituio e as necessidades de um or-ganismo social. (DURKHEIM, 1984).

    Bianchini e Paccola, 1990, p.44), ao desenlaar o assunto das Funes, conceitua-a como sendo uma LEI f que associa a cada elemento x de A um nico elemento y de B.

    s funes, emprega-se a seguinte linguagem, segundo Bianchini e Paccola (1990, p.44), conforme Figura 1.

    Salienta ainda Bianchini e Paccola (1990, p.43-44), para que uma funo fique bem definida preciso que sejam dados os conjuntos no vazios A e B e uma LEI que associa a cada x de A um nico elemento y de B.

    Com o intuito de exemplificar uma funo Bianchini e Paccola (1990, p.44) apresenta o seguinte: dados os conjuntos A = {1, 2, 3} e B = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7}, consideramos a funo f : A B, definida pela LEI f(x) = 2x + 1 ou y = 2x + 1, tem-se, de acordo com a Figura 2.

    Figura 1. Funo.Frente a figura verifica-se que:a) ao conjunto A d-se o nome de domnio da funo. Indica-se o domnio da funo f por D ou D(f). Logo, D(f) = A.b) ao conjunto B d-se o nome de contra-domnio da funo. Indica-se o contradomnio da funo f por CD

    Figura 2. Lei de Associao.Para x = 1 y = 2 . 1 + 1 = 3Para x = 2 y = 2 . 2 + 1 = 5Para x = 3 y = 2 . 3 + 1 = 7Logo, f = {(1,3), (2, 5), (3, 7)}

    1 A palavra Universo, na matemtica, tem um sentido limitador daquilo de que se quer iniciar, isto , como se tivssemos um ponto de partida e chegada ao mesmo tempo, no podendo extrapolar o que se tem, o prprio conjunto universo definido

    2 Cada fenmeno desses pode ser um conjunto universo

    Indica-se que 3 a imagem de 1, pela funo f, por f(1) = 3. Da mesma forma, temos: f(2) = 5 e f(3) = 7. O conjunto-imagem dessa funo Im(f) = {3, 5, 7}.

    Neste sentido que Bongiovanni et. al. (1993, p.171) argumentam que duas grandezas, x e y, esto relacionados entre si, de modo que: x pode assumir qualquer valor em um conjunto A; a cada valor de x corresponde um nico valor de y em um conjunto B,

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    diz-se que a grandeza que assume valores y uma funo da grandeza que assume valores x, isto , que y uma funo de x.

    Destarte, uma definio puramente matemtica dada por Gentil et al. (1989, p.44):

    Dados dois conjuntos, A e B, no-vazios, dizemos que a relao f de a em B funo se, e somente se, para qualquer x pertencente ao conjunto A, existe, em correspondncia, um nico y pertencente a B, tal que o par ordenado (x, y) pertena a f. Simbolicamente: F funo de A em B (x A, y B (x, y) f)

    Do exposto, dados dois conjuntos A e B, pode-se inferir que:

    a) ocorre a relao R de A em B quando existir qualquer subconjunto de A X B, isto , quando: R uma relao de A em B R A X B;

    b) ocorre uma funo de A em B, estes conjuntos no vazios, se para todo x de A existir em correspondncia um nico y de B.

    Porquanto, uma relao s ser uma funo se obedecer a uma LEI f que associe a cada elemento x de A um nico elemento y de B.

    2 Conjuntura do conceito de propriedade

    de suma importncia distinguir o conceito de propriedade na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 19883 e o conceito do Cdigo Civil de 2002.

    Na CRFB/88 o conceito de Propriedade equivalente a patrimnio, isto , se vale dos direitos pessoais tambm. Neste sentido tem-se Pinto Ferreira (1989, p.34)

    O conceito de propriedade previsto na Constituio vigente bem amplo. No direito civil o direito de propriedade o direito de usar, gozar e dispor de uma coisa4. No direito constitucional mais amplo, pois representa um direito de contedo econmico-patrimonial. A garantia do direito de propriedade no se limita por conseqncia ao direito real, mas tambm incide nos direitos pessoais, de fundo patrimonial. Caso se concedesse uma interpretao restritiva ao direito de propriedade, no estariam tutelados os crditos, que no teriam a tutela jurdico-constitucional e que poderia ser desapropriado sem indenizao, o que no o caso. [...].

    Jos Cretella Junior (1990, p.300) tem o mesmo entendimento quanto ao conceito de propriedade como sendo o conjunto de toda a patrimonialidade. Ainda vai alem ao dizer que o texto garante a atribuio do direito patrimonial a seu titular.

    certo que este conceito de propriedade no se encaixa na tica civilista, uma vez que para o Direito Civil propriedade um direito real5, no se tratando de direitos pessoais.

    No Direito Civil a Propriedade encontra-se no Livro de Direitos das Coisas o qual de forma lgica pode ser dividido em Posse e Direito Real, este por sua vez subdividido em Propriedade, Superfcie, Servido, Usufruto, Uso, Habitao, Promitente Comprador, Penhor, Hipoteca e Anticrese, a exemplo do Direito Brasileiro, enquanto aquela fato.

    A Propriedade o mago dos Direitos Reais, o Direito Real por excelncia. Se analisarmos a Propriedade, conseqentemente chegaremos s concluses dos demais Direitos Reais, e certamente se obter resultados acerca da posse.

    Assim se verificar o conceito de propriedade sob trs formas: analtica; descritiva e; sinttica.

    Analiticamente levam-se em considerao as faculdades do proprietrio ou os poderes inerentes da propriedade (usar, gozar, dispor e reaver), tem-se assim o primeiro e mais simples conceito: propriedade um direito real.

    Vale ressaltar que devido ao Cdigo Napolenico algumas doutrinas atuais trouxeram equivocadamente o conceito de propriedade como sendo o direito de usar, gozar e dispor das coisas, carece assim esclarecimentos. Se estes doutrinadores tivessem o cuidado de observar que o nosso Cdigo Civil previdente, perceberiam que o Artigo 1.228 diz que o proprietrio tem faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e no direito, alm do que no se pode confundir propriedade com proprietrio. O proprietrio possui um direito subjetivo sobre a coisa e no um direito como querem algumas doutrinas.

    Desta forma pode-se inferir um segundo conceito, como sendo a propriedade, um direito real subjetivo do proprietrio de usar, gozar e dispor da coisa e reaver de quem quer o detenha ou possua injustamente.

    3 Doravante CRFB/884 Ressalva-se que esta frase em nossa concepo est completamente equivocada uma vez que a propriedade no direito e sim que o pro-

    prietrio possui direito subjetivo (faculdade) como se ver mais adiante5 Artigo 1.225 do Cdigo Civil

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    Uma definio de propriedade

    Descritivamente leva-se em considerao ao conceituar propriedade algumas de suas caractersticas, tais como: pblica, privada, plena, restrita, corprea, incorprea, perpetua, resolvel, mvel, imvel e exclusiva.

    Sinteticamente leva-se em considerao o poder de senhorio sobre a coisa. Neste sentido busca-se o conceito de Giuliano Martignetti (2004, p. 1021) que a define como sendo

    [...] relao que se estabelece entre o sujeito A e o objeto X, quando A dispe livremente de X e esta faculdade de A em relao a X socialmente reconhecida como uma prerrogativa exclusiva, cujo limite terico sem vnculos e onde dispor de X significa ter o direito de decidir com respeito a X, quer se possua ou no em estrito sentido material.

    A definio indica, genericamente, um sujeito A e um objeto X, sem especificar quem ou que coisa sejam A e X.

    A vaguidade abstrata da definio serve para pr em evidncia o aspecto essencial da relao, que a faculdade exclusiva de A dispor e decidir com respeito a X. Nesse sentido, o conjunto de A e X e da sua relao de complementaridade em serem ativos e passivos suficiente para identificar um sistema que, na definio proposta, se poderia configurar como um universo, completo em si, como aconteceria em nvel de pura teoria, se identificssemos em A todos os homens que vivem na Terra e em X todo o resto do mundo fsico que constitui o orbi terrqueo, mais o conjunto, considerado em comunicao recproca absoluta, de conhecimentos e idias ou de toda a vida psquica dos homens que constituem A.

    O Aspecto implcito na definio , pelo contrrio, que A e X, como conjunto, no se identificam com o universo, mas constituem parte dele, j que a relao de propriedade se configura exclusiva. Supe-se que existe um universo U que contm outros elementos diferentes de A e de X, e que esses elementos esto excludos da relao; e, ainda para ter sentido falar de excluso, se supe que existem, a par de A, outros sujeitos virtuais da relao (B, C, etc) que, no entanto, dela foram excludos, ou que, a para de X, existem outros objetos virtuais (V, W, etc) igualmente excludos, ou que ambas as alternativas ocorrem contemporaneamente. Como no caso de A e de X, tambm os outros sujeitos e objetos potenciais da relao podem ser unidades individuais ou grupos de unidades.

    Nosso entendimento de propriedade inaltervel, a priori, ao de Giuliano Martignetti (2004), todavia nos permitiremos dar algumas contribuies e praticidade a este conceito.

    Entrementes com Giuliano Martignetti (2004) chegamos a um conceito inicial de propriedade que vai desencadear nosso raciocnio sobre o conceito de propriedade. Destaca-se do conceito de Giuliano Martignetti (2004) a palavra relao. Esta por sua vez forosamente nos leva a outra palavra Funo, conforme Figura 3.

    Figura 3: Relao e Funo de pessoas e coisas

    Ao interpretar Giuliano Martignetti (2004) no que diz respeito aos seus conjuntos, temos em U2 as coisas materiais e imateriais e, em U1 no s o homem, mas as pessoas seja ela fsica ou jurdica ou, at uma coletividade, e como veremos adiante, esse conceito pode ser elevado em nvel prtico global.

    A passagem da figura 3.1 para figura 3.2 deve resultar de uma LEI f que associe a cada elemento x de A um nico elemento y de B, estamos diante da exclusividade. O primeiro problema a ser verificado se algumas das situaes que ocorrem no Direito das Coisas esto satisfeitas pelas regras das funes, como por exemplo, a dos Direitos Reais, Condomnio e Posse, pois se para uma delas no for possvel, todo nosso trabalho em conceituar propriedade ser em vo.

    Para exemplificar pegaremos um dos direitos reais, o mais conhecido, o Usufruto, veja Figura 4.

    Figura 4: Usufrutoa.

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    Para que o usufruto satisfaa as condies de funo deve, cada elemento do conjunto U1 levar a um nico elemento em U2, o que pode ser constatado na Figura 5.

    os outros so particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

    Dada estas consideraes iniciais acerca da classificao da propriedade, nos parece que o resgate feito por Jos Isaac Pilati (2005, p.49-69) ao mencionar uma terceira espcie de propriedade, esquecida pelos cdigos atuais, e que era tratada pelo Direito Romano, vem a calhar em nosso raciocnio: a propriedade coletiva ou social.

    Explica Jos Isaac Pilati (2005) que os bens coletivos ou sociais no pertencem nem ao estado nem ao particular e a tutela desses bens no deve ser poder de polcia do Estado, ou de agncias, ou do Ministrio Pblico, mas estar ao alcance da Sociedade. Encaixam-se nesta classificao os bens como a sade, meio ambiente, jazidas, entre outros.

    Cr-se assim que o Artigo 98 no feliz ao classificar a propriedade em pblica e privada, e ainda da pblica o remanescente ser privada. Uma nova redao para este Artigo seria contemplar Propriedade Coletiva e ai sim o remanescente ser pblico ou privado.

    No importa o contexto em que se encontra a propriedade, seja em nvel local, municipal, estadual, federal ou transnacional, a Propriedade Coletiva que agrega os maiores valores da humanidade, pois dela que depende o homem para sobreviver em qualquer lugar em que se encontre no planeta, da a tutela desses bens serem intrnseca do prprio homem e no de uma fico jurdica, todavia seja resguardada a soberania.

    da Propriedade Coletiva que emana a conduta dos valores, da serventia da propriedade pblica e privada.

    4 Trilogia da propriedade: insero social, limite e restries

    Abre-se a discusso inferindo-se que se existe uma dicotomia em relao aos bens, como mencionam os cdigos atuais, ento o tratamento dado a uma classificao no deve ser a mesma para a outra, at por uma questo de lgica, de racionalidade, pois do contrario no haveria sentido a prpria classificao.

    Neste contexto a famigerada Funo Social deve tambm ser tratada diferentemente para cada classificao de propriedade. Assim passa-se a

    Figura 5: Funo para Usufruto.

    Pela Figura 5 observa-se que A e B do conjunto U1 levam a um nico elemento casa em U2, assim para o usufruto a Funo est satisfeita. A Lei (funo) sero as prprias regras e princpios do usufruto.

    Desta forma se aplicssemos a todos os institutos do Direito das Coisas (os demais Direitos Reais, Condomnio, Posse) chegaramos ao mesmo raciocnio.

    Tem-se, portanto, que o estado da arte do conceito de propriedade est firmado em suas faculdades (analtica), atributos (descritivamente) ou ao senhorio (sinttica), mas faltava um elo, este dado pela matemtica como visto. Em verdade estava no inconsciente, pois dado pelas normas de cada instituto.

    3 Classificaes da propriedade

    Na concepo dos cdigos atuais6 as propriedades ou bens, so classificados como sendo pblicos ou privados. Os bens pblicos so os pertencentes s pessoas jurdicas de direito pblico interno e os demais so privados, conforme prescreve o Cdigo Civil no artigo 98, a saber: So pblicos os bens do domnio nacional pertencentes s pessoas jurdicas de direito pblico interno; todos

    6 A notao utilizada, por exemplo, A (D) (R), significa duas coisas: os parnteses representam sempre propriedade e os colchetes sempre a posse da pessoa A, B, C ... ; os poderes inerentes da propriedade Dispo, Usar, Gozar so representados pelas suas iniciais.

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    Uma definio de propriedade

    analise da funo social no s da dicotomia atual, mas tambm da seguinte classificao: Propriedade Privada, da Propriedade Coletiva e da Propriedade Pblica.

    Notadamente estamos escrevendo sobre a tica do direito privado e no possvel conceber uma propriedade privada tendo que exercer finalidade social.

    Em nossa concepo a Propriedade Privada no deve exercer funo social uma vez que o particular no tem Dever de dar finalidade social a sua propriedade, todavia a propriedade privada deve estar Inserida Socialmente, estar em consonncia com a sociedade. Isto nos dado pelo Princpio Republicano, isto , deve-se atender o coletivo e no ao individual. Posio que venho aventando h muito tempo em minhas aulas e em meus artigos. Alis, quando o Estado no consegue arcar com suas responsabilidades encontra ele um meio de delegar ao privado7, respeitante a propriedade no seria diferente, da brotar muitas confuses conceitualmente. Estas dvidas no que diz respeito propriedade privada provm da constitucionalizao do direito privado.

    A constitucionalizao do direito privado traz a seguinte trilogia propriedade, a saber: a Insero Social; as limitaes e; as Restries. Para se entender o Dever que o proprietrio tem sobre a propriedade obriga-se entender estas trs categorias. A Insero Social da Propriedade proporcional ao Direito Subjetivo do Proprietrio, e esta proporcionalidade gradual medida que o proprietrio insere mais ou menos seu bem no contexto social. como se a sociedade fosse uma srie de engrenagens dentadas: Econmica; Civil, Pblica; Sade; Segurana; Liberdade, entre outras, das quais a propriedade Deve estar inserida, como se cada propriedade participasse socialmente sendo uma endentao de cada uma das engrenagens.

    Como exemplo poderia se iniciar com um terreno sem benfeitorias no centro de uma cidade, cercado, limpo e em dia com os nus fiscais. Se analisarmos sob a tica das engrenagens observa-se que este terreno est inserido socialmente, pois as engrenagens do Pblico, quando pago os

    impostos, e as engrenagens do Civil, quando cercado e limpo, esto satisfeitas, todavia h engrenagens que poderiam ser acionadas e que esta propriedade (endentao) no participa.

    Esta graduao pode ser aumentada medida que o proprietrio, por exemplo, locasse o terreno para um estacionamento. V-se da que outras engrenagens foram acionadas ou tiveram maior proveito, como a econmica, por exemplo, ao tornar o terreno fecundo, aumenta-se o desempenho da engrenagem Civil ao gerar emprego, isto , o grau da insero social aumentou. Desse modo verifica-se que a Insero Social da Propriedade uma prestao positiva sociedade.

    Visto a Insero Social restam ainda s limitaes e as restries dadas propriedade. Para diferenciar estas duas categorias vamos exemplificar com o seguinte: se pegamos uma criana e damos limites, a proibimos de certas coisas, todavia se a restringimos, tiramos dela alguma coisa. Com a propriedade no diferente, ora podemos ser limitados em nossa propriedade, ora podemos sofrer restries em nossa propriedade, so as obrigaes negativas sofridas pela propriedade sociedade. Nos Limites esto inseridas as normas em que a palavra no est normalmente explicita ou implicitamente presente, advinda de um ente pblico ou privado, como o caso do Plano Diretor, Direito de Vizinhana ou das regras de um Condomnio Edilcio (conveno e regimento interno).

    As Restries propriedade privada tambm podem ser dadas, tanto por um particular, quanto por um ente pblico ou pelo prprio proprietrio, so normas, tambm, negativas que fazem com que o particular seja privado de sua propriedade em parte ou no todo. Como exemplo de restries propriedade tem-se: aquelas dadas por um particular (artigos 1.258 e 1.259 do Cdigo Civil); pelo prprio proprietrio (servido ambiental) e; por um ente pblico (as desapropriaes). Em nosso entendimento a Insero Social emblema o direito subjetivo, a qual no exercida num contexto social pode incorrer numa sano, esta de reconhecimento pblico por meio de um particular8 ou pelo Estado9.

    7 V-se com a previdncia privada, com os planos de sade, com a segurana, com a educao, entre outros8 Como exemplo cita-se o Artigo 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupo, nem oposio, possuir como seu um imvel, adquire-lhe a

    propriedade, independentemente de ttulo e boa-f; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentena, a qual servir de ttulo para o registro no Cartrio de Registro de Imveis. Pargrafo nico. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se- a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou servios de carter produtivo.

    9 Como exemplo cita-se o Artigo 1.276. O imvel urbano que o proprietrio abandonar, com a inteno de no mais o conservar em seu patri-mnio, e que se no encontrar na posse de outrem, poder ser arrecadado, como bem vago, e passar, trs anos depois, propriedade do Municpio ou do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscries. 1 O imvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstncias, poder ser arrecadado, como bem vago, e passar, trs anos depois, propriedade da Unio, onde quer que ele se localize. 2 Presumir-se- de modo absoluto a inteno a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietrio de satisfazer os nus fiscais.

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    Concernente Propriedade Coletiva entende-se ser esta classificao a Insero Social por excelncia uma vez que dela que devem surgir as demais classificaes de propriedade. Sobre a Propriedade Coletiva no h limitaes nem restries, muito menos Poder (usar, gozar e dispor), pois dela que emanam algumas das restries e limitaes Propriedade Privada e Propriedade Pblica, pois estas gravitam na rbita daquela.

    J para a Propriedade Pblica deve-se partir da classificao dada pelo Artigo 99 do Cdigo Civil: bens de uso especial; bens de uso comum do povo e; bens dominicais. Estes bens, entretanto devem atender o prprio Estado, as necessidades das pessoas e cumprirem uma finalidade, respectivamente. Passa-se assim a anlise de cada uma desta classificao.

    Os bens de uso especial devem atender a Insero Social, os Limites e as Restries, pois no poderamos conceber, por exemplo, que um prdio onde fosse funcionar uma prefeitura viesse a ser construdo e prejudicasse o meio ambiente ou que uma determinada indstria pertencente ao municpio viesse a poluir um rio, por exemplo.

    J os bens de uso comum do povo podem de inicio confundir-se com os bens coletivos, todavia no h que se baralhar, pois mesmo sendo de interesse de uma regio, cidade, por exemplo, a construo de uma estrada, de uma praa deve atender a trilogia Insero Social, Limitao e Restrio, uma vez que a Propriedade Coletiva tambm transnacional.

    Por fim os bens dominicais, os quais vo sofrer diretamente a aplicao da Funo Social, pois enquanto no afetados pertencem ao patrimnio pblico sem destinao. Da dizer que a propriedade pblica (bens dominicais) deve ter funo social. certo que um bem dominical no necessariamente venha a sofrer a funo social, pois sua afetao pode ser para se transformar num bem especial. Assim, se um bem dominical afetado para se transformar em casas populares ou numa praa, entende-se aplicada a funo social da propriedade.

    Destarte, se a Propriedade Privada deve estar consoante trilogia em certos casos a Propriedade Pblica tambm, mas a Propriedade Coletiva quem vai, em certos casos, emanar tal trilogia.

    Ainda, importante ressaltar que se um determinado bem particular for, por exemplo, desapropriado, para construo de um hospital, praa, casas populares, pois nestes casos tem-se que o bem particular foi Restringido e passado bem pblico e s ento veio a cumprir a Funo Social.

    Ante o exposto que preferimos expresso Insero Social para a Propriedade Privada e Funo Social para quando o Estado emprega um determinado bem seu com finalidade Social. O bem pblico deve atender as necessidades sociais enquanto que bem particular deve ser coadjuvante social e ambos interdependentes para com a Propriedade coletiva.

    5 Definio de propriedade

    Os poderes inerentes propriedade so: usar, gozar, dispor, reaver e a exclusividade os quais o proprietrio tem a faculdade. Assim, estas faculdades culminam no Poder do Proprietrio. Contudo foi visto at ento que a propriedade no s Poder, mas tambm Dever, este dado pela trilogia da propriedade.

    Se juntarmos os conceitos vistos no item conjuntura com o pargrafo anterior pode-se montar uma definio de propriedade, isto , a idia de relao (funo), direito subjetivo, poder e dever.

    Se existe uma relao que se estabelece entre o sujeito A e o objeto X, a propriedade um direito real subjetivo (Poder) que o proprietrio X exercer sobre o objeto X de usar, gozar, dispor e reaver de quem quer o detenha ou possua injustamente, devendo (Dever) coadjuvar socialmente por meio da trilogia Insero Social, Limitao e Restrio. A Figura 6 abaixo retrata a definio.

    Figura 6. Definio de Propriedade

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    Uma definio de propriedade

    Depreende-se da Figura 6 a definio de propriedade uma vez que nela esto contidos os conceitos analticos, sintticos e descritivos, bem como integra-o a conjectura atual que vivemos no planeta e no s regional, pois se entende que este conceito no se aplica regionalmente, mas transnacionalmente.

    Ressalta-se que a definio de propriedade proposta aqui, ainda que endereada propriedade imvel, at mesmo pelo costume ou pelo valor econmico, tem aplicao s propriedades mveis e tambm as corpreas e incorpreas.

    Se pegarmos como exemplo um bem mvel, como um automvel, verifica-se que esto presentes para o proprietrio todas as faculdades, bem como os automveis devem estar Inseridos socialmente, possuem restries e limitaes. Se se dirige prudentemente, se paga os impostos devidos, se mantemos os pneus com borracha suficiente que no traga perigo, se mantemos a mecnica sempre em dia, podemos afirmar que este automvel est inserido socialmente. Por outro lado se compramos um automvel potente e no podemos usar o seu motor na integra, no podemos usar o som num volume alto, no podemos usar um engate no carro seno em conformidade com a lei, no poder rebaixar, estes so limites a sua propriedade. As restries seriam basicamente as mesmas dadas propriedade imvel.

    Quanto propriedade incorprea como exemplo pega os Direitos Autorais de um livro. A partir do momento que se escreve um livro didtico se est inserindo socialmente o conhecimento que poderia ter permanecido com o autor. As limitaes ao direito do autor esto, por exemplo, pelo tempo que se estabelece em lei como proprietria dos direitos autorais, 70 anos e restrio seria que passado os 70 anos, este cairia em domnio pblico, isto pertenceria ao Estado. No mesmo norte ocorre com uma inveno que quando patenteada cumpre sua Insero Social, todavia decorre de lei que 20 anos so o limite para ser proprietrio de uma patente. A restrio neste caso tambm vem da lei, pois se patenteada e no industrializada pode o Estado disponibilizar a outrem a sua industrializao.

    Consideraes finais

    Resta claro a meu ver que ao se mencionar a famigerada Funo Social deve-se se ter em mente qual classificao de propriedade quer se retratar.

    A Funo Social da Propriedade s existe quando a propriedade for pblica, enquanto

    propriedade privada ha de se falar em Insero Social.

    Relevante tambm concepo de uma terceira classificao proposta por Jos Isaac Pilati ao resgatar do Direito Romano a Propriedade Coletiva, pois ela fundamental ao conceito atual de propriedade.

    Conclui-se que a constitucionalizao do direito privado veio de certa forma confundir algumas categorias e deve estar claras para se entender a definio de propriedade.

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