Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

15
As constantes mudanças legais e o quadro de ex- cesso de normas para alguns assuntos ou falta de regras específicas para outros comprometem a se- gurança jurídica no País e, consequentemente, a atuação do setor privado e novos investimentos. Essa é uma das mensagens-chave deixadas pelo Fórum Jurídico – Transformações Legais, promo- vido pela Amcham-São Paulo em 28/02. Leia mais sobre esse debate aqui. O seminário da Amcham mergulhou a fundo nesse cenário e abordou quatro temáticas que vêm sendo objeto de alterações legais nos últimos anos, com forte impacto sobre as companhias. Advogados especialistas nesses assuntos mostraram sua visão sobre o que vem ocorrendo e perspectivas: Código de Processo Civil O novo Código de Processo Civil, que reforma a versão de 1973, busca dar uniformidade de deci- sões a processos semelhantes e criar instrumentos que facilitem a resolução de demandas repetitivas, permitindo o reconhecimento de precedentes de ações judiciais. Veja mais aqui. Código de Defesa do Consumidor O Código de Defesa do Consumidor criado em 1990 segue de extrema importância, porém, com o passar do tempo, tornou-se defasado em vários as- pectos. Na atualização do CDC, entram três pontos centrais: superendividamento, comércio eletrônico e ações coletivas. Saiba mais aqui. Direito do Trabalho Mudanças recentes na interpretação de alguns as- pectos da legislação trabalhista, ocorridas no âm- bito do Tribunal Superior do Trabalho, vêm cau- sando preocupação a advogados e empresas. Há críticas de que nos últimos tempos súmulas vêm ganhando força de lei e desviando-se de sua função original. Acompanhe detalhes aqui. Direito Tributário Se o Projeto de Lei 2557/11, que trata da criação do Código de Defesa do Contribuinte, for aprovado num futuro próximo, empresas e pessoas físicas terão um manual que detalha todos os direitos e garantias perante o fisco, hoje espalhados em diversas legisla- ções. Leia mais sobre esse tema aqui. São Paulo, 28 de fevereiro de 2013

description

 

Transcript of Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

Page 1: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

As constantes mudanças legais e o quadro de ex-cesso de normas para alguns assuntos ou falta de regras específicas para outros comprometem a se-gurança jurídica no País e, consequentemente, a atuação do setor privado e novos investimentos. Essa é uma das mensagens-chave deixadas pelo Fórum Jurídico – Transformações Legais, promo-vido pela Amcham-São Paulo em 28/02. Leia mais sobre esse debate aqui. O seminário da Amcham mergulhou a fundo nesse cenário e abordou quatro temáticas que vêm sendo objeto de alterações legais nos últimos anos, com forte impacto sobre as companhias. Advogados especialistas nesses assuntos mostraram sua visão sobre o que vem ocorrendo e perspectivas: Código de Processo CivilO novo Código de Processo Civil, que reforma a versão de 1973, busca dar uniformidade de deci-sões a processos semelhantes e criar instrumentos que facilitem a resolução de demandas repetitivas, permitindo o reconhecimento de precedentes de ações judiciais. Veja mais aqui.

Código de Defesa do ConsumidorO Código de Defesa do Consumidor criado em 1990 segue de extrema importância, porém, com o passar do tempo, tornou-se defasado em vários as-pectos. Na atualização do CDC, entram três pontos centrais: superendividamento, comércio eletrônico e ações coletivas. Saiba mais aqui.

Direito do TrabalhoMudanças recentes na interpretação de alguns as-pectos da legislação trabalhista, ocorridas no âm-bito do Tribunal Superior do Trabalho, vêm cau-sando preocupação a advogados e empresas. Há críticas de que nos últimos tempos súmulas vêm ganhando força de lei e desviando-se de sua função original. Acompanhe detalhes aqui. Direito TributárioSe o Projeto de Lei 2557/11, que trata da criação do Código de Defesa do Contribuinte, for aprovado num futuro próximo, empresas e pessoas físicas terão um manual que detalha todos os direitos e garantias perante o fisco, hoje espalhados em diversas legisla-ções. Leia mais sobre esse tema aqui.

São Paulo, 28 de fevereiro de 2013

Page 2: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL

CONsTANTes TRANsfORmAções LeGAIs ImPACTAm dIReTAmeNTe

ATuAçãO dO emPResARIAdO e INVesTImeNTOs

As constantes mudanças legais e o quadro de excesso de normas para alguns assuntos ou falta de regras específicas para outros comprometem a segurança jurídica no País e, consequentemente, a atuação do setor privado e novos investimentos. Além disso, exigem que as companhias mantenham estruturas específicas para acompanhar e aplicar as novidades. Nesse cenário, cabe aos departamentos jurídicos das empresas uma forte atuação preventiva, o que se constitui numa tarefa bastante complexa.

Esta é uma das mensagens-chave deixadas pelo Fórum Jurídico – Transformações Legais, promovido pela Amcham-São Paulo em 28/02. O evento reuniu advogados, diretores jurídicos e especialistas para trocar experiências a respeito do sistema jurídico brasileiro, em especial mudanças recentes em questões com alto impacto sobre o empresariado.

“Se a área jurídica da empresa não chama atenção é porque conseguiu orientar bem. Nosso papel é preven-tivo”, argumenta Ana Cássia Mercante, diretora jurídica da General Motors.

Parte importante do trabalho dos departamentos jurídicos hoje consiste em se manterem sempre atualizados e acompanharem a agenda legislativa do Senado e da Câmara dos Deputados. “O problema de um projeto de lei é que sempre sabemos como entra [no Congresso], mas não como sai”, comenta a executiva.

“A Constituição dos Estados Unidos, aprovada em 1787, ao longo dos anos recebeu dez mil propostas de emendas, mas apenas 27 foram aceitas até hoje. Já no Brasil, foram mais de quatro milhões de leis, regula-mentos e decretos desde a Constituição de 1988. Como uma empresa pode conviver num ambiente desse?”, questiona Ana Cássia.

2

Ana Cássia Mercante, diretora jurídica da General Motors

Page 3: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL

exemPLOs

No complexo sistema jurídico brasileiro, as regras nem sempre estão bem distribuídas. “O equilíbrio na função normativa é o desejável. Há casos em que a falta [de leis] cria insegurança, enquanto por outro lado o excesso atrapalha os negócios”, argumenta Luis Fernando de Almeida, diretor jurídico da Nextel.

Como exemplo, ele cita a Lei do Estágio (11.788/08) que estabelece, entre outros pontos, jornada máxima de seis horas diárias (frente às oito horas que antes vigoravam) e 30 horas semanais para os estudantes dos níveis superior, profissionalizante e médio. Para Almeida, essa lei carrega certo paternalismo. “As pessoas precisam desse nível de intervenção para buscar o que é mais importante para elas?”, indaga.

Outro exemplo dado pelo advogado foi o da Cer-tidão Negativa de Débito (CND), documento que serve para comprovar a ausência de débitos de uma empresa junto aos órgãos públicos, bem como sua regularidade fiscal e cadastral perante a Receita Federal, e que é requisitado para fechamento de negócios com empresas públicas e também com algumas privadas. Sua validade é de 90 dias, e a emissão desse certificado só é obtida após uma sé-

3

rie de exigências. “O Estado obriga a sociedade se preocupar com isso, em vez de fiscalizar e punir quem realmente merece“, critica.

Em mais um exemplo de como o nó legal atrasa negócios, Almeida cita a burocracia existente para a instalação de antenas de telefonia móvel nos mu-nicípios. “O que se tem de concreto nesse campo é que a competência para legislar sobre telecomu-nicações é da União. Os municípios têm compe-tência para regular sobre urbanismo, e os estados regulam questões de saúde. No setor de telefonia, há centenas de leis diferentes em cidades diferen-tes sobre o mesmo tema”, explica ele.

desAfIO NO seTOR de eNeRGIA

No setor de energia, como compartilhou Luís Fer-nando Radulov Queiroz, diretor jurídico da AES Brasil, as regras mudam constantemente e acom-panhá-las é um desafio. “Temos de responder a questionamentos o tempo inteiro por algo que no dia seguinte talvez não valha mais”, constata ele.

Até o ano passado, a AES acompanhava cotidiana-mente a agenda legislativa nas esferas estadual e federal, e enviava para os departamentos relacio-

Luis Fernando de Almeida, diretor jurídico da Nextel

Luís Fernando Radulov Queiroz, diretor jurídico da AES Brasil

Page 4: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 4

nados aos assuntos em pauta um informe atualiza-do da movimentação legal. A empresa optou por moderar a frequência desse trabalho, considerando um panorama em que os PLs do setor levam de três a cinco anos para ser aprovados. “Eu recebia dezenas de e-mails diários relativos a alterações jurídicas do setor. Ninguém dá conta [de atualizar] tudo isso”, conta Queiroz.

Ele reforça que a segurança jurídica é fundamen-tal para companhias e cidadãos. “É difícil exercer nossa atividade, que é de suporte, num mundo como esse. A sociedade está mudando. Os direitos são cada vez mais claros e o acesso a eles é cres-centemente facilitado. Há necessidade de se fazer justiça com bases sólidas.”

Page 5: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL

ReCONheCImeNTO de PReCedeNTe judICIAL é

GRANde mudANçA dO NOVO CódIGO de PROCessO CIVIL

5

A segurança jurídica e a celeridade nos julgamentos de processos civis estão entre as principais deman-das que o novo Código de Processo Civil (CPC), que reforma a versão de 1973, procura atender. O texto busca dar uniformidade de decisões a proces-sos semelhantes e criar instrumentos que facilitem a resolução de demandas repetitivas, permitindo o reconhecimento de precedentes de ações judiciais.

A reforma do Código de Processo Civil foi um dos temas debatidos durante o Fórum Jurídico – Trans-formações Legais.

O advogado Fredie Didier Jr., livre-docente em Direito Processual da Universidade de São Paulo (USP) e membro da comissão do Congresso Na-cional que cuida da redação do novo CPC, consi-dera que um dos grandes pilares do código é criar um sistema de respeito aos precedentes judiciais. “Será a primeira lei brasileira a regulamentar o uso de precedentes no País, contemplando o que é um precedente, como deve ser interpretado e pode ser revogado, e quais são os seus efeitos.”

Desafogar o Judiciário é o grande objetivo de uma reforma como essa, aponta o promotor de Justiça

Leonardo Roscoe Bessa. “Existe um fato que não te-mos como negar: o Poder Judiciário brasileiro não está aguentando a quantidade de demandas. Hoje, ao levar uma ação ao Judiciário, sabemos como se inicia, mas não como e quando acabará.” Por isso, é fundamental respeitar os precedentes, reitera ele. APROVAçãO NesTe ANO

Didier revela que, desde setembro de 2011, quan-do começou a tramitar na Câmara dos Deputados o projeto de reforma do CPC, já foram enviadas mais de 2000 sugestões de regimentos e instru-mentos legais para vigorar no texto da lei, bem como mais de 900 emendas parlamentares e 150 projetos apensados ao CPC. Em 2010, o Senado já havia iniciado um projeto semelhante para atua-lizar o código.

“Todos os dias chega uma sugestão. A versão que deve prevalecer é a da Câmara, mas 80% do projeto inicial já foram alterados, o que levou a um apri-moramento significativo”, comenta.

A previsão dele é de que até o fim de 2013 seja pos-sível obter a aprovação do projeto.

Fredie Didier Jr., livre-docente em Direito Processual da Universidade de São Paulo

Page 6: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 6

CeRTezA COmO ReGRA dO jOGO

A mudança trazida pelo novo código, na avaliação de Didier, deve ajudar a abreviar o tempo dos pro-cessos, acelerando decisões dos magistrados sobre temas semelhantes. “Isso dá segurança jurídica. Pessoas em situações iguais são tratadas da mesma maneira”, diz.

Para o especialista, o reconhecimento dos prece-dentes exigirá uma mudança do repertório teórico dos operadores do Direito.

O advogado Diógenes Gonçalves Neto, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, avalia que a mudança alterará a cultura de recursos na Justiça brasileira. “A proporção de processos no Brasil é a maior do mundo, num cenário cuja única certeza é a de decisões díspares e soluções diferentes em casos semelhantes”, critica.

Com os julgamentos repetitivos para matérias re-petitivas, conforme advogados que participaram do evento, a certeza deve tornar-se a regra do jogo. “A segurança jurídica é elementar dentro do ramo do Direito. No processo civil, tanto mais porque é o ramo que regula a função do juiz, que é quem man-

da prender e soltar. Por isso, a segurança jurídica é importante”, afirma Didier. “As regras visam a evi-tar arbitrariedades.”

muLTAs e PeNAs

Didier cita outra atualização importante trazida pelo CPC, com a missão de ampliar a segurança jurídica. Trata-se de estabelecer limites para mul-tas ou penas contra empresas que exigem bloqueio de bens.

“O que está dito na lei é que a penhora de fatura-mento só pode existir se não houver outros bens a serem penhorados ou caso sejam insuficientes para quitar o débito. Nenhuma penhora de faturamen-to é boa, e só deveria servir a casos excepcionais”, aponta. No entanto, tem sido cada vez mais comum que esse tipo de decisão apareça como a primeira saída. “Imagine uma ordem que penhora 30% do faturamento da empresa. O negócio se desequilibra completamente”, alerta.

O novo CPC coloca limites para esse tipo de decisão em todas as esferas judiciais. “A partir do momento em que se diz que se pode penhorar faturamento, mas não de modo que comprometa a atividade em-presarial, protege-se a segurança jurídica”, celebra o advogado.

ARbITRAGem

Mais uma novidade trazida pela reforma do código é a valorização das soluções de arbitragem. “Em 1973, não existia arbitragem, cuja lei é de 1996, e o CPC não havia ainda sido alterado para estar em consonância com ela”, explica Didier.

Diógenes Gonçalves Neto, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados

Page 7: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 7

“Uma das preocupações [na elaboração do novo texto] era impedir que o CPC servisse para deses-timular a arbitragem. Trabalhou-se para que con-tribuísse para incentivá-la. Com o novo código, evita-se que a pessoa tenha de alegar condição de arbitragem e ao mesmo tempo se defender [na

Justiça], comprometendo o sistema de arbitragem que pressupõe sigilo. É um grande avanço que prestigia a arbitragem e mostra que ela é um sis-tema muito útil e eficiente de solução de conflito nesta época”, indica Didier.

Page 8: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL

suPeReNdIVIdAmeNTO, COméRCIO eLeTRôNICO e

Ações COLeTIVAs eNTRAm em ATuALIzAçãO dO CódIGO de

defesA dO CONsumIdOR

8

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é tido como um divisor de águas na economia brasileira desde que foi criado em 1990, por regulamentar as relações de consumo entre empresas e pessoas físicas. Ele segue de extrema importância, porém, com o passar do tempo, tornou-se defasado em vários aspectos. O comércio eletrônico não existia quando o CDC entrou em vigor, e o superendivida-mento dos clientes era uma realidade impensada na época, marcada pela falta de crédito.

Com o grande mercado consumidor do País, as ações coletivas também são um tema que deve entrar na atualização do código, em tramitação no Con-gresso Nacional, após mais de dois anos de debates e audiências públicas entre empresas, sociedade civil, entidades de classe e especialistas no tema.

“A atualização do CDC deve se tornar realidade até o fim de 2013”, prevê o promotor de Justiça Leonar-do Roscoe Bessa, do Ministério Público do Distrito Federal, que é membro da comissão de juristas res-ponsável pela atualização do código. A atualização do Código de Defesa do Consumidor foi um dos temas debatidos no Fórum Jurídico – Transfor-mações Legais.

NOVOs TemPOs

“Quando o CDC surgiu, a internet ainda era ab-solutamente nova e não havia comércio eletrônico. Hoje, o código apenas regulamenta a venda online indiretamente, então é preciso uma atualização para dar mais segurança ao consumidor que se uti-liza dessas compras”, explica Bessa. “O comércio eletrônico precisa se expandir. Ele permite com-prar mais barato, pode beneficiar pessoas com pi-ores condições financeiras e democratiza o comér-cio. Para isso, é preciso oferecer segurança mínima a quem compra”, complementa.

O advogado Fredie Didier Jr., livre-docente em Direito Processual da Universidade de São Paulo e sócio do escritório Didier, Sodré e Rosa Advocacia e Consultoria, na mesma linha, analisa que o CDC foi um código feito para um mundo que não exis-te mais. “Não havia uma economia de massa, não havia processo eletrônico. Passamos por uma mu-dança social, tecnológica e jurídica enorme desde que foi criado.”

Leonardo Roscoe Bessa, promotor de Justiça

Page 9: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 9

suPeReNdIVIdAmeNTO

A lei de 1990 partiu do entendimento de que o consumidor é o elo mais frágil da cadeia de produção e consumo – ponto de que também parte a atualização do CDC, ao abarcar temas como o fim do superendividamento.

“Houve, a partir do período pós-Plano Real, uma ampliação do crédito no Brasil, o que é bastante positivo. Hoje as populações mais pobres têm acesso ao crédito e conseguem comprar produ-tos de importância grande, como uma geladeira e uma televisão”, reconhece Bessa. “Mas existe um problema paralelo a essa oferta maior de crédi-to, que é o crédito em excesso e irresponsável. O crédito precisa acontecer de forma responsável, não só por quem o toma, mas também por quem o concede. Bancos e financeiras precisam verificar se a pessoa tem condição de pagar aquela dívida e se ela não está se superendividando com aquele crédito”, completa.

Para os advogados, esse tema de superendivida-mento do consumidor mantém um vácuo no Bra-sil, sobretudo no que diz respeito à resolução da dívida. Nos Estados Unidos, a prática é de, em de-terminado momento, perdoar a dívida para que o consumidor volte a comprar. Na Europa, o mode-lo é o de prolongar o prazo, mas o devedor tem de pagar a dívida.

Bessa avalia que o modelo brasileiro foca muito mais aspectos relacionados ao credor – não ao devedor, na perspectiva de dignidade humana. “Hoje, andando na rua, esbarra-se em crédito. A pessoa que tem uma dívida impossível de pa-

gar sofre um tipo de falência que afeta não só a ela como a seus familiares porque ficam de lado despesas da casa”, lembra.

Ações COLeTIVAs

As ações coletivas também devem ganhar destaque no novo código, visando a dar uniformidade às de-cisões. “As ações que dividem uma mesma causa que afeta milhares de pessoas serão prestigiadas porque ou se acaba com ela [a prática de ação coletiva] ou passa-se a prolongar o efeito desse tipo de decisão judicial para outras esferas”, analisa Bessa.

O advogado Luíz Virgílio Manente, sócio do es-critório TozziniFreire Advogados, considera que as ações coletivas trazem incerteza com relação à jurisdição. “O Brasil é um continente, e nesse território tamanho há diversas realidades socio-econômicas. Será que podemos permitir que um juiz de uma localidade tenha efeito sobre todo o território nacional?”

A questão apontada é a de como equilibrar as de-cisões para evitar distorções de casos locais e na-cionais. Bessa considera que a o ideal é que o juiz saiba analisar a representatividade adequada.

Luíz Virgílio Manente, sócio do escritório Tozzini Freire Advogados

Page 10: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 10

debATe AmPLO

O debate ainda ocorre no Congresso. No Sena-do, três projetos de lei tratam das atualizações do código (os PLs 281, 282 e 283). “O que é preciso ressaltar é que as empresas acompanharam todo esse processo e, antes mesmo de criar o projeto, a comissão ouviu as partes interessadas. O que per-cebemos que é polêmico ou que encontraria forte

resistência das companhias afetadas foi retirado. Muitas arestas já foram limadas por esse debate prévio”, explica Bessa.

“O saldo do debate demonstra que o Brasil está buscando essas mudanças e, mesmo com toda a dificuldade do Parlamento, os projetos estão aí para melhorar a vida do brasileiro, do consumi-dor e do advogado.”

Page 11: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL

NOVAs INTeRPReTAções de AsPeCTOs dA LeGIsLAçãO

TRAbALhIsTA CAusAm PReOCuPAçãO A AdVOGAdOs e

emPResAs

11

Mudanças recentes na interpretação de alguns as-pectos da legislação trabalhista, ocorridas no âm-bito do Tribunal Superior do Trabalho (TST), vêm causando preocupação a advogados e empresas. Em setembro de 2012, O TST editou várias súmu-las que alteraram substancialmente o entendimen-to de temas relacionados a contratações e dispen-sas de funcionários. Surgidas para dar celeridade aos julgamentos, as súmulas consistem numa espécie de resumo de de-cisões judiciais sobre determinados temas. Elas são adotadas por um tribunal específico e baseadas no julgamento de casos análogos. Entretanto, no Direito Trabalhista, as súmulas estão ganhando força de lei e desviando-se de sua função original, critica Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, sócio do escritório Frei-tas Guimarães Advogados Associados. “As súmulas são importantes, desde que nos guiem a algum lugar, em vez de nos confundir. A seguran-ça jurídica é fazer o que está na lei”, diz Guimarães, que foi um dos debatedores do Fórum Jurídico – Transformações Legais.

“Vejo com grande preocupação o início de uma jurisprudência do TST como regra legal, e as em-presas se preocupam muito com isso. Com todo respeito ao TST, ele está tomando decisões precipi-tadas”, acrescenta o especialista. ACORdOs COLeTIVOs

Uma das súmulas a que Guimarães se refere é a 277, sobre convenções ou acordos coletivos de trabalho. O texto afirma que as cláusulas normati-vas dos contratos individuais de trabalho somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva, ‘ainda que o prazo de validade deste instrumento tenha expirado’. Antes dessa súmula, estava determinado que as cláusulas negociadas vigorariam apenas no prazo de validade da convenção de trabalho. “Agora o TST diz que, se no próximo acordo o resultado da negociação anterior não for retira-do, será eterno. É uma decisão sem precedente e contrária até ao próprio regimento do TST”, opina Guimarães.

Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, sócio do escritório Freitas Guimarães Advogados Associados

Page 12: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 12

dIsPeNsA POR dOeNçA GRAVe

Outro caso abordado pelo especialista diz respeito à súmula 443 do TST, que presume ser discriminatória a dispensa de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que desperte preconceito.

“A empresa, quando for dispensar um portador de HIV, tem de ter uma razão técnica”, pontua o advogado. Para ele, a nova abordagem sugere que todas as companhias agem de má-fé.

INseGuRANçA juRídICA

Maurício Rodrigo Tavares Levy, sócio do escritório Demarest & Almeida Advogados, também apre-senta uma avaliação crítica sobre os recentes movi-mentos na área do Direito Trabalhista. “Tenho visto o TST com uma atividade mais voltada à produção de normas. Sou da época em que as súmulas do

tribunal tinham dois ou, no máximo, três itens. Hoje, elas têm mais de seis itens”, compara. Com isso, abre-se caminho para insegurança jurídica, acredita ele. “Hoje, em nossa especialidade [Direito Traba-lhista], muitas vezes as súmulas têm tido validade maior do que a própria Constituição Federal. O que vemos é a interpretação conforme a vontade do tribunal”, diz Guimarães.

Maurício Rodrigo Tavares Levy, sócio do escritório Demarest & Almeida Advogados

Page 13: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 13

APROVAçãO de CódIGO de defesA dO CONTRIbuINTe

CONTRIbuIRIA PARA CONsOLIdAR dIReITOs

Se o Projeto de Lei (PL) 2557/11 – que trata da criação do Código de Defesa do Contribuinte – for aprovado em um futuro próximo, empresas e pes-soas físicas terão um manual que detalha todos os direitos e garantias perante o fisco, hoje espalhados em diversas legislações. “A primeira vantagem é a consolidação de todos os direitos do contribuinte, que, com o código, se defenderá”, avalia Edison Carlos Fernandes, sócio do escritório Fernandes Figueiredo Advogados. “O segundo motivo, mais político, é trazer à tona a discussão desses direitos”, continua ele, que foi um dos palestrantes do Fórum Jurídico – Trans-formações Legais. Para Alexandre Siciliano Borges, advogado sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, não basta ter um Código de Defesa do Contribuinte: é preciso disseminá-lo. “É necessário levantar esse assunto na imprensa, em câmaras e fóruns de debates”, propõe ele, que também é presidente do comitê de Tributação da Amcham-São Paulo.

dIReITOs e ResPONsAbILIdAdes

A Constituição Federal já prevê uma série de ga-rantias ao contribuinte brasileiro, tais como direito a defesa e sigilo processual. “Essas garantias estão no artigo 5º da Constituição Federal, mas o código fala isso novamente. Temos esses direitos desde 1988”, diz Fernandes. Além de direitos, também há deveres. Um deles é o que trata das responsabilidades da administração fazendária – que conduz a arrecadação de impos-tos. Cabe ao fisco atuar dentro de princípios legais, morais e administrativos impecáveis, como indica o artigo 37 da Constituição. O advogado reforça que, ainda que haja essas previsões na Constituição, o código é importante porque ajudaria a deixar claro, por exemplo, o ní-vel de responsabilidade atribuído aos contribuintes e à administração pública. “Sou favorável à tese de que quem [primeiramente] tem de analisar a lei tributária é o fisco. Caso con-

Edison Carlos Fernandes, sócio do escritório Fernandes Figueiredo Advogados

Page 14: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 14

trário, a empresa interpreta e, depois, pode ser surpreendida por uma visão diferente do fisco”, afirma Fernandes.

eduCAçãO e ORIeNTAçãO

Essa lógica de interpretação prévia pelo fisco é, na ótica de Fernandes, uma das bases para uma edu-cação tributária efetiva. Nessa linha, a ideia é que o código traga como contribuição orientações sobre procedimentos administrativos até mesmo para a autoridade fiscal. Como exemplo dos riscos que hoje existem por falta de maior orientação, Fernandes cita diver-gências de interpretação em torno das normas sobre preços de transferência de juros – que tratam especificamente da quantia a ser deduzida da des-pesa com juros que os contribuintes brasileiros devem ao fisco, resultante de operações com partes relacionadas no exterior. A questão é abordada na Resolução do Senado (RS) 13/12, que versa sobre o regime de cobrança de impostos sobre commodities e regras de preços de transferência em empréstimos intercompany. “Há três interpretações distintas so-bre o tema”, conta o advogado.

“Nesse ponto, o Estado de São Paulo deu um pas-so adiante na questão da RS 13/12, dizendo que até abril não autuará ninguém.” A iniciativa da administração fazendária de São Paulo é impor-tante para que as empresas possam se programar me-lhor, elogiou. Para Fernandes, a atitude adotada em São Paulo con-siste num bom exemplo rumo a uma linha de orien-tação ao contribuinte. “É preciso restabelecer a es-pontaneidade, dar chance de ajuste [antes de autuar] se não há má fé”, recomenda. “Involuntariamente, somos conduzidos a entrar num campo de batalha, nos armando para combater. O primeiro passo a ser dado, que já está no código e necessita ser destacado e incentivado, dentro dessa questão da orientação, é um relacionamento mais amistoso. É preciso pre-sumir inocência. Contribuinte não é sinônimo de sonegador. É importante dar um voto de confiança”. CeRTIdãO NeGATIVA de débITO Outro tema da área tributária comentado no fórum da Amcham foi a dificuldade das empresas para obter uma Certidão Negativa de Débito (CND), documento que a autoridade fazendária estadual ou municipal emite, comprovando bons antece-dentes financeiros. A certificação dura 90 dias e é exigência necessária para quem quer fazer negócios com empresas públicas e também com algumas privadas. Mas a ausência de CND não significa, necessariamente, que a empresa possui alguma pendência em órgão do fisco. “Como a lei é confusa, é fácil deixar de atender alguma exigência”, comenta Fernandes.

Alexandre Siciliano Borges, advogado sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados

Page 15: Amcham Highlights - Fórum Jurídico | Transformações Legais - 28-02-2013

VOLTAR A PÁGINA INICIAL 15

ExpedienteEditora: Giovanna Carnio (MTB 40.219) Reportagem: André Inohara e Marcel GugoniCrédito das fotos: Mário MirandaDiagramação: Formato - Soluções em Comunicação

Muitas vezes, a companhia pagou o que devia, mas, por eventual erro de processamento ou até por uma inconsistência gerada por informação prestada de forma rápida, o certificado não é emitido. “Quan-do isso acontece, a empresa passa por toda uma via sacra, seja no órgão de administração ou no Poder Judiciário, para provar que está regular e conseguir a CND”, explica Fernandes. Para Alexandre Siciliano Borges, a burocracia que envolve a emissão do documento é um entrave sé-rio aos negócios. “Sem a CND, não é possível fazer negócios com uma série de empresas, públicas e privadas”, reforça. Ainda não há uma solução fácil para a dificuldade. “A primeira coisa é gastar sola de sapato: ir à Re-ceita Federal, Secretaria da Fazenda ou Procurado-ria para saber onde está o problema [que impede a liberação da CND]”, aponta Fernandes. Ele defende também que é preciso melhorar a sin-cronização de informações entre os diversos sis-

temas fiscais. “Se existe um débito que ainda não apareceu na CND por algum motivo e o fisco sabe, ele não emite nota fiscal eletrônica. Se a empresa não emite nota, não entrega produto. Aí, ela não vende nem recebe”, observa ele. A dificuldade que o setor privado tem para regu-larizar sua situação é um ponto de atrito junto ao fisco, pois a falta de esclarecimentos cria desconfi-ança mútua. “Contribuinte não é sinônimo de so-negador”, ressalta. As CNDs são objeto de trabalho do comitê de Tributação da Amcham-São Paulo há longa data. O grupo discute maneiras de diminuir a burocra-cia tributária no Brasil, propondo soluções para a desburocratização dos processos de obtenção das CNDs, em defesa da flexibilização de tais certidões, e mobilizando entidades empresariais a fim de in-fluenciar as mudanças desejadas. O entendimento é de que o excesso de custos estimula a irregulari-dade das empresas, aumentando seus problemas e dificultando ainda mais a obtenção de CNDs.