Anais da XXX Semana de História da Universidade Federal de Juiz ...

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XXX SEMANA DE HISTÓRIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA AS FACES DE CLIO E OS DESAFIOS DA HISTÓRIA 18 A 22 DE NOVEMBRO DE 2013 UFJF ANAIS DO EVENTO Aline Abranches Álvaro Saluan Arthur Lanzoni Diego Rodolfo Eduardo Barbosa Fábio Duque Gabriela Fazolato Iano Oliveira Inajá Reis Jeniffer Azevedo João Victor Mariana Oliveira Mariane Alves Paloma Silva Rafael Dias Renato Ulhôa Samara Vitral Vitória Bergo (Organizadores)

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  • XXX SEMANA DE HISTRIA

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

    AS FACES DE CLIO E OS DESAFIOS DA

    HISTRIA

    18 A 22 DE NOVEMBRO DE 2013 UFJF

    ANAIS DO EVENTO

    Aline Abranches

    lvaro Saluan

    Arthur Lanzoni

    Diego Rodolfo

    Eduardo Barbosa

    Fbio Duque

    Gabriela Fazolato

    Iano Oliveira

    Inaj Reis

    Jeniffer Azevedo

    Joo Victor

    Mariana Oliveira

    Mariane Alves

    Paloma Silva

    Rafael Dias

    Renato Ulha

    Samara Vitral

    Vitria Bergo

    (Organizadores)

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    ISSN: 2317-0468

    18 a 22 de novembro de 2013

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    XXX SEMANA DE HISTRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE

    JUIZ DE FORA

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA UFJF

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS ICH

    CENTRO ACADMICO DE HISTRIA GESTO

    MovimentAo

    Ficha Tcnica

    Anais da XXX Semana de Histria da Universidade Federal de Juiz de Fora. As Faces de Clio e os Desafios da Histria.. Juiz de Fora, 2014. ISSN: 2317-0468. 448 p. 1. Teoria 2. Histria da Historiografia 3. Metodologia Comisso Organizadora: Aline Abranches lvaro Saluan Arthur Lanzoni Diego Rodolfo Eduardo Barbosa Fbio Duque Gabriela Fazolato Iano Oliveira Inaj Reis Jeniffer Azevedo Joo Victor Mariana Oliveira Mariane Alves Paloma Silva Rafael Dias Renato Ulha Samara Vitral Vitria Bergo

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    3

    Sumrio

    TEXTO ESPECIAL: .............................................................................................................. 6

    O Apelo Integralista do ps-guerra unio de uma liga pan-latina. Nuno Simo

    Ferreira ................................................................................................................................ 6

    SIMPSIOS TEMTICOS: .............................................................................................. 18

    01. A Monarquia Pluricontinental Portuguesa: Elites, prticas sociais e

    economia. Sculos XVI XVIII. ........................................................................... 18

    Refletindo sobre relaes de poder em uma sociedade sertaneja: o termo de

    Pitangui-MG na primeira metade do sculo XVIII. Izabella Ftima Oliveira de

    Sales .................................................................................................................................. 18

    Os Juzes Ordinrios de Vila do Carmo: perfil e atuao. Mariane Alves Simes 34

    02. Cinema, Histria e Poltica. .................................................................................... 46

    Germinal: cinema como fonte documental. Dirceu Ferreira Barbuto ...................... 46

    03. Cultura Associativa e a Formao do Espao Pblico no Brasil, sculo XIX

    e XX: Problemas, desafios e abordagens. ..................................................... 62

    A formao, legitimao e ao do Sindicato dos Metalrgicos de Juiz de Fora/MG

    na primeira metade do sculo XX. Luisa de Mello Correard Pereira ....................... 62

    Troca de saberes nas associaes de artesos do Vale do Jequitinhonha Minas

    Gerais. Juliana Pereira Ramalho. .................................................................................. 73

    Revisando a esfera pblica: Uma proposta de pesquisa a partir da histria

    conceitual. Renato de Ulha Canto Reis ...................................................................... 83

    Opinio e espao pblico na Frana e no Brasil: um estudo comparativo. Dievani

    Lopes Vital ....................................................................................................................... 97

    04. Direita, Autoritarismo e Memria. .................................................................... 111

    Construo de identidades a partir da luta pela Anistia: testemunhos e histria oral.

    Esther Itaborahy Costa .................................................................................................. 111

    24 de agosto de 1954: A morte de Getlio Vargas e a sua repercusso na mdia

    jornalstica. Geovane Batista Costa. ........................................................................... 124

    Nazismo em Juiz de Fora na dcada de 30 e 40. Roberto Gouva ......................... 139

    A formao da intelectualidade antiliberal na segunda dcada da Primeira

    Repblica. Allony Rezende de Carvalho Macedo .................................................... 149

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    4

    A batalha da Praa da S: o Brasil em verde e vermelho. Vincius da Silva Ramos

    ........................................................................................................................................... 164

    O Golpe civil-militar de 1964 e a imprensa juizforana: uma anlise do Dirio

    Mercantil e do Dirio da Tarde. Carolina Martins Saporetti ............................. 180

    Ao Integralista Brasileira: um partido revolucionrio militarizado de direita no

    Brasil entreguerras. Pedro Ivo Dias Tanagino ........................................................... 191

    O Estado Novo e a Segunda Guerra Mundial: uma anlise da conjuntura poltica

    interna e externa. Wesley Venncio ............................................................................ 204

    05. O Catolicismo em Minas Gerais: Novas Perspectivas sobre a Histria da

    Igreja. ........................................................................................................................ 219

    O morrer na Juiz de Fora oitocentista. Leandro Gracioso de Almeida e Silva ..... 219

    06. Por uma Historia Social da Poltica. .................................................................. 227

    Perfil da diplomacia portuguesa na virada do sculo XVIII para o XIX. Debora

    Cristina Alexandre Bastos e Monteiro de Carvalho ................................................. 227

    Da Igreja Constituinte: a religio e a formao da estrutura poltica do Brasil

    Imperial. Eliene da Silva Nogueira ............................................................................. 238

    Phenix dramtica, o teatro da moda. Raquel Barroso Silva .................................... 250

    07. Possibilidades de pesquisa em fontes manuscritas: o documento histrico

    como testemunha do passado. .............................................................................. 264

    Os registros de batismo e as redes de parentesco espiritual dos livres de cor para

    So Joo del-Rei (1790-1799). Sirleia Maria Arantes .............................................. 264

    A Histria contada e escrita por quem vive a histria. Claudia Carvalho Gaspar

    Cimino ............................................................................................................................ 275

    Justificaes: um olhar sobre o cotidiano. Edriana Aparecida Nolasco ................ 284

    08. Trajetrias e Instituies Polticas no Brasil Republicano (1889-1845). ... 300

    Estratgias e articulaes do Partido Comunista Brasileiro/PCB com o movimento

    operrio em Minas Gerais (1955-1970). Camila Gonalves Figueiredo ................ 300

    A Comisso de Verificao de Poderes no Parlamento Brasileiro (1898-1930).

    Vtor Fonseca Figueiredo ............................................................................................. 310

    O passado como narrativa: anos 1930, no Rio Grande do Norte, Histria de uma

    campanha. Helicarla Morais ........................................................................................ 321

    A relao do empresariado com o Estado no contexto do Estado Novo brasileiro e

    portugus 1930-1945. Priscila Musquim Alcntara de Oliveira ........................... 339

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    COMUNICAO LIVRE: ............................................................................................... 348

    Um mestre da arte da gravura: Adalberto Pinto de Mattos. Joo Victor Rosseti

    Brancato .......................................................................................................................... 348

    Ms notcias: uma pintura de gnero de Rodolfo Amodo em meio s mudanas do

    final do sculo XIX. Amanda Tostes Capichoni ....................................................... 363

    Representaes de poder no Imprio: analisando o trono de D. Pedro II. Brbara

    Ferreira Fernandes e Vanessa Luiz de Oliveira ......................................................... 376

    A arte funerria no Museu Mariano Procpio: uma discusso acerca da tradio

    arqueolgica Marajoara. Bruno Rezende Guedes ..................................................... 391

    Iconografia de Nossa Senhora do Rosrio da cidade de Rio Pomba. Jayne de

    Ftima Costa Santos ...................................................................................................... 405

    Narrativa teratolgica: implicaes de O Narrador de Benjamin sobre o

    Imaginrio Fantstico. Guilherme Jacinto Schneider ............................................... 417

    Economia do dom: ddivas, reciprocidades e trocas. Fabiano Gomes da Silva ... 429

    Imposto nico sobre transaes: a proposta da FIEMG. Maedison de Souza ....... 438

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    TEXTO ESPECIAL

    O apelo integralista do ps-guerra unio de uma liga pan-latina.

    Nuno Simo Ferreira

    Resumo:

    Os acontecimentos da segunda metade de 1921 comearam a modificar

    sensivelmente a situao. Com a crescente atividade dos republicanos radicais, a

    provncia conservadora despertava e a Causa Monrquica via crescer as suas fileiras.

    Dado o novo alento que soava, no mnimo, uma aparncia de crescimento, o

    Integralismo Lusitano chegou a propor, atravs de um documento emanado pela sua

    Junta Central, em 1 de Setembro de 1921, a unio dos povos latinos no combate a travar

    contra o demoliberalismo republicano, a maonaria, o internacionalismo e o

    cosmopolitismo.

    Estes intentos ambicionados seriam conseguidos atravs do ressurgimento da

    glria romana, da implantao da monarquia tradicionalista, orgnica e corporativa.

    Palavras-Chave: Integralismo Lusitano, Monarquia e Unio dos Povos Latinos ou Pan-

    Latinismo.

    Abstract

    The events of the second half of 1921 the situation began to change

    dramatically. With the increasing activity of the radical republicans, the conservative

    province awoke and saw Royalist Cause grow their ranks.

    Given the new breath that sounded at least a semblance of growth Integralismo

    Lusitano arrived to propose, through a document, issued by a Central Board in

    September 1, 1921, the union of the Latin peoples to wage the fight against

    demoliberalism republican, freemasonry, internationalism and cosmopolitanism.

    These coveted attempts would be achieved through the resurgence of Roman

    glory, the deployment of traditionalist, organic and corporate monarchy.

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    Key-words: Integralismo Lusitano, Monarchy and Union of Latin Peoples or Pan-

    Latinism.

    1. PORTUGAL E O PS-GUERRA

    A guerra produzira um novo contexto internacional, cujos reflexos no podiam

    deixar de se fazer sentir em Portugal. A entrada de Portugal na guerra deu o sinal para

    um novo perodo de agitao social, que duraria at ao fim da Repblica.

    As consequncias do envolvimento de Portugal na guerra reflectiram-se

    rapidamente na vida interna do pas com a escassez de gneros de primeira necessidade

    e de at de segunda necessidade, ocasionando o aparecimento de fome entre as classes

    urbanas menos favorecidas; o crescimento do nmero de contingentes militares que

    partiam para a frente de combate e o elevado nmero de baixas, geraram rapidamente o

    descontentamento entre o povo que era, no fundo, quem sustentava o esforo de guerra

    portugus; a intensificao da agitao social, nos ltimos meses de 1917, obrigando o

    governo a adoptar medidas severas que aumentaram a sua impopularidade.

    Relativamente poltica interna, o governo republicano, embora prestigiado no

    seio dos aliados, era contestado em Portugal, enquanto que as divises no seio dos

    republicanos se acentuavam. As foras conservadoras (alguns republicanos, catlicos e

    monrquicos) aproveitaram o descontentamento geral e afastaram revolucionariamente

    os Democrticos do poder. Iniciava-se, ento, o perodo sidonista ou da Repblica

    Nova.

    Quanto poltica externa, destaca-se o triunfo da revoluo russa em 1917, que

    provocou uma vaga revolucionria, sucedendo-se tentativas de tomadas de poder por

    parte dos partidos operrios. Os regimes demoliberais revelavam-se excessivamente

    vulnerveis, criando por isso condies para a emergncia de movimentos apostados na

    construo de uma ordem forte e autoritria.

    Monsaraz considerava que o Comunismo poderia espreitar no horizonte,

    enquanto a crise econmica, financeira e social grassava por toda a Europa, com a

    inflao disparada, o desemprego a subir, a violncia e a agitao incontrolveis.

    De facto, capitalistas e vastos sectores da direita conservadora, assustados pelo

    exemplo da Revoluo Russa, receavam que Portugal pudesse enveredar tambm por

    um processo revolucionrio. Por isso, no s foram estimular a formao de grupos

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    armados de direita como procuraram o apoio dos militares com vista formao de um

    governo forte que defendesse melhor os seus interesses.

    Portugal, pas de economia dependente e atrasada, sofreu ainda mais os efeitos

    da crise internacional. Todavia, a participao na guerra assegurou a preservao do

    Imprio colonial, alargado com a restituio de Quionga (pequeno territrio que a

    Alemanha ocupava desde 1894), e era agora restituda por deciso do Conselho

    Supremo das Naes Aliadas, de 25 de Setembro de 1919, e o aniquilamento das

    pretenses, tanto da frica do Sul, bem como dos demais pases relativamente s

    colnias portuguesas.

    Apesar deste aparente cenrio de descompresso internacional volta dos

    territrios portugueses, mais uma vez Monsaraz hasteava a bandeira da inquietao e do

    temor contra uma possvel investida imperialista espanhola:

    () Receio imenso a interveno estrangeira. No concordo contigo

    sobre intimidades polticas e morais com a Espanha. O Leo de Castela o

    inimigo tradicional do nosso Pelicano, smbolo da grei. Uma vez fortalecidos

    internamente, poderemos viver ao lado uns dos outros, como vizinhos que se

    consideram e respeitam.

    Por agora no, no e no! A ameaa da conquista paira sobre ns. Castela

    esboa uma poltica evidente de avante-guerra e o pior que a Inglaterra no

    se ope. Lembra-te que a nossa obra uma obra nacional e a primeira

    condio do nosso nacionalismo o dio Espanha, a melhor virtude que

    nos legaram os nossos avs mortos em Aljubarrota e Montes-Claros. Fecha

    os olhos e vive os melhores sculos da nossa Histria. Por fim concordars

    que tenho razo 1 (MONSARAZ, Alberto de, 1919).

    Monsaraz entendia que, uma vez a Monarquia restaurada e Portugal fortalecido,

    a geo-estratgia da sua poltica externa seria impulsionada pela atlantizao, procurando

    buscar apoios relevantes em territrios extra-Pennsula Ibrica e at Europa, de forma a

    colmatar a exiguidade continental dos recursos lusos.

    Depois de restaurada a ptria, no Brasil que a Ptria dever

    procurar o seu natural ponto de apoio contra a ganncia multi-secular dos

    vizinhos e dos aliados. Seria a maneira de sarmos da rbita diplomtica da

    1 Esplio Antnio Sardinha (EAS), Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta n. 149, Carta n. 78,

    Hospital de So Jos, Lisboa, 16 de Agosto de 1919.

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    Inglaterra sem carmos na da Espanha, ainda mais trabalhosa e humilhante

    para ns2. (MONSARAZ, Alberto de, 1919).

    Apesar de Afonso Costa, que chefiara a segunda delegao lusa ao Tratado de

    Paz, ter conseguido obter dos Aliados a concordncia para o pagamento por parte da

    Alemanha de reparaes de guerra, numa percentagem aprecivel, esse pagamento foi

    sempre protelado. O descalabro econmico facilitou manobras do capital financeiro,

    num pas em que a circulao fiduciria aumentava a todo o momento e a dvida

    flutuante triplicara depois da guerra. Principal vtima da inflaco era a classe mdia,

    em que o regime republicano se apoiara. O poder de compra do funcionalismo pblico

    baixara consideravelmente, em consequncia das crnicas dificuldades oramentais,

    agravadas entretanto com as despesas da guerra. As reivindicaes salariais dos

    sindicatos contriburam, por seu lado, para a espiral dos preos num ciclo imparvel. Eis

    o testemunho de Alberto de Monsaraz:

    O atual momento poltico de sobressaltos e de angstia. Samos da

    guerra vitoriosos, certo, mas tristes e prostrados, com a conscincia do

    dever patritico rigorosamente cumprido at ao fim, reconfortados sob o

    ponto de vista moral, mas sob o aspecto material, o aspecto econmico e

    financeiro, mais pobres do que dantes. Seria necessrio trabalhar muito,

    trabalhar constantemente, numa faina incansvel, dia a dia, para ganharmos

    de novo, com o suor do nosso rosto, pelo esforo prprio que nobilita e

    engrandece, aquela gloriosa situao entre os povos da terra, que j tivemos e

    deixmos perder. No parece compreend-lo assim o operariado portugus.

    Em pas nenhum do mundo o esprito sectrio, anti-patritico e anti-nacional,

    est mais fundamente radicado na alma das massas proletrias3. (Conde de

    Monsaraz, 1919: 1).

    Monsaraz esteve completamente ausente da actividade e propaganda polticas

    ativas devido a estar h nove meses hospitalizado. Mas no deixava de advertir que, em

    caso de

    2 EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta n. 149, Carta n. 78, Hospital de So Jos, 16 de

    Agosto de 1919. 3 Conde de Monsaraz, Na hora incerta, in A Monarquia, Ano III, N. 572, 11 de Outubro de 1919, p.

    1.

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    () desnorteamento e os maus conselhos, () conduzirem os

    operrios portugueses a uma tentativa hedionda de subverso nacional e

    social, pode contar o governo desta terra com o nosso esforo patritico, com

    aquele esprito de sacrifcio que j tantas vezes temos revelado na defesa dos

    nossos ideais, para que todos juntos, monrquicos e republicanos, possamos

    proteger a Ptria contra os sem Ptria e a civilizao latina contra os novos

    bbaros que a ameaam4. (Conde de Monsaraz, 1919: 1).

    O governo revelava-se incapaz de travar o aumento dos preos dos produtos de

    primeira necessidade e de evitar a deteriorao das condies de sobrevivncia. O

    operariado agitava-se e os movimentos grevistas, determinados quase exclusivamente

    pela necessidade de elevar os vencimentos, agravavam a instabilidade poltica. As

    greves sucediam-se, e nos perodos mais difceis, desencadeando mesmos confrontos

    violentos e assaltos colectivos a lojas e a armazns de produtos de primeira necessidade.

    Alguns grupos sobretudo anarquistas recorriam frequentemente a atentados que

    lanavam o pnico na populao.

    , ainda, oportuno acrescentar que a vaga de reivindicaes que se vinham

    assistindo, juntamente com a atitude benvola do Estado no ps-guerra, fez com que

    vrios patres sentissem a necessidade de se organizarem para melhor lhes resistir. Um

    dos maiores estmulos neste processo foi a aprovao da lei das 8 horas de trabalho em

    1919, que estaria na origem dos primeiros confrontos de envergadura. O resultado

    imediato da reaco patronal, ainda que meramente defensiva, foi o nascimento da

    Confederao Patronal em Novembro de 1919, como uma tentativa de organizao

    nacional e geral do patronato. A Confederao patronal estava claramente orientada

    contra o movimento operrio.

    Nestas condies, no se estranhar que se comeasse a assistir a um progressivo

    fraccionamento no campo dos defensores de um regime demoliberal e ao reforo dos

    extremos do leque poltico, de um lado, o movimento anarco-sindicalista e a

    Confederao Geral do Trabalho, formada em 1919 e do outro, os catlicos

    conservadores do Centro Catlico e os monrquicos do Integralismo Lusitano. Alberto

    de Monsaraz deixa-nos entrever na correspondncia com Antnio Sardinha, que tinha

    esperana de vir a influenciar decisivamente os ventos que sopravam conturbadamente,

    () creio bem que o operariado portugus, desiludido da questo revolucionria, vir

    4 Idem, Na hora incerta, Ibidem, p. 1.

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    francamente colocar-se ao nosso lado. s possvel que triunfemos muito mais

    depressa do que seria para supor e at mesmo para desejar5. (MONSARAZ, Alberto

    de, 1920).

    2. O APELO INTEGRALISTA DO PS-GUERRA UNIO DE UMA

    LIGA PAN-LATINA

    O ano decisivo de 1921

    Foi aps a 1. Guerra Mundial que o Integralismo Lusitano publicou as suas

    instrues de organizao, definindo-se como () o sistema de princpios filosfico-

    polticos que se destinam a restaurar a Nao Portuguesa pela autoridade do Rei e pela

    interveno nos rgos do Estado dos legtimos representantes dos Municpios, das

    Provncias, e das corporaes da Inteligncia e do Trabalho 6 (A Monarquia, 1921) e,

    como expresso perfeita das aspiraes nacionais, se considerava () nacionalista por

    princpio, sindicalista (corporativista) por meio, monrquico por concluso 7 (A

    Monarquia, 1921). A sua meta seria, em nome do interesse nacional, proclamar a defesa

    da legitimidade histrica das instituies monrquicas e Rei legtimo e contra as

    fices liberalistas, pugnar pela monarquia orgnica, anti-parlamentar, e

    descentralizada8 (A Monarquia, 1921). Na sua actuao, o Integralismo Lusitano

    rejeitava liminarmente a designao de partido, prpria das faces republicanas:

    no um novo partido que se prepara para assumir poder, pelo

    contrrio, uma corrente de opinio que procura libertar a Nao das

    clientelas partidrias, entregando a defesa dos diversos interesses aos seus

    rgos prprios: a Junta de freguesia, a Cmara Municipal, a Junta (ou

    assembleia provincial), a Assembleia Nacional (Cortes), na ordem

    administrativa; o Sindicato patronal, o Sindicato misto, as unies locais e

    regionais de sindicatos, as federaes nacionais de Sindicatos de produo,

    na ordem econmica; as escolas, a igreja, as associaes profissionais, os

    institutos cientficos, na ordem espiritual9. (A Monarquia, 1921)

    5 EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta n. 149, Carta n. 86, Victoria Palace-Hotel, Paris, 24 de Agosto de 1920.

    6 Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, in A Monarquia, Ano V, N. 896, 20 de Abril de 1921. 7 Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, in A Monarquia,

    Ano V, N. 896, 20 de Abril de 1921. 8 Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, Ibidem.

    9 Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, Ibidem.

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    Para o projecto de organizao da Nao procurou dotar-se o Integralismo

    Lusitano de organizao prpria, com uma Junta Central, juntas provinciais, juntas

    municipais, ncleos paroquiais, juntas escolares, conselhos tcnicos centrais, conselhos

    tcnicos provinciais e sindicatos profissionais10

    .

    O Integralismo Lusitano publicou tambm, em 1921, A Questo Dinstica/

    Documentos para a Histria11

    (A Questo Dinstica/ Documentos para a Histria/

    Mandados coligir e publicar pela Junta Central do Integralismo Lusitano, 1921),

    pretendendo elaborar uma sntese elucidativa e documentada das vrias diligncias que

    a Junta Central encetara, aps as intentonas monrquicas de 1919, primeiro para com D.

    Manuel II, culminando com a desvinculao poltica dos integralistas ao Rei exilado e,

    logo a seguir, a abordagem do perodo de interregno, que durou cerca de dois anos de

    negociaes travadas entre integralistas, legitimistas e miguelistas, culminando na

    divulgao da proclamao de princpios, emanada por D. Aldegundes, que em nome do

    Prncipe Real estabeleceu os fundamentos da Monarquia nova.

    As eleies de Julho de 1921, em que os monrquicos participaram, foram uma

    decepo. Apesar de todos os esforos desenvolvidos e da vitria conservadora nestas

    eleies, os monrquicos s conseguiram eleger quatro deputados, o que era

    manifestamente frustrante para quem teve 37 deputados no sidonismo.

    As eleies provaram que a principal fora mobilizadora dos monrquicos

    estava na provncia e no Norte, em que predominavam importantes sectores do

    campesinato, classe que, no entanto, no pesava muito nas eleies. Em Lisboa, s as

    juventudes monrquicas se revelavam activas, e, apesar dos avultados fundos sua

    disposio, a sua fora era reduzida.

    O Partido Democrtico, juntamente com a sua mquina eleitoral bem organizada

    e com o seu leal ncleo de burocratas, perdia as eleies, numa poca em que estas

    estavam cada vez mais desacreditadas. Em vez de darem ao eleitorado, j por si restrito,

    10

    A organizao integralista seguia o modelo das ligas do perodo precedente da I Guerra Mundial, com

    uma direco inamovvel e um conjunto de organismos locais e provinciais sob o estrito controlo da

    direco e sem mecanismos electivos. de realar que os dirigentes da primeira gerao integralista

    nunca esconderam a desconfiana perante as massas e o populismo e, por isso, no cederam em termos

    organizativos s presses fascizantes de alguns sectores mais jovens dos anos 20. 11

    A Questo Dinstica/ Documentos para a Histria/ Mandados coligir e publicar pela Junta Central do

    Integralismo Lusitano, Lisboa, Empresa Nacional de Indstrias Grficas, 1921.

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    a oportunidade de escolher entre os diversos grupos polticos, a maioria das eleies

    servia apenas para consolidar o poder do partido que j o tinha, tendncia que se tornou

    prtica comum com o rotativismo partidrio na monarquia constitucional e liberal.

    Os acontecimentos da segunda metade de 1921 comearam a modificar

    sensivelmente a situao. Com a crescente atividade dos republicanos radicais, a

    provncia conservadora despertava e a Causa Monrquica via crescer as suas fileiras. O

    mau ano agrcola de 1921 e a crise mais geral s viriam contribuir para acentuar ainda

    mais a tendncia.

    A to esperada amnistia de 1921, que se devera principalmente tctica

    adoptada por D. Manuel II, veio permitir que Alberto de Monsaraz e outros dirigentes

    integralistas, ainda no exlio, voltassem a Portugal. A organizao integralista, que j

    conseguira refazer no essencial a sua rede de 1917, surgia como uma das maiores foras

    conservadoras, com ramificaes em praticamente todos os sectores do exrcito, nos

    jornais e nas organizaes patronais. Consequentemente, a maior parte dos monrquicos

    comeava a sentir que, uma vez obtida a amnistia e consolidada a organizao, tinha

    chegado o momento de passar a actividade eleitoral para segundo plano e procurar criar

    as condies que permitissem a restaurao, como resposta crescente fora dos

    republicanos radicais.

    Dados estes novos alentos que conferiam, no mnimo, uma aparncia de

    crescimento, de influncia poltica e de um novo recrudescimento da esperana

    monrquica, o Integralismo Lusitano chegou a propor, atravs de um documento

    emanado pela sua Junta Central, em 1 de Setembro de 1921, a unio dos povos latinos

    no combate a travar contra o demoliberalismo republicano, a maonaria, o

    internacionalismo e o cosmopolitismo.

    Estes intentos ambicionados seriam conseguidos atravs do ressurgimento da

    glria romana, da implantao da monarquia tradicionalista, orgnica e corporativa:

    o Integralismo Lusitano que no nosso pas representa, em teoria e

    com efeito, o nacionalismo integral portugus, estima que a hora histrica

    veio exprimir o desejo que um esforo comum seja tentado pelas naes

    herdeiras de Roma para restaurar, ao mesmo tempo que a ordem romana,

    monrquica e catlica, o antigo esplendor da inteligncia latina. () Este

    triste privilgio (as consequncias derivadas do aniquilamento das velhas

    instituies histricas portuguesas, operadas pelo demoliberalismo

    republicano) d uma significao e uma autoridade particulares ao nosso

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    apelo tradicionalista e ns queremos esperar que ser entendido e cumprido

    por todos os povos que, apesar de tantas amarguras, tm ainda f nos seus

    destinos nacionais12

    (Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin,

    1921).

    A sugesto da Junta Geral legitimar-se-ia pelo glorioso passado lusitano:

    Portugal cuja epopeia famosa das navegaes e das conquistas esta cruzada de cinco

    sculos para o brilho da civilizao ocidental o melhor ttulo de glria, actualmente

    sbito, mais que nenhuma outra das suas irms latinas13

    (Integralismo Lusitano/

    Pour lordre traditionnel latin, 1921).

    Para a conservao do apelo aos povos latinos, a Junta Central, assemelhando-se

    frmula do Enqute sur la Monarchie de Charles Maurras, elaborou um inqurito

    destinado aos lderes dos grupos reacionrios dos pases latinos dispersos pela Europa e

    pela Amrica. Atravs de sucessivas questes, a Junta Central demonstrava a

    necessidade imperiosa de proceder renovao total da sociedade.

    As questes visavam realar a reconstruo nacionalista, monrquica

    tradicionalista da Europa, sob a gide do pan-latinismo europeu e americano e,

    combater, obviamente, os arqui-inimigos dos meios reaccionrios: maonaria,

    socialismo, comunismo, capitalismo, repblicas demoliberais e democrticas e o

    cosmopolitismo:

    1. - A ideia poltica que se traduz por estas palavras Nacionalismo

    Integral, isto a Monarquia orgnica, tradicionalista, antiparlamentar e

    descentralizada ela, sim ou no, a nica superao de um perfeito

    nacionalismo?

    4. - Os princpios do Internacionalismo Socialista que pretendem negar a

    funo eterna e essencial do organismo da nao, devem eles, sim ou no, ser

    considerados como contrrios aos interesses da civilizao?

    6. - O Nacionalismo Integral deve, sim ou no, reconhecer a Igreja Catlica

    como o mais alto poder internacional e o nico coordenador possvel dos

    diferentes nacionalismos, por vezes divergentes?

    7. - Deve-se, sim ou no, condenar, ao mesmo tempo, a aco nefasta da

    internacional manica?

    8. - Haver vantagem, na luta contra as democracias estrangeiras, a que as

    organizaes nacionalistas de todos os pases latinos, se unissem numa forte

    12

    Esplio Alberto de Monsaraz (EAM), Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta

    Central do Integralismo Lusitano, Lisboa, Rua Serpa Pinto 38, 1 de Setembro de 1921. Documento

    traduzido do original em Francs. 13

    EAM, Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta Central do Integralismo Lusitano,

    1 de Setembro de 1921.

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    15

    aliana de apoio e de solidariedade mtua?14

    (Integralismo Lusitano/ Pour

    lordre traditionnel latin, 1921).

    Acerca da ideia de unio das foras nacionalistas latinas contra as democracias,

    restavam dvidas sobre a sua orgnica:

    a) Por um rgo central que mantm unidas, atravs de uma

    correspondncia regular, todas as organizaes nacionalistas?

    b) Por um acordo jornalstico? Por uma agncia comum de informaes? Por

    uma revista internacional pan-latina?

    c) Pela convocao de Congresso e a nomeao de misses de embaixadores

    polticos?15

    (Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, 1921).

    Para efectivar este propsito, Alberto de Monsaraz parece encaminhar-se para a

    constituio de agncia comum de informaes, referindo o seguinte a Antnio

    Sardinha, ento director da Nao Portuguesa:

    ainda no pude escrever para a Nao Portuguesa, atarefado como

    ando, com a constituio da nova sociedade FAST e criao dos diversos

    departamentos, alguns dos quais te ho-de certamente interessar.

    Havemos de pensar numa federao de livrarias e muitos poders, por certo,

    auxiliar-nos em Madrid16

    (MONSARAZ, Alberto de, 1922).

    A agncia Fast, situar-se-ia em Paris, na Rue Royale, nmero 13. Da agncia

    estava dependente o Comoedia/ Journal Quotidien Ilustr/ La Vie Artistique et

    Intellectuelle-Etrangre. Os seus directores eram: o portugus, Francisco Homem Cristo

    14

    EAM, Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta Central do Integralismo Lusitano,

    1 de Setembro de 1921. 15

    EAM, Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta Central do Integralismo Lusitano,

    1 de Setembro de 1921. 16

    EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta N. 149, Carta n. 102, Paris, 28 de Novembro de

    1922.

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    16

    Filho17

    e o espanhol Garcia-Calderon. Monsaraz comunicava a Sardinha acerca da

    divulgao da obra potica neste jornal:

    os teus sonetos so admirveis, dos mais belos que tens feito. Destaco

    a Madre Hispnia, que prefiro a todos os outros.

    No quis escrever-te sem te mandar o nmero de Comoedia o grande

    jornal literrio e artstico de Paris, onde anunciei o aparecimento do teu livro

    na pgina semanal que o Homem Cristo dirige, em colaborao com o

    escritor Garcia-Calderon. Tive muito gosto em poder falar nos teus sonetos e

    no o fiz latamente, porque o Homem Cristo Filho, sendo portugus, no

    deseja, no primeiro nmero da pgina, falar demasiado nos escritores seus

    compatriotas, e eu no quis esperar mais tempo para dar a notcia sobre o teu

    livro18

    (MONSARAZ, Alberto de, 1923).

    A Junta Central do Integralismo Lusitano parecia querer dar o primeiro passo, na

    vanguarda da to desejada unio das foras nacionalistas latinas, ao anunciar

    unilateralmente uma futura reunio a ser realizada em Paris, de Charles Maurras e da

    sua Action Franaise, ou em Roma, do meterico Mussolini. Seria um Congresso

    poltico reaccionrio, o primeiro evento concreto que deveria conduzir, segundo a Junta

    Central integralista, ao triunfo das verdades que ns defendemos, para a vida e sade

    da nossa Raa e de nossas Ptrias19

    (Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel

    latin, 1921).

    Hiplito Raposo confirmaria, na sua obra Dois Nacionalismos: LAction

    Franaise e o Integralismo Lusitano, a pretenso do Integralismo Lusitano, chegando a

    propor Action Franaise a realizao de um Congresso Internacional de organizaes

    congneres para debater a criao de uma liga internacional latina contra as influncias

    manicas e a escravido democrtica. Alm disso, Hiplito Raposo adianta que tal

    pretenso seria mal recebida por Maurras, sempre numa postura chauvinista e de

    desconfiana em face de qualquer de qualquer internacionalismo: ao Nacionalismo

    Francs, demasiadamente preocupado consigo mesmo, no mereceu esse documento

    17

    Homem Cristo Filho, refugiado novamente em Paris, foi a nomeado por Sidnio Pais director dos

    servios de informao de Portugal nos pases amigos e aliados, colocando ao servio do apoio ao

    sidonismo a agncia noticiosa Chez Fast, que dirigia na capital francesa.

    18 EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta N. 149, Carta N. 103, Chez Fast-Paris, 13 de

    Fevereiro de 1923. 19

    EAM, Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta Central do Integralismo Lusitano,

    1 de Setembro de 1921.

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    17

    outro interesse que no fossem as boas palavras de Maurras ao nosso amigo que lho

    entregou20

    . (RAPOSO, Hiplito, 1929: 143).

    Em 1923, Monsaraz acrescentava um elemento novo unio internacionalizada

    das foras nacionalistas latinas: aguardo, porm, a volta de Roma do Homem Cristo,

    que vai conferenciar com ele acerca da criao da Federao Transnacional Pan-

    Latina21

    . (MONSARAZ, Alberto de, 1921).

    . FONTES MANUSCRITAS:

    . Esplio Antnio Sardinha.

    . Esplio Alberto de Monsaraz.

    . FONTES IMPRESSAS:

    . A Monarquia, Ano III, N. 572, 11 de Outubro de 1919.

    . A Questo Dinstica/ Documentos para a Histria/ Mandados coligir e publicar pela

    Junta Central do Integralismo Lusitano, Lisboa, Empresa Nacional de Indstrias

    Grficas, 1921.

    . Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, in

    A Monarquia, Ano V, N. 896, 20 de Abril de 1921.

    . RAPOSO, Hiplito, Dois Nacionalismos: LAction Franaise e o Integralismo

    Lusitano. Conferncia feita na Liga Naval Portuguesa, em 23 de Maro de 1925,

    Lisboa, Livraria Ferin, 1929

    20

    RAPOSO, Hiplito, Dois Nacionalismos: LAction Franaise e o Integralismo Lusitano. Conferncia

    feita na Liga Naval Portuguesa, em 23 de Maro de 1925, Lisboa, Livraria Ferin, 1929, p. 143. 21

    EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta N. 149, Carta N. 104, 15 de Fevereiro de 1923.

    Com o advento do fascismo em Itlia, Homem Cristo Filho tornou-se, nos anos 20, um partidrio

    entusiasta de Mussolini. Alberto de Monsaraz informava Sardinha acerca de um eventual agrupamento

    poltico encabeado por Homem Cristo Filho. () As informaes que me chegam do Pas so das mais

    animadoras. Ainda h dias tive a confirmao por pessoas bem informadas, vindas de Portugal, que as

    tentativas de aliciamento de monrquicos para o novo partido de Homem Cristo Filho, tentativas a que

    os talassas correspondem cheios de satisfao, tm deixado os nossos amigos, sem excepo,

    indiferentes, firmes no seu posto de disciplina monrquica e nas convices. Estou convencido, em vista

    disso, que a organizao dessa chefia partidria, apesar da proteco evidente do estrangeiro, nenhum

    inconveniente nos poder trazer. Vejo-lhe, pelo contrrio, uma vantagem imediata e evidentssima

    dissociar os talassismo, atraindo os dbios e atirando para ns os mais intransigentes realistas. EAS,

    Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta N. 149, Carta N. 95, Cayr s Hotel 4. Boulevard

    Raspail Paris, de 25 de Fevereiro de 1921.

    Homem Cristo Filho escreveria, em favor de Mussolini, a obra intitulada Mussolini Batisseur dAvenir. A

    18 de Agosto de 1926, aps o afastamento de Gomes da Costa, foi mais uma vez exilado por ordem

    ministerial, e passou a retomar em Madrid, Paris e Roma, o projeto caro a Mussolini, de quem se tornou

    amigo pessoal, de convocar um congresso pan-latino das naes do Ocidente.

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    18

    SIMPSIOS TEMTICOS

    ST 01. A Monarquia Pluricontinental Portuguesa: Elites, prticas sociais e

    economia. Sculos XVI XVIII.

    Refletindo sobre relaes de poder em uma sociedade sertaneja: o termo de

    Pitangui-MG na primeira metade do sculo XVIII.

    Izabella Ftima Oliveira de Sales

    Universidade Federal de Juiz de Fora

    Universidade do Estado de Minas Gerais

    RESUMO

    O presente trabalho pretende realizar alguns apontamentos sobre o processo de

    constituio de elites em regies de fronteira, tomando como foco o contexto do termo

    de Pitangui-MG, na primeira metade do sculo XVIII. Tal proposta nos remete ao

    problema relativo natureza do poder que se estabelecia entre metrpole e colnia, na

    medida em que a distino do indivduo na sociedade dependia da sua condio de

    constituir espaos de barganha com a Coroa, o que- na Amrica Portuguesa- se fazia

    especialmente atravs da ocupao de postos militares e do exerccio de cargos no

    governo da municipalidade. Sendo assim, o conceito de Monarquia Pluricontinental se

    faz essencial para compreendermos a dinmica de hierarquizao da sociedade

    pitanguiense, especialmente porque contribui para relativizarmos a dicotomia entre

    serto e litoral, brbaro e civilizado.

    PALAVRAS CHAVE: armas, elite, poder

    ABSTRACT

    This work intends to make some notes on the process of elites formation in border

    regions, taking as its focus the context of the Termo de Pitangui (Minas

    Gerais/Brazil) in the first half of the eighteenth century. This proposal leads us to the

    problem concerning the power established between metropolis and colony, to the extent

    that the distinction of the individual in society depended on their chance to constitute

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    bargain spaces with the Crown, which in Portuguese America was especially through

    the occupation of military posts and government posts in the municipality. Thus, the

    concept of "Monarquia Pluricontinental" becomes essential to understand the hierarchy

    of this society, especially because it contributes to rethink the dichotomy between

    backwoods and coast, barbarous and civilized

    KEYWORDS: weapons, elite, power

    INTRODUO

    O esforo de tentar compreender a formao da elite em uma regio de fronteira,

    onde a distncia com relao s esferas administrativas do poder metropolitano

    provocava o desrespeito s regras definidas pela Coroa, a propagao da violncia e

    fortalecia a ao de potentados locais, como era o caso do termo de Pitangui, nos leva a

    realizar uma breve anlise sobre o contexto de ocupao e povoamento daquela regio,

    assim como as caractersticas da relao que se estabeleceu entre seus moradores-

    especialmente os membros da elite e o poder metropolitano.22

    A histria da Vila de Pitangui est ligada ao processo de desbravamento e

    ocupao do serto do oeste mineiro dimensionado pelas nascentes do So Francisco e

    do rio da Prata. (ANDRADE, 2011: 280). A explorao desse territrio teve incio

    ainda no sculo XVII, devido s atividades agropastoris, ao aprisionamento de ndios e

    explorao aurfera, onde se destacam paulistas, fazendeiros e vaqueiros de gado

    oriundos dos caminhos da Bahia, como principais agentes dessa empreitada. Na medida

    em que os povoadores estabeleceram os primeiros arraiais na regio de Pitangui,

    iniciou-se um esforo de intensificar a explorao do serto oeste e expandir as

    fronteiras agropastoris, verificando-se assim, o avano das terras municipais em direo

    ao referido espao geogrfico. (Idem)

    Segundo Carrara (2007), a regio de Pitangui se diferenciaria dos primeiros

    ncleos mineradores- Mariana, Ouro, Preto, Sabar e Caet- na medida em que a

    explorao aurfera naquelas paragens teria se extinguido muito precocemente, sendo

    substituda pelas atividades agropastoris. Neste sentido, a Vila de Pitangui representaria

    um ncleo urbano tpico da regio dos Currais Del'Rei.

    22

    As informaes e anlises apresentadas neste artigo so, em sua maior parte, fruto da pesquisa de

    doutorado desenvolvida por Izabella Ftima Oliveira de Sales no programa de ps-graduao em Histria

    da Universidade Federal de Juiz de Fora, sobre a orientao da professora Monica Ribeiro de Oliveira.

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    20

    Os denominados Currais Del'Rei eram compostos por vilas e arraiais onde ainda

    nos primeiros anos de conquista e ocupao do territrio mineiro, teriam sido

    descobertos veios aurferos, o que provocou um rpido processo de ocupao. Tais

    ncleos populacionais se localizavam prximos regio das Minas, onde a extrao de

    ouro era bem mais intensa e aos afluentes do Rio So Francisco, como o Rio Paraopeba

    e Par. Este ltimo fator, somado existncia de bons pastos, levou a Coroa a

    estabelecer Registros nestes locais para taxar as mercadorias que circulavam naquela

    regio - especialmente os rebanhos oriundos dos Currais da Bahia- o que acabou

    estimulando o desenvolvimento da pecuria voltada para o abastecimento das regies

    mineradoras (Idem).

    Alguns aspectos aproximam os Currais Del'Rei e seu entorno do contexto

    caracterstico das Minas, como a presena de instituies representativas do poder

    reinol, o estabelecimento de relaes com os principais ncleos mineradores, a saber,

    Sabar, Vila Rica e a Vila do Ribeiro do Carmo, alm do envolvimento de alguns

    grupos nos motins provocados pela cobrana do quinto. Entretanto, essas paragens

    tambm apresentavam caractersticas comuns s regies dos Currais, como a baixa

    densidade demogrfica, os conflitos pela posse da terra e a grande importncia que a

    atividade agropecuria representava para as economias locais (Idem).

    Os motins relacionados cobrana de tributos por parte da Coroa e a atuao de

    potentados locais que frequentemente impunham regras muitas vezes contrrias aos

    desgnios metropolitanos, foram elementos frequentes no termo de Pitangui e essas

    prticas podem ser associadas ideia de serto como regio marcada pela fragilidade da

    ao das autoridades representativas do poder reinol (Idem). Entretanto, isso no

    significa que o conceito de serto se reduza dicotomia entre brbaro e civilizado, que

    muitas vezes marcou o discurso das autoridades representativas do poder reinol durante

    o perodo colonial e permeia muitas anlises historiogrficas dedicadas ao estudo das

    regies de fronteira.

    O trabalho de Gruzinski (2001) sobre a formao das sociedades coloniais no

    Novo Mundo importante para refletirmos sobre o conceito de serto. Isso porque, em

    sua anlise, durante o processo de colonizao, a relao que se estabeleceu entre as

    culturas se baseava na hibridao, ou seja, os grupos conquistados encontravam brechas

    para fortalecer e transmitir seus smbolos sociais, ao mesmo tempo em que a cultura

    ocidental dava abertura para elementos culturais diferentes (Idem). Dessa forma,

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    21

    contraposies rgidas entre grupos tidos como civilizados e incivilizados, ordenado e

    desordenado, mostram-se insuficientes para compreender as dinmicas de relaes que

    marcaram a conformao dos sertes.

    No caso do Brasil, o termo serto era utilizado desde o perodo colonial para

    definir regies de povoaes escassas, distantes do litoral; onde predominavam o

    estabelecimento de uma ordem privada, cujas relaes sociais e polticas tinham como

    base o direito costumeiro. Dessa maneira, devido s dificuldades enfrentadas pelas

    autoridades locais para estabelecer a ordem pblica em tais paragens, as populaes

    locais passaram a ser consideradas como insubordinadas e violentas (JESUS, 2006).

    Entretanto, preciso salientar que, as representaes sobre o universo sertanejo

    tm razes em contextos de conflitos, neste sentido, os atributos de insubordinao e

    violncia no podem ser considerados apenas para as populaes fronteirias (Idem).

    Essa perspectiva reducionista marcou a trajetria do serto oeste mineiro, o que

    poderia explicar porque as autoridades metropolitanas definiam a regio do termo de

    Pitangui como terra de gente intratvel. Salientamos que nossa pesquisa se dedica ao

    momento de ocupao da regio, onde realmente a definio dos lugares de mando e o

    estabelecimento das instituies representativas do poder reinol ocorreram de forma

    bastante conturbada, caracterizando assim, um ambiente de destacada violncia.

    Contudo, partimos do pressuposto de que as estratgias dos homens do serto para

    ocupar espaos privilegiados numa sociedade hierarquizada no se reduziam apenas ao

    enfrentamento, na medida em que havia significativos espaos para negociaes tanto

    com as autoridades metropolitanas quanto com os diversos grupos sociais.

    No possvel precisar o momento em que ocorreram os primeiros achados

    aurferos no termo de Pitangui, mas, provavelmente o processo teria se iniciado ainda na

    primeira dcada de 1700 e seria fruto da prtica de minerao clandestina comum entre

    pobres, forros, escravos e jornaleiros que buscavam explorar montanhas e encostas

    independentemente da exclusividade senhorial na extrao aluvial. Neste sentido, a

    atuao de homens pobres teria ocorrido anos antes das negociaes dos paulistas pelas

    lavras da regio (ANDRADE, 2005).

    A Vila de Pitangui foi erigida em 09/06/1715 e seu termo, alm de inicialmente

    constituir um importante foco de minerao, estava localizado em uma regio bastante

    estratgica, na medida em que era porta de entrada para o serto oeste, constituindo

    passagem obrigatria para aqueles que se deslocavam s Minas de Gois e como rota

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    22

    dos rebanhos que saam dos Currais da Bahia para abastecer os principais ncleos

    mineradores (CATO, 2011).

    REFLEXES SOBRE A CONFORMAO DA ELITE EM UMA SOCIEDADE

    DE ANTIGO REGIME

    As anlises acerca da constituio da elite no termo de Pitangui tem como

    parmetro estudos que se dedicam compreenso dos processos de diferenciao dos

    grupos que compunham as esferas mais altas da pirmide social em uma sociedade de

    Antigo Regime, especialmente no que diz respeito ao contexto lusitano e de suas

    possesses ultramarinas.

    Nuno Gonalo Monteiro (2003), ao analisar a natureza do poder e a

    conformao das elites em Portugal durante a Dinastia Bragana (1640-1832), afirma

    que em Portugal no se pode perceber a existncia de um Governo- onde o poder tivesse

    centralizado nas mos do monarca- at meados do sculo XVIII, entretanto, tal

    constatao no exclua a existncia de um centro identificado com a figura do monarca

    ou com as instituies representativas do poder reinol. (Idem, p.20)

    O mesmo autor argumenta que no decurso do sculo XV para o XVI, ocorre o

    fortalecimento das unidades polticas europeias, entretanto, na maioria desses Reinos

    prevalecer o modelo dos Estados Dinsticos, onde a monarquia atuava no no sentido

    de garantir a centralizao do poder pelo Rei, mas, a fim de perpetuar sua existncia e

    adquirir recursos financeiros (Idem, p.24).

    Nesse processo, muitos Estados Europeus teriam constitudo monarquias

    compsitas, onde alguns territrios dominados por uma mesma dinastia mantinham

    estruturas polticas prprias. Por sua vez, Portugal representava uma exceo, pois, em

    seus domnios prevalecia uma significativa homogeneidade institucional e a inexistncia

    de corpos polticos intermedirios (Idem).

    As consideraes acima nos trazem indcios muito significativos para

    entendermos o contexto em que se conformavam as elites locais no mbito do Imprio

    Portugus. Neste sentido, importante salientar que a existncia de um modelo

    corporativo de sociedade (HESPANHA, 2001: p.172) - onde se destacava a vitalidade

    desempenhada pelos poderes perifricos- conferia as possibilidades atravs das quais os

    indivduos poderiam se destacar diante de seu grupo, ou at mesmo para alm dessa

    esfera, especialmente aqueles que no pertenciam nobreza de sangue.

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    23

    Antonio Manuel Hespanha (2001) questiona a ideia de centralizao do poder

    pelo Estado, apontando para a existncia de relaes recprocas ou simbiticas entre os

    poderes locais e a Coroa, atravs das quais se baseava a economia poltica dos

    privilgios. No que tange uniformidade jurdica do Imprio, que representaria o poder

    central do monarca, o autor afirma que, considerando-se a distncia das colnias em

    relao metrpole e a realidade de cada regio conquistada, o direito colonial se

    ajustava aos contextos locais e os nativos atuavam no estabelecimento de suas prprias

    prticas legislativas. Tais princpios representariam os fundamentos bsicos de uma

    monarquia corporativa.

    Observando as possees ultramarinas portuguesas, Hespanha defende a

    existncia de uma estrutura administrativa centrfuga, onde os representantes da Coroa e

    as instituies locais gozavam de um significativo espao de autonomia. Podemos

    mencionar aqui, o caso dos vice-reis e governadores que respaldados pela doutrina

    jurdica vigente, dispunham de poderes extraordinrios; sendo assim os mesmos tinham

    condies de desobedecer ou adaptar as regras estabelecidas pela metrpole de acordo

    com as circunstncias da regio em que atuavam, desde que essas mudanas

    favorecessem sempre os interesses reais. Alm disso, como estavam em terras distantes

    do centro do poder, muitas vezes precisavam tomar decises sem antes consultar a

    posio do monarca e seus conselheiros sobre o assunto (Idem, pp. 174-175).

    Outro fator que tambm contribua para reforar a autonomia dos poderes locais

    era a ausncia de hierarquia administrativa que marcava a forma de organizao poltica

    do Estado Portugus. o caso, por exemplo, da atuao de donatrios, governadores

    locais e juzes.

    A partir da segunda metade do sculo XVII, os governadores-gerais passam a ter

    supremacia sobre os donatrios e posteriormente os governadores das capitanias,

    contudo, esses ltimos tambm deviam se submeter s ordens dos secretrios de Estado

    em Lisboa. Tal fato acabava propiciando uma situao de incerteza hierrquica, o que

    permitia uma ao bastante autnoma por parte dos governadores locais, que tinham

    como uma de suas principais atribuies a concesso de sesmarias, de acordo com seu

    livre arbtrio. Ademais, tais funcionrios rgios tambm exerciam plena jurisdio

    criminal e vasta jurisdio cvel, fatores estes que demonstram claramente o

    fortalecimento dos poderes locais (Idem, pp. 178-179).

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    Hespanha (2001) salienta ainda que as Cmaras municipais eram um espao

    privilegiado para a ao das elites locais, atravs do qual encontravam a possibilidade

    de barganhar com a Coroa. O autor aponta para a especificidade brasileira, onde apesar

    da proibio relacionada venalidade dos cargos, a partir do incio do sculo XVIII os

    ofcios eram dados queles que tivessem oferecido um donativo fazenda, que na

    realidade significava a prestao de um servio que deveria ser recompensado (Idem,

    pp.185-187).

    Monteiro (2003) faz uma anlise mais complexa sobre a importncia da

    ocupao de cargos no governo da municipalidade para a conformao da elite

    portuguesa no final do Antigo Regime, observando que o exerccio de ofcios

    camarrios era fundamental no processo de nobilitao dos indivduos.

    Os poderes municipais apresentavam uma grande vitalidade e eram responsveis

    pela formao de um grupo caracterizado como a gente nobre da governana da terra,

    categoria social diferente da fidalguia (Idem, p.38).

    Em Portugal, havia uma maior tutela da Coroa sobre a composio das cmaras,

    fato que poderia ser explicado por uma estrutura poltica marcada pela uniformidade

    institucional, o que permitiria a definio de regras gerais para direcionar o

    funcionamento de tais instituies. Entretanto, elas apresentavam significativos espaos

    de autonomia, especialmente no que se refere justia (Idem).

    No que diz respeito questo da mobilidade social, Monteiro se baseia na

    perspectiva de um alargamento da nobreza durante o Antigo Regime, onde o

    enfraquecimento do furor blico acabou por impulsionar a valorizao de ofcios e

    cargos civis, conferindo-lhes a devida honra. Nestes casos, os indivduos no

    pertenciam aos grupos tradicionais da aristocracia, formados por Cavaleiros e Fidalgos,

    mas usufruam praticamente dos mesmos privilgios (Idem).

    O mesmo autor chama tambm chama ateno para outro aspecto de relevncia,

    ou seja, o fato da legislao portuguesa seiscentista reconhecer que a liderana da terra

    deveria ficar sob a responsabilidade dos principais, apesar de os juristas debaterem se

    essa regra se aplicaria apenas s cidades e vilas com maior desenvolvimento social e

    econmico ou a todas as cmaras do pas. Sendo assim, a condio de nobreza estava

    diretamente relacionada indicao do nome de um indivduo na lista dos elegveis

    (Idem).

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    A distino conferida pela ocupao de cargos no governo da municipalidade era

    incompatvel com a prtica de ofcios mecnicos e a especificidade portuguesa consistia

    no fato de que ser nobre significava viver lei da nobreza, condio relacionada com a

    no dependncia do trabalho do corpo para garantir a prpria sobrevivncia (Idem).

    Desde os fins da Idade Mdia, ocorreu na Europa uma crescente valorizao das

    funes desempenhadas por grupos sociais no ligados ao universo rural de raiz

    medieval. Sendo assim, o estatuto da nobreza se torna varivel de acordo com a regio,

    no sendo possvel, portanto, pensar em categorias uniformemente hierarquizveis para

    todos os territrios do Reino (Idem, p.49).

    Neste sentido, os cargos camarrios no eram considerados como a melhor

    estratgia para reconhecimento da nobreza, pelo fato de ser proibida a sua venalidade,

    dos mesmos dependerem dos contextos locais e representarem um efeito, de certa

    forma, restrito ao mbito da localidade (Idem).

    Para o seu estudo Nuno Monteiro utiliza como fonte as Listas dos homens

    elegveis para o governo de cada municipalidade, documentos que segundo o autor

    permitem radiografar o perfil das elites locais. Infelizmente ter acesso a esse tipo de

    dado no privilgio dos historiadores de uma forma geral. No caso da Capitania de

    Minas Gerais, por exemplo, ainda no foram encontrados esses tipos de registros, o que

    obriga o pesquisador a se esforar para compreender a conformao das elites locais e o

    papel das Cmaras nesse processo a partir dos nomes daqueles que ocuparam cargos.

    No caso das cmaras com perfis mais aristocrticos constatou-se a presena de

    fidalgos da Casa Real e com relao aos postos nas ordenanas eram considerados

    elegveis somente Capites-Mores e os Sargentos-Mores. J nas municipalidades menos

    seletas ou perifricas, predominavam os oficiais de ordenanas (inclusive capites e

    alferes), bacharis, funcionrios, boticrios e lavradores. A anlise dos arrolamentos

    leva relativizao da categoria geral de oligarquias municipais, visto que, a sua base

    de recrutamento era muito diversa.

    Nos conselhos perifricos havia uma resistncia das elites locais em ocupar os

    postos disponveis, isso se explicaria pelo fato de que predominava a dvida em relao

    ao status conferido para o trabalho desempenhado em pequenas cmaras, ademais,

    geralmente nesses municpios os recursos eram escassos, o que muitas vezes obrigava

    os juzes ou vereadores a arcarem com os impostos das teras que deveriam ser pagos

    Coroa. (Idem)

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    Nota-se ainda que as cmaras mais antigas e mais ricas no eram compostas

    apenas por indivduos pertencentes fidalguia muito antiga, mas pela confluncia entre

    fidalguia tradicional e homens ricos, especialmente homens de negcio.

    Para Monteiro, as vereaes representavam um espao de reconhecimento da

    existncia de mobilidade social em escala local. J os cargos de almotacs e os postos

    nas ordenanas constituam vias institucionais para a mobilidade social.

    FORJANDO UMA IDENTIDADE NOBRE

    No que diz respeito conformao da elite no termo de Pitanqui, ainda no

    temos a possibilidade de apresentar dados conclusivos, entretanto, podemos discutir

    alguns indcios que podem nos indicar caminhos de investigao. Partimos do

    pressuposto de que fazia parte das estratgias de nobilitao de alguns membros do

    referido grupo os processos de negociao e barganha com a Coroa.

    Obviamente que a ao dos indivduos no homognea, onde muitos

    potentados locais optaram por arrefecer suas indiferenas com as autoridades

    metropolitanas, ao que se tornava vivel na medida em que os mesmos possuam

    recursos financeiros e poderio blico considerveis para defender sua posio. Neste

    caso, conveniente destacar que entre os anos de 1718-1724 o principal lder dos

    motins na regio Domingos Rodrigues do Prado no foi citado entre os que

    contriburam com os quintos reais23

    , apesar de ter sido um dos primeiros cobradores

    desse imposto na regio. J seu companheiro Suplcio Pedroso Xavier contribuiu entre

    os nos anos de 1718, 1719 e 1722, momento em que provavelmente deixa a regio

    devido s punies da Coroa aos lderes dos motins.

    O caso de Antnio Rodrigues Velho tambm merece nossa ateno. Natural da

    regio de So Paulo foi tradicionalmente considerado como descendente dos

    bandeirantes; filho de Garcia Rodrigues Velho e Izabel Bicudo. Casou-se em Itu, com

    Margarida de Campos, filha de Jos de Campos Bicudo. Juntamente com seu sogro,

    Rodrigues Velho penetrou o serto do So Francisco e foi responsvel pela criao de

    23

    Arquivo Pblico Mineiro. Quintos, capitao a cargo do cobrador Joo Henrique de Alvarenga. 1718-

    1724. Microfilme 006(5/5) 007 (1/10) / CC.

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    27

    arraiais da regio, como por exemplo, o de So Joanico, atualmente conhecido como

    cidade de Maravilhas.24

    Ocupou o posto de Capito- Mor da Vila de Pitangui, alm de ser juiz ordinrio

    da Cmara durante o ano de 1718 (Idem). Esses cargos, provavelmente, foram

    conquistados no s pelo mrito de sua famlia- tradicional na Capitania de So Paulo-

    mas, tambm atravs dos servios que o mesmo prestou Coroa, utilizando dos

    recursos oriundos de sua prpria fazenda.

    Se observarmos a lista relativa cobrana dos quintos reais na Vila de Nossa

    Senhora da Piedade do Pitangui entre os anos de 1718-172425

    , verificamos que Antonio

    Rodrigues Velho contribuiu durante todos os anos, apresentando um nmero total de

    escravos que variava entre 24 e 41. Fazendo meno ao trabalho de Luna (1980), onde

    consta que na Capitania de Minas Gerais, a maioria dos proprietrios no possua mais

    do que 5 cativos, possvel concluir que o seu cabedal era bastante considervel, o que

    lhe garantia uma maior possibilidade de prestar servios Coroa.

    Neste sentido, podemos mencionar que Antonio Rodrigues Velho estava entre as

    pessoas que apoiaram o Conde de Assumar durante a resistncia de alguns moradores

    liderados por Domingos Rodrigues do Prado e Suplcio Pedroso Xavier diante da

    entrada do Brigadeiro Joo Lobo de Macedo, que estaria encarregado da regncia e

    governo dos moradores (CUNHA, 2009). A postura do Capito-Mor nos faz inferir que

    o mesmo deveria possuir um significativo poderio blico, j que a situao era de

    conflito; ademais, a posse se armas era prerrogativa para ocupao de postos de maior

    destaque nas Ordenanas. Destacamos ainda que Rodrigues Velho foi citado na lista dos

    homens mais ricos da Capitania de Minas Gerais residentes no termo de Pitangui,

    comarca do Rio das Velhas26

    e ocupou cargos no governo da municipalidade.

    O j citado trabalho de Monteiro (2003) sobre a conformao da elite portuguesa

    no final do Antigo Regime nos faz refletir sobre as estratgias seguidas por Antonio

    Rodrigues Velho, considerando os postos nas Ordenanas como meios atravs do qual o

    24

    LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana Histrica e Genealgica. Ttulo: Garcias Velhos. Editora Itatiaia, 5 ed, 1980. 25

    Arquivo Pblico Mineiro.Quintos, capitao a cargo do cobrador Joo Henrique de Alvarenga. 1718-1724. Microfilme 006(5/5) 007 (1/10) / CC. 26

    Cf. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e pobres em Minas Gerais: produo e hierarquizao social no mundo colonial. Editora FAPEMIG, 2010.

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    28

    indivduo conseguia atingir possibilidade de mobilidade social e os postos na Cmara

    como o reconhecimento dessa ascenso em escala local.

    No ano de 1728, o governador da Capitania de Minas Gerais envia um

    requerimento ao Conselho Ultramarino contendo o pedido de confirmao do posto de

    Capito Mor da Vila de Nossa da Piedade do Pitangui ocupado por Miguel de Arajo

    Velho e esse documento nos traz indcios sobre a importncia da ocupao de ofcios na

    Ordenana para os moradores da regio.27

    O suplicante justifica que merecedor do referido privilgio porque serviu com

    destacado zelo no posto de Capito Mor das Entradas de Vila Real do Sabar,

    executando pontualmente todas as ordens que lhe foram dadas pelos governadores.

    Com a mesma presteza e competncia teria se dedicado ao posto de Capito de uma

    Companhia de Cavalaria da Ordenana do distrito de [Paraopeba]. Tambm

    acompanhou o Sargento Mor Joo de Souto Maior, tesoureiro da Fazenda Real, na

    conduo dos quintos daquela comarca para a Vila do Carmo, levando para essa jornada

    seus [escravos] armados e portando-se com grande vigilncia, cuidado e zelo28

    . Todos

    esses servios realizados em benefcio do interesse rgio demonstravam sua fidelidade

    enquanto vassalo e consequentemente o habilita como algum que merece ser agraciado

    com mercs e privilgios.

    De acordo com Ana Paula Pereira Costa (2006), no Brasil colonial os postos

    militares constituam um importante meio de distino social e a organizao do

    exrcito portugus a partir de 1640 passou a se dar da seguinte maneira:

    - Corpos regulares: fora paga pela Fazenda Real, onde os oficiais eram ligados

    permanentemente funo militar.

    - Milcias ou Corpos de Auxiliares: os oficiais no eram remunerados e o servio era

    obrigatrio para os civis. Esta fora prestava auxlio s tropas pagas, mas no ficava

    permanentemente ligada funo militar.

    - Ordenanas ou Corpos Irregulares: nesta fora os oficiais no recebiam soldos, podiam

    continuar exercendo suas atividades e s se afastavam delas em caso de grave

    perturbao da ordem. Eram recrutados os indivduos que se encontravam na faixa

    dos18 aos 60 e todos eram obrigados a possuir armamentos de acordo com sua

    condio.

    27

    AHU- ACL- N. MG. Catlogo 1066. Projeto Resgate UNB. 28

    Idem

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    18 a 22 de novembro de 2013

    29

    Observando a composio social do corpo dos oficiais que integravam as

    Ordenanas na Comarca de Vila Rica durante o perodo colonial, a historiadora conclui

    que, ao contrrio do que ocorria em Portugal, onde o nascimento contava

    significativamente para a ocupao de altas patentes, em Vila Rica o preenchimento dos

    principais postos da Ordenana dependia do exerccio de cargos pblicos, da posse de

    cabedal considervel, do oferecimento de servios pecunirios Coroa e da atuao na

    conquista de territrios coloniais (Idem).

    A trajetria de Manuel Jorge Azere tambm demonstra as possibilidades

    encontradas pelos indivduos que viviam no termo de Pitangui para se distinguir

    socialmente. Na carta patente passada pelo Conde de Galveas no ano de 1732 - onde lhe

    confere o posto de Sargento-Mor do tero dos Auxiliares da Vila e do distrito de

    Pitangui- consta que esse indivduo teria servido em Portugal, em Praa de soldados de

    Infantaria durante alguns anos, atuando em Companhias na luta contra Castela.

    Posteriormente, migrou para o Rio de Janeiro, onde [sentar] Praa de Soldado Infante

    em um daqueles teros. Por fim, deslocou-se para as Minas e ocupou o posto de Furriel

    do Tero Pago que o governador Antonio de Albuquerque Coelho organizou para

    defender o Rio de Janeiro das invases francesas.29

    O referido Sargento-Mor tambm ocupou os cargos de vereador e almotac no

    governo da municipalidade, portando-se sempre com bom procedimento no exerccio

    das ditas funes. Trabalhou na conduo dos quintos reais para a provedoria a Real

    Fazenda, enfrentado os perigos de caminhos que trilhavam os sertes; tudo custa de

    suas fazendas e com graves riscos para sua prpria vida, levando consigo cavalos e

    escravos armados para garantir a segurana dos recursos reais. Ademais, manteve a

    fidelidade durante o levantamento dos paulistas, dando alojamento s pessoas que foram

    castigar os rebeldes de Pitangui a mando do Conde de Assumar.30

    No ano de 1760, Manuel Jorge Azere ocupa o cargo de Comissrio Intendente

    dos reais quintos da Vila de Pitangui e solicita Coroa a merc do pagamento do

    referido ordenado. No processo o suplicante salienta mais uma vez as suas contribuies

    para o benefcio da Fazenda Real e argumenta que apesar do seu cargo ter sido

    concedido sem constar o pagamento de ordenado, requer que a Coroa reveja a sua

    29

    AHU. Cx:09/Doc:03/Cd:10 30

    Idem

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    30

    situao, j que o comissrio do recm-criado termo de Paracat , Rafael da Silva e

    Souza tinha o direito de receber ajuda de custo.

    As informaes levantadas at o momento sobre a trajetria de Azere nos

    permitem verificar que a ascenso social deste indivduo se pautou especialmente em

    uma atuao militar desempenhada em Portugal e no Brasil- especificamente nas

    Capitanias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Tais servios provavelmente

    possibilitaram que o mesmo conquistasse cargos no governo da municipalidade,

    elemento indispensvel sua estratgia de projeo social. Podemos notar ainda, que

    esse indivduo, apesar de viver em uma regio de fronteira, distante das principais

    instituies representativas do poder reinol, provavelmente, participava de uma ampla

    rede de informaes, na medida em que tomou conhecimento (incluindo o requerimento

    ao seu processo) da concesso de soldos Rafael da Silva e Souza, comissrio de

    Paracat.

    Podemos ento perceber que, Antonio Rodrigues Velho e Manuel Jorge Azere

    seguiram as estratgias comumente traadas pelos indivduos para se distinguir

    socialmente em uma sociedade de Antigo Regime. No entanto, preciso levar em

    considerao que cada uma dessas variveis deve ser entendida a partir do contexto em

    que os mesmos esto inseridos.

    Citando como exemplo a Cmara de Goa, estudada por ngela Barreto Xavier

    (2008), o mrito dos oficias naquelas paragens no se justificava atravs da atuao na

    conquista de territrios, ao contrrio do ocorre na maior parte das capitanias da Amrica

    Portuguesa, entre elas Pernambuco e Minas Gerais.

    Em seu estudo sobre a destacada famlia de Maximiliano de Oliveria Leite,

    estabelecida na regio da Vila do Carmo - MG ainda no alvorecer do sculo XVIII,

    Carla Almeida (2007) defende que a posio de nobreza da terra dependia da ocupao

    de cargos concelhios; da atuao na conquista e na soberania da coroa portuguesa na

    colnia; de fazer parte das ordenanas e de apresentar alto nvel de riqueza. A

    legitimao da condio de nobreza da terra se relacionava posio de conquistadores

    e primeiros povoadores da regio.

    Em se tratando da casa de Maximiano, a condio de nobreza j consolidada ao

    longo do tempo permitiu que o referido grupo estabelecesse um projeto de distino

    social mais ampliado, ou seja, que ultrapassava os limites da localidade. Fazia parte das

    estratgias de distino dessa famlia as atividades de conquista, a defesa do territrio

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    31

    colonial em caso de invases estrangeiras, a ocupao de postos nas Ordenanas e no

    governo da municipalidade. Prticas endogmicas e assimilao de indivduos

    endinheirados vindos do Reino pela famlia, tambm contriburam para manuteno do

    capital simblico adquirido e a preservao ou crescimento dos bens materiais.

    Acrescenta-se ainda o fato de que alguns membros dessa famlia eram enviados para

    Portugal para adquirir formao e ali estabeleciam laos de reciprocidade com a

    administrao, representando os interesses dos seus familiares no mbito do alm-mar

    (Idem).

    Notamos que no caso de Pitangui, apesar dos servios prestados por Azere em

    outras paragens, existe uma nfase na questo do esforo para garantir a cobrana e a

    transferncia segura dos recursos recolhidos atravs da cobrana de impostos para os

    cofres da Provedoria da Real Fazenda. Neste caso, podemos supor que tal servio era

    uma das principais prerrogativas para se justificar distino do indivduo, pelo menos a

    nvel local, j que em uma regio de fronteira a resistncia em relao s regras do jogo

    colonial, os conflitos de jurisdio e a violncia eram sempre constantes.

    CONCLUSO

    As reflexes acerca da conformao da elite em uma sociedade de Antigo

    Regime e a construo de apontamentos iniciais sobre a constituio desse grupo no

    termo de Pitangui ainda no nos permite chegar a concluses, mas, j nos cabe colocar

    algumas inferncias.

    Durante o Antigo Regime, o Imprio Portugus foi marcado por uma cultura

    poltica que permeava tanto a Corte quanto suas conquistas, onde a ocupao de ofcios

    no governo da municipalidade e de postos nas Ordenanas constituam elementos

    centrais nos projetos de ascenso social. A lgica das estratgias de nobilitao era

    compartilhada pelos vassalos, estivessem eles em terras lusitanas ou no alm mar.

    Contudo, preciso salientar que o significado da projeo que tais cargos lhes

    conferiam variava de acordo com contexto de cada localidade.

    Neste sentido, passamos a nos questionar o que representava para um indivduo

    ser oficial de uma cmara perifrica como a da Vila de Pitangui ou ocupar postos nas

    Companhias de Ordenana? A distino social conferida por tais privilgios podia lhes

    dar a possibilidade de alar sua condio de nobreza para alm da localidade em que

    estavam inseridos? Os sujeitos que viviam em um ambiente marcado pela rusticidade

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    32

    alimentavam tal ambio, ou bastava ser reconhecido como homem nobre diante de sua

    comunidade? Como j foi dito, este trabalho nos direcionou mais no sentido dos

    questionamentos do que das concluses.

    FONTES MANUSCRITAS:

    - Arquivo Histrico Ultramarino:

    AHU- ACL- N. MG. Catlogo 1066. Projeto Resgate UNB.

    AHU. CX: 73, DOC: 73, CD:21

    AHU. Cx:09/Doc:03/Cd:10

    - Arquivo Pblico Mineiro

    Quintos, capitao a cargo do cobrador Joo Henrique de Alvarenga. 1718-1724.

    Microfilme 006(5/5) 007 (1/10) / CC.

    FONTES IMPRESSAS

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    Genealgica. Ttulo: Garcias Velhos. Editora Itatiaia, 5 ed, 1980.

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    Os juizes ordinrios de Vila do Carmo: perfil e atuao

    Mariane Alves Simes31

    RESUMO:

    O objetivo geral do trabalho refletir sobre a justia em primeira instncia

    na regio Vila do Carmo, Minas Gerais, durante a primeira metade do

    sculo XVIII. Mais detidamente no perodo de 1711 a 1731, anos em que os

    juzes ordinrios atuaram nessa regio e perodo em que a regio sofre um

    significativo aumento demogrfico devido descoberta aurfera nos anos

    anteriores. A proposta foi fazer algumas reflexes sobre o perfil e a atuao

    dos juzes ordinrios dessa regio.

    Palavras-chave: juzes, justia, Minas.

    ABSTRACT:

    The overall objective is to reflect on justice in the first instance in Vila do

    Carmo region, Minas Gerais, during the first half of the eighteenth century.

    More closely in the period from 1711 to 1731, years in which the ordinary

    judges acted in this region and period in which the region is a significant

    population increase due to gold mining discovery in previous years. The

    proposal was to make some reflections on the profile and activities of judges

    ordinary of this region.

    Key- words: judges, justice, Minas

    INTRODUO

    A instituio da justia ordinria remete-se diretamente antiga tradio de

    justia local ou justia comum, surgida nos concelhos portugueses medievais32

    .

    Destarte, essa justia teve um papel longevo nessa sociedade e os juzes ordinrios

    foram responsveis pela aplicao da justia na maior parte das localidades dotadas de

    cmaras municipais em todo o territrio portugus, at o inicio do sculo XIX.

    Nesse perodo os juzes podiam ser oficiais honorrios, no letrados e no

    remunerados ou oficiais de carreira, letrados, de carreira e nomeao rgia. Em Portugal

    a nomeao dos juzes de fora teve inicio no reinado de D. Dinis. O juiz de fora era um

    magistrado nomeado pelo rei de Portugal, para atuar em lugares onde era necessria a

    atuao de um juiz isento e imparcial. Alm de serem de fora da localidade, esses

    31

    Mestranda em Histria pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Email:[email protected] 32

    Segundo Luis Miguel Duarte muito pouco se sabe sobre a preparao dos juzes concelhios no perodo

    medieval. Para o autor se pedia, sobretudo, preeminncia social, desafogo econmico, bom senso e

    conhecimento dos costumes da terra; o saber jurdico era secundarizado e muitas vezes inexistente.

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    juzes eram especialistas em leis, o que compensaria o nus salarial com que o

    Concelho teria que arcar33

    .

    Porm, o processo apenas adquiriu maior impulso com o reforo centralizador

    pombalino e que os Concelho com juiz de nomeao rgia, sendo, embora os mais

    importantes e populosos pouco teriam ultrapassado os 20% do total em Portugal34

    .

    Segundo Antnio Manuel Hespanha as justias de uma esmagadora maioria dos

    concelhos eram justias honorrias.

    Na colnia o cargo de juiz de fora foi criado em 1696 na Bahia e em 1703 no

    Rio de Janeiro. Na nossa regio de estudo, a Vila do Ribeiro do Carmo, esse cargo vai

    ser criado em 24 de maro de 173035

    , porm, o primeiro juiz de fora assume o