Ana Maria Bahiana - Como Ver Um Filme

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Livro: Ana Maria Bahiana - Como Ver Um Filme

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  • Folha de rosto

  • Ficha catalogrficaCopyright 2012, by Ana Maria BahianaDireitos de edio da obra em lngua portuguesa no Brasiladquiridos pela Editora Nova Fronteira ParticipaesS.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte destaobra pode ser apropriada e estocada em sistema de bancode dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio,seja eletrnico, de fotocpia, gravao etc., sem apermisso do detentor do copirraite.Editora Nova Fronteira Participaes S.A.Rua Nova Jerusalm, 345 Bonsucesso CEP 21042-235Rio de Janeiro RJ BrasilTel.: (21) 3882-8200 Fax: (21) 3882-8212/[email protected] revisto pelo novo Acordo Ortogrfico.

    CIP-Brasil. Catalogao nafonte.

    Sindicato Nacional dosEscritores de Livros, RJ.

    B135c Bahiana, Ana MariaComo ver um filme / Ana Maria Bahiana. Rio de

    Janeiro: Nova Fronteira, 2012.FilmografiaInclui bibliografiaISBN 978-85-209-3125-7

  • 1. Cinema. 2. Cinema Apreciao. 3. Plateias decinema. I. Ttulo.

    CDD: 791.43CDU: 791.43

  • Introduo

    IntroduoQuase tudo que sei aprendi na

    sala escura do cinema ouComo (e por que) ver um filme

    UMA DAS MINHAS CENAS FAVORITAS de qualquerlme em qualquer poca a do nal de Crepsculodos deuses (Sunset Blvd., 1950), de Billy Wilder.Completamente ensandecida, a outrora grandeestrela Norma Desmond (Gloria Swanson,magnca), banida das telas pela idade (umavelha de cinquenta anos!, ruge, a certo

  • momento, o seu protegido/explorador/vtima, JoeGillis/William Holden) desce lentamente aescadaria de sua manso. um truque para faz-la entregar-se pacicamente polcia. A casa estrepleta de policiais, reprteres e equipes dosjornais da tela, os telejornais do momento.Num gesto de compaixo, Max, o chofer que umdia foi diretor (Eric Von Stroheim), convenceNorma de que ela est num set de lmagem, emplena produo do roteiro que ela vem tentandoproduzir ao longo de todo o lme, mais umaverso do drama de Salom e Joo Batista. Todasaquelas luzes! Todas aquelas cmeras! Todaaquela gente! Que maravilha! Emocionada,Norma pede para fazer um discurso. Diz que estfeliz em voltar a um set, e que jamaisabandonar seus fs. E, acima de tudo, concluique, para ela, no existe mais nada, apenas asluzes, as cmeras e todas aquelas pessoasmaravilhosas na escurido.

    E, dirigindo-se a ns e lente da cmera,desaparece num dos mais geniais fade-outs do

  • cinema.SUSAN SONTAG, que teorizou sobre quase tudo, dizque a experincia essencial de ir ao cinema odesejo de ser sequestrado pelo lme, serpossudo pela presena fsica da imagem. umaboa analogia, e denitivamente parte do charmecentenrio da arte. No entanto, no creio queseja apenas isso; sou mais partidria das vises deJean Cocteau, Luiz Buuel e David Lynch: ocinema a arte mais prxima do sonhoacordado. Estamos no escuro, mas de olhos bemabertos. Se o lme for realmente bom, se ele fortudo o que uma pelcula pode ser, conversarconosco, exigindo de nosso crebro, alma,esprito, corpo astral ou seja l o que se quiserchamar a contrapartida de preencher as lacunas,absorver o que apenas intudo, mas no vistopor completo, associar som e imagem, e, dentrodessa ltima, cor, textura, ritmo e luminosidade.

    um sonho, mas proposto por outra pessoa:cabe a ns torn-lo nosso sonho. Ou no.

    A isso eu chamo ver, e no assistir. Passar do

  • estgio de plateia passiva a que se deixasequestrar pelo filme para o de plateia ativa que colabora com os realizadores acrescentandoao lme sua percepo, memrias e emoes deespectador. Deixando-se levar por algumas ideias,recusando outras. Compreendendo, o tempotodo, por que est vendo o que est vendo (e nooutra coisa), nesta ordem (e no em outra) e comestes sons (e no outros, ou nenhum).

    Quando conseguimos isso, a experincia de irao cinema se transforma. O lme se abre parans. Passamos a compreender intenes e planosde quem nos prope o sonho do dia, e a ter osapetrechos para aceit-los ou no. O lme setorna, como deve ser, uma conversa. Depreferncia, uma conversa inteligente.UMA PLATEIA DESPERTA, sonhandoconscientemente. uma plateia interessante:curiosa e perigosa. mais difcil subestim-la,ofender sua inteligncia. Torna-se absolutamenteessencial para os realizadores cumprir sua partedo trato: honrar o investimento inestimvel de

  • dinheiro (e o aumento do preo do ingressogarante que esse investimento seja cada vez maissubstancial) e, sobretudo, o tempo que cadapessoa na plateia disponibiliza quando opta porver um lme. O que estou dando em troca dasduas preciosas horas de vida e ateno absolutaque essa pessoa escolheu dedicar minha viso?Algo inteligente ou tosco? Fascinante ourepulsivo? Estimulante ou emburrecedor?Importante apenas para o meu umbigo ou capazde tocar outras vidas?

    Se cada realizador imaginar que ali, no escuroda sala, cada uma daquelas pessoas maravilhosasest alerta, sabendo o que est vendo e por queest vendo, essas perguntas deixam de serretricas e passam a integrar um verdadeirocontrato entre produtor e consumidor de arte eentretenimento. Um contrato que, num cenrioideal, nos elevar, dos dois lados da luz da tela.ESTE LIVRO COMEOU como uma ideia simples desvendar o outro lado dos lmes para todos ns,no escuro da plateia e evoluiu para uma

  • sequncia de fascinantes contatos com pessoas detodo o Brasil, por meio de cursos e palestras,muitos deles realizados sob os auspcios da Casado Saber do Rio de Janeiro e So Paulo. Comoarmo no incio de cada um desses encontros, aproposta no formar cineastas ou tericos existem muitos e bons cursos e livros dedicados aessa tarefa mas sim, formar plateiasinformadas, crticas, mais bem-habilitadas acompreender o que veem e a escolher do quegostam.

    Temos em comum o mesmo amor pelocinema. De uma forma ou de outra, os sonhos eideias de gente que nunca conhecemos, amaioria do outro lado do planeta, alimentou eforjou nosso modo de ver o mundo, de caminharnele, de interagir. Herdamos dessas vises alheiasdesejos de beijos, fantasias de cpulas, terroresnoturnos, pesadelos ao meio-dia, duelos na ruaprincipal, ai Silver!, cubra-me!, Houston, we have aproblem. Vamos precisar de um barco maior.Teremos sempre Paris. Rosebud! Its showtime!

  • Tudo o que espero que, ao nal deste livro,eu tenha compartilhado o que aprendi ao longono apenas de todas essas horas na sala escura docinema, mas tambm em muitas e muitas outras,em sets de lmagem, salas de reunio, cafs,festivais, caladas, entre os e trilhos, emdepsitos, galpes, trens e avies, conversando,perguntando, ouvindo, aprendendo com quemdedica sua vida a compor essas vises para nossoespanto, horror e delcia.

  • Parte 1: Os Alicerces

  • 1. Entre arte e comrcio: como nascem os filmes

    1. ENTRE ARTE ECOMRCIO: COMO

    NASCEM OS FILMESNingum sabe nada.

    William Goldman, roteirista

  • UM FILME UMA CRIATURA muito especial, muitoespecca, nascida das mesmas vontades antigasque levaram nossos antepassados a narrar umacaada ao mamute nas paredes das cavernas deLascaux ou criar miniaturas com cenas das vidasdos santos. Num lme est um impulso aomesmo tempo mais primitivo que o da leitura emais tecnologicamente sosticado que o doteatro. Como na leitura, queremos narrativas quealimentem nossa imaginao masdiferentemente do livro, onde mundos interiores,paisagens distantes, estados de esprito eintenes ocultas podem ser descritos, deixandoque nossa imaginao preencha o vcuo, o lmetem a obrigao de nos mostrar, ou pelo menosbalizar visualmente cada uma dessas coisas.Como no teatro, ele prope a apreciao domovimento, da presena humana, da mscara dopersonagem mas apenas com a intermediaoda imagem captada, uma camada adicional deinterferncia, manipulao, irrealidade.

    E assim, desse jeito to peculiar, o cinema tem

  • capturado nossa ateno, nossa imaginao,nosso tempo e nosso dinheiro h mais de umsculo.

    Um lme uma encruzilhada de elementoscontraditrios. Exige ao mesmo tempo a maisalta tecnologia de imagem e som e o artesanatomais puro de corte, costura, bordado,maquiagem, escultura, carpintaria. Segue a visode uma pessoa, o diretor, mas emprega ostalentos de uma pequena multido de indivduosigualmente criativos. E muito importante equilibra-se no gume aado entre arte ecomrcio.

    Os tempos romnticos de uma ideia na cabeae uma cmera na mo se foram. claro queexiste toda uma produo cinematogrca quepode se ater a esse princpio, assim como existetoda uma outra produo audiovisual cujodestino so galerias, museus e salas especiais.Mas no de nenhuma das duas que falamosaqui. Falamos daquela que chega ao cinema dasua cidade, sua locadora ou sua TV. E, para

  • essa, o contorcionismo entre criatividade eresponsabilidade scal o que est na base, naraiz. a tenso entre dois polos que podem seaniquilar mutuamente ou gerar maravilhas.

    As normas que hoje regem o mercado daproduo cinematogrca mundial no soexatas e rgidas, mas, basicamente, a losoaprincipal : um lme, mesmo barato, caro;antes de investir a pequena fortuna necessriapara que ele se torne realidade, h que se tentarao mximo minimizar os riscos. E esse processointeressa de perto a ns, os espectadores, porqueso as decises tomadas durante essa tentativa deminimizar os riscos que, em ltima anlise,determinam a forma nal que um lme ter, seele ser ousado ou conservador, autoral ouformulaico, luxuoso ou cru, cheio de estrelas ourepleto de desconhecidos, digital ou em pelcula,rodado em alguma ilha do Pacco ou dentro dealgum estdio.

  • QUANTO CUSTACUSTOS MDIOS DE PRODUODE:FILMES PRODUZIDOS INTEIRAMENTEDENTRO DE UM GRANDE ESTDIO DEHOLLYWOOD: 70 milhes de dlaresFILMES INDEPENDENTES NORTE-AMERICANOS: 40 milhes de dlares

    FILMES BRITNICOS E AUSTRALIANOS: 20milhes de dlares

    FILMES INDIANOS: 5 milhes de dlares

    FILMES BRASILEIROS: 1,5 milhes dedlaresCUSTO MDIO DE LANAMENTO DE FILMES(CPIAS, MARKETING, DIVULGAO): de 30a 50% do oramento de produo

    FONTES: Motion Picture Association of

  • America, British Film Institute, Filme B

    A jornada de um lme, da primeira ideia nossa chegada ao cinema com um saco de pipocanas mos, cumpre seis etapas distintas:

    Desenvolvimento Pr-produo Produo Finalizao Testes e plano de marketing DistribuioCom sorte, dinheiro em caixa, prossionais

    que cumprem prazos, catstrofes naturaisausentes e estrelas tranquilas e estveis, essatrajetria leva de 18 a 24 meses. Sem nada disso,pode durar trs, cinco, dez, at vinte anos. Osdeuses do cinema no contam o tempo real,apenas o tempo de tela.O DESENVOLVIMENTO , POSSIVELMENTE, a etapamenos conhecida e mais importante da gestaode um lme. Ele a rede de segurana do

  • projeto: cobre os meses (de trs a seis, em mdia)em que o lme existe apenas no papel, edemanda trabalho de um pequeno nmero deprossionais (dois, trs, cinco no mximo), comum gasto de aproximadamente 1% do custo naldo projeto.

    nesse momento de casulo que uma ideia,livro, srie de televiso ou roteiro prova ser umlme ou no. Nem tudo aquilo que fascinante numa mdia pode ser traduzido para ocinema com o mesmo resultado e esse umdos erros mais comuns dos realizadoresprincipiantes. Obras literrias que se apoiamprincipalmente no mundo interior dospersonagens. Sries de TV com personagensesquemticos, superciais ou com temasespeccos de determinadas pocas. Novelasgrcas de grande complexidade, com vriastramas paralelas. Estes so apenas alguns doselementos que podem se mostrar fatais para umfilme.

    Num desenvolvimento bem-feito, esses

  • problemas aparecem antes que fortunas tenhamsido gastas para contratar roteiristas e atores, epossibilitam decises feitas em condies maistranquilas: deve-se continuar ou no com oprojeto? O que pode ser alterado? O que nopode?

    O desenvolvimento comea quando algumapropriedade intelectual comprada (o queexplica um velhssimo jargo da indstria: Nadaacontece at que o dinheiro troque de mos.).Essa propriedade pode ser: . Pitch um termo de beisebol que signicaarremesso. um dos muitos jarges doesporte norte-americano que foramincorporados pela prtica cinematogrca dequase todo o mundo. O pitch exatamente isso o arremesso da ideia de um lme, feitopor quem a criou, para quem pode realiz-la. Oarremessador pode ser um roteirista com umtexto pronto ou idealizado, um diretor que teveuma inspirao, escreveu ou achou um roteiroou livro interessante, ou um produtor

  • independente num desses casos, mas comrecursos limitados para ir em frente. Orecebedor do arremesso pode ser umprodutor poderoso, uma estrela com suaprpria butique produtora, um agente combons contatos na indstria internacional, umgrande estdio, uma distribuidora ou umacompanhia de vendas internacionais.

    Como quase tudo na indstria, o pitch altamente ritualizado, com uma etiquetaprpria. Um encontro especco para o pitchprecisa ser previamente agendado (a no serdurante festivais e mercados, verdadeiraartilharia de pitches). O arremessador devechegar pontualmente, mesmo que tenha queesperar um bom tempo pela sua chance de pitch.Uma vez diante de seu alvo, ele deve aceitar abebida que o assistente lhe oferece, participarde aproximadamente cinco minutos deconversa ada e isso fundamental scomear o pitch quando o recebedor indicar queest pronto para ouvi-lo (isso em geral

  • assinalado por frases como Ento, o que voctem para ns? ou Tem tido alguma boa ideiaultimamente?).

    O pitch deve ser breve, claro e poderoso. Setiver mais de vinte minutos, arremesso fora.Nesse tempo, o arremessador deve descrever ofuturo lme e, mais do que isso, vend-lo comoalgo irresistvel, envolvente, original (mas nomuito veremos por que em breve). Pode edeve dar ideias de elenco uma personagemtipo Penlope Cruz, vejo Clive Owen nestepapel , transmitir o clima da obra imagine um deserto gelado num planetadistante e referenciar outros lmes erealizadores como se fosse um Blade Runnerdirigido por Franois Truffaut. Se oarremessador for um prossional de renome(sim, prossionais de renome tambm tm quepassar por este rito: perguntem a MartinScorsese quantas vezes ele teve quearremessar Gangues de Nova York), de bom-tomlembrar sucessos recentes, mesmo que o alvo

  • insista que, claro, f, admirador econhecedor do trabalho do arremessador (comquase toda certeza ele no se lembra de umttulo sequer).

    O ritual pode se encerrar com um aperto demos que no quer dizer absolutamente nadaou com um polido timo, mas no creio queseja um projeto para ns. o mais comum. Seo recebedor comear a fazer perguntas E sea personagem de Penlope Cruz tivesse umalha? e a dar sugestes podemos passarde um deserto para uma cidade fantasma , sinal de que um sim est a caminho. Emcasos raros mas que acontecem h tapasna mesa, gritos de admirao e uma minuta decontrato produzida imediatamente: o pitch foicomprado, por valores na casa das dezenas oucentenas de milhares dlares, em geral com aestipulao de um valor extra a ser recebidopelo autor caso o projeto de fato v adiante, ouseja, passar pelo crivo do desenvolvimento.

    Roteiro ou argumento . Um argumento

  • a narrativa do lme sem indicao de cenas edilogos; a histria que o lme contar. Oroteiro essa histria j formatada para serlmada, com as divises de cena,especicaes de local e hora do dia e dilogos.Um roteiro ou argumento escrito sem ter sidoencomendado (e pago com antecedncia) chamado on spec literalmente, em basesespeculativas. Um roteirista que decide devotarseu tempo no remunerado a escreverum material que depois ser colocado vendapode ganhar em liberdade criativa (ao menosinicialmente) e, se o mercado estiver aquecido,embolsar uma bela quantia. O recorde atualpara um roteiro escrito on spec de cincomilhes de dlares, pagos em 2005 a TerryRossio e Bill Marsilii por Dj vu, que depoisseria dirigido por Tony Scott e estrelado porDenzel Washington.

    Obras j existentes. Livros, quadrinhos, peasde teatro, graphic novels, sries de TV, atraes deparques temticos, videogames, tudo isso pode

  • se transformar em lme desde que osdireitos sejam comprados, ou melhor,opcionados, dando ao comprador umdeterminado tempo para levar o projeto tela.Outro tipo de propriedade que, cada vez mais,tem sido adquirida o lme j pronto.Opcionam-se ento os direitos de relmagem,pelo qual personagens e situaes do originalpodem ser reinterpretados em outra lngua econtexto o que aconteceu, por exemplo,com o coreano Mou gaan dou, que se transformouem Os inltrados, e com o japons Ringu, que virouO chamado.

    Uma vez adquirida a propriedade intelectualque vai servir de base ao projeto de lme, odesenvolvimento entra em sua segunda etapa: aanlise de viabilidade. Com base nasinformaes disponveis, levantam-se os custosprovveis de produo e estabelece-se umcronograma de pr-produo e lmagem quedar a data aproximada de entrega do lme.Isso crucial para um lme feito dentro de um

  • estdio, que tem um calendrio rgido delanamentos, estudado cuidadosamente deacordo com as oscilaes do consumo e daconcorrncia. Para um lme produzido deforma independente, em qualquer lngua oupas, igualmente fundamental: no s porquecada pas tem as suas datas boas e ruins delanamento, mas principalmente porque oscompromissos assumidos com investidores,nanciadores e distribuidores requerem umadata certa de entrega do filme completo.

    Saber quanto um lme pode custar apenasuma parte da anlise. A outra parte tentarprojetar quanto ele pode render. No umgesto to frio e calculista quanto pode parecer primeira vista os mais srios realizadoresautorais sabem que a expectativa de gastos temque se adequar expectativa de ganhos. Essaresponsabilidade fiscal faz parte do empenho decriar o melhor lme possvel com nfasetanto no melhor quanto no possvel. umaparte essencial das perguntas que devem

  • nortear o desenvolvimento: Que lme vamosfazer? Um trabalho experimental, destinado apoucas telas ou apenas a festivais? Um slidolme de gnero que talvez no v para oscinemas, mas que pode fazer boa carreira emDVD e na TV? Um lme classudo que podeousar a temporada de prmios? Um arrasa-quarteiro, bem pipoco?

    claro que isso no uma cincia exata como diz o experiente e oscarizado WilliamGoldman (Todos os homens do presidente, Butch Cassidy)na nossa epgrafe, Ningum sabe nada. Nemsucesso nem fracasso podem realmente serprevistos. Mas as variantes podem ser estudadase os riscos, atenuados. Custa menos do que searriscar na cara selva do mercado sem amunio correta.

    Normalmente, o processo de avaliao eestudo de viabilidade feito em duas frentes:enquanto o gerente de produo destrincha oscustos possveis, o diretor de desenvolvimentoanalisa o material de base sob um ngulo

  • criativo. Se um livro ou graphic novel, queroteirista melhor poderia adapt-lo? Se umroteiro, ele est pronto para ser lmado? Muitoraramente um script sai completamentecertinho na primeira tentativa at mestrescomo Paul Schrader, Robert Towne, PaulGaghan e William Goldman reescrevem seustextos exausto. Se o material precisa serreescrito, quem melhor o faria? E que reasprecisam ser melhoradas: os dilogos? Aestrutura? O nal? H necessidade de maisclareza, mais ao, mais profundidade?

    E o conceito, a premissa mesmo da histria, interessante? Para projetos decididamenteautorais essa pergunta no tem muitarelevncia, mas, mesmo assim, um produtorconsciente deve pelo menos tentar anteciparcomo o tema do projeto ser recebido pelasplateias. H possibilidade de controvrsia? Issopode ser bom... ou no. conservador demais,ou talvez ousado demais? Banal?Excessivamente violento? Muito gua com

  • acar? Pouco gua com acar?Talvez o projeto pertena a um gnero no

    ostracismo mas ser que no est na hora detraz-lo de volta? Estudos de tendncia demercado mostram que tudo aquilo que foimuito popular 20, 30 anos atrs est prontopara ser apreciado novamente. Os picoshistricos do subgnero espada e sandliaestavam no exlio h trs dcadas em 1997,quando o roteirista David Franzoni comeou acortejar os poderosos a DreamWorks e odiretor Ridley Scott para levar s telas seuroteiro Gladiador.

    Finalmente, quando tudo isso estdeterminado, tenta-se avaliar como o custodisso tudo se comporta frente ao esperadoretorno. Uma forma no exatamente cientcade fazer esse clculo levar em considerao oquanto ttulos semelhantes renderam nabilheteria, e, para produtores independentesque no podem ou no querem trabalhar comdinheiro dos estdios (e as obrigaes e

  • concesses que isso implica), que valoresalcanariam nos mercados de cinema, emvendas antecipadas dos direitos de distribuio.

    Quando tudo isso avaliado, o produtor que deve ter pilotado todo o processo, desde aaquisio do material de origem precisatomar as decises-chave que daro a forma dofilme que, um ou dois anos depois, iremos ver: Pequeno ou grande oramento? At onde se

    pode estender o risco de um oramentomaior? At onde um oramento menor podecomprometer a qualidade do projeto?

    Que tipo de diretor? Diretor estabelecido,emergente ou estreante? Autoral ouprossional? Comercial ou experimental? Oque vale mais a pena: um diretor estrela, queatraia vendas internacionais mas pode serdifcil e exigente, ou um diretor convel,que vai entregar o projeto no prazo, dentro dooramento, mas com menos ideias ecriatividade?

    Astros ou conjunto de elenco? Grandes

  • estrelas podem ancorar e viabilizar projetosapenas com seus nomes a presena deAngelina Jolie assegurou que o difcil O preoda coragem, sobre o assassinato do jornalistaDaniel Pearl nas mos de terroristaspaquistaneses, fosse realizado por um diretorautoral (Michael Winterbottom) e emlocao na ndia. Mas astros tm agendasprprias, calendrios cheios decompromissos, agentes agressivos e cachsnormalmente na casa dos milhes e nemsempre so os atores ideais para os papis.

    Estdio, locao ou ambos? Digital? Anovela grca 300, de Frank Miller, estava hanos perambulando pelas salas dos executivosda Warner, prisioneira da relaocusto/benefcio, at que o diretor Zack Snyderapresentou um rascunho de como o projetopoderia ser realizado por um quarto do custoe do tempo previstos, se feito com recursosdigitais nos prprios estdios da Warner, eno em alguma remota locao.

  • Sero necessrias alteraes substanciais nahistria? Muitos produtores hesitam em rodarum lme que possa ser proibido paramenores de 17 anos, que, hoje, constituem omais cobiado pblico de cinema. Ou talvezo projeto no tenha um pblico-alvo definido:mulheres? Homens? Adolescentes? Famlias?Muitas vezes o diretor que nalmentecontratado quer tornar o lme mais prximode seu estilo. Estrelas de primeira grandezarotineiramente exigem que suas cenas sejamreescritas, ampliadas e customizadas ao seumodo de falar e agir.

    Quando este processo termina, o lme queiremos ver ainda no passa de montes de papis,mas a maior parte de seu destino j foi selada.

    Agora so contratadas as peas-chave da equipe:o diretor, que, a partir deste momento, assume opapel de comandante supremo do projeto; osatores principais, escolhidos pelo diretor com aconsultoria do diretor de elenco e, claro, ospalpites do produtor; o diretor de fotograa e o

  • diretor de arte, braos direito e esquerdo dodiretor, escolhidos diretamente por ele. O projetosaiu do casulo do desenvolvimento, recebeu a luzverde e est pronto para voar.SE O DESENVOLVIMENTO UM INFERNO, a pr-produo a hora do recreio. Ainda livres dasamarras da realidade, do universotridimensional, o diretor e sua equipe podemimaginar o roteiro de todos os modos, por todosos ngulos, e, com o auxlio de storyboards,conceitualizaes e visualizaes, ter uma boaideia de como ser o resultado nal. Os detalhesaborrecidos de quem tem que fazer o que equando cam por conta do gerente de produo(produtor executivo, no Brasil), a quem cabe atarefa de transformar o roteiro num plano delmagem, especicando que cenas serolmadas quando, onde e com que integrantes doelenco e da equipe; que equipamentos seronecessrios; se efeitos especiais, armas e dublssero usados; se h gurantes, e quantos; e comotoda essa gente ser transportada e alimentada.

  • Uma equipe de lmagem tem entre quarenta ecem integrantes, fora o elenco e os extras emcasos de grandes produes, esse nmero podeser facilmente triplicado ou quadruplicado. como movimentar um circo ou um exrcito, oudecolar um jumbo, todos os dias durante seis,oito, doze semanas ou mais.

    Enquanto isso, o diretor conspira com seus doisgenerais: o diretor de fotograa e o diretor dearte. A meta estabelecer o conceito visual dolme, seu estilo. Com o diretor de fotograa (oD P , director of photography, na taquigraa daindstria), o diretor seleciona os tipos depelcula, cmeras e lentes a serem empregados.Cenas-chave ou todo o lme so decupados emstoryboards, onde diretor e o DP imaginam comocada imagem car se mostrada de determinadongulo, com determinados movimentos. (Algunsdiretores, como Martin Scorsese, AkiraKurosawa, Federico Fellini e Tim Burton,desenham seus prprios storyboards; outros, como osirmos Coen e Quentin Tarantino, conam o

  • trabalhosempre aos mesmos prossionais, que se tornamverdadeiros parceiros de sua viso, com acessoprivilegiado ao roteiro).

    O QUE ODESENVOLVIMENTOFAZ A HISTRIADEUMA LINDA MULHERNO FINAL DE 1988, A BUENA VISTA, brao deproduo da Disney, adquiriu os direitosde um roteiro on spec escrito pelo entojovem talento mais badalado dolaboratrio Sundance, o J. F. Lawton.Entitulado 3000, o roteiro era uma misturade La Traviata e Pigmaleo, e contava a jornada

  • de uma garota vinda do interior que setorna prostituta em Los Angeles, vicia-seem cocana e aceita passar uma semanacom um alto executivo pelo preo de trsmil dlares, dinheiro que ela precisa pararealizar seu sonho ir Disneylndia.O nal era triste e cnico a moatermina abandonada na beira da freeway acaminho da Disneylndia, e tem umaoverdose mas a estrutura era excelente,e os personagens, bem-desenhados.Quando os agentes de uma nova atrizascendente Julia Roberts, queaparecera no independente Mystic Pizza eacabara de lmar Flores de ao, gerando altasdoses de zum-zum positivo sondaram aDisney sobre possveis projetos para suacliente, Laura Ziskin, produtora executivano estdio, na poca, lembrou-se de 3000.Instintivamente, Ziskin sabia que muitacoisa teria que ser mudada: o nal, osubplot da cocana e todas as suas

  • ramicaes, o tom amargo da trama.Isso se Julia dissesse sim.

    E Julia disse. Lawton foi convocado, umanova verso foi proposta. Julia e o estdioqueriam menos Traviata e mais Gata borralheira.Muito mais.

    Lanado em 1990 com direo doexperiente Garry Marshall, Uma linda mulherimpulsionou a carreira de Julia Roberts,reapresentou a comdia romntica parauma nova gerao, e, tendo custado 14milhes de dlares, rendeu quase 500milhes no mundo todo. Julia ganhouum Globo de Ouro e foi indicada aoOscar. J.F. Lawton ganhou o prmio daWriters Guild of America, por roteirooriginal.

  • O INFERNO DODESENVOLVIMENTOCINCO ROTEIROS QUE JAMAIS VIRAM A LUZDAS TELAS:

    Flamingo Feather, Alfred Hitchcock, 1956.Intriga de espionagem, recheada desuspense ( claro), passada na frica doSul. Hitchcok fez uma viagem depesquisa frica do Sul e chegou concluso de que no conseguiria realizaro projeto por um oramento razovel.

    Edward Ford, Lem Dobbs, 1979. Namitologia de Hollywood, Edward Ford omelhor roteiro no produzido jamaisescrito. Dobbs (nome real Lem Kitaj,nascido em 1959 em Oxford, Gr-Bretanha) veio a ter uma carreira estelarcomo roteirista, assinando Tudo por uma

  • esmeralda, Kafka e O estranho. Mas sua sombriacomdia sobre um aspirante a ator emqueda livre pelas entranhas da indstriapermanece indita.

    One Saliva Bubble, David Lynch e Mark Frost,1987. Antes de conspirarem para criar amegacult srie de TV Twin Peaks, Lynch eFrost criaram este script, uma espcie deDr. Strangelove para o nal do sculo sobreuma arma nuclear que, ao dar defeito,causa todo tipo de transtorno. Porexemplo: fazer todo o queijo de umacidade do Kansas desaparecer. O projetochegou a ser anunciado no mercado deCannes em 1992 na euforia ps-Peaks,mas ficou nisso mesmo.

    Smoke and Mirrors, Lee e Janet Scott Batchler,1994. Livremente inspirado num fato real o envolvimento do mgico Houdinnuma tentiva de controlar rebeldes naArglia francesa de 1856 , o roteiro j

  • atraiu a ateno de Sean Connery,Michael Douglas e Tom Cruise, masjamais saiu do papel.

    A Crowded Room, James Cameron, 1995.Durante anos James Cameron foifascinado pela histria de Billy Milligan,um homem preso e acusado de vrioscrimes graves no Meio-Oeste americano,em 1979. Ao preparar sua defesa, seusadvogados descobriram que Milligansofria de personalidade mltipla, e que osassaltos e estupros tinham sido cometidoscada um por uma de suas 24personalidades, sem o conhecimento dasdemais. O distrbio foi conrmado pordiversos psiquiatras, e Milligan foi oprimeiro ru a usar personalidademltipla em sua defesa. Cameronopcionou o livro de Daniel Keyes sobre ocaso e escreveu um roteirointeressantssimo, com muitos elementos

  • que seriam vistos anos depois em Uma mentebrilhante, de Ron Howard. Mas quando onanciamento de outro projeto seunalmente cou disponvel, Cameronabandonou A Crowded Room e foi lmarTitanic.

    Para sequncias complicadas, comoperseguies, tiroteios e batalhas, os storyboards souma ferramenta indispensvel ajudam aprever todas as variantes positivas e negativas,antes que o taxmetro dos custos de lmagemcomece a rodar.

    Com o diretor de arte que a essa altura jmontou a sua equipe, com o gurinista, o chefede maquiagem e cabelo e o criador dos cenrios, o diretor trabalha a encarnao depersonagens e ambientes do lme. Locaespodem j ter sido pr-selecionadas, aguardandoapenas a palavra nal do diretor e do diretor dearte ou, pelo contrrio, so imaginadas e

  • desenhadas nesta etapa, com o auxlio de artistasconceituais, e depois procuradas no mundo real (o lago gelado que serve de cenrio a umconfronto importante de Rei Artur, de AntoineFuqua, 2004, foi criado primeiro pelos artistasconceituais e depois achado parcialmente naNova Zelndia. Montanhas, geleiras e nuvensdigitais fizeram o restante.).

    Muitas vezes cabe a esta fase a criao dosprprios personagens do lme. Se seu roteiropede um monstro assassino, um visitanteextraterrestre ou um exvel e transparente serdas profundezas abissais, nenhuma produtora deelenco poder resolver seu problema. O brainstormentre diretor, diretor de arte e artista conceitual muitas vezes com a participao do roteirista deu a forma nal a personagens famososcomo o alien de Alien, o oitavo passageiro (Ridley Scott,1979; concepo de H.R. Giger), o extraterrestred e E.T. (Steven Spielberg, 1982; concepo deCarlo Rambaldi) ou o pseudopod de O segredo do abismo(James Cameron, 1989; concepo de Dennis

  • Muren & ILM).IDEALMENTE, COM TODOS OS PROBLEMAS e asmincias do projeto resolvidos pelo menos nopapel , o projeto entra, anal, em fase deproduo, que o que a maioria das pessoasassocia com fazer um lme. Para ns, naplateia, interessante saber que, quando ascmeras comeam a rodar, a maior parte dotempo de criao de um lme j est,geralmente, no passado, nas etapas dedesenvolvimento e pr-produo. De muitosmodos, como se todo o lme j tivesse sidorealizado na cabea do diretor (e do roteirista) e,agora, simplesmente tivesse que ser passado parauma mdia que nos possibilite v-lo tambm.

    No set de lmagem um pouco circo, umpouco laboratrio , a viso se realiza e osplanos confrontam a dura realidade. Acidentesacontecem, com todo tipo de resultado, do tufocatastrco que destruiu os cenrios de ApocalipseNow nas matas das Filipinas ao ator que seintimidou com a presena de Daniel Day-Lewis

  • e m Sangue negro e foi substitudo no meio dalmagem por Paul Dano, inicialmente escaladopara fazer o irmo dele (criando, assim, umanova e peculiar textura aos personagens, quepassaram a ser gmeos). Um gato vira-lata pulano colo de Marlon Brando durante a lmagemda cena de abertura de O poderoso chefo e rapidamente incorporado pelo ator ao mundodomstico de seu personagem, dando umadimenso imprevista ao poderoso dilogo comBonasera. Uma atriz famosa Ali McGraw se divorcia do produtor Robert Evans navspera do incio das lmagens e substitudapor outra, que absolutamente rouba o papel Faye Dunaway em Chinatown (Roman Polanski,1974). Atores morrem no meio das lmagens Brandon Lee em O corvo (Alex Proyas, 1994),Oliver Reed em Gladiador (Ridley Scott, 2000) ,obrigando a novas abordagens da trama.

    Sem falar nos amores o diretor PeterBogdanovich se apaixonando pela ento atrizestreante Cybill Shepherd em pleno set de A ltima

  • sesso de cinema (1970) diante dos olhos da esposa, adiretora de arte Poly Platt , desamores, birras,brigas Peter Fonda rompendo com DennisHopper a meio caminho das lmagens de Semdestino (1969), criatura de ambos , exploses,fofocas: uma vasta gama de complexas interaeshumanas que ocorrem no mundohermeticamente fechado do set de lmagem eque podem, de um modo ou de outro, interferirna estrutura to rigorosamente planejada dofilme.

    Durante as lmagens um processo que podedurar de seis semanas a dez meses , o materialde cada dia avaliado pelo diretor e pelosprodutores atravs de cpias temporriaschamadas dailies, em que o desempenho de todos atores, diretor, equipe tcnica avaliadocom rigor. Erros srios de continuidade coerncia entre os elementos de uma mesmacena ainda podem ser corrigidos, abordagensdos personagens e tomadas de cena ainda podemser alterados.

  • Uma vez aprovado e colocado na lata, omaterial bruto de um lme s ter mais umaoportunidade para ser melhorado, corrigido ousalvo: a ps-produo.NA PS-PRODUO o lme recebe sua formanal, atravs de montagem, sonorizao e efeitosvisuais e sonoros. Como veremos mais adiante,cada um desses elementos pode alterarradicalmente o tom, a textura e at mesmo ainteno de sequncias inteiras, e, muitas vezes,do prprio lme. Filmes podem nascer na ps-produo Tubaro (Steven Spielberg, 1975) foium deles ou nela morrer, com elementosvitais cortados, adicionados, modicados aprimeira verso de Blade Runner, em 1982, e, maisrecentemente, Invasores (2007), arrancado dasmos do diretor Oliver Hirschbiegel peloprodutor Joel Silver, so bons exemplos.

    Raros e privilegiados so os diretores que detmo poder de corte nal para as verses de seuslmes este glorioso perodo de autoria totalencerrou-se com os anos 1970. A imensa maioria

  • dos realizadores obriga-se a entregar aosprodutores e/ou distribuidores (dependendo daestrutura de nanciamento) um corte dentro deparmetros preestabelecidos contratualmente durao, data de entrega, faixa etria de pblico.O que acontecer com este corte determinado,em grande parte, pelo projeto de marketing queveio sendo elaborado para o lme desde que elerecebeu a luz verde seja dentro de um grandeestdio, seja numa produtora independente.

    Um elemento essencial deste projeto so assesses-teste. De um modo ou de outro, todolme visto com ns de avaliao antes de partirpara um lanamento comercial. Um projetoaltamente autoral pode ser exibido por seudiretor para um grupo de amigos, colegas,conselheiros e consultores de conana. Umlme independente, de oramento modesto,pode ser testado em exibies gratuitas em campiuniversitrios, salas comunitrias ou pequenasmostras no competitivas. Qualquer coisa acimados vinte milhes de investimento clama por

  • testes realizados prossionalmente por grupos deanlise de mercado, em amostras de pblicorigorosamente selecionadas.

    UMA DZIA DEBONSFILMES SOBREFAZER FILMESO crepsculo dos deuses, Billy Wilder (1950).Um ltimo olhar sobre a Hollywoodvelha escola que em breve no existiriamais.

    Oito e meio, Federico Fellini (1963). Namente de um diretor em crise, vida,sonho e criao se misturam num grandeset espiritual.

    A noite americana, Franois Truffaut (1973). O

  • set como uma famlia temporria,neurtica e criativa.

    Stardust Memories, Woody Allen (1980).Atravs de um alter ego o Woodycineasta de humor reete sobre sua obrae os impasses da meia-idade.

    O substituto, Richard Rush (1980). Umfugitivo da lei se esconde num set defilmagem e ningum nota.

    O jogador, Robert Altman (1992). A alta e abaixa poltica de Hollywood do forma aum lme do pitch estreia para osexecutivos.

    Ed Wood, Tim Burton (1994). Seu lemaera: Meu prximo filme ser melhor.

    Vivendo no abandono, Tom DiCillo (1995). Adura, hilria e frequentemente poticavida dos cineastas independentes.

    Boogie Nights, Paul Thomas Anderson

  • (1997). Filme porn tambm cinema e seus sets criam as mesmas famliastemporrias.

    Os picaretas, Frank Oz (1999). O pitorescouniverso do lme abaixo de B, em todo oseu glorioso absurdo.

    A sombra do vampiro, E. Elias Mehrige (2000).Uma possvel abordagem do que teriaacontecido no set de Nosferatu, de Murnau,em 1922.

    Dirigindo no escuro, Woody Allen (2002). Umriff sobre uma antiga anedota da velhaHollywood quando os lmes setornam formulaicos, at um diretor cego capaz de faz-los.

    Todos esses processos tm uma coisa emcomum: a importncia da opinio dosespectadores, expressa em geral em formulriospreviamente distribudos. Diretor, produtores e

  • distribuidores querem dimensionar, em primeirolugar, a clareza do lme, se ele est sendocompreendido pelo pblico. Depois, queimpacto, positivo ou negativo, o lme tem sobreele. Que elementos e personagens mais atraramo interesse? Que sentimentos provocaram? E,nalmente, que tipo de pblico mais seidenticou com o lme o que podecontradizer ou conrmar os estudos feitosdurante o desenvolvimento.

    Uma vez obtidas essas respostas, o que acontececom o lme depende muito da viso do diretor,do seu prestgio e seu poder de fogo, do estado doseu relacionamento com produtores edistribuidores (relaes podem se deteriorarrapidamente neste meio altamente combustvel)e da exibilidade daqueles que detm o poder dadeciso nal. Verses mltiplas podem ser feitase testadas separadamente. O diretor pode cederum tanto e o produtor, outro tanto, chegando aum consenso. Quando criador e detentor depoder econmico tm um bom relacionamento,

  • este processo aparentemente brutal e cerceadorpode se transformar num exerccio criativo que,efetivamente, torna o lme melhor. Em perodosde crise, recesso, retraimento de mercado, ouquando o pndulo cai exclusivamente para o ladodas nanas, verdadeiras matanas se do. Telase ilhas de edio esto repletas dos restos mortaisde ideias que talvez dessem belos lmes,sacricados no altar do clich, do previsvel e dolucro fcil.

    ALGUMASSUGESTESLEIA SOBRE A PRODUO DE UM FILMEantes de v-lo. Procure compreender oque foi envolvido no processo de levar oprojeto tela, quem foram os principaiselementos que tornaram isso possvel,qual o impacto desses eventos na formafinal do filme.

  • Veja o making of e as entrevistas sobre olme ANTES de v-lo em DVD. Observecomo os diversos problemas da produoforam abordados e resolvidos.

  • 2. No princpio era o verbo: a construo do roteiro

    2. NO PRINCPIO ERA OVERBO: A

    CONSTRUO DOROTEIRO

    A funo do poeta no relatar o queaconteceu,

    mas o que pode acontecer, de acordo com as leisda

    probabilidade e da necessidade.Aristteles, Potica

  • QUANDO, NO ANO 335 A.C., Aristteles dissecouprincpios e prticas da arte dramtica em seutratado Potica, ele conseguiu antecipar um textoem prosa ainda sem nome, que seria aliteratura, mas no o que viria a ser um dos usosmais comuns de seu trabalho o roteirocinematogrco. Ouso dizer que, sem Aristtelese Potica, o roteiro no seria a clara e denida peade literatura dramtica que hoje, e roteiristasainda estariam quebrando a cabea para tentarcontar uma histria complexa em menos de 120minutos, sem perder a ateno das pessoas nasala escura.

    Nada mais adequado, portanto, que comearnossa jornada pelo interior do processo criativodo cinema com Aristteles como guia. Se nafrase que serve de epgrafe ao captulosubstituirmos a palavra poeta por roteirista,teremos uma denio precisa do que um bomroteiro deve ser: o relato do possvel, no do real,balizado pelas leis internas da probabilidade e danecessidade.

  • A lei da probabilidade cria a lgica interna quetodo bom lme deve ter e que nos leva asuspender nossa descrena. Sabemos que tudo natela fruto da imaginao de algum mas... tudoaquilo provvel? Se os fatos na tela obedecem anormas inventadas porm rigorosamentemantidas ao longo dos 120 minutos, somoscapazes de acreditar em praticamente tudo:bichos que falam, carros que voam, prostitutasque se casam com milionrios, vampiros quefrequentam a escola. No primeiro momento emque piscamos forte, balanamos a cabea edizemos mentalmente (ou no) Mas quesurreal!, o lme nos perdeu um pouquinho. Secontinuarmos tendo a mesma reao, o lmepode nos perder de vez o preo de violar a leida probabilidade.

    A lei da necessidade d ao roteirista a disciplinapara escolher, entre todas as vertentes possveispara sua narrativa, aquelas que realmenteimpulsionam a histria, explicam o mundointerior dos personagens, justicam suas aes,

  • esclarecem o universo fsico e emocional em quevivem, criam tenses, enigmas e paradoxos quetornam a histria mais envolvente e interessante.Se uma pgina de roteiro contm palavras lindase comoventes, sejam elas descries picas oudilogos poderosos, mas nada daquilo necessrio para elucidar, complicar ou avanar oque aconteceu antes, a lei da necessidade foiviolada. Vamos achar o lme confuso, tedioso,talvez at agressivamente impenetrvel. Operfume exageradamente doce daautoindulgncia vai pairar no ar, irritante comonum elevador s 9h da manh. Vamos nosperguntar: Mas por que mesmo estou vendoisso, hein? Quando ruidosamente desobedecida,a lei da necessidade nos desprende do lme deimediato e, em geral, para sempre.

    Ao nal da jornada criativa de um lme quecomea com uma ideia expressa num roteiro ,o controle sobre o material deve ser de tal ordemque nada do que est na tela seja gratuito, tudo oque est na tela tenha uma razo de ser. Um

  • dilogo inteligente entre criao e espectador,lme e plateia, a tela e ns, no escuro, pode sedar, ento. Para ns, as perguntas-chave so:

    Por que o diretor est me mostrando estasimagens, e no outras?

    Por que estou vendo as imagens desta forma? Por que estou vendo as imagens nesta ordem? Por que estou ouvindo ou no ouvindo

    palavras, sons, rudos, msica?As respostas, idealmente, nos abriro as chaves

    secretas do lme, permitindo que tudo nele faleconosco.TODO FILME TEM UM TEMA, uma premissa, umatrama e um ou mais gneros. O tema aquilosobre o que o lme discorre. No a histria, ouos traos dos personagens, ou o que acontececom eles: a ideia fundamental, subjacente atudo. O vencedor do Oscar de 2009, Quem quer serum milionrio? (Danny Boyle, 2008), por exemplo, sobre esperana como, nas condies maishorrendas de vida, a pura vontade de seguiradiante pode forjar um futuro melhor. O do ano

  • anterior, Onde os fracos no tm vez (Joel e Ethan Coen,2007), sobre responsabilidade, o peso e asconsequncias de nossas escolhas e aes. Guerra aoterror, o melhor lme de 2010, era sobre a estranhavertigem do perigo extremo, adicionando umacamada de complexidade a um tema central atodo lme de guerra: o da lealdade (a quem serleal: sua tropa? Ao seu pas? A si mesmo?).Curiosamente, O discurso do rei, o premiado em2011, tem um tema que, de imediato, parececaber apenas em dramas blicos ou de aventura:a coragem, compreendida no como a ausnciado medo (um dos aspectos de Guerra ao terror, alis),mas como a capacidade de, consciente dele,enfrent-lo.

    A premissa a forma que esse tema assume.No lme de Danny Boyle, a premissa adeterminada convico de seu jovemprotagonista, Jamal Malik (Dev Patel), de quepode vencer o concurso que d ttulo ao lme noBrasil, apesar de seu passado de pobreza extrema.No dos irmos Coen, a premissa o impacto que

  • uma maleta cheia de dinheiro tem na vida dohomem que a encontra, e os fatos que adescoberta deagra. Em Guerra ao terror, a premissa a capacidade (ou no) do novo sargento James(Jeremy Renner) para substituir seu predecessorno minucioso e perigosssimo ofcio dedesmontar bombas na zona de guerra do Iraque.Num outro paralelo interessante, a premissa de Odiscurso do rei tambm envolve um homem oprncipe Albert, duque de York (Colin Firth) que precisa substituir outro seu irmo maisvelho, David, prncipe de Gales (Guy Pearce) sem ter um elemento fundamental na era dordio: a eloquncia.

    A trama a histria do lme, odesenvolvimento da premissa. aquilo quecontamos aos amigos que no viram o lme: osdetalhes da histria, como ela comea, como sedesenvolve, os conitos, os problemas, osconfrontos, as vitrias e as derrotas.

    O gnero a forma que a premissa e a tramatomam. Uma mesma histria digamos, a saga

  • do rei Arthur e os cavaleiros da Tvola Redonda pode assumir caractersticas de gnerosdiferentes: em Excalibur (John Boorman, 1981), umdrama; em Rei Arthur (Antoine Fuqua, 2004), umlme de aventura; e em Monty Python e o Santo Graal(Terry Gilliam e Terry Jones, 1975), umacomdia satrica. Na segunda parte do livrovamos nos ocupar em detalhes dos principaisgneros, como eles se organizam, quais so seustemas essenciais e como foi sua evoluo aolongo da histria do cinema.

    Uma vez estabelecidos estes elementos bsicos,o escritor deve escolher o tipo de narrativa quedar sua trama, qual a mais adequada paraenfatizar o tema, mais coerente com suapremissa. Os principais tipos de narrativa so:

    Direta: A mais comum, que mais vemos: umahistria em ordem cronolgica, com comeo,meio e m, contada exatamente nessa ordem,mesmo que com alguns flashbacks e flashforwards nomeio.

    Inversa: Uma histria contada inteiramente

  • e m flashback, cujas primeiras imagens so, narealidade, as derradeiras. muito usada emlmes em que se conta a histria de umavida, seja pelo prprio biografado ou poralgum observador (Amadeus, Milos Forman,1984; Forrest Gump, o contador de histrias, RobertZemeckis, 1994; Ratatouille, Bard Bird, 2007). um formato que tambm se presta ao thriller desuspense, oferecendo a enganosa certeza decomo tudo acabou, e nos deixando curiososa respeito de como foi a jornada at l(Crepsculo dos Deuses, Billy Wilder, 1950; Ces dealuguel, Quentin Tarantino, 1992; Os suspeitos,Bryan Singer, 1995).

    Episdica: Diversas histrias, cada qual comsua prpria trama, mas em geral unidas porum tema comum, ou at mesmo uma nicapremissa. Cada histria tem o seu comeo,meio e m, que podem ou no se intercalarem determinados momentos (La Ronde, MaxOphuls, 1950, e Roger Vadim, 1964; Short Cuts,Robert Altman, 1993; Traffic, Steve Soderbergh,

  • 2 0 0 0 ; Amores brutos, Alejandro GonzlezIarritu, 2000; As horas, Stephen Daldry, 2002;Sin City, Robert Rodriguez e Frank Miller,2005).

    Fracionada/No linear: Uma ou vriashistrias (ligadas entre si) contadas emsegmentos fora de cronologia, que seconectam em momentos-chave, atravs depersonagens, situaes ou smbolos (Oito e meio,Federico Fellini, 1963; Pulp Fiction, QuentinTarantino, 1994; Amnsia, Christopher Nolan,2000; Cidade de Deus, Fernando Meirelles, 2002;Quem quer ser um milionrio?, Danny Boyle, 2008;Namorados para sempre, Derek Cianfrance, 2010).

    Para sustentar qualquer um desses tipos denarrativa, o roteirista precisa se preocupar com aestrutura de seu projeto. Muita gente acreditaque roteiro equivale a dilogo, e que um bomroteiro o que tem dilogos bem-escritos,comoventes, espirituosos, sarcsticos, divertidosetc. Na verdade, o dilogo algo secundrio nolme sendo a planta baixa de imagens em

  • movimento, um bom roteiro deve privilegiar omostrar e no o contar; o dilogo, quandopresente, precisa estar subordinado s essenciaisregras aristotlicas de probabilidade (na qual seinclui a coerncia com o perl psicolgico decada personagem um sinal seguro de um mauroteiro quando todos os personagens falam domesmo modo) e necessidade.

    Roteiro principalmente estrutura: aarquitetura de uma ideia claramente expressa,mas repleta de elementos que possam estimular,intrigar, provocar, emocionar o espectador. Umroteiro bem-estruturado, em que o autor revelaum profundo conhecimento de seus personagense um controle completo sobre o que eles fazem eo que com eles acontece, a base para um bomlme. Nele, os dilogos surgem naturalmente,como parte orgnica dos personagens, nascendode suas emoes, valores e reaes e, de fato,colaborando para a conduo da narrativa.

    Um antigo adgio do meio diz que fazer ummau lme com um bom roteiro algo que

  • acontece, mas fazer um bom lme com umroteiro ruim praticamente impossvel.

    A estrutura de um roteiro apoia-se em doiselementos essenciais:

    O ritmo: Todo roteirista escravo do tempo seja qual for a trama que ele quiser contar, deum dia na vida de uma pessoa a vrias dcadas nahistria de uma nao, ele precisa faz-lo em,idealmente, 120 minutos, equivalendo a 120pginas impressas. preciso pensar nessaspginas como tempo, e no como texto(privilgio da literatura). Como usar esse tempo o primeiro desao para a montagem daestrutura: quantas pginas/minutos cadapersonagem, situao e sentimento pedem?Onde se deter ou se aprofundar? Ondeeconomizar tempo com montagens, sequnciassimultneas ou intercaladas? Qual o ritmo geralque trama e premissa pedem para melhorexpressar o tempo: a lentido meditativa de umKurosawa em Dersu Uzala (1975), de um Bergmanem Gritos e sussurros (1972) ou o picote acelerado de

  • um Tarantino em Pulp Fiction (1994)? Decisestomadas no set pelo diretor (que, nos trsexemplos acima, tambm o roteirista, situaoideal de autoria cada vez menos comum)inuenciaro este uso do tempo. A montagemdar o ritmo nal do lme, mas a propostainicial deve estar includa desde o incio nomodo como o autor administra o tempo de cadaum de seus elementos dramticos.

    O arco da narrativa: Um lme uma jornada,e o roteiro seu mapa. Protagonistasmovimentam-se no apenas no espao, masprincipalmente no espao interior, ao sabor decrises e resolues. Idealmente, eles devemchegar ao nal do lme o mais transformadospossveis, ou seja: narrativa e existencialmente omais distante possvel do lugar fsico,metafsico, emocional onde comearam.

    Para que possamos seguir essa trajetria, elano pode ser linear morreramos de tdio elogo nos desprenderamos emocionalmente danarrativa. Respeitados o ritmo e as opes

  • estilsticas do autor, a narrativa cinematogrcasegue um arco assim, descrito por Aristteles emPotica:

    N a Exposio, trama e personagens soapresentados. Na Ao Crescente (ouComplicao), conitos se anunciam e tentamser resolvidos, com intensidade crescente atatingir um Clmax, um evento em que todas asaes e os conitos chegam ao seu pice. A partirda a ao torna-se Decrescente, com adissoluo ou resoluo dos conitos, at aConcluso final.

  • Um roteirista pode seguir este arco ao p daletra, criar variaes sobre ele ou at,deliberadamente, ignor-lo, para obter reaes eresultados diversos. Mas eu ousaria dizer que95% dos lmes que vemos obedecemessencialmente a essa estrutura, analisada compreciso h mais de trs mil anos.

    A adeso estrita ao modelo aristotlico do arcoconstri um roteiro com trs atos bastantedefinidos:ATO I:Exposio: Onde estamos, quem so os

  • personagens, o que acontece com eles para que atrama se ponha em movimento. (Umaabordagem tradicional da abertura do Ato I dizque o primeiro personagem que vemos deve ser oprotagonista. uma regra constantementequebrada com grande efeito dramtico: porexemplo, em O poderoso chefo o primeiropersonagem que vemos o suplicante Bonasera,e no o Padrinho Corleone que, quandofinalmente surge em cena, est de costas.)

    Oposio: O primeiro grande obstculo seapresenta, complicando a ao: um oponente,um rival, uma perda, um desao, enm, umamudana no status quo descrito na exposio.ATO II:Auge da oposio: A trama se complica aindamais, a ao cresce; novos personagens sointroduzidos dos dois lados da oposio:mentores, aliados, coconspiradores.

    Conflito: O problema essencial da trama serevela. H um grande impasse, um dilema, algoque exige decises drsticas, sacrifcios,

  • mudanas de rumo.Primeira tentativa de resoluo: Uma soluo

    imediata encontrada, mas rapidamente serevela insuciente, criando at mesmo novosproblemas.ATO III:Mudana radical: Transformao interior dospersonagens, grandes mudanas, escolhasradicais, sacrifcios, atos heroicos resolvemfinalmente o conflito/impasse.

    Resoluo: Os personagens principais esto omais longe possvel de onde estavam no incio dolme. So capazes de atos, escolhas esentimentos impensveis no Ato I. Uma grandejornada se deu e, se o nal satisfatrio, oespectador sente isso. No necessrio que tudoseja resolvido ou explicado, mas devepermanecer clara a resoluo do conito que foia espoleta da jornada (por exemplo, o nal deFilhos da esperana, de Alfonso Cuaron, 2006, aberto interpretao de cada um, mas uma criananasceu numa Terra at ento estril, quebrando

  • o paradigma essencial e resolvendo o grandeimpasse da narrativa).

    Popular a partir do nal dos anos 1960 com adisseminao das obras e das teorias doantroplogo Joseph Campbell, o modelo Jornadado Heri trouxe uma abordagem mais orgnica eintegrada desta estrutura de trs atos, deixando anarrativa ancorada trajetria do protagonista.Como, na viso de Campbell, todas as histriasda humanidade so uma nica histria(monomito) em innitas variaes, o roteiro nomodelo Jornada do Heri organiza-se de acordocom os pontos bsicos deste mito universal,menos preocupado com os trs atos e mais com auidez, causas e consequncias das aes doprotagonista:

    O mundo da inocncia: A situao inicial emque o heri se encontra, ignorante de suaspossibilidades e poderes, muitas vezes at mesmoequivocado quanto sua identidade.

    O chamado: Um fato novo, inesperado,perturbador, que tira o heri de seu mundo da

  • inocncia e revela todo um novo universo dedesaos, uma nova identidade, uma mudanaradical da autopercepo. Em geral, o chamadotraz consigo algum tipo de misso ou desao quedeve ser cumprido para que as promessas nelecontidas se realizem plenamente.

    A jornada e as provaes: Heri parte emresposta ao chamado, saindo do mundo dainocncia para cumprir sua misso. Segue-setodo tipo de teste, atribulao, perigo esofrimento. A cada uma dessas provaes,idealmente, algo novo sobre a real identidade doheri deve ser revelado, e ele deve descobrir umnovo poder, virtude ou fraqueza.

    A conquista do trofu: A misso cumprida, ochamado plenamente realizado. Heri o quedeveria ser, consciente de sua identidade epoderes.

    A volta para casa/Compartilhando asconquistas: Pode haver uma outra jornada deretorno em que questes pendentes soresolvidas. Fundamental que o heri passe

  • agora a se comportar como seu verdadeiro Eu,corrigindo falhas e eliminando problemas dopassado.

    No difcil ver que este o modelo exato datrama de Guerra nas estrelas (Star Wars) George Lucasfoi um dos primeiros discpulos de Campbell atestar suas teorias na narrativa cinematogrca,comprovando com o enorme sucesso da srie quede fato a Jornada do Heri era um template perfeitopara criar novas mitologias. Longas de animao,que tambm trabalham na esfera da fbula, soassduos seguidores deste modelo, assim comolmes de fantasia como a srie Harry Potter e atrilogia O senhor dos anis.

  • RESTA AGORA DECIDIR COMO esta narrativa serconduzida. No cinema de co, tempo e prticamostraram que h dois caminhos bsicos:

    Narrativa conduzida pela ao ( ): a abordagem que Aristteles escolheria, seestivesse trabalhando como roteirista, hoje. EmPotica, nosso mestre e guia discorre extensamentesobre a importncia dos acontecimentos nanarrativa dramtica: como eles deveriam ser oscondutores do drama, restando aos personagens

  • reagirem a eles. A grande maioria dos lmescomerciais opta por este caminho emboranum bom roteiro os personagens estejamconstrudos por inteiro, com personalidades emundos interiores, o que acontece a eles quepe a trama em movimento: o escritor eaventureiro T.E. Lawrence emerge completo econtraditrio no roteiro de Michael Wilson eRobert Bolt para Lawrence da Arbia (David Lean,1962), mas sua ida para o Oriente Mdio, seuencontro com os lderes tribais, o deagrar daPrimeira Grande Guerra e sua participao nelaque impulsionam o lme, deixando-nos sempreinteressados em ver como ele reagir a cada novofato, o que acontecer com ele, que escolhas far.Neste tipo de roteiro, so essenciais o controle daestrutura e o uso sbio dos plot points osmomentos cruciais de acontecimento ao longodo lme. Esse estilo tpico do cinemaamericano de mercado e de boa parte daproduo internacional, principalmente a partirdos anos 1980.

  • Narrativa conduzida pelos personagens( ): Nesta opo, no o queacontece aos personagens que importa quemeles so, quais suas motivaes interiores, orelacionamento com o mundo sua volta e comos demais personagens. Na verdade, num lmeconduzido pelos personagens, muito poucoacontece em Gritos e sussurros (Ingmar Bergman,1972), uma mulher agoniza, cercada pela famliaimediata; em Sem destino (Dennis Hopper, 1969),dois amigos atravessam os Estados Unidos demoto, movidos largamente a maconha; em Juno(Jason Reitman, 2007), uma adolescente sedescobre grvida e decide entregar o beb paraadoo. Nem por isso deixamos de seguir cadamomento destas odisseias ntimas, pessoais, se oroteiro bom e nos oferece sucientes janelaspara o universo interior dos personagens, e nos da opo de conhecer indivduos realmentenicos, complexos, interessantes, fascinantes.Neste tipo de narrativa, a backstory o passado dopersonagem at o momento em que a histria do

  • lme comea essencial, e o autor precisaconhecer e controlar todos os detalhes dapersonalidade de suas criaturas. A narrativacharacter driven dominante no cinema europeu, nasobras da chamada Gerao Nova Hollywood dosanos 1960-70 e no cinema independente norte-americano a partir do final dos anos 1980.TEORIA E PRTICA CRIARAM um repertrioespecco de recursos e atributos da narrativacinematogrca. So os ossos e os truques doofcio que, se descobertos, do uma novaqualidade nossa experincia de assistir.

    Suspenso da descrena: O resultado mximoda lei da probabilidade suspender nossadescrena. Uma narrativa convicta de si mesma,com impecvel lgica interna, sustenta qualquerabsurdo, qualquer voo da imaginao. O lmeque realmente nos envolve e dialoga conosco oque sobrepuja nosso ceticismo e deixa-segovernar por suas prprias regras.

    Quarto muro: O lme deve ser uma entidadeem si mesma, independente do nosso olhar e

  • indiferente a ele. Um mundo contido nelemesmo, que no sabe que est sendo visto. Fazerum personagem quebrar este quarto muroinvisvel, entre tela e plateia, e dirigir-sediretamente a ns uma audcia que deve sercuidadosamente medida. Quando bem-usada,ns achamos divertido e surpreendente. Emexcesso e na hora errada, extremamenteirritante.

    : Imaginar, esboar e, em muitoscasos, escrever detalhadamente o passado dospersonagens antes do incio da trama umrecurso de grande utilidade para roteirista,diretor e elenco. Elementos desse passadoinformam a reao dos personagens, explicamtraos de sua personalidade e podem ou nopontuar a trama, em referncias claras ou sutis(uma foto sobre a mesa, um objeto de usopessoal, uma expresso muitas vezes repetida).Atores treinados pelo mtodo, como SeanPenn, Al Pacino e Robert De Niro, usam backstoriesdetalhadas como ferramenta para ancorar a

  • veracidade do personagem e muitas vezescomplementam as anotaes de roteiristas comsuas prprias pesquisas.

    : Talvez o recurso mais poderosoe menos notado do roteiro, o foreshadowing(literalmente, sombreamento antecipado) umelemento tipicamente cinematogrco, denotvel ecincia. Foreshadowing mostrar antes, deforma simples ou resumida, algo que ser deenorme importncia mais adiante, no clmax ouna resoluo da trama. um modo do roteiristanos treinar a ver, nos educar na percepodaquilo que ele escolheu como essencial para ahistria. Em Onde os fracos no tm vez, por exemplo, osirmos Coen nos mostram vrias vezes como oassassino, Anton Chigurh (Javier Bardem), usaum compressor de ar no apenas como armamortal, mas tambm como eciente mtodopara abrir fechaduras e trancas. Numa sequnciaessencial do lme, quando o Llewellyn de JoshBrolin est acuado num hotel da fronteira, ns,na plateia, sabemos antes dele quem o est

  • perseguindo, simplesmente ao ver o ferrolho daporta saltar com um golpe de ar comprimido.Mais que isso nesta simples imagem, temosimediatamente toda a realizao do perseguidorimplacvel e cruel que est atrs do protagonista.

    : Uma histria que pode ou no terrelao com o resto do lme, e que serve demoldura para o resto da trama. Por exemplo, emSin City, a histria entre uma mulher e um homemna cobertura de um arranha-cu abre e fecha anarrativa sem ter nada em comum com ela a noser o estilo e o ambiente. Em Babel (AlejandroGonzlez Iarritu, 2006), a histria do rie e dosmeninos nas montanhas do Marrocos pode servista como o bookend das outras tramas. Quandou m bookend est ligado, ainda que sutilmente, narrativa principal, ele tambm pode serchamado de framing device, a moldura que serve debase trama ou s tramas. Em Quem quer ser ummilionrio? a deteno e a tortura de Jamal so amoldura de toda a histria, do seu passado e decomo ele se conecta ao programa de TV.

  • : Um elemento dopassado (flashback) ou do futuro (flashforward) datrama revelado, sob a forma de lembrana,especulao ou simplesmente como umainterferncia na narrativa presente. umrecurso poderoso quando usado sabiamente, eque a plateia conhece bem. Conduta de risco (ToyGilroy, 2007) comea com uns bons quinzeminutos de flashforward: a empresa frentica nacalada da noite, a ligao para Michael Clayton(George Clooney) e sua atribulada jornada pelaestrada campestre so incidentes que ocorreramquatro dias depois da narrativa principal que, emordem direta, ocupa a maior parte do lme.Tanto Cidado Kane (Orson Welles, 1941) quantoEntrevista com o vampiro (Neil Jordan, 1994) e J. Edgard(Clint Eastwood, 2011) usam o flashback do mesmomodo: como um artifcio para enquadrar anarrativa principal. No primeiro, a busca dosignicado de rosebud, a ltima palavra doprotagonista Kane (Orson Welles), leva ao flashbackde sua vida; nos outros dois, so os prprios

  • protagonistas, Louis (Brad Pitt) e Edgar Hoover(Leonardo DiCaprio) que, de um ponto nopresente, narram suas vidas no passado.

    : O equivalente s falsas pistas de umlivro policial ou s elaboradas manobras de ummgico, o McGuffin um elemento, em geral umobjeto, colocado na trama propositalmente paranos distrair. Quando o verdadeiromistrio/intriga/perigo revelado, ele adquireum impacto ainda maior porque passamos umbom tempo seguindo a pista falsa do McGuffin.Bons roteiristas divertem-se imensamentecriando elaborados McGuffins para deleite nosso edeles mesmos. Em Pulp Fiction, Quentin Tarantinonos faz seguir o tempo todo uma pasta pela qualas pessoas aparentemente esto dispostas a matarou morrer, e cujo contedo nunca bem-esclarecido (tpico McGuffin). Em Ronin (1998),David Mamet, reescrevendo substancialmente oroteiro de J.D. Zeik, faz grande alarde daimportncia de uma maleta de metal que trocade mos s custas de muitos tiros, perseguies e

  • exploses e que no a parte essencial datrama.

    : Grandes cenas escritasexpressamente para ancorar a ao emdeterminados momentos, enfatizando pontos-chave da evoluo do protagonista. So osmomentos de encher os olhos a carga sobreAkabah em Lawrence da Arbia, o incndio de Atlantae m ...E o vento levou (Victor Fleming, 1939), aretirada de Dunquerque em Desejo e reparao (JoeWright, 2007). Gladiador tem pelo menos trs setpieces, dando o tom de cada um de seus atos: abatalha de inverno na Germnia, o primeirocombate no Coliseu de Roma e o enfrentamentonal entre Maximus (Russel Crowe) e oimperador Commodus (Joaquin Phoenix).

    QUEM McGUFFIN?

  • Alfred Hitchcock foi a primeira pessoa ase referir ao objeto como recursonarrativo como McGuffin. Na longa emaravilhosa srie de entrevistas aFranois Truffaut, em 1966, Hitchcockreferencia a origem da palavra a umapiada escocesa. Dois homens seencontram na cabine de um trem e umpergunta ao outro:

    O que aquele pacote que voccolocou ali em cima?

    O outro, um escocs, responde:

    um McGuffin.

    O que isso? quer saber o outro,admirado.

    uma armadilha que usamos paracaar lees nas montanhas da Esccia responde ele, calmamente.

    O outro aceita momentaneamente a

  • resposta, observando o pacote comcuriosidade durante algum tempo. Atque cai em si:

    Mas no existem lees nasmontanhas da Esccia!

    Exatamente retruca o escocs comum suspiro, ajeitando-se para um cochilo. O McGuffin , precisamente, nada.

    Pode ser uma piada verdadeira, mas, setratando de Hitchcock, capaz de ter sidoalgo que ele tenha inventado na hora,apenas para divertir Truffaut. Em suabiografia The Life of Alfred Hitchcock: The Dark Side ofGenius (1983), Donald Spoto atribui aoingls Angus MacPhail, amigo deHitchcock e roteirista de seu Quando fala ocorao (1945), a inveno do termo.

    Exposio: Exposio no apenas aexplicao inicial de onde estamos/quem somos

  • do primeiro ato. todo momento durante anarrativa em que algo precisa ser elucidado,informaes adicionais precisam ser passadas aopblico. Para um roteirista, este um dosproblemas mais difceis de resolver. A sada maisbvia e mais usada simplesmente fazer um oudois personagens discorrerem sobre o assunto emquesto pode ser incrivelmente tediosa e, emmuitos casos, destruir o ritmo da narrativa, comosabe qualquer pessoa que no se levantou dapoltrona durante os quase 15 minutos em queIan McKellen discursa sobre Maria Madalena,Leonardo da Vinci e o Santo Graal em O cdigo DaVinci (Ron Howard, 2006). Um dilogoentrecortado por ao, como o que explica quem o cyborg assassino de O Exterminador do Futuro (JamesCameron, 1984), uma boa sada, iluminando anarrativa sem esgotar a pacincia da plateia.UM ROTEIRO A PLANTA BAIXA de um grandeedifcio feito de luz e imagens em movimento.

    Construir este edifcio o trabalho de umaequipe de dezenas at mesmo centenas de

  • pessoas, idealmente anadas e integradas comouma orquestra sinfnica, sob o comando de ummaestro: o diretor.

    De posse de um roteiro, escrito por ele mesmoou por outro prossional, o diretor comea apensar dramtica e visualmente. O que, no texto,pode ser uma nica fala J terminei!, a frasenal de Sangue negro (Paul Thomas Anderson,2007) ou uma simples descrio O carrode Duffy desacelera at parar no meio da rua, nacena que encerra Chinatown pode serinterpretado, visto, revisto, ampliado, fotografadode maneiras quase infinitas.

    Este o atributo, o mandato do diretor:transformar ideias expressas em papel em umanarrativa dramtica manifestada no ao vivo,mas atravs do medium do cinema, que permitetoda maneira de captao e manipulao do que visto.

    Para realizar esta obra, o diretor atuasimultaneamente em trs frentes:

    Dramtica. O trabalho de escolher os atores

  • principais e coadjuvantes, por si s, j deneo tom do lme e proporciona a primeiraoportunidade para encarnar a narrativa deacordo com a viso do diretor. Francis FordCoppola, nos anos 1970 e 1980, foiresponsvel pelo lanamento de diversascarreiras notveis, que, por sua vez, deram otom certo de seus lmes pensem em AlPacino, Robert de Niro, Martin Sheen, TomCruise, Mickey Rourke, Matt Dillon, PatrickSwayze, Laurence Fishburne, Nicolas Cage(seu sobrinho). Ele diz que a escolha doelenco representa 80% do sucesso criativo deum filme. Fellini dizia que todo o trabalho deimaginar um lme, escrever um roteiro, era,para ele, muito vago at o momento deescolher os atores. Ao dar rostos e corposquilo que voc imaginou as escolhas setornam nais, denitivas. Nada mais vago o lme passa a ser real. Ao desaar aconveno da poca e escolher SigourneyWeaver para o papel de Ripley (escrito para

  • um homem) em Alien, o oitavo passageiro, RidleyScott deu toda uma outra textura aopersonagem e sua trajetria, propondo umngulo a ferocidade de mes com suascrias que seria levado ao extremo no lmeseguinte da srie, Aliens (James Cameron,1986). Escolhido o elenco essencial, diretor eatores estabelecem seu plano de trabalho, quepode ir da preparao extrema comocinas de imerso, aprendizados de talentosespeccos, convivncia com os modelos paraseus papis etc. ao completo improviso,deagrado a partir de um mergulho profundona estrutura psicolgica e na histria pessoal(no cinema norte-americano recente, FrancisFord Coppola est na primeira categoria;Robert Altman, na segunda).

    Visual: Atores e diretor colaboramintensamente tambm na criao daaparncia de seus personagens e no modocomo eles interagem com o ambienteelaborado para o projeto. Veremos mais sobre

  • esta etapa do processo no prximo captulo,mas aqui, com o roteiro em movimento,que diretor, diretor de arte, gurinista emaquiador, juntamente com o elencoprincipal, criam o mundo no qual se dar atrama.

    Fotogrfica. Com o diretor de fotograa, odiretor decupa o lme sequncia porsequncia, cena a cena e tomada a tomada. Ograu de detalhe desta etapa do trabalhotambm varia muito de cineasta para cineasta William Friedkin registrou praticamentetodo o seu Operao Frana (1971) em pedaos depapel com notas e rabiscos, caticos paraqualquer pessoa exceto ele. Sam Peckinpahfazia a mesma coisa, s que direto no roteiro.J Martin Scorsese, desde seu primeiro longa,desenha do prprio punho os storyboards queorientam a criao de cada cena.

  • ALGUMASSUGESTES: Aplique as quatro perguntas por que

    estou vendo estas imagens, e no outras?Por que estou vendo as imagens destaforma? Por que estou vendo nestaordem? Por que estou ouvindo ou noouvindo palavras, sons, rudos, msicas? a alguns de seus filmes favoritos.

    Faa listas de lmes que voc conhecede acordo com seu gnero e tipo denarrativa.

    Tente identicar os trs atos e seuspontos importantes em lmes que vocconhece.

    Escolha dois ou trs lmes diferentes ecompare como eles expem suatrama: como so suas primeiras imagens

  • e o que elas dizem a voc? Leia roteiros e compare com os

    resultados nais, na tela: como cadafrase foi transformada em imagens?

    Ou seja: o lme transforma-se de texto emnarrativa visual aqui, antes mesmo que setssejam construdos, locaes escolhidas eequipes contratadas. De uma forma ou deoutra de sonhos, como Fellini e JamesCameron; memrias, como Truffaut eSpielberg; livros, documentrios, pilhas denotinhas guardadas em gavetas, como WoodyAllen; lmes de outros criadores, comoScorsese e Tarantino grandes diretores tmum arsenal de informao visual estocada emalgum lugar de sua mente, que vem tonaem resposta ao chamado do texto.

    A alquimia que se d depois pode serdescrita, mas nunca realmente explicada.

  • 3. O imprio dos sentidos: criando mundos com luz, sombra e cor

    3. O IMPRIO DOSSENTIDOS: CRIANDO

    MUNDOS COM LUZ,SOMBRA E COR

    Num filme estamos contando uma histria comluz e

    sombra, cores e movimento. aqui queencontramos o

    verdadeiro significado do que estamos fazendo.Vittorio Storaro, diretor de fotografia

  • A RESPOSTA ESSENCIAL S QUATRO PERGUNTAS quepropusemos no captulo anterior muitosimples: nada do que est na tela, em momentoalgum, gratuito ou por acaso; tudo o que estna tela, a qualquer momento, tem uma razo deser.

    Ou pelo menos deve ter erros acontecem,acidentes tambm. A diferena entre um erro eum acidente est na ateno da equipe e,principalmente, na viso precisa do diretor,capaz de separar o que o acaso coloca no seucaminho para atrapalhar ou melhorar seuconceito original. O gatinho que aparece no colode Marlon Brando logo na sequncia inicial de Opoderoso chefo foi um acidente: as cmeras estavamrodando, e Brando, imbudo do personagem deDon Corleone, ouvia as queixas de Bonaseraquando o gato, de origem desconhecida,simplesmente entrou em cena, quem sabeatrado pelo calor das luzes e pela promessa deum colo bem-estofado. E, interessantemente,nem Brando se assustou e saiu do papel, nem

  • Coppola mandou cortar pelo contrrio,deixou que o felino e o ator se entendessem,numa troca de gestos e olhares que acrescenta cena uma curiosa dimenso domstica, informal,um contraste a mais ao tema explosivo dodilogo entre Corleone e Bonasera violncia ea promessa de mais violncia, fora da lei.

    Uma parte do impondervel na alquimia dofazer cinema est entre saber onde o rigor dapreparao profunda pode abrir espao para oimproviso do acaso.

    Com toda a importncia do texto como plantabaixa da construo de um lme, ele essencialmente um medium visual. Idealmente, umlme deve comunicar-se conosco pelo poder desuas imagens cada quadro pensado para obterum determinado efeito sobre nossos coraes enossas mentes. Sem mencionar as grandes obrasmudas do incio do cinema Nosferatu, Metrpolis,Tempos modernos , lmes recentes mostram que odilogo pode ser completamente secundrioquando o poder das imagens est em seu apogeu:

  • Assdio (Bernardo Bertolucci, 1998), Nufrago(Robert Zemeckis, 2000), Habana Blues (BenitoZambrano, 2005).

    Dois departamentos ligados diretamente aodiretor so incumbidos da misso de criarplenamente, na tela, o princpio de que nada doque est ali, em momento algum, gratuito oupor acaso; tudo o que est na tela, a qualquermomento, tem uma razo de existir: oDepartamento de Arte e o Departamento deFotografia.O LDER DO DEPARTAMENTO DE ARTE o productiondesigner, o desenhista de produo. No incio docinema, esse papel cabia ao diretor de arte, e,ainda hoje, em produes menores, o diretor dearte acumula as duas funes: criar, com odiretor e o diretor de fotograa, a expressovisual, o look do lme, e conceber e coordenara execuo de cenrios. Em grandes produes,os papis esto divididos, com o diretor de artecuidando da realizao de cenrios e preparaode locaes e reportando ao desenhista de

  • produo, responsvel pela viso geral, o lookdo projeto.

    MAS QUEMGANHA O OSCAR?Ironicamente, quem recebe o ttulo dediretor de arte, compartilhado com quemdecora os cenrios, o set dresser. O primeiroOscar para esse ofcio foi entregue em1928, com o ttulo Decorao deInteriores. Em 1940 o prmio paradecorao de interiores foi dividido emdois: Filmes em preto e branco eFilmes a cores. Em 1947, aindadividido em duas categorias, o prmiopassou a se chamar Direo de Arte e,como at hoje, atribudo ao diretor dearte e ao decorador do set. Em 1957, oOscar para Melhor Direo de Arte

  • passou a ser um nico prmio entregue aesses dois prossionais,independentemente de o lme sercolorido ou em preto e branco.

    Cabe ao desenhista de produo/diretor de arte: Encontrar a expresso visual (look) do

    filme. Quando um diretor l ou escreve umroteiro, uma srie de imagens, memrias eemoes vem sua mente. Grande parte delad ao diretor o clima visual, a atmosfera, oambiente em que seus personagens vivero eque devero compartilhar conosco, na plateia.Frequentemente ele as expressa em palavrasrepletas de carga emocional, mas vagas: cru,urbano, onrico, luxuoso, austero,claustrofbico, por exemplo. Como isso seexpressa em termos prticos, na realizao decenrios, na escolha das locaes, no desenhodos figurinos?

    Criar metforas visuais. Um dos elementos

  • mais poderosos do cinema como elemanifesta diante de nossos olhos aquilo quetodas as noites nosso crebro cria para nsenquanto dormimos. Quem no passou poruma situao aparentemente sem sada esonhou que estava num beco, ou numa salasem portas ou janelas? Quem, no meio deuma grande crise existencial, no sonhoucom ondas gigantescas desabando sobre suacabea? Quem, num momento deinsegurana ou ansiedade, no se viu nu nomeio da rua ou no ambiente de trabalho? Equantas vezes no vimos essas mesmasimagens, ou variaes delas, em cenas delmes? O heri encurralado num beco, amocinha aita debaixo de uma cama, vendoapenas os ps dos bandidos Essas imagensso metforas visuais, tradues literais deexpresses como estou atolado, eu mesinto sufocado por esse problema, notenho sada. Trabalhando com o diretor e odiretor de fotograa, o desenhista de

  • produo/diretor de arte deve materializaressas metforas.

    Criar as atmosferas do lme. Nem mesmolmes que seguem um nico gnero ao p daletra mantm um clima uniforme em toda asua durao. Adequar a linguagem visual aosdiferentes momentos emocionais do lme tarefa do desenhista de produo/diretor dearte. Em Peixe grande e suas histrias maravilhosas (TimBurton, 2003), h uma qualidade de imageme de cenrio muito diferente entre as cenas dopersonagem de Bill Crudup e de seu pai jidoso, Albert Finney, e as sequncias dashistrias que o mesmo pai conta: nasprimeiras impera o realismo, a sensao dedomesticidade; nas segundas, tudo sonho,imaginao, fantasia.

    Estabelecer os pontos principais dacaracterizao dos personagens e como osambientes se relacionam com os personagense a narrativa. Tudo o que compe a aparnciafsica e o universo habitado pelos personagens

  • deve nos dizer quem eles so antes mesmoque eles digam uma frase. Assim que vemos atownhouse do personagem de Hugh Grant emUm grande garoto (Chris e Paul Weitz, 2002),sabemos que ele um solteiro convicto e deposses: todo o ambiente luxuosamenteaustero e imaculado, sem a baguna decrianas ou toques frescos de uma presenafeminina; sobressaem-se os mveis em couro,as superfcies em ao polido e vidro, tudo frio,de bom gosto, de aparncia cara e poucoprtica se aquela fosse uma casa habitada poruma famlia.

    ALGUMASMETFORASVISUAISGUA/MERGULHAR NA GUA/EMERGIR DAGUA: Renascer, assumir uma nova

  • personalidade, lavar culpas do passado.Por exemplo: Jason Bourne no rio, emManhattan, ao nal de A supremacia Bourne(Paul Greengrass, 2004).

    CHUVA/SER LAVADO PELA CHUVA: A forado destino, e tambm puricao,exorcismo do passado. Por exemplo: abatalha nal de Os sete samurais (AkiraKurosawa, 1954), na qual os camponesese seus protetores mudam seu destino eresgatam (com sacrifcio) sua dignidade,se d inteiramente debaixo da chuva.

    OBJETOS CAINDO DO CU: Catstrofe,destruio, a Mo do Destino (como noarcano A Torre do Tar). A chuva de sapos emMagnlia (Paul Thomas Anderson, 1999) uma referncia bblica s sete pragas doEgito. A chuva de papis e detritos que osmonstrengos de Guerra dos mundos (StevenSpielberg, 2005) deixam em seu caminho uma referncia muito precisa da mesma

  • chuva sinistra no ataque s TorresGmeas, no 11 de Setembro.

    DESCER AO PORO: Investigar oinconsciente, retrair-se, esconder os reaisproblemas num plano inferior deconscincia. Por exemplo: em A noite dosmortos-vivos (George Romero, 1968), ossobreviventes suspeitos so sempreencerrados no poro da casa. E ondeNorman Bates nalmente esconde a mequando as coisas esquentam em Psicose(Alfred Hitchcok, 1960)?

    VOAR: Orgasmo, extremo prazer,liberdade, poder absoluto. Quando oSuper-Homem nalmente ganha LoisLane em Superman O lme (RichardDonner, 1978), os dois voam juntos. Todavez que o personagem de Jonathan Prycese sente acuado no mundo sem sentido deBrazil (Terry Gilliam, 1985), ele tambmvoa.

  • GRANDES MQUINAS: Opresso, abusos, opoder absoluto do Mal contra o Bem.Chaplin sendo tragado pelas engrenagensda fbrica em Tempos modernos (CharlesChaplin, 1936) ecoa o Moloch/Fbrica deMetrpolis (Fritz Lang, 1927). A fragilidadedo poltico, a p, sendo perseguidoincansavelmente por um automvel em Z(Costa Gavras, 1979) um antecedentedo pequeno carro vermelho diante dogigantesco caminho de Encurralado (StevenSpielberg, 1971) e no vemos nenhumdos dois motoristas, assim como novemos quem controla as mquinasdevoradoras.

    E quando nalmente vemos o dono da casa,nossa impresso conrmada antes mesmoque possamos prestar ateno ao seumonlogo: ele no tem um cabelo fora dolugar, suas roupas so simples, em tons

  • neutros (inuncia feminina zero), bem-cortadas, de tecidos de qualidade. Emcompensao, assim que vemos o menino esua me (vividos por Nicholas Hoult e ToniCollette), sabemos que eles habitam oextremo oposto desse espectro existencial:suas roupas mal-acabadas e vagamenteexticas tm todo o jeito de terem sido feitasem casa, seguindo padres tnicos de outrasculturas. Cada um uma esfera concentradade cores, texturas e os naturais, indicandoum estilo de vida neo-hippie, ecologicamentecorreto, com bem menos recursos do que osolteiro de Grant. Ao vermos a casa dafamlia, nossa impresso se conrma: tudo cheio de plantas, cores diferentes, artesanato;uma atmosfera de caos impera, mostrandocomo a me estressada e deprimida de ToniCollette tem diculdade em lidar com suavida cotidiana, mas se mantm el a seusprincpios verdes. O desenrolar da trama deUm grande garoto nos conrmar tudo isso, dar

  • os comos e porqus e mostrar causas econsequncias. Mas a informao bsica nsapreendemos pelos cdigos visuais.

    O processo de transformar conceitos abstratosem signos visuais concretos um dos maisfascinantes de todo o processo de criao. Paraum diretor, especialmente um diretor roteirista, um momento altamente satisfatrio, em que ouniverso que ele imaginou aparece, literalmente,no mundo tridimensional.

    A colaborao entre um diretor e um diretor dearte/desenhista de produo uma das maisintensas e importantes de todo o processo, e porisso a maioria dos realizadores forma duplasconstantes com os mesmos prossionais: Fellinicom Danilo Donati, Scorsese com DanteFerretti, Bergman com Marik Vos-Lundh, osirmos Coen e Dennis Gassner.

    O Departamento de Arte, que se incumbe derealizar essa tarefa, assim organizado:

  • Cabe ao Departamento de Arte, em seusdiversos subofcios:

    Auxiliar o diretor na escolha de locaes.Uma locao sempre uma escolha arriscadaem termos de produo o que traz de corlocal e autenticidade ela apresenta tambmde riscos de todo tipo, de distrbios climticosa insurreies polticas. A possibilidade decenrios virtuais cada vez mais exatos edetalhados teria, por exemplo, salvo decontinuadas catstrofes as lmagens de

  • Apocalypse Now, vtimas de um tufo e de umaameaa de golpe de estado nas Filipinas, em1976. Ao mesmo tempo, a quase exasperanterealidade que envolve todo o lmepossivelmente se deve em grande parteexatamente a esses percalos, que to bemexemplicavam o drama subjacente histria: ocidentais descendentes do velhocolonialismo europeu perdidos numa selvatropical hostil.

    Vestir as locaes para adequ-las snecessidades do projeto. Muito rara alocao que se apresenta exatamente deacordo com as necessidades do roteiro e aviso do diretor. Cabe direo de artetransformar aquilo que foi encontrado emalgo nico, diferenciado os carros de tremusados em Viagem a Darjeeling (Wes Anderson,2007) so verdadeiras composies em uso nandia, mas foram totalmente repintados,decorados e adornados pelo diretor de arteMark Friedberg segundo o esquema visual

  • preciso e detalhado do diretor. Da mesmaforma, o mosteiro que abriga as sequnciasnais , na realidade, um antigo pavilho decaa da nobreza de Udaipur, inteiramenteredecorado por Friedberg.

    Conceber, desenhar e supervisionar aconstruo dos cenrios, de acordo com asespecicaes do diretor. A possibilidade decriar ambientes que sirvam precisamente snecessidades prticas e criativas do projeto uma das tarefas mais complexas egraticantes de uma produo. Um cenriodeve servir tanto s necessidades mais bsicasdas cenas permitir a movimentaosegundo a marcao do diretor e as propostasdo roteiro quanto criar o primeiro impactovisual que vai nos passar toda a cargaemocional da histria. Alm de tudo isso,cenrios devem acomodar, sempre, oshabitantes invisveis mas essenciais eonipresentes de todo set: a equipe,principalmente cmeras, microfones e seus

  • operadores. Um submarino, por exemplo, um dos cenrios mais difceis de construir:tubular, estreito, necessariamente hermticoe raramente disponvel no mundo real. EmCaada ao Outubro Vermelho (John McTiernan,1990) o desenhista de produo, TerenceMarsh, criou uma srie engenhosssima decenrios tubulares com placas removveis,que permitiam o acesso da cmera em trilhosou na mo sem violar a impressoclaustrofbica, essencial para um thriller desubmarino.

    A preciso esttica de um cenrio um doselementos mais eloquentes de um lme um ambiente vivo, repleto das ideias e dasmetforas visuais pensadas pelo diretor.

    Quando Stanley Kubrick enviou seudesenhista de produo Roy Walker emviagem de pesquisa por grandes hotis dosEstados Unidos, ele no queria reproduesis deste ou daquele: queria, como explicoua Walker, exemplos claros de banalidade e

  • de ambientes genricos, nos quais a descidaaos subterrneos da loucura do protagonistade O iluminado (1980) casse ainda mais terrvele clara, por contraste. Os magncos cenriosconstrudos por Walker nos gigantescosestdios Elstree, perto de Londres,reproduzem quartos e salas de um hotel noArizona, um resort no parque de Yosemite, naCalifrnia, e corredores de hotis sem nomede beira de estrada todos unidos numamesma viso esttica para se tornar olabirntico hotel Overlook do filme.

    Da mesma forma, quando Martin Scorseseexplicou a Dante Ferretti seu assduocolaborador no Departamento de Arte, emuitas vezes vencedor do Oscar como viaa Nova York do sculo XIX descrita por EdithWharton em seu livro A poca da inocncia, eleestava mais preocupado com paisagensemocionais do que fsicas. O mundo deopulncia da alta burguesia nova-iorquina nosanos 1880 era algo completamente distante

  • dele e de suas razes, como descendente deimigrantes italianos pobres, explicou ele; porisso ele via seu lme, baseado no livro, comum olhar detalhado sobre um mundo novo eestranho, onde os ambientes fossem umpouco maiores e mais luxuosos do que o real.E, de fato, um prazer a mais seguir o olharde Scorsese pela cmera de MichaelBallhaus, curioso e deslumbrado pelo mundodos ricos e atormentados de Inocncia.

    Um ambiente cinematogrco construdocom inteligncia, sensibilidade e criatividade, em todos os aspectos, um ambiente vivo. Ocastelo da Fera em A Bela e a Fera de JeanCocteau (1946), desenhado por Lucien Carre Christian Brard e decorado por Carr eRen Moulaert, uma caixa de Pandora desmbolos onricos to potentes que ainda soreferenciados e copiados mais de meio sculodepois (pense nos braos-candelabros equantas vezes eles foram vistos em lmesmuito menos ambiciosos que o de Cocteau).

  • A manso campestre onde Agnes/HarrietAndersson agoniza em Gritos e sussurros, deIngmar Bergman (1972), um labirintocheio de propsito, uma rplica em grandesdimenses do prprio corpo humano, em tonsde vermelho, com portas e corredores que seabrem uns para os outros. Na concepo deMarik Vos-Lundh, para a viso de Bergmanestamos na casa freudiana: dentro de nsmesmos, ltima fronteira para as questes devida e morte que o filme abraa.

    Estabelecer com o diretor de fotograa apaleta de cores do lme e suas variaesao longo da trama. Desejo do cinema desdeseu nascimento, conquistada em escalaindustrial na dcada de 1930 e transformadaem padro de produo na de 1950, a corexpandiu as opes de envolvimentoemocional que iluminao e textura jpropunham. Porque cada filme tem um tema,um tom emocional prevalecente, e tambmuma paleta especca de cores, empregada

  • em toda a sua extenso nos gurinos, noscenrios, na tonalidade da luz. umacombinao de decises tomadas muito cedono processo criativo, a partir de instruesespeccas do diretor, colocadas em prticapelo diretor de fotograa e pelo diretor dearte. O diretor de fotograa selecionar amelhor mdia celuloide, digital , asmelhores cmeras e lentes e o melhor modode iluminar cada sequncia para que a paletacumpra sua funo. Ao departamento de artecabe utilizar a paleta nos cenrios, trajes eobjetos de cena, coordenados com o climageral do lme e a temperatura emocional decada momento. A paleta em geral se restringea uma gama precisa de cores e tonalidades,explorada em suas variaes; por exemplo,tons de bala e doce para Maria Antonieta, de SoaCoppola (2006), uma referncia tanto suajuventude e sua frivolidade quanto ao amorpelas ptisseries que trouxe de sua nativa ustriapara a corte de Versalhes. Por contraste,

  • variaes de cinza, branco e preto para SweeneyTodd: o barbeiro demonaco da rua Fleet, de Tim Burton(2007), evocando tanto a monotonia opressivada Londres da Revoluo Industrial, afogadae m smog, quanto o absoluto vazio existencialdo personagem-ttulo, um homem de quemtudo foi tomado, restando-lhe apenas umaemoo monocromtica a vingana,representada no vermelho do sangue de suasvtimas e de sua cadeira de barbeiro.

    O vermelho de Sweeney Todd e de outrolme que usa o mesmo esquema de ausnciade cor, Fargo, dos irmos Coen (1996) representa a cor que propositalmente no seencaixa na paleta, que dela se destacadramaticamente para sublinhar momentosfortes, elementos importantes, grandesemoes. Em Moulin Rouge!, de Baz Luhrmann(2001), um verdadeiro estudo de tons devermelho, com pontuaes em preto ebranco, a cor-destaque o oposto dovermelho: o verde, que aparece na Fada de

  • Absinto para encarnar a inspirao, a loucura,o esprito bomio.

    Muitos l