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L Capítulo IRA NA GESTAÇÃO Alvaro Nagib Atallah Seide Abdala Define-se insuficiência renal aguda (IRA) como uma queda abrupta do ritmo da filtração glomerular. Po- rém, é interessante lembrar que as grávidas têm au- mento do ritmo de filtração glomerular, em cerca de 50%, que já se inicia em tomo do segundo mês de ges- tação, e a creatinina na gestação normal está entre 0,6 e 0,7mg%. De forma que elevações aparentemente pe- quenas na creatinina, em gestantes, correspondem a quedas substanciais na função renal. Por exemplo, uma grávida com 1,2mg% de creatinina tem redução de apro- ximadamente 50% do ritmo de filtração glomerular. A insuficiência renal aguda associada à gravidez é mais freqüente no primeiro trimestre, geralmente as- sociada a sangramento por aborto espontâneo ou abor- tamento séptico e, no final da gravidez, decorrente de complicações como perda sangüínea por placenta pré- via, descolamento prematuro de placenta e por dimi- nuição da superfície de filtração glomcrulac como nos casos de pré-eclampsia e eclampsia. Nos países desenvolvidos, a incidência de insufici- ência renal aguda é estimada em cerca de um caso para cada 10.000 ou 20.000 gestações':". A taxa de mortalidade materna associada a insufi- ciência renal aguda gira em tomo dos 15 a 20% e con- vém lembrar que, com exceção da necrose cortical re- nal bilateral, em geral essas lesões renais são franca- mente reversíveis e de bom prognóstico, O prognóstico da necrose cortical renal bilateral vai depender do percentual de glomérulos lesados, mas normalmente, há uma proteção dos néfrons mais pro- fundos, os justaglomerulares, que podem se hiperper- trofiar, substituindo parcialmente a função dos néfrons corticais perdidos, de forma que o rim tem um prog- nóstico reservado, mas a paciente pode ter vida prati- camente normal sem diálise por longo período. Na prática médica o problema da insuficiência re- nal aguda surge em mente sempre que o médico se depara com uma paciente em oligúria, Cabe, então, fa- zer-se o diagnóstico diferencial se essa redução do vo- lume urinário, com conseqüente queda do ritmo de fil- tração glomerular e aumento da creatinina plasmática, corresponde a insuficiência renal do tipo pré-renal, re- nal ou pós-renal. Tanto durante a gestação como na mulher não-grávida, o diagnóstico diferencial da insu- ficiência renal aguda deve ser amplo. As causas pré-renais têm como denominador co- mum a redução do fluxo plasmático renal após a redu- ção volêmica por perda sangüínea, hiperemese graví- dica, diarréias, hemorragias e, em particular, insuficiên- cia cardíaca e choque (Quadro 24). Das causas de IRA do tipo renal que entram no diagnóstico diferencial, particularmente a pré-eclarnpsia, a eclampsia e a sín- drome "HELLP" que são apresentações do mesmo pro- cesso básico de doença no que concerne à hernodinâ- mica da paciente, ao fluxo plasmático renal e à anáto- mo-patologia renal, ou seja, ocorre a endoteliose que diminui a filtração glomerular resultando em aumento Quadro 24 - IRA na gestação. Tipos Causas Pré-renais Perdas sanguíneas (DPP + placenta prévia atonia uterina) Hiperemese gravídica Insuficiência cardíaca Choque Renais Hipofluxo renal prolongado Pré-eclarnpsia / eclampsia DPP Síndrome "HELLP" Esteatose hepática aguda da gestação Abortamento séptico Síndrome hemolítico-urêmica Colagenoses GNDA Drogas (aminoglicosídeos, antiinflamatórios) Pós-renais Ligadura ureteral Cálculo ureteral de rim único DPP = descolamento prematuro da placenta. GNDA = glomerulonefrite difusa aguda. 223

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L Capítulo

IRA NA GESTAÇÃO

Alvaro Nagib AtallahSeide Abdala

Define-se insuficiência renal aguda (IRA) como umaqueda abrupta do ritmo da filtração glomerular. Po-rém, é interessante lembrar que as grávidas têm au-mento do ritmo de filtração glomerular, em cerca de50%, que já se inicia em tomo do segundo mês de ges-tação, e a creatinina na gestação normal está entre 0,6 e0,7mg%. De forma que elevações aparentemente pe-quenas na creatinina, em gestantes, correspondem aquedas substanciais na função renal. Por exemplo, umagrávida com 1,2mg% de creatinina tem redução de apro-ximadamente 50% do ritmo de filtração glomerular.

A insuficiência renal aguda associada à gravidez émais freqüente no primeiro trimestre, geralmente as-sociada a sangramento por aborto espontâneo ou abor-tamento séptico e, no final da gravidez, decorrente decomplicações como perda sangüínea por placenta pré-via, descolamento prematuro de placenta e por dimi-nuição da superfície de filtração glomcrulac como noscasos de pré-eclampsia e eclampsia.

Nos países desenvolvidos, a incidência de insufici-ência renal aguda é estimada em cerca de um caso paracada 10.000 ou 20.000 gestações':".

A taxa de mortalidade materna associada a insufi-ciência renal aguda gira em tomo dos 15 a 20% e con-vém lembrar que, com exceção da necrose cortical re-nal bilateral, em geral essas lesões renais são franca-mente reversíveis e de bom prognóstico,

O prognóstico da necrose cortical renal bilateral vaidepender do percentual de glomérulos lesados, masnormalmente, há uma proteção dos néfrons mais pro-fundos, os justaglomerulares, que podem se hiperper-trofiar, substituindo parcialmente a função dos néfronscorticais perdidos, de forma que o rim tem um prog-nóstico reservado, mas a paciente pode ter vida prati-camente normal sem diálise por longo período.

Na prática médica o problema da insuficiência re-nal aguda surge em mente sempre que o médico sedepara com uma paciente em oligúria, Cabe, então, fa-zer-se o diagnóstico diferencial se essa redução do vo-

lume urinário, com conseqüente queda do ritmo de fil-tração glomerular e aumento da creatinina plasmática,corresponde a insuficiência renal do tipo pré-renal, re-nal ou pós-renal. Tanto durante a gestação como namulher não-grávida, o diagnóstico diferencial da insu-ficiência renal aguda deve ser amplo.

As causas pré-renais têm como denominador co-mum a redução do fluxo plasmático renal após a redu-ção volêmica por perda sangüínea, hiperemese graví-dica, diarréias, hemorragias e, em particular, insuficiên-cia cardíaca e choque (Quadro 24). Das causas de IRAdo tipo renal que entram no diagnóstico diferencial,particularmente a pré-eclarnpsia, a eclampsia e a sín-drome "HELLP" que são apresentações do mesmo pro-cesso básico de doença no que concerne à hernodinâ-mica da paciente, ao fluxo plasmático renal e à anáto-mo-patologia renal, ou seja, ocorre a endoteliose quediminui a filtração glomerular resultando em aumento

Quadro 24 - IRA na gestação.

Tipos Causas

Pré-renais Perdas sanguíneas(DPP + placenta prévia atonia uterina)Hiperemese gravídicaInsuficiência cardíacaChoque

Renais Hipofluxo renal prolongadoPré-eclarnpsia / eclampsiaDPPSíndrome "HELLP"Esteatose hepática aguda da gestaçãoAbortamento sépticoSíndrome hemolítico-urêmicaColagenosesGNDADrogas (aminoglicosídeos, antiinflamatórios)

Pós-renais Ligadura ureteralCálculo ureteral de rim único

DPP = descolamento prematuro da placenta.GNDA = glomerulonefrite difusa aguda.

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cientes devem ser acompanhadas com cuidado porquehá tendência da infecção da pielonefrite recidivar, au-mentando o risco de abortamento.

A pré-eclarnpsia acomete cerca de 10% das gestan-tes e tem como substrato anátomo-patológico renal apresença de endoteliose, com deposição de fatores decoagulação, fibrina na membrana basal, com aumentodo volume celular glomerular com diminuição da luze da superfície de filtração glomerular. Conseqüente-mente há queda do ritmo de filtração glomerular e in-suficiência renal aguda de grau variável.

A pré-eclampsia grave costuma se acompanhar deintensa hipovolemia, podendo haver também insufici-ência cardíaca. Essas pacientes têm uma extrema sen-sibilidade postural. Assim, quando se coloca a pacien-te com pré-eclampsia grave em decúbito dorsal há umaqueda do retorno venoso, do débito cardíaco e do flu-xo plasmático renal com conseqüente redução do rit-mo de filtração glomerular. Como na pré-eclampsia háintensa sensibilidade vascular, ao se diminuir o débitocardíaco cai ainda mais o ritmo de filtração glomerulare a paciente pode entrar em anúria. O tipo de decúbitona gestação é muito importante tanto na propedêuticaquanto na terapêutica renal. O ritmo de filtração glo-merular aumenta nessas pacientes em torno de 50%quando elas passam do decúbito dorsal para o lateralesquerdo-.

Em alguns casos mais graves, a lesão renal glome-rular pode evoluir para necrose tubular aguda típicaou ainda pode haver um processo de CIVO intenso comnecrose não só tubular aguda como também necrosecortical bilateral. A necrose cortical bilateral está asso-ciada aos processos mais intensos de CIVO, geralmenterelacionados a existência de feto morto retido, descola-mento prematuro da placenta e abortamento séptico.

Em resumo, na pré-eclarnpsia a insuficiência renaltem causas múltiplas, há lesão típica da pré-eclampsia:endoteliose, diminuição da superfície de filtração, maiorreatividade vascular com vasoconstrição, diminuiçãodo fluxo plasmático renal, redução de produção de pro-gesterona e prostaciclinas e deficiência de outras subs-tâncias envolvidas na manutenção do relaxamento vas-cular adequado. Há ainda hipovolemia, diminuição dodébito cardíaco e maior probabilidade de sangrarnen-tos, ou seqüestro hídrico.

Um diagnóstico que não pode deixar de entrar nodiagnóstico diferencial da insuficiência renal aguda, nagestação, é a síndrome "HELLP". "HELLP" é um acrô-nimo para hemólise, enzimas hepáticas elevadas e bai-xa de contagem de plaquetas; é uma variante da formagrave da pré-eclampsia que aumenta muito o risco epiora o prognóstico da pré-eclampsia. Nesses casoS ainsuficiência renal aguda ocorre em cerca de metadedos casos e acaba muito freqüentemente requerendodiálise. Essas pacientes, em geral, são primigestas quevêm evoluindo bem e subitamente começam a desen-volver edema, com aumento ou não de pressão, alémde dor epigástrica. A dor epigástrica, convém ressaltar,

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da creatinina, sobrecarga ventricular esquerda, protei-núria e edema, porém, raramente, requer tratamentodialítico. A glomerulonefrite difusa aguda na gestaçãoé de ocorrência rara, cuja freqüência é de menos de umem cada 20 mil gestações. Há de se lembrar, também,as colagenoses que podem se agravar no final da gesta-ção ou após um abortamento ocorrendo agudização docomprometimento renal.

Como causa pós-renal, em obstetrícia, há de se ex-cluir a ligadura do ureter durante a cesárea, uma pos-sibilidade real a ser investigada, mas nesses casos ge-ralmente há anúria total. Quando a ligadura do ureteré unilateral, o volume uriná rio se mantém e o quadroclínico só se manifesta por complicações da hidrone-frase a exemplo da pionefrose. Uma simples ultra-so-nografia de rins e vias urinárias pode auxiliar nessediagnóstico.

Há, entretanto, que se ter em mente que na gesta-ção normal há uma extrema dilatação pielo-ureteral quese inicia em torno do segundo mês de gestação e quesó desaparece dois a três meses após o parto, podendoconfundir o médico menos experiente.

Gostaríamos de ressaltar a importância do aborta-mento séptico como causa de IRA pois, embora essaentidade esteja em processo de franco desaparecimen-to nos países desenvolvidos, após a liberação legal doaborto, nos países subdesenvolvidos o aborto séptico éainda uma causa freqüente de quadros dramáticos queacabam se complicando com IRA. Em alguns paísescomo a índia, 60% dos casos de IRA são associados aoabortamento séptico-'.

O quadro clínico inclui febre, vômitos, diarréias edores musculares generalizadas que geralmente apa-recern em dois dias após a tentativa de aborto e aca-bam evoluindo para um quadro de choque séptico com-plicado, coagulação intravascular disseminada (CIVO)e insuficiência renal aguda.

Em nosso meio há de se ressaltar a importância dainfecção por Clostridium welshíi, anaeróbio que provo-ca necrose uterina com grande liberação de citocinas ecom instalação rápida do quadro de choque séptico,icterícia, CIVO, síndrome do desconforto respiratóriodo adulto, insuficiência renal aguda e morte. O abortoséptico também pode ser causado pela E. coli e outrosGram-negativos.

A pielonefrite aguda é uma das complicações maiscomuns da gravidez e pode agravar lesões renais pree-xistentes. A gestação facilita a instalação da infecçãourinária que pode evoluir para pielonefrite aguda em2% das grávidass. As repercussões funcionais da infec-ção são grandes, pois na gestação a vasculatura renaltem maior sensibilidade à ação das endotoxinas. As-sim, a infecção urinária pode levar a significativas re-duções no ritmo de filtração glomerular.

As pacientes com pielonefrite aguda devem serhospitalizadas e acompanhadas de perto, para a profi-laxia do choque e demais conseqüências da liberaçãoda endotoxina. Após a infecção estar debelada as pa-

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em geral é dor de expansão da cápsula hepática, comtendência a sangramento que pode terminar em ruptu-ra hepática. Temos observado que os clínicos e obste-tras acabam demorando muito para pensar no diag-nóstico, e as pacientes evoluem para óbito com insufi-ciência renal aguda, ruptura hepática, hematoma sub-capsular e morte.

Obviamente na pré-eclampsia e nasíndrome "HELLP"o tratamento mais importante é a realização do partosem perda de tempo. O diagnóstico precoce é funda-mental para os prognósticos tanto materno quanto fe-tal. A dor epigástrica na gestante tem um valor clínicomuito importante e requer que sempre seja feito o diag-nóstico diferencial de síndrome "HELLP", esteatose he-pática aguda da gestação e eclampsia iminente.

O tratamento da insuficiência renal aguda na sín-drome "HELLP" obedece aos critérios da insuficiênciarenal aguda, em geral, com reposição da volemia quan-do necessária, fornecimento de fatores de coagulação,concentrados de plaquetas, fator VIII, plasma frescocongelado para melhorar a coagulação e cerceamentode hemorragias, plasmaferese e prostaciclinas tambémpodem ser úteis nos casos mais graves. A indicação dadiálise vai depender do grau de disfunção renal, dascondições hernodinârnicas e do balanço hidroeletrolíti-co que obedecem aos mesmos critérios utilizados forada gestação.

A esteatose hepática aguda na gestação foi descritaaté a década de 80 como uma doença rara freqüente-mente fatal, porém atualmente se admite que ocorraaproximadamente um em cada 13.000 partos". O índi-ce de mortalidade materna está em torno de 10 a 20%.A incidência aumentada provavelmente se deve à me-lhora do diagnóstico e também ao aumento da taxa desobrevivência dessas pacientes com a sua detecção pre-coce. É uma doença que às vezes se confunde com pré-eclampsia.

A paciente apresenta ederna, há aumento discreto dapressão arterial seguido de manifestações hemorrágicas,icterícia, hipoglicemia e insuficiência renal. A esteatosehepática aguda da gestação é mais freqüente na pacientecom gestação gemelar. A doença começa com náuseas,vômitos, fadiga e dor abdominal, seguidos de febre e ic-terícia, podendo ocorrer encefalopatia hepática.

Uma complicação freqüente da esteatose hepáticaaguda na gravidez é a hipoglicemia e há que se moni-torizar a glicemia das pacientes, mantendo-as com soroglicosado endovenoso com o intuito de se evitar conse-qüentes complicações cerebrais da hipoglicemia pro-longada. Algumas pacientes convulsionam quandoentão se faz o diagnóstico duvidoso de eclampsia (podeser hemorragia, hipoglicemia ou hiponatremia).

As pacientes, em alguns casos, desenvolvem san-gramentos decorrentes da CIVD e podem evoluir compancreatite aguda. Recentemente observamos uma pa-ciente que evoluiu com insuficiência hepática, pancrea-ti te, insuficiências renal e respiratória. No quadro ini-cial, essa paciente apresentava também icterícia, aumen-

IRA NA GESTAÇÃO 225

to discreto das transaminases e amilase aumentada. Narealização do parto se observaram evidências no pân-creas e no epíploon compatíveis com pancreatite agu-da. A paciente apresentou sinais de coagulopatia deconsumo durante três semanas, porém evoluiu bem eteve alta na quarta semana da internação.

Geralmente, as pacientes com esteatose hepáticaapresentam trombocitopenia e anemia hemolítica mi-croangiopática. A hiperuricemia, frequentemente obser-vada, é comum também nas pacientes com pré-eclarnp-si a; entendemos que a queda da depuração do ácidoúrico decorre, pelo menos em parte, da diminuição daprogesterona conseqüente à insuficiência placentária '.A insuficiência renal aguda acomete 50% dos casos, ovolume urinário tende a se manter, respondendo a in-fusão de volumes e aos diuréticos. Quando a insufici-ência renal é mais grave, a diálise pode ser indicada.

A esteatose hepática aguda deve ser consideradauma emergência médica e, assim como a síndrome"HELLP", deve ser lembrada em todas as pacientes comdor abdominal epigástrica, vômitos, com algum graude disfunção renal (Quadro 25).

A biopsia de fígado, quando possível, fecha o diag-nóstico, que pode também ser analisado com auxílioda ultra-sonografia pós-parto. Deve-se também, nes-tas pacientes, fazer o diagnóstico diferencial com he-patites virais pelos vírus A, B, C D, E, além de coledo-colitíase, quando a ultra-sonografia é extremamenteimportante. O principal diagnóstico diferencial deve serfeito com a hepatite fulminante.

O exame anátomo-patológico hepático mostra in-filtração gordurosa onde normalmente não há grandesgraus de necrose ou processos inflamatórios. No rimnão há grandes alterações características, pode haverinfiltrações gordurosas nas células tubulares. Verificam-se sinais compatíveis com necrose tubular aguda quan-do esse processo é mais intenso. A patogênese da estea-tose hepática aguda não está bem definida, fatores viraise nutricionais podem ter algum papel na doença.

O tratamento não é específico, e se resume na reali-zação do parto, em controlar a hernodinâmica, trataras complicações sépticas que freqüentemente se asso-ciam ao quadro, tratar a encefalopatia hepática, preve-nir e tratar a hipoglicemia e corrigir a coagulação. Atransfusão de plasma fresco pode ser útil na correção doprocesso hemorrágico. Considera-se a realização imediatado parto fundamental no prognóstico da doença.

Insuficiência renal aguda pode também se mani-festar após o parto na forma de insuficiência renal idio-pática pós-parto, uma forma rapidamente progressi-va. Ela já foi referida como nefroesclerose maligna pós-parto e também como coagulação intravascular pós-parto, insuficiência renal pós-parto com anemia hemo-lítica ou síndrome hemolítico-urêmica pós-parto". Ocor-re logo após a gestação ou algumas semanas após emgestantes aparentemente normais.

O quadro clínico se inicia com processo que lembraum processo viral, oligúria progressiva, insuficiência re-

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226 INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA: FISIOPATOLOGIA, ClÍNICA E TRATAMENTO

Quadro 25 - Diagnóstico diferencial entre pré-eclampsia grave, síndrome "HELLP", esteatose hepática aguda da gestação e hepatitefulminante.

Dor Protei- Plaque- Leuco- Transa- Bilirrubinas Anemia Hiper Encefa- Bilirrubi- Biopsiaepigás- núria topenia citose minases elevadas micro- amoniemia lopatia nas + hepática

trica elevadas angio- hipogli- hepática fosfatasepática cemia e alcalina

amilase elevadaalta

Pré-eclarnpsia / + + + - - rara - - - DeposiçãoEclampsia - - de fibrina

periportal

Síndrome +"HELLP" + + + + - + - - -

Esteatose Deposiçãohepática + + + + + + + + + + gordurosaaguda da + - nogestação hepatócito

Hepatite + + +fulminante - - - - + + - - + +

nal e anúria; a pressão arterial sobe lentamente evoluin-do para formas graves de hipertensão. Essas pacientesdesenvolvem insuficiência cardíaca, anemia hemolítica einsuficiência renal. Raramente há sinais de CIVD.

O prognóstico de insuficiência renal aguda idiopá-tica pós-parto é considerado ruim. Em estudo de 49pacientes com a doença, Segonds e cols.? relataram mor-te de 61% dos casos e a recuperação completa da fun-ção renal ocorreu somente em torno de 10% das pacien-te!>,sendo que 12% tiveram insuficiência renal terminalque requereu tratamento com hemodiálise. A biopsia re-nal deve ser pesada quanto a sua utilidade ou não.

Algumas evidências sugerem que a insuficiênciarenal aguda idiopática pós-parto possa estar associadaa presença do anticoagulante lúpico circulante, mesmoem pacientes que não tenham lúpus, de forma que valea pena sempre se pesquisar a presença do anticoagu-lante lúpico e anticorpos anticardiolipina. Quando es-tes fatores estão presentes, a anticoagulação é aindamais justificada.

INDICAÇÃO DE DIALlSE NA INSUFICIÊNCIARENAL AGUDA NA GESTAÇÃO

A indicação de tratamento dialítico deve ser particu-larmente mais precoce durante a gestação. É sabido queo feto está sob alto risco de morte sempre que os níveisde uréia estão acima de 60mg%. Portanto, nos casosem que o feto é ainda inviável (gestação com menos de32 semanas), o tratamento dialítico visa proteger o fetoe deve ser programado antes do parto, corno nos casosde insuficiência renal aguda por pielonefrite, causas pré-renais e por drogas.

Quando a insuficiência renal tem causa associada àgestação, corno na pré-eclampsia, na síndrome "HELLP"e na esteatose hepática aguda, a realização do parto é omelhor tratamento e a indicação da diálise deverá seravaliada, corno na mulher não-grávida.

Costumamos indicar diálise quando a creatininaestá acima de 3mg% e não há indícios de melhora acurto prazo. O tipo de diálise pode ser peritoneal inter-mitente ou diálise peritoneal do tipo ambulatorial con-tínuo, com colocação cirúrgica do cateter, sob visão di-reta. A hemodiálise pode ser também realizada, de pre-ferência sem uso de heparina, com uso de banhos debicarbonato de sódio, para prevenção de fenômenoshipotensivos, com cuidado na prevenção de distúrbioseletrolíticos.

O tratamento dialítico será suspenso quando ocor-rer redução da creatinina plasmática e esta se estabili-zar abaixo de 3mg%.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COLABORAD:ORES

Agostinho TavaresProfessor Adjunto da Disciplina de Nefrologia da Es-cola Paulista de Medicina, Universidade Federal de SãoPaulo.

Álvaro Nagib AtallahProfessor Adjunto e Livre-Docente da Disciplina deClínica Médica da Escola Paulista de Medicina, Uni-versidade Federal de São Paulo. Chefe da Disciplinade Clínica Médica da Escola Paulista de Medicina,Universidade Federal de São Paulo.

Álvaro Pacheco e Silva FilhoProfessor Adjunto da Disciplina de Nefrología da Es-cola Paulista de Medicina, Universidade Federal de SãoPaulo.

Ana Durce Oliveira da PaixãoDoutor em Nefrologia Básicapela Disciplina de Nefro-logia da Escola Paulista de Medicina, UniversidadeFederal de São Paulo. Professor Adjunto do Departa-mento de Fisiologia e Farmacologia da UniversidadeFederal de Pemambuco.

Ana Francisca Franco de OliveiraMestre em Nefrologia pela Disciplina de Nefrologia daEscola Paulista de Medicina, Universidade Federal deSão Paulo.

Arif CaisDoutor em Biologia, Professor do Instituto de Biociên-cias, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadu-

I aI Paulista "Julio de Mesquita Filho", São José do RioPreto, São Paulo.

Carlos José Martins PenaPós-Graduando da Disciplina de Nefrologia da EscolaPaulista de Medicina, Universidade Federal de SãoPaulo.

Dario CuevasMédico Agregado del Departamento de Nefrologia, Fa-cultad de Ciencias Médicas, UNA. Assunção, Paraguai.

David C. ShigueokaMestre pelo Departamento de Diagnóstico por Imagemda Escola Paulista de Medicina, Universidade Federalde São Paulo.

Edivaldo Celso VidalProfessor Assistente da Faculdade de Medicina daUniversidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais.

Edison Régio de Moraes SouzaMestre em Nefrologia pela Universidade Estadual doRio de Janeiro e Doutor em Nefrologia pela Disciplinade Nefrologia da Escola Paulista de Medicina, Univer-sidade Federal de São Paulo. Médico do Hospital Pe-dro Ernesto - Rio de Janeiro.

Eduardo Cantoni RosaMestre em Nefrologia pela Disciplina de Nefrologia daEscola Paulista de Medicina, Universidade Federal deSão Paulo. Médico do Pronto Socorro da Escola Paulis-ta de Medicina, Universidade Federal de São Paulo.

Elisa Mieko Suemitsu HigaMestre e Doutor em Nefrologia pela Disciplina de Ne-frologia da Escola Paulista de Medicina, UniversidadeFederal de São Paulo. Professor Adjunto da Disciplinade Medicina de Urgência da Escola Paulista de Medi-cina, Universidade Federal de São Paulo.

Emil SabbagaProfessor Livre-Docente da Disciplina de Nefrologia doHospital' das Clínicas, Faculdade de Medicina da Uni-versjdade de São Paulo,

Emmanuel de Almeida BurdmannProfessor Livre-Docente da Disciplina de Nefrologia doHospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Uni-versidade de São Paulo.

Francisco SantacruzProfessor Titular de Clínica Médica, Jefe del Departa-mento de Nefrologia, Facultad de Ciencias Médicas,UNA. Assunção, Paraguai.