Ana Paula Godinho - simelp2009.uevora.pt · sintagma nominal (SN). A variação é uma realidade...

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 24 – Aquisição de Português como segunda língua. 28 A AQUISIÇÃO DA CONCORDÂNCIA DE NÚMERO E A SUA RELAÇÃO COM A AQUISIÇÃO DA CONCORDÂNCIA DE GÉNERO: UM ESTUDO REALIZADO COM APRENDENTES CHINESES DE PORTUGUÊS L2 Ana Paula GODINHO 1 RESUMO Este trabalho estuda a aquisição da concordância de número em português por aprendentes de língua materna chinesa. Pretende-se determinar se as gramáticas dos aprendentes são sistemáticas através da descrição e análise de um conjunto de variáveis linguísticas e não linguísticas que se considera exercerem influência na variação da concordância de número dentro do sintagma nominal. Desta forma, torna-se possível identificar os contextos gramaticais em que os aprendentes usam as regras de concordância nominal e, consequentemente, prever as estruturas que vão apresentar as marcas de concordância de número. Considera-se que a marcação de plural no constituinte está relacionada com a marcação de género, isto é, se o género aparece marcado então maior é a probabilidade de existir concordância de número. O desempenho dos informantes é analisado em vários momentos da aprendizagem com o propósito de observar se o padrão de variação se altera de acordo com o nível de proficiência dos aprendentes, no processo de desenvolvimento da aquisição da L2. Parte-se do pressuposto que o processo de aquisição da concordância reflecte, por um lado, a influência de características tipológicas da língua materna dos aprendentes em causa e, por outro, a existência de factores de carácter universal, independentes da língua materna (L1) e da segunda língua (L2). O último objectivo é verificar até que ponto a variação reflecte ou não a aquisição de uma segunda língua de acordo com os princípios da Gramatical Universal (GU). O estudo combina aspectos da sociolinguística quantitativa para a determinação do peso relativo dos contextos intra e extra linguísticos na estruturação e desenvolvimento da interlíngua, com base no modelo variacionista aplicado à aquisição de segundas línguas por Bayley e Preston (1996) para a recolha, quantificação e análise de dados, e da Teoria dos Princípios e Parâmetros da Gramática Universal (CHOMSKY; LASNIK, 1993; CHOMSKY, 1995), para a explicação de aquisição da concordância nominal. Assume-se a perspectiva do acesso parcial à Gramática Universal (HAWKINS; CHAN, 1997) que prevê que a Gramática Universal não está totalmente acessível após o período crítico. Considera-se que a variação na concordância de número (e género) na interlíngua de aprendentes chineses de português L2 poderá estar relacionada com o facto de estes traços funcionais não existirem no cantonense. A base de dados para a análise é a produção oral de catorze aprendentes chineses que estudam português como língua estrangeira no Departamento de Português da Universidade de Macau. Os dados foram recolhidos em quatro momentos distintos durante um período de quatro anos e foram codificados e tratados através do suporte estatístico computacional – VARBRUL - (PINTZUK, 1988; 1 Universidade de Macau, FSH-Departamento de Português, Av. Padre Tomás Pereira, Taipa, Macau, China, [email protected].

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A AQUISIÇÃO DA CONCORDÂNCIA DE NÚMERO E A SUA RELAÇÃO COM A AQUISIÇÃO DA CONCORDÂNCIA DE GÉNERO: UM ESTUDO

REALIZADO COM APRENDENTES CHINESES DE PORTUGUÊS L2

Ana Paula GODINHO1 RESUMO Este trabalho estuda a aquisição da concordância de número em português por aprendentes de língua materna chinesa. Pretende-se determinar se as gramáticas dos aprendentes são sistemáticas através da descrição e análise de um conjunto de variáveis linguísticas e não linguísticas que se considera exercerem influência na variação da concordância de número dentro do sintagma nominal. Desta forma, torna-se possível identificar os contextos gramaticais em que os aprendentes usam as regras de concordância nominal e, consequentemente, prever as estruturas que vão apresentar as marcas de concordância de número. Considera-se que a marcação de plural no constituinte está relacionada com a marcação de género, isto é, se o género aparece marcado então maior é a probabilidade de existir concordância de número. O desempenho dos informantes é analisado em vários momentos da aprendizagem com o propósito de observar se o padrão de variação se altera de acordo com o nível de proficiência dos aprendentes, no processo de desenvolvimento da aquisição da L2. Parte-se do pressuposto que o processo de aquisição da concordância reflecte, por um lado, a influência de características tipológicas da língua materna dos aprendentes em causa e, por outro, a existência de factores de carácter universal, independentes da língua materna (L1) e da segunda língua (L2). O último objectivo é verificar até que ponto a variação reflecte ou não a aquisição de uma segunda língua de acordo com os princípios da Gramatical Universal (GU). O estudo combina aspectos da sociolinguística quantitativa para a determinação do peso relativo dos contextos intra e extra linguísticos na estruturação e desenvolvimento da interlíngua, com base no modelo variacionista aplicado à aquisição de segundas línguas por Bayley e Preston (1996) para a recolha, quantificação e análise de dados, e da Teoria dos Princípios e Parâmetros da Gramática Universal (CHOMSKY; LASNIK, 1993; CHOMSKY, 1995), para a explicação de aquisição da concordância nominal. Assume-se a perspectiva do acesso parcial à Gramática Universal (HAWKINS; CHAN, 1997) que prevê que a Gramática Universal não está totalmente acessível após o período crítico. Considera-se que a variação na concordância de número (e género) na interlíngua de aprendentes chineses de português L2 poderá estar relacionada com o facto de estes traços funcionais não existirem no cantonense. A base de dados para a análise é a produção oral de catorze aprendentes chineses que estudam português como língua estrangeira no Departamento de Português da Universidade de Macau. Os dados foram recolhidos em quatro momentos distintos durante um período de quatro anos e foram codificados e tratados através do suporte estatístico computacional – VARBRUL - (PINTZUK, 1988; 1 Universidade de Macau, FSH-Departamento de Português, Av. Padre Tomás Pereira, Taipa, Macau, China, [email protected].

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PAOLLILO, 2002). As variáveis testadas são as seguintes: (1) as variáveis dependentes: a presença ou ausência de marcas de número e de género nos constituintes do sintagma nominal; (2) a variáveis independentes: (i) saliência fónica, (ii) tonicidade, (iii) marcas precedentes, (iv) contexto fonológico posterior, (v) classe morfológica, (vi) função sintáctica do SN, (vii) posição em relação ao núcleo, (viii) posição no SN, (ix) traço semântico do SN, (x) determinante preposicionado, (xi) nível linguístico do informante, (xii) escolaridade, (xiii) educação pré-universitária, (xiv) contacto prévio com o português, (xv) estudo paralelo do português.

Introdução

A aquisição de uma segunda língua (ASL) caracteriza-se por ser um processo

altamente variável, particularmente no caso de aprendentes adultos. Um dos principais

problemas deste processo é a permanente inconsistência na produção de estruturas

correctas na língua que estão a aprender. Mesmo quando o nível de proficiência na

lingua-alvo é elevado, os aprendentes produzem formas desviantes e, quanto maior é a

distância em termos fonológicos, morfológicos e sintácticos entre a língua materna e a

língua-alvo mais difícil se torna o processo de aquisição da segunda língua.

Os aprendentes adultos chineses de Português L2, em Macau, manifestam

dificuldades persistentes na produção de formas morfológicas e de estruturas sintácticas

específicas, até em situações de exposição prolongada à língua portuguesa. Uma destas

constantes dificuldades é aquisição das regras de concordância de número e género no

sintagma nominal (SN). A variação é uma realidade notável na interlíngua destes

aprendentes: se em determinadas estruturas marcam a concordância de género e número

no SN, noutras já não o fazem como se pode ver através dos exemplos seguintes:

(1) Ai, as minhas tias discutiram muito. (Catarina N 0607)

(2) * alguns eh... lugar eh... são baratas. (José N 0607)

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(3) * As chineses também gostam de comprar esta coisas. (Joana G 0607)

(4) * As casas são muito velho e queria fazer outra edifício mais alto. (Lisa G 0607)

Neste trabalho, analisa-se a forma como aprendentes chineses de Português L2,

falantes nativos de cantonense, processam a concordância de género e número no SN. A

identificação dos aspectos da L2 em que os aprendentes manifestam dificuldades

persistentes torna possível a previsão dos desvios, permite aos profissionais de ensino

uma melhor compreensão do processo de aquisição e, consequentemente, abre caminhos

para orientar o aprendente nas diferentes fases de aquisição.

Em português, o género é uma categoria morfo-sintáctica com dois valores:

masculino e feminino. 2 O género é um traço lexical inerente nos nomes e os

determinantes e os adjectivos concordam com o nome.3 O mesmo acontece para número:

os determinantes (artigos, quantificadores, possessivos) e os adjectivos têm de

concordar em número com o nome.

(5) o/a gato/a cinzento/a

(6) os gatos cinzentos

No exemplo (5), o artigo definido (o/a) concorda com o nome (gato/gata) assim

como o adjectivo (cinzento/a). O exemplo (6) mostra que todos os constituintes têm de

possuir o morfema de plural –s. Além disso, apesar de em português as propriedades

morfo-fonológicas de alguns nomes revelarem se estes são do género masculino ou

feminino (a maioria das palavras que termina em –o é do género masculino e a maioria

das palavras que termina em –a é do género feminino), existe um considerável número

2 Cf. Mira Mateus et al. (2003). O valor masculino é assumido por defeito (op. cit., 2003, p. 927). 3 Nem todos os adjectivos admitem contrastes de género (por exemplo: simples, contente, feliz, etc.).

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de nomes que não dão qualquer pista em relação ao seu valor: a gente, o perfil, o cabaz,

o clima, etc.

O cantonense4 não possui o mesmo sistema de classificação do português. Nesta

língua, não existem flexões morfológicas para género e número. Como tal, não há um

sistema de concordância para estas categorias no sintagma nominal.5

(6) Gó sáam jek hóu dãkyi ge gáu-jái

DEM três CL6 muito giro LP7 cachorrinho

“Esses três cachorrinhos muito giros”

(7) Dí hohksáang hóu láahn ge

CL Estudante muito preguiçoso PRT8

“Esses estudantes são muito preguiçosos.”

A distinção entre masculino e feminino é feita através da introdução dos caracteres

macho ou fêmea para alguns nomes com traço semântico [+ animado]. Para os restantes

nomes com este traço semântico não existe género inerente e a interpretação semântica

dos dois valores é feita a partir do contexto. O valor plural é marcado através da

reduplicação de um classificador (go-go hohksáang /os estudantes), de um nome (yaht –

yaht / todos os dias) ou através do uso de quantificadores (dí (pl), dóu (todos), dó/síu

(muito/pouco) e numerais.

As dificuldades no controlo total do sistema de concordância estão associadas,

frequentemente, a uma incapacidade na aquisição de propriedades da L2 que não

existem na língua materna (MONTRUL, 2004, p. 77). O facto de o cantonense não

4 O dialecto cantonense é a língua materna dos informantes deste estudo. 5 Os exemplos foram retirados de Matthews & Yip (2004, p. 88-90). 6 Classificador. 7 Partícula de ligação. 8 Partícula.

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possuir traços de género e número pode constituir um obstáculo para a fixação desse

parâmetros na L2. A hipótese que se coloca, com base nos trabalhos de Hawkins &

Chan (1997), Hawkins (2001) e Hawkins & Franceschina (2004), é que os parâmetros

não activados pela língua materna dos aprendentes não estão acessíveis após um

determinado período crítico para a aquisição de segundas línguas.9 Esta perspectiva

(Failed Functional Features Hyphotesis - FFFH) pressupõe que existe um período

crítico que afecta a aquisição de algumas propriedades gramaticais, isto é, adultos que

aprendem uma língua estrangeira têm dificuldades na aquisição e uso de determinados

traços gramaticais que estão ausentes na sua língua materna.

O estudo de ASL requer, igualmente, a compreensão da variação linguística e da

natureza dos sistemas variáveis. A variação linguística está relacionada com múltiplas

causas (ROMAINE, 2003, p. 431). Assim, é importante identificar os possíveis factores

que estão subjacentes à variação e avaliar a contribuição relativa de cada um deles.

Assume-se, neste trabalho, que a variação na concordância em género e número entre os

constituintes do SN é condicionada por um conjunto de variáveis linguísticas

(BAYLEY, 1994; BAYLEY; PRESTON, 1996; YOUNG, 1991; 1993) .10 Desta forma,

9 De acordo com a “Local Impairment View” de Beck (1998), “advanced L2 learners, regardless of L1, should be unable to learn features of functional categories because these are impaired past a critical period” (cf. MONTRUL, 2004, p. 78). A hipótese da existência de um período crítico para a aquisição de línguas defende que “there is a specific and limited time period for language acquisition. The strong version of this hypothesis is that if a language is not learned by puberty the biological endowment which permits successful language acquisition will not be available. Thus the learner will have to use general learning mechanisms which are not designed for language acquisition and thus not as successful. (LIGHTBOWN & SPADA, 2003, p. 61, 173). Uma posição mais fraca desta hipótese defende que aprender uma língua depois da puberdade pode ser mais difícil porque os aprendentes não têm nem tempo nem motivação para dominar uma segunda língua (LIGHTBOWN & SPADA, 2003, p. 19). Lenneberg (1967) defende que a capacidade para desenvolver comportamentos normais e conhecimento em diferentes ambientes não permanece para sempre e as crianças que nunca aprenderam uma língua (por razões de surdez ou extremo isolamento) não estarão aptas para o fazer se essas privações durarem muito tempo. 10 “Interlanguage variation is likely to be subject to the influence of not one but multiple contextual influences. The question for the researcher is thus not which single factor is associated with variation but

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torna-se possível identificar os contextos gramaticais em que os aprendentes usam as

regras de concordância nominal. O desempenho dos informantes é analisado em três

momentos de aprendizagem com o propósito de observar se o padrão de variação se

altera de acordo com o nível de proficiência dos aprendentes.

Hipóteses

Com base em estudos prévios realizados para o português L1 e L2 sobre

concordância em número (GUY, 1981; SCHERRE, 1988; LOPES, 2001; BAXTER,

2004; GODINHO, 2005; GODINHO, 2008) e concordância em género (LUCHESI,

2000; GODINHO, 2008; MATOS, 2008), considerou-se, inicialmente, que 16 variáveis

linguísticas e não linguísticas exerciam influência sobre a presença ou ausência de

marcas de número e género no SN:

VARIÁVEIS INDEPENDENTES 1 Saliência fónica 2 Tonicidade 3 Marcas precedentes 4 Contexto fonológico posterior 5 Classe morfológica 6 Função sintáctica do SN 7 Posição em relação ao núcleo 8 Posição no SN 9 Presença ou ausência de traços de género e número 10 Traço semântico do SN 11 Determinante preposicionado 12 Nível linguístico do informante 13 Escolaridade 14 Educação pré-universitária 15 Contacto prévio com o português 16 Estudo paralelo do português

what the relative weight of the different factors associated with variation is.” (YOUNG; BAYLEY, 1996, p. 254).

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Tendo em conta a extensão de uma análise envolvendo todas estas variáveis, para o

presente trabalho foram avaliadas apenas as seguintes: (1) Saliência fónica, (2) Marcas

precedentes, (3) Posição em relação ao núcleo, (4) Classe morfológica, (5) Presença

ou ausência de traços de género e número nos constituintes do SN. Resumindo, as

hipóteses colocadas em relação à produção da concordância no sintagma nominal pelo

grupo de aprendentes testados são as seguintes:

Hipótese 1 – a saliência fónica. Os aprendentes terão mais tendência para marcar os

nomes irregulares por estes serem mais salientes do ponto de vista morfo-fonológico.

Por exemplo, os plurais de palavras que terminam em -l, em -r, em -s e em –ão, como

pastel/pastéis, par/pares, país, países, pão/pães, que estão sujeitos a alternâncias

fonéticas e silábicas na formação do plural, ostentarão mais marcas de plural porque

“they are louder, longer and perceptually more distinctive” (GUY, 1981, p. 139). As

palavras menos marcadas serão as formas regulares que recebem apenas um -s final. O

mesmo se prediz para o género: as formas regulares são menos marcadas do que as

irregulares.11

Hipótese 2 – as marcas precedentes de número e género. A existência de marcas

precedentes de número constitui factor inibidor de marcação no item seguinte, isto é, os

itens são menos marcados se os outros elementos do SN que os precedem (numerais,

quantificadores, determinantes) apresentam marcas. De acordo com Scherre (1988,

p.180), o plural –s pode ser inserido apenas num dos constituintes do SN porque uma

11 Cf. Princípio da Saliência (NARO & LEMLE, 1976).

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marca é suficiente para transmitir a ideia de pluralidade.12 O mesmo se pressupôs para a

marcação de género.

Hipótese 3 – a posição em relação ao núcleo do SN. Com base nos trabalhos de

Scherre (1988), Lopes (2001) e Baxter (2004, 2009) para número e Lucchesi (2000)

para género, assume-se que os constituintes antepostos ao núcleo são mais marcados

dos que os constituintes em posição posposta. A adjacência à esquerda do núcleo é um

factor altamente favorecedor da marcação da concordância porque a informação

relevante para número e género no SN já está explícita nos constituintes anteriores.

Hipótese 4 – a classe gramatical. Esta hipótese relaciona-se directamente com a

anterior: todas as classes gramaticais em primeira posição recebem mais marcas de

género e número. Seguindo os trabalhos de Guy (1981), Scherre (1988) e Lucchesi

(2000), as classes gramaticais mais marcadas são, assim, os artigos, os quantificadores,

os indefinidos e os possessivos por ocorrerem numa posição anteposta ao núcleo. As

restantes classes serão, tendencialmente, menos marcadas.

Hipótese 5 – a interdependência flexional no âmbito do SN - A presença ou ausência

da marcação do valor de género condiciona a marcação de número no SN e vice-versa.

Quando os constituintes não apresentam marcação de género, menor é disseminação das

marcas de plural entre os elementos do SN.13 Esta variável foi analisada por Lucchesi

(2000), tendo chegado à conclusão que existe correlação na marcação de ambos os

traços.14

12 Scherre (1988, pp. 181-182) observou, igualmente, que existe uma tendência para marcar o plural em todos os constituintes quando já existem duas ou mais marcas precedentes. 13 Os traços de género e número estão dentro do mesmo nó funcional e a aquisição de um pode implicar a aquisição do outro. 14 “Quando o falante realiza plenamente a concordância de número como um todo, ele aplica categoricamente a RCG (Regra de Concordância de Género).” (LUCCHESI, 2000, pp. 140-142).

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A análise

1. Os sujeitos analisados e a metodologia para a recolha de dados

Os informantes testados são 17 adultos, entre os 20-23 anos, falantes nativos de

cantonense, alunos do Curso de Estudos Portugueses da Universidade de Macau. Os

informantes iniciaram o estudo de português na idade adulta. Por outras palavras, foram

expostos à aprendizagem da língua no período pós-puberdade, presumidamente depois

do período crítico para a aquisição de segundas línguas. Foram testados três momentos

de aquisição. O tempo de exposição à língua portuguesa foi de cerca de 560 horas, no

primeiro momento, 840 horas no segundo momento e 1.120 horas no terceiro momento.

Foram observadas transcrições da produção oral semi-espontânea em português destes

aprendentes. O método de recolha de dados consistiu de entrevistas orais. Nas

entrevistas, foram realizadas duas tarefas: uma conversa informal e a descrição de uma

imagem. Ambas as tarefas foram gravadas e, posteriormente, transcritas e verificadas

por dois falantes nativos. Os dados foram levantados e codificados para número e

género. O quadro seguinte apresenta o número total de dados:

Número de dados Número de dados MOMENTO

NÚMERO GÉNERO

1 639 806

2 1.337 2.147

3 1.721 2.889

Total 3.697 5.842

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A quantificação dos dados e a respectiva análise foram realizadas através do

conjunto de programas GOLDVARB X, desenhado por Sankoff, Tagliamonte & Smith

(2005).15

2. Resultados

2.1. Número

As cinco hipóteses provaram ter sido relevantes. A Hipótese 3 - posição em

relação ao núcleo do SN – foi confirmada pela análise somente no Momento 3. O

quadro (1) apresenta os resultados relativos à Hipótese 1 – Saliência fónica:

15 Na análise de grandes números de dados, este conjunto de programas calcula pesos relativos das variáveis independentes sobre a variável específica em análise, isto é, a variável dependente, permitindo perceper de forma precisa as realizações possíveis dessa variável.

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Quadro 1: Saliência fónica 16

MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3 Significance = Log likelihood =

Significance = 0.000 Log likelihood = -340.901

Significance = 0.261 Log likelihood = -644.931

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Regular – filho/s 1111/1221 91.0 0.518 1343/1566 85.8 0.503 Regular – irmão/s ----- ----- ----- 7/9 78.8 0.262 19/26 73.1 0.264 Irregular – possível/ veis ----- ----- ----- 12/20 60.0 0.077 ----- ----- ----- Irregular – país/países ----- ----- ----- 51/57 96.2 0.539 18/21 85.7 0.456 Irregular – par /pares ----- ----- ----- ----- ----- ------ 40/46 87.0 0.482 Irregular – pão/pães ----- ----- ----- 2/3 66.7 0.087 ----- ----- ----- Plurais metafónicos – ovo/ovos

----- ----- ----- ----- ----- ----- 24/26 92.3 0.637

Total ----- ----- ----- 1183/1311 90.2 1444/1685 85.7

No Momento 1, a variável Saliência Fónica foi rejeitada na análise estatística e,

como tal, não foi confirmada.17 Os resultados do Momento 2 determinaram que as

palavras mais salientes do ponto de vista morfo-fonológico (pão/pães, possível/

possíveis, irmão/irmãos) inibem a marcação. As palavras com formação de plural

regular revelaram um peso probabilístico neutro em ambos os momentos (Momento 2:

pr.= 0.518 e Momento 3: 0.50.3). As palavras como país/países e os plurais metafónicos

manifestaram uma tendência relativa para transportarem marcas, embora esta tendência

não seja significativa no Momento 2 (Momento 2: pr.= 0.539 e Momento 3: pr= 0.637).

O quadro (2) apresenta os resultados da Hipótese 2 – marcas precedentes:

16 Os quadros devem ler-se da seguinte maneira: O número total de itens marcados seguido do número total de dados (ex: Momento 2 - 1111/1221), seguidos da percentagem total de aplicação da regra (91%). O pr. (0.518) é o peso relativo dos diferentes factores. Os valores inferiores a 0.50 inibem a aplicação das regras de concordância. Os valores acima de 0.50 favorecem a aplicação das regras de concordância. 17 A maioria dos casos era de itens regulares (624) e apenas 15 casos de itens irregulares.

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Quadro 2: Marcas precedentes MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3

Significance =0.041 Log likelihood =-230.049

Significance =0.000 Log likelihood =-340.901

Significance = 0.000 Log likelihood = -653.186

STD

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Segunda posição com marca na primeira posição

232/270 85.9 0.470 479/509 93.9 0.449 590/672 87.8 0.510

Segunda posição sem marca na primeira posição

33/35 94.5 0.739 65/70 92.9 0.553 102/122 83.6 0.507

Terceira posição com duas marcas precedentes

16/21 76.2 0.640 60/63 95.2 0.882 38/47 80.9 0.432

Numeral em –s na primeira posição

5/7 71.4 0.251 50/54 92.6 0.420 17/22 77.3 0.32

Total 288/343 84.9 655/708 93.2 747/863 86.6

Os resultados demonstram que:

(i) Numa estrutura de dois constituintes (Det + N), a tendência é para marcar

apenas um dos elementos: se o elemento é marcado em primeira posição, há

propensão para não marcar o elemento subsequente (Momento 1, pr.= 0.470

e Momento 2, pr.= 0.449). No Momento 3, esta variável não foi seleccionada

e apresentou um valor neutro (pr=0.510) na análise stepdown.18

(ii) Um constituinte em segunda posição, sem marca na primeira posição,

apresenta mais marcas de plural do que na situação anterior (Momento 1,

pr.= 0.739 e Momento 2, pr.= 0.553). O Momento 3 revelou um valor neutro

(pr=0.507). Estes resultados indicam que existe inclinação para marcar

apenas um dos constituintes numa estrutura pequena. Em estruturas com

vários constituintes (Det + N + Adj ou Det + Poss + N), a propensão é para

18 Existe uma leve tendência para não marcar o item em segunda posição. Mesmo assim, esses valores não estão muito longe do neutro. Quando se chega ao Momento 3, parece que o efeito é essencialmente neutro e é isso que a rejeição da variável sugere.

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seguir as regras da língua alvo (Momento 1, pr.= 0.640 e Momento 2, pr.=

0.882).19

(iii) A presença de um numeral em posição anterior provou inibir a marca de

plural no elemento seguinte (Momento 1, pr.= 0.251, Momento 2, pr.= 0.420

e Momento 3, pr= 0.320).

Estes resultados são compatíveis com o princípio de redundância, isto é, que é

apenas necessário marcar a pluralidade num dos constituintes. – e, portanto, são

incompatíveis com a hipótese do Processamento Paralelo.

O quadro (3) mostra os resultados encontrados para a Hipótese 3 - posição em

relação ao núcleo:

Quadro 3: Posição em relação ao núcleo

MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3 Significance = Log likelihood =

Significance = Log likelihood =

Significance = 0.261 Log likelihood = - 644.931

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Núcleo ----- ----- ----- ----- ----- ----- 735/836 87.9 0.572 Imediatamente anterior ao núcleo

----- ----- ----- ----- ----- ----- 669/786 85.1 0.475

Anterior ao núcleo não adjacente

----- ----- ----- ----- ----- ----- 26/42 61.9 0.144

Posterior ao núcleo ----- ----- ----- ----- ----- ----- 45/55 81.8 0.164 Total ----- ----- ----- ----- ----- ----- 1475/1719 85.8

O núcleo surge como o constituinte mais marcado (pr= 0.572), embora a

marcação não seja muito forte. As posições anteriores são menos marcadas, sendo a

posição anterior ao núcleo não adjacente a que mais impede a marcação de plural.

O quadro (4) mostra os resultados encontrados relativamente à Hipótese 4 –

classe gramatical:

19 No Momento 3, os resultados apontam para um valor oposto (pr= 0.432).

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Quadro 4: Classe gramatical

MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3 Significance =0.041 Log likelihood =-230.049

Significance =0.000 Log likelihood =-340.901

Significance = 0.261 Log likelihood = -644.931

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nomes 273/311 87.8 0.587 625/665 94.0 0.557 714/815 87.6 0.454 Artigos 116/125 92.8 0.526 311/350 88.9 0.428 491/560 87.7 0.569 Adjectivos 9/19 47.4 0.123 24/34 70.6 0.165 51/60 85.0 0.790 Quantificadores 147/173 85.0 0.379 189/205 92.2 0.622 118/132 89.4 0.635 Demonstrativos ----- ----- ----- 3/13 23.1 0.025 12/35 34.3 0.073 Indefinidos ----- ----- ----- 26/34 76.5 0.291 58/81 71.6 0.319 Possessivos ----- ----- ----- 23/25 92.0 0.341 11/14 78.6 0.364 Numerais ----- ----- ----- 7/8 87.5 0.383 ------ ----- ----- Total 545/628 86.8 1208/1334 90.6 1455/1697 85.7

Os resultados deste grupo de factores indicam que:

(i) Os nomes têm tendência para ocorrer com mais marcas de plural no Momento 1

do que nos Momentos 2 e 3, embora a diferença não seja muito significativa do

Momento 1 para o Momento 2 (Momento 1 pr.= 0.587, Momento 2, pr.= 0.557).

Os nomes no Momento 3 são tendencialmente menos marcados (pr=0.454).

(ii) Os artigos revelam valores aproximados com ligeira disposição para o

favorecimento da aplicação da regra nos Momentos 1 e 3 (Momento 1, pr.=

0.526 e Momento 3, pr.= 0.569) e para o desfavorecimento no Momento 2 (pr.=

0.428).

(iii) Os adjectivos surgem muito pouco marcados no Momento 1 (pr.= 0.123) e

Momento 2 (pr.= 0.165) e mais marcados no Momento 3 (pr= 0.790).

(iv) Os quantificadores são pouco marcados no Momento 1 (pr.= 0.0379) e,

tendencialmente, muito mais marcados nos Momentos 2 (pr.= 0.622) e 3 (pr=

0.635).20

20 Neste caso, prevalece a noção de pluralidade semântica.

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(v) Os demonstrativos, os indefinidos e os possessivos apresentam resultados

semelhantes: aparecem muito pouco marcados (Demonstrativos - Momento 2,

pr.= 0.025 e Momento 3, 0.073; Indefinidos - Momento 2, pr.= 0. 0.291 e

Momento 3, pr= 0.319; Possessivos - Momento 2, pr.= 0.341 e Momento 3,

pr=0.364). No Momento 1 não foram seleccionados pela análise VARBRUL.

Isto pode ser um indício de que a atribuição morfológica não está a ser

implementada de todo ou não está está a ser implementada de maneira

significativa/sistemática no nível 1.

O quadro (5) mostra os resultados da análise da variável presença de marcas de

género e número, relativamente à Hipótese 5 – a interdependência flexional no

âmbito do SN:

Quadro 5: Presença de marcas de género

MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3 Significance =0.041 Log likelihood =-230.049

Significance =0.000 Log likelihood =-340.901

Significance = 0.261 Log likelihood = -644.931

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Género marcado 424/477 88.9 0.536 1045/1131 92.4 0.550 1200/1378 87.1 0.523 Género não marcado

67/90 74.4 0.317 115/154 74.7 0.188 98/137 71.5 0.286

Total 491/576 86.6 1160/1285 90.3 1298/1515 85.7

Os resultados identificam uma correlação entre a marcação dos traços de género

e número: se o género não é marcado, existe uma tendência para a inibição do

aparecimento dos traços de número (Momento 1, pr.= 0.317; Momento 2, pr.= 0.118 e

Momento 3, pr.= 0.286).

2.2. Género

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No caso da concordância de género, na análise estatística foram igualmente

seleccionadas como significativas as variáveis que correspondem às cinco hipóteses

iniciais: (1) saliência fónica, (2) marcas precedentes, (3) a posição em relação ao

núcleo do SN, (4) classe grammatical e (5) presença de marcas de número. A

Hipótese (4) – a posição em relação ao núcleo – também foi seleccionada apenas no

Momento 3.21

O quadro (6) apresenta os resultados encontrados para a Hipótese 1 – saliência

fónica:

Quadro 6: Saliência fónica

MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3

Significance =0.040 Log likelihood =-291.236

Significance =0.110 Log likelihood =-637.604

Significance = 0.045 Log likelihood = -783.399

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr.

Género regular 549/637 86.2 0.544 1361/1516 89.8 0.512 2130/2299 92.6 0.531

Aquele/aquela (etc.) 51/58 87.9 0.319 76/87 87.4 0.565 142/157 90.4 0.456

Nenhum/nenhuma (etc.) 40/54 74.1 0.251 232/274 84.7 0.389 224/275 81.5 0.272

Chinês/chinesa (etc.) 4/5 80 0.134 28/32 87.5 0.702 18/19 94.7 0.905

Dois/duas ----- ----- ----- ----- ----- ----- 15/17 88.2 0.453

Irmão/irmã (etc.) ----- ----- ----- ----- ----- ----- 10/11 90.9 0.520

Bom/boa ----- ----- ----- ----- ----- ----- 11/15 73.3 0.339

Doutor/doutora (etc.) ----- ----- ----- ----- ----- ----- 19/21 90.5 0.247

Total 644/754 94.4 1697/1909 88.9 2572/2819 91.2

Na generalidade, a análise demonstra que os aprendentes têm propensão para

marcar menos o género nas palavras mais salientes do ponto de vista morfo-fonológico,

com excepção do contraste do tipo chinês/chinesa (Momento 3, pr. 0.905), facto que

poderá estar ligado ao uso frequente deste contraste e à sua consequente interiorização

21 Num estudo anterior de Godinho (2008), esta variável manifestou-se relevante quando cruzada com a variável classe grammatical.

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por memorização. Este fenómeno de ligeiro fortalecimento da marcação das palavras

mais salientes pode dever-se ao desenvolvimento da interlíngua, ou seja, à expansão da

gramática dos aprendentes durante o processo de aquisição da L2. À medida que a

interlíngua vai sendo reorganizada, pode haver propensão para disseminar a marcação

da concordância pelos vários constituintes do SN, num percurso em direcção ao modelo

da L2.

O quadro (7) mostra os resultados da Hipótese 2 – marcas precedentes:

Quadro 7: Marcas precedentes

MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3 Significance =0.040 Log likelihood =-291.236

Significance =0.110 Log likelihood =-637.604

Significance = 0.045 Log likelihood = -783.399

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Segunda posição com marca na primeira posição

58/60 96.7 0.590 294/305

96.4 0.577 279/293 95.2 0.549

Segunda posição sem marca na primeira posição

7/8 87.5 0.142 15 /25

60.0 0.045 16/28 57.1 0.077

Total 67/71 94.4 309/330 92.9 295/321 91.1

Os resultados parecem confirmar a perspectiva funcionalista de processamento

paralelo de que uma marca no constituinte anterior leva a marcas nos constituintes

subsequentes e que a ausência de marcas nos elementos anteriores leva a zero marcas

nos elementos posteriores (SCHERRE, 1988) .22

O quadro (8) mostra os resultados da Hipótese posição em relação ao núcleo do

SN.

Quadro 8: Posição em relação ao núcleo do SN

MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3 Significance = Log likelihood =

Significance = Log likelihood =

Significance = 0.045 Log likelihood = -783.399

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Núcleo ----- ----- ----- ----- ----- ----- 210/222 94.6 0.755

22 Ao contrário do que acontece com o número. De certa forma, faz todo o sentido quando se considera que o género parece desenvolver-se antes ou mais depressa do que o número.

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Imediatamente anterior ao núcleo

----- ----- ----- ----- ----- ----- 2176/2370 91.8 0.492

Anterior ao núcleo não adjacente

----- ----- ----- ----- ----- ----- 120/141 85.1 0.317

Posterior ao núcleo ----- ----- ----- ----- ----- ----- 126/149 84.6 0.386

Os resultados revelam que a posição de núcleo é a mais marcada (0.755). Os

constituintes em posição imediatamente anterior ao núcleo apresentam um valor neutro

(pr= 0.492) e as outras posições (anterior não adjacente (pr= 0.0317) e posterior (pr=

0.386)) inibem fortemente a marcação.

O quadro (9) mostra os resultados encontrados para a avaliação da Hipótese 4 –

classe gramatical:

Quadro 9: Classe Gramatical

MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3 Significance = 0.040

Log likelihood =-291.236 Significance =0.110

Log likelihood =-637.604 Significance = 0.045

Log likelihood = -783.399

FACTORES

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nomes 36/37 97.3 0.826 150 /151 99.3 0.946 185/198 93 0.343 Artigos 351/388 90.5 0.585 1125/1231 91.4 0.512 1746/1881 92.8 0.540 Adjectivos 43/48 89.6 0.557 94/110 85.5 0.459 159/185 85.9 0.436 Quantificadores 167/223 74.9 0.237 172 /225 76.4 0.189 166/192 86.5 0.337 Demonstrativos 56/63 88.9 0.723 81/93 87.1 0.361 144/159 90.6 0.527 Indefinidos 12/16 75 0.479 106/130 81.5 0.329 119/145 82.1 0.425 Possessivos ----- ----- ----- ----- ----- ----- 67/70 95.7 0.649 Numerais ----- ----- ----- ----- ----- ----- 34/39 87.2 0.406 Total 665/775 85.8 1728/1940 89.1 2620/2869 91.3

A análise desta variável determinou que:

(i) Os nomes são o elemento mais marcado no SN no Momento 1 (pr.= 0.826) e

Momento 2 (pr.= 0.946). Contudo, no Momento 3, a tendência é claramente

para a inibição da aplicação da regra de concordância (pr= 0.343);

(ii) Os artigos são o segundo constituinte mais marcado para género (Momento

1: pr. 0.585; Momento 2: pr.= 0.512; Momento 3: pr= 0.540);

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(iii) Os adjectivos são tendencialmente menos marcados à medida que as

gramáticas dos aprendentes se vão desenvolvendo (Momento 1: pr. 0.557;

Momento 2: pr.= 0.459; Momento 3: pr= 0.436);

(iv) Os quantificadores inibem a marcação de género (Momento 1: pr.= 0.237;

Momento 2: pr.= 0.189, Momento 3: pr= 0.337);

(v) Os demonstrativos provaram ser muito marcados no Momento 1 (pr.=

0.723). No Momento 2, a propensão para marcar estes elementos decresce

substancialmente (pr.= 0.361). No Momento 3, apresentam uma ligeira

subida (pr= 0.527), embora este valor esteja muito próximo de um valor

neutro sem grande expressão para a análise;

(vi) Os possessivos favorecem o aparecimento de marcas de género no Momento

3 (pr: 0.649). Nos outros momentos não foram seleccionados.

(vii) Os indefinidos e os numerais também só foram seleccionados na análise do

Momento 3 e apontam para o desfavorecimento da marcação (indefinidos:

pr= 0.425 e numerais: pr= 0.406).

Os resultados sugerem que a marcação de género, inicialmente concentrada no

núcleo do SN, se expandiu para os outros elementos. As mudanças podem ser

explicadas em termos de um processo de restruturação das outras classes gramaticais em

relação à flexão e à instabilidade estrutural que é um dos aspectos deste tipo de sistemas

em desenvolvimento.

O quadro (10) mostra os resultados da Hipótese 5 – presença de marcas de

número:

Quadro 10: Presença de marcas de número MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3

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Significance =0.040 Log likelihood =-291.236

Significance =0.110 Log likelihood =-637.604

Significance = Log likelihood =

Nº. % Pr. Nº. % Pr. Nº. % Pr. Número marcado 229/260 84.7 0.598 537/592 90.7 0.567 771/839 91.9 0.541 Número não marcado

382/451 88.1 0.443 247/289 85.5 0.366 125/160 78.1 0.296

Total 611/711 85.9 784/881 89.0 896/999 89.7

Da observação dos resultados obtidos, pode-se avaliar que quando não há

concordância em género a tendência é claramente para não haver concordância em

número (Momento 1: pr.= 0.443; Momento 2: pr.= 0.366; Momento 3: pr= 0.296). Estes

resultados estão conforme os resultados encontrados para a concordância de número e

estão de acordo com a hipótese inicial: existe uma correlação directa entre a

concordância de género e número, o que denota coesão estrutural na marcação dos dois

traços (cf. LUCCHESI, 2000, p. 145). 23

Discussão

Das cinco hipóteses, apenas uma não se manifestou relevante em todas as

análises. A Hipótese 3 – a posição em relação ao núcleo – foi somente seleccionada na

análise do Momento 3.

Hipótese 1 – saliência fónica: a análise provou que os aprendentes, no início da

aquisição da língua portuguesa, não são muito sensíveis às formas mais salientes.

Começam a marcar estas palavras numa fase posterior da aquisição da língua. Isto pode

23 A expansão na cadeia da concordância nominal no SN inclui a concordância de género e número, traços que pertencem à categoria intermédia do sintagma determinante (SD), o SNum, cujo núcleo contém os traços de género e número e é responsável pela realização da concordância na projecção alargada do SN (cf. BAXTER et al., 1997, p. 2).

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estar relacionado com a necessidade de terem de proceder a alterações na terminação

das palavras. Os resultados confirmam os de Godinho (2005, pp. 251-258), num estudo

realizado com um outro grupo de chineses aprendentes de português L2: os

aprendentes têm mais dificuldade em adquirir as regras de concordância nas

formas irregulares nos primeiros momentos da aprendizagem do português. Nos

casos de formação regular, foi encontrado o mesmo efeito para a concordância tanto de

género como de número, i.e., um valor neutro, na maioria dos casos, e com disposição

para o favorecimento da regra nos restantes casos.

Hipótese 2 – marcas precedentes: na análise de número, os aprendentes mostraram

tendência para marcar apenas um dos elementos numa estrutura reduzida. Estes

resultados confirmam a hipótese inicial: existe uma disposição para inserir o plural –s

em apenas um dos elementos do SN devido ao facto de uma marca ser suficiente para

transmitir a ideia de pluralidade. 24 Em estruturas com dois ou mais elementos, a

propensão é para seguir as regras de concordância da língua-alvo, isto é, em SNs com

dois elementos marcados anteriormente, a tendência é para o aparecimento das marcas

de número em todos os elementos.25 Estes resultados confirmam a hipótese inicial. Em

relação à marcação de género, estruturas do tipo DET+N são mais marcadas, o que

indica que, neste caso, possivelmente, os informantes usam a classe fechada do

determinante para identificar a flexão. Aqui, parece haver um papel significativo das

24 “A linguistic feature is more likely to be omitted when it is redundant to the meaning being conveyed, more likely to be produced when it transmits necessary information.” (Littlewood, 1981: 151). 25 O que está em conformidade com a afirmação de Scherre (1988, p. 180) – “marcas levam a marcas e zeros a zeros”.

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classes fechadas dos determinantes (elementos do nó funcional D -) como pontos de

entrada dos morfemas de flexão de género.26

Hipótese 3 – posição em relação ao núcleo: contrariamente ao observado em estudos

anteriores (GUY, 1981; SCHERRE, 1988; LOPES, 2001; BAXTER, 2004), o núcleo

revelou-se o constituinte mais marcado. As posições anteriores ao núcleo são menos

marcadas, sendo a posição anterior ao núcleo não adjacente a que mais inibe a marcação

tanto de número como de género. Os resultados só coincidem com os de estudos

anteriores (LOPES, 2001, p. 259; BAXTER, 2004, p. 118), na medida em que

confirmam que a posição à esquerda adjacente ao núcleo é mais favorecedora da

presença de marcas do que a posição à esquerda não adjacente ao núcleo. Esta

ocorrência foi igualmente observada por Lucchesi (2000, p. 258) no seu estudo sobre a

concordância de género na comunidade de fala afro-brasileira da Helvécia - Bahia em

que, segundo o autor, existe uma relação estreita entre a proximidade ao núcleo e uma

maior probabilidade de concordância.27

Hipótese 4 – classe gramatical: observou-se que existe uma disposição inicial para

marcar mais o nome, que é o núcleo do SN. A nossa interpretação é a de que o nome

funciona como a “âncora” das marcas de género e número para estes aprendentes. Os

outros elementos periféricos são, em geral, menos marcados do que o núcleo.28 Assim,

possivelmente, os aprendentes concentram a sua atenção no núcleo do SN, uma vez que

26 Facto constatado por Ferrari-Neto (2003) e Corrêa, Augusto & Ferrari-Neto (2005) para a aquisição de plural na língua materna “O reconhecimento da variação sistemática SG/PL dos elementos D (Classe de morfemas fechada) facilita a identificação de morfema de número, que é tratado como uma categoria funcional. O Plural entra no sistema a partir do D.”(Cf. BAXTER, 2009). 27 Esse dialeto manifesta vestígios de input de early stage L2. Estes resultados confirmam os de Godinho (2005, pp. 282-283), num estudo realizado com outro grupo de aprendentes chineses. 28 Segundo Young (1991, p. 155), “…the plurality is not a notion that is indispensable in interlanguage of Chinese learners […] since morphological number marking is normally absent in Chinese, it appears that the acquisition of the morphological category of number is a purely set of contrasts with little semantic salience.”

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os nomes são os elementos semanticamente mais relevantes. Os artigos são menos

marcados do que os nomes, mas mais marcados do que os outros constituintes em quase

todos os momentos. Este efeito sugere que a disseminação dos traços se processa para

os elementos que situam numa posição de adjacência ao núcleo. A fraca tendência para

marcar os quantificadores (para número no Momento 1 e para género em todos os

momentos) e os numerais pode estar relacionada com o facto de estes elementos não

possuirem traços inerentes para género e de transportarem em si traços semânticos de

pluralidade. Como o cantonense não tem flexões morfológicas e considerando que o uso

de quantificadores é um dos mecanismos para indicar pluralidade, os aprendentes, nas

primeiras fase de aquisição da língua, podem estar a transferir os mecanismos da língua

materna para a língua alvo. Contudo, os resultados dos Momentos 2 e 3 determinam que

houve um desenvolvimento na aquisição das regras de marcação de plural da língua-

alvo. Os demonstrativos apresentam-se pouco marcados porque, possivelmente, os

aprendentes os relacionam com os classificadores chineses que são classes fechadas de

morfemas não flexionados, em cantonense, e que ocorrem junto a nomes para lhes

atribuir traços semânticos de forma, espécie ou função, actuando como determinantes.

Os indefinidos e os possessivos, em geral, também desfavorecem a concordância.

Hipótese 5 – presença de marcas de género e número: a análise sugere que existe

uma relação consistente entre a concordância de género e número. Se um elemento do

SN não apresenta concordância de género, tendencialmente, também não apresentará

concordância de número e vice-versa. 29 Estes dados estão conforme os resultados

encontrados para a concordância de número e estão de acordo com a hipótese inicial:

29 Lucchesi (2000, p. 145) afirma que o mecanismo de concordância de género é adquirido antes do mecanismo de concordância de número devido ao facto de o género ser uma propriedade inerente dos nomes.

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existe uma correlação directa entre a concordância de género e número, o que denota

coesão estrutural na marcação dos dois traços, considerando que os traços de género e

número se encontram localizados no mesmo nó funcional (cf. LUCCHESI, 2000, p.

145). 30

Conclusão

No presente trabalho analisou-se o padrão de concordância variável de género e

número nos sintagmas nominais, produzidos por aprendentes chineses de português L2.

Os resultados provaram a existência de variação sistemática no domínio das regras de

concordância de género e número na língua-alvo. A análise indica que os nomes

(núcleo do SN) são, tendencialmente, os elementos mais marcados, particularmente na

concordância de género, assumindo-se como os elementos responsáveis pela fixação da

morfologia flexional de género e disseminação dos traços para os elementos que se

situam numa posição de adjacência ao núcleo. Em relação à concordância de número, o

núcleo nominal começa a perder o estatuto de elemento mais marcado a partir do

Momento 3 e as marcas de plural espalham-se pelas outras classes de determinantes.

Ficou demonstrado que a aquisição da concordância no SN constitui um considerável

obstáculo para aprendentes de português L2, cuja língua materna não possui flexão

nominal. Contudo, é possível perceber que o mecanismo da concordância se começa a

30 A expansão na cadeia da concordância nominal no SN inclui a concordância de género e número, traços que pertencem à categoria intermédia do sintagma determinante (SD), o SNum, cujo núcleo contém os traços de género e número e é responsável pela realização da concordância na projecção alargada do SN (cf. BAXTER et al., 1997, p. 2).

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distribuir pelos vários elementos do SN, deixando prever que a aquisição do sistema de

concordância nominal é um sistema em desenvolvimento nas gramáticas da interlíngua.

Os resultados sustentam, em certa medida, que os aprendentes chineses de português L2,

no período pós-puberdade, têm dificuldades persistentes em adquirir a concordância

nominal de género e número em português porque estes traços (não interpretáveis) dos

elementos funcionais são parâmetros não activados na sua língua materna.31

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