Anais do I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro

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OGUATÁ: ANAIS DO

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OGUATÁ:

ANAIS DO

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© 2014Paulina Maria Caon

Vilma Campos dos Santos Leite (organizadoras)

Título: Oguatá: Anais I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro - Escola básica, intervenção e performanceRevisão: Maria Cláudia S. LopesDiagramação e Arte-Final: Wellington DonizettiCriação e Arte da Capa: Camila AmuyDesenhos: Marcelo BriottoCoordenação de Produção: Gabriela Neves Guimarães

Esta publicação faz parte das ações do projeto Partilhas, ateliês e redes de cooperação - aprendizagem teatral na escola básica. Coordenação - Vilma Campos e Paulina Maria Caon. Bolsistas Capes/ Fapemig - Gabriela Neves Guimarães (Iniciação Científica), Maíra Rosa Peixoto (Apoio Técnico), Marcelo Briotto (Prof. escola básica) e Ricardo Augusto (Mestrado). Bolsistas Proext - eixo Teatro e Escola: Giovanna Parra, Luís.Manuel Araújo.

FICHA CATALOGRÁFICAELABORADA PELA EDITORA EDIBRÁS

É proibida a reprodução total ou parcial.Impresso no Brasil / Printed in Brasil

Conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos autores.

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Chegança

Senhores desta salaLicença eu vou chegando, eu vou

A voz e a rabecaO coração cantando, eu vou

Inauguro o texto com esta Loa de abertura de domínio público, no arranjo musical de Antônio Nóbrega, porque é com o coração em canto que começo a escrevinhar estas linhas. É também porque quero pedir licença a cada um dos leitores e leitoras. Na sequência, desejos a todas e a todos Oguatá - que em Guarani significa “Caminhada” - ou melhor, digo: Oguatá Porã! para que seu percurso, na leitura das páginas a seguir, seja uma “Bonita Caminhada”. Assim como foi, para mim, o I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro e XIX Fórum de Educadores de Teatro. Os textos que aqui se apresentam compõem os “Anais” do evento. O que significaria “Anais”? O dicionário Michaelis on-line define como: “1. História de um povo contada ano por ano. 2. Publicação periódica, anual. 3. Publicação referente aos atos e estudos de congressos cien ficos, literários ou de arte. Obra que relata os acontecimentos de cada ano”, ou ainda “ História” e “Publicação periódica de ciências, artes ou letras.” Confesso a vocês que, antes de ir ao dicionário, usava e conhecia a expressão mais ligada aos registros dos eventos cien ficos em que par cipei. Foi assim que, inicialmente, junto com os outros membros da equipe de organizadores do evento, foi feita a chamada para os textos. Foi durante as reuniões da equipe do Projeto Par lhas, ateliês e redes de cooperação - aprendizagens teatrais na escola básica (doravante mencionado apenas como Par lhas) – projeto no qual a ação deste Seminário está localizada, é que surgiu a ideia de publicar os registros do evento. Avaliamos que o formato “Resumo Expandido” estava bem para o nosso propósito de divulgar os relatos de experiência ou de pesquisa. Afinal, o tempo possível para o envio dos textos, para impressão, era exíguo: em nosso calendário o prazo era de apenas trinta dias após a realização do evento. Pensamos em aproveitar “o calor da

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hora” dos par cipantes, ainda que alguns textos não chegassem ao formato “Ar go” - os inscritos ou convidados do Seminário têm ainda a possibilidade de uma segunda empreitada, essa sim com maior tempo para o envio de textos (terceiro número da Revista Rascunho editada pelo Grupo de pesquisa GEAC), caso desejem. No decorrer da Programação, fomos ampliando o nosso olhar para o formato de recebimento dos textos. “Resumos Expandidos” (usual nos “Eventos acadêmicos”) são muito bem vindos, e também são bem vindos os textos com outras silhuetas, em consonância com o sen do mais largo da palavra “Anais” - enquanto registro, relato ou narra va de acontecimentos. O tulo “Anais” nos é conveniente, e nos mobiliza a dar con nuidade a esta inicia va em empreitadas futuras, com novos Seminários. Como disse anteriormente, há um reconhecimento da equipe de que o prazo foi muito curto para o envio dos textos e compreendemos que muitas pessoas deixaram de enviá-los, mesmo dispostas ou interessadas em escrever. Assim, a produção a seguir não representa a totalidade do que aconteceu - do que foi experenciado ou discu do durante a programação entre os dias 29 e 31 de agosto de 2014. Cada um dos textos nesta publicação é como uma espécie de “amostragem” a par r de um contexto. São produções muito especiais porque provenientes daqueles que se reinventaram, transformando o desafio do pouco tempo em potencialidade. A cada uma e a cada um, o meu mui ssimo obrigada! Para que o leitor possa se situar melhor nesta “amostragem”, organizei entre as Produções Textuais caixas de textos informa vas, contextualizando-as. São antecedidos por um Prólogo contendo a ficha técnica da organização geral do evento, a comissão cien fica e organizadora, apoiadores, programação e a nota informa va divulgada logo após o evento. Durante toda a publicação, há ainda os desenhos de Marcelo Brio o, feitos durante a programação do Seminário, e que cons tuem uma narra va junto às palavras. Espero que possam apreciar esta modesta, curta (mas para nós muito significa va) publicação.

Vilma Campos

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Agradecemos aos par cipantes e convidados da programação.

À comunidade do Bairro Patrimônio, nas pessoas do Sr. João Rodrigues (Bolinho), Maria Aparecida (Cida), Enersino João da Cruz (Nersinho), Eunice (Tabajaras), Fá ma (Fa nha) e seus familiares.

À direção e professoras do Centro Educacional Maria de Nazaré.

A todos que contribuíram na organização do evento, especialmente ao curso de Teatro e seus estudantes, professores, secretários e coordenador.

Ao Ins tuto de Artes, a diretoria e servidores do almoxarifado e da secretaria.

Ao Setor de Transportes e de Limpeza da UFU;

À Secretaria e Gabinete da Reitoria, na pessoa do Prof. José Antonio Galo.

A todos os funcionários da FAU (Fundação de Apoio Universitário), especialmente Ana Luiza Dornelas Mota Silva que acompanha o projeto.

Às agências de fomento FAPEMIG e CAPES.

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Sumário

Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo (1º dia do seminário) ..................................................................................................... 15

Luís Manuel de Araújo

Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA .................. 17Laíza Coelho Gomes

A escuta do espectador ou o publico em cena ............................................... 21André Luiz Santos e Marcia Peixoto

Formação de espectador no espaço escolar formal – É necessário formar o espectador? ................................................................................................... 29Michele Soares

Registro de discussão realizado no processo de Open Space, com o tema: Ensino teatral para crianças de 0 a 5 anos ..................................................... 31

Mayron Engel Rosa Santos

Registro Open Space – Grupo: Teatro, sexualidade e gênero na escola ........ 32André Rodovalho

Dramaturgias do espaço e a criança performer: Diário de Bordo da Oficina de Marina Marcondes Machado ........................................................................ 33

Ricardo Augusto Santos de Oliveira

Desvelar o processo Singular do Devir – Expecta va pelo 1º Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro como mestranda, ainda mais pela oficina da Carminda. ....................................................................................................... 36

Isabel Cris na Alves Pimenta Braga

Relato da Experiência com Intervenções Urbanas na cidade de Uberlândia . 38Carminda Mendes André

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O que carrega uma sacola de tesouros? ......................................................... 47Maria De Maria

A ideia de desmontar meus alunos! .............................................................. 57Ana Carolina Cou nho Moreira

A medicina da palavra e os relatos de vivência .............................................. 62Ka a Lourenço Alves

A Experiência de um Seminário ...................................................................... 66Gabriela Neves Guimarães

Re rada .......................................................................................................... 70Vilma Campos

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1. PRÓLOGO

1.1. FICHA TÉCNICA

Realização: Universidade Federal de Uberlândia - Ins tuto de Artes - Curso de Graduação em Teatro, Mestrado em Artes e Mestrado Profissional, Grupo de Estudos e Inves gação sobre Processos de criação e formação em Artes Cênicas (GEAC).

Organização geral do evento e produção:

Projeto Par lhas, ateliês e redes de cooperação - aprendizagem teatral na escola básica. Coordenação - Vilma Campos e Paulina Maria Caon. Bolsistas Capes/ Fapemig - Gabriela Neves Guimarães (Iniciação Cien fica), Maíra Rosa Peixoto (Apoio Técnico), Marcelo Brio o (Prof. escola básica) e Ricardo Augusto (Mestrado). Bolsistas Proext - eixo Teatro e Escola: Giovanna Parra, Luís Manuel Araújo. Lapet (Laboratório de Prá cas Pedagógicas em Teatro). Bolsistas de graduação (PROGRAD) André Lemos e Roberta Sanchez.

Comissão Cien fica e organizadora Professores Dr. Fernando Manoel Aleixo, Dra. Mara Lucia Leal, Dr. Narciso Larangeira Telles da Silva, Ms. Paulina Maria Caon e Dra Vilma Campos dos Santos Leite. Realização em parceria com Programa Ateliês em Artes Cênicas: teatro-educação PROEXT-MEC (coord. Fernando Aleixo). Bolsistas: Camila Amuy, Célio D'Ávila, Guilherme Rodrigues, Ka a Lou e Mario Cortês.

1.2. PROGRAMAÇÃO

Toda a programação aconteceu nas dependências do Bloco 3M, Campus Santa Mônica, da Universidade Federal de Uberlândia, com exceção das duas oficinas no sábado à tarde, que aconteceram simultaneamente em dois pontos da cidade. O deslocamento dessas duas a vidades aconteceu por carona solidária e por outro transporte da Universidade.

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Sexta feira: 29/agosto/2014

16h às 17h - Reunião preparatória da Oficina Intervenção Urbana. Ministrantes: Cole vo Mapaxilográfico e Profa. Dra. Carminda Mendes André. 17h às 19 h - Credenciamento. 19h - Palestra - Performance, intervenção e escola - diálogos possíveis. Profa. Dra. Marina Marcondes. 21h - Palestra - Derivas na cidade espetacularizada, o que educa? Profa. Dra. Carminda Mendes.

Sábado: 30/agosto/2014

9h às 12h - Relatos de experiência e Comunicações de Pesquisa. Metodologia Open Space. Coordenação dos trabalhos - Profa. Ms. Maria Ceccato. 14h às 18 h - Oficinas Oficina 1- Intervenção Urbana. Ministrantes: Cole vo Mapaxilográfico e Profa. Dra. Carminda Mendes André. Carona solidária em direção ao Bairro Patrimônio. Oficina 2 - Dramaturgias do Espaço e a criança performer. Profa. Dra. Marina Marcondes. Ônibus UFU em direção Centro Educacional Maria de Nazaré. 19 h - Espetáculo Ali Babá e Os Quarenta Ladrões. Local - Ponto de Cultura Trupe de Truões. Av. Ana Godoy de Souza 381, Santa Mônica – Uberlândia.

Domingo - 31/agosto/2014

9h - Mesa de Debate e compar lhamento: Dramaturgias do Espaço e a criança performer. Coordenação - Profa. Dra. Marina Marcondes - Bloco 3M. 10h - Compar lhamento - Mapeamento e Ensino de Teatro em Uberlândia. Exposição - Ricardo Augusto e Gabriela Neves Guimarães - Bloco 3M 10h40 - Intervalo.

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11 h - Mesa de Debate e compar lhamento: Intervenção Urbana. Coordenação. Profa. Dra. Carminda Mendes André e Mapaxilográfico - Bloco 3M. 14h às 16h - Apresentação de Desmontagens, seguida de roda de conversa. Mediação - Profa. Dra. Mara Leal - Bloco 3M. 16h às 17 h - Palestra: Processos cria vos de aprendizagem na gestão pública: algumas experiências. Profa. Ms. Maria Ceccato - Bloco 3M. 17h às 18 h - Avaliação do I Seminário de Ensino e Aprendizagem. Coordenação - Equipe Projeto Par lhas, ateliês, redes de cooperação - aprendizagens na Escola Básica - 3M.

1.3. Nota Informa va

Imagem: Camila Amuy - Par lhas Teatrais

O texto disponível em h p://par lhasteatrais.blogspot.com.br Foi escrito por Luís Manuel de Araújo, bolsista do Programa Ateliês em Artes Cênicas, teatro-educação Proext-MEC, estudante do curso de graduação em Teatro, e graduado em Jornalismo. Luís tem registrado por textos as reuniões semanais da equipe Par lhas, bem como os bole ns dos Fóruns Mensais de Educadores, compar lhados no blog do projeto.

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Inesquecível, esta foi a sensação comum entre todos os professores e alunos que par ciparam do I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro, que aconteceu no úl mo fim de semana na Universidade Federal de Uberlândia. Foram três dias de intensos compar lhamentos de sensações, experiências e pontos de vista, uma oportunidade valiosa para crescimento pessoal. Contamos com a presença de professores e pesquisadores de várias regiões do Brasil, em especial, destacamos a presença dos docentes que ministraram palestras e oficinas durante o seminário. A oficina de intervenção urbana abriu o evento e ficou por conta do cole vo Mapaxilográfico e da Prof. Dra. Carminda Mendes André. Eles falaram sobre seus trabalhos e pesquisas no campo das ações performá cas em áreas urbanas. Logo depois, a Profa. Dra. Marina Marcondes ministrou uma palestra sobre “Performance, intervenção e escola”. Para encerrar a noite, Caminda retornou à frente dos trabalhos para a palestra “Derivas na cidade espetacularizada - o que educa?”, uma ação que sensibilizou o público, dando o exemplo de duas performances dis ntas, em período de natal, em São Paulo-SP.

Imagem: Luis Manuel Araújo

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Sábado, logo pela manhã, a Profa. Ms. Maria Ceccato orientou os trabalhos, proporcionando um momento marcante de compar lhamento de experiências e sensações. A metodologia “Open Space” dividiu os par cipantes em 6 grupos de discussão, com temas variados, onde cada par cipante poderia acompanhar o tema que mais lhe despertasse interesse, ou trocar de grupo, de acordo com suas sensações. À tarde, ocorreram as oficinas: “Intervenção Urbana” na casa do sambista João Rodrigues “Bolinho”, no bairro Patrimônio, na zona sul da cidade, momento em que aprendemos muito sobre a história da cidade de Uberlândia, e a vida nas regiões carentes da cidade. A outra oficina foi “Dramaturgias do espaço e a criança performer”, ministrada por Marina Marcondes, e aconteceu na Escola Infan l Maria de Nazaré. À noite, assis mos ao espetáculo “Ali babá e os Quarenta ladrões”, no ponto de cultura da Trupe de Truões, no bairro Santa Mônica. Domingo de manhã, houve uma mesa redonda e um compar lhamento de experiências das oficinas do dia anterior, discu u-se sobre as dificuldades e desafios encontrados para a realização do mapeamento de professores de Teatro na cidade, pesquisa encabeçada por bolsistas do Par lhas na Universidade. À tarde, no encerramento do evento, acompanhamos a apresentação das desmontagens de três professores de Teatro de Uberlândia, Maria De Maria, Getúlio Gois e André Luz, que nos ofereceram momentos de reflexão sobre questões importantes do teatro dentro e fora de sala de aula. Maria Ceccato ministrou, em seguida, a palestra “Processos cria vos de aprendizagem na gestão pública” e logo depois, propôs uma roda de conversa, em que foram feitas as considerações finais e todos puderam se manifestar sobre as sensações gerais do evento, e as perspec vas individuais para os próximos meses.

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Esta imagem foi realizada por John Karllus Paula, como uma de suas a vidades dentro do “Caderno objeto” - um procedimento de trabalho do componente curricular Poé cas e processos da criação em Artes ministrada pelo prof. Fernando Aleixo no Programa de Mestrado Profissional - UDESC/UFU, já que o Seminário também está inserido nas a vidades da pós-graduação.

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SEXTA FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 2014. À tarde houve o primeiro contato dos inscritos, de uma das oficinas, com os ministrantes, e, à noite, duas palestras. Aproximadamente cinquenta pessoas presentes, e em círculo, na programação noturna. A seguir temos dois textos referentes ao início do Evento. O primeiro deles é: Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações

em São Paulo. (1º dia do seminário) - embora se trate de um texto do mesmo estudante, autor da Nota informa va, eles se diferenciam, porque há um co m p a r l h a m e nto

que está para além da no cia oriunda da oficina e palestra com Carminda Mendes, Milene Valen r Ugliara e Diogo Rios. Na sequência: Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA, que traz à tona uma ação na escola básica, e que teve a palestra de Marina Marcondes como um dos elementos de inspiração para a professora autora do texto.

Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo(1º dia do seminário)

Por Luís Manuel de Araújo Começamos o I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro em uma noite agradável de sexta-feira. Aqueles três importantes dias de discussões sobre Teatro, começaram com algumas palestras de pesquisadoras de São Paulo, que vieram à Uberlândia, exclusivamente, para colaborar com nosso evento. Destaco, na abertura, um trabalho que me marcou especialmente. O Cole vo Mapa xilográfico, acompanhado

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da professora Carminda Mendes André, proporcionou-me momentos valiosos de reflexão sobre o papel do homem na sociedade, e sobre o Teatro como ferramenta de conscien zação das pessoas em relação aos problemas e conflitos inerentes, em certa medida, à nossa condição. A Palestra “Derivas na cidade espetacularizada - o que educa?” apresentou, além das reflexões dos professores, vídeos de “câmeras escondidas”, exibindo a realização de intervenções urbanas na cidade de São Paulo. Um vídeo, em especial, me marcou: A intervenção em que os alunos de Carminda bloquearam um cruzamento de duas importantes avenidas, com vasos de flores. Uma situação muito inusitada. Sem dúvidas, passível de interpretações muito diversas. A mim, me fez refle r sobre a falta de beleza em nossas cidades, cada vez mais cinzas e nervosas, com conges onamentos cada vez maiores, e qualidade de ar cada vez menor. Nesta intervenção, especificamente, lembro-me das reações de motoristas, um tanto incrédulos com a cena que viam de dentro de seus veículos. Seria uma “macumba urbana”? - pergunto-me se eles se ques onaram sobre esta possibilidade! Muitas poderiam ser as indagações feitas naquela ocasião. Entre um carro e outro, muitos buzinavam aflitos, outros gritavam de dentro dos seus carros. No entanto, por quase 15 minutos, ninguém teve a simples inicia va de sair de seu carro e caminhar até a faixa de pedestre, para re rar daquele local as flores que interrompiam o trânsito (afora um motorista que removeu dois vasos, apenas para dar passagem para seu próprio veículo). Uma reação no mínimo esperada. A que ponto chegou o imedia smo das pessoas, que preferem estar dentro de seus carros, com ar condicionado, obviamente, assis ndo tudo o que se passa ao entorno, com o motor “bebendo” gasolina, a espera de que as coisas se revolvam? Esta é a realidade do nosso trânsito: pessoas esperando, com o veículo ligado, que o mundo se resolva sozinho para que elas possam passar. O Mundo é você também, e o Teatro te convida a deixar de ser o mero espectador automá co, e interagir com ele, lá, fora do carro. Propor soluções me pareceu a grande pesquisa do Mapa xilográfico, um exercício para vida, que exige que assumamos nossa responsabilidade neste processo.

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Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA Por Laiza Coelho Gomes

De uma história que pude ouvir. No dia 29 de Agosto de 2014, na sala de Interpretação do Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, uma mulher pequena, de voz rouca, e pescoço aparentemente rígido, começa a falar sobre a sua prá ca enquanto docente. Antes, fica descalça e desmis fica a persona Dra. Marina Marcondes, segura uma caixinha cheia de objetos, e, enquanto revelava os objetos da caixa, falava de si, da criança e do adulto performer, da educação e suas possibilidades, como quem contava uma história. “Era uma vez um homem que amou uma mulher. A mulher teve uma filha e a amamentou...” A menina cresceu, brincou, quando brincava era observada por sua mãe. Cresceu mais um pouco. Cursou psicologia, conheceu o teatro, tornou-se professora, resis u à “Academia”, rendeu-se depois, mas prometendo ficar descalça em suas palestras. Viajou à Uberlândia, começou uma leitura em um hotel qualquer, ainda não concluída a leitura, decidiu mesmo assim, citar um trecho que considerou importante. Também lançou um livro ao léu, o livro por sua vez, quis fugir pela janela, mas foi logo resgatado (alguns encontros não permitem a fuga de nada). Por fim, a criança performer e adulta contadora de histórias diz acreditar que se cada professor/pessoa ver sua própria caixinha com objetos capazes de revelar coisas, a “boa” educação/ “boa” existência é possível.

O estudo da importância de contar histórias. Ora, ouvir uma história é sempre bom para relembrar a importância de conta-las. Assim como Marcondes, Desgranges também defende a importância de contar histórias. Em seu livro A Pedagogia do Teatro: Provocação e dialogismo, o autor discorre sobre a importância da apreciação de obras de arte enquanto potências educadoras, defendendo que conhecer e compreender histórias podem gerar uma maior consciência de si, transformando o sujeito que ouve uma narra va, em um sujeito capaz de escrever a sua própria trama:

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Ouvir a contação das histórias cons tui-se, nesse sen do, em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à própria existência; à medida que interpretava as histórias narradas, revia cri camente aspectos de sua vida, tomando consciência da própria história, estando, assim, em condições de transformá-la. A experiência ar s ca se coloca, desse modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando a revisão crí ca do passado, a modificação do presente e a

projeção de um novo futuro. (Desgranges, 2006: 26)

Mo vada pela história que ouvi, e reconhecendo a força de encontro que histórias produzem, resolvi contar uma história para alguns alunos.

Um objeto da minha caixa escola. Era uma vez EU... EU recentemente ganhei uma caixinha, cheia de tranqueiras, e que desejei por muito tempo, chamada: professora de arte da rede pública. Cada um dos objetos desta caixinha vem com um enigma que precisa ser desvendado diariamente. Um dos objetos, por exemplo, veio com um mistério de fazer uma interferência em uma aula de língua portuguesa para “falar de forma diferente” - o que é o gênero textual do conto. Desta vez, nem foi tão di cil de desvendar a xarada; peguei uma caixinha de sapato, alguns objetos, umas roupas velhas, um apito, e fui para a sala de aula contar a narra va de Cem Anos de Perdão, de Clarice Lispector. Soprei o apito, preparamos o espaço, sobrepus algumas peças de roupas e revelei a turma os objetos de minha caixinha, e, enquanto mostrava-os, lia o conto.

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Depois da minha história, propus à turma que construíssemos juntos um conto que fosse só nosso, nele cada aluno inventaria um pouco da história. Os alunos se alvoroçaram, midos e ousados inventaram as “Desventuras de Penosa”. Penosa era uma menina que nha medo de crescer, mas queria crescer para poder namorar e morar sozinha. Depois de muitas desventuras, Penosa consegue um livro mágico que con nha um fei ço. Este fei ço ensinava a controlar o tempo; assim, Penosa podia ser adulta e criança quando bem quisesse.Ao fim de minha intervenção, a professora da disciplina de Língua Portuguesa, ia perguntando aos alunos caracterís cas de gênero textual do conto. Confesso, fiquei com medo. Não havíamos em momento algum, conversado de forma direta e concreta sobre tais caracterís cas, o que fizemos foi “brincar”, mas os meninos refle am sobre as interroga vas e aos poucos respondiam às questões. As respostas não nham nomes técnicos, conceitos e similares, mas nham conhecimento e domínio do conhecimento. “Agora fica mais fácil explicar para eles as caracterís cas”, disse a professora. Fim.

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Sobre a Caixa Escola e histórias que construo. Mais curioso do que re rar objetos de uma caixa, é se perceber enquanto um objeto dentro de uma caixa. Eu sou uma pequena peça dentro de uma caixa chamada escola básica, e, esta caixa é feia, abafada, escura, mas é necessário transformá-la, criar outra realidade. Dentro de minha caixa fica cada vez mais claro a importância de pensar a minha presença na escola, não como um “professor de arte”, mas como um ar sta que optou/escolheu por se inserir no ambiente escolar e entender este espaço como um gerador de potências para o ato da criação. É necessário criar, experimentar, e impulsionar criações e experiências na escola. Acredito que este é o lugar da arte na escola; de transformá-la e pensa-la como espaço para o encontro, paixão e afecção.

Referencial Teórico • Palestra – Performance, intervenção e escola – diálogos possíveis. Profa. Dra. Marina Marcondes. Sala de Interpretação – LIE – Bloco 3M. 29 de Agosto de 2014.

• DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2011.

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SÁBADO 30 DE AGOSTO - MANHÃ 17 resumos foram inscritos para Comunicação de Pesquisa ou Relato de Experiência. Mesmo que tenhamos optado pela discussão em um formato diferenciado do que comumente acontece em comunicações orais, nos eventos acadêmicos, apresentou-se a possibilidade de envio do texto escrito para os Anais como Resumo Expandido. É a configuração do texto a seguir.

BRAUDES, Márcia Peixoto; SANTOS, André Luiz. A escuta do espetáculo ou o público em cena. Anápolis: Secretaria Municipal de Cultura de Anápolis - Goiás. Escola de Teatro de Anápolis; Professora efe va. Universidade Estadual de Goiás; Professor efe vo. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-GO.RESUMO O presente trabalho se refere às experiências dos debates pós-espetáculos apresentados na Mostra de Teatro de Anápolis-Goiás. A par r das falas evocadas pelo público, e dos relatos dos atores, propusemos um estudo acerca das questões de autoria, da indagação sobre o que é o teatro, e da própria afirmação do debate como um possível espaço de reflexão e criação. Abordamos tais questões considerando como referências os textos de Michel Foucault, “O que é um autor?” e “A vida dos homens infames”. PALAVRAS-CHAVE: autor: teatro: debate pós-espetáculo.

1- Apresentação: Seria o teatro um espaço de subversão do texto literário? Um espaço no qual seria possível aos textos polissêmicos funcionar de outro modo, interrogando a realidade, a ficção e o próprio fazer teatral? Desta forma, pode-se colocar em questão as diferentes injunções do poder, que determinam o que é teatro, ficção e literatura? Essas indagações nos são possíveis a par r da experiência dos debates pós-espetáculo, apresentados na Mostra de Teatro de Anápolis-Goiás. O debate pós-espetáculo tem se cons tuído como espaço

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reflexivo sobre as peças, os processos de montagem, técnicas, o texto, o ator, a criação, mas também como momento do espectador, não mais passivo, a aguardar do espetáculo uma iden ficação, o riso, o choro, a catarse. Haveria aí uma possibilidade, uma fecundidade inerente ao teatro, uma possibilidade de outras histórias - aquelas que nunca foram experienciadas, que foram esquecidas, ou que ainda pulsam adormecidas à espera infinita de sua realização. Se a experiência diz respeito ao que não foi vivido, ao impossível, ou à própria morte, o debate acrescenta uma experiência outra, próxima de encontros fur vos, errá cos, encontros na rua, com amigos, amantes, companheiros, ou com o estranho, nos quais não sabemos de sua familiaridade, encontros de intensidades afe vas outras, como se fossem o úl mo ou o primeiro. Entre a hesitação do ator em falar, e do espectador em perguntar, pode ser formado um espaço da não-clausura da palavra, um encontro com nosso “infame” - o que escapa aos sistemas de sujeição da palavra e seus mecanismos de controle. A par r de nossos estudos dos textos de M. Foucault “O que é um autor?” e “A vida dos homens infames” buscamos afirmar a experiência dos debates pós-espetáculos como uma experiência “outra” aberta à “transgressão”, ao “impossível”, ao “irrisório”.

2- Os espetáculos e as perguntas: O relato é referente à Mostra de Teatro de Anápolis – Goiás, apresentada no ano de 2014. Os espetáculos são selecionados em edital público, realizado pela Secretaria de Cultura de Anápolis, e os critérios de seleção se referem à excelência ar s ca do espetáculo, qualidade literária do texto, concepção da montagem, e a viabilidade de execução do espetáculo. As apresentações de cada espetáculo são sucedidas por debates “livres”, “abertos”, do público com os ar stas.

Quadro- Espetáculos e perguntas

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Espetáculos PerguntasSANANAB (Palhaço Bisgoio) - Como foi feita a pesquisa para a

montagem da peça?- Como construiu uma linguagem sem palavras?- Qual a influência do Palhaço Tomate no espetáculo? - Você estudou para ser palhaço?- Quando deixa de falar, o palhaço muda de nome?- Como adapta a “energia cênica” da rua ao palco italiano?

As Criadas (Confraria Tambor) - Por que o pênis tem que aparecer?- Houve erro ou confusão ao mencionar os nomes dos personagens?- Qual a necessidade do uso do nu? Não havia roupas de lingeries na época?- Como é lidar com o excesso de riso quando se trata de questões tão profundas e carregadas de dor? - Há a intenção de abordar o tema do maniqueísmo definindo traços do bem e do mal nas personagens das criadas e da madame?- Mostrar o pênis é entrar na in midade das pessoas?- Mostrar o pênis é sugerir a repressão masculina?- Vocês tem consciência da inquietude e do estranhamento que o espetáculo provoca no espectador?

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Espetáculos PerguntasO Circo dos Objetos (Mariza Basso Formas Animadas)

- Por que a opção deste po de esté ca?- Você teve outras experiências como “atriz” antes de fazer teatro de objetos?- O seu trabalho está engajado em uma polí ca de sustentabilidade?- Você já fez “A Falecida” de Nelson Rodrigues?- Quando eu era criança gostava de brincar de boneca, agora eu posso trabalhar fazendo isso?

A História é uma Istória. (Grupo de teatro Bastet)

- Por que vocês fazem teatro?- Vocês estudaram História para montar o espetáculo?- O texto é fiel à literatura?- Como é atuar com um texto em forma de narra va?- Como transformar a barbárie em comicidade sem banalizar?- O que tem da história de cada um de vocês na construção do espetáculo?- Como vocês veem a polí ca dos editais?

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Espetáculos PerguntasIara, o encanto das águas (Cia Luminato)

- É possível dizer que os recursos deste po de teatro se aproximam do cinema?- Como e quando os bonecos tomam vida?- O que eu vi é “igual” ao que eu vejo no cinema, mas por que é “diferente”?- Onde vocês estudaram essa técnica?- Quando vocês aparecem na cena há a intenção de estabelecer um jogo entre realidade e sonho?- Vocês sabem a tradução das canções indígenas?

Os debates mobilizam uma parte do público do espetáculo, e nossa hipótese é de que essas são pessoas “interessadas” em discu r o teatro. Esta hipótese é possível por conta de um número significa vo de pessoas que par cipam do debate, a quan dade e a qualidade das perguntas e, também, pelo fato do público se posicionar em relação ao espetáculo, apresentando juízos sobre que consideram “excessivo”, “frágil” ou “belo” e “bonito”. O público é formado por crianças, adolescentes, adultos, das mais diversas condições sociais: ar stas, professores e estudantes universitários, estudantes e professores da Escola de Teatro, vendedor ambulante e outros. É ainda interessante, em relação ao discurso que transita nas perguntas, uma “tonalidade impera va” na fala do público. Opera-se uma possível aproximação entre a autoridade de saber do ar sta e o saber do público. O debate permite uma subversão na qual o ator poderia, enquanto autor, “estar ausente”, seguindo as “evocações” foucaul anas, nesse espaço “deixado vago pela desaparição do autor,

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seguir atentamente a repar ção das lacunas e das falhas e espreitar os locais, as funções livres que essa desaparição faz aparecer” (Foucault, p. 271, 2009). Dessa forma, é possível falar ou indagar sobre um pênis que sobra ou ver por trás da manipuladora de bonecos “A Falecida” de Nelson Rodrigues, ou, ainda, o anímico jogo cinematográfico do Teatro de Sombras. Nesta “ausência do autor” é possível ao ator falar de si, revelar sua infame epopeia ao reconhecimento ar s co: o episódio de desamparo do ator frente à morte da mãe, que se entrelaça ao cenário de ruínas em caixas de papelão, como se o silêncio de sua dor compusesse um relicário da história; ou a generosidade dos atores, no teatro de sombras, que exibem a arquitetura de onde provém as sombras, mas que dialogam apontando para o interior do público como o lugar onde suas histórias tomam vida; ou do relato aberto sobre os laboratórios de se fazer mulher/criada/madame, em trânsito entre glamour e lixo, a exercícios marciais de bravos e viris soldados. Interessa neste encontro, neste trânsito, em que se esbarram atores e público: o que pode nos levar a uma concepção de teatro que sobreviva a sua própria indagação e que coloque em questão a própria realidade, a ficção, o autor e a própria arte? No entanto, nesse jogo em que se colocam atores e público (cada qual com suas histórias, suas misérias e suas dores, suas perguntas acerca do real e do fic cio) há a criação de um espaço de fuga, desapercebido ao “olhar branco do poder”.

3- Considerações finais: As discussões sobre os debates pós-espetáculos nos remetem aos espaços heterotópicos do teatro, aos quais, segundo Foucault (2013, p.24), justapõem em um lugar real, vários espaços, que seriam ou deveriam ser incompa veis. Um lugar onde seja possível um “outro” encontro do público com os atores. Um encontro em que o público evoca o ator despido do personagem, não mais uma apropriação ou uma projeção de um autor, não mais preso a uma rede discursiva da representação. Por outro lado, conta com um público não mais ausente, com uma inquietude e liberdade, capaz de indagar sobre o real, o fic cio e o próprio teatro.

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A experiência dos debates pós-espetáculos remete a uma reflexão sobre o que cons tui o teatro e suas possibilidades transgressoras, aquelas que permitem o aparecimento de diferentes vozes, fazendo-se ouvir. Por isso mesmo, aberto a novas possibilidades cria vas, não necessariamente presas ao complexo mecanismo de sujeição do autor, ou a outras instâncias e mecanismos do poder. Dessa forma, afirmando o princípio é co deflagrado por Becke : “Que importa quem fala?”

FOUCAULT, M. (2003) A vida dos homens infames. In: ______. Estratégia, poder-saber. Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p.203-222._____ . (2009) O que é um Autor? In. Esté ca: literatura e pintura, música e cinema. Ditos e escritos III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 264-298._____ . (2013). O corpo utópico, as Heterotopias. São Paulo: n-1 Edições.LAROSSA, Jorge. (2004) A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. In. Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS. v. 29, n.l, jan/jun 2004, p.27-43.MACHADO, Roberto. (2000) Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de Janeiro: Zahar.

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Foram 23 pessoas presentes no sábado de manhã. A seguir, três dos registros, oriundos da discussão dos par cipantes, a par r dos seis temas elencados com a metodologia do “Open Space”, mediada por Maria Tendlu Cecca o. Entre as regras estabelecidas para os subgrupos: os pés estão onde querem estar (ou seja, é possível mudar de subgrupo no decorrer do trabalho) ou - está presente quem deve estar, dito de outra forma, não importando o número de pessoas na roda.

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Discussão do tema: “Formação de Espectador no espaço escolar formal - É necessário formar o espectador?”, a par r da técnica de Open Space no I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro e XIX Fórum de Diálogos de Educadores de Teatro, na Universidade Federal de Uberlândia - 29 à 31/agosto/2014.

Por Michele Soares

Debatedores: Adriana Moreira Silva, Gabriela Neves Guimarães, Gleuter Alves Guimarães e Michele Soares Começamos ques onando a própria ideia de ‘formação do espectador’, pelo sen do nega vo do termo, como se coubesse ao professor a formação do aluno-espectador, no tocante ao modo de pensar, ver, sen r e ler a obra de arte. Por outro lado, considerando a terminologia apenas como uma nomenclatura a ser re-lida, discu mos então, o que seria para nós a formação do espectador no espaço escolar formal. A par r da pedagogia do espectador - tema no qual se insere um crescente número de produções e discussões, especialmente com as obras de Flávio Desgranges - compreendemos esta formação como um ato con nuo. Especialmente, quando sabemos que a maioria dos alunos têm pouca ou nenhuma vivência teatral como espectadores. Como falar de teatro e até mesmo propor reflexões e prá cas de uma área de conhecimento subje va e distante da realidade dos alunos? Neste aspecto é importante considerar que os alunos, mesmo sem ver teatro, trazem outras referências esté cas e imagé cas, inclusive para além da teledramaturgia, já que estão conectados ao mundo virtual e nele apreciando videoclipes, filmes, HQs, desenhos, publicidades, entre outros. Considerando este contexto, qual a importância da vivência com o teatro para esse aluno? Entre tantas possíveis respostas, uma se destacou em nosso diálogo: que seja a de ampliar os olhares, as percepções e referências do sujeito, para que, inclusive, ele leia suas próprias referências com novos olhares. Assim, para o processo de construção da subje vidade ( papel da arte), destacamos a relevância de experimentar propostas da arte contemporânea, como nas linhas

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do teatro pós-dramá co, que rompe com estruturas convencionais da teatralidade : a exploração de corporalidades e ações extra-co dianas; as ocupações alteradas dos espaços comuns; o uso de tecnologias; o abandono da dramaturgia linear e do personagem-psicológico-realista-dramá co em privilégio do performer-atuador-depoente (que se cons tui nos cruzamentos entre ficção e biografia); o teatro que permite tomadas de posicionamentos pessoais e polí cos, e a expressão dos mesmos se lançando numa condição autoral; procedimentos híbridos, acionando diversas linguagens ar s cas (diferente da polivalência), entre outros, que favorecem a compreensão da arte, da cena, do ar sta e da obra para além dos cânones ar s cos e do senso comum. Experimentar, e então, compor a diferença entre formação de espectador e formação de público, em ato con nuo, tornando o espaço da escola contaminado por ações forma vas da linguagem / prá ca teatral. De modo a subverter o caráter an -esté co das escolas, como chama a atenção a professora Carmela Côrrea Soares, para que esse espaço de formação seja também lugar de experimentação, criação, contestação, descobertas, vivências do intelecto, do afeto, do subje vo. Desconstruindo as barreiras impostas, inclusive para os temas tabus perpetuados na Escola, entendemos que o teatro se torna o ‘respiro’ no espaço escolar, o momento de flexibilização do corpo, das ideias e das relações, de expansão do olhar para o seu mundo naquele território e para além dele. A par r do compar lhamento de casos vivenciados por nós - debatedores do grupo de discussão do open space, nas diferentes escolas em que atuamos, pontuamos ao final, que a formação de espectador está ligada a proposta de experiências com os alunos que componham novos olhares sobre ele e suas relações, bem como trará novas questões para o docente-ar sta. Sem fechar ou estabelecer conclusões, encerramos com a clareza da amplitude do tema, e sua importância para as discussões a respeito do Teatro na Escola

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REGISTRO DE DISCUSSÃO - realizado no processo de Open Space, com o tema: Ensino teatral para crianças de 0 a 5 anos

Por Mayron Engel Rosa Santos

Debatedores - André Rodovalho, John, Suzi, Neibe, Marcelo, Luis Manuel, Maria de Maria, Marcio e Eduardo.Tópicos elencados e discu dos

• Especialista ou generalista; Qual a concepção de infância; Vínculos afe vos com apenas um professor (psicologia do Eu) ou mudança de paradigma, possibilitando os especialistas, na educação infan l. • Ateliê de arte como opção metodológica para o desenvolvimento do teatro.• Professor/Ar sta: Que possibilita as discussões do seu fazer ar s co com os de seus alunos, permi ndo ser afetado pelo processo.• Guerrilha do espaço;• Conquistas: Relato de experiências que deram certo

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Registro Open Space – Grupo Teatro, sexualidade e gênero na Escola.

Por André Rodovalho

Transgênero – diferenças. Gênero diferente de Sexualidade.Na escola, tocar nos assuntos de gênero e sexualidade seria uma invasão com possíveis alunos gays e trans?Crianças Trans – Rejeição dos pais.Filmes: Minha vida em cor de rosa e Tom Boy.Brincadeiras na escola:Azul dos meninosRosa das meninasFila de meninos e fila de meninas.As crianças levam para a escola muitos preconceitos ins tuídos pelos pais em casa.Influência dos pais. Influência religiosa nas aulas, nos passeios e fes vidades da escola.O professor homem – Professor de Artes. - John.Suspeita de pedofilia, “dar colo”.Marcio – “A criança se sente protegida pela bunda – 0 a 3 anos.”Libertação do corpo.- Teatro na escola – es mula a voz, corpo e relação.- A escola: Crianças sentadas, caladas e com os ouvidos abertos.- Estrutura Escolar e Teatro – salas, mesas, cadeiras – salas próprias.Avaliação em sala.Márcio: “O problema da escola está no corpo.” – citação de Guacira LopesProfessor Homem- Banheiros na escola- Roupas que se usa.- Relacionamentos com Mulheres ou Homens?- Sexualidade – “Professor, você é gay?”O Professor gay precisa se assumir?O professor é um referencial para os alunos.“Professor, você é gay?” – Por que a pergunta?- Luis Manuel – Já existe um progresso em relação a décadas passadas. Já não tem problema ser gay na escola?Mídia – Visibilidade gay na contemporaneidade.

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As pessoas estão virando gays ou há mais abertura para ser quem são? Marcelo – Sexualidade – Lei Maria da Penha.Após a lei, as meninas se tornaram mais violentas na escola, batendo nos meninos.7º Ano – Sexualidade na matéria de Ciências.John – Adolescentes de 13 e 14 anos fazendo sexo. Precoce. Márcio – Será precoce? Descoberta? Curiosidade?Aula de Sexualidade

DRAMATURGIAS DO ESPAÇO E A CRIANÇA PERFORMER: DIÁRIO DE BORDO DA OFICINA DE MARINA MARCONDES MACHADO

Ricardo Augusto Santos de Oliveira – Mestrando em Teatro na Pós Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista do Projeto Par lhas / FAPEMIG [email protected]

Cheguei mais cedo com Marina para apresentar a escola. Mostrei a área externa (cozinha, quiosque, parque, pá o) e todas as salas que nhamos

disponíveis. Nossa parada foi feita no pá o, e criamos um espaço de palco e plateia. Um pequeno palco foi colocado com o material que ela u lizaria para as provocações da tarde. E os par cipantes ficaram sentados em cadeiras enfileiras. O espaço foi reorganizado

o tempo todo durante a oficina. Primeiro, o anúncio de que jogaríamos com as cadeiras foi feito muitas vezes durante a fala. Acho que era para irmos nos acostumando e relaxando com a ideia. Ela falou sobre a história de sua vida e falou das crianças, ou algo assim. No meio disso, caminhamos com as cadeiras, fizemos filas, rodas, triângulos, estátuas.

SÁBADO 30 DE AGOSTO - TARDEA seguir registros das duas oficinas ocorridas simultaneamente.

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DRAMATURGIAS DO ESPAÇO. Estávamos em jogo, entendendo do que se tratava. A maneira como o espaço está organizado diz por si e a exploração dele pode ser uma das formas de brincarmos de teatro com as crianças. O espaço pode potencializar ou podar. As perguntas sobre escola também se relacionavam ao espaço da escola - “Fale sobre escolas assim”, “gostaria de ouvir você falar sobre escolas assado”. A resposta foi clara. Não existem escolas assim ou assado, existe A Escola. Cada uma se organiza da sua forma. CRIANÇA PERFORMER. “A criança pequena espera ou só vive o mundo?” – essa foi uma questão que norteou uma pesquisa de Marina. Observar crianças em situação de espera. Contou “causos”, para os professores de Uberlândia, instantes que observou e que foram registrados em Diários de Bordo. Como o “causo” da menina do ponto de ônibus que brincava com um cordão, transformando o objeto em muitas coisas, enquanto a mãe esperava o ônibus. A criança vivia o mundo enquanto a mãe esperava. Fenomenologia. A árvore de um caule e quatro galhos. Mundialidade no caule, e os galhos são feitos de Linguis cidade, Corporalidade, Temporalidade, Outridade. Como nos relacionamos com as crianças a par r disso? Como observarmos a criança se relacionar com o mundo a par r disso? É isso? Falamos ainda sobre três palavras chaves para a noção de infância de Merleau Ponty: Polimorfismo, onirismo e não-representacionalidade. A capacidade da criança para invenção, a capacidade da criança de poe zar o mundo, a capacidade da criança de ser ela mesma e viver. E qual o obje vo disso tudo? Deixar brincar, ser você mesmo, ser feliz. Fizemos uma improvisação, dentro de um ônibus – organizado com as cadeiras – enquanto ela narrava uma história: roubo, sonho, outro planeta, ônibus novamente, depois de acordar. Sermos, vivermos, brincarmos. Não era para fingirmos ser criança. Éramos nós, adultos, brincando. Perguntei ainda sobre o Diário de Bordo: “É sempre composto por textos ou também podemos ter recortes, fotografias, vídeos, e outros registros?” A predominância da palavra é importante neste po de registro, pois permite observar, descrever, narrar e analisar. Essa foi a resposta.

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Então eis aqui o meu diário de bordo deste encontro. Uma análise superficial. Um entendimento parcial. Um dos vários escritos a que dei o nome de diário de bordo, sobre os encontros com Marina no I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro, do Projeto Par lhas. E só para terminar. Marina disse várias vezes que não quer ser guru de ninguém. E não é. Publicou em seu site agachamento.com, antes de vir a Uberlândia, um texto. Abaixo um trecho dele:

Vou falar em Uberlândia: grande tema, a imaginação

Percebo, desde um convite anterior, um gosto, por assim dizer, que os estudantes da UFU possuem pela noção de “criança performer”. Meu nome foi mencionado e escolhido novamente pela leitura que fazem do texto “A criança é performer”. No entanto, tenho o plano de chamar a atenção dos par cipantes para outros dois trabalhos, que considero complementares – e poderia até mesmo nomeá-los “uma trilogia”: “Fenomenologia e Infância / o direito da criança a ser o que ela é” e “A imaginação infan l como um trabalho-em-processo”. Os três textos revelam um pensamento centrado na fenomenologia, que não é uma teoria – é um método filosófico, e portanto um modo de pensar, uma a tude, um jeito de ser e estar: conversa com as noções de

presença e escuta sensível ao outro.

Pois bem, Professora Marina, funcionou. Vou ler os outros textos para outras conversas que teremos em Uberlândia. Até porque Marina fala sobre performance performando, entende? Ela mistura histórias inventadas com memória pessoal, seriedade e brincadeira, num hibridismo sem fim... e no meio de tudo isso ela vai contando, cutucando, alfinetando, provocando, contando sobre suas pesquisas. Literalmente, a tenta va é te rar do lugar, mexer. A sensação é de um redemoinho em estrada de terra. Um vento que não para de colocar areia nos olhos. Marina não vem clarear nada. Vem confundir, fazer refle r. As provocações foram deixadas. Algumas atrás da minha orelha. Obrigado!

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DESVELAR O PROCESSO SINGULAR DO DEVIR - Expecta va pelo 1º Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro como mestranda, ainda mais pela oficina de Carminda.

Por Isabel Cris na Alves Pimenta Braga – [email protected]

Ao acaso veio cair em minhas mãos a leitura? A experiência? A poesia? Após comprar vários livros no início deste ano, solicitei um brinde. Ofereceram-me uma obra de produção de texto. Reclamei. Então trocaram pela obra Arte e cultura III.

Folheei, reconheci o enfoque da obra, dado à música, e guardei. À procura por contextualização teórica, voltei, vasculhei, descobri o teatro, e encontrei Dra. Carminda Mendes André... Agora me via ali, ao lado dela, minha primeira referência teórica de teatro, na oficina intervenção urbana do Mapaxilográfico. Tendo agora o privilégio da dupla emoção: a autora e o contexto. Neste movimento, foi sen da a apreciação pelo conhecimento, por conexões entre a leitura, experiência e poesia. Ao tentar compreender o sen do da intervenção, reunidos em meio a uma família de foliões do bairro Patrimônio, em Uberlândia, somos envolvidos por narrações, diante de ar stas. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. (BONDÍA, 2002). Encontrei sujeitos à deriva da sociedade, que não aparecem, mas ao nos aproximarmos reconhecemos pontos comuns. Sujeitos que se constroem na simplicidade de seu percurso e se revelam em riqueza própria.

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Por meio das linguagens o sujeito se aproxima ou se distancia do mundo, formando assim várias imagens de realidade. E todas elas juntas cons tuem a cultura e, portanto, nosso conhecimento sobre o real. (ANDRÉ, 2004. p.103). A forma como se apresentam, a trajetória da formação do grupo e como se cons tuíram, bem como as histórias ali contadas com uma linguagem bem peculiar, produzem um conhecimento possível, a compreensão na comunicação estabelecida, mediada e percebida pela imagem da realidade, presente em forma de arte. A poé ca narra va nos apresenta à diversidade, nos provoca e nos leva a inferir questões relacionadas às relações de poder. Para André, o estado de consciência, interfere na maneira de comunicar do poeta-sujeito. O encontro essencial da intervenção, entre nós espectadores e a comunicação de um ator, Bolim, transforma as relações humanas de comunicação pela presença, consequentemente, presença teatral. Revela o outro corpo no meu corpo, em devir a vo. O movimento do acaso nos conduz a um devir do co diano. Para Fugan é impossível estar fora do devir, pois o devir não é um acidente na existência, e sim ele é a própria essência, sem a qual não haveria a existência, muito menos a auto – sustentabilidade. O devir se cons tui da experiência vivida. Percebo a intervenção urbana como jogo, que nas origens ritualís cas do cole vo, é algo que comunica. O jogo na qualidade de atuação se dis ngue em sua representação de mundo. Nessa experiência, vejo um processo de produção de conhecimento que emerge de conexões, nas relações humanas - construir na par cipação, a poé ca da comunicação.

REFERÊNCIAS:BONDÍA, Larrosa Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência.

Revista Brasileira da Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2002.19.

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Relato da Experiência com Intervenções urbanas na cidade de Uberlândia

Por Carminda Mendes André

A oficina de intervenção urbana, dentro do “Par lhas”, configurou-se para Carminda, Milene Valen r Ugliara e Diogo Rios, mais uma oportunidade de apresentar suas pesquisas ar s cas e educa vas, a interessados em arte-educação. Nelas, seus propositores buscaram aproximar a universidade (representada pelos par cipantes da oficina) e comunidades visitadas. O trabalho é feito a par r do entendimento da intervenção urbana como um modo de arte capaz de funcionar como procedimento arte-educa vo. Essa ação foi realizada em cinco dias. O primeiro dia aconteceu em São Paulo, na casa de um dos integrantes, para que o grupo dos pesquisadores ar stas pudesse levantar informações sobre a cidade de Uberlândia, sua história, problemas. O foco de atenção volta-se para assuntar grupos de resistência para, finalmente, escolher o bairro para a realização da intervenção urbana. Patrimônio mostrou-se um bairro interessante porque: parecia ser ali onde teria nascido a cidade, um bairro com uma comunidade de negros e com muitas manifestações culturais, mas também um bairro que sofreu um brutal processo de transformação com o crescimento da cidade, expulsando a maioria dos an gos moradores para zonas mais distantes, esfacelando a comunidade. Mas, ao que tudo indicava, havia ali alguns integrantes importantes do an go Patrimônio, e era com eles que desejou-se conversar em Uberlândia. Com o apoio e incen vo de Vilma Campos - uma das coordenadoras do Projeto Par lhas - naquela ocasião fizemos a escolha do bairro, seguimos para o aeroporto. No segundo dia, já em Minas Gerais, junto com Gabriela Neves Guimarães (Gabi) - única moradora de Uberlândia entre nós - fizeram o procedimento da deriva.

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Deste passeio afe vo encontramos a primeira paragem: o Buteco do Sr. António. Depois de alguma prosa sobre o bairro, e de o gen l homem apresentar sua família por meio de fotos, soube-se da existência da Folia de Reis que acontecia por ali. Então, Sr Antonio indica que se vá até a casa do Sr. João Rodrigues (Bolinho) e Enersino João da Cruz (Nersinho) pois com eles seria possível obter mais informações sobre o Bairro. Assim foi feito. A segunda paragem foi a visita ao Sr Enersino e Dona Eunice, foliões e responsáveis pela Folia de Reis Pena Branca, a mais an ga do bairro. Depois de alguma prosa e historias sobre a família, sua relação com a Folia e com o bairro, o casal nos indica a casa do Sr. João Rodrigues (Bolinho), por ser nascido no bairro e grande conhecedor de histórias do lugar. Já ai armamos um retorno com os estudantes, depois de dois dias, para que o casal pudesse contar sobre o bairro e a Folia. Na casa de Sr João Rodrigues (Bolinho), encontramos apenas Dona Maria Aparecida (Cida), que nos recebe como se há muito já nos conhecesse, nos convidando a entrar, a prosear e a tomar aquele cafezinho gostoso que só as mineiras sabem fazer. À noite, já avisado, Sr João Rodrigues (Bolinho) aceitou par cipar do encontro na casa do Sr Enersino. Pronto. As condições para a intervenção urbana já estavam armadas. No terceiro dia, acontece a única “aula” em que os pesquisadores paulistas apresentam algumas intervenções urbanas para iniciar um pequeno debate sobre arte urbana, e logo partem para mostrar modos de uso dessa arte atrelada a processos educacionais não formais, realizados pelo Mapa Xilográfico (cole vo ar s co no qual se integram Diogo Rios e Milene Valen r Ugliara). Apresentou-se a pesquisa sobre o bairro Patrimônio para os par cipantes da oficina (professores e estudantes da UFU e de outros Estado) e logo par u-se para pensar modos de realização do encontro na casa do Sr Enersino. No quarto dia, conforme o combinado, uma mesa foi improvisada no quintal do casal. Ali oferecemos comidas e bebidas para todos. Duas câmeras foram instaladas, um palco foi improvisado e a ação dos universitários foi deixar-se em estado de escuta conforme os visitados iam chegando e se animando a nos contar histórias de vida, do bairro, da Folia, do Carnaval.

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No quinto dia compar lhamos sensações e perguntas sobre o ocorrido com todos do Projeto. Como surgiu esse modelo de ação arte-educa va? Em 2011, o Cole vo Mapa Xilográfico1 ministra oficina de intervenção em conjunto com a docente Carminda Mendes André em disciplina de Teatro e Educação no curso de Licenciatura em Arte – Teatro do Ins tuto de Arte da UNESP, resultando na intervenção in tulada BANANA POR SAMBA. Dentre outros resultados, essa intervenção urbana realizada pelo bairro da Barra Funda, escava a história da comunidade de cultura negra que vivia nesse lugar que, por muitos pesquisadores, é considerado o berço do samba paulista. No entanto, pela força do capital imobiliário em conjunto com o poder público, um plano de “revitalização urbana” suscita várias ações de valorização imobiliária no bairro, expulsando e dispersando seus an gos moradores. Importante para o aprofundamento da pesquisa do grupo, foi trabalho realizado pelo Mapa Xilográfico que deu origem ao documentário (À) DERIVA. Metrópole São Paulo e a própria tese de mestrado de Milene Valen r Ugliara MapaXilográfico: errâncias na metrópole (2013). Milene Valen r Ugliara e Diogo Rios integram o grupo de pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS (Cnpq), coordenado por Carminda Mendes André, no Ins tuto de Artes da UNESP. Em anos anteriores, as a vidades de estudo desse grupo (com outros integrantes) consis u em leituras de textos de autores que tratam da pedagogia libertária, principalmente os estudos do professor Dr. Silvio Gallo. Outro tema de estudo esteve às voltas do conceito de “experiência” aproximado à educação e foi nos rastros da pesquisa da professora Dra. Luiza Christov que o grupo aproximou-se das concepções de educação escolar de John Dewey, Michel de Montaigne e Jorge Larrosa Bondía. Também estuda-se o método de estudos de campo da antropóloga Jeanne Favret-Saada, Ranciere. O objeto de estudo, naquela ocasião, era a formulação do conceito de “experiência” e seus possíveis desdobramentos prá cos em processos arte-educa vos.

¹Ver em: h p://mapaxilografico.blogspot.com.br/p/blog-page.html Acesso em 20/09/2014.

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No campo do estudo das artes, o grupo aproximou-se das reflexões de arte contemporânea do professor Celso F. Favare o, principalmente no que tange às tensões entre arte e vida. O objeto desse estudo era a reflexão sobre é ca e esté ca. No campo do estudo da prá ca ar s ca, o grupo aprofunda-se na modalidade da intervenção urbana, fora da história das formas, uma arte que não se caracteriza como categoria esté ca, mas, sim, como procedimento arte-educa vo. Desmembramentos dos estudos. Depois da intervenção urbana BANANA POR SAMBA, outra prá ca importante para os três arte-educadores, aconteceu em 2013, na cidade de Palmas no Estado de Tocan ns, quando realizaram oficina de intervenção urbana na Universidade Federal de Tocan ns. Ali, trabalharam com uma comunidade ribeirinha deslocada e desar culada de seu território por causa da construção de uma barragem. Tal ação foi realizada juntamente com estudantes e professores do curso de Licenciatura em Filosofia e Teatro, da Universidade Federal do Tocan ns. No povoado chamado Canela aconteciam as Festas de Junho e Dezembro ligadas às datas religiosas cristãs. Com a mudança da comunidade, dispersos por bairros periféricos de Palmas, os foliões vivem dificuldades para manter a festa. A ação poé ca ali foi compar lhar histórias e modos de resistência para o grupo manter suas tradições. Em Uberlândia ouviu-se histórias semelhantes ao ocorrido no bairro da Barra Funda. Em Minas, a comunidade an ga do bairro do Patrimônio vem sendo expulsa e dispersada pelo mesmo processo do capital. A polí ca aliada à empreiteiras e incorporadoras agem da mesma maneira desrespeitosa e perversa. O que nos faz pensar que a democracia brasileira só será alcançada, de fato, quando uma reforma polí ca desmoralizar tais prá cas de trocas, redirecionando a polí ca para as necessidades da sociedade em si, e não do capital. A oficina realizada em Uberlândia, no mês de agosto de 2014, dento do Projeto Par lhas, par cipa do desmembramento da pesquisa dos três ar stas educadores, que nessa proposta buscaram a experiência da intervenção urbana como mediadora, entre a comunidade universitária e grupos culturais que sofrem brutais processos de apagamento. A

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ação arte-educa va funciona, nesse processo, como propositora de laços afe vos e ar s cos entre universidade e comunidades visitadas. O reconhecimento da arte e dos modos de vida desses sujeitos, como campo de aprendizagem, tem sido um dos desafios das intervenções urbanas elaboradas pelos propositores. De todas as leituras feitas, teses defendidas, publicações organizadas no campo do discurso crí co à educação universitária ins tucional brasileira, certa necessidade se fez unânime: a de buscar outros atalhos para pensar a função da arte na formação do professor de teatro. Para isso, os três oficineiros vêm perguntado a todos os par cipantes: que escola queremos? Ou, a escola é necessária? Para responder, deparam-se com outras questões: Que Brasil queremos? Que sociedade queremos? Que vida queremos para nós e nossos descendentes? Nesse momento, o grupo de pesquisadores envereda-se na busca por caminhos não trilhados, refle r a par r de epistemologias não conhecidas. Foi no caminho da corrente pós-colonialista que os arte educadores encontram ressonância teórica à prá ca da intervenção urbana tal como aqui a executa. Insistem, no campo da formação do professor de artes, no fazer aproximado aos processos de criação encostados às artes contemporâneas, principalmente a performance e a intervenção urbana, quando aproximadas às abordagens antropológicas. O processo arte-educa vo desenvolvido é o uso da intervenção urbana como tá ca pedagógica, capaz de tornar visível modos de vida silenciados, e que engendram, por sua vez, outras funções para a arte. Para usar o conceito do professor português Boaventura de Sousa Santos, os ar stas pesquisadores buscam epistemologias do sul, epistemologias que levem seus observadores a outros modos de pensar e fazer a relação entre arte, educação e vida.

Dois conceitos:

Intervenção Urbana por Carminda Mendes André

Intervenção Urbana pode ser compreendia com expressão ar s ca que dialoga com os modos de vida nas grandes cidades da contemporaneidade; mas pode ser compreendia também como ação polí ca na forma a vista. Pode ser compreendida como a expressão

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de subje vidades que resistem à ins tucionalização da guerra como modo de vida. Pode ser expressão de quem se nega a combater para não perpetuar a relação guerreira ins tuída e naturalizada. É uma ação pacifista. Nessa perspec va, as Intervenções Urbanas parecem mostrar uma civilização em que os indivíduos vivem uns contra os outros, que não há sujeito neutro, civilização em que uns são sempre adversários de outros. Para tais a vistas, esse parece ser o signo que rege a concorrência, a dialé ca, a luta de classes. Tudo está em luta para manter a guerra. O mercado é a guerra. É essa uma percepção de mundo possível para ar stas intervencionistas. No entanto, diferente da arte polí ca moderna, a arte intervencionista não trabalha para a “grande revolução”, mas u liza os instrumentos de poder como tá ca de ação. Ao usar a terminologia da guerra, entende-se a estratégia como a ação de quem domina o território em que se localiza a luta e a tá ca, como a ação de desapossados e de quem está em baixo, fraco, vigiado. Nesse sen do, a força do sujeitado está em sua astúcia mais do que em sua visão de totalidade. A tá ca é movimento dentro do campo de visão do inimigo e no espaço por ele controlado. Nessa perspec va, podemos dizer que a Intervenção Urbana é uma tá ca de guerrilha cultural. Como guerrilha, a arte intervencionista atua clandes namente para provocar a desordem do que está ins tuído, ordenado, naturalizado. Intervir não é somente aparecer em um lugar imprevisível, intervir é causar desordem; pretende-se realizar uma insurgência. Não se pretende tomar o poder e não se trata de conscien zar o transeunte ou o espectador ou a população de algo que eles não saibam. A Intervenção Urbana aproxima-se, nesse aspecto, do anarquismo pois se trata de uma ação independente. Em seus aspectos formais, a arte da Intervenção Urbana é cons tuída por tudo e todos que estão nas ruas: po de urbanismo, obras de arte públicas, ambulantes, moradores de rua. Temos dificuldade em querer catalogar essa arte dentro das classificações clássicas (artes visuais, teatro, música, dança). É arte que se cons tui por elementos vindos de diferentes áreas do conhecimento. Não há, porém, pretensão de se produzir uma obra resultante da conjunção desses elementos. Sua

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estrutura é móvel, permeável e se movimenta conforme a aproximação e a contra-cena com o outro. Também os cole vos de ar stas intervencionistas são cons tuídos por atuantes de diferentes áreas do conhecimento: ar stas, professores, estudantes, outros. Por ser uma insurgência, a arte da Intervenção Urbana não pede autorização para sua presença – e, em sua genuína ação a vista, ela não é ins tucionalizada – por isso, muitas vezes, é traduzida socialmente como vandalismo. A ação se faz em espaços vazios, espaços em que os olhos vigilantes não enxergam ainda. Nesse sen do, o ar sta intervencionista é um caçador de fissuras nos esquemas de controle daqueles que dominam o lugar. Por isso, essa arte aparece em lugares não previstos para sua presença. A Intervenção Urbana não pretende este zar o co diano das cidades. Ao determinar as funções dos espaços públicos, o Estado tende a criminalizar outros usos. Esse fato é compreendido como um sequestro da autonomia da população para fazer uso de um espaço que se julga pertencer ao cole vo. A Intervenção Urbana potencializa a guerra entre Estado e população, não para tomar o poder, mas para problema zar os regimes de verdades. No Brasil, esse po de arte aparece na década de 1970 e os cole vos pioneiros citados entre os estudiosos são: 3nós3, Viajou sem passaporte e Manga Rosa. No entanto, é a par r dos anos de 1990 que os cole vos se mul plicam para exercitar essa expressão ar s ca que reaparece, com força de protesto, nas ruas das grandes cidades.

Deriva por Milene V. Ugliara Derivas são basicamente caminhadas fora de qualquer funcionalidade ou fim específico; deixar-se levar pelas solicitações do próprio lugar, permear o espaço. Através das derivas é possível cavar novas trilhas nos caminhos compactados da cidade; como diz Debord, está indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de efeitos de natureza psicogeográfica2 e à afirmação de um comportamento lúdico-constru vo,

² Psicogeografia, termo u lizado por Guy Debord, se refere ao estudo do meio geográfico, com ou sem planejamento, e como o mesmo interfere diretamente no comportamento afe vo dos indivíduos.

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o que o torna absolutamente oposto às tradicionais noções de viagem e de passeio. (em JACQUES, 2003, pg 87). A deriva se apresenta como uma proposta de deslocamento, como um mecanismo para vivenciar uma “outra” temporalidade, um mergulho nos inters cios do espaço urbano, diferentemente da viagem e do passeio que se aproximam somente de uma camada bastante superficial do lugar visitado.

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DE MARIA, Maria (QUIALHEIRO, Maria). O que carrega uma sacola de tesouros? Uberlândia: Trupe de Truões. Universidade Federal de Uberlândia; professora subs tuta. Atriz e gestora.

RESUMO

Escrevo para dizer o que não foi dito, com uma voz incessante, como quem busca palavras para não ter que se calar. Amaldiçoada pela herança de Xerazade, que mora em mim, “peço-lhe, por favor, que me deixe entrar para entreter-te mais uma úl ma vez”, preciso atuar para que me seja permi do viver, por mais esta noite. Abre-te sésamo! 2006 inicia um novo ciclo, o de contar esta história. A minha história. Com um único objeto, a Trupe de Truões, grupo teatral uberlandense do qual faço parte, e que me ensina que é possível contar uma história de 1001 maneiras. Um bando de “alunos” sai em disparada, rumo ao Sul, sem saber ao certo onde chegariam. Proponho, com esta comunicação, uma desmontagem do espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões, por meio da apresentação de fragmentos de cenas e o dissecar delas. Pretendo, ainda, realizar um diálogo sobre metodologias de pesquisas imbricadas na prá ca ar s ca do ar sta-docente. 2014 encerra este ciclo. Esta desmontagem surge da necessidade de revelar parte do processo de criação do grupo, concomitante ao meu processo ar s co e minha trajetória pessoal.

PALAVRAS-CHAVE: desmontagem: processo cria vo: contação de histórias; Ali Babá e os 40 ladrões: ar sta-docente.

DOMINGO 31 DE AGOSTONo domingo pela manhã houve o compar lhamento das experiências vivenciadas nas oficinas do sábado à tarde, e no domingo à tarde foram apresentadas três desmontagens e uma palestra que resultaram nos textos a seguir.

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O que carrego em minha sacola de tesouro?

Foi uma noite inesquecível, durante três dias e três noites houve muita música, dança, queima de fogos e um banquete sem fim com as melhores iguarias do mundo, e durante muitos e muitos anos todos os habitantes daquele reino viveram em paz e prosperidade. Até que... (XERAZADE).

Abre-te sésamo: O 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro

Por que se fazer uma desmontagem cênica? O que gostaria de revelar? Para quem? Qual o obje vo de fazê-la? O que a desmontagem do espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões significaria para o meu grupo? Muitas questões pairavam e eu não sabia ao certo a razão de realizá-la. Por outro lado, era certo o desejo de fazê-la, de me colocar à prova, em risco, em uma proposta para que algo me acontecesse. Fui encorajada por amigos e parceiros da Arte para que a fizesse, o que me deixou ainda mais curiosa para a experiência. O 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, dentre as possibilidades de par cipação que ofereceu, abriu espaço para a realização de desmontagens. Vejo que há ainda pouca bibliografia acerca deste tema, todavia, na contracorrente desta escassez, o Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia vem colaborando com as inves gações a respeito do assunto. Neste ano, publicou a revista Rascunhos, coordenada pela professora Dra. Mara Leal, junto a alunos da Pós-Graduação, cujo tema girou em torno da importância da desmontagem como procedimento ar s co-pedagógico. É, nesta perspec va, que o 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro também abraça as inicia vas da Pós-Graduação em Artes, fortalecendo o campo para a realização e reflexão acerca de prá cas ar s cas contemporâneas. Pelas referências dos ainda poucos autores que se dedicam a falar sobre o tema, percebo que há um ponto em comum na realização de desmontagens, e que talvez caracterize este modo de ‘dar-se a ver’ à cena, disposi vo ou provocação para a mesma: o fato de que não se sabe, ao certo, o que acontecerá em uma desmontagem. Ela se dá no

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momento do ato em si e, posteriormente, espera-se tecer algum po de reflexão sobre ela. Após tentar organizar uma desmontagem, percebo-a como um potente mecanismo pedagógico de atuação, pelas ações que o ato é capaz de revelar, talvez nem tanto para o outro, espectador, mas principalmente para quem a realiza, o ator. Santos (2014, p. 164), em ar go para a revista Rascunhos, e ancorado nos estudos de Ileana Diéguez (2009), conceitua Desmontagem Cênica:

Este procedimento pode ocorrer de vários modos em contextos múl plos, com o obje vo de desvendar os processos de pesquisa e montagens de espetáculos, apresentando suas tessituras e percursos cria vos. Esta apresentação ocorre a par r da escolha que o ar sta faz em mostrar ou ocultar os procedimentos cria vos surgidos no decorrer da criação de um espetáculo.

Ao pensar sobre qual seria minha par cipação no 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro – se faria uma comunicação, se par ciparia como ouvinte, ou ainda, se contribuiria para a discussão de um tema específico ligado ao meu lugar de ar sta-docente (no open space) –, ocorreu-me, com certa força intui va, realizar uma desmontagem do espetáculo infantojuvenil Ali Babá e os 40 Ladrões, concebido em processo colabora vo pela Trupe de Truões, grupo do qual faço parte, cuja montagem comporia a grade de a vidades do presente evento. Parecia-me uma oportunidade perfeita, uma vez que os par cipantes poderiam assis r ao espetáculo e depois assis r à desmontagem, o que engendraria novas conversas, pontos de vistas, feedbacks e reflexões sobre o trabalho. Para nenhuma das perguntas que apresento, na introdução deste texto, nha resposta clara. Intuía, entretanto, que a realização desta desmontagem me mo varia a dar con nuidade ao meu processo de criação como atriz, e ampliaria os campos de conhecimento sobre o meu o cio. Ileana Diéguez (2009, p. 10), uma das precursoras a dedicar-se sobre o tema “desmontagem”, aponta que este movimento de reinventar o teatro, principalmente na América La na, tornou-se um potente mecanismo de reflexão sobre a cena. Nas palavras da autora:

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Optar por compar r procesos de trabajo, y no lo sólo mostrar resultados, es emprender i nerarios arriesgados, en una dirección muy dis nta al montaje o representación de un texto previo. Lo que se decide compar r o mostrar no es una técnica o regla de cómo hacer el trabajo de mesa para interpretar el texto o como repar r los papeles entre los actores y marcarles un trazo escénico. Quizás por ello estas experiencias contribuyen a extender el horizonte de estrategias poé cas, ponen a prueba los tradicionales cánones, abren puertas, oxigenan los marcos y, muy especialmente, proponen nuevos retos para quienes

estudian y reflexionan em torno de la escena.

Tendo compreendido a realização de uma desmontagem como um possível mecanismo pedagógico, sen -me pronta para desmontar Ali Babá e os 40 Ladrões. Antes, entretanto, foi preciso revirar memórias, fotografias, textos, anotações, sensações, figurinos an gos, tudo o que pudesse me auxiliar na busca deste novo desafio.

Ali Babá e os 40 Ladrões: Montagem, (Re)montagem, (Des)montagem

A história da montagem de Ali Babá e os 40 Ladrões abre e encerra um ciclo na trajetória da Trupe de Truões. Em 2006, dá origem à formação atual do grupo, e é marcada pela primeira conquista de um edital a nível nacional, o Prêmio Myriam Muniz de Teatro, em sua primeira edição. Eu, recém-graduada em Educação Ar s ca com habilitação em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Uberlândia, fui tomada pelo desejo efervescente de consolidar o grupo, de criar um repertório, de viajar pelo país. De lá pra cá, foram 5 versões deste texto, até chegar na que estreamos em junho de 2014. Neste ano, em que me encontro como docente do Curso de Teatro, na mesma Universidade onde me formei, a Trupe de Truões reestreia o espetáculo por meio de uma remontagem, fruto da mudança de olhar e entendimento do Teatro nesses 8 anos que nos atravessaram. Na remontagem de Ali Babá, nhamos a figura de Xerazade como mote, evidenciada pelo co-diretor desta versão, Getúlio Góis, também integrante da Trupe de Truões. Desde o início do processo,

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Getúlio nos trouxe a importância da metáfora de Xerazade, na ação de contar histórias a cada dia para se manter viva. Ele dizia que era preciso “tomar para si o mito”, ques onava a nossa busca ali naquele momento. Qual era a nossa história? Por qual razão a contávamos? Desgranges (2004), em texto que reflete o lugar do teatro e da educação, traz à tona outra metáfora da fábula de Xerazade, interpretada por Sônia Kramer (1993), que analisa como a ação de narrar e ouvir histórias auxilia o rei Xeriar em sua compreensão crí ca. De acordo com Desgranges (2004, p. 9)

Ouvir a contação das histórias cons tuiu-se, neste sen do, em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à própria existência; ao passo que interpretava as histórias narradas, revia cri camente aspectos de sua vida, tomando consciência da própria história, estando, assim, em condições de transformá-la. [...] A experiência ar s ca se coloca, deste modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando: a revisão crí ca do passado; a modificação do presente; e a

projeção de um novo futuro.

Creio ser este modo de colocar a experiência ar s ca - como ação reveladora da própria vida - o que mais me ins ga, uma vez que dialoga com as minhas razões para realizar a desmontagem de Ali Babá, sobre a qual contarei mais adiante. Em paralelo às questões e provocações que me atravessavam durante o processo, o grupo passava e ainda passa (acredito que seja uma constante em grupos teatrais de norte a sul do país) por crises é cas, esté cas, divergência de desejos ar s cos e principalmente sobrecarga sica e psicológica, em decorrência de afazeres burocrá cos e administra vos. Tais crises manifestaram-se em mim soma camente, em dias próximos às apresentações de Ali Babá. Em princípio, essas reações me pareceram coincidência, depois, concluí que estavam in mamente ligadas a todo o processo de remontagem deste espetáculo, especificamente em relação ao que ele significava pra mim, e ao que representava realizá-lo naquele momento de minha vida. Em minha trajetória no grupo, tem se tornado cada vez mais presente e paradoxal a escolha por um caminho a seguir. De um lado,

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o desejo de ser atriz em um grupo de teatro situado no interior do estado, que, além de ser um lugar idealizado de autonomia cria va, requer dedicação cole va em tempo integral, a fim de entender e dar conta de uma sobrevivência diretamente ligada à cultura de mercado. De outro, a vida acadêmica, que me possibilita, com certo conforto, dar con nuidade às pesquisas de linguagens, inves gações e experimentações, no exercício da licenciatura, bem como par cipar de processos formadores que se dão em congressos, simpósios, colóquios, entre outros. Há diferenças e intersecções entre os caminhos e modos de sa sfação díspares em cada um deles. Coabitar estes lugares, às vezes, me põe em xeque e gera conflitos. A busca pelo papel de ar sta-docente é um exercício permanente de “aperta e afrouxa”.

(Des)montagem: O que carrego em minha sacola de tesouros?

Em um primeiro momento, o obje vo era o de apresentar ao público uma demonstração técnica da metodologia de criação de Ali Babá, o que possivelmente revelaria o amadurecimento e a trajetória profissional da Trupe de Truões, no entanto, a desmontagem foi, além do caráter técnico, tocando em questões delicadas e significa vas pra mim, enquanto co-fundadora do grupo e atriz deste espetáculo por um período de 8 anos. A organização do material selecionado para a desmontagem passava pela recuperação não só de objetos, textos, imagens e gestos, mas de memórias e arquivos sinestésicos, o que, a par r de minhas lembranças e do exercício de descrevê-las, obrigou-me a reconfigurar a própria vida. Ademais, faltava-me um roteiro. Segui um ritual inspirado por Getúlio Góis (2014, p. 129) no texto “VESTÍGIOS CALLE: a caixa preta ou meu corpo é um hd”, escrito para a revista Rascunhos, cuja adaptação apresento a seguir.

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Roteiro: (rascunho)

1. Eu, à frente, fazer a coreografia inicial (primeira versão) e com o vídeo ao fundo (quarta versão).

2. 12 bastões: jogo de pega varetas; marcação dos atores no chão (1ª cena, 1ª versão).

3. Argila – o ritual; despejar a terra – Como o tempo opera na minha trajetória, na do grupo, na concepção da cena?

4. Cenas com/sem bastão (evidenciar o desapego ao bastão).

5. Objetos: figurino an go e atual. Fotos: maquiagem an ga e atual.

6. Narração final: 2x; narrador-personagem x contador de histórias.

O roteiro serviu-me de base para que me lançasse neste espaço-tempo chamado desmontagem. Quis evidenciar a diferença entre o Ali Babá an go e o novo. A montagem atual trabalha com ar cios mais ritualís cos e, por isso mesmo, evoca nos atores a sensação de que estamos nos submetendo a algo em que acreditamos. A ação de maquiar o outro em cena, com argila, nos transporta para um lugar outro, bem diferente daquele de quando fazíamos uma maquiagem tradicional carregada. Quis trazer alguns destes elementos para a desmontagem, sem necessariamente repe -los ou tornar o ato em demonstração técnica. Por exemplo: ao invés de passar a argila molhada no rosto, optei por despejar terra seca, como em uma ampulheta, para evidenciar o aspecto empoeirado do tempo e, com isso, percebi que criei novas metáforas. No momento da desmontagem, sozinha em cena, não sabia ao certo o que fazer ou qual era a ordem do meu roteiro pregado à parede, fui ora me perdendo, ora resgatando memórias, ora sendo atriz, ora me recordando de que era agora professora daquele Curso.

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Fui permi ndo desmontar-me frente aos que ali estavam, mostrando minhas fragilidades, angús as, alternando fraquezas e virtuosismos.

Uma (des)montagem de Ali Babá e os 40 Ladrões: reflexões de uma ar sta-docente

No 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, três apenas foram as desmontagens inscritas e apresentadas - talvez por ser um terreno novo, ainda arenoso, ou pelo próprio caráter de efemeridade e vulnerabilidade que este formato requer. Bastante diferentes uma das outras, creio que foram enriquecedoras para os que se dispuseram a fazê-las e também para os par cipantes (público) do evento, que puderam entender mais sobre essa prá ca ar s ca contemporânea. André Luz, em sua desmontagem in tulada “Ela é uma princesa: uma discussão sobre gênero em performance”, criou uma 2ª performance em que se propôs a “desmontar” uma ação performa va anterior, ao meu ver de forma complementar à primeira3. Getúlio Góis apresentou a desmontagem “O desejo do neutro na escuta do espaço escolar”, u lizando a estrutura possível de uma desmontagem como um disposi vo para auxiliá-lo em seu processo de escrita, bem como os materiais selecionados e dispostos ao seu redor, como instrumentos para auxiliá-lo na organização do pensamento. O compar lhamento destas experiências, no 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, fez-me descobrir esta forma de reelaborar os próprios discursos como um ato cênico ao avesso e que, diferentemente do teatro, que é feito pensando no público que o assiste, a desmontagem pode ter seu foco no ar sta que a realiza. Ainda sim, necessita incondicionalmente da presença do público, pois só assim conseguirá um efeito tal, do estado de cena (o estar em cena), que lhe permi rá ser capaz de desmascarar-se perante o outro. Foi bom ter feito a desmontagem e considero que ainda estou fazendo-a. Esmiuçar as razões para tê-la feito e tentar discursar sobre os olhares lançados a ela, presentes neste texto, são processos de reflexão

³André Luz, ex-aluno do Curso de Teatro da UFU, é ator da performance “Ela é uma princesa”.

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da práxis de ar sta-docente. Surgem novas questões, e a incerteza sobre se voltarei a fazê-la. É possível que faça outras... Foi importante como um mecanismo de regeneração, expurgação, conhecimento. Uma tenta va de busca pela compreensão de meu oficio. Tive a oportunidade de vislumbrar como operaram as ações do tempo nestes 8 anos. As minhas transformações enquanto atriz e mulher, o modo como tecnicamente o espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões amadureceu, e de que maneira o grupo e seus desejos mudaram, como isso influencia diretamente o meu modo de ser e estar nele.

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A IDÉIA DE DESMONTAR MEUS ALUNOS!Ana Carolina Cou nho Moreira – Mestranda em Artes, pela Universidade Federal de Uberlândia – e-mail: k_rol_cou [email protected]

Uberlândia, 31 de agosto de 2014.

Querido diário, Sei que estou afastada ul mamente, mas anda tudo tão corrido que

sinto as horas me engolindo, sem que eu possa me defender com tantas mudanças. Esqueci de lhe contar: entrei no mestrado! Sei o que quero pesquisar mas ainda não sei como, de qualquer forma terei 2 anos

– e tenho certeza que vão passar rapidinho, assim como minhas aulas na escola, rapidinhas, 50 minutos! - De qualquer forma é uma experiência inicial que está mexendo muito comigo. Sempre ve uma resistência muito grande de realizar pesquisas na área de pedagogia teatral, você sabe bem né?! Primeiro a minha resistência com crianças, depois minha resistência com o espaço, ou a falta dele, com o sinal e com as regras da escola. Mas quero ultrapassar essas barreiras, como ultrapassei a de dar aulas para os pequenos, quando percebi que para ser professor devemos encontrar e respeitar nossas preferências, e a minha são os jovens. Com o mestrado, fui dispensada de algumas aulas, decidindo deixar os pequenos - minha única turma de primeiro ano (6 anos) - às vezes me sinto mal por isso, mas foi melhor assim, pois com certeza será uma frustração a menos para levar para o mestrado, já que dar aulas para eles não era algo que me mo vasse, verdadeiramente. Gosto dos adolescentes, e esses serão

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o foco do meu trabalho no mestrado. Mas sobre isto falamos depois. Voltar à faculdade rendeu muito. Logo de início me deparei novamente com lembranças, e assim pude reencontrar a pesquisa que amo... MEMÓRIA! Isto mesmo, memória... até parece que voltaria a pesquisar sem retornar ao meu tema predileto, né?! São tantas impressões desde que voltei para a Universidade. Primeiramente em relação ao espaço sico das salas, que me reme am a momentos de anos atrás. Recordações que formaram e formam o ser que sou, quem me formei como pessoa e caráter, gostos e desejos... lembranças... lembranças de alegrias, tristezas poucas que serviram de aprendizagem e descoberta de um eu, um EU como estudante, um EU como atriz, um EU como professora, um EU no mundo. Um mundo vasto de possibilidades, ao mesmo tempo que um mundo cheio de bloqueios. É aquela famosa lei de uma escolha boa que traz consequências?! Sim, é!!!! E o quanto as coisas mudam?! Sen , no mesmo momento, uma saudade e um frio na barriga, sen que precisava voltar à cena, mas que também precisava melhorar como professora que agora sou. E as duas coisas se entroncavam como se fosse impossível o encaixe. Mas

nha que focar, focar no ensino de teatro, focar na escola, nos meus estudantes e aulas. Foi em uma desmontagem que percebi que as coisas não estavam separadas, pelo contrário, par ndo do pressuposto que a atriz sou eu, e a professora também, por que teimava tanto em separar pessoas dentro de mim? Por que queria usar as máscaras do meu armário sendo que seria mais fácil ser eu mesma, em todas as ocasiões? O direito de ser o que É!!! Como disse Marina Marcondes Machado, em uma palestra performance que presenciei na UFU. Pois é, está ficando confuso mas vamos lá, vou lhe explicar o que me levou a tantas memórias. Logo que as aulas do mestrado iniciaram, teve também um evento pelo qual estava aguardando, já havia alguns meses, o I Seminário de Ensino e Aprendizagem, e o XIX Fórum de educadores em teatro, que por sinal foi anteontem e que iniciou com a palestra que cito acima.

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Foram palestras e encontros que deixaram uma sensação de que tudo que se escuta, de uma forma ou outra, faz conexão com a pesquisa que almejo fazer. Pesquisar memória não é fácil porque a va minha própria memória: estar naquele lugar, no bloco 3M da UFU, fez isso, me trouxe as memórias todas e foi tão estranho e legal ao mesmo tempo. Porque ser eu é carregar lembranças e memórias. E será essa a tenta va de pesquisa, mostrar a meus alunos que eles são cons tuídos por memórias e, futuramente, essas memórias dos momentos vividos, serão o que terão. E muito do que gostam ou não, vão ser experiências que virarão memórias. Mas hoje à tarde, lá no evento, algo novo aconteceu comigo ao assis r três desmontagens. Já nha ouvido falar nesta nova maneira de expor uma trajetória, ou de aprofundar em um trabalho, mas nunca

nha presenciado uma. Mesmo sem presenciar o pouco que soube me deixou extremamente animada, porque o que veio em minha mente foi: desmontar algo, interfere na memória! E comprovei, ao presenciar as três de hoje. Mas vamos por partes. A primeira foi a desmontagem de meu colega André Luiz Silva Rodovalho, e se chamou “Ela é uma princesa: uma discussão sobre gênero em performance” - uma crí ca a “Escola de Princesas”, bem humorada por sinal, como a maioria dos trabalhos de André. Ele apresentou a escola e os serviços que ela presta, ves do de princesa, e eu acabei pensando em meus alunos e na escola onde trabalho, acredito que pelo fato de muitas das minhas alunas desconhecerem uma escola dessas na cidade em que moram. Me lembrei do dia que uma aluna disse ter me visto no shopping e completar que havia sido a primeira vez que es vera lá. É meio louco pensar que jovens não conheçam um lugar como um shopping, pelo menos para mim que frequento desde de pequena. Mas enfim, aprendo um pouco a cada dia com meus alunos. De qualquer forma acredito que até seja bom minhas alunas não saberem da existência desta escola, pois elas não poderiam (e nem deveriam na minha opinião) fazer parte dessa realidade, uma escola que ensina a mulher a ser “Princesa”, aqui em Uberlândia, deve ser bem cara. A desmontagem do André por mais que muito diver da, também foi muito adver da, tanto no sen do crí co, quanto pela própria escola

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de Princesas, que o adver u pelas crí cas feitas em redes sociais. Vou para terceira desmontagem, depois falo da segunda, a desmontagem da Maria de Maria chamada “O que carrega uma sacola de tesouros?”. Maria descreveu o processo de montagem, remontagens e apresentações de um dos espetáculos da Trupe de Truões “Ali Babá e os 40 ladrões”. Foi muito interessante ver como seu corpo falava ao mesmo tempo que ela expunha verbalmente sua desmontagem, ou seja, o corpo também carrega memórias, e um processo de montagem e de criação também acaba envolvendo pessoalidades, tanto do próprio ator quanto dos colegas envolvidos no processo. Era como se Maria es vesse abrindo uma parte de sua vida para gente, e isso me encantou muito em sua desmontagem. Vejo traços das montagens que fiz invadir minha pessoalidade, até na forma em como lidar com alguns de meus alunos. Afinal, a convivência de montagem de um espetáculo se difere pouco da vivência com meus alunos, pois com o passar do tempo, em ambos os processos, você vai se mostrando mais e seus companheiros vão entendendo melhor questões como estado de humor, saúde e até temperamentos. A segunda desmontagem foi a que mais mexeu comigo, e com minha pesquisa, ou meu anseio de pesquisa, a do Getúlio Gois de Araújo, chamada “O desejo do neutro como espaço escolar”. Ele par u dele, da pessoalidade dele, da criança e jovem que foi, para chegar a seu local de trabalho e alunos. E por que mexeu comigo? Porque era puramente a memória que estava sendo posta à mostra, e é lindo ver a memória de alguém sendo usada como arte, entender o processo que o fez estar onde está hoje e ser um profissional que inspira muito e muita gente, inclusive eu. Se o que eu fui na época de escola reflete no que eu sou hoje, assim como mostrou Getúlio em sua desmontagem, as minhas aulas podem “marcar” a vida de meus alunos, e influenciá-los quando adultos formados, ou mesmo criar memórias neles que sejam importantes para a construção de suas pessoalidades. Aproximou-se tanto da minha ideia, para o mestrado, que me fez ques oná-la. Que po de memórias a escola possibilita aos alunos? Memória pessoal, social, de construção de conhecimento, construção de

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pessoalidades? Serão memórias boas e ruins? Serão mais memórias boas que ruins? Será que, para os alunos, sair dos padrões educacionais, é um escape bom? Será que com as aulas de teatro podemos proporcionar a eles tais escapes? Desmontar meus alunos? Inquietar meus alunos? Será????? Nas conversas, logo após as desmontagens, alguém disse que “a escola é um campo de guerrilha”, ou algo do po, e eu concordo. Já que a estrutura escolar é muito adversa e preservadora da ordem, cheia de regras a serem cumpridas e muitas vezes os alunos estão ali apenas por imposição. Um momento de escape seria enfim uma forma de mostrar que tudo ali pode ser saboreado de forma diferenciada, que podemos melhorar, mesmo que seja um pouco, os nossos dias. Sei que agradar a todos é algo muitas vezes não alcançável, mas se alguns alunos se diver rem e perceberem que são agentes de suas vidas, já é uma conquista. Acredito que só se percebe isto quando paramos para analisar nossa a tude e o que nossas ações fazem para melhorar nossas vidas e a das pessoas que estão ao nosso redor. A pra ca da desmontagem leva a esse olhar de nós mesmos, olhar sobre nossos processos, nossa história de vida, ou carreira, dependendo de quem a faz. E hoje, querido diário, me deu essa louca ideia de desmontar meus alunos na tenta va de leva-los a reflexão sobre quem são, onde estão, porque são e porque estão. Pois acredito que conhecendo a nós mesmo, podemos viver mais o mundo que nos cerca, podemos “compar lhar” melhor com os outros nossos gostos e anseios, podemos “cur r” mais o que nos dá o prazer de viver. Quando temos o prazer de viver, acabamos criando o prazer de aprender o mundo. Se vi na desmontagem ar s ca uma forma de refle r a respeito de um processo - de refle r sobre si mesmo, dentro desse processo, como a desmontagem de Maria de Maria; ou/e de refle r sobre si mesmo independente de um processo, como foi na desmontagem do Getúlio; de refle r um incômodo social, como foi a desmontagem do André, por que não fazer os alunos refle rem sobre si mesmos, por meio de desmontagens de si? Pensarei mais no assunto.

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Avaliação do I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro – A medicina da palavra e os relatos de vivência.

por Ka a Lourenço Alves (UFU)

Licenciatura em Teatro/ Bolsista do Programa Ateliês em Artes Cênicas

O I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro, acontecido em Uberlândia, na Universidade Federal de Uberlândia, entre os dias

SEGUNDA FEIRA - 01 de setembro de 2014

O evento termina no domingo à tarde, mas na segunda feira realizamos uma avaliação com todos que trabalharam na organização do mesmo. Os textos a

seguir dão uma amostragem deste momento no processo.

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29 e 31 de agosto de 2014, teve um intuito de reconhecer a voz de seus par cipantes, seja por meio do compar lhamento de experiências, palestras, do XIX Fórum de Educadores em Teatro e inúmeras a vidades abertas ao público, convidados e par cipantes. Teve ainda seus momentos internos, onde pudemos fazer a avaliação do Seminário, e a auto-avaliação dos envolvidos na organização do encontro. O obje vo desta avaliação coaduna com a proposta de ouvir os par cipantes, e está focada em um olhar observador dos nossos próprios movimentos e do movimento do grupo, tendo como eixo base a busca de melhoria, compar lhamento, aprendizagem e troca das nossas impressões pessoais. Esta avaliação aconteceu logo após o término do I Seminário. Inicialmente fizemos relatos conjuntos, vimos fotos, desenhos, trocas de relatos de fatos marcantes, pensamentos sobre como melhorar nossos próximos passos, reflexões, sorrisos, lanches, esclarecimentos. Depois deste momento, todos com as memórias aquecidas, a professora Vilma Campos (coordenadora do I Seminário) sugeriu uma dinâmica que, segundo relato da mesma, aprendeu em uma experiência com o grupo Barracão Teatro de Campinas. A experiência consis a em: a par r daquele momento, uma pessoa falaria por vez, e os outros apenas escutariam, e, se alguém concordasse com o que estava sendo dito, diria apenas ho. Os relatos foram acontecendo de forma intensa, emocionada, diver da, a par r dos corações que os vivenciaram - desde a preparação que antecedeu a programação, e todo o seminário, ou parte dele - e ali estavam para concluir esta etapa. Os relatos estavam preenchidos de emoções que tocaram a todos. Foi um momento totalmente unificador e revelador de sen mentos, pontos de vista, pensamentos sobre as a vidades, relatos de histórias pessoais, ternura e escuta. No meu momento de falar, além de minha auto avaliação, compar lhei com o grupo algo que já estava explícito, pela força do seu acontecimento, que é o ritual do “Bastão que fala” ou “Pau falante”, que descrevo a seguir: Eu já havia par cipado de encontros xamânicos que usavam essa proposta da dinâmica da fala, conhecida como O “Bastão que fala” ou “Pau falante”. Esse ritual é uma medicina dos povos indígenas

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na vos norte-americanos, que consiste em empregar o sagrado ponto de vista. Medicina porque o obje vo do ritual é trazer cura, limpeza, esclarecimento para algum ponto específico que se queria discu r em grupo. “Neste ritual não pode ser u lizada nenhuma palavra que não represente a verdade. Só fala quem es ver com o pau-falante na mão, os demais permanecem em silêncio. É uma forma de honrar a sabedoria dos outros” (Léo Artese, 1957). A pronúncia do termo “aho” durante a fala dos outros, é maneira que os par cipantes têm de expressar a sua concordância com aquilo que está sendo dito. Ouvir o sagrado ponto de vista do outro, concordando com isso ou não, mas ouvi-lo em silêncio, dando ao outro o respeito por suas ideias e palavras, é um ato de coragem, consideração e cura. No nosso encontro, este momento foi muito pro cuo, pois

vemos a oportunidade de ouvir e compar lhar aquilo que nos habitava, depois de um encontro como esse - que às vezes não pode ser traduzido em palavras, mas que quando o fazemos, nos conectamos com o que há de mais sublime em nós, com aquela força que nos abre portas de percepção e nos ensina a nos ouvir, a ouvir os outros, a nos educar e a compar lhar a educação com os outros. Os povos na vos americanos usam, em seu ritual, um bastão de madeira adornado com cristais, penas, e outros adereços que estejam diretamente ligados à pessoa que o confecciona e o seu estudo de cura pessoal. No nosso caso não fizemos uso de um objeto, mas o próprio ritual revelou sua força de presença e nos permi u ouvir e falar, aprender e compar lhar.

A saúde mental é o alinhamento sa sfatório entre cabeça - boca e coração(...)A saúde mental prevalece quando o que expressamos pela boca, corresponde ao que acreditamos no coração. Somos mentalmente sadios quando acreditamos no que sen mos. Quando a boca diz o que o coração não sente, ou quando a cabeça sabe de algo que o coração não aceita, mais cedo ou mais tarde o desequilíbrio aparece(...) A cura é baseada nesta consciência. Aquele que fala a verdade está se curando. Mas é uma cura para o grupo todo porque cada um individualmente é escutado, no silêncio e na reverencia, e a compreensão se abre. (Léo Artese)

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Compar lho esta experiência porque eu também a vivi em processo de estágio com crianças de 03 a 09 anos. Junto aos colegas Anderson Rosa e Roberta Liz, em 2013 e 2014. Nós propusemos essa dinâmica para as crianças, durante dois semestres de estágio, e ao final desse período, fizemos um encontro com os pais e a mesma dinâmica foi sugerida, para que os pais compar lhassem suas percepções sobre as aulas com as crianças. Entre muitos retornos vemos um específico sobre o momento da fala, pois uma mãe relatou que depois que o seu filho começou a fazer teatro ele aprendeu a ouvir os outros, sem falar junto, inclusive ela estava admirada pois o mesmo estava a meia hora ouvindo o relato de todos os envolvidos na roda. A medicina da palavra, o poder do que se sente e se expressa, fala por si só. Nós compar lhamos essas experiências com as quais aprendemos, ensinamos, par lhamos, e com isso crescemos, nos educamos. Vamos durante o caminho descobrindo maneiras de nos aproximar daquilo que nos faz mais essencialmente humanos, que nos conecta mais com o respeito mútuo, e nos garante a saúde para con nuar a construção de nossos passos nesse movimento con nuo chamado Educação.

REFERÊNCIAS

ARTÉSE, Léo. O vôo da águia: Uma iniciação aos mistérios e à magia do Xamanismo. São Paulo. E.Roka,1996.

Pau Falante. Disponível em: <h p://www.xamanismo.com.br/Poder/SubPoder1191052936It007> acesso em 15.09.2014

A resolução de conflitos e o “Bastão que fala”. Disponível em: <h p://abmeseduca.com/?p=6179> acessado em 15.09.2014

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A Experiência de um Seminário Por: Gabriela Neves Guimarães/graduanda em Teatro na UFU – bolsista

de iniciação cien fica no projeto Par lhas Eu era responsável pelo transporte, pelas camisetas e compra do flip-chart, Ricardo era responsável por escrever os textos que iriam na programação. Giovanna ficou responsável pelas inscrições, Maíra ficou responsável pelas negociações com as agencias de fomento, sobre o que era ou não “comprável” com a verba que nós nhamos, Vilma de assinar todos os papéis e prestar conta para essas agências, Luiz de documentar as decisões das nossas reuniões, Marcelo de fazer orçamento para os anais e caderno de pesquisa (outra produção do Par lhas que precisa con nuar). Durante o seminário, todos Par lheiros nham noção do seminário como um todo, e eu acho que nos saímos bem em comunicação entre nós e na execução das a vidades previstas. Claro que cada um tem caracterís cas e limitações que foram levantadas à conversa final do grupo do Par lhas, mas que não atrapalharam e foram absorvidas pelo grupo. Há amor, amor entre nós e pelo que fazemos, amor pelo teatro, amor pelo teatro na escola. Chorei só depois, chorei a energia toda que foi se juntando durante o tempo do seminário, durante o tempo de deriva que durou todo o seminário. Eu chorei com o Par lhas, com o meu namorado (que não é meu, ele é dele mesmo, e o nome dele é Diego) com minha mãe (que também não me pertence, ela é dela e chama-se Anamaria). Eu tenho a companhia deles e não eles e isso é bom, e isso é ó mo, e isso é só uma reflexão a parte, ou em parte, ou que se parte, ou que parte de ... Eu estava à deriva, na deriva, em deriva o tempo todo, todo tempo, naquele tempo do Seminário, entre os dias 29 e 31 de Agosto de 2014. Reunalt Sandero, tem quatro rodas redondas, um sistema de direção redonda de ul ma geração em que o motorista pode calcular o grau da curva, lugar para cinco pessoas, quatro portas, vidros que se abrem com sistema a manivela impressionante, mas o mais surpreendente é o bagageiro que tem espaço de sobra para muitas histórias. A “Gabi

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Transportes” carregou a Marina que trouxe a caixinha, a Maria Ceccato que tem dois nomes, Maria Ceccato ou Maria Tandlau, a Carminda que é uma flor, mais especificadamente uma orquídea, Diogo que prefere ser chamado de Diga e Milene, a desbravadora. Carminda, Milene e Diga, como diz minha avó, são um trio parada dura, que se in tula “Mapa Xilográfico”. Xilografando, xilograficamente eu conheci Antônio, Enersino ou Nersin, Bolinho, Cida e eu. Eu me conheci, me reconheci, me conheci de novo, estou me conhecendo todo tempo, o tempo todo, me descobrindo, recobrindo e descobrindo novas capas. Fomos ao Patrimônio, bairro que fica atrás do Copacabana, e que foi inundado por ruas cariocas. Fui conhecer o bairro Patrimônio, que fica atrás do bairro Copacabana onde está localizada a ONG Nova Canaã, na rua Carioca, lugar em que dei aula durante um semestre da UFU.

Folia do Bairro PatrimônioCida amava Bolinho que amava festa que era amada por Nersin que amava Nice que brigava com Antônio que já nha amado alguém Cida não foi para o carnaval, Bolinho festava congado e Carnaval, Nersin era da Folia, Nice era da cozinha e rezadeira e Antônio fundou o bar onde nha começado a história.

Os xilografenses, durante a deriva - feita antes da oficina começar, mas que ve o prazer de acompanhar - reconheceram rapidamente o buteco das histórias de seu Antônio, que não é seu nem meu... é do Patrimônio de Uberlândia, e está lá há 37 anos. Antônio nos contou sobre como a Folia de Reis é importante para ele e nós descobrimos o que não se vende no buteco: histórias e água. Antônio nos indicou o caminho das pedras e fomos parar na casa do Nersin, mestre da folia, anfitrião da cozinha da festa, e companheiro da Nice cozinheira, rezadeira, mãe e vó de uma família que faz acontecer a festa da folia de reis, providencia todos os documentos para que nem policia nem burguês atrapalhem a manifestação cultural que preza a par lha de musica, dança e comida.

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Além de nós reconhecermos o bairro, o bairro nos reconheceu. Os moradores já se interessavam pela nossa caminhada e o nome Bolinho ecoava a nossa volta. Fomos à casa dele, mas ele não estava, porém a viagem não foi perdida, conhecemos a Cida e nos encantamos com a recep vidade, me fez ficar pensa va de que pessoas que não me conhecem me recebessem tão bem em suas casas, será que eu receberia também? Provavelmente não, e os vários porquês desse não me assustam, porque não entrariam no condomínio que eu moro, sem autorização, porque as pessoas do bairro patrimônio são “perigosas”, porque levamos a sério a mensagem da história da Chapeuzinho Vermelho que todo estranho é o lobo ... O nome que ecoava era o do Bolinho, mas sem a Cida não seria assim, ela deixava tudo pronto para Bolinho poder “brilhar” - casa, janta, roupa, família, e ela se orgulha de ter ao lado o companheiro Bolinho. Terminamos visitando a ONG Nova Canaã. Chegamos lá na saída, os meninos que se pronunciaram na semana anterior, durante a minha aula, que par cipavam do congado, C. e N. ainda estavam lá. Estavam muito midos, não falaram muito, o que também era uma informação, sobre como é desconfortável para eles falarem sobre congado dentro da ONG que é católica carismá ca. Essa informação se confirmou, pois no sábado fui ao ensaio de congado no bairro São Jorge e encontrei R. e M. ( irmãos e meus alunos) que ficaram felicíssimos de me ver no ensaio, mas não nham se pronunciado quando perguntei quem par cipava de algum terno do congado.

Na saída da ONG, contextualizei os Xilografenses sobre algumas dificuldades que eu nha enfrentado trabalhando lá, e fiquei aliviada porque descobri que ir comer pastel com dois meninos pra quem eu dava oficina não é errado, nem perigoso, eu não nha me convencido de que nha sido uma escolha certa no instante em que ocorreu, mas hoje, depois da experiência do seminário, entendo e fico aliviada de saber que há vida fora dos muros da ONG, e que é bela.

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E o que vocês fizeram na intervenção? Então nós fomos para a casa do Nersin, levamos comida, comemos e escutamos ele, Bolinho e a Fa nha (da escola Tabajaras) contar histórias sobre Uberlândia. Um tempo passado, a folia de reis, o carnaval e o congado até os dias de hoje ... Humm, mas e assim ... o que vocês fizeram com o corpo de intervenção? Com o corpo teve uma técnica ar s ca para impulsionar o trabalho de ator que foi descascar meus pré-conceitos, teve outra técnica de expandir a escuta através não só da orelha, mas do corpo todo, e fumamos o charuto da paz, com o boi dos olhos vermelhos (um dos personagens que Bolinho citou em suas histórias). Eu fui até o espaço, olhei e escutei... e sabe quando em um trabalho de corpo, em que estamos perto da exaustão, alguém dá um comando para ficarmos parados, mas ao mesmo tempo para cul varmos a energia que emana do nosso corpo, dentro de nós?!? Essa é uma forma de tentar descrever minha sensação durante a intervenção que fizemos. O que é intervenção? É guerrilha? É amor? É a falta? A relação? É sobre presença? É sobre a vida? É sobre a cidade? É sobre nós? É sobre eu e você? É sobre eu com você? O que que é? É sobre a moral? É sobre amoral? É sobre ser adulto? É sobre a minha criança? Em uma conversa com alguém que eu amo, sobre a minha experiência no seminário, eu citei a palavra Guerrilha, que foi tão comentada, e essa pessoa disse que aos ouvidos dela, amor, nomearia melhor esse trabalho da intervenção, que amor hoje vai na contramão do capitalismo e seu individualismo exacerbado. Ela disse que guerrilha pra ela era uma palavra tão bélica que significava uma revolução armada em que poderosos são decapitados, e em que se toma o poder, e não era isso que a intervenção passava, era amor poli co, não queríamos tomar o poder, queríamos ex nguir a diferença dos que podem e que não podem, e isso para ela era amor, puro, sincero, amor de amar sem precisão de interesse, posse ou medo, amar porque é bom e faz bem não só para mim, mas para nós. Concluímos, juntos em roda, no final do evento, mas com um tempo curto, que o seminário nha que ter dado mais tempo para as programações acontecerem, e não serem cortadas ou interrompidas bruscamente pelo c tac do relógio. Concluímos que nós queríamos

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uma forma mais in mista, menos gente e mais tempo. Concluímos que a ideia de imersão em uma chácara se aproxima do que sonhamos, mas não o fizemos porque se fosse desse jeito não teríamos financiamento. Se nós, licenciandos e professores, concluímos que o seminário que produzimos precisa ser mais in mista, que nos faria mais bem, por que não pode ser com financiamento? Por que os nomes da programação não podem ser roda de conversa ou compar lhamento, mas tem que ser palestra ou conferência? Isso me lembra a música da Elis Regina “Como os nossos Pais”.

Re rada

Eu já estou de re radaÉ madrugada dou lembrança aos senhores

Sinto uma dor dono da CasaAté para o ano se eu vivo for

Nesta re rada, como na epígrafe da Chegada, trago uma música do cancioneiro popular, musicada por Nóbrega.Fizemos ainda uma outra reunião com a equipe do Par lhas. Essa aconteceu na terça feia e teve também via skype a par cipação de Paulina Caon, também coordenadora comigo do projeto Par lhas.

Os momentos germinados em “Seminário”, como o nome realmente diz - “de semear” - con nuam em nós. Os textos deste caderno são um exemplo dessa “Semeadura”. Desejando que possamos ainda ter muitas outras empreitadas desta natureza e quiçá colheitas, para que possamos quem sabe nos encontrar em

outros anos por vir.Vilma Campos

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Fone: (34) [email protected]