Alyson Noel - O Céu é ó Limite (Sabrina 1491)

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O cu o limite Alison Nel

Digitalizao e reviso: Marina

Formatao: Dominique

Sinopse:

Acima das nuvens...

Hailey ficou eufrica quando o vo para o qual estava escalada foi cancelado e ela pde antecipar a volta para casa e fazer uma surpresa ao namorado! Mas quem teria uma surpresa... e das mais chocantes... seria ela.

Para recuperar o equilbrio emocional, esquecer o, passado e comear vida nova, Hailey decidiu partir numa longa viagem ao redor do mundo. Afinal, seu trabalho de comissria de bordo lhe possibilitava conhecer lugares exticos e pessoas interessantes. E em cada vo, aeroporto ou hotel, Hailey encontrou passageiros galanteadores, hspedes sedutores, amores passageiros e tambm o que ela jamaispoderia imaginar... O seu verdadeiro amor!

Captulo I

L estava eu, tentando pegar o exemplar do USA Today do lado de fora da porta do quarto de hotel, e fazendo o possvel para ignorar o fato de que minha grossa meia-cala preta estava me apertando demais, quando ouvi o som abafado do telefone.

Em qualquer outro dia, eu pegaria o jornal e me jogaria em direo ao elevador, pois um telefonema naquele momento s poderia significar que estavam me procurando e que eu tinha menos de trinta segundos para chegar ao saguo do hotel.

Mas hoje tudo era diferente. Estava adiantada cinco minutos, era meu vigsimo oitavo aniversrio e, antes do fim do dia, estaria noiva de Michael, meu adorado colega de quarto e namorado nos ltimos quatro anos. Tudo comeara no dia anterior a minha partida para esta viagem. Eu limpava o quarto e cantava e, de repente, bati contra a mochila de Michael, fazendo-a cair. Agora admito, at aquele momento a tal mochila no tinha o menor interesse. Sempre a considerei uma maleta sem importncia; mas, quando vi a baguna espalhada ao meu redor, ajoelhei-me para examinar cada pedacinho como se fosse o porto para um mundo de segredos que eu jamais pensei que pudessem existir.

Claro que havia tudo que se poderia esperar de um comissrio de bordo. Mapas, barras de protena inacabadas, o documento de identidade dele na companhia, e uma lanterna amarela enorme que deveria ser usada em caso de emergncia. Mas havia tambm algumas surpresas, como o tubo de pomada, a garrafa vazia de um remdio e um carto de uma locadora nada familiar. E havia tambm aquela caixinha pequena, azul, amarrada com uma fitinha branca. E eu, cheia de emoo, com o corao acelerado, logo imaginei Michael ajoelhado a minha frente, com olhos apaixonados, pedindo-me em casamento. Quase disse "sim" naquele mesmo instante, ali, sozinha no quarto.

Assim, antecipando um caf-da-manh com meu quase noivo, voltei para dentro do quarto e atendi ao telefone. Uma voz masculina, com forte sotaque sulista, perguntou:

Hailey Lane? Aqui Bob, do setor de programao de vos. O restante de sua viagem foi cancelada. Pode voltar para casa.

Eu no poderia receber uma notcia melhor! Mesmo assim, dei-me o direito de duvidar:

Ora, deixe disso, Clay. J estou descendo.

Sita. Lane, lembre-se de que todas as ligaes so gravadas disse a voz dele, num tom divertido.

No Clay quem est falando?

Seu vo para casa o 001, sem escalas, de San Diego a Newark. Vai chegar s trs horas.

Est falando srio? No preciso mais ir a Salt Lake, Atlanta, e depois a Cincinatti?

Ainda preciso entrar em contato com o restante de sua tripulao. Portanto... Ele comeava a parecer aborrecido.

. Est bem. S mais uma pergunta: Posso mudar um pouco o caminho? Porque h um vo sem escalas at La Guardi uma hora antes. Posso ir nele?

Sem problemas. Vou fazer a transferncia agora mesmo.

Mesmo?! Oh... Obrigada! Muito obrigada! No faz idia do quanto importante para mim! meu aniversrio e... Al?

Desliguei, j que ele o fizera primeiro, e enfiei o jornal embaixo do brao. Fui at o quarto de Clay, bati duas vezes, esperei, bati de novo, pois era nosso cdigo secreto h seis anos.

Clay e eu nos conhecemos no primeiro dia do treinamento para comissrios da companhia e devo a ele o emprego, pois teria desistido logo, se no fosse seu apoio. Quando eu pensava em desistir, l vinha ele com seu discurso longo, descrevendo emoes, aventuras, alegrias. E eu ia ficando. Fiquei at hoje. Mesmo enfrentando um treinamento quase militar no qual at mesmo esquecer de sorrir poderia acarretar uma passagem sem volta para casa.

Aprendemos tanto juntos, eu e Clay! Como tentar sobreviver com o mnimo possvel num caso de queda de aeronave, como Tingir que no viu quando dois passageiros esto envolvidos num brao que vai alm do normal, como segurar um passageiro agindo em seu lugar, sejam quais forem as conseqncias, como lidar com palavras pesadas, gente mal-educada, cantadas, ferimentos, lrios, vmitos etc.

Passamos, enfim, por tudo que deveramos no treinamento e, quando a companhia tinha, finalmente, quebrado nosso esprito, e nos tornamos apenas smbolos de seu emblema, entramos em nosso primeiro vo com aquele sorriso absolutamente simptico e autntico no rosto.

Feliz aniversrio, boneca! disse ele, na voz arrastada do sul. Voc est linda! Ele vestia um blazer azul-marinho.

So quatro da manh e nem estou com olheiras! exclamei. Valeu a pena no dar aquela esticadinha com vocs ontem noite.

, mas perdeu bons momentos. Ns nos encontramos no bar e cli vidimos a conta fraternalmente. Nosso primeiro oficial at usou nina calculadora.

Est brincando!

No estou, no. Gastei exatos oito dlares numa comida ruim e um copo de vinho seco.

Bem feito. Isso incluiu a gorjeta.

E ele paga gorjeta a algum? Tive de tir-la do meu bolso, li ento, vamos desviar do caminho?

Eu vou.

Estvamos j caminhando em direo ao elevador, quando ele observou:

timo, porque eu disse ao pessoal que faria exatamente o que voc fizesse. Assim, podemos dividir o dinheiro do txi.

Est bem, mas nada de parar pelo caminho.

Clay era famoso por ficar parando aqui e ali no caminho entre o aeroporto La Guardi e qualquer lugar em que estivesse hospedado naquela semana.

Nada de caixas eletrnicos, lanchonetes, locadoras, bares... tenho uma noite maravilhosa pela frente e agora que vou chegar mais cedo em casa, quero tomar um longo banho e talvez, at, ir manicure.

Ah, ento esta noite a noite...

Exatamente.

Vai dizer sim ao sujeito?

Talvez.

Como assim?

Ah, acho que sim, porque vivemos juntos, ele bom para mim, normal.

timo. Ento, qual o problema?

Problema? Nenhum! Quero dizer...

Hailey, ele piloto! Que tipo de emoo achou que iria ter?

Ah. Mas ele no como os outros! Vive em Manhattan, no se veste feito um bobo... E vai me levar ao Baboo esta noite porque meu aniversrio. E l elevai deixar uma gorjeta gorda porque , tambm, generoso.

Entramos na van que nos levaria ao aeroporto. Bem, ento nada mais me resta dizer a no ser que voc se sentiria muito mais segura se olhasse dentro daquela caixinha da Tiffani que encontrou.

Passei o vo todo fazendo uma lista mental de todos os motivos pelos quais deveria me casar com Michael. No podia fazer uma lista real, escrita, pois tinha de ficar fingindo que dormia para evitar conversa com os dois homens gordos e cheirando a cigarro no meio dos quais fui colocada no avio.

Havia dois lados em minhas impresses. O que dizia que deveria simplesmente dizer sim e outro, que me mandava cair fora quanto antes. Continuei fazendo minha reviso mental, mas no consegui chegar a uma concluso que pudesse ser definitiva. . Passei a maior parte de minha vida adulta seguindo de um lado para outro e viajando pelo mundo, deixando uma trilha de projetos inacabados, como faculdade, namorados, o romance que comecei a escrever h sete anos. Nunca consegui ficar com alguma coisa por muito tempo, nem mesmo com a cor de meus cabelos! Assim, no era de estranhar que agora tivesse dvidas. Na verdade, a nica coisa que realmente completei foi meu treinamento de comissria de bordo e isso se deveu mais insistncia de Clay do que a minha boa vontade.

Portanto, o fato de agora estar com os msculos do estmago tensos era devido apenas e exclusivamente a mim mesma e no a algo que Michael pudesse ter feito.

O problema era que, agora, tudo era diferente. Estava trabalhando para a Atlas Linhas Areas h seis anos, o que era um recorde, e estava com Michael h quatro, unia marca maior ainda! verdade que ns dois viajvamos muito e que o tempo que tnhamos estado juntos jamais ultrapassaria seis meses, se todos os dias fossem somados. Mesmo assim, o recorde persistia. Isso para no mencionar que todas as minhas amigas, nesse espao de tempo, tinham se casado e eu era sempre convidada a v-las desfilarem pela igreja sem nem mesmo um ligeiro sinal de pnico. E, depois de casadas, todas elas tornavam-se, invariavelmente, grandes sbias da filosofia matrimonial, dando-me conselhos e mais conselhos sobre como fisgar um homem, porque, em minha idade, supunham que eu j deveria estar casada. H, realmente, uma idade para isso?!

Bem, agora chegara minha vez.

E eu, nesses anos todos na aviao, sabia muito bem que o avio nunca espera. Que, se no estivesse no porto de embarque na hora certa, seria imediatamente substituda. E estava comeando a acreditar que talvez essas frases se aplicassem tambm a minha prpria vida. Quero dizer, talvez Michael no fosse a pessoa mais emocionante, mais criativa, ou mesmo a mais divertida, mas era apresentvel, confivel, tinha uma boa conta bancria e me tratava bem. E eu comeava a ver que retroceder e esperar por algum mais atraente resultaria apenas em acabar perdendo de vez o avio e ficando sozinha para sempre. Assim, quando estvamos quase chegando, eu j decidira a me mostrar surpresa e emocionada quando ele me desse a tal caixinha azul e pretendia dizer sim com tanto entusiasmo quanto possvel.

Assim que pousamos, verifiquei minha mala de mo, liguei meu celular e passei a seguinte mensagem para Michael:

Ol, querido. Tenho boas novas. Meus vos foram cancelados e estarei chegando mais cedo. Sei que deve estar na academia ou algo parecido, mas queria apenas dizer ol e mal posso esperar por esta noite.Enfiei o aparelho de volta na bolsa e tentei ignorar o cheiro de cebola que vinha do sujeito minha direita. Nesse momento, a voz do comandante soou pela aeronave:

Senhoras e senhores, queiram por gentileza aguardar mais alguns momentos, pois estamos com um ligeiro problema com a conexo para abrirmos a porta. Contamos com sua pacincia e colaborao. Obrigado.O homem minha esquerda cutucou meu brao e perguntou:

O que ele disse?

G que estava acontecendo? No tnhamos todos ouvido o mesmo anncio no mesmo volume? Ele achava que por estar usando uniforme de comissria eu teria ouvido algo mais? Sorri, tentando manter a calma e a educao e respondi:

Acho que ele disse que est havendo um probleminha com a porta. E vi que ele ficava absurdamente vermelho, como se estivesse a ponto de ter um ataque cardaco.

Linha area de quinta! resmungou, olhando-me como se eu fosse pessoalmente responsvel por qualquer coisa que o tivesse desagradado no vo. Nunca mais vou voar nestes avies!

Passei os olhos ao redor para verificar se minha supervisora ou qualquer outro colega em servio estava por perto, pois se estivessem eu tentaria, calmamente, diminuir a tenso do passageiro e discorreria sobre o excelente servio de nossa companhia. Mas como no havia ningum, simplesmente dei de ombros e liguei meu iPod.

Pouco depois, j correndo para a fileira de txis do lado de fora do saguo, encontrei Clay, como j era de esperar.

Ol! ele saudou, espremendo-se entre muitas outras pessoas que carregavam malas pretas idnticas, com idnticas fitas vermelhas amarradas nas alas para poderem ser identificadas mais depressa entre as demais. Demorou a chegar.

Tive de aceitar o lugar onde me puseram, lembra? E ento, como foi na primeira classe?

Ele era trs meses mais velho do que eu, o que, naquele caso, era tudo que era necessrio para mant-lo sentado na frente confortavelmente enquanto eu ficava atrs, espremida entre dois barris. O servio est cada dia pior disse ele. Sabe que no vamos mais servir pretzels com o coquetel antes do vo? Parece o fim do mundo!

J era nossa vez para o prximo txi e Clay abriu a porta, avisando ao motorista:

Vamos fazer duas paradas. E deu meu endereo e depois o seu, que costumava mudar praticamente toda semana.

Estvamos acomodados no banco de trs quando decidi indagar:

Est em Chelsea esta semana?

J faz um ms, na verdade.

Ora, ora, estamos falando de um novo homem!

Vamos mudar de assunto. E ento, est nervosa? Olhei pela janela, vendo as luzes de Manhattan.

Um pouco.

E? Ento, no se esquea dos pobres coitados que estiveram sempre a seu lado antes de decidir dar o passo final dentro do mundo dos casados, certo?

Clay, sabe que eu jamais me esqueceria de voc. Segurei-lhe a mo e apertei-a de leve.

Ah, isso o que todas dizem, mas uma histria velha. Perder faz parte da vida, afinal.

Oh, pare de choramingar. Voc meu melhor amigo! Ele tornou a sorrir enquanto eu prosseguia:

E, alm do mais, Michael adora voc.

Clay ficou me olhando, desconfiado, obrigando-me a corrigir:

Est bem, ele tolera voc. Mas prometo que nada vai mudar. Voc vai ver. Sorri tambm, tentando parecer animada e verdadeira, mas no sei por que, no convencia nem a mim mesma.

Ao chegarmos a meu prdio, inclinei-me e dei-lhe um beijo no rosto, prometendo:

Ligo para voc amanh. Podemos nos encontrar, tomar um caf e lhe darei todos os detalhes sujos alm, claro, de lhe mostrar o anel. Prometo.

Peguei minhas malas e corri para dentro, ansiosa por subir as escadas e tirar aquele uniforme de polister que eu detestava.

Fui tirando partes no elevador, at chegar ao dcimo quarto andar e, quando cheguei e abri a porta de meu apartamento, j estava sem os sapatos, sem a jaqueta, e a ponto de sair da saia. Foi ento que vi o blazer azul-marinho no tapete turco que tnhamos comprado num bazar na primavera anterior. Peguei a pea de roupa e dobrei-a sobre meu brao, empurrando a porta entreaberta do quarto. Deparei, ento, com uma cena, no mnimo, inquietante, como outras de que ouvira falar muito, mas que jamais imaginei que pudesse acontecer na vida real.

Ali, sentado na beirada de nossa cama enorme, estava meu futuro marido, Michael, usando o suter cinza de cashemir que eu lhe dera no aniversrio, empurrado para cima, at seu pescoo com as calas baixadas at os tornozelos, a cabea voltada para trs, os olhos cerrados e os lbios entreabertos, enquanto uma comissria morena, de cabelos curtos, dava beijos em seu peito.

Fiquei parada, chocada, vendo outra mulher fazendo o que eu mesma fizera dois dias antes, pouco antes de sair e pegar o nibus para o aeroporto. Houve, ento, um grito horrvel. Demorou para eu entender que sara de minha garganta.

Hailey! Michael gritou, levantando-se de imediato. No o que est pensando! E tentava erguer as calas, o que lhe dava uma aparncia pattica.

Oh, Deus, o que est havendo aqui, Michael? continuei aos gritos.

Calma, meu amor! Est tudo bem, ouviu? Mas eu repeti, ainda mais alto:

O que est havendo aqui, seu miservel?! No conseguia me mover, nem fechar os olhos, o que me obrigava a ver aquela moreninha ridcula encurralada contra os fundos da cama.

Hailey, por favor, querida. Posso explicar.

- Quem ela?! exigi saber, vendo a garota enfiar o rosto na colcha.

Foi ento que ambos me encararam, de repente, e compreendi. No se tratava do que eu estava pensando. Era ainda muito pior. A garota em questo era um homem!

Oh, meu Deus! sussurrei, enojada, saindo do quarto.

Hailey!

Mas eu j estava na sala, puxando o zper da saia e procurando meus sapatos. Tinha de sair dali o quanto antes. Ajoelhei-me para pegar os sapatos que tinha lanado embaixo tia mesa de centro e ouvi, numa voz suave, quase suplicante:

Hailey, por favor, devolva minha jaqueta, sim? Vou me atrasar para meu vo.

Ergui os olhos para ver o jovem que, segundos antes, beijava o peito de meu namorado. Ento baixei os olhos para a jaqueta que ainda trazia no brao, achando, todo aquele tempo, que era minha e que a tinha deixado no cho por ser uma pssima dona de casa. Joguei-a para ele e, arrebanhando o que era meu, sa correndo. Ao fechar a porta atrs de mim, ainda pude ouvir os gritos de Michael:

Hailey! Espere! Posso explicar! No diga a ningum!

Captulo II

Assim que consegui colocar minha cabea em ordem, passei a me fazer todas as perguntas que, normalmente, uma comissria faz assim que desperta para um novo dia: Onde estou? Que hotel este? Ser que perdi meu vo? Por que no me acordaram pelo telefone, como pedi? Onde fica o banheiro? E, em meu caso, em particular:

Quem essa pessoa peluda deitada a meu lado?Abri um olho e tentei saber quem poderia estar ali, junto a meu ombro. E, quando me voltei, cuidadosamente, fui cumprimentada pelo olhar cinzento e gelado de Conrad, o gato persa esnobe e de nariz empinado que ganhou o nome do terceiro marido de Kat. S ento os fatos do dia anterior comearam a voltar a minha mente, arrebatadores.

Depois daquela cena terrvel, peguei um txi e dei ao motorista o endereo de Kat. Mas fazia sentido. Afinal, Clay estava em Chelsea, e todas as amigas com quem eu costumava sair estavam agora casadas ou tinham acabado de dar luz, tinham sido transferidas para outra base, no trabalhavam mais para a Atlas, enfim, no estavam disponveis para me oferecerem seu ombro amigo. Alm do mais, desde a viagem que tnhamos feito juntas a Madri, h cinco anos, Kat tinha se tornado quase uma me para mim, embora, claro, muito menos intrometida do que uma me de verdade poderia ser. Ela tambm era a nica que j tinha horas de vo suficientes para seguir para Istambul ou Atenas no meio da semana, o que significava que deveria estar em casa naquele momento.

O CU O LIMITE 15

Assim que abriu a porta para mim, Kat me olhou profundamente .e disse apenas:

Vou lhe preparar uma bebida.

E eu entrei em sua sala de estar e me joguei no sof, querendo apenas morrer.

Acho que vou vomitar murmurei.

Bobagem. Deixe sua bagagem a e venha comigo enquanto preparo seu copo. Quero que me conte tudo. Kat passou o brao por meus ombros e me guiou at sua biblioteca, onde costumava deixar uma ou duas garrafas.

Eu me enrodilhei num sof de veludo, enquanto ela colocava a bebida em dois copos. Como sempre, estava impecavelmente vestida, com a maquiagem perfeita e os cabelos loiros, brilhantes e suaves, com cada fio no seu devido lugar. Olhando-me com ateno, apenas comentou, sorrindo.

No me parece que seja um momento para champanhe. Vodka mais apropriada.

Eu no queria lcool de espcie alguma, mas aceitei o copo e dei um pequeno gole, sentindo a bebida descer, queimando por minha garganta. Depois tornei a olhar para Kat e bebi de novo.

Katina Wikes-Noble-Whitmore uma comissria de carreira, com mais de trinta anos como snior. Uma mulher que, em sua vida fascinante, j jantara com grandes estadistas e os servira. Casada por trs vezes, e agora viva, sem filhos, parecia ter adotado tanto a Clay quanto a mim.

Quando seu terceiro marido, Conrad, cara fulminado por um ataque do corao, havia trs anos, Kat se tornara mais rica do que jamais poderia imaginar. E depois de tirar uma licena-prmio de seis meses para poder chorar a morte de seu amado, acabara voltando a voar. E, de imediato, se tomara inimiga de qualquer comissrio jnior que, num mundo liderado pelos comissrios sniores, passa a vida toda esperando que mulheres como ela acabem desistindo do servio.

Mas Kat tinha de continuar voando. Gostava de saber dos dramas alheios e ajudar as pessoas. Pode no parecer, mas, a tantos ps de altura, muitos dramas se desenrolam...

Kat, eu... comecei, mas ela me interrompeu:

No diga nada. V bebendo.

Obedeci, vendo que a vodka estava comeando a me fazer bem. Minutos depois, deixei o copo sobre a mesa de centro e ca em prantos. Quando consegui parar de soluar, Kat me ofereceu uma caixa de lenos de papel.

Obrigada.Assoei meu nariz, deixando de lado a vergonha por faz-lo diante de algum. Afinal, vergonha era algo bem relativo naquele momento. Sinto muito... Eu... devo estar horrvel.

Bobagem. Agora, conte-me o que houve e vamos dar um jeito em tudo.

Respirei fundo e contei tudo a ela. Cada detalhe. Ela apenas me olhava.

Tem certeza? perguntou, por fim. Sobre o que realmente viu, quero dizer.

Peguei a garrafa de vodka e me servi.

Sim, tenho certeza murmurei, relembrando cada segundo daquela cena horrorosa.

E quem era? Algum que eu conhea?

Acho que no. O sujeito voa pela Lyric.

A linha que oferece aqueles descontos?! Ela parecia ainda mais chocada. Considerava o uniforme deles horrvel, os sapatos fora de moda e os descontos o fim do mundo!

Assenti, vendo-a erguer as sobrancelhas para comentar:

Bem, no me surpreende. So uns verdadeiros animais...

Sabe, sou uma idiota! Uma enorme idiota! Pensei, mesmo, que Michael ia me pedir em casamento! Voltei a soluar e enfiei o rosto nos lenos de papel.

Voc no ia aceitar, ia?

Encarei-a novamente, vendo seu olhar desaprovador, e de imediato me arrependi de t-la procurado. Afinal, eu estava procurando por solidariedade apenas e no havia nada de solidrio no que Kat acabara de dizer.

Ela se levantou e me olhou de frente, muito sria, para concluir:

Hailey, sei que no quer ouvir isto, mas acho que o que aconteceu foi apenas para seu bem.

Encostei-me nas almofadas e cerrei os olhos, determinada a no mais ouvi-la. Devia ter ido casa de Clay, imaginei. Ou a um hotel. Ou me enfiar nas estaes do metr como tantas outras pessoas solitrias.

Voc jovem demais para se amarrar Kat prosseguiu, lira estranho ouvir uma mulher que passara por trs casamentos dizer tal coisa.

Cruzei os braos, numa atitude de proteo. E ela continuava: Alm do mais, no acha que foi melhor descobrir tudo agora, em vez de daqui a cinco anos? J pensou? Voc, numa casa de subrbio, com quatro crianas agarradas a sua saia, Michael voando pelo mundo, voltando apenas para largar a roupa suja e as bobagens compradas no free-shopl Comecei a ouvir. Fazia sentido.

Mas como uma coisa horrvel assim pde me acontecer? murmurei, chorando de novo. Como pude no saber? No perceber? Clay sempre diz que sou to esperta e, no que se refere a meu prprio namorado, estava cega!

Kat tornou a erguer as sobrancelhas. Bebeu um gole de sua vodka e indagou:

O que pretende fazer?

Fui at o barzinho, onde peguei mais gelo e respondi:

Tudo o que sei que estou oficialmente solteira e sem teto. Poderia me deixar ficar aqui por alguns dias? Apenas at eu ir buscar minhas coisas e arranjar outro lugar para morar.

Mas claro que pode ficar! Harold, William, Conrad e eu vamos adorar sua companhia!

Olhei para os trs gatos acomodados pelos tapetes, cada um com um nome dos ex-maridos de Kat, inclusive a gatinha Conrad. Eles tambm me encaravam, srios, mas intensos. Deus, eu tinha me esquecido de que era alrgica a plo. Mas eu no tinha muitas alternativas. Portanto, seria melhor ficar na cobertura de Kat com os trs gatos ou morar na sarjeta.

Obrigada disse, sentindo as lgrimas descerem por meu rosto novamente.

De nada, minha querida.

E agora, apertando a cabea dolorida com ambas as mos, sa da cama onde Conrad permaneceu e segui para a cozinha, determinada a encontrar minha amiga e me desculpar pela choradeira, pela bebedeira e pelo desmaio de cansao e sofrimento como terminou o espetculo da noite anterior.

Encontrei apenas um recado colocado sob uma pirmide de latas de comida para gato, no qual Kat me dava instrues detalhadas sobre como alimentar os bichanos. Um P.S. anunciava que ela seguira para Atenas, para visitar uma amiga.

Fiquei imaginando quem ela poderia conhecer na Grcia e dediquei-me a colocar a comida nos pratinhos de vidro quando, de repente, Clay entrou na cozinha, com um buqu de tulipas, sorrindo e praticamente gritando:

Bom-dia, boneca!

Meu corao quase parou de susto.

Como foi que entrou? foi minha resposta a sua saudao matinal.

Kat me ligou hoje cedo, disse que eu deveria dar uma passada e verificar se voc estava bem. Ento nos encontramos no Grand Hotel e ela me entregou as chaves. Voc est bem? Ele largou as tulipas e deu-me um abrao que provocou outra onda de choro. Sinto muito ouvi-o sussurrar em meu ouvido.

Sequei meus olhos inchados e peguei as flores que ele me entregava, cheirando-as, mesmo sabendo que no tinham perfume.

Ela lhe contou tudo? perguntei, olhando-o por cima das ptalas.

Sim. Clay baixou os olhos; era evidente que estava desconfortvel.

Oh, Deus, sou to idiota! exclamei.

No diga isso.

Sou, sim. Nunca me ocorreu que ele estivesse... Parei, sem conseguir terminar a frase.

Pilotando um teco-teco? Desculpe, foi uma piada de mau gosto.Ele se voltou para pegar um vaso para as flores. Vamos combinar uma coisa: sei que se sente devastada e isso compreensvel. Vou te ajudar a superar isso, e acredite em mim, tenho um bom plano. Mas, antes mesmo que comecemos, tenho de insistir em que tire esse uniforme e tome um bom banho. O que me diz?

Olhei para mim mesma, surpresa por ver que ainda estava usando meu uniforme azul.

No acredito que dormi assim. Devo estar horrvel. Meus olhos estavam cheios de lgrimas de novo.

Olhe, v para o chuveiro, depois vista um daqueles robes que Kat coleciona enquanto vejo o que ainda resta aqui de um dos ex. Depois explicarei o que tenho em mente, est bem?

Pouco depois, vestida num aconchegante robe vermelho e com meus cabelos soltos, ainda midos, encontrei Clay no sof da sala, com um charuto apagado entre os lbios, vestido num enorme palet de um smoking. Onde encontrou isso? perguntei, rindo.

Num dos quartos de hspedes. E ento, estou bem? E colocou-se numa posio supostamente masculina entre as al-i notadas.

Parece o mestre-de-cerimnias do filme Cabar. E esse charuto?

J experimentou um?

Neguei com a cabea e me sentei, colocando um p embaixo do corpo.

Eles so to... Msculos, no acha? Ele observava o charuto. Um sujeito hetero que goste muito deles no deve ser to hetero assim...

Oh, Deus... Michael adora charutos, especialmente os cubanos. Senti um aperto na garganta.

Sinto mais uma vez ter acertado...

Olhei para os dois bloody mary que ele tinha preparado e peruei um.

No devia beber isto comentei. Um caf seria melhor.

Esquea. Quer ficar alerta? Ou quer se sentir melhor? No, eu no queria ficar alerta. Tomei um gole e, logo em seguida, o segundo.

Muito bem, qual seu plano, ento?

Bem, abriu meu presente.

A pergunta estalou em minha mente. Eu no s no abrira o presente como me esquecera completamente dele at agora. O olhei, cheia de culpa, e murmurei:

Eu no tenho bem certeza de onde ele est

Tem sorte por eu t-lo encontrado porque, mesmo parecendo estranho, ele se encaixa perfeitamente em meu plano.

Clay retirou um pacote retangular embrulhado em papel dourado debaixo de uma almofada.

Onde o encontrou?

Ele o entregou a mim, explicando:

Bem no fundo de sua mala.

Vasculhou minhas coisas?

No tem segredos para comigo, tem, boneca? Vamos l, abra!

Obedeci, vendo o DVD com o retrato em preto e branco de Audrey Hepburn segurando uma longa cigarreira aparecer diante de meus olhos.

Oh, adoro este filme! exclamei, inclinando-me para abra-lo.

timo. Muito bem, este o plano. Clay deixou sua bebida e olhou-me, srio. Vamos nos deliciar com nossos bloody mary enquanto assistimos Bonequinha de Luxo. Depois vamos pedir comida japonesa ou chinesa. Quando terminarmos, j ser de tarde; e vamos ento comemorar com outro coquetel e, se voc quiser conversar e espantar toda essa tristeza, vou ficar calado e ouvir. Prometo no interromper, nem mesmo dar conselhos, a no ser que os pea. Ento, vamos ligar para uma doceria e pedir sorvetes, bem como um jornal, e depois, quem sabe, vamos experimentar uns daqueles uniformes antigos e engraados que Kat ainda guarda, dos anos setenta. Imagino que, em certo momento, vamos acabar dormindo. Quando amanhecer ser domingo. Ele parou, movimentou o charuto apagado no ar e completou: Bem, ainda no completei todos os detalhes para o domingo, mas acho que l pelas onze e quarenta e cinco, da noite, claro, vamos ter que limpar toda a sujeira que fizermos. E, pouco depois da meia-noite, quando for oficialmente segunda-feira, voc vai recomear sua vida.

No sei se vou conseguir... Eu poderia parecer pattica, mas estava sendo honesta.

Claro que vai! Vai ter que fingir durante algum tempo, mas vai conseguir, sim! Acredite em mim, Hailey! No estou lhe pedindo que esquea o que houve porque sei que isso vai demorar muito mais do que ura fim de semana de cio. S estou sugerindo quarenta e oito horas para descansar, sem esquecer o que j sofreu ontem, e depois vamos limpar tudo e no olhar para trs.

No sei... recomecei a chorar. Clay aproximou-se e tocou meu queixo.

Sei que agora parece impossvel, mas vai conseguir, boneca. Agora, vamos, passe-me esse DVD.

Depois de assistirmos duas vezes ao filme, de bebermos trs bloody mary, comermos salgadinhos vontade, e nos deliciarmos com duas caixas de comida chinesa, alm de mordiscarmos, sem jamais acendermos o charuto, e depois tambm de muitas lgrimas o duas caixas de lenos de papel usadas, consegui, finalmente, convencer Clay de que estava pronta para levar minha vida adiante.

Estvamos nos despedindo, porta, quando o abracei, murmurando:

No sei o que faria sem voc.

Tem certeza de que agora est bem?

Absoluta. Ento, vai voar amanh?

Sim. Ficarei dois dias em San Juan.

Ah, voc sempre consegue as viagens mais interessantes! No sei o que faz para ter tanta sorte.

Acho que so meus seis anos de suborno com chocolate e vinho comprado fora e trocado pelo favor certo, com a pessoa certa... Podia fazer isso tambm.

Sorri, negando de leve com a cabea.

No tenho seu jogo de cintura.

Devia vir comigo a Porto Rico.

No posso. E nem quero estragar sua estadia l, embora curta. Sei o quanto San Juan divertida e sei que vai adorar.

Bobagem. Venha comigo! Sei que no est trabalhando, e sei tambm que no tem nada melhor para fazer.

Ah, obrigada por me lembrar...

Ora, vamos! E tudo grtis! O vo e, como vai ficar comigo, lambem a hospedagem!

Clay, no posso...

Posso at comprar seus quatro primeiros mojitos.Sorri novamente. O drinque porto-riquenho era uma tentao. Mesmo assim, insisti:

Eu adoraria, mas no posso. Kat deixou-me encarregada da comida dos gatos e preciso comear a procurar um outro lugar para morar. No vou ficar aqui para sempre.

No sei por qu. Voc e Kat poderiam ficar neste apartamento durante meses sem, nem mesmo, se encontrarem, to grande ele .

verdade.

Olhe, vou me apresentar s sete no aeroporto. Prometa que vai pensar com carinho em meu convite.

Tornei a negar, com a cabea, e disse apenas:

Ligue para mim quando voltar.

Assim que ele se foi, passei os olhos ao redor, considerando o fato de que, realmente, me sentia melhor. No que um filme, guloseimas e comida chinesa fossem um grande antdoto, mas eu me sentia mais segura, sabendo que no teria de voltar a minha antiga vida de solteira sozinha, sem apoio. Tinha grandes amigos para me fazer companhia e a liberdade de viver como bem entendesse.

Era como se, agora que estava sem a interminvel seqncia de opinies no pedidas de Michael, tudo me parecesse mais leve, mais... Agradvel. Podia, por fim, concentrar minha ateno em meus prprios sonhos, que tinham sido deixados de lado enquanto vivia os dele. Talvez pudesse, at, terminar o manuscrito que tinha comeado havia anos, j que agora Michael no podia mais ficar espiando sobre meus ombros e dar palpites, como: fico no passa de uma perda de tempo.Obviamente, era tudo apenas uma questo de perspectiva. Quero dizer, ser largada e trada como eu fora, no significava que o mundo tinha acabado, porque pode significar tambm um novo e bom recomeo.

Voltei sala de tev, peguei minha bolsa e liguei meu celular. Devia haver inmeros recados l. Afinal, no mundo da aviao, fofocas se espalham como o vento e muita gente podia, j, saber que eu fora trocada por outra... pessoa.

De fato, logo recebi uma mensagem de voz:

Hailey ? Ouvi dizer que rompeu com Michael. Se quiser falar a respeito, s ligar.

Outra mensagem veio logo em seguida:

Hailey? Nossa! Vocs romperam, mesmo?! Onde voc vai morar agora? Faz idia de como seu estilo de vida vai mudar?

E mais outra:

Oi, Hailey, sou eu. Ligue se quiser jantar em minha casa. Ah, e traga o vinho. O macarro por minha conta.

E ento, bem no meio da mensagem nmero quatro, outra chamada apareceu no visor:

Hailey, tentei localiz-la o fim de semana inteiro!

Era Michael! Fiquei tensa. Pensei at em pressionar o boto que encerrava a mensagem e deix-lo de fora de minha vida por completo.

Hailey, voc est bem? ele insistia. Onde est, pelo amor de Deus?!

O que voc quer? indaguei, fria.

Oh, graas a Deus! Quero apenas saber se voc est bem.

Estou tima! E muito obrigada por ter ligado.

Olhe, sei que est aborrecida e sinto muito por isso. Mas precisa saber que no se trata do que possa estar imaginando.

Revirei os olhos. Ele estava falando a srio? Tinha, de fato, uma desculpa para o que eu vira?! Decidi saber:

Muito bem, explique, ento. Era pena, mas toda a calma c alegria que tinha sentido com a presena de Clay acabavam de ir por gua abaixo.

Olhe, no sou gay, se o que est pensando.

Sei. Bem, perdoe-me por tocar neste ponto, mas percebeu que era um homem que estava beijando seu peito?

Oua, Hailey, gostaria que voc mantivesse esse assunto apenas entre ns dois.

Mesmo? E por que eu deveria fazer isso?

Porque no sou gay\ Ele estava apenas... me mostrando...

Oh, pelo amor de Deus! E essa a justificativa que escolheu?!

Estou apenas lhe dizendo que no houve nada de mais.

Naquele momento, no, porque eu cheguei! Acha que foi bom para mim chegar de uma longa viagem, no dia de meu aniversrio, achando que voc ia me pedir em casamento, e encontrar voc com outro homem?!

Achou que eu ia pedi-la em casamento? Ele estava rindo. De onde tirou tal idia?

Porque encontrei a caixinha da Tiffani!

Sinto muito, mas jamais tive inteno de falar em casamento com voc. Abriu minha mala, vasculhou minhas coisas, encontrou a caixinha e no deveria t-la aberto, concorda? Mas acho que devo explicar que ali estava apenas o que eu pretendia dar-lhe como presente de aniversrio. Aniversrio, nada mais. Na verdade, nunca pensei em me casar com ningum. E, quando o fizer, garanto que ser com uma garota bem mais nova.

O qu? Eu mal podia acreditar no que acabava de ouvir.

Hailey, vamos, seja honesta consigo mesma! Quando eu achar que estou preparado para o casamento, voc j dever estai quase na casa dos quarenta.

Ia demorar tanto assim? Ele pretendia casar-se quando j esti vesse cinqento? Era isso?!

Nunca lhe prometi nada Michael continuava, deixando me cada vez mais atnita. Lembre-se sempre disso.

Joguei o aparelho no cho, ouvindo-o cair no tapete persa. No acreditava ainda no que ouvira. Como podia ter sido to tola?

Hailey? ele gritava, no aparelho. Olhei para o celular e peguei-o novamente.

J terminou?

Sinto se a feri. S estou tentando ser franco.

Claro... Olhe, Michel, vou precisar passar por a e pegar minhas coisas.

Certo. J deixei tudo na portaria. Pode passar quando quiser. L estava eu, sentada, pasma, com o telefone na orelha. Depois

de quatro anos de vida em comum, eleja arrumara todas as minhas coisas e as mandara para a portaria do prdio. Simples assim.

Ah, Hailey, falei srio quando disse que quero este assunto apenas entre ns. algo muito particular que deve continuar assim.

Senti o sangue ferver nas veias. E usei as palavras dele para atac-lo e, ao mesmo tempo, defender-me:

Escute aqui, Michael, nunca prometi nada. No se esquea disso. E desliguei. Logo em seguida, disquei o nmero de Clay.

No de admirar que os passageiros fiquem to malcriados quando embarcam. tudo culpa dela. Clay apontava para a agente que ficava no porto de embarque e que, minutos antes, fizera mil caretas quando ele lhe perguntou se haveria um assento extra na primeira classe para mim.

Clay, terei sorte se pelo menos conseguir embarcar. Deixe a primeira classe de lado pedi, de olhos pregados no visor que mostrava o nmero de passageiros aumentando segundo a segundo. Talvez no houvesse um assento sequer nem na ltima classe daquele vo.

Pois eu gostaria de aproveitar este momento para mostrar que sou um grande amigo. Afinal, estou aqui, sentado, segurando sua mo, quando deveria estar trabalhando...

Seus colegas de viagem no devem estar gostando muito disso. Oh!, Veja! No vai haver assentos disponveis. Minha sina ser ficar aqui, sentada. Enfiei a cabea nas mos, numa reao exagerada.

Parecia que, agora que eu me decidira a ir para San Juan, no conseguia suportar a idia de no ir. Tinha feito as malas e esperava ansiosamente pelos deliciosos e preguiosos dois dias que poderia passar na piscina, com um mojito numa das mos e meu manuscrito abandonado h muito tempo na outra. E agora tudo que me restava esperar era a longa volta de nibus para Manhattan, onde minha vida se resumiria a abrir latinhas de comida para gato e procurar, no jornal, por apartamentos que, antecipadamente, sabia que no conseguiria pagar. Agarrei minhas malas e me levantei, pronta para desistir.

Aonde voc vai? Clay estranhou.

Clay, no olhou para o monitor? H um monte de zeros nele i- isso significa que no h assentos disponveis!

No desista at o ltimo minuto! Ele sorriu, daquele jeito .o seu, tranqilo, simptico, mas, naquele momento, um tanto irritante pelo otimismo que eu no conseguia partilhar. E, lembre-se, o ltimo minuto aquele em que eu vou a bordo. E bateu no banco a seu lado, para que eu voltasse a me sentar.

Pode nem parecer verdade, mas, assim que me sentei, um passageiro foi conduzido para fora do avio. E logo em seguida ouvimos, pelo alto-falante do saguo de embarque:

Hailey Lane e Clay Stevens, por favor, dirijam-se ao porto desembarque imediatamente.L estava eu agora, completamente vontade no assento delicioso de primeira classe, apoiando meus ps num banquinho prprio para isso, um travesseirinho sob o pescoo, bebendo champanhe e folheando meu manuscrito, que comeara a escrever seis anos antes, mas ao qual no lanara um s olhar nos ltimos quatro. E pensava:

assim que deve ser. Talvez meu carma seja recomear, afinal. Talvez este momento marque o incio de uma vida nova, emocionante, de primeira classe! Oh, eu devia fazer isso com mais freqncia! Perteno a este lugar!Mas, ento, algum disse, bem perto de meu ouvido:

Vai ter que se mudar.

Ergui os olhos para ver aquela mesma agente de embarque olhando-me com firmeza. Imagino que devia estar tendo uma manh horrvel, ento o mnimo que podia fazer era no lhe causar mais problemas... Por isso sorri ao perguntar:

Como disse?

No discuta comigo. Pegue suas coisas e mude-se da. Puxa, aquele hlito gelado tinha um cheiro horrvel de anos e

anos de abuso de nicotina e tabaco. E aquelas unhas quadradas, vermelhas, crispadas cintura, deviam ser falsas. Toda ela devia ser falsa. O mundo era uma farsa! Eu tinha de mudar de assento!

O passageiro que reservou este lugar acaba de chegar e est entrando no avio neste exato momento ela me informou com o que parecia ser uma satisfao pessoal na voz rouca.

Est bem, est bem! Eu sabia que minha posio ali, quase clandestina, no me permitia discusso alguma. Onde posso me sentar, ento?

Os passageiros mais prximos me olhavam como se eu fosse alguma espcie de ameaa disfarada.

Sorte sua ter havido uma contagem errada disse ela, a contragosto. Deve haver um assento vago em algum lugar depois da cabine.

Nesse momento, um homem alto, esguio, de cabelos muito negros, apareceu atrs de mim.

Oh, sr. Richards! Sentimos tanto pelo mal-entendido! Seu assento estar vago assim que a srta. Lane pegar suas coisas e seguir para trs da cabine.

Ela estava flertando com o passageiro ou seria apenas impresso minha?

Oh, no se apressem respondeu o passageiro, amvel. Na verdade, ela precisa, sim, apressar-sea agente insistiu.

No podemos fechar a porta e nos afastar do porto enquanto ela no estiver instalada. Mas, por favor, coloque sua mala aqui, sobre a dela.

Olhei, vendo minha mala de roupas cuidadosamente colocada sendo esmagada sob o peso da outra. Mas, novamente, devido ao cdigo de comportamento exigido pela companhia, nada pude fazer. Ento, peguei minha valise e segui pelo corredor da forma mais profissional possvel. Mesmo assim, sabia que muitas pessoas ali torciam a cara, achando-me uma intrusa que ocupara um lugar j reservado.

Encontrei Clay lendo uma revista, alheio a tudo que se passava. Por fim, acomodei-me no assento estreito e desconfortvel que me restava e liguei meu iPod.

Eu j estava terminando meu terceiro mojito quando a idia me pareceu vivel de ser exposta:

Acha que Michael chegou a me amar?

Tomei mais um gole e olhei para Clay, que se deliciava ao sol na espreguiadeira a meu lado. Estvamos no Hotel Intercontinental, nas proximidades de San Juan, e vnhamos relaxando beira da piscina j h mais de duas horas.

Ele retirou os culos de sol, suspirou profundamente e, com enorme pacincia, respondeu:

Hailey, pelo amor de Deus!

Est bem, se no quiser, no diga mais nada. Acho que a resposta est em seus olhos, mesmo. Sei que me tornei uma pessoa pattica, chata, daquele tipo que ns dois sempre fizemos questo ile evitar. Olhei-o de esguelha, esperando que negasse minhas palavras de alguma forma, que me assegurasse que eu estava exagerando, que a situao no era assim to ruim. Mas ele apenas ergueu os ombros e voltou a se acomodar.

Honestamente, Hailey, nunca apreciei Michael.

timo. Ele vinha me dizer isso agora! Primeiro fora Kat e agora Clay. Ser que, intimamente, todos os meus amigos detestavam Michael?

Pode me dizer por qu?

Ora... Ele sempre me pareceu... Desonesto. No sei, sempre tinha aquele jeito de falsa ingenuidade, sabe? Como se dissesse certas coisas apenas para parecer educado, mas sem querer diz-las de fato.

Acha que isso seria pelo fato de ele no gostar de voc? Poderia no parecer algo muito simptico para se dizer, mas

tanto eu quanto Clay sabamos como Michel se sentia a respeito dele.

Bem, a princpio, at achei que poderia ser isso. Mas, quanto mais tempo passava com vocs, mais achava que esse era o jeito dele, sim. Quero dizer que vocs dois no tinham muitos assuntos. Bons assuntos. O que tinham em comum? Nada! Ele me encarou, de sobrancelhas erguidas, espera de um comentrio.

Assenti, tomando mais um gole. Ento disse:

Ns dois gostvamos dos mesmos restaurantes, gostvamos de viaj ar para a Europa, gostvamos de fazer compras em pequenas repblicas centro-americanas... Minha lista acabava a e isso, agora, me envergonhava.

Pois . S voc para conseguir ficar com um sujeito durante quatro anos baseada nesses... gostos em comum.

Sabe, acho que vou pedir mais um drinque.

Nunca entendi seu relacionamento Clay prosseguiu, como se tivesse aberto uma represa que no conseguiria fechar at ter esgotado toda a gua. Voc est sempre lendo, gosta de ir a museus, adora teatro, e nunca poderia partilhar essas coisas com Michael!

Mas tenho voc para esses programas... Tentei sorrir.

E quer saber de uma grande verdade?

No, eu no queria, mas ele disse, mesmo assim:

Acho que voc estava desperdiando sua vida, seu tempo, seu conhecimento! Por isso concordo com o que Kat lhe disse: foi melhor assim. E, terminando sua bebida, concluiu: No quero mais falar neste assunto, Hailey. E voc precisa parar de ficar obcecada desse jeito.

Simplesmente o olhei, assentindo, obediente, sabendo que ele tinha razo. Ento, daquele momento em diante, tinha me decidido a parar de me obcecar, pelo menos, em voz alta.

Mas est quente! Clay reclamou, encaminhando-se para a piscina. Quer entrar?

Neguei com a cabea, vendo-o mergulhar. Depois o vi emergir, com os cabelos ensopados, colados cabea, parecendo um patinho. E agradeci a Deus por ter um amigo como Clay, algum que sempre me diria a verdade, independentemente de ela no ser o que eu quisesse ouvir. Mas tambm me perguntava por que ele nunca antes tinha se importado em me dizer tais verdades.

Clay nadou at o bar no meio da piscina, onde outros membros da tripulao estavam bebendo e rindo. Pensei em me juntar a eles, mas acabara de pedir outra bebida e ela j estava chegando. Assim, apliquei mais uma camada de protetor solar e inclinei-me em minha espreguiadeira, revirando na mente tudo que Clay acabara de me dizer.

Era verdade. Eu me desgastara naquele relacionamento e, pior de tudo, achara que poderia haver um compromisso saindo dele. Mesmo detestando admitir, trocara sonhos e felicidade pela iluso cie segurana e conforto. Relembrava todos os jantares caros em que Michael ficava falando sobre seus prprios interesses enquanto eu passava os olhos ao redor, e imaginava que as outras mulheres estariam tambm to entediadas quanto eu. E depois que ele esgotava todas as histrias grandiosas sobre si mesmo e suas idias, havia um silncio total e obsessivo, muito, muito diferente do que existe quando um casal vive anos e anos de absoluta familiaridade e cumplicidade.

i Agora reconhecia que sempre ficava esperando que a conta \ viesse depressa para que pudssemos deixar o restaurante o quanto i antes e que pudssemos ir a algum bar onde nossos amigos nos esperavam, amigos comuns, que adorvamos, e com os quais ficvamos at o momento de voltarmos para casa. ', E, mesmo tendo de admitir que era o salrio dele que me permitia ir a lugares to caros e elegantes, viver em um apartamento H de luxo, comprar tudo o que quisesse, esse ainda no era o motivo principal pelo qual eu estava com Michael.

Era como se, at conhec-lo, minha vida amorosa tivesse sido uma seqncia pattica de um ou, no mximo, dois encontros. Acho que desenvolvi o hbito de no querer que nada ficasse srio demais... Mas, quando Michael apareceu em minha vida, eu j estava comeando a me preocupar em ficar sozinha. Era como se, de repente, todos ao meu redor estivessem encontrando suas caras metades e, sem querer ficar para trs, eu tivesse suportado os ltimo quatro anos ignorando todos os avisos, todos os perigos, criando o mito de que nosso relacionamento era maravilhoso. Isso foi apenas uma confuso. Misturei tudo. Troquei o amor pela convenincia.

O tempo passou e nem percebi. Senti Clay tocando meu ombro e chamando:

Vamos voltar para o quarto e trocar de roupas. Vamos todos a San Juan para jantar.

O sol j comeava a se pr e, com exceo de ns, no havia mais ningum beira da piscina.

Ach"o que acabei adormecendo e desculpei-me.

Voc entrou em coma, isso sim. Ele pegou seus culos e meu manuscrito, enfiando-os na sacola de praia que partilhvamos. J passa das seis e est mais do que na hora de uma pequena diverso. Vamos. Aqui em Porto Rico d-se um sentido novo expresso happy hour, sabia?

Ah, sim. Vi o vdeo. Living La Vida Loca, no ?

E, mas no viu nada ainda.

Assim que voltamos ao quarto, segui para o chuveiro. Clay e eu j tnhamos partilhado aposentos muitas vezes antes e tnhamos uma espcie de acordo para que eu sempre usasse o chuveiro primeiro, j que demorava mais a me aprontar. Na verdade, ele obcecado com seus cabelos tanto quanto eu com os meus, mas acaba sendo sempre mais rpido.

O jato de gua baixou minhas ondas rebeldes, colando-as a minha cabea e fazendo-me sentir revigorada. O sol deixava minha pele assim tambm. E, naquele momento, achei que no poderia haver nada melhor do que um bom banho depois de algumas horas ao sol.

Apesar de todos os malefcios atuais que ele pode causar pele, no h como negar que um bronzeado bonito d uma aparncia mais saudvel, at mais jovial, a qualquer pessoa.

Depois do banho, no resisti tentao de passar o canto da toalha pelo espelho embaado e ver meu prprio reflexo. Meus ombros estavam ligeiramente vermelhos. Mas no dia seguinte estavam dourados, maravilhosos. No entanto, meus olhos arregalaram-se quando focalizei meu rosto. Eu tinha, de fato, adormecido ao sol! de culos! Meu nariz e minha testa estavam vermelhos e a marca dos culos no poderia estar mais bvia! Horrorizada, sa enrolada na toalha e segui at Clay, que estava jogado na cama, ouvindo seu iPod e assistindo televiso sem som.

Por favor, diga que no est to feio quanto estou vendo! implorei.

Mas quando ele voltou os olhos para me ver, sua expresso disse tudo que eu no queria ouvir.

Oh, Deus! gemi, sentando-me na cama do outro lado do quarto.

O que houve? perguntou ele, tirando os fones de ouvido.

O que houve?! Como vou fazer agora?! No posso sair deste jeito! Voltei-me para o espelho da penteadeira e tive de rir de mim mesma, to ridcula estava.

O que acha de voltar a colocar os culos? ele ria tambm agora.

noite?!

Posso gui-la, podemos dizer a todos que est com um problema nos olhos. Ningum vai rir de voc, aposto.

E se eu tentar cobrir a diferena na pele com maquiagem?

No acho que v funcionar. Afinal, est um calor insuportvel. A maquiagem vai escorrer.

Ah... Tenho de fazer alguma coisa! No posso sair deste jeito. E no quero ficar aqui sozinha!

Clay me encarou por alguns segundos. Parecia pensar. Ento se levantou e, respirando fundo, disse:

Vamos ter que fazer um milagre, ento. E me conduziu de volta ao banheiro.

Quando Clay terminou de me maquiar, olhei no espelho e senti meu estmago se apertar.

O que acha?

Clay...

Pense que est usando uma maquiagem dos anos setenta, ora. Eu estava, no mnimo, supermaquiada, apesar do calor. No havia outro jeito. Camadas e camadas de base, sombra forte, muito

rmel... E, como Clay disse que seria melhor no fazer nada nos cabelos, eles estavam revoltos, em ondas flutuantes que simplesmente me desesperaram, j que eu estava acostumada a mant-los lisos com minha chapinha.

E voc?

Bem, vou tomar meu banho e sairemos logo em seguida.

Mas vai fazer algo diferente tambm, no? Porque, se vou como uma drag queen, voc tambm ter de ir.

Por qu? No fui eu quem sofreu esse acidente solar.

Ora, Clay... vai ser divertido. Pode maquiar-se como David Bowe fazia.

Ele me empurrou para fora do banheiro e se trancou l dentro, de onde respondeu:

V assistir um pouco de tev. Saio num minuto.

Quando samos para nos encontrarmos com o grupo, tnhamos entrado num acordo. Ele pintara os olhos com lpis negro, seus cabelos tinham mais gel do que de costume, e pintara os lbios com um pouco de gloss. L vm os gmeos disse Jack, um comandante com quem eu voara alguns anos antes.

Mas eu no sabia que amos a uma festa a fantasia reclamou Bob, um co-piloto de quem eu nunca realmente gostara.

Ento, por que vocs esto vestidos como uma tripulao de folga? indagou uma comissria, chamada Jennifer, apontando para as camisas coloridas e as bermudas largas que eles dois usavam.

Vamos parar com a conversa e seguir logo para San Juan Clay apressou.

Outra tripulao vai se juntar a ns Bob anunciou. Eu os vi chegando no hotel h pouco; tiveram o vo cancelado na ltima hora por causa de um furaco e vo ficar por aqui alguns dias.

Mesmo? E quem so eles?

Assim que Clay fez a pergunta, sentando-se no saguo para esperar, Michael apareceu.

De repente, minhas orientaes para momentos de pnico soaram em minha cabea: Abracem os tornozelos, mantenham a cabea baixa e permaneam curvados para a frente! Mas voc quem sempre anda flertando com todo mundo por a.

Exato. Quem usa, cuida...

Revirei os olhos; era melhor ignorar as loucuras de meu melhor amigo, que se levantava e seguia para o balco onde, eu sabia, alm de pedir algumas rosquinhas, ia tambm flertar com a garonete. E, de repente, senti meu estmago se apertar. Dane acabava de entrar. Sorriu logo para mim e aproximou-se.

Como vai ? saudou, passando os dedos pelos cabelos lisos, maravilhosos.

Bem, e voc?

Bem. Como foi a festa?

tima. Obrigada por me convidar.

E Harrison?

Dei de ombros, sem saber exatamente o que responder, ou o que ele queria saber. E Dane apenas assentiu.

Fomos at o Elaine's decidi revelar, no sei por qu. Mais uma vez, ele apenas assentiu. No me parecia muito contente.

Vamos nos ver neste fim de semana continuei, ainda sem saber o motivo.

Certo. Bem, vou pegar um caf e sair. Estou com pressa. Vejo voc por a.

Est bem. Diga que mandei lembranas a Cadence.

Nem sei por que toquei no nome dela, mas, enfim... Clay voltou pouco depois, curioso.

Quem era?

Dane. Foi ele quem me convidou para a festa qual voc fez o favor de no ir.

No adianta ficar brava comigo, j lhe disse. Sou o que sou l' pronto. Escute, mal posso acreditar que tenha sado com esse sujeito. Ele muito bem apessoado!

Encarei-o, abismada.

Oh, obrigada... E, para sua informao, no fui com ele, ou no teria chamado voc.

Sei. Mas gostou dele, aposto.

Claro que no. Ele tem namorada.

Tem certeza?

Tenho. Eu a vi. o sonho de qualquer homem.

Clay ergueu as sobrancelhas e, mordendo uma de suas rosquinhas, ofereceu-me o prato em que havia mais trs delas.

Harrison podia ser ganhador de dois Pulitzer, mas, ainda assim, no queria que ele soubesse meu endereo. Mas me preparei para sbado com esmero, usando saltos agulha, um vestido florido c-elegante e meus infalveis, magnficos brincos comprados em Bombaim.

Peguei um txi e estava no Elaine's em quinze minutos. Estava j entrando e me dirigindo para a mesa que tnhamos combinado quando ouvi meu nome:

Srta. Lane?

Era um motorista de limusine, que me conduziu at o banco de trs, onde Harrison me esperava, com um sorriso.

Eu caminhava para a mesa, sentindo que todos ali estavam nos olhando. Por fim, nos acomodamos e, logo em seguida, ele pediu um vinho. Decidi, ento, fazer a pergunta que h muito estava em minha mente:

Harrison, voc sempre soube que queria ser escritor?

Ele demorou a responder. Ficou saboreando a bebida pelo que me pareceu uma eternidade e depois assentiu muito levemente. Depois se inclinou e, como se fosse dizer um grande segredo, perguntou:

E voc? O que a levou a ser comissria?

Bem, digamos que foi por acidente. Sabe, gosto de viajar, ouvi dizer que estavam abrindo vagas para moas e rapazes...

Sei. Fale-me sobre seu treinamento.

Tem certeza de que quer ouvir essa histria?

Sou escritor, lembra? Gosto de histrias. Vamos, conte-me tudo.

A noite estava deliciosa demais para voltarmos de carro. Por isso, Harrison dispensou o motorista e seguimos devagar pelas ruas, conversando.

Se entendi direito, voc s recebe pelas horas que voa, certo? A conversa, pelo visto, continuaria num assunto que me aborrecia, pois no me tirava da monotonia de minha vida. Ele queria saber de cada detalhe e eu falava, embora preferisse outros assuntos. Depois de quase dez minutos, porm, ganhei coragem para d ir:

Harrison, poderamos falar sobre algo diferente? Algo como... editoras, agentes, livros, prmios... Qualquer coisa que no tocasse na Atlas.

Mas ele apenas me encarou e sorriu, apontando para o edifcio

nte do qual tnhamos parado.

Este meu lar. Vamos entrar e beber algo?

- Bem... Certo. Mas apenas um drinque, depois vou ter de ir. Vai voar amanh?

Neguei, apesar de ser mentira. No haveria mais conversa sobre aviao.

O apartamento era enorme. Conheci sua coleo de mscaras tribais, vi as fotos espalhadas aqui e ali, de pessoas de sua famlia, mirei as pinturas de artistas famosos que tinham sido presentes pecai s para ele e quase morri de emoo quando estvamos em um escritrio particular e vi a belssima escrivaninha antiga e a cadeira de couro, na qual ele escrevia seus romances.

Cassei os dedos por ela, encantada, e depois lhe pedi para usar banheiro. Emoes fortes sempre tinham esse efeito em mim.

Terceira porta, no corredor. Vou preparar uma bebida para ns. Tem alguma preferncia?

No.

O banheiro era ainda mais lindo do que tudo que eu j tinha no. Antigo, refinado... Olhei-me no espelho e retoquei meu bani, avaliando a noite at aquele momento. Alm da curiosidade um tanto excessiva de Harrison em minha profisso, no tinha sido to ruim assim. Imagino que estivesse escrevendo algo sobre avio e quisesse maiores detalhes, nada mais. E eu estava satisfeita rel no ter tentado me beijar ou me tocar em nenhum momento, esmo sendo um escritor de primeira linha, minhas intenes com Harrison Mann eram totalmente castas.

Quando sa do banheiro, mal pude ver qualquer coisa. Havia nas um abajur distante aceso. Harrison? Aqui. ele me pareceu distante.

Tentei me acalmar, Ele era um escritor famoso, no um serial killer. Venha at aqui, Hailey. No fim do corredor. Obedeci. A porta de onde vinha outro foco de claridade, difana estava aberta. Olhei e senti uma onda de choque. O grande autor premiado, reconhecido, estava deitado numa enorme cama, segurando dois copos de usque, completamente nu.

Pronta para nossa noite?

Ele se levantou e veio ao meu encontro.

Eu acho que preciso ir murmurei. No estou me sentindo bem. Acho que foi o camaro.

Parecendo realmente consternado, ele me seguiu, mas consegui chegar at a porta mantendo certa distncia.

Hailey, eu gostaria muito de ler seu romance. Por que n o manda para mim?

Sua voz ficava mais e mais distante, conforme eu descia as escadas, esquecendo o elevador porque ele poderia demorar a chegar.

Ao chegar em meu apartamento, tudo o que queria era um bom banho, uma bebida, e um apago em minha memria. Graas a Deus, Lisette estava voando e eu podia aproveitar minha solido em paz.

No entanto, a primeira coisa que vi ao entrar foi o peludo piloto casado, largado sobre o sof e usando apenas cuecas e meias pretas.

Posso saber o que est fazendo aqui? indaguei, irritada. Mas ele apenas aumentou o volume da televiso com o controle.

Onde est Lisette? perguntei, sentindo a raiva crescer dentro de mim.

Paris.

Olhe, este apartamento no seu. Portanto... no deve estar aqui quando ela no est.

Ela sabe que estou aqui. E se no estiver gostando, fale com ela, no comigo.

Olhei para o infeliz que ganhava cinco vezes meu salrio e que ocupava meu lugar de dormir, e senti nojo.

Olhe aqui, pago novecentos dlares para dormir nessa droga de sof. Se no quiser me reembolsar, acho melhor sair da e ir para o quarto! Ou, melhor ainda: volte para sua mulher e filhos!

Sem mais uma palavra, o sujeito desligou a tev, levou-a para o quarto e trancou a porta.

Ao acordar, na manh seguinte, notei o aparelho no lugar de costume. O piloto se fora. Alimentei Jonathan, fui para a cozinha e coloquei um pouco de cereal numa vasilha. Mas tive de comer i seco, porque algum tinha tomado todo o meu leite e deixado a caixa vazia dentro da geladeira para evitar suspeitas. Isso me fez chegar brilhante concluso de que aquela fase de minha vida precisava acabar e que tinha de reservar algum dinheiro para poder sair daquele apartamento o mais breve possvel.

Eu e Clay seguamos para o aeroporto J. F. Kennedy, onde minaramos o vo direto para Paris.

Sabe de uma coisa? disse meu amigo, que estivera calado pelos ltimos dez minutos. Acho que deve aceitar a oferta do tal escritor.

Diz isso porque no estava l, diante dele, nu e redondo, a minha espera.

Pois o mnimo que ele poderia fazer aps submet-la a tal grosseria seria ler seu livro!

Esquea. Vi o preo da admisso no mundo literrio a que ele pertence, e estou fora!

Exatamente. Voc j pagou o preo, ento, agora hora de exigir os benefcios.

Eu j disse para esquecer.

Clay apenas ergueu as sobrancelhas e tornou a se calar pelo resto do caminho.

Quando entramos na rea reservada para funcionrios, notei que algo estava estranho; normalmente o lugar est sempre cheio de gente vestida azul-marinho, espera de seus vos, falando sem parar. Mas todos ali estavam um tanto calados, arredios. Kat veio logo em nossa direo, avisando:

Parece que vo demitir mais de mil funcionrios, desde pescai de terra a pilotos.

Supervisores tambm? Clay perguntou depressa, ansioso. - Os O.O., no. Aparentemente, entregar colegas e manter o mau humor o que faz com que se fique nesta companhia. Isso s podia estar acontecendo, mesmo, j que a companhia vinha tendo problemas financeiros desde a posse do mais recente executivo encarregado. timo. Eu j precisava muito de dinheiro e podia fazer uma idia do que me aconteceria se tambm perdesse o emprego.

Acho que est na hora de eu me aposentar Kat comentou, como se j tivesse tomado a deciso h algum tempo. Afinal, o tempo da diverso se foi.

Ela tinha razo. Eu e Clay jamais tnhamos conhecido esse tempo a que ela se referia, quando era considerado um privilgio trabalhar para uma companhia area americana. No entanto, ns dois estvamos surpresos com a deciso dela. Mas no tivemos muito tempo para pensar a respeito, pois fomos chamados para o prximo vo.

H meses eu no voava para a Europa e h anos no flertava com um passageiro. Mas o rapaz da poltrona 2B seria uma exceo. Simptico, falante e divertido, ele no teve dvida em me convidar para jantar em Paris.

Tenho um motorista a minha disposio no Ritz disse, enquanto eu lhe servia o almoo terrvel da Atlas. Posso apanh-la onde quiser.

Ele estava no Ritz e tinha um motorista! Voltei depressa para a cabine, para contar a Clay. Mas nossos planos para o jantar acabaram por a, pois meu querido sr. 2B caiu num sono pesado logo depois de comer. Desapontada, disse a Clay que nem queria mais tocar no assunto e ele, como sempre, me atendeu. Restou-me apenas voltara meu assento e esperar at que o comandante anunciasse a chegada a Paris.

Estvamos j pegando nossas coisas para descer do avio quando, surpreendentemente, 2B apareceu a meu lado.

Puxa! Acho que dormi demais. No de meu feitio, sabe? E ento, nosso jantar ainda est em p?

Assenti, novamente animada.

Sete horas est bem para voc?

Perfeito!

E onde devo procur-la? Por qual nome?

Hailey Lane, no Grand Hotel. Sorri para ele e segui, correndo, para o porto de desembarque.

s seis e cinqenta e cinco, eu estava em meu quarto, ainda sem me vestir, e tensa. Nada sabia sobre esse passageiro, a no ser o que verificara na lista de embarque. Seu nome era Maxwell Dunne, costumava usar a companhia com freqncia, era bonito, gostava de vinho tinto, ia ficar num dos melhores hotis de Paris e tinha um motorista.

Vesti-me depressa, mas com esmero. Estaria ficando louca por sair assim com um desconhecido? Mas a emoo de um encontro, de um novo relacionamento, talvez, me dominava.

Tentei me controlar, imaginando que nada havia de mais naquele encontro. Ele era homem, eu, mulher, e amos jantar juntos, nada mais.

Assim que pisei no saguo, vi-o entrando pelas portas duplas de vidro.

Consegui uma reserva no Jlio Verne anunciou. Arregalei os olhos, pois o restaurante ficava no segundo nvel da Torre Eiffel. Conseguir uma reserva ali e ter dinheiro para pagar a conta j demonstrava que meu possvel namorado era muito rico.

No entanto, se preferir outro lugar, no h problema ele acrescentou, talvez estranhando meu silncio.

No, no, est tudo perfeito! E entrei no banco de trs do carro de luxo que nos levaria ao restaurante.

Olhar para a Torre Eiffel d a impresso de que ela est sempre muito prxima. Por isso, mal pude acreditar que tivesse levado tanto tempo para chegarmos.

O restaurante mais parecia um night club e, assim que entramos, Max escorregou alguns euros na mo do maitre, que nos levou a um local privilegiado, de onde se poderia ter uma viso espetacular da cidade.

Mas que maravilha!

Que bom que gostou.

Vem sempre aqui? Abri o cardpio, imaginando se ele era do tipo que levava comissrias a restaurantes o tempo todo.

Uma vez apenas, h muito tempo. O jantar no poderia ter sido melhor. Inclinei-me em minha cadeira, olhando para Max e analisando quanto ele era interessante. Tinha viajado muito, era inteligente e tinha um timo senso de humor.

Para onde vamos agora? perguntou ele.

Curiosa e ousada, apenas dei de ombros. Estava disposta a segui-lo para onde quisesse ir.

J foi ao Temple?

Vamos, ento. Vai ser divertido.

Jean Claude, o motorista, estava a nossa espera, junto do Mercedes. Fumava e falava ao celular, mas logo parou e abriu a porta para ns. Seguimos pela cidade maravilhosamente iluminada, at um prdio de fachada muito interessante. O clube era um desses muito privativos, com membros selecionados, e fiquei ainda mais surpresa.

No pensei que seria assim disse. Max apenas sorriu e comentou:

E parece que h, at, uma lista de espera...

Entramos, porm, sem maiores problemas. Max parecia muito bem-vindo onde quer que fosse. Bem, eu j sabia que ele morava em Boston, que viajava com freqncia para Paris, e observei:

Passa muito tempo aqui, no?

Nos ltimos seis meses, uma ou duas semanas por ms. BrandylEu teria de voar na manh seguinte, por isso preferi apenas um refrigerante. Estvamos acomodados num desses bancos de couro, reclusos, e ele se sentou ainda mais perto. E, quando o vi inclinando-se em minha direo, soube que o beijo seria a prxima coisa da lista. Talvez nunca mais o visse novamente e isso poderia ser motivo tanto para levar a situao adiante, sem receio, como para termin-la ali mesmo.

Mas, quando ele me beijou, esqueci de tudo o mais e mergulhei de cabea. Acho que nunca antes tinha sido beijada com tamanha paixo.

Bem, deve ter sido muito bom, porque voc est tima! Clay comentou, quando seguamos para o elevador do hotel.

, foi bom.

S isso?

No fomos para a cama juntos, se o que quer saber. S nos beijamos.

Bem, e os beijos foram bons?

Intoxicantes. Sorri, maliciosa. Tinha sido bom ter beijado Max. Eu me sentia bem, meu ego tinha sido bem massageado, mas no havia culpa, porque tinha mantido o controle e no dormido com ele. E voc, o que fez?

Comi, fiz algumas compras...

Passvamos pela recepo, quando a moa atrs do balco chamou:

a Srta. Lane?

Sim...

Temos uma entrega para a senhorita. Espere, por favor. Quando ela voltou, da parte de trs da recepo, com o enorme

buqu de flores, percebi logo que era de Max. Ele tinha classe e elegncia suficientes para um gesto assim. Abri, apressada, o carto que vinha com as flores.

O que diz? Clay parecia mais ansioso do que eu.

Obrigado pelos momentos maravilhosos. Tenha uma boa viagem. Max.Ao chegar a meu apartamento, depois de todas as escadas, eu estava exausta. No tinha dormido bem e a diferena de fuso estava, no sei por que, sendo mais difcil agora do que jamais fora. A ida tinha sido tima, mas a volta fora terrvel. Passageiros aflitos, passageiros desesperados, passageiros mal-educados...

Portanto, depois de um bom banho e de vestir meu pijama favorito e tomar um bom copo de leite quente, sentei-me em meu sof horrvel, dividindo minha ateno entre Jonathan, em seu pequeno aqurio, e minhas flores, colocadas num vaso junto janela. Fiquei ali por um bom tempo e foi apenas quando me levantei que vi o bilhete junto ao telefone:

Hailey, sinto, mas nossa situao no est dando certo. Voc tem duas semanas para encontrar outro lugar para viver.LisetteCaptulo V

Kat falava a srio quanto a se aposentar. Dias depois, estvamos em sua cozinha, eu, com meu laptop e ela preenchendo a papelada de sua aposentadoria. Sentia inveja dela. Tinha uma semana para me mudar e nem sabia se continuaria empregada. Isso para no mencionar o fato de que j tinham se passado sete dias e eu estava comeando a sentir saudade de Max.

O que est fazendo? ela perguntou.

Procurando um lugar para alugar.

Bobagem. Fique aqui.

No. Preciso cuidar de minha vida e, depois, sou alrgica aos gatos.

Poderia ficar e cuidar da casa, porque vou embora para a Grcia.

O qu?!

J hora de mudar! Yanni tem casas maravilhosas em vrias cidades gregas.

Yanni...

Meu namorado grego.

Pretende se casar com ele?

Talvez. Tudo o que sei que estou pronta para comear o novo captulo de minha vida. E voc?

Encarei seu sorriso por interminveis segundos.

Posso at aceitar sua oferta, mas, quando voc voltar, ainda terei de procurar um lugar para viver.

Vou demorar a voltar e preciso de algum para cuidar da casa e dos gatos. Sei que alrgica, mas h remdios contra isso, no?

Bem... est certo. Mas promete me chutar para fora quando voltar?

O que uma mudana assim no opera na vida de uma pessoa, no? J que no tinha mais que pagar aluguel, eu dispunha de dinheiro para levar uma vida tranqila, podendo, at, escolher os vos que queria. Assim, com tempo livre para escrever, terminei meu livro em trs semanas. Fiz seis cpias do original e j estava colocando-as em seis diferentes envelopes para envi-los a diferentes editoras, quando meu celular tocou.

Hailey? Max. Como vai?

Meu corao disparou. Tinha desistido de pensar nele, de sentir sua falta, e agora ele me ligava!

Estou tima! E voc?

Bem, estou de partida para Paris esta noite e imaginei se poderamos nos ver. Sabe, h um novo restaurante l que quero muito que conhea. Vou estar l nas prximas duas semanas, no Ritz. Ligue-me se puder ir tambm.

Claro...

Nem mesmo tinha apertado o boto que finalizava a chamada, j estava eu ligando para a Atlas. Faria qualquer coisa por ura vo para Paris.

Fui aos correios, para enviar meu livro e, na volta, parei numa livraria, s para ter a sensao antecipada do que seria ter meu nome numa das prateleiras dos mais vendidos. Um livro mais fino que os demais, estava em lugar de destaque, como best seller da semana. Peguei-o e, ao voltar a parte de trs para cima, senti a respirao presa. A foto de Cadence fazia jus a sua beleza, num dos cantos da capa. Folheei as primeiras pginas, s para ver se ela fizera meno ao nome de Dane nos agradecimentos ou na dedicatria.

um bom livro, mas no precisa comprar. Posso arranjar-lhe um exemplar ouvi, logo a meu lado, e voltei-me para ver Dane ali, em carne e osso, parecendo mais lindo do que nunca.

Oh, ol!

Eu estava subindo para o caf. Quer me acompanhar? Bem, eu estava morando numa cobertura, acabara de enviar

meu livro para vrias editoras e dois homens maravilhosos tinham aparecido em minha vida novamente, no mesmo dia. Pelo visto, eu estava melhorando minha posio neste mundo, com certeza!

Enquanto esperava, na mesa pequena, que ele fizesse o pedido, ficava imaginando como era estranho estarmos sempre nos encontrando assim. Mas Nova York era, mesmo, uma cidade estranha. Podia se ter a mesma colega de quarto por cinco anos e quase nunca cruzar com ela, e ir a um parque diferente a cada semana e encontrar as mesmas pessoas.

Dane voltou trazendo-me um capuccino e alguns biscoitos de leite.

Costuma vir tomar caf por aqui? No um tanto distante de seu servio? comentei.

Moro por aqui.

Ah, isso explica termos nos visto tanto ultimamente.

, mas no a tenho visto no Starbucks. Terminou seu livro?

Sim. Acabei de mandar seis cpias.

No tem um agente?

No... Eu nem mesmo pensara nisso...

Seguiu as normas que os editores pedem? Porque podem nem ler seu manuscrito se no as seguir.

Senti como se um balde de gua fria tivesse sido derramado sobre minha cabea.

E Harrison? A pergunta tirou-me de minhas divagaes sombrias sobre o destino de meu livro.

Bem menti. Ele um sujeito muito legal.

Mesmo?

Mesmo...

Bem, vou ter que voltar ao escritrio, mas... estava pensando... est livre este fim de semana?

Eu estava me sentindo no fundo do poo. Muito bem, ele estava namorando uma escritora de sucesso, mas isso no o tornava um escritor tambm, e aquela histria sobre nem lerem meu manuscrito acabara comigo. No via a hora de poder sair dali e me livrar da presso que minha prpria pressa e inexperincia estavam colocando em mim.

Vou passar o fim de semana em Paris disse.

Oh, que sorte a sua!

Por que eu continuava tendo a impresso de que havia algo a mais no olhar dele? Fosse por que fosse, despedimo-nos sem mais palavras e seguimos nossos caminhos.

Voar para Paris sem Clay no foi divertido. A tripulao me pareceu fria e distante. E, como eu tinha sido colocada no vo s pressas, deram-me todas as tarefas que ningum mais queria fazer. Criei, ento, um mantra para mim mesma:

Voc vai para Paris, ver Max e beij-lo.Ao desembarcarmos, o piloto e o co-piloto, antigos amigos de Michael, vieram falar comigo, e at me ofereceram um jantar com a tripulao, mas fiz questo de dizer que tinha um encontro com um verdadeiro cavalheiro. Se isso ia chegar aos ouvidos de Michael, no sei, e nem me importei em saber.

Antes de deixar o aeroporto, tentei ligar para Max, mas ningum atendeu. Assim, deixei um recado e, ao entrar no Grand Hotel, achei que ele j teria confirmado nosso encontro ou, quem sabe at, me enviado outro buqu de flores. Mas nada havia para mim na recepo. Um tanto desapontada, subi para tomar um banho e, quem sabe, dormir um pouco antes de sair para dar uma volta.

Quando sa do chuveiro, o celular j tinha uma mensagem:

Hailey, sei que j chegou. Se estiver bem para voc, pego-a s sete. Se no, deixe um recado no Ritz.Ouvi a mensagem mais de dez vezes. Meu corao batia como um louco. Acertei o despertador para dali a duas horas e dormi o mais feliz dos sonos.

Ns nos encontramos exatamente s sete. Ele, barbeado, perfumado, maravilhoso, cumprimentou-me com um delicado beijo no rosto e levou-me para a Mercedes, qual eu estava comeando a me acostumar depressa demais.

J esteve no Quartier Latin?

Ah, sim, minha parte favorita da cidade!

H um restaurante l, relativamente novo, ao qual nunca fui, mas que podemos experimentar. No sei ao certo onde fica, mas

Jean Claude pode nos deixar em algum lugar para explorarmos as ruas por nossa conta. O que me diz?

Perfeito!

No foi difcil encontrar o lugar; era pequeno, discreto, e com o velho e elegante charme parisiense que todos adoram. E a comida no poderia ser mais deliciosa. Acho que comemos tanto que apenas uma caminhada poderia nos aliviar. Samos a p, de mos dadas, prestando ateno aos inmeros detalhes de cada loja, cada casa, cada esquina.

Adoro Paris! comentei. Voc tem sorte por poder passar tanto tempo aqui.

Tenho, mesmo.

Andamos muito, petiscamos pelas ruas, apesar de j termos - jantado, e depois nos sentamos numa praa. L, Max beijou-me novamente e, como da outra vez, senti que o mundo desaparecia a meu redor. Senti que jamais experimentara aquela paixo ardente, quase escandalosa, nem mesmo com Michael.

Venha para o Ritz comigo ele sussurrou em meu ouvido, entre nossos beijos.

No posso...

Por que no?.

Porque tenho de voar logo cedo...

Mas quando poderei v-la novamente?

No sei.

Por que no volta para Paris amanh noite.

O qu? Afastei-me de seus lbios, encarando-o.

Voc disse, no jantar, que tem esta semana de folga. Ento, se voa gratuitamente...

Sim, mas...

Ento, perfeito! Vou mandar Jean Claude peg-la no aeroporto e passaremos a semana juntos!

Mas e minhas roupas? Para voltar, nem terei tempo de ir para casa e fazer outra mala.

Minha querida, estaremos em Paris! Faremos compras! Eu jamais vivera uma situao assim. Jamais me permitira uma

loucura desse quilate. No entanto, movida por uma fora que nem eu mesma sei explicar, cerrei os olhos e aceitei, feliz. Afinal, a vida to curta! E sempre ouvi dizer que melhor arrepender-se de ter feito algo do que de no ter feito.

Assim que pousamos, apressei-me em mudar de roupas e me preparar para o vo de volta. Encontrei Clay no caminho e nem parei para falarmos, por isso ele foi me seguindo pelos corredores do aeroporto.

Vou passar alguns dias em Paris informei, alegre.

Mas achei que tinha acabado de chegar!

Sim, mas uma longa histria e no tenho tempo para contar-lhe agora.

Onde vai ficar?

No Ritz.

Opa! Por quanto tempo? Estarei em Amsterd dentro de alguns dias; talvez queira voltar comigo.

Pode ser.

Ligo para voc no Ritz, ento. Que quarto devo chamar, o seu ou o dele?

Sorri diante da brincadeira e, apressando o passo, dei-lhe um abrao e respondi:

Pea para falar com Maxwell Dunne

Viajar assim, sem parar, poderia ter me deixado exausta, mas a ansiedade de estar com Max mantinha-me alimentado de energia e felicidade. E mais feliz ainda fiquei quando fui levada ao apartamento que ele ocupava no Ritz, luxuoso, elegante, cheio das mordomias que somente muito, muito dinheiro, pode comprar.

Segui direto para o banheiro revestido de mrmore e preparei um banho na imensa banheira branca.

Sa do hotel com a inteno de dar umas voltas e comprar algumas coisas. O dia estava claro, nem quente, nem frio, e as ruas estavam cheias de gente indo e vindo, moradores de uma cidade que o resto do mundo babava por conhecer. Felizardos.

Parecia incrvel, mas eu saltara de um verdadeiro inferno para uma vida onde a felicidade era trao primordial. Max era perfeito! Tinha tudo o que queria da vida e o fato de no ser casado era bom demais para ser verdade. Alis, essa foi uma das primeiras coisas que eu quis deixar bem claras, pois poderia me apaixonar, sim, e perdidamente, por ele.

Por isso, em nosso primeiro jantar, tinha perguntado:

Max, voc no casado, ?

Ele negou com a cabea, o que no me satisfez por completo.

Quero dizer... nada de esposa e cinco filhos esperando ansiosamente por seu regresso?

No. Claro que quero me casar um dia, mas a parte dos filhos ainda no tenho bem certeza.

Isso era bom para mim, porque tambm nunca tinha pensado com seriedade sobre ter filhos...

Entrei numa loja de lingerie, tentada a comprar algo sensual para qualquer eventualidade. E encontrei um conjunto que me encantou, tanto na beleza quanto no preo. Afinal, Max era perfeito e merecia algo perfeito, tambm.

Marquei nosso encontro num bar chamado Hemingway, cheio de fotos do grande escritor, e muito aconchegante. Usava tudo novo: sandlias, vestido e lingerie. E estava super ansiosa.

Quando o vi chegar, num terno magnfico, quase derreti. Ele veio, deu-me um beijo suave e comentou:

Voc est linda. Fez compras?

Sim. Fui dar uma volta pelo lado esquerdo do Sena.

Mas foi a p. Podia ter usado o carro. Jean Claude est a seu dispor.

Eu sei, mas preferi andar. O dia estava lindo.

Como foi seu vo?

Bom. Dormi a maior parte do tempo.

Jantar com Max era sempre uma aula de refinada culinria. Ele conhecia todos os pratos, e me fez apreciar cada um dos que pedimos. Depois decidimos pular a sobremesa e ir direto a um licor de chocolate que parecia ter sido feito no paraso.

De volta ao hotel, eu estava tensa. Max nos preparou dois drinques e eu segui direto para o banheiro, para escovar os dentes, arranjar a maquiagem e me convencer de que estaria altura dele.

Quando voltei sala, ele me esperava com dois copos nas mos, sentado diante da lareira acesa. Oh, era tudo o que eu poderia desejar! Assim que me sentei, ele me entregou o copo. Mas nenhum de ns se importou em beber. Estvamos logo um nos braos do outro, beijando-nos como loucos, envolvidos num desejo arrebatador.

No minuto seguinte, ele me levou para a cama e, sem uma palavra, fizemos amor desesperadamente. Eu nunca tinha vivido algo assim. No entanto, alguma coisa ficou faltando. E, ainda envolvida pela aura da paixo, eu no soube exatamente o que poderia ser.

O que havia de errado comigo? Estava com um homem inteligente, simptico, bonito, rico, generoso, sofisticado. No entanto, faltava alguma coisa. Por que tudo tinha de ser sempre complicado para mim? Por que no tinha percebido que Max era perfeito demais para ser verdade?

No sei o que fazer queixei-me para Clay, na manh seguinte, depois que Max saiu para o trabalho. Ele deixara um bilhete, dizendo que faria tudo para conseguir sair mais cedo, para que pudssemos passar mais tempo juntos, mas eu me sentia como uma Cinderela cujo conto de fadas tinha sido um fracasso.

Acho que voc tem que sair da quanto antes foi o conselho de meu amigo.

O qu? Como? Quero dizer... ele completamente perfeito em tudo... Que desculpa vou dar?

Que no gostou dele na cama. E ponto final. Ou acha que pode enganar a si mesma por muito mais tempo? Porque est fantasiando se acha que foi tudo uma maravilha. Se tivesse sido, voc estaria feliz e ansiosa por mais, minha cara.

Mas, Clay, ele um homem em um milho!

timo. Case-se com ele, ento. E passe o resto de suas manhs pensando que a noite anterior poderia ter sido melhor. No se engane mais, Hailey. O cara perfeito, mas no funcionou. No viu estrelas. Estarei em Amsterd em alguns dias. Se quiser me encontrar por l...

Vou pensar e depois ligo, certo?

A semana se seguiu diferente de como eu previra. Durante o dia, tudo era muito bom. Perfeito, para usar a palavra que eu definira como sendo a melhor descrio para Max e seu estilo de vida. Mas, noite, quando tnhamos de ficar sozinhos, quando amos para a cama, eu simplesmente fechava os olhos e deixava tudo acontecer. No, aquelas no eram as noites de meus sonhos, mas tambm no eram as piores. Continuamente tentava me convencer de que era exigente demais, que queria mais do que qualquer mulher poderia desejar, mas o fato era que, naquele ponto especfico, eu no estava feliz...

No eram suficientes os sorrisos, os passeios, os beijos, os carinhos. Nem mesmo toda a animao que Max demonstrava quando estava a meu lado. Definitivamente, havia algo de muito errado comigo.

Estranhei aquele passeio que ele sugeriu ao metr. Mas Max explicou que estvamos em Pigalle e que aquele era um bairro bomio, que grandes artistas, como Picasso, costumavam se reunir ali, e isso me convenceu de que era um lugar interessante. Mal sabia eu que estava comeando a entrar num pesadelo...

Seguimos por uma rua escura, que, obviamente, ainda era freqentada por gente no muito respeitvel. Chegamos a um clube noturno, desses que esto sempre to envoltos na escurido, que mal se consegue ver a pessoa que nos acompanha. Havia um palco mal iluminado logo frente e Max foi recebido ali com a mesma deferncia e a mesma cortesia com que o encaminhavam s melhores mesas dos restaurantes mais finos de Paris. Pelo visto, tambm dali era um freqentador assduo e isso comeou a me incomodar. Tomamos um drinque e, pouco depois, o espetculo comeava. No palco, um casal bizarro, vestido com roupas justas de couro, comeou uma encenao de um relacionamento sado masoquista. Meu estmago comeou a virar. Eu nunca estivera num lugar assim e ver aquelas cenas grotescas a poucos metros de distncia era o fim.

Max, vamos embora daqui.

Ora, por qu? Vai se acostumar e logo, logo, vai gostar. No, eu no queria me acostumar. Queria sair dali. Pelo visto,

ele estava me mostrando um lado de sua personalidade que eu nunca poderia ter imaginado.

Max, quero ir embora agora!

No, Hailey. O que est havendo com voc, afinal?

No gosto deste tipo de coisas, mas para voc, parece ser algo bastante interessante. J percebi que um freqentador da casa.

E se for? No vejo mal nisso.

Mas eu vejo. Desculpe-me, mas estou saindo.

E para onde vai?

Para o Ritz, pegar minhas malas e sumir de Paris e de sua vida.

No esperei por mais nada. Max chegou a me chamar, mas no me seguiu. Ali terminava nosso relacionamento. Pelo visto, eu encontrara algo que no era to perfeito. Um bom motivo para deixar de apenas suportar ficar a seu lado e partilhar de bons momentos. No me senti nem um pouco culpada quando deixei o hotel, aps ter ligado para Clay e lhe contado tudo, marcando um encontro em Amsterd.

Talvez ele tenha percebido que voc no estava gostando de seu relacionamento na cama e quis apimentar um pouco a relao Clay tentou justificar, quando nos encontramos, no dia seguinte.

Tentei aceitar tal teoria, mas a nica coisa que queria, de fato, era esquecer que, um dia, me envolvera com um adorvel sujeito chamado Max que tinha maus hbitos noturnos...

Quando voltei a Nova York, havia uma pilha de correspondncia na cobertura. Senti uma ponta de preocupao, lembrando-me dos gatos, mas logo ela se foi, envolta em alvio quando me lembrei de que, antes de viajar, embarcara os bichanos para a Grcia, como minha amiga havia recomendado. Jonathan sempre conseguia sobreviver bem com o que havia em seu aqurio, mesmo que fossem aquelas algas verdes que comeavam a se formar nas paredes quando eu esquecia de trocar a gua.

Assim, alimentei-o, segui para o banheiro e, depois de uma boa chuveirada, sentei-me com uma caneca de caf nas mos para ler tudo que estava endereado a mim. A primeira carta que abri era de uma editora. E dizia:

Prezada srta. Lane, agradecemos por nos ter enviado seu original. Gostei da leitura e tambm da maneira como abordou a viso de uma adolescente diante do mundo. No entanto, preocupei-me com a traio de sua amiga e a ausncia contnua de seus pais. E, mesmo tendo um final relativamente feliz, seu livro poderia ter dado um foco mais humano s aventuras da protagonista. Se estiver interessada em reescrever a histria, com pelo menos um pai ou uma me mais presente, amigos mais decentes e um final mais feliz, estarei interessada em ler seu trabalho novamente. Martina RasmussenAcabei de ler e fiquei olhando para a parede sem saber o que pensar. Eu no queria que destrussem minha histria; apenas que a lessem, publicassem, ou no.

Eu acabava de me aprontar para o baile anual das Damas de Honra, que sempre se realizava no East Village. Era um evento alegre, irreverente, cuja entrada era uma doao para qualquer boa causa do ano e que exigia apenas que se participasse usando o vestido mais cafona que pudesse encontrar nos brechs da cidade.

Verifiquei mais uma vez o enorme lao de tafet na parte de trs de meu vestido cor-de-rosa e achei que estava ridcula o suficiente para agradar.

Segui para o elevador e, para meu azar, este estava quase cheio, o que quase no me deu espao para entrar. No entanto, estava atrasada e sabia que no poderia ficar esperando at que ele retornasse cobertura. Entrei, baixei a cabea, sabendo que todos ali estavam me olhando e estranhando minha roupa, mas persisti em minha fortaleza de esprito. Foi quando uma voz familiar me chamou:

Hailey? O tom de estranheza era evidente.

Eu a reconhecia, mas no queria acreditar. No queria e no podia, porque, se o dono daquela voz fosse, de fato, quem eu pensava que era, estaria perdida por ele me ver assim, totalmente, absurdamente, esfericamente ridcula.

Hailey! ele insistiu e tive de erguer os olhos. O que faz aqui?

Eu moro aqui.

Mora aqui?!

Puxa, isso era to difcil assim de acreditar?

Sim. Na cobertura.

Mas... tambm moro aqui! Mas no na cobertura. Talvez deva mudar de profisso...

Como assim?

Ser comissrio...

Dane Richards estava zombando de mim. Definitivamente. E isso doa. Muito. Afinal, como ele ousava mostrar-se surpreso por eu morar ali? Por que seria impossvel para mim alcanar tal conforto? Esnobe, isso era o que ele era! Estava comeando a achar que toda a atrao que sentira por ele antes se transformava em desprezo.

Foi s ento que percebi a presena dela. Cadence, bem ali, a meu lado. E eu que estava to preocupada em no olhar para parte alguma s porque estava ridcula.

O elevador parou, todos saram, mas ns trs, no.

Vamos, o carro est esperando! ela instigou, enchendo-me de raiva. Oh, eu no gostava daquela mulher! No gostava mesmo!

Samos, ou acabaramos subindo novamente.

Para onde est indo? Dane quis saber.

Para o centro.

N