Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

24
Feliz Aniversário e Felicidade Clandestina Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias

Transcript of Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Page 1: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Feliz Aniversário e Felicidade Clandestina

Amanda Modolão Nóbrega

Ana Carolina Martins Borges

Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias

Page 2: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Clarice...Escreverei aqui em direção ao ar e sem responder a nada pois sou livre. Eu – eu que existo. Existe uma volúpia em ser gente. Não sou mais silêncio. (LISPECTOR, Um sopro de vida, p.69).

Page 3: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

A História Social da Mulher e Família

Imersa numa situação específica, decorrente do processo de colonização, a mulher como mantenedora, guardiã e gestora da maioria dos lares acabava por responsabilizar-se pela interiorização dos valores tridentinos [...] A mulher seria, portanto, provedora e recebedora de um amor que não inspirasse senão a ordem e o equilíbrio familiar (PRIORE, 1990, p.124-125).

Page 4: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Anita e o silêncio que grita [...] vestira a aniversariante logo depois do almoço.

Pusera-lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala,silenciosa. Olhando curiosa um ou outro balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo. (LISPECTOR 1998, p. 37).

Page 5: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

A visão daquela mulherMas, piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? (LISPECTOR 1998, p. 41).

Page 6: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Epifania: A visão familiarNa cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. (LISPECTOR 1998, p. 40 e 41)

Page 7: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Ana“Amélia”? Ana vive para o lar, o marido e os filhos. Contudo, diferentemente da personagem fundadora do mito que “Às vezes passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer”, Ana vive um inquietante estado de resignação. Sua condição enquanto mulher não apresenta possibilidade de mudança ou transcendência visível, razão esta que condiciona o leitor a compreendê-la como conformada, ainda que esta demonstre aflição.

Page 8: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Anita

É a matriarca, de onde todos descendem. De mãe zelosa e exemplo de esposa em uma sociedade estruturalmente patriarcal, D. Anita é a referência familiar a que todos lembram por obrigação, é o último laço que interliga os demais membros de uma família dessorada pelas diferenças. Mais que isso, é o retrato do velho no Brasil da segunda metade do século XX.

Page 9: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Ana e AnitaSegundo Machado (2012), através do sufixo diminutivo –ita compreende-se que dentro do universo familiar de ambas as personagens, Anita é a última instância a qual poderia chegar a personagem Ana, reduzida ao seu extremo: é a dona de casa que se dedicou a vida inteira à família, buscando sua realização na concretude dos anseios dos filhos e do marido.

Page 10: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Um lampejo de consciência tardia

aquelas mulherezinhas que casavam mal os filhos, que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos — nenhum, nenhum de ouro! A raiva a sufocava (LISPECTOR 1998, p.42).

A personagem D. Anita no decorrer do conto demonstra a intensificação da sua consciência crítica, ou seja, aos 89 anos. Isso ocorre em função do fato de que a aniversariante não consegue ver continuidade na família que se empenhara em erguer.

Page 11: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Profundidade

Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta. Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance. Cordélia olhou-a estarrecida. E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu — enquanto Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás implorando à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante, enfim agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez Cordélia quis olhar. (LISPECTOR 1998, p. 43 e 44).

Page 12: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Aproximar e AnsiarAlguns conseguiram olhar nos olhos dos outros com uma cordialidade sem receio. Alguns abotoavam os casacos das crianças, olhando o céu à procura de um sinal do tempo. Todos sentindo obscuramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais — que palavra? Eles não sabiam propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pedia para ser vivo. Mas que era morto. Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se desligar dos parentes sem brusquidão.(LISPECTOR 1998, p. 45).

Page 13: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Clarice e a Pequena Grande Personagem

Segundo Leal () sempre há, realmente, algo de Clarice escondido por trás de seus personagens: ela sempre está exatamente “lá”, por trás deles, entre eles, próxima deles, enfim, escondida ou não, exteriorizando-se no interior de suas alegorias, mas sempre presente. Entretanto, em “Felicidade Clandestina” tal presença é ainda mais marcante.

Page 14: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Semelhanças...

A narradora, em primeira pessoa, conta um episódio de sua infância, que se passa no Recife. Segundo BORGES (apud ECO 2004) trata-se, na verdade, de uma figura ambígua, pois não só é a personagem que fala na primeira pessoa num livro escrito por outrem, mas ainda aparece como o homem que escreveu fisicamente aquilo que estamos lendo (...) ou, se preferirem, o autor-modelo fala através dele.

Page 15: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

O Desejo

[...] As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses.(LISPECTOR 2009, p. 6).

Page 16: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Epifania: A Obtenção

Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. (Lispector 2009, p. 7).

Page 17: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

E o que é clandestino?

Levando em consideração o

enredo do conto, qual

seria o sentido de uma

felicidade clandestina?

Page 18: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Um paradoxo

A felicidade é exteriorizada de maneira espontânea e, em contrapartida, a clandestinidade busca esconder-se, pois foge às normas da sociedade, da junção desses dois vocábulos, o que podemos obter é o paradoxo da clandestinidade dessa felicidade.

Page 19: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

A Felicidade...

segundo Aristóteles, consiste numa atividade da alma e tem abrigo no próprio indivíduo. Realiza-se por meio de suas ações e de acordo com suas virtudes. A felicidade é construída por meio de um exercício diário para a atualização das potências da alma; não pode ser conseguida de uma só vez, nem em um só dia, mas consiste em uma ação que se prolonga pela vida inteira.

Page 20: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

Mas para a personagem...A felicidade passa a ser clandestina, pois chega inesperadamente e embora aparentemente a menina não saiba ao certo o que fazer com ela, tem a certeza de que é efêmera e passageira, como as ondas mencionadas no conto, que vão e voltam em instantes e se desmancham em seguida.

Page 21: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

A felicidade plena, portanto, não existe nesse contexto. Ela é obtida a custo de muito sofrimento e quando alcançada é passageira. Assim como o livro poderia ficar com a narradora por tempo indefinido, a materialidade dessa felicidade é questionável, pois o fato de o objeto de desejo não pertencer à narradora, esse pode ser devolvido ao seu legítimo dono a qualquer momento. Não é por acaso que o conto termina com a frase: “Não era uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante”.

Page 22: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

A imagem do amante personificando o objeto-livro promove a clandestinidade e nos remete a analogias que materializam o prazer da leitura, com encontros furtivos, misteriosos, com momentos de buscas e de encontros. Promove também o prolongamento desse prazer, que é sempre adiado, para “o dia seguinte”, para que não se chegue ao fim do encontro, ao final do livro. No começo do conto, ela “não vivia”, agora, ela “vivia no ar”.

Page 23: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

ReferênciasARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril

Cultural, Série: Os Pensadores, 1979.

ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das letras, 2004.

LISPECTOR. C. Felicidade Clandestina. In: Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

___________. Feliz Aniversário. In: Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Page 24: Amanda Modolão Nóbrega Ana Carolina Martins Borges Ana Márcia Pereira de Almeida Zacarias.

ReferênciasPRIORE, M. D. História das mulheres no Brasil. 2ª Ed.

São Paulo: Contexto, 1997.