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Anais da Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435 XX Semana de Pedagogia da UEM VIII Encontro de Pesquisa em Educação / I Jornada Parfor 1 A DEFESA DA EDUCAÇÂO ESCOLARIZADA NA SEÇÃO “PELAS ESCOLAS” DE O TICO-TICO ALENCAR, Patrícia Maria Garcia (UEM) 1 [email protected] RODRIGUES, Elaine (ORIENTADORA/UEM) 2 [email protected] Universidade Estadual de Maringá História e Historiografia da Educação INTRODUÇÃO A necessidade de instrução escolar era palavra de ordem no início da República Brasileira. Por isso começam a surgir nesse período várias iniciativas formais e informais que tinham como objetivo propor o desenvolvimento da instrução no país. Isto porque uma das premissas mais urgentes na recém criada República era a necessidade de forjar um ideal de nação moderna e progressista, que deixasse para trás qualquer traço de aproximação com o status de nação atrasada então personificada na figura do Império. Era consenso entre os intelectuais dirigentes do novo regime que a educação seria o principal pilar de sustentação desse ideal que levaria o Brasil ao status de nação civilizada. Coube então ao regime republicano, “repensar e esboçar uma escola que atendesse os ideais que propunham construir uma nova nação baseada em pressupostos civilizatórios que tinha na escolarização do povo iletrado um de seus pilares de sustentação” (BENCOSTTA, 2011, p. 68). Nesse sentido várias iniciativas governamentais e não-governamentais atuaram para que a educação no Brasil pudesse ser o sustentáculo maior que permitiria ao país adentrar ao rol das nações civilizadas. Entre as iniciativas propostas pelo Estado podemos citar uma série de reformas no ensino, assim como a criação e disseminação dos grupos escolares. 1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá. Graduada em Artes Visuais pelo Centro Universitário de Maringá e em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá. 2 Doutora em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Professora Associada do Departamento de Fundamentos da Educação e do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá.

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A DEFESA DA EDUCAÇÂO ESCOLARIZADA NA SEÇÃO “PELAS ESCOLAS” DE O TICO-TICO

ALENCAR, Patrícia Maria Garcia (UEM) 1

[email protected] RODRIGUES, Elaine (ORIENTADORA/UEM) 2

[email protected] Universidade Estadual de Maringá

História e Historiografia da Educação

INTRODUÇÃO

A necessidade de instrução escolar era palavra de ordem no início da República

Brasileira. Por isso começam a surgir nesse período várias iniciativas formais e informais que

tinham como objetivo propor o desenvolvimento da instrução no país.

Isto porque uma das premissas mais urgentes na recém criada República era a

necessidade de forjar um ideal de nação moderna e progressista, que deixasse para trás

qualquer traço de aproximação com o status de nação atrasada então personificada na figura

do Império.

Era consenso entre os intelectuais dirigentes do novo regime que a educação seria o

principal pilar de sustentação desse ideal que levaria o Brasil ao status de nação civilizada.

Coube então ao regime republicano, “repensar e esboçar uma escola que atendesse os

ideais que propunham construir uma nova nação baseada em pressupostos civilizatórios que

tinha na escolarização do povo iletrado um de seus pilares de sustentação” (BENCOSTTA,

2011, p. 68).

Nesse sentido várias iniciativas governamentais e não-governamentais atuaram para

que a educação no Brasil pudesse ser o sustentáculo maior que permitiria ao país adentrar ao

rol das nações civilizadas.

Entre as iniciativas propostas pelo Estado podemos citar uma série de reformas no

ensino, assim como a criação e disseminação dos grupos escolares.

1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá. Graduada em Artes Visuais pelo Centro Universitário de Maringá e em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá. 2 Doutora em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Professora Associada do Departamento de Fundamentos da Educação e do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá.

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Concomitante as tentativas do governo brasileiro em implementar políticas

educacionais mais consistentes, existiram também “tentativas informais de aprimorar a

educação nacional por meio de iniciativas religiosas, da criação de grupos escolares locais, da

atividade de filantropos, cientistas, etc.” (GONÇALVES, 2011).

Sobre esses projetos informais que atuaram na defesa da instrução escolar temos ainda

a revista O Tico-Tico que a partir de 1905 foi um dos projetos elaborados visando a

necessidade de desenvolvimento e ampliação da educação infantil, complementando as

iniciativas já postas em prática nas instituições escolares.

Como objetivo maior, a revista trazia o desejo de que por meio da educação baseada

em princípios lúdicos, os futuros cidadãos brasileiros pudessem conduzir o país ao status de

nação civilizada.

E a construção dessa nação idealizada nas páginas da revista dependia da formação

dos brasileiros, “que bem instruídos e moralmente educados, ajudassem a superar um passado

colonial visto como entrave ao desenvolvimento do país” (GONÇALVES, 2011).

E foi com esse direcionamento que a revista O Tico-Tico passou a publicar em suas

páginas, a partir de 1907, uma seção intitulada “Pelas Escolas” que apresentava fotografias

de instituições escolares e de alunos presentes nesses ambientes, visando então defender a

presença das crianças nesses locais como uma necessidade para o desenvolvimento das

mesmas e, por conseguinte de toda a nação.

O objetivo desse artigo é analisar algumas fotografias presentes na seção “Pelas Escolas”,

publicadas na revista O Tico-Tico no período de 1907 a 1914, como uma estratégia para a valorização

e defesa da escolarização na Primeira República. Para tanto recorreremos as fontes imagéticas presentes na seção “Pelas escolas“ da

revista O Tico-Tico assim como privilegiaremos as pesquisas realizadas por Rosa Fátima de

Souza (2004) e (2006) sobre as origens dos grupos escolares no Brasil.

Esta análise baseia-se também nos estudos propostos pela Nova História Cultural ao

passo que a mesma vem lançando grandes possibilidades de reflexão acerca da história da

educação brasileira. Tanto que a partir de seu prisma podemos tomar como fontes várias

formas de representação artísticas, como é o caso das fotografias dos grupos escolares que

estão presentes na seção Pelas Escolas e que podem, assim como os documentos escritos, nos

fornecer uma visão do contexto da criação e valorização das escolas no início do século XX.

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O NOVO REGIME E A VALORIZAÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO

A República no Brasil é instaurada em 1889. E com a mudança de regime cria-se a

necessidade de fazer da jovem república uma nação progressista e modelar.

Com esse intuito é que difunde-se no país a ideia de educação como chave para a

construção da nacionalidade brasileira, bem como, para a solução dos problemas nacionais,

visão esta que sugeria a implantação de uma nova organização do ensino no Brasil que

colaborasse para com o desenvolvimento da nação.

Para grande parte dos intelectuais brasileiros o desenvolvimento e a modernização do

país só poderia se construir a partir do oferecimento de instrução pública, isto é, da educação

escolarizada para a população.

A partir da primeira República foi predominante no Brasil a defesa do progresso, da

regeneração social, do fortalecimento do país por meio do combate ao analfabetismo que era

um grande entrave para o crescimento e desenvolvimento da recém criada nação.

E na busca por esse almejado desenvolvimento é que no alvorecer da República

surgem muitos discursos em defesa da reforma do ensino primário no Brasil.

Segundo Bencostta (2011, p. 69) esses discursos acabaram “por pressionar o poder

político a apresentar uma proposta de escolarização destinada àqueles que durante muito

tempo ficaram sem oportunidade de instrução”.

A partir das mudanças previstas pela Constituição de 1891 começam então a surgir por

iniciativa dos estados brasileiros, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, reformas

educacionais que serviram de modelo a todos os outros estados.

De acordo com Veríssimo (1985, p.19) “as reformas tinham o mérito de criar um

movimento a favor do ensino público e era também um estímulo à nação para que dele se

ocupasse como uma necessidade urgente. Assim tais reformas poderiam resultar numa obra

útil e fecunda” (VERÍSSIMO, 1985).

E realmente resultaram, pois foram essas mudanças no cerne das escolas que deram

origem ao novo modelo denominado Grupo Escolar que a partir de sua criação em 1893

causou modificações bastante profundas na escolarização brasileira.

E são essas modificações que temos o intuito de acompanhar na seção “Pelas

Escolas” que tinha como papel divulgar nas páginas de O Tico-Tico, a implantação e o

desenvolvimento dos grupos escolares e da escolarização primária nos estados brasileiros.

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A IMPLANTAÇÃO DOS GRUPOS ESCOLARES NO BRASIL

Os grupos escolares surgiram no Brasil na última década do século XIX, e sua

aceitação foi rápida em todo o país, pois conforme Souza (2007, p.35) “tratava-se de um

modelo de organização do ensino elementar com vistas a atender um grande número de

crianças”, e por suas características de organização foi tido pelos intelectuais dirigentes como

um modelo perfeitamente adequado às necessidades cada vez mais urgentes de

universalização da educação popular.

Assim esse modelo de escolarização foi ganhando espaço no país e se configurando

como um modelo bem aceito pelos intelectuais republicanos. Essa implantação, conforme

Vidal (2006) percorreu todo território nacional, mas em ritmos diferenciados.

Os grupos escolares eram a reunião em um só prédio de várias salas de aula, ou seja,

as antigas escolas isoladas seriam reunidas em um único ambiente.

Entretanto, além dessa mudança os grupos escolares propiciaram também a

organização do ensino a partir da hierarquização do trabalho escolar com o surgimento de

figura do diretor que passou a fazer parte desse espaço destinado a escolarização. Também

surgiram “modos de organização que sugeriam a homogeneização dos alunos a partir do

agrupamento em classes conforme o nível de conhecimento, adoção do ensino seriado,

racionalização curricular, controle e distribuição ordenada do tempo e conteúdos” (SOUZA,

2004).

Foi por meio dessa organização que primava pela racionalidade que os grupos

escolares surgiram como um novo modelo educativo que contribuía para os ideais de

disseminação do ensino à toda população. Ideais estes defendidos por intelectuais da época

que viam a educação como suporte para o desenvolvimento da nação brasileira.

Esses ideais foram construídos a partir do pressuposto de que a educação seria o

elemento indispensável para a transformação da nação; transformação esta que venceria a

ignorância da população possibilitando a evolução e modernização do país.

Segundo Souza e Faria Filho (2006): Por todas as regiões do país verificam-se semelhanças nas representações e nas práticas discursivas em torno da importância política e social da instrução pública vinculada às expectativas de desenvolvimento econômico, de progresso, de modernização e de manutenção do regime republicano. SOUZA e FARIA FILHO, 2006, p.29

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Além disso, esse novo modelo de escolarização estabelecia um compromisso com os

ideais republicanos e com suas perspectivas de modernização vigentes no período.

Em virtude dessas características os grupos escolares foram defendidos no Brasil

como um dos elementos reformadores da sociedade brasileira. Essa era a visão da maioria dos

intelectuais brasileiros e que também estava presente nas páginas da revista O Tico-Tico que a

partir da divulgação das instituições escolares na seção “Pelas Escolas” pretendia corroborar

para a implementação desse modelo educacional como sinônimo de civilização e

modernidade que deveria estar ao acesso de todos os brasileiros.

A SEÇÃO PELAS ESCOLAS COMO ESTRATÉGIA DE DEFESA DA

ESCOLARIZAÇÃO BRASILEIRA

A partir de janeiro de 1907 a Revista O Tico-Tico lança a seção Pelas Escolas com o

intuito de retratar crianças em estabelecimentos escolares de todo o Brasil. Seu lançamento

acontece no último número de O Tico-Tico em 1906, quando a revista pede a seus leitores que

mandem fotografias de suas escolas, de seus amigos e professores3.

Nos primeiros números a seção era chamada As Nossas Escolas, mas com o passar do

tempo, por motivos ignorados, a seção muda de nome e passa a se chamar Pelas Escolas.

Em seu primeiro ano é nítida a valorização da escolarização das crianças tanto que em

seus primeiros números, de um total de quinze a dezoito páginas, a revista apresentava

aproximadamente de duas a três páginas com conteúdo dedicado aos ambientes escolares

brasileiros e a retratar os alunos em diversas situações alusivas a esse contexto: como no

recreio, em festividades escolares, em exercícios físicos, em primeira comunhão e em várias

outras situações comuns aos ambientes educativos.

É notória a atenção dos editores com o tema da educação principalmente nos primeiros

anos da revista que se empenha em ser um complemento à instrução escolar, necessário para

que a educação penetrasse de forma intensa no cotidiano e não ficasse restrita apenas ao

espaço escolar.

3 “As nossas escolas”. O Tico-Tico. Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 1906. Nº 64. Ano II.

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E essa atenção fica ainda mais evidente com a criação desta seção especialmente

reservada às escolas, pois publicar fotografias dos leitores no ambiente escolar demonstra que

para os editores da revista, a escola era o lugar ideal para exibir as crianças.

Figura 1. Alunos do Grupo Escolar Cel. Paulino Carlos São Paulo. O Tico-Tico. Rio de Janeiro, 19 de junho de 1907. Nº 89.

Temos na fotografia acima o grupo escolar Coronel Paulino Carlos especialmente

construído para atender as crianças da cidade de São Carlos. Nesse estabelecimento podemos

perceber alguns dos traços que marcam os grupos escolares como “a divisão do trabalho

docente presentes na figura de um dos professores e do diretor da instituição, e de um edifício

escolar amplo compreendendo várias salas de aula” (SOUZA, 2004).

Conforme a seção, o grupo escolar Coronel Paulino Carlos atendia tanto meninos

quanto meninas, mas em diferentes períodos.

Por meio da seção Pelas Escolas podemos ver que gradativamente os grupos escolares

passam a ser cada vez mais comuns no Brasil. A seção acompanha o surgimento e

desenvolvimento desse modelo de escolarização visto como marca do poder civilizatório da

educação.

Nesse ensejo a mudança na estrutura da escola acompanha as transformações

presentes na educação que precisava incorporar os desejos de modernização.

Na medida em que essas ideias pedagógicas foram penetrando nas escolas,

gradativamente os espaços deveriam se tornar cada vez mais adequados ao atendimento

dessas novas demandas.

Até mesmo porque nesse período “falava-se com muita insistência na maior presença

das crianças nas salas de aula” (NISKIER, 1996).

Dessa forma o ideal da educação como elemento de engrandecimento da nação deveria

ser materializado nos mínimos detalhes como na formação adequada dos professores, no

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mobiliário, na valorização das festas cívicas e do mérito escolar, na modernização das

instituições escolares e nos métodos do trabalho docente.

Quanto ao método educativo que deveria fundamentar aas novas práticas escolares, a

seção Pelas Escolas apresenta um exemplo de material pedagógico baseado no método

intuitivo4 que segundo Souza (2004) “era visto como condição fundamental para a

constituição de uma escola primária renovada e moderna”.

Figura 2. Alunas na 3º escola feminina da Villa São Bernardo São Paulo. O quadro ao fundo é um

aparelho destinado ao ensino intuitivo de leitura e cálculo. O Tico-Tico, R.J., 6 de outubro de 1909, nº 209.

Também é referenciada na seção Pelas Escolas de O Tico-Tico, a presença constante

da figura dos professores. Esses profissionais encontravam-se sempre presentes nas

fotografias, o que sugere o prestígio de que a revista gozava nos espaços escolares da época

como um subsídio de importante valor na formação dos alunos, pois diga-se de passagem, a

revistinha sempre informava no rodapé das imagens que as crianças retratadas eram todas

leitoras de O Tico-Tico.

O professor, segundo visão da intelectualidade republicana, seria o sujeito capaz de 4 O método intuitivo consiste em desviar a centralidade da educação da descrição verbal das coisas para o aprendizado por meio da observação. Sugere então que o aluno seja apresentado às coisas antes de conhecer seus nomes e definições formais. O aluno deve conhecer os objetos que os cercam através da observação, as ideias devem preceder às palavras. No ensino primário, as crianças deveriam ser apresentadas a formas simples, antes de formas complexas, e deveriam aprender a falar antes de ler (SCHELBAUER, 2006).

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desencadear o processo civilizatório, “imbuído de uma missão regeneradora do povo

brasileiro, encaminhando o indivíduo para a vida nacional” (CARDOSO, 2013).

A partir das fotografias é nítida a ocorrência de mudanças nos espaços escolares no

Brasil que gradativamente passam da esfera das escolas isoladas com poucas condições

materiais de ensino para o aparecimento dos grupos escolares.

Já em 1910 é cada vez maior o número de fotografias que retratam os grupos escolares

brasileiros assim como o crescimento do número de alunos nessas instituições.

Servem de exemplo as fotografias do grupo escolar Antonio Padilha construído ainda

no século XIX na cidade de São Paulo e publicadas no exemplar nº 436 de fevereiro de 1914.

Figura 3. Grupo Escolar Antonio Padilha. Revista O Tico-Tico, nº 436, Rio de Janeiro, 11 de fevereiro

de 1914.

Nessa mesma edição estão retratados os alunos das alas masculinas e femininas

posando para a fotografia em trajes de gala que eram utilizados somente em ocasiões

especiais como nas festas de encerramento dos trabalhos escolares. Outros detalhes também

podem ser observados como a disciplinarização dos alunos enfileirados na escada do prédio.

A representação sugere ainda a presença da hierarquia composta na figura do diretor e

dos professores ao fundo e ao centro da imagem retratada em diagonal.

Segundo Souza (2006, p.70) “o sucesso da escola renovada, dependia dos professores

formados de acordo com as concepções educacionais modernas e de acordo com os valores

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republicanos”. E o grupo escolar tinha a função de contribuir para a reafirmação desse status

de profissional digno e reconhecido em toda a sociedade.

O Grupo Escolar Antonio Padilha reinaugurado em 1910, “contava com o que era de

mais rico e inovador no que diz respeito à estrutura, mobiliário e materiais para o ensino”

(SILVA, 2006).

Muitas das fotografias presentes nessa seção eram tiradas em ocasiões de festividades

escolares onde havia a valorização do civismo presente no fardamento dos alunos e no

hasteamento da bandeira.

Figura 4. Seção pelas Escolas, Revista O Tico-Tico, nº79. Fotografia publicada em 17 de julho de 1907

|Conforme Souza (2004) “o espírito cívico-patriótico deveria estar presente em todas

as atividades escolares”, sobretudo nas comemorações de datas cívicas que teriam uma força

educativa necessária à formação das crianças buscando incutir nelas o respeito aos símbolos

nacionais, aos valores e à própria pátria republicana.

Por todas essas características é que paulatinamente os grupos escolares brasileiros

foram se espalhando por todo o país ao longo da República e tornar-se-iam durante muito

tempo um modelo bem-sucedido de escolarização.

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É importante ressaltar que a partir da análise realizada fica claro que a seção Pelas

Escolas foi um importante instrumento de divulgação da educação, pois durante sua presença

nas páginas de O Tico-Tico a seção conseguiu representar as condições de muitas de nossas

escolas no Brasil.

Isso nos faz pensar que os professores e os diretores das instituições escolares

acreditavam no papel de O Tico-Tico como disseminador e defensor da instrução pública no

país, já que “a revistinha era lida por grande parte das crianças brasileiras em idade escolar”

(ROSA, 1991).

Partimos então do pressuposto de que essa exibição era um tipo de estratégia de defesa

e valorização dos espaços escolares na sociedade, já que O Tico-Tico comungava dos mesmos

preceitos republicanos que entendiam a educação escolarizada como necessidade

indispensável para o desenvolvimento do país.

A seção Pelas Escolas deixa de aparecer nas páginas de O Tico-Tico em meados de

1914, tendo, durante os seus sete anos de publicação, ajudado a incentivar os leitores de O

Tico-Tico a valorizarem a educação como instrumento de regeneração social e progresso.

Sendo assim, podemos afirmar que a representação nas páginas de O Tico-Tico dos

grupos escolares e a presença cada vez maior das crianças nesses espaços corroboraram para a

disseminação do ideário republicano de “valorização das instituições, dos novos métodos e de

uma nova cultura escolar que levaria o país ao status de nação desenvolvida, assim como

plasmaria o ideal de uma pátria ordeira e civilizada” (VIDAL e FARIA FILHO, 2005, p.53)

Mesmo deixando de circular em 1914 ainda na 1º República, a seção Pelas Escolas

conseguiu atingir seu objetivo de atuar como um instrumento adequado para o alcance não só

das crianças, mas de boa parte da população brasileira, “conclamando esses cidadãos a

adentrarem no universo simbólico característico do regime, necessário a afirmação de um

imaginário patriótico e a formação da alma republicana” (COELHO, 2002) que assim como

defendiam os intelectuais da época, seria forjada na escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos primeiros anos da República brasileira é nítida a preocupação de nossos

intelectuais com a difusão e a ampliação da oferta da instrução pública, pois a educação do

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povo seria premissa básica para que o país pudesse se tornar uma nação progressista e

desenvolvida.

Para tanto várias mudanças foram instituídas no cenário educacional de modo que este

pudesse se adequar as novas demandas de escolarização cada vez mais crescentes no país.

E uma dessas mudanças foi a criação dos grupos escolares que atuaram com uma nova

forma organizacional do ensino que visava corroborar com o ideário republicano de difundir o

ensino primário à toda população.

A defesa desse novo modelo de organização escolar deveria ser difundida por todo o

país e foi com esse intuito de colaborar para a disseminação da escolarização no Brasil é que a

Revista O Tico-Tico atuou como defensora dos grupos escolares e da presença cada vez mais

constante das crianças nesses ambientes.

E essa defesa se fez presente na seção Pelas Escolas que entre os anos de 1907 e 1914

divulgou fotos de instituições escolares, de professores e alunos presentes nesses locais que

Com respaldo nessas fotografias é possível perceber que as escolas tornaram-se cada

vez mais comuns no país, assim como é possível ver o aumento do número de crianças que

com o passar dos anos já podiam ter acesso a escolarização básica.

Assim o presente estudo procurou mostrar que a seção Pelas Escolas presente na

Revista O Tico-Tico atuou como um complemento na valorização do ambiente escolar e da

necessidade da escolarização para todas as crianças e jovens brasileiros, pois acreditava-se

que a educação seria a mola propulsora para o desenvolvimento e progresso do país.

A seção Pelas Escolas deixou de circular como encarte da revista O Tico-Tico em

1914 e pode-se dizer que pela quantidade de números e fotografias publicadas que circularam

em suas páginas, ela foi bem sucedida em sua função de valorizar as instituições escolares

nascentes no Brasil republicano assim como difundir os aspectos característicos do universo

escolar de modo que as crianças brasileiras pudessem ter acesso a educação em todos os

momentos da vida social.

REFERÊNCIAS

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STEPHANOU, M. & BASTOS, M. H. C. (Orgs.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil. Vol. III – Século XX. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 68.

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