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Anais da
Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435
XX Semana de Pedagogia da UEM VIII Encontro de Pesquisa em Educação / I Jornada Parfor
ALFABETIZAR E LETRAR: DESAFIOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA JUNTO A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
SOUZA, Wesley Tomaz de [email protected]
SOUZA, Marcia Justina de [email protected]
ALENCAR, Gizeli Aparecida Ribeiro de [email protected]
Universidade Estadual de Maringá Educação e diversidade
INTRODUÇÃO
A escola, lugar específico para o ensino dos conhecimentos historicamente
construídos, enfrenta grandes desafios para se adequar as atuais políticas públicas
educacionais que norteiam o processo de inclusão, que prima pela educação de qualidade
independente da necessidade ou patologia apresentada pelo educando. Nesse cenário, no que
diz respeito a deficiência intelectual evidencia-se na maioria dos casos, a não apropriação da
língua escrita, salvo algumas exceções.
O professor, por sua vez, nem sempre está preparado para atuar com o aluno com
deficiência intelectual. As atividades desenvolvidas geralmente são baseadas na repetição e
memorização desvinculada de situações de aprendizagens reguladas em vivencias
significativas.
O sistema de escolarização prima pela prática formal e institucional de aquisição da
escrita, ou seja, a alfabetização compreendida como codificação e decodificação da escrita.
Contudo de acordo com Soares (2009) não basta apenas aprender a ler e escrever. As pessoas
se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam as práticas
de leitura e de escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a
escrita, ou seja, não se tornam letradas. Esse dado não diz respeito apenas ao educando com
deficiência intelectual, mas a uma parcela significativa da sociedade.
Mediante o exposto, enquanto acadêmicos do curso de pedagogia, algumas
inquietações se fizeram presentes: alfabetização e letramento são processos distintos ou
congruentes? Uma pessoa com deficiência intelectual é capaz de se tornar letrada? Quais são
os possíveis caminhos para se alfabetizar letrando uma pessoa com deficiência intelectual?
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ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
A concepção de alfabetização difundida e praticada nos sistema de ensino, de acordo
com Albuquerque (2007) foi transposta para a sala de aula no final do século XIX, com a
disseminação de diferentes métodos de alfabetização1, considerada como ensino de
habilidades de codificação e decodificação.
Para Soares (2009) a alfabetização em seu sentido próprio, específico é um processo
de aquisição do código escrito, das habilidades da leitura e escrita. Para Gontijo (2008, p. 17)
“[...] implica a ação de levar a aquisição dos símbolos que compõem um dado sistema de
escrita”. Igualmente Kleiman (1995) pontua que esse processo desenvolvido nas instituições
escolares visa aquisição do código escrito.
Esses estudiosos pontuam que o processo de alfabetização não deve se respaldar
apenas em habilidades mecânicas de ler e escrever. O professor deve trabalhar com vistas ao
desenvolvimento de capacidades em que o aluno possa interpretar, compreender, criticar, e
produzir conhecimento.
Foi somente a partir da década de 90, do século passado, que o termo letramento
começou a ser utilizado no Brasil. De acordo Soares (2009), pessoa letrada é aquela que
aprende a ler e a escrever e que passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se em
práticas sociais, ou seja, faz uso frequente e competente da leitura e da escrita. A pessoa
letrada passa a ter outra condição social e cultural, muda o seu lugar social, seu modo de
viver, sua inserção na cultura e evidentemente uma maneira de pensar diferente. Tornar-se
letrado traz consequências linguísticas, de acordo com pesquisas, pois ele fala diferente do
iletrado e analfabeto, mostrando assim que o convívio com a língua escrita trouxe mudanças
no uso da língua oral, e no vocabulário.
Letramento, segundo Soares (2009) diz respeito à pessoa que é capaz de cultivar e
exercer as práticas sociais de escrita. Nessa perspectiva é considerado alfabetizado aquele que
sabe ler e escrever, e letrado aquele que lê, escreve e responde adequadamente as demandas
sociais da cultura escrita.
Deve-se alfabetizar letrando para que o indivíduo aprenda a ler e escrever no contexto
das práticas sociais da leitura e da escrita. Para que esse processo se efetive há que se
considerar o papel que a linguagem exerce nesse contexto.
A linguagem é um fenômeno social, estruturada de forma ativa e grupal do ponto de
vista cultural e social assim, no processo de alfabetização e letramento o indivíduo torna-se
apto a fazer parte da sociedade utilizando da linguagem escrita. No Brasil os conceitos de
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alfabetização e letramento se confundem. A discussão do letramento surge sempre envolvida
no conceito de alfabetização, o que tem levado a uma imprópria síntese dos dois
procedimentos, com prevalência do conceito de letramento sobre o de alfabetização
(SOARES, 2009, KLEIMAN, 1995, MORTATTI, 2004). Não podemos separar os dois
processos, pois a princípio o estudo do aluno no universo da escrita se dá por meio desses dois
processos: a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades da leitura e escrita nas
práticas sociais que envolvem a língua escrita, o letramento.
Assim, a escola deve prover caráter social da escrita, por meio da leitura e escreita de
textos significativos. Devemos trabalhar com a leitura e interpretação visando formar um
cidadão autônomo que saiba ler e entender o que lê. Sob esse prisma alfabetizar significa
orientar a criança para o domínio da tecnologia da escrita, e significa levá-la ao exercício das
práticas sociais de leitura e de escrita. Um aluno alfabetizada é um aluno que sabe ler e
escrever; um aluno letrado é uma criança que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o
prazer de leitura e de escrita de diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ou
portadores, em diferentes contextos e circunstâncias.
Letramento significa, portanto compreender e elaborar a linguagem e fazer uso social
dela em várias situações da vida prática. Todo ser humano tem a capacidade de se
desenvolver. Assim, pensar que a pessoa com deficiência intelectual não é capaz de aprender
a ler e a escrever é um equivoco. Significa excluí-los do direito de aprender a se relacionar
com o mundo por meio da leitura e escrita. A prática pedagógica de alfabetizar letrando a
pessoa com deficiência intelectual ocorre da mesma forma que ocorre nas pessoas ditas
“normais” só que em um tempo e espaço diferenciados.
Existem métodos e metodologias que levam o professor a conhecer e compreender seu
aluno auxiliando-o no processo de aquisição da leitura e escrita. No caso dos alunos que
apresentam a dificuldade ou limitação intelectual, é fundamental se propor desafios e saber o
momento em que a intervenção do professor deve acontecer para promover avanços. Faz-se
necessário lembrar que somente os métodos tradicionais não atendem esta demanda por
trabalharem basicamente com a memorização e não com a compreensão construção de
conceitos.
A sugestão proposta por Carvalho (2009) é que o professor alfabetize letrando,
realizando um trabalho intencional de sensibilização através de atividades específicas de
comunicação como escrever bilhetes, cartas, contar histórias por escrito, produzir um jornal
escolar, um cartaz, fazendo assim com que a escrita tenha uma função social. A criança deve
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também ser orientada para compreender as exigências nos variados tipos de textos e também
os objetivos do autor.
As novas perspectivas de abordagem do letramento destacam dois modelos de
letramento: o “modelo autônomo” e o “modelo ideológico”. O “modelo autônomo”
concentra-se na dimensão técnica e individual do letramento, sem levar em conta o contexto
social. Assim o letramento é considerado no singular. Neste processo a escrita é um produto
completo em si mesmo. Nesse processo define-se com mais facilidade quais habilidades e
conhecimentos caracterizam uma pessoa alfabetizada, que domina a “tecnologia” do ler e
escrever. (MORTATTI, 2004)
O modelo ideológico concentra-se na dimensão social do letramento, apresenta várias
maneiras em que se fundamenta o conceito de letramento, ou seja, para o funcionamento da
sociedade, o letramento é necessário e tem potencial para mudar relações e práticas sociais
injustas. No modelo ideológico leitura e escrita são consideradas atividades sociais, que
variam de acordo com o tempo, espaço, tipo de sociedade, projetos políticos e sociais. Desta
maneira, não existe apenas um tipo de letramento. Este é um processo contínuo, um conjunto
de práticas sociais em que as pessoas se envolvem de acordo com o contexto social, as
habilidades e conhecimentos que tem a disposição.
Com essa perspectiva e visando minimizar as lacunas que se evidenciam no processo
de apropriação da escrita da pessoa com deficiência intelectual este estudo, em andamento,
tem como objetivo descrever a sistematização do trabalho pedagógico para a produção da
linguagem escrita em pessoas com Deficiência Intelectual. As aulas ministradas no ateliê de
letramento e contextos sociais foram planejadas a partir da Metodologia da Mediação
Dialética. É no contexto de construção de significados e sistemas simbólicos que se ensina a
leitura e escrita. Pautados nesse ideário o trabalho desenvolvido no projeto de extensão
“Atividades Alternativas para pessoas com necessidades especiais” tem evidenciado que a
sistematização do planejamento de aula possibilita a prática pedagógica de alfabetizar
letrando a pessoa com deficiência intelectual.
METODOLOGIA
As atividades e coleta de dados foram realizadas no projeto de extensão “Atividades
Alternativas para pessoas com necessidades especiais”, no ateliê de Letramento e contextos
sociais. Participam do ateliê 9 adultos com deficiência intelectual. O planejamento das
atividades é respaldado na Metodologia da Mediação Dialética (ARNONI, 2007) e
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compreendem 4 momentos específicos: resgatando/registrando, problematizando,
sistematizando e produzindo.
Na primeira etapa o professor leva em conta o conhecimento imediato do educando,
ou seja, o professor dá voz, para que possa expressar o que sabe do tema que será discutido
em aula, esse primeiro momento consiste no (resgate e registro). Na segunda etapa são feitos
questionamentos com o intuito de levar o aluno a perceber que seus conhecimentos imediatos
não são suficientes para respondê-los. Essa etapa caracterizada como (problematizando) é o
momento em que o professor suscita nos educandos situações problemas ampliando os elos
comunicativos, com o intuito de posteriormente inserir o conteúdo científico. Na terceira
etapa denominada como (sistematizando) é o momento em que o educador não deve
desconsiderar as falas dos educandos e os questionamentos realizados nas etapas anteriores,
neste momento o educador deve transformar o conhecimento científico em conteúdo de
ensino, ou seja, coerente para aplicação em sala de aula de forma a ser entendido pelo aluno.
O último momento da aula (produzindo) é quando o aluno irá expor o que apreendeu do
conteúdo, podendo relacionar os saberes que tinha outrora e os que se apropriou no decorrer
das discussões, momento esse que se evidencia a superação do conhecimento imediato pelo
conhecimento científico, ou seja, o conteúdo (ARNONI, 2007).
Para esse trabalho fez-se um recorte dos temas trabalhados o qual está descrito e
analisado a seguir. Os nomes dos alunos serão representados por letras do alfabeto.
RESULTADOS DISCUSSÕES
RESGATANDO/REGISTRANDO - Tema da aula: DENGUE
Profª. O que é “Dengue”?
A- “É uma doença" ML- “Mata as pessoas”. El- “A pessoa fica doente” Ed- “Tem que ir no médico”
Profª. Quais os sintomas da dengue?
P- “Dá dor no corpo, nas costas e no olho”. L- “A pessoa fica de cama”. Le- “Febre”
Profª. Como se transmite a dengue?
El- “As pessoas jogam lixo nos terrenos baldios” P- “Piscina sem cuidado”. J- “Água Parada” Le- “Quintal Sujo”
Como evitar a transmissão da dengue?
E- “Não deixando água parada” ML- “Trocar água dos vasinhos, tirar a água, colocar areia”. Le-“O carro da SUCAM passa o veneno”. P- “Não adianta veneno, tem que cuidar do quintal”. P- “Tem que lavar, a vasilha do cachorro”.
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Na etapa resgatando/registrando fica evidente o conhecimento prévio do aluno
(imediato), sobre a Dengue, baseando-se nesses conhecimentos, foram realizadas algumas
problematizações e uma delas exemplificada a seguir.
PROBLEMATIZANDO
Profª. Como chama o mosquito da Dengue? Profª. Quantos tipos de dengue existem?
ML-“Mosquitinho da dengue” J- “Aedes egipiti” ML-“Aedes gipisi” P- “Aedes gisu” TODOS: Não sei.
Após os questionamentos iniciou-se a Sistematização do conteúdo de referencia, e foi
trabalhado junto aos alunos o conceito da doença “Dengue”, seus sintomas desencadeadores,
tratamento, prevenção. Foram realizadas várias atividades relacionadas ao tema tais
envolvendo música, brincadeira da “forca”, separação de sílabas e classificação das palavras,
pintura de desenhos, leitura de textos, ensino de dígrafos, discussão sobre formas de
conscientizar à população, dentre outros. Os alunos citaram panfletos, cartazes, propagandas.
Para ilustrar os dados obtidos transcrevemos a elaboração de dois textos elaborados por
alunos com níveis de escrita distintos tendo como referencia uma sequencia de imagens.
Figura 1: imagem disponibilizada para elaboração textual.
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Figura2: texto elaborado pela aluna “E”
O texto da Aluna “E” apresenta coerência textual, traz informações precisas sobre o
tema trabalho. Já a produção textual de “L” , ilustrada abaixo, traz informações mais sucintas
sobre o tema, mas também apresenta coerência com o tema trabalhado e com a leitura das
imagens disponibilizadas.
Figura 3: texto elaborado pelo aluno “L”
Observa-se que há distinções sobre os níveis de apropriação do sistema de escrita
alfabética nos textos produzidos, mas essas não se configuram apenas em codificação e
decodificação da escrita. As atividades foram planejadas com vistas a alfabetização e
letramento e não simplesmente na memorização de letras ou regras gramaticais. As respostas
emitidas pelos alunos sinalizam de forma clara, ao professor, quais aspectos devem ser
priorizados bem como se houve compreensão dos conteúdos ou não.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas respostas emitidas pelos alunos e no registro das atividades constata-se
desempenhos distintos sobre a escrita. A sistematização do planejamento de aula evidenciou-
se primordial para dar voz aos educandos sobre suas concepções e compreensões dos assuntos
trabalhados. Esses aspectos possibilitaram o encaminhamento e estruturação das atividades
contemplando as necessidades especificas de cada um.
Acreditamos que todo professor que conceba a sala de aula como um espaço de
encontro de diferenças, de pluralidade, deve buscar estratégias de atuação que atendam a essas
peculiaridades. A escolha de uma prática inadequada pode trazer como consequência atitudes
e posturas também pouco adequadas pelos alunos, como desinteresse, falta de atenção,
dificuldade de expressão gráfica e oral, dentre outras.
O aluno com deficiência intelectual pode ou não aprender a ler e escrever mas é
necessário oportunizar esta aprendizagem. É preciso aprender a ver além das aparências
imediatas, que são, muitas vezes, ofuscantes e enganosas, e tomar a dificuldade pelo avesso,
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desenvolvendo um olhar que traduza uma compreensão mais atenta dos diferentes modos de
aprender doa alunos e, principalmente, observando mais de perto as que são consideradas,
como aquelas que “não acompanham” a turma e “tomando” pela mão durante a produção de
conhecimentos.
A escola deve fazer cumprir o seu papel de ensinar. Deve mostrar para o aluno que
apesar de suas limitações ele é capaz de aprender. O sucesso desse processo está em romper
limites, superar desafios, desenvolver predisposições no aluno. As diferenças e dificuldades
devem ser reconhecidas para que não impeçam o processo de ensino- aprendizagem
É importante ser letrado. Quando não for possível aprender a ler e escrever as letras,
palavras e frases - alfabetização, o que a escola pode e deve fazer por este aluno é no mínimo
o letramento. O conhecimento de mundo, os desenvolvimentos da autonomia e da
independência precedem a escrita e a leitura formalizada pela instituição escolar. Então, ser e
estar no mundo com independência, com cidadania, é fundamental a esta pessoa para que
possa participar ativamente com os conhecimentos adquiridos de outras formas que não
escrito. Letrar é tornar a pessoa parte deste contexto letrado, em que, mesmo não lendo, a
pessoa com Deficiência Intelectual, saiba o que está acontecendo ao seu redor.
Por fim, cremos que alunos com deficiência intelectual podem desenvolver
mecanismos mentais a partir de um trabalho bem planejado e sistematizado na relação
dialógica da prática docente e, por conseguinte, se alfabetizar letrando.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia. Conceituando alfabetização e letramento. In:
SANTOS, Carmen Ferraz e MENDONÇA, Márcia. (Org). Alfabetização e letramento:
conceitos e relações. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
ARNONI, Maria Eliza Brefere, ALMEIDA, José Luís Vieira de, OLIVEIRA, Edilson
Moreira de. Mediação dialética na educação escolar - Teoria e prática. 1. ed .São Paulo:
Edições Loyola, 2007.
CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática. 6 d.
Petrópolis. RJ: Vozes, 2009.
GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. A escrita infantil. São Paulo, Cortez editora, 2008.
KLEIMAN, Angela B. (org). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a
prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995.
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MORTATTI, Maria do Rosário Longa. Educação e Letramento. 1. ed. São Paulo: UNESP,
2004.
SOARES, Magda. Letramento – um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica,
2009.
1 Métodos sintéticos (silábicos ou fônicos) x métodos analíticos (global).