AMORIM, L.; a Noção de Agressividade Nos Seminários de Lacan

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A NOÇÃO DE AGRESSIVIDADE NOS SEMINÁRIOS DE LACAN - uma pesquisa Lia Amorim Meu propósito foi o de investigar a temática da agressividade que Lacan trabalhou sobretudo nos primórdios de seu ensino. Limitei-me aqui ao Seminário. Procurei afastar-me o mínimo possível dos textos pesquisados seguindo de perto as palavras supostamente proferidas por Lacan.1[1] Minhas eventuais intervenções serão identificadas no texto sob a forma de observações ou notas de rodapé. Os grifos, porém, eu os coloquei arbitrariamente onde considerei importante colocá-los. OS ESCRITOS TÉCNICOS DE FREUD 1953/54 12 de maio de 1954 A noção de agressividade2[2] tem que ser aprofundada porque faz-se dela um uso errado. Agressividade não é agressão. É no limite, virtualmente que a agressividade se resolve em agressão. A agressão é uma realidade vital, um ato existencial ligado a uma relação imaginária. p. 205 O objeto humano é originariamente mediatizado pela via da rivalidade, pela exacerbação em relação ao rival, pela relação de prestígio e de prestância. Já é uma relação de alienação porque é primeiro no rival que o sujeito se apreende como eu. A primeira noção de totalidade do corpo como vivido, o primeiro arroubo do apetite e do desejo passa, no sujeito humano, pela mediação de uma forma que primeiro ele vê projetada, exterior a ele, e isso, primeiro no seu próprio reflexo. Ainda que não perceba de maneira completa, o homem sabe que ele é um corpo. A fórmula ‘o desejo do homem é o desejo do outro’ vale no plano da captura imaginária, mas se fosse só assim, haveria uma impossibilidade de coexistência das consciências, como se exprime Hegel, todo outro permanecendo essencialmente aquele que frustra o ser humano, não somente de seu objeto mas da própria forma do seu desejo. Constantemente a projeção do desejo sucede a da imagem. Correlativamente há re-introjeção de imagem e re-introjeção do desejo. Jogo de báscula, jogo em espelho. 1[1] Como se sabe, o acesso que temos, sobretudo às comunicações orais de Lacan é via terceiros não estando, portanto, garantido o rigor com a transcrição, não importando o fato de estarem os seminários estabelecidos, publicados como livros, ou em transcrições anônimas. 2[2] Lacan emprega a palavra noção. Segundo o dicionário Houaiss, noção é um conhecimento, um julgamento, uma intuição, uma idéia sobre traços essenciais de um objeto.

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Como é desenvolvido o conceito de agressividade nos seminários de Jacques Lacan.

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  • A NOO DE AGRESSIVIDADE NOS SEMINRIOS DE LACAN - uma pesquisa

    Lia Amorim

    Meu propsito foi o de investigar a temtica da agressividade que Lacan trabalhou sobretudo nos primrdios de seu ensino. Limitei-me aqui ao Seminrio. Procurei afastar-me o mnimo possvel dos textos pesquisados seguindo de perto as palavras supostamente proferidas por Lacan.1[1]

    Minhas eventuais intervenes sero identificadas no texto sob a forma de observaes ou notas de rodap. Os grifos, porm, eu os coloquei arbitrariamente onde considerei importante coloc-los.

    OS ESCRITOS TCNICOS DE FREUD 1953/54

    12 de maio de 1954

    A noo de agressividade2[2] tem que ser aprofundada porque faz-se dela um uso errado. Agressividade no agresso. no limite, virtualmente que a agressividade se resolve em agresso. A agresso uma realidade vital, um ato existencial ligado a uma relao imaginria. p. 205

    O objeto humano originariamente mediatizado pela via da rivalidade, pela exacerbao em relao ao rival, pela relao de prestgio e de prestncia. J uma relao de alienao porque primeiro no rival que o sujeito se apreende como eu.

    A primeira noo de totalidade do corpo como vivido, o primeiro arroubo do apetite e do desejo passa, no sujeito humano, pela mediao de uma forma que primeiro ele v projetada, exterior a ele, e isso, primeiro no seu prprio reflexo.

    Ainda que no perceba de maneira completa, o homem sabe que ele um corpo. A frmula o desejo do homem o desejo do outro vale no plano da captura

    imaginria, mas se fosse s assim, haveria uma impossibilidade de coexistncia das conscincias, como se exprime Hegel, todo outro permanecendo essencialmente aquele que frustra o ser humano, no somente de seu objeto mas da prpria forma do seu desejo.

    Constantemente a projeo do desejo sucede a da imagem. Correlativamente h re-introjeo de imagem e re-introjeo do desejo. Jogo de bscula, jogo em espelho.

    1[1] Como se sabe, o acesso que temos, sobretudo s comunicaes orais de Lacan via terceiros no estando, portanto, garantido o rigor com a transcrio, no importando o fato de estarem os seminrios estabelecidos, publicados como livros, ou em transcries annimas.

    2[2] Lacan emprega a palavra noo. Segundo o dicionrio Houaiss, noo um conhecimento, um julgamento, uma intuio, uma idia sobre traos essenciais de um objeto.

  • Evidentemente essa articulao se repete, ela no se produz uma nica vez. E ao longo desse ciclo seus desejos so reintegrados, reassumidos pela criana.

    Como que o simblico se liga ao imaginrio? Os desejos da criana passam inicialmente pelo outro especular. a que so aprovados ou reprovados, aceitos ou recusados. por a que a criana faz o aprendizado da ordem simblica e acede ao seu fundamento que a lei.

    Entre oito e doze meses a criana no reage igualmente: a uma batida acidental, a uma queda, a uma brutalidade mecnica ligada falta de jeito e a um tapa com inteno punitiva. que ela j tem uma primeira apreenso do simbolismo da linguagem e da funo de pacto. A palavra essa roda de moinho por onde o desejo humano se mediatiza. p. 207

    A primeira emergncia do objeto genital no menos prematura do que tudo que se possa observar no desenvolvimento da criana, e ela fracassa. S que a libido que se relaciona ao objeto genital no do mesmo nvel que a libido primitiva, cujo objeto a prpria imagem do sujeito. na medida em que a criana aparece no mundo em estado prematuro que tem uma relao libidinal primitiva sua imagem. Essa libido que diz respeito prematurao da ordem da Liebe, do amor. p.208-209

    A libido segunda vai alm, responde a uma primeira maturao do desejo, seno do desenvolvimento vital e se d quando h uma mudana total de nvel na relao do ser humano imagem, ao outro. A relao imagem narcsica cativante, alienante no plano imaginrio, passa para o plano da Verliebtheit, da fascinao imaginria, que se destaca fenomenologicamente do registro do amor.

    A libido pr-genital o ponto sensvel, o ponto de miragem entre Eros e Thnatos, entre o amor e o dio. A libido dita de-sexualizada do eu desempenha o papel crucial na possibilidade de reverso, de viragem instantnea do dio em amor, do amor em dio. Para sentir como em Freud isso colocou problemas, a leitura de seu texto O eu e o isso ilustrativa.

    A reao agressiva rivalidade edipiana est ligada a uma dessas mudanas de nvel. Sendo o pai inicialmente uma das figuras imaginrias mais manifestas do Ideal do eu, como tal, ele investido de uma Verliebtheit isolada, nomeada e descrita por Freud. na medida em que h regresso da posio libidinal, entre trs e cinco anos, que o que era amor d lugar a um sentimento de agresso, de rivalidade e de dio contra o pai.

    Para o sujeito, a desinsero da sua relao ao outro faz variar, espelhar, oscilar, ora completando ora descompletando a imagem do seu eu - o eu do sujeito. H freagem, paradas que a tcnica ensina o analista a ultrapassar, a preencher e s vezes a reconstruir. A tcnica produz no sujeito uma relao de miragem imaginria consigo mesmo, para alm do que o vivido cotidiano lhe permite obter. Tende a criar artificialmente, em miragem, a condio fundamental de toda Verliebtheit.

    Trata-se de que o sujeito na anlise possa reconhecer as etapas por que passou, os objetos que vieram trazer consistncia, que incarnaram e alimentaram a imagem e que ele constitua, por retomadas e identificaes sucessivas, a histria do seu eu. p.210-211.

    O EU NA TEORIA DE FREUD E NA TCNICA DA PSICANLISE 1954/55

    12 de janeiro de 1955

  • Refletindo sobre os impasses de Freud a respeito do instinto de morte, o filsofo Jean Hyppolite observa que tem-se a impresso de que os dois instintos, de vida e de morte, so apenas um no inconsciente mas o que grave quando os componentes se separam. Naquilo que se chama amor humano h uma parte de agressividade, sem a qual haveria quase que s impotncia, mas que pode levar at a matar o parceiro, e uma parte de libido, que iria dar numa impotncia efetiva se no houvesse a parte de agressividade. Se isso funciona junto d o amor humano. Mas quando isso se decompe, quando um dos componentes funciona sozinho aparece ento o instinto de morte.

    Lacan responde que isso se d no nvel do imediato, e que dado na experincia psicolgica do indivduo, no nvel da marionete. Mas o que interessa Freud saber por que fios a marionete conduzida. isto que est dizendo ao falar de instinto de morte ou de instinto de vida. p.90

    AS PSICOSES 1955/56

    18 de janeiro de 1956

    p. 110-111. A relao do narcisismo a relao imaginria central para a relao inter-humana, marcada pela ambigidade e foi principalmente isso que, na experincia, fez com que os analistas a se detivessem. uma relao ertica- toda identificao ertica, toda apreenso do outro pela imagem numa relao de cativao ertica se faz pela via da relao narcsica -e tambm a base da tenso agressiva.

    A partir do momento em que a noo de narcisismo entrou na teoria analtica, a nota de agressividade foi posta cada vez mais no centro das preocupaes tcnicas.

    para isso que serve o estdio do espelho. Ele pe em evidncia a natureza dessa relao agressiva e o que ela significa.

    Se a relao agressiva intervm nessa formao chamada o eu, que ela a constitui, que o eu sendo desde j um outro, ele se instaura numa dualidade interna ao sujeito. O eu esse mestre que o sujeito encontra num outro e que se instaura em sua funo de domnio no cerne de si mesmo. Se em toda relao mesmo ertica com o outro h algum eco dessa relao de excluso, ele ou eu, que no plano imaginrio, o sujeito humano assim constitudo, de forma que o outro est sempre prestes a retomar seu lugar de domnio em relao a ele, que nele h um eu que sempre em parte um estranho a ele, senhor implantado nele acima do conjunto de suas tendncias, de seus comportamentos, de suas pulses.

    E onde est esse Mestre? No interior e no exterior, por isso que todo equilbrio puramente imaginrio com o outro est sempre condenado a uma instabilidade fundamental.

    A imagem especular essencial na medida em que d o complemento ortopdico da insuficincia nativa, do desacordo constitutivo ligado prematurao no nascimento. Sua unificao no ser jamais completa porque feita precisamente por uma via alienante sob a forma de uma imagem estranha que constitui a funo psquica original. A tenso agressiva desse ele ou eu est integrada a toda espcie de funcionamento imaginrio do homem. Mas o comportamento humano no est nunca pura e simplesmente reduzido relao imaginria. p.113

    O complexo de dipo quer dizer que a relao imaginria, incestuosa nela mesma, est destinada ao conflito e runa. preciso que intervenha um terceiro que seja a imagem de algo bem sucedido, o modelo de uma certa harmonia. No demais

  • dizer- preciso a uma Lei, uma ordem simblica, a interveno da ordem da palavra, isto , do pai. p.114. No o pai natural, mas o nome dele. Um nome ultrapassa a existncia viva e se perpetua alm. p.115

    16 de maio de 1956

    H no movimento da teoria freudiana uma dupla alienao. H o outro imaginrio. No posso esperar minha realizao e minha unidade do reconhecimento de um outro que est preso comigo numa relao de miragem. Mas h tambm o outro que fala de meu lugar, aparentemente, esse outro que est em mim. um outro diferente desse outro meu semelhante. Lacan aqui evoca duas situaes para falar desse outro outro: p.274 1. a da transferncia na qual tudo est feito para que a relao dual se apague, por outro lado , a necessidade de uma orelha, de um outro auditor, o analista. A anlise s pode ser realizada com um analista, o inconsciente essencialmente fala, fala do outro, do analisando. 3[3] 2. O outro exemplo est em Freud que, no fim da vida no tinha nenhuma iluso quanto profunda insuficincia e incompreenso de seus seguidores. No salto entre 1920 e 1924 ele embaraa a todos indo direto ao fundo do problema- o automatismo de repetio que tentaram reduzir a uma repetio das necessidades quando, na verdade, ele est fundado na insistncia de uma fala, uma fala que deve tornar a voltar apesar da resistncia do eu que defesa, quer dizer, aderncia ao contrasenso imaginrio da identificao com o outro. A repetio a insistncia de uma fala que, no sujeito, volta, at que ele tenha dito sua ltima palavra, e a ltima palavra da antropologia freudiana concerne ao que possui o homem e faz dele o suporte de uma razo da qual ele mais vtima do que senhor e pela qual ele , de antemo, condenado.

    O homem possudo pelo discurso da lei e com esse discurso que ele se castiga em nome dessa dvida simblica que ele no cessa de pagar sempre mais em sua neurose. Como o homem entra nessa lei, est colocado l em Totem e Tabu. p.276

    Freud no acreditou nunca em progresso da humanidade, ele fundamentalmente anti-humanista, na medida que h no humanista esse romantismo que gostaria de fazer do esprito a flor da vida. Freud deve ser situado numa tradio realista e trgica. Na perspectiva freudiana o homem o sujeito preso e torturado pela linguagem. Nesse sentido a frase entoada pelo coro de dipo em direo ao bosque em Colono definitiva: me phunai a cuja traduo melhor fora no tivesse nascido, Lacan acrescenta como tal -melhor fora no tivesse nascido como tal.

    13 de junho de 1956

    Em duas frases homfonas na lngua francesa (mas no em portugus), vo ser trabalhados os diferentes efeitos produzidos a partir de como o sujeito escutou a frase vinda do Outro:

    Tu es celui qui me suivra - Tu s aquele que me seguir Tu es celui qui me suivras - Tu s aquele que me seguirs p.315 e segs.

    Em francs o s de suivras mudo. Seguir o que? No primeiro caso, manifesto uma certeza muito maior e, no segundo, uma confirmao muito maior.

    3[3] O div a importante porque tira o olhar de circulao (passvel de privilegiar a imagem) e coloca a fala em evidncia.

  • No muito certo que o tu seja uma palavra que no tenha sentido prprio, mas no est excludo que ele prescinda de sentido. Isso acontece quando, por exemplo, indico uma rua a algum. No h aqui valor subjetivo.

    Em que momento e por que mecanismo o tu chega subjetividade? A importncia das distines que Lacan vai fazer a de mostrar que a mudana

    de nfase, a plenitude que o tu confere ao outro, e que tambm o que ele recebe disso, est essencialmente ligada ao significante. p.318

    p.336 O tu est longe de ter um valor unvoco. Ele no significante uma maneira de anzolear o outro no discurso, de enganchar-lhe a significao.

    Tu s aquele que me seguir uma extenso que implica a assemblia imaginria daqueles que so os suportes do discurso, a presena das testemunhas, e mesmo do tribunal diante do qual o sujeito recebe a advertncia qual intimado a responder. a que o sujeito responde eu sigo. Quando o significante que porta a frase faz falta quela, a resposta eu sigo que a da primeira frase, permanece em eterna interrogao. O tu reaparece indefinidamente, o significante cai no campo que para o outro excludo, inacessvel.

    O significante produz nesse momento uma reduo, mas intensificada pura relao imaginria.4[4]

    O sujeito est preso numa funo copular no estado puro e na funo ostensiva. Para ele dizer outra coisa, preciso que se recuse a ouvir, e recusar a ouvir fora de que da maioria dos humanos no dispe. a que reside a fora prpria do discurso. p.339

    De qualquer modo, essa frase um primeiro passo em direo segunda. Porque se digo tu ao mesmo tempo que denuncio que ele faz parte desses todos que o universo do discurso supe, digo tambm que eu estou designando a ele suas relaes de objeto. Mas para que eu tenha com ele uma relao autntica, preciso que ele responda tu s aquele que eu sou. Trata-se de uma identificao com o outro, recproca. Obs: aqui eu abro parnteses para assinalar duas rubricas da palavra autntica: na jurdica documento legalmente comprovado e autorizado, e na eclesistica, certido por meio da qual a autoridade eclesistica reconhece como verdadeira determinada relquia e permite a sua venerao.

    Prossigo com o desenvolvimento da reflexo de Lacan. Eu sou no somente seguir, tambm eu sou, e voc, tu s, e tambm voc,

    aquele que, no ponto de encontro, me matar. Se tu no podes suportar a verdade do tu, tu podes sempre ser designado por aquilo que tu s, ou seja, um velhaco. Se queres o respeito do teu vizinho, eleva-te lei.

    preciso que o outro seja reconhecido como tal, como figura na frase de mandado. Mas trata-se tambm de que o Outro seja reconhecido para alm dessa relao mesmo recproca, de excluso, preciso que nessa relao evanescente, seja reconhecido como to impegvel quanto eu. preciso que ele seja invocado como aquilo que ele no conhece dele prprio. Esse que o sentido da frase segunda: tu s aquele que me seguirs. p.341. Aqui o vnculo entre a pessoa que aparece no tu da primeira parte da frase e aquele que aparece na relativa mais frouxo do que na frase tu s aquele que me seguir.

    Essa frase uma confirmao, supe que a pessoa sabe de que espcie de significante se trata nesse seguir, que ela o assume por confiana. Eu te sigo, eu sou, eu sigo o que tu acabas de dizer e o que tu acabas de dizer absolutamente indeterminado, eu no sei aonde tu me conduzirs. A resposta ao tu s aquele que me seguirs eu o

    4[4] Momento perigoso, quanto passagem ao ato.

  • sigo, eu sigo o que acabas de dizer. H a o uso da terceira pessoa absolutamente essencial ao discurso na medida em que ele designa o que o prprio sujeito. ao prprio tu que nos endereamos enquanto desconhecido desejando que ele passe de tu s ao seguirs. A partir desse momento Lacan deixa de chamar mandado essa sentena e passa a chamar invocao com as conotaes religiosas do termo porque a seus deuses como a seus demnios que nos endereamos. A invocao aquilo que eu fao passar no outro a f que a minha. Do mandado invocao, portanto.5[5]

    A RELAO DE OBJETO 1956/57

    28 de novembro de 1956

    A idia de um objeto harmnico, encerrando, por sua natureza a relao sujeito-objeto perfeitamente contradita pela experincia, Freud mostra isso em Mal-estar na civilizao e nas Novas conferncias introdutrias sobre psicanlise.

    O objeto inicialmente se apresenta em uma busca do objeto perdido. Oposto ao que Freud chama objeto alucinado sobre um fundo de realidade

    angustiante que surge do exerccio do que ele d o nome de sistema primrio do prazer, na prtica analtica existe o objeto que se reduz, afinal, ao real. Trata-se de reencontrar o real. Esse objeto se destaca no mais sobre um fundo de angstia, mas sobre um fundo de realidade comum, e o limite da pesquisa analtica perceber que no h razo para dele se ter medo. Medo diferente de angstia.

    O terceiro tema em que o objeto nos aparece seguindo-o em Freud, o da reciprocidade imaginria: em toda relao do sujeito com o objeto, o lugar do termo em relao simultaneamente ocupado pelo sujeito. Assim, a identificao com o objeto est no fundo de toda relao com este.

    Criticando autores analistas que em anlise, remetem o sujeito obsessivo perpetuamente ao tema da agressividade, Lacan diz que na neurose obsessiva no esse o tema central embora a agresso possa ser provocada por um sentimento outro que no o aborrecimento e a ironia, invocados pelos autores em questo no estando absolutamente excludo que um sentimento de amor, por exemplo, esteja no princpio de uma reao de agresso. Quanto ironia, longe de ser uma reao agressiva, ela , antes de tudo, uma maneira de questionar, um modo de questo. p.29

    6 de maro de 1957

    Em relao a Hans, o esquema primeiro, vulgar, da entrada no complexo de dipo a rivalidade quase fraterna com o pai. A agressividade em questo do tipo daquelas que entram em jogo na relao especular, onde o eu ou o outro sempre a mola fundamental. p.211

    13 de maro de 1957

    5[5] O mandado a ordem de uma autoridade cujo no cumprimento sujeito a sano. A primeira das duas frases escutada como um mandado. J a segunda eu diria que mais se aproxima da figura jurdica do mandato bem diferente do mandado pois trata-se de um contrato que designa duas vontades, uma que d a outra uma incumbncia, outra que a recebe e aceita. O mandato uma delegao.

  • ao pai imaginrio que se refere mais comumente toda a dialtica, a da agressividade, da identificao, a da idealizao pela qual o sujeito tem acesso identificao ao pai. pai imaginrio tambm porque est integrado relao imaginria que forma o suporte psicolgico das relaes com o semelhante que esto no fundo de qualquer captura libidinal, como no fundo de qualquer ereo agressiva. p.225

    AS FORMAES DO INCONSCIENTE 1957/58

    19 de maro de 1958

    Quando um sujeito feminino assume certa posio de identificao com o pai, quando adota suas insgnias, o que encontramos em anlise no o duplo, a reproduo do que acontecia entre o pai e a me. O que surge a todo um passado, so as vicissitudes das relaes extremamente complexas que at ento moldaram, desde a origem as relaes da criana com a me, isto , as frustraes, as decepes ligadas ao que forosamente existe de contratempos, de abalos, fazendo intervir com uma nfase muito particular as relaes agressivas em sua forma mais original e tambm as relaes de rivalidade, nas quais marca sua incidncia, por exemplo, a chegada de elementos estranhos ao trio, os irmos ou irms que possam ter interferido, mais ou menos inoportunamente na evoluo do sujeito e de suas relaes com sua me. Tudo isso surte efeitos e encontramos seu vestgio e seu reflexo, moderando ou reforando o que ento passa a se apresentar como uma reivindicao das insgnias da masculinidade. Tudo isso se projeta nas relaes do jovem sujeito com seu objeto. p.307

    26 de maro de 1958

    O fato de a identificao ser feita pela assuno de significantes caractersticos das relaes de um sujeito com outro engloba e implica a ascenso, para o primeiro plano, das relaes desejantes entre esse sujeito e um terceiro. S, sujeito, A maisculo e o a minsculo. p.316

    La Rochefoucauld disse que h duas coisas para as quais no podemos olhar fixamente, o sol e a morte. Lacan acrescenta o complexo de castrao. Na origem, trata-se de elucidar essa relao terceira na qual se produzir a assuno da relao com certas insgnias indicadas no complexo de castrao, porm de maneira enigmtica, uma vez que essas prprias insgnias acham-se numa relao singular com o sujeito. Elas esto ameaadas, e, ao mesmo tempo so justamente elas que preciso acolher, receber, e faz-lo numa relao de desejo concernente a um terceiro termo que a me. p.316

    Essa relao complexa, preciso o analista capt-la, coorden-la e articul-la pois h uma disperso de imagens, mil faces, formas, reflexos na experincia do sujeito neurtico. no indivduo que temos que buscar a origem e o sentido do medo da castrao que est relacionado com o pai como objeto, com o medo do pai. Seguindo uma linha que gentica pois remonta s origens, encontramos em primeiro plano o medo do rgo feminino. E isso de maneira ambgua, ou porque ele que se torna a sede da ameaa contra o rgo incriminado ou, ao contrrio porque ele o modelo do desaparecimento desse rgo. Porm o que est mesmo na origem do medo da castrao o prprio falo, escondido no fundo do rgo materno. Bem nas origens, o falo paterno percebido pela criana como estando sediado no interior do corpo materno, e ele que temido pelo sujeito. preciso ainda que ele seja considerado

  • ameaador em razo de o prprio sujeito, nas origens, do que chamamos suas tendncias agressivas, sdicas, primordiais, ter feito dele a arma ideal. Em ltima instncia, tudo se resume numa espcie de puro reflexo do rgo flico, considerado como suporte de uma tendncia primitiva, que a da pura e simples agresso. O complexo de castrao reduz-se ento, ao isolamento de uma pulso agressiva primordial, parcial , e, portanto, desvinculada. A castrao est ligada evoluo, ao progresso maturao do desejo no sujeito humano. No se trata nem de penis nem de testculos. o carter significante que predomina. p.317-318

    18 de junho de 1958

    A partir de um comentrio dos escritos de Glover sobre a anlise das resistncias e da agressividade, Lacan retoma o tema dizendo que na poca em que enfatizou que o sistema narcsico era fundamental na formao das reaes agressivas, assinalou tambm muitas vezes o quanto nosso emprego do termo agressividade continuava marcado pela ambigidade. A agressividade provocada na relao imaginria com o pequeno outro no pode confundir-se com a totalidade do poder agressivo. A violncia pelo menos no plano humano, o que h de essencial na agresso. exatamente o contrrio da fala. O que pode produzir-se numa relao inter-humana so a violncia ou a fala. Se a violncia distingue-se em sua essncia da fala, pode colocar-se a questo de saber em que medida a violncia como tal - para distingui-la do uso que fazemos do termo agressividade - pode ser recalcada, uma vez que postulamos como princpio que s pode ser recalcado, em princpio, aquilo que revela ter ingressado na estrutura da fala, isto , ter ingressado numa articulao significante.

    Se o que da ordem da agressividade chega a ser simbolizado e captado no mecanismo daquilo que recalque, inconscincia, daquilo que analisvel, e at, de maneira geral, daquilo que interpretvel, por intermdio do assassinato do semelhante que est latente na relao imaginria. p.469-471

    p.478. A relao do obsessivo com seu desejo est submetida ao papel precoce que ele desempenhou na desfuso das pulses, o isolamento da destruio. A estrutura do obsessivo determinada como tal, pelo fato de a primeira abordagem de seu desejo haver passado, como em qualquer sujeito, pelo desejo do Outro e de esse desejo do Outro ter sido inicialmente destrudo, anulado. A fenomenologia do obsessivo mostra que medida que ele se aproxima de seu desejo, este vacila e se esvaece e nesse caso porta a marca de ter sido inicialmente abordado pelo sujeito como algo que se destri, por ter-se apresentado a ele como desejo de seu rival, por haver o sujeito respondido a ele no estilo da reao de destruio que subjacente sua relao com a imagem do outro, na medida em que esta o despoja e o arruna. O obsessivo s se mantm numa relao possvel com seu desejo distncia. Contrariamente ao que pensam alguns autores,6[6] o que tem que ser mantido a distncia do seu desejo e no do objeto. Aquilo de que se trata, em todas as frmulas obsessivas de uma destruio concretamente articulada, uma destruio do Outro pelo verbo e pelo significante, que dada na prpria estrutura do sintoma. p.481

    2 de julho de 1958

    6[6] Lacan parece estar aqui referindo-se a Bouvet, Abraham, Glove e talvez outros.

  • H uma forma fundamental que encontramos no horizonte de toda demanda do sujeito obsessivo, e que precisamente o que mais cria obstculos articulao de sua demanda por ele. o que a experincia nos ensina a qualificar de agressividade e que nos levou cada vez mais a levar em considerao o que podemos chamar de anseio de morte. Falando de um caso clnico, Lacan diz que essa a dificuldade maior, inaugural, diante da qual se rompe, fragmenta e desarticula a demanda do obsessivo, o que motiva a anulao , o isolamento de todas as defesas e nos obsessivos graves , aquele silncio prolongado difcil para vencer no decorrer de uma anlise. Trata-se, na realidade, da relao da demanda de morte com a prpria dificuldade de articulao. Esse um fenmeno que merece ateno. Se essa demanda uma demanda de morte, porque as primeiras relaes do obsessivo com o Outro foram compostas por uma contradio, a de que a demanda dirigida ao Outro de quem tudo depende tem por horizonte a demanda de morte.

    Para avanar, preciso deixar de lado as pulses agressivas primordiais de que falava M. Klein. preciso deixar de lado essa espcie de maldade primordial do recm-nascido, cujo primeiro movimento o marqus de Sade nos sublinha que seria, se ele pudesse, morder e dilacerar o seio da me. preciso situar essa demanda no nvel no qual constitui um obstculo ao discurso do obsessivo e em que se descobre um desarvoramento. A demanda de morte representa para o sujeito obsessivo um impasse do qual resulta um movimento de oscilao no qual o sujeito como que remetido aos eixos de um impasse do qual no consegue sair. A demanda de morte exige ser formulada no lugar do Outro, no discurso do Outro o que quer dizer que a razo dela no deve ser buscada numa histria qualquer, que implique a me, por exemplo, que teria sido objeto desse desejo de morte a propsito de alguma frustrao. de maneira interna que a demanda de morte concerne ao Outro. O fato desse Outro ser o lugar da demanda, implica a morte da demanda. 7[7] p.507 e segs. A demanda de morte no pode sustentar-se no obsessivo sem acarretar, por si s, o tipo de destruio que Lacan est chamando de morte da demanda. p.512

    p.520. Ama o prximo como tu mesmo. No sendo um mandamento moral porque se baseia na identificao, no deixa de ser um mandamento misterioso. certo que amamos ns mesmos? A experincia prova que temos em relao a ns mesmos os sentimentos mais singulares e mais contraditrios. Tambm, de uma certa perspectiva esse tu mesmo pode dar a impresso de colocar o egosmo no cerne do amor. Ento surpreendente fazer dele o modelo do amor. Ningum jamais sups que um Amo meu prximo como a mim mesmo pudesse corresponder formulao do mandamento porque a fraqueza de um tal mandamento se revelaria aos olhos de todos. Essa formulao merece ateno porque ela ilustra o horizonte da fala do mando Se a articularmos dali de onde deve partir, isto , do lugar do Outro, veremos que ela se revela uma coisa totalmente diferente , ou seja, um crculo simtrico e paralelo ao que est subjacente tomada de posio do Outro no nvel da primeira demanda e que se enuncia como Tu s aquele que me mata 8[8] (Tu es celui qui me tues) . O tu leva-nos a reconhecer nesse tu mesmo, nada alm do Tu. O mandamento cristo revela ento seu valor ao ser prolongado: ...como tu mesmo tu s (tu s) no nvel da fala, aquele a quem odeias (tu hais) na demanda de morte, porque a desconheces. p.521

    7[7] Entendi aqui uma formulao assim: Ele quer a morte do meu desejo, ento eu mato a minha demanda. 8[8] Lembro a frase do encontro de 13-06-56: Eu sou no somente seguir, tambm eu sou, e voc, tu s, e tambm voc, aquele que, no ponto de encontro, me matar.

  • p.509.A demanda de morte exige ser formulada no lugar do Outro, no discurso do Outro. O fato desse Outro ser o lugar da demanda, implica a morte da demanda. A demanda de morte implica a destruio a morte da demanda. Apenas esboada, a mesmo ela se extingue. O desejo anulado mas seu lugar mantido e o escutamos atravs de uma denegao, agressivo, desaprovador, depreciativo a nosso respeito. No horizonte de qualquer demanda, estaro l o amor, o dio a ignorncia como relaes intrnsecas.

    preciso entender que demanda de morte no tendncia mortfera, uma demanda articulada e por essa razo ela no se produz no nvel da relao imaginria com o outro, no uma relao dual, mas visa, alm do outro imaginrio, seu ser simbolizado, e tambm por isso que ela pressentida e vivida pelo sujeito em seu retorno. que o sujeito, por ser falante e somente por isso, no pode atingir o Outro sem atingir a si mesmo, de modo que a demanda de morte a morte da demanda.

    O DESEJO E SUAS INTERPRETAES 1958/59

    22 de abril de 1959.

    Quando, acertando as bases para o duelo com Laerte, Hamlet exalta as qualidades do outro/si mesmo, ele vai ao paroxismo da absoro imaginria. aqui que est manifestamente situado na pea o ponto de agressividade. Aquele que mais admiramos aquele que combatemos. Aquele que o ideal do eu tambm, segundo a frmula hegeliana da impossibilidade de coexistncia, aquele que devemos matar. Eis a fala impressionante: Considero que sua alma seja uma alma de muito alto valor, e que nele est infundida uma tal raridade e um tal valor que, para dele fazer uma verdadeira descrio , seu semelhante s pode ser seu espelho, e qualquer outro que quisesse seguir seu retrato s poderia faz-lo como sua prpria sombra e nada mais. A imagem do outro apresentada aqui como absorvendo completamente aquele que a contempla.

    Nesse duelo Hamlet encontra um rival sua altura. A presena desse semelhante vai permitir-lhe, ao menos por um instante, sustentar o desafio humano de ser ele tambm um homem. claro que isso sempre tem conseqncias. Aparecendo o falo, ele, sujeito desaparece. Tudo o que se apresentou a Hamlet na relao agressiva foi apenas miragem, quer dizer, ele entrou no jogo com seu falo. somente na sua iluso, que os floretes esto com proteo de couro, mas na verdade h um que no est e na luta a arma envenenada passa das mos de um adversrio para a mo do outro, depois que Laerte deu a estocada pela qual Hamlet vai morrer, a ponta muda de mo e aquele que matou vai tambm morrer. Isso mostra que o instrumento da morte Hamlet apenas pode receb-lo de outro. para alm da rivalidade com o semelhante, com o eu-mesmo que ele possa amar, que se desenrola o drama da realizao do desejo de Hamlet.

    A TICA DA PSICANLISE 1959/60

    23 de maro de 1960

    Aqueles que preferem os contos de fada fazem ouvidos moucos quando se fala da tendncia nativa do homem agresso, destruio, e, portanto, tambm crueldade.

  • O homem, com efeito, tentado a satifazer no prximo sua agressividade, a explorar seu trabalho sem compensao, utiliz-lo sexualmente sem o seu consentimento, apropriar-se de suas posses, humilh-lo, causar-lhe sofrimento, tortur-lo e mat-lo. Se no soubssemos que foi Freud que assim escreveu, isso bem poderia passar como um texto de Sade.9[9]

    Cada vez que Freud se detm, como que horrorizado, diante da conseqncia do mandamento do amor ao prximo, o que surge a presena dessa maldade profunda que habita o prximo. Mas, da, ela habita tambm em mim. p.226 e seg.

    30 de maro de 1960

    A resistncia (do homem) ao mandamento Amars o prximo como a ti mesmo e a resistncia que se exerce para entravar seu acesso ao gozo, so uma nica e mesma coisa. Pode parecer um paradoxo mas ns, analistas reconhecemos isso cada vez que vemos o sujeito recuar diante de seu gozo. Estamos falando da agressividade que ele contm, o ncleo temvel desse destrudo que, quaisquer que sejam as pequenas afetaes, os regateios analticos de frescura, no deixa de ser com isso que nos encontramos constantemente confrontados em nossa experincia. medida que o sujeito faz com que a agressividade se volte contra si mesmo que provm a energia dita do supereu, Freud ensinou, e acrescentou que uma vez encetado o processo, no h mais limite ele engendra uma agresso cada vez mais pesada do eu. Ele a engendra no limite, ou seja, medida que a mediao que a da Lei acaba por faltar. Recuo de amar meu prximo como a mim mesmo medida que nesse horizonte h algo que participa de no sei que crueldade intolervel. Nessa direo, amar meu prximo pode ser a via mais cruel. p.236 e seg.

    18 de maio de 1960

    Parece que da natureza do belo ser insensvel ao ultraje. Na experincia analtica isso discernvel nas referncias ao registro esttico que o sujeito d ao analista em suas associaes, em seu monlogo desatado, entrecortado, seja sob a forma de citaes, seja de recordaes escolares. Essas referncias, medida que aparecem mais singularmente espordicas, decisivas com respeito ao texto do discurso, so

    9[9]Para ilustrar, escolhi algumas palavras do papa Pio VI do texto de Sade mencionado por Lacan Dissertao do papa sobre o crime seguida de orgia que encontra-se entre outras, na publicao & etc produzida por Publicaes Culturais Engrenagem, Ltda, Lisboa, sem data, texto extrado da Histria de Juliette ou as prosperidades do vcio

    (...) toda a modificao operada pelo homem na matria organizada serve bem mais a natureza do que a contraria.(...) para servi-la seriam necessrias destruies destruies mais vastas...bem mais completas do que as que podemos operar; atrocidade e grandeza o que ela quer nos crimes.-p.68 (...) o assassinato uma paixo como o jogo, o vinho, os rapazes e as mulheres e, Jamais corrigida se a ela nos acostumarmos. Nenhuma outra ao excita tanto, prepara tanta volpia; impossvel ficar saciado. (...) Quanta delcia existe nos deboches e como o crime os faz picantes e deliciosos! O seu imprio incide ao mesmo tempo no moral e no fsico, inflama todos os sentidos, inebria-os, e, entontece-os. (...) Quanto mais uma criatura nos atrai, ou interessa, quanto mais diretamente nos toca e sagradas so suas ligaes conosco, mais a sua imolao nos deleita. (...) Tudo o que inventamos est sempre abaixo do que desejamos.J no pela extenso ou infmia do suplcio que a alma desperta. Desejaramos mesmo que a vida se fizesse vezes sem conta para termos o prazer de a tirar sempre.

  • correlativas de alguma coisa que se presentifica nesse momento a, e que sempre do registro de uma pulso destrutiva. no momento em que vai aparecer manifestamente num sujeito, no relato de um sonho, por exemplo, um pensamento que se chama de agressivo com respeito a um dos termos fundamentais de sua constelao subjetiva, que ele tirar para o analista, segundo sua nacionalidade, tal citao da bblia, tal referncia a um autor, clssico ou no, tal evocao musical. p.290

    A TRANSFERNCIA 1960/61

    19 de abril de 1961

    Aquilo que na obsesso chamamos de agressividade, se apresenta sempre como agresso contra essa forma de apario do Outro que em tempos passados Lacan chamou de falofania, o Outro enquanto pode se apresentar como falo. Golpear o falo no Outro para curar a castrao simblica, golpe-lo no plano imaginrio, a via escolhida pelo obsessivo para tentar abolir a dificuldade que Lacan designa como parasitismo do significante no sujeito, e restituir ao desejo sua primazia, ao preo de uma degradao do Outro, que o faz essencialmente funo de eliso imaginria do falo. Nesse ponto preciso do Outro onde ele est em estado de dvida, de suspenso, de perda, de ambivalncia, de ambigidade fundamental, a relao do obsessivo com o objeto - um objeto sempre metonmico, pois para ele o Outro essencialmente intercambivel essencialmente governada por alguma coisa que tem relao com a castrao, a qual assume aqui forma diretamente agressiva -ausncia, depreciao, rejeio, recusa do signo do desejo do Outro. No abolio, nem destruio do desejo do Outro, mas rejeio dos seus signos. Eis o que determina esta impossibilidade to particular que marca, no obsessivo, a manifestao de seu prprio desejo. P.244-245

    7 de junho de 1961

    A temtica do Estdio do Espelho uma referncia exemplar que permite presentificar os pontos de entroncamento e conceber a renovao dessa possibilidade sempre aberta ao sujeito de um auto-dilaceramento diante daquilo que ao mesmo tempo ele e um outro. Existe uma certa dimenso de conflito, que no tem outra soluo alm de um ou......ou..... necessrio tolerar o outro como uma imagem insuportvel, que o arrebata de si mesmo, ou quebr-lo imediatamente, inverter, anular a posio frente, a fim de conservar aquilo que , naquele momento, centro e pulso de seu ser, evocado pela imagem do outro, seja esta especular ou encarnada. O lao entre a imagem e a agressividade , aqui, inteiramente articulvel. Mesmo que a mo que se estende em direo figura de seu semelhante esteja armada com uma pedra a criana no precisa ter muita idade para ter, seno a vocao, pelo menos o gesto de Caim e se esta mo for detida por uma outra mo, a daquele que foi ameaado, e se esta pedra, eles a pousarem juntos e ela constituir um objeto, talvez de acordo, ou de disputa, esta ser a primeira pedra de um mundo objetal, mas isso no ir alm, nada se construir sobre ela. O que evoca um eco, numa harmnica, o aplogo daquele que deve atirar a primeira pedra. E necessrio que, em primeiro lugar, essa pedra no tenha sido atirada. E uma vez que no se a tenha atirado, no se ir atir-la contra nada mais.

  • Mas para que se funde alguma coisa que se abra a uma dialtica, preciso, mais alm, que intervenha o registro do grande Outro. na medida que o terceiro, o grande Outro intervm na relao do eu com o pequeno outro, que algo pode funcionar, algo que acarreta a fecundidade da prpria relao narcsica. p.242-243

    14 de junho de 1961

    O sinal de angstia se produz em algum lugar que pode ser ocupado por i(a), o eu enquanto imagem do outro, o eu na medida que , basicamente funo de desconhecimento. Ele ocupa esse lugar, no na medida que essa imagem o ocupa, mas sim enquanto lugar, isto , na medida que ocasionalmente essa imagem pode ali ser dissolvida. p.350

    O estdio do espelho no deixa de ter relao com a angstia, mas no a falta de imagem que faz surgir a angstia. A relao especular, originria entre o sujeito e a imagem especular se instala na reao da agressividade. O caminho para compreender como se corta transversalmente a agressividade orientar-se no sentido da relao temporal. Com efeito, no existem apenas relaes espaciais que se referenciam imagem especular quando esta comea a animar-se e torna-se o outro encarnado; h tambm uma relao temporal apresso-me em me ver semelhante a ele, seno, onde irei estar? A funo da pressa, essa maneira por que o homem se precipita em sua semelhana ao homem, no angstia. Para que a angstia se constitua preciso que haja relao com o nvel do desejo. p.351

    LANGOISSE 1962/63

    5 de dezembro de 1962

    na medida que se deixa sem resposta a demanda, que a agresso vem se articular a. Por outro lado, a dimenso de agressividade entra em jogo para recolocar em questo aquilo que ela visa por sua natureza, a saber, a relao imagem especular.

    LOGIQUE DU FANTASME 1966/67

    10 de maio de 1967

    A propsito de uma publicao de M. Bergler, no ponto em que este aborda o tema da regresso oral, atribuindo s noes de agresso e agressividade um estatuto inteiramente equivocado, Lacan coloca essas noes na perspectiva da experincia analtica, dizendo que o que ela nos traz sobre o estdio dito oral, faz intervir a essa dimenso corporal da agressividade oral, da necessidade de morder e do medo de ser devorado.

    Rio, 7 de novembro de 2008