ANAIS DO III SEMINÁRIO DESENVOLVIMENTO … · Dione Carvalho de Moraes 8 ... assentado/as e sobre...
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ANAIS DO III SEMINÁRIO DESENVOLVIMENTO
MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE
ORGANIZADORES
HORÁCIO ANTUNES
DE SANT’ANA JÚNIOR;
MADIAN DE JESUS
FRAZÃO PEREIRA;
BARTOLOMEU
RODRIGUES
MENDONÇA;
ELENA STEINHORST
DAMASCENO
ANAIS DO
III SEDMMA
Conflitos
Ambientais,
Mobilizações e
Alternativas ao
Desenvolvimento
23 a 25 de maio de 2012,
São Luís- MA (UFMA)
Este seminário é uma realização do GEDMMA – Grupo de Estudos
Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente Vinculado ao
Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) e aos Programas
de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Políticas Públicas
(PPGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e contou com
financiamento do CNPq e FAPEMA.
HORÁCIO ANTUNES DE SANT’ANA JÚNIOR; MADIAN DE JESUS FRAZÃO
PEREIRA; BARTOLOMEU RODRIGUES MENDONÇA; ELENA
STEINHORST DAMASCENO
ANAIS DO III SEDMMA
Conflitos Ambientais, Mobilizações e Alternativas ao Desenvolvimento
1ª Edição
São Luís GEDMMA
2013
III SEDMMA conflitos ambientais, mobilizações e alternativas ao desenvolvimento –23 a 25 de maio de 2012,
São Luís- MA (UFMA)
ANAIS III SEDMMA GEDMMA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
5
1 Alyne Maria Sousa Oliveira, Maria do Socorro Lira Monteiro e Maria
Dione Carvalho de Moraes
8
CONFLITOS POLÍTICOS E SOCIOAMBIENTAIS NO ASSENTAMENTO RURAL SANTANA NOSSA ESPERANÇA, TERESINA-PI
2 Benedito Alex Marques de Oliveira Santos e Hellen Mayse Paiva Silva 25
A AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS E A DE EXPANSÃO URBANA DO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS-MA: IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS NO PARQUE ECOLÓGICO DA LAGOA DA JANSEN
3 Bianca Sampaio Correa e Zulene Muniz Barbosa 37
A ROTA DO EMPREENDEDORISMO NO MARANHÃO: MAPEAMENTO DOS EMPREENDIMENTOS QUE INTEGRAM A ATUAL POLÍTICA DO GOVERNO DO ESTADO
4 Clarissa Pinto Boullosa, Camila Ribeiro Bittencourt, Renato Pereira
Ribeiro, Clarissa Lobato da Costa e Isabela dos Santos Mendonça
49
PESCA ARTESANAL EM PAÇO DO LUMIAR, MARANHÃO
5 Darlan Rodrigo Sbrana 60
LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
6 Jane Cavalcante Rodrigues 75
REFORMA AGRÁRIA NO NORDESTE: UM ESBOÇO DE DESENVOLVIMENTO
7 José Jonas Borges da Silva 91
O PORTO DO ITAQUI NA DINÂMICA TERRITORIAL DO CAPITAL
8 Karênina Fonsêca Silva 100
DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO MARANHÃO E A IMPLANTAÇÃO DA REFINARIA PREMIUM I: UMA ANÁLISE DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO MODO DE VIDA E TRABALHO DA POPULAÇÃO LOCAL
9 Kátia Gomes de Sousa 116
O IMPACTO SÓCIO-AMBIENTAL DA MONOCULTURA DO EUCALIPTO (EUCALYPTUS) NO ASSENTAMENTO CALIFÓRNIA, MUNICÍPIO DE AÇAILÂNDIA, ESTADO DO MARANHÃO
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São Luís- MA (UFMA)
ANAIS III SEDMMA GEDMMA
10 Lenir Moraes Muniz 129
ECOLOGIA POLÍTICA: O CAMPO DE ESTUDO DOS CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS
11 Majú do Nascimento Silva e Josemiro Ferreira de Oliveira 147
LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO
12 Manuel Sousa Rodrigues 158
IMPACTOS DOS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS EM COMUNIDADES DE PESCADORES DOS LENÇÓIS MARANHENSES: UMA ANÁLISE SOCIOANTROPOLÓGICA NO MUNICÍPIO DE BARREIRINHAS
13 Maysa Mayara Costa de Oliveira 168
OS IMPACTOS DO “DESENVOLVIMENTO” ÀS COMUNIDADES RURAIS, NO MARANHÃO
14 Nair Martins Barbosa e Roseane Gomes Dias 178
COMUNIDADES TRADICIONAIS EM LUTAS POR DIREITOS SOCIOAMBIENTAIS NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE: CONCEPÇÕES, FORMAS DE ORGANIZAÇÃO, AGENDAS, ESTRATÉGIAS E REDE DE RELAÇÕES
15 Neuziane Sousa dos Santos 189
O CANTO DA SEREIA: A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL DA VALE
16 Renan Gomes Oliveira 201
A SUZANO PAPEL E CELULOSE E A IMPOSIÇÃO DA MECANIZAÇÃO E COLETIVIZAÇÃO DA PRODUÇÃO CAMPONESA EM SANTANA, URBANO SANTOS
17 Ricardo Monteles e Dalva Mota 212
NOTAS SOBRE O EXTRATIVISMO DE BURITI NO ENTORNO DOS LENÇÓIS MARANHENSES: FORMAS DE ACESSO, REGIMES DE PROPRIEDADE E CONFLITO AMBIENTAL
18 Talita de Cássia Lima Paiva 224
“É VERDE O ANO INTEIRO”: O DISCURSO E OS CONFLITOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
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19 Tamires Rosy Mota Santos, Polliana Borba e Horácio Antunes de
Sant‟Ana Júnior
235
LEIS DE TERRAS 1850 (BRASIL) E 1969 (MARANHÃO) E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA POVOS E GRUPOS SOCIAIS TRADICIONAIS: CONTEXTUALIZAÇÕES, DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS, UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA
20 Tayanná Santos Conceição de Jesus e Horácio Antunes de Sant‟Ana
Júnior
245
RESERVA EXTRATIVISTA DE TAUÁ-MIRIM: DISTINTOS AGENTES EM DISPUTA
PROGRAMAÇÃO DETALHADA DO EVENTO 255
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APRESENTAÇÃO
O III Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente aconteceu entre
os dias 23 e 25/05/2012, no Campus do Bacanga (CCH e Auditório Central) da
UFMA, em São Luís - MA, como promoção do Grupo de Estudos: Modernidade,
Desenvolvimento em Meio Ambiente (GEDMMA) em parceria com o Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais e do Departamento de Sociologia e
Antropologia da Universidade Federal do Maranhão.
O III SEDMMA contou com uma Conferência, quatro Mesas Redondas, três GT
(apresentação trabalhos - oral e pôster). Esta estrutura visou contemplar a
apresentação e debate de trabalhos de pesquisa e produção teórica na área
socioambiental. A conferência e as mesas redondas foram realizadas no Auditório
Central da UFMA, nos horários de 15h às 19h; e compostas por autoridades
acadêmicas, de movimentos sociais e de órgãos governamentais, permitindo o
aprofundamento do debate que relaciona sociedade e ambiente no Estado do
Maranhão, na Amazônia Brasileira e no Brasil como um todo. As exposições orais e
as sessões de pôsteres ocorreram pela manhã, nos Auditórios do Centro de
Ciências Humanas da UFMA, sempre das 8h30 às 11h30, simultaneamente. Após
as 19h, foram apresentadas Atrações Culturais que, através da arte, estavam
relacionadas aos debates do seminário.
O III Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente teve como
principal objetivo criar um espaço público de discussão de pesquisas e temas que
relacionem ambiente e sociedade, discutindo os conflitos socioambientais
desencadeados a partir da implantação de projetos de desenvolvimento concebidos
segundo o modelo socioeconômico hegemônico na sociedade brasileira.
Desde 2005, o Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
(GEDMMA), vem centrando seus esforços de estudos e pesquisas no
aprofundamento do debate sobre modernidade e desenvolvimento, com enfoque
principal nos seus impactos sociais, culturais e ambientais na Amazônia Brasileira e
no estado do Maranhão, em especial. A Amazônia e o Maranhão, desde a década
de 1970, têm sido alvos de políticas desenvolvimentistas promovidas pelos governos
federal e estaduais, contando com a participação ativa de grandes grupos
econômicos privados e com o financiamento de agências multilaterais de
desenvolvimento, levando à implantação de grandes projetos industriais, pesqueiros,
turísticos e agropastoris e à expansão do desmatamento de áreas florestais e
manguezais, pecuarização e monocultivos. São múltiplos os impactos sociais,
culturais e ambientais destas políticas e a presença de conflitos socioambientais,
associados ao domínio e uso de territórios e de seus recursos naturais, apresenta-se
como um processo cada vez mais recorrente, despertando a necessidade de tomá-
los como objeto de estudo. Desta forma, cabe a universidade a responsabilidade de
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intensificar o debate, a pesquisa e a discussão dessas questões, de forma a
contribuir para a ampliação de sua compreensão e a construção de caminhos para o
seu enfrentamento.
O III Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente teve como público
principal pesquisadores, professores, técnicos, militantes e alunos vinculados a
cursos de graduação e programas de pós-graduação de instituições de ensino
superior, institutos de pesquisa, movimentos sociais, organizações não-
governamentais e órgãos governamentais maranhenses, que realizam estudos,
pesquisas ou ações voltados para a temática socioambiental. Buscou, portanto, ser
um espaço transdisciplinar e que, além disso, contemple múltiplos saberes. A
participação do público no evento foi prejudicada, pois coincidiu com uma greve de
rodoviários que paralisou toda a frota de ônibus urbano que atende à população de
São Luís. Mesmo, assim, o evento contou com:
• 162 inscritos como Participantes;
• 15 Monitores;
• 04 Coordenadores Gerais;
• 15 membros das Comissões de Trabalho;
• 05 Painéis;
• 29 Comunicações Orais;
• 04 Mesas Redondas com 11 Palestrantes e 04 Moderadores;
• 01 Conferência, com 01 Conferencista e 01 Moderador;
• 03 Grupos de Debates, com 06 Coordenadores e 06 Debatedores.
Estes Anais são compostos por textos selecionados pela Comissão Científica do III
SEDMMA para apresentação na modalidade Comunicação Oral, porém, não
representam, necessariamente, a opinião dos membros do Grupo de Estudos
Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).
Comissão Organizadora
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1 CONFLITOS POLÍTICOS E SOCIOAMBIENTAIS NO ASSENTAMENTO RURAL
SANTANA NOSSA ESPERANÇA, TERESINA-PI
Alyne Maria Sousa Oliveira1; Maria do Socorro Lira Monteiro2; Maria Dione Carvalho
de Moraes3
RESUMO
O assentamento rural Santana Nossa Esperança foi constituído pelo INCRA em 2005, por demanda da FETAG-PI, de uma Associação de Pequenos Produtores e do MST. Após a desapropriação do imóvel, área foi ocupada por famílias de funcionários da extinta fazenda filiadas à referida associação, e por trabalhadores/as sem terra cadastrado/as pelo INCRA. A reunião de três grupos com origens, hábitos e interesses distintos provocou embates que culminaram na divisão do projeto de assentamento e que persistem na atualidade. Neste trabalho sobre a natureza das dissensões e as formas de equacionamento encontradas/construídas pela população, realizamos pesquisa documental junto ao INCRA e pesquisa de campo no assentamento, por meio de observação direta, registros no diário de campo, e entrevistas não-diretivas com líderes das associações, habitantes mais antigos da área e gestores do INCRA responsáveis pelo acompanhamento do projeto. Os resultados da pesquisa apontam a existência de três principais conflitos: entre os próprios assentados, desencadeados pelos diferentes perfis socioculturais e pela extração e comércio ilegal de madeira; entre as duas associações remanescentes que congregam as famílias assentadas, na disputa de representatividade; e entre o INCRA e uma das associações – não reconhecida pelo órgão – o que resultou em processo judicial. A natureza múltipla das disputas compromete a sociabilidade e reflete a incapacidade dos gestores públicos para o gerenciamento dos conflitos.
Palavras-chave: Assentamento Rural; Conflitos Políticos e Socioambientais;
Sustentabilidade.
1Economista, Mestre e Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo Programa de
Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (DDMA); Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI). 2Professora Associada I do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí
(UFPI) e do Programa de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (DDMA). 3Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais e dos Programas de Pós-Graduação em
Políticas Públicas (PPGPP), em Antropologia e Arqueologia (PPGAArq), e em Sociologia (PPGS), da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
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1 INTRODUÇÃO
Analisamos situações de conflitos políticos e sociambientais desencadeados em
uma área de assentamento rural localizado no município de Teresina-PI. Tais
conflitos envolvem distintas percepções sobre legitimidade dos direitos de
assentado/as e sobre áreas comunais de preservação – como áreas de reserva
legal –, disputas de representatividade encenadas por duas associações e
assimetrias entre demandas de assentado/as de reforma agrária e a ação pública
implementada por órgãos responsáveis pela condução da referida política.
O panorama dos conflitos políticos e socioambientais, em especial em
assentamentos de reforma agrária, no Brasil, é rico em experiências diversas e no
decorrer dos anos tem mostrado evolução nos mecanismos de negociação
referentes ao envolvimento dos diferentes atores sociais.
Com vistas ao estudo sobre a natureza das dissensões e as formas de
equacionamento encontradas/construídas pela população, realizamos pesquisas do
tipo documental junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), e de campo, no assentamento, por meio de observação direta (MAY,
2004), registros no diário de campo (WHITACKER, 2002) e entrevistas não-diretivas
(THIOLLENT, 1987; MICHELAT, 1987) com líderes das associações, habitantes
mais antigo/as da área e gestore/as do INCRA responsáveis pelo acompanhamento
do projeto. Tais pesquisas permitiram trazer elementos da história de constituição do
assentamento através do discurso institucional representado pelo INCRA, assim
como resultados da pesquisa de campo realizada junto aos atores sociais envolvidos
no Assentamento Rural Santana Nossa Esperança, em Teresina-PI.
Além das pesquisas documentais e de campo, buscamos ainda contribuições
teóricas sobre conflitos agrários e socioambientais, abordagens acerca da
construção de identidades sociais em situações de conflito, a compreensão do ethos
camponês, e as representações sociais de assentado/as. Tais contribuições somam-
se à reflexão na construção das inferências aqui apresentadas.
2 REFERENCIAL TEÓRICO: CONFLITOS, IDENTIDADES, ETHOS E
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Conflito é o estado de confronto entre forças opostas e relações sociais distintas, em
condições políticas adversas. Por meio da negociação, da manifestação, da luta
popular e do diálogo, busca-se a superação das querelas, sob as formas de vitória,
derrota ou empate. Conflitos por terra são embates que traduzem modelos de
desenvolvimento diferentes, na instituição de territórios. Um conflito pode ser
sufocado ou resolvido; entretanto, a conflitualidade permanece subjacente à
estrutura da sociedade, em suspenso. Acordos, pactos e tréguas definidos em
negociações podem resolver ou adiar conflitos. Mas a conflitualidade é produzida e
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alimentada cotidianamente pelo desenvolvimento desigual do sistema capitalista,
sendo inerente à questão agrária (FERNANDES 2008).
Nascimento (2001) ressalta que não existe conflito sem que haja objetos em disputa,
os quais podem variar de natureza, mas são sempre bens ou recursos escassos, ou
vistos como tais. Acrescenta que não obstante o senso comum reduza os objetos
dos conflitos a bens materiais, a maioria dos conflitos reúne ideias, status e posição
de poder – sendo, portanto, políticos – que mobilizam atores sociais. E entende que
apesar de tais objetos serem reconhecidos e os sujeitos envolvidos terem
consciência, não se pode afirmar que todos possuam a mesma percepção do objeto;
ao contrário, considera a leitura, a compreensão e a valorização como distintas para
cada um deles.
No que tange à sua origem, os conflitos fundiários e/ou socioambientais podem
derivar da disputa pela apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases
distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela
atmosfera, solo, águas, florestas ou outro elemento.
No que respeita aos conflitos rurais no Brasil, estes vêm sendo intermediados por
diversos atores: Igrejas, sindicatos, parlamentares, políticos, incluindo a
autocomposição dos envolvidos e o Estado, fundamentalmente através do INCRA.
Entretanto, a participação estatal em tais situações emana contradições conceituais
e práticas de diversas ordens, seja pelo ângulo dos movimentos sociais, de
fazendeiros ou dos agentes públicos, seja pelo valor que lhe é atribuído, ou ainda
por seu posicionamento na contenda (ANDRADE, 2008).
Autores como Nascimento (2001) e Little (2001; 2006), a dinâmica do conflito é um
elemento a ser considerado, pois cada conflito revela uma forma particular de se
manifestar, apresentando evolução própria ou lógica de desenvolvimento peculiar,
podendo ser classificado como rápido ou longo, intenso ou pernicioso e agudo ou
crônico. Outrossim, os conflitos não encerram apenas atores, mas também
mediadores e/ou observadores, personagens que se posicionam, ou pretendem se
colocar, à margem do conflito, como sujeitos que o presenciam, sem
necessariamente tomarem partido ou envolverem-se diretamente.
Quando se fala de co-responsabilidade, do envolvimento de diversos atores –
Estado, agentes do mercado, movimentos e instituições do terceiro setor – deve-se
levar em conta que todos os atores disputam, de diferentes formas, territórios
comuns, lutando pela apropriação das áreas segundo suas lógicas próprias.
(NEDER, 1995).
Mais especificamente, Little (2001) diz que conflitos socioambientais se conformam
em disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação mantidos
com o meio natural. Segundo este autor, tais disputas englobam três dimensões
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básicas: a) o mundo biofísico e seus múltiplos ciclos naturais; b) o mundo humano e
suas estruturas sociais; c) o relacionamento dinâmico e interdependente entre esses
dois mundos. Exprime ainda que, em geral, os conflitos relacionados aos bens
naturais apresentam dimensões políticas, sociais e jurídicas e envolvem grupos
humanos que reivindicam terras para território de moradia e vivência. Cada ator
social tem uma forma própria de adaptação, ideologia e modo de vida que entra em
choque com as formas dos outros grupos, expondo assim a dimensão social e
cultural do conflito socioambiental.
Via de regra, o que distingue um conflito ambiental de qualquer outro consiste no
confronto que reúne impacto direto ou indireto de atividades socioeconômicas, as
quais acarretam a degradação e desequilíbrio ou a ameaça de áreas físicas, bens
coletivos, bens naturais escassos ou extinção de espécies. Mas,
um conceito propriamente antropológico do conflito vai além de um foco
restrito nos embates políticos e econômicos para incorporar elementos
cosmológicos, rituais, identitários e morais que não sempre são claramente
visíveis desde a ótica de outras disciplinas. Um olhar antropológico pode
enxergar conflitos latentes que ainda não se manifestaram politicamente no
espaço público formal, porque os grupos sociais envolvidos são
politicamente marginalizados ou mesmo invisíveis ao olhar do Estado (...)
(LITTLE, 2006, pp.91-92).
Assim, diz o autor, ao trazer o conflito como o foco central da investigação,
pesquisadores/as obrigam-se a identificar os distintos atores sociais, assim como os
recursos ambientais envolvidos no conflito. Devem ainda analisar esses atores em
interação com seus meios biofísico e social, além de levantar as reivindicações de
cada um dos grupos envolvidos além de suas respectivas cotas de poder formal e
informal. Tal mapeamento das interações políticas ajuda a entender a dinâmica
própria a cada conflito que pode oscilar durante anos entre os estágios latente e
manifesto. Além do mais, trata-se de uma “etnografia multiator” (LITTLE, 2006,
p.92)4.
Como destaca Little (2006), elementos identitários encontram-se envolvidos nos
conflitos. Para Simmel (1983), o conflito apresenta importância sociológica, por
tratar-se de uma forma integradora do grupo social. E não obstante enseje
socialização, configura-se como elemento inerente às relações humanas, estando
nelas presente e contribuindo para unificar os membros de um grupo social,
permitindo processos de ressignificação e de (re) construção de identidades.
4Para Little (2006) a análise requer a identificação dos principais atores sociais envolvidos no conflito.
E além de incorporar os grupos sociais marginalizados, deve-se apresentar, ainda, os atores sociais “fantasmagóricos”, os que mesmo não estando presentes fisicamente no sítio do conflito, que exercem uma influência à distância. A análise não é exaustiva e a meta é o estudo de conflitos e interrelações específicas.
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Identidades se inserem em processos de construção de identificações e alteridades
simbólicas com base em atributos culturais, ou em um conjunto deles, ao longo de
um processo de individuação. E, embora também possa ser formada a partir de
instituições dominantes – a exemplo, a identidade de assentado/a5 –, somente
assume tal condição quando e se os atores sociais as internalizam. Identidades se
constroem através do material produzido pela história, pela geografia, pela biologia,
pelas instituições, pela memória coletiva, por fantasias pessoais, pelos aparatos de
poder e por revelações de cunho religioso. São materiais processados por
indivíduos, grupos sociais ou sociedades, e reorganizados em função das
perspectivas e projetos culturais enraizados na estrutura social, no tempo e no
espaço (CASTELLS, 1999).
Identidades coletivas se constroem a partir do conjunto de relações, opiniões,
sentimentos, representações e imagens que os sujeitos e os grupos têm de si
mesmos e do ambiente. Esse contexto é reforçado através de forças unificadoras,
como desejos e objetivos comuns, laços de proximidade social e apoio mútuo, as
quais se configuram em íntima relação com o conflito, ou seja, não existem sem
essa relação de oposição com o ambiente exterior – as alteridades – ao grupo
(SAUER, 2008). No caso dos assentamentos rurais, o desejo comum de acesso à
terra aproxima indivíduos, fazendo-os suportar precárias condições de
sobrevivência, na expectativa de consolidação do assentamento. Conjugado a esse
desejo, certos objetivos comuns mobilizam ações e reações do grupo social, agindo
como fator de coesão entre seus membros e de estreitamento das relações. Assim,
dá-se o estabelecimento de vínculos e sentimentos de pertencimento ao grupo, bem
como a diferenciação em relação ao mundo exterior, a partir da identidade “sem
terra”.
Tal identidade, anterior ao acesso à terra, começa a ser gestada ainda na fase de
acampamento6 e a decisão de acampar exige que as pessoas assumam a nova
identidade, que carece de explicação, sentido e familiaridade. No processo, histórias
de vida são recriadas segundo o universo simbólico relacionado aos valores e
sentidos atribuídos à nova realidade social e geográfica em que se inserem. As
identidades “sem terra” e “acampado/as” revelam que o acesso à terra e as novas
demandas decorrentes da passagem para a fase de assentamento provocam
transformações significativas na dinâmica das relações sociais entre o/as futuro/as
assentado/as. Certos conflitos, assim como uma parte importante da coesão se
esvaem, cedendo lugar a outros e a formas alternativas de associação e convívio. O
assentamento torna-se espaço de perseguição de outros objetivos os quais nem
5A propósito, ver a ideia de identidade atribuída, em Cuche (2002).
6Sobre o processo de acampamento, ver Sigaud (2004) e Loera (2004). Sobre identidade de
assentado, ver Costa (2006).
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sempre proporcionam a mesma intensidade no compartilhamento de vivências
(SAUER, 2008).
Nessa perspectiva, a percepção dos sujeitos sobre os dois ambientes –
acampamento e assentamento – é alterada, sofrendo a influência da nova condição
social em que se encontram, na qual a identidade dos “sem terra” é transmutada em
identidade de “assentado/a”7. Por conseguinte, os papéis relacionados aos
elementos identitários referidos se distinguem, em um processo de alteridade que
vai da luta pelo reconhecimento da legitimidade do grupo e seus interesses à
participação nos mecanismos de acesso às políticas públicas específicas.
No processo de plasmagem das identidades, representações sociais são
construídas/reconstruídas – como diria Spink (1995) – saberes específicos da
realidade vivenciada, orientados para a compreensão do ambiente e para a
comunicação com o mundo exterior. Logo, têm a finalidade de unir o conhecimento
novo ao anterior, remodelando os elementos exteriores para introdução à base
cognoscível preexistente. Como lembram Oliveira e Werba (1998), as
representações sociais constituem interpretações do modo pelo qual um grupo
elabora e partilha entre si um conjunto de saberes específicos à realidade social,
que surgem na vida cotidiana e expressam sua identidade, por meio de estruturas
simbólicas, dinâmicas e passíveis de transformação8.
Neste sentido, as representações sociais subjazem a um ethos, compreendido como
um tipo de comportamento humano não natural, apreendido a partir das
experiências e adquirido através do hábito. Estes elementos caracterizam formas de
viver, estilos de ação, disposições morais, racionais, éticas e culturais, quadros de
referência e conduta de um homo moralis (WOORTMANN, 1990).
Para autores diversos (WOORTMANN, 1990; OLIVEIRA, 2004; WANDERLEY,
1996), terra, família e trabalho alicerçam a constituição e reprodução de um modo de
vida camponês. Relações estabelecidas entre familiares (parentais) e vizinhança
permitem a reprodução da cultura, das técnicas e da identidade campesina. Apego e
fidelidade à família é característica marcante do pater familiae que vê no casamento
entre primo/as e parentes próximos a perpetuação dos laços coma terra, de
costumes e do atendimento a questões básicas de subsistência. Em consonância
com Martins (1990), uma característica peculiar do ethos camponês constitui a
busca de local para se fixar, plantar, lidar com a terra e produzir para garantir a
subsistência familiar.
Lima (2009) e Moraes (2000), dentre outro/as, verificaram que as atividades
tradicionais produtivas são conduzidas e reguladas por ciclos naturais e que as
7Sobre identidade de assentado, ver Costa (2006).
8Para uma reflexão aprofundada sobre representações sociais, ver Moscovici (2009).
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práticas de preparo da terra, plantio, tratos culturais e colheita fundamentam-se
costumeiramente em um calendário anual cujo início nem sempre corresponde ao
do ano civil. Tais estudos demonstram que a relação estabelecida entre sociedade,
natureza e terra volta-se e é baseada na forma de reprodução social familiar.
Tomando tais estudos como referência para pensar o Assentamento Santana Nossa
Esperança, vemos que por mais que a consciência camponesa sobre a necessidade
de conservação dos recursos naturais esteja presente, assentado/as vivem a
imposição da obrigatoriedade da utilização dos meios disponíveis no assentamento
para garantir o sustento da família. Ocorrem, assim, perdas consideráveis da fauna,
principalmente devido à prática do desmatamento para construção de cercas e
incorporação de novas áreas para o plantio, para fazer face ao aumento
populacional9.
Outro elemento relevante das representações sociais dos assentados refere-se ao
significado da área de reserva legal. A legislação da reserva legal (Lei nº 4.771/65) é
de competência da União, sendo a autoridade competente o IBAMA. Porém, os
Estados e municípios podem atuar suplementarmente. Nesse sentido, segundo o
Código Florestal, em planos de colonização e reforma agrária, a reserva legal pode
ocorrer em regime de domínio privado, correspondendo a 20% da área de cada lote;
ou perfazer uma área em bloco por meio de sistema condominial, constituindo uma
área de preservação comunitária, na qual todo/as o/as assentado/as são
responsáveis (BRASIL, 1965).
Anjos e Almeida (2010) observam que reserva legal é concebida por assentado/as
como uma área proibida, terra improdutiva, fonte de recursos utilitários às suas
demandas domésticas, área de sobrevivência para os animais de criação no período
crítico de seca, um referencial para as suas crenças e mitos, e espaço
desvalorizado. Logo, é entendida como espaço comunitário e impessoal, sobre o
qual os indivíduos não assumem responsabilidade. Em um contexto de fiscalização
deficiente, tal situação revela-se ameaçadora ao cumprimento da exigência legal.
Para as autoras, a consciência ecológica da reserva legal, na conservação do
ecossistema local e sua respectiva biodiversidade, não se apresentam no processo
social de assentado/as, uma vez que o que não é vivido não é representado no ideal
cognitivo para que as ações possam ser modeladas, constituindo significado
particular ao meio ambiente.
9A propósito, Moraes (2000), em estudo sobre campesinato nos cerrados do sudoeste piauiense,
praticante de uma agricultura baseada no sistema de roça-de-toco, observa que média de tempo de recuperação da mata ou formação da capoeira varia, como diria Bourdieu (2009), nos limites do senso prático: agrônomos concordam em que uma boa capoeira se forma, em média, em torno de oito a dez anos; mas camponeses/as referem um período de quatro anos. No sistema operacional camponês, com pequenas áreas de terra, um terreno não pode ficar em descanso por mais tempo do que o mínimo suficiente para o encapoeiramento.
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Destarte, se por um lado, os movimentos sociais rurais reivindicam a edificação de
uma ordem campesina pautada na redistribuição fundiária, na democratização das
relações de produção rural, na preservação das culturas rurais e em um
desenvolvimento rural, social e ecologicamente sustentável, por outro, compete a
esses atores sociais fazer cumprir a função social da propriedade coletivizada,
buscando a sustentabilidade socioambiental, justificando assim, a expansão do
processo de reforma agrária (FERREIRA e FERREIRA, 2012).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Assentamento Santana Nossa Esperança: Delineamento Histórico
O Assentamento Santana Nossa Esperança possui área registrada de 1.479,10 há e
situa-se no Povoado Santana/Fazenda Agropol, em Teresina-PI. A área encontra-se
ligada à zona urbana da capital, cujo acesso ocorre através da estrada TER 120, via
asfaltada que atende vários povoamentos da zona rural leste do município, com
início na rodovia BR 343, que liga Teresina ao litoral do Estado.
O imóvel encontra-se localizado na região sudeste do município, em área de
ecótono cerrado-caatinga, onde proliferavam extensas áreas com babaçuais, os
quais foram retirados, entre os anos 1910 e 1980, para dar lugar ao cultivo da cana-
de-açúcar, que era industrializada pela Usina Santana, para o fabrico de açúcar. A
área é banhada pelo Rio Poti10 na vertente mais ao sul, cujas águas podem ser
utilizadas por todo o ano para irrigação, em razão do abundante volume.
Os procedimentos legais que originaram o Projeto de Assentamento (PA) Santana
Nossa Esperança iniciaram-se em 21 de maio de 2003, quando a Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado do Piauí (FETAG-PI) lavrou o Ofício nº
170/03 ao INCRA, solicitando a desapropriação por interesse social, para fins de
reforma agrária, da área denominada Fazenda Agropol e adjacências, localizada na
Usina Santana, a fim de beneficiar 260 famílias cadastradas junto à Associação dos
Pequenos e Microprodutores do Residencial Deus Quer (APMPRDQ) e
circunvizinhança (INCRA/PI, 2003).
Em conformidade com o relatório de vistoria elaborado pelo INCRA/PI (2004), a
propriedade era dotada de seis poços profundos, de forma que a água captada era
transportada por tubos de PVC1111 até as edificações, servindo ainda para a
10
A Bacia do rio Poti se localiza, entre as coordenadas 4° 06‟ e 6° 56‟ de latitude sul, e entre 40° 00‟ e
42° 50‟ de longitude a oeste de Greenwich, porém, no Estado do Piauí seu limite norte está a 4° 20‟ de latitude sul, e seu limite leste, está em 40° 58‟. 11
Polímero sintético, importante na classe das matérias plásticas, usado em tubos e condutores de
todos os tipos, Conhecido ainda como cloreto de vinila ou policloreto de vinil e mais conhecido pelo acrônimo PVC, originário da designação em língua inglesa: Polyvinyl chloride (DICIONÀRIO ELETRÔNICO HOUAISS DA LINGUA PORTUGUESA, 2001).
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dessedentação de animais estabulados ou mantidos nos currais e piquetes mais
próximos. A água destinava-se também para irrigação de pequenas capineiras e
áreas de pastagem. Ademais, verificou-se a ocorrência de alguns córregos
temporários.
O mesmo relatório registra, quanto ao relevo, que o imóvel apresentava uma classe
relativamente pequena, predominando o relevo plano a suave ondulado. Porém, a
presença de alguns morros impunha a aplicação de práticas conservacionistas,
configurando-se em geral como local destinado à área de reserva legal e de
preservação permanente.
No que tange à análise dos fatores condicionantes para o uso agrícola do imóvel,
INCRA/PI (2004) afirma que a maior parte dos solos foi classificada como terras
sujeitas a severos riscos de depauperamento, quando plantadas sem cuidados
especiais, principalmente no caso de culturas anuais. Indica, ainda, a necessidade
de medidas intensas e complexas de conservação, a fim de serem cultivadas segura
e permanentemente, com produção média a elevada, de plantios anuais adaptados.
Ademais, considera que a infraestrutura produtiva da área encontrava-se em bom
estado de conservação, além da existência de significativa quantidade de pastos
implantados, o que viabilizaria a retomada da atividade com certa facilidade.
Registra ainda, 116,8 ha cobertos por babaçu (Attalea speciosa Mart. ex Spreng), a
título de reserva por Lei, 91,1 ha de preservação permanente, 1.232,2 ha de
capoeira, 304,1 de área desmatada, 18,3 ha de área inaproveitável, 23,4 ha
ocupados com benfeitorias e 28,5 ha de estradas (INCRA/PI, 2004).
O relatório destaca que os recursos naturais estavam sendo relativamente
preservados, excetuadas as nascentes e margens do rio Poti, que eram utilizadas
para o plantio de arroz e milho. Mas declara que os ocupantes do imóvel utilizavam
a queimada sem controle como forma de reduzir as despesas com tratos culturais
nos plantios, o que provocava danos ao meio ambiente. Afirma, ainda, que a
agricultura era praticada de maneira nômade, o que acarretava a eliminação gradual
da cobertura vegetal e ensejava a interferência dos órgãos ambientais. Nessa
perspectiva, diz que a empresa proprietária do imóvel praticou a substituição da
cobertura florística nativa – ainda em processo de recuperação devido ao
desmatamento provocado pelo plantio da cana-de-açúcar – por pastagem em
grandes extensões, especialmente nos baixões e nas áreas mais planas.
Segundo o relatório, não havia ocupantes permanentes na área, mas apenas
trabalhadores/as rurais da região que exploravam culturas de subsistência (arroz,
milho e feijão), em regime de arrendamento. Todavia, faz referência a domicílios de
funcionários remanescentes da fazenda, que se configuravam como potenciais
pretendentes a assentados no projeto. Declara que não existia conflito na área, nem
entre os grupos de trabalhadores/as que habitavam o entorno, nem entre este/as e o
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proprietário, como reação contra a desapropriação do imóvel. Entretanto, pontua que
a grande maioria deste/as agricultore/as não integrava a associação que pleiteava a
implantação do assentamento, o que poderia causar embaraço por ocasião da
seleção de famílias para constituição do projeto, uma vez que o número de famílias
a serem contempladas já poderia estar completo, considerando-se somente aquelas
que já se encontravam explorando a área (INCRA/PI, 2004).
O relatório INCRA/PI (2004) caracteriza a Fazenda Agropol como grande
propriedade improdutiva, por encontrar-se inexplorada, não cumprindo assim os
pressupostos estabelecidos no §1º, art. 9º, da Lei nº 8.629/93 (BRASIL, 1993) e
posiciona-se favoravelmente à desapropriação integral do imóvel, cuja capacidade
ideal foi arbitrada em 123 famílias – com tolerância máxima de aumento de 20% –
considerando-se a dimensão do espaço e o modelo familiar adotado (entre 10 e 15
famílias por hectare).
Concluído o processo de análise, o procedimento de desapropriação foi autorizado e
o auto de imissão de posse foi expedido em 09 de agosto de 2005. Entretanto, em
21 de agosto de 2006, o INCRA procedeu ao reestudo da capacidade de ocupação
do imóvel, tendo em vista a insuficiência das vagas existentes – para suprir a
demanda de famílias inscritas – e o surgimento de um clima de tensão e conflito
social na área. Esse contexto resultou na reavaliação da capacidade do
assentamento para 215 famílias, o que representou uma ampliação de 42% ou 64
famílias, em relação ao número previamente estipulado (INCRA/PI, 2004). 12
3.2 Conflitos no Assentamento Santana Nossa Esperança: Tipos e Atores Sociais
Envolvidos
Segundo relato de assentado/as, o Assentamento Santana Nossa Esperança foi
constituído a partir de três diferentes grupos sociais: a) trabalhadores/as da extinta
Fazenda Agropol; b) agricultores/as familiares; c) moradores/as do Conjunto
Residencial Deus Quer, situado na zona sudeste de Teresina e famílias sem-terra
cadastradas pelo INCRA. Tem-se, assim, um primeiro elemento significativo nesta
análise: atores sociais com origens e trajetórias diferenciadas. Consequências de tal
situação serão tratadas adiante.
Os discursos enfatizam que a iniciativa de reclamar o imóvel para desapropriação
partiu do líder comunitário da Associação de Pequenos e Microprodutores do
Residencial Deus Quer e Adjacências (APMPRDQ), integrada por aproximadamente
70 famílias e que contava com o apoio da Federação dos Trabalhadores em
Agricultura do Piauí (FETAG), que formalizou o pedido ao INCRA. À época,
exploravam economicamente a propriedade, em torno de 75 famílias de
trabalhadores da Fazenda Agropol, que se encontrava hipotecada ao Banco do
Brasil e Banco do Nordeste e em processo de falência. Entretanto, estas famílias
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não ocupavam a área, mas moravam em suas proximidades; praticavam agricultura
familiar e conservavam alguns animais, pagando renda ao proprietário.
Uma vez formalizado o processo administrativo e instaurados os procedimentos de
vistoria do imóvel em 2005, o INCRA comunicou ao grupo de ex-funcionário/as da
fazenda, então arrendatário/as, sobre a possibilidade de desapropriação, orientando-
o/as a interromper o pagamento da renda ao proprietário. O/as requerentes no
processo – em torno de 60 famílias de pequenos agricultores – constituíram
acampamento, coabitando fora dos limites da propriedade, durante
aproximadamente seis meses, período compreendido até o reconhecimento do
assentamento e a efetiva desapropriação do imóvel.
Após a autorização de ingresso na área pelo INCRA, os dois primeiros grupos –
integrados por trabalhadores/as da extinta fazenda (e que residiam no entorno) e
pequenos/as produtores/as do conjunto Residencial Deus Quer – fixaram moradia
na área, ocupando conjuntamente um dos galpões edificados no interior da
propriedade. Em seguida, o INCRA decidiu incorporar em torno de 65 famílias sem-
terra ao grupo de assentados do projeto Santana Nossa Esperança. Estas famílias
eram originárias do acampamento denominado Nossa Esperança, situado nas
proximidades do município de Altos-PI12 e não tinham nenhuma relação de
convivência com ocupantes primeiros do lugar, fato que gerou bastante revolta e
exacerbou os contrastes percebidos entre os perfis dos grupos de assentados.
Tal configuração redundou na fundação de duas associações distintas: Associação
dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Santana Nossa Esperança (ATRASNE),
integrada por ex-trabalhadores/as da Fazenda Agropol; e Associação dos
Agricultores Familiares do Assentamento Santana Nossa Esperança (AGRIFASNE)
que congrega o/as requerentes do assentamento. O grupo de ex-acampado/as em
Altos-PI e incorporado/as pelo INCRA ao Assentamento Santana Nossa Esperança,
permaneceu sem filiação a nenhuma das associações.
Inicialmente, somente a AFRIFASNE foi reconhecida pelo INCRA, devido ser a
responsável pela demanda do assentamento; mas, atualmente, a ATRASNE,
também, é considerada legítima. As associações divergem em diversos aspectos,
mas principalmente no tocante ao relacionamento com o INCRA, desde a fase de
implantação do assentamento – uma vez que o grupo de ex-funcionário/as da
Fazenda Agropol, constituído pelo/as primeiras pessoas a trabalharem no lugar, se
considerava natural e legítimo habitante da área, mas foi preterido em relação aos
demais, não apenas no tocante à ordem de ocupação do imóvel, mas também no
que se refere aos procedimentos de gestão do assentamento, especialmente no que
12
Município piauiense situado a 38,15 Km de Teresina, localizado na microrregião de Teresina e
Mesorregião Centro-Norte Piauiense
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respeita ao processo de liberação de recursos oriundos do Programa Nacional de
Agricultura Familiar (PRONAF).
Na visão da AGRIFASNE, o INCRA nunca concluiu a aplicação dos recursos do
PRONAF-Fomento, o que impede o/as associado/as a condição de requerer outras
modalidades de financiamento à agricultura familiar. Inclusive, a referida associação
reclama na justiça a utilização do montante liberado, alegando que as residências
edificadas encontram-se fora das especificações que constam da documentação
apresentada pelo INCRA e que há indícios de fraude nas licitações para a
construção das casas de assentado/as e para aquisição de produtos diversos como
açúcar, piçarra, cimento, matrizes para criação de animais e material para
agricultura.
Em face da querela jurídica, o INCRA reconheceu a ATRASNE, que tergiversou em
relação às prestações de contas do INCRA, temendo retaliações do órgão e o
agravamento das tensões já existentes na área, as quais já se configuravam
insustentáveis.
Um ano após a ocupação da área pelas famílias assentadas, presenciavam-se
intensas disputas. As dissensões entre as associações culminaram na formalização
de pedidos de desmembramento do Assentamento Santana Nossa Esperança em
três parcelas, sob alegação de discordâncias em relação à gestão da associação
reconhecida e a impossibilidade de “harmonioso entendimento” entre as partes
envolvidas.
Todavia, o INCRA minimizou a importância do conflito e indeferiu formalmente a
solicitação por duas vezes, exigindo compulsoriamente a solução da contenda e
reiterando que não procederia ao desmembramento da área. Frente a esse
posicionamento, as associações entendiam que uma conciliação não seria factível e
a constituição de uma área de trabalho coletiva se configurava inviável. Os embates
tornaram-se cada vez mais frequentes e violentos.
Devido ao agravamento das disputas, as quais se conformavam impossíveis de
gerenciamento, incluindo casos de roubo e invasões às residências, devidamente
registradas em boletins de ocorrência e levadas ao conhecimento do Ministério
Público, restou ao INCRA ceder às pressões das associações, e em maio de 2008,
desmembrou o assentamento em duas parcelas: Assentamento Santana Nossa
Esperança e Assentamento Nossa Vitória.
Desde então, os conflitos verificados na área pertencente ao Santana Nossa
Esperança tornaram-se menos violentos, não obstante as disputas entre as duas
associações remanescentes (ATRASNE e AGRIFASNE) ainda ocorrerem e se
fazerem sentir, sobremaneira, inclusive prejudicando a execução de projetos de
interesse de assentado/as.
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A ATRASNE reivindica para si a legitimidade na representação dos assentados do
projeto, por meio do reconhecimento do INCRA e, no contexto, tem tomado uma
postura conciliatória em relação à gestão do assentamento a cargo do órgão e
encaminhado demandas em âmbito restrito aos seus associados.
Em contraposição, a AGRIFASNE permanece no embate jurídico com o INCRA e
procura minimizar as consequências negativas que o isolamento em relação ao
órgão tem causado à condução das atividades econômicas dos seus/suas
associado/as através da formalização de parcerias com o Instituto de Assistência
Técnica e Extensão Rural do Piauí (Emater/PI) e o Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
No entanto, são frequentes as reclamações de “apropriação” e/ou obstaculização
dos projetos de uma associação por outra, o que reflete total desarticulação entre os
grupos e o completo distanciamento das ações. Tal situação repercute
negativamente sobre o gerenciamento do assentamento, que atualmente ainda não
dispõe de Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) elaborado, embora
constitua exigência prevista em Lei.
Somando-se aos problemas registrados, destacam-se os conflitos desencadeados
pelos diferentes modos de uso do território. A convivência com indivíduos com
hábitos completamente distintos do ethos camponês ocasiona queixas entre
coabitantes da área, conforme a fala da assentada: “...a maioria daqui vem da rua,
não tem vivência na agricultura, não sabe meter o cabo de uma foice. Nasceu e se
criou na rua, reclama da poeira, do mosquito, reclama do animal solto com chocalho,
fazendo barulho...” (S.O., 38 anos).
A isto, soma-se a destinação irregular do lote por parte de assentado/as que
mantêm a residência fechada durante toda a semana, utilizando-se de subterfúgios
para simular ocupação do imóvel. São pessoas que residem na zona urbana de
Teresina-PI, trabalham em ocupações outras que não a agricultura e usufruem de
sua parcela de terra como local de lazer, somente aos fins de semana.
Segundo assentado/as, as denúncias de irregularidades são levadas ao INCRA, o
qual se exime da responsabilidade da exclusão das referidas famílias, repassando-a
para a associação. A percepção de assentado/as relativamente a esta postura do
INCRA é de que gestores/as do órgão tentam evitar um provável escândalo, que
possa macular sua imagem perante a imprensa e a opinião pública.
Na esfera ambiental, os conflitos têm-se concentrado, sobretudo, na inobservância
ao disposto na legislação quanto à área de reserva legal, que tem sido explorada
através de extração ilegal de madeira para comércio. Nesse sentido, pessoas idosas
assentadas que ocupam a área e nela praticam extrativismo de coco babaçu,
denunciaram o fato à associação e temem uma reação violenta por parte de
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infratores, que são estranhos ao assentamento. Outro/as assentado/as que já
testemunharam a ocorrência preferem se omitir, pois também fazem uso
indiscriminado da área para pastagem de gado.
A população assentada frequentemente se refere à área como “reserva do IBAMA” e
compreende que a esse órgão cabe a fiscalização, o que se coaduna a perspectiva
de área proibida, descrita por Anjos e Almeida (2010). Nesse sentido, tem notificado
o INCRA, que acompanhou o IBAMA em uma única diligência ao local, executada
em horário incompatível com o transporte do material, que geralmente tem ocorrido
às 09:00 e às 17:00. A alternativa apontada por um assentado que se intitulou “vigia”
da área foi a formalização de denúncia anônima à guarnição da Polícia Ambiental.
Face ao exposto, é possível afirmar que as principais motivações para os conflitos
ambientais verificados na área derivam da iniciativa desastrosa do INCRA em reunir,
em uma mesma área, três grupos com realidades socioeconômicas e culturais
completamente distintas, bem como do atendimento de natureza questionável às
demandas das populações assentadas.
4 CONCLUSÃO
Com base nos resultados da investigação podemos pensar na ocorrência de
conflitos de diversas naturezas no interior de assentamentos rurais. No caso
específico do Assentamento Santana Nossa Esperança, não obstante ter sido criado
sem o enfrentamento violento com os proprietários da área – os quais se
manifestaram favoráveis à desapropriação desde o início – o processo de ocupação
foi marcado pelos desentendimentos entre os diferentes grupos sociais constituídos
pelos assentados.
Nessa perspectiva, constatou-se a existência de três principais conflitos: entre os
próprios assentados, desencadeados pelos distintos perfis socioculturais e pelo uso
dado à área de reserva legal; entre as duas associações remanescentes que
congregam as famílias assentadas, pela disputa de representatividade; e entre o
INCRA e uma das associações – não reconhecida pelo órgão – o que resultou em
processo judicial. Acrescente-se a isto, a presença de novos atores sociais, como o
Emater/PI e o Sebrae, incorporados aos processo e cujas formas de atuação e de
participação nos conflitos estão por serem estudadas.
A reunião de três grupos com origens, hábitos e interesses distintos, em um mesmo
ambiente, provocou embates que culminaram na divisão do Projeto de
Assentamento e que persistem na atualidade. O atendimento questionável do 17
INCRA às demandas da população assentada reflete a incapacidade da gestão
pública em promover um gerenciamento racional dos conflitos políticos e
socioambientais observados na área.
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A natureza múltipla das disputas compromete significativamente a sociabilidade dos
sujeitos e exacerba as representações negativas a respeito da condução local da
política de assentamentos rurais, o que enseja estudos mais aprofundados sobre a
temática.
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WOORTMANN, K. Com parente não se neguceia. Anuário antropológico, Brasília:
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São Luís- MA (UFMA)
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2 A AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS E DE EXPANSÃO URBANA DO
MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS-MA: IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS NO PARQUE
ECOLÓGICO DA LAGOA DA JANSEN
Benedito Alex Marques de Oliveira Santos13, Hellen Mayse Paiva Silva14
RESUMO
A avaliação de impactos ambientais é um instrumento legal da Política Nacional de
Meio Ambiente (PNMA) estabelecida pela lei 6.938 de agosto de 1981 que visa
promover ações específicas de defesa ambiental e dos direitos humanos no que
tange as atividades humanas que gerem relevantes impactos no meio. Nesse
ínterim, obras que estabeleçam ações de intensa degradação e promovem perda ou
limitação de acesso aos recursos naturais são alvo de estudos e relatórios que
indiquem que impactos ocorrerão na sua instalação e operação podendo ou não ser
aprovadas, segundo critérios dos órgãos competentes. No município de São Luís, os
planos de revitalização e uso de áreas para investimentos não conseguiram
promover os aspectos básicos da PNMA, destacando a Lagoa da Jansen, a qual é
de origem antrópica. A referida área foi transformada em Unidade de Conservação
(1988) e, apesar de ter sido objeto de um Programa de Saneamento Ambiental
(1991) e de um Projeto de Urbanização (2001), continua apresentando problemas,
como alagamentos em áreas que são inadequadas do ponto de vista do uso e
ocupação, sanitário e ambiental.
Palavras-Chaves: Política Nacional de Meio Ambiente; Impacto Ambiental; Lagoa
da Jansen.
13
Mestrando em Sustentabilidade de Ecossistemas-PPGSE/UFMA 14
Graduando em Geografia – NEPA/UFMA
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1 INTRODUÇÃO
Uma das temáticas em voga na contemporaneidade diz respeito à implantação de
medidas para a diminuição da degradação e risco ambiental visando à melhoria da
qualidade de vida do homem e consequentemente melhorias na qualidade do
ambiente que o cerca. Nesse ínterim, surgiram mecanismos legais que fortalecem a
preservação e acessibilidade de estruturas essências do meio. O processo de
Avaliação de Impactos Ambientais estabelecida pela Política Nacional de Meio
Ambiente de acordo com a lei 6.938 de agosto de 1981 possibilita metodologias
burocráticas e técnico-científicas de pesquisa e preservação dos recursos naturais.
No entanto, a urbanização desordenada das cidades brasileiras, ocorrida
principalmente após a década de 1970, vem exercendo uma pressão significativa no
meio ambiente que tem levado a condições extremas a pressão da população sobre
os recursos naturais, gerando profundas mudanças no equilíbrio ambiental pelas
cargas de dejetos residuais, concentração de poluentes no ar e água, degradação
do solo pela intensa atividade industrial e outros fatores de degradação das
atividades humanas, de tal forma que os elementos da poluição já superaram a
capacidade de auto-depuração dos respectivos meios naturais (MOURA-
FUJIMOTO, 2000).
Neste sentido, esse desequilíbrio do meio ambiente despertou a atenção dos
planejadores e da população no sentido de se perceber a vegetação como um
componente necessário ao espaço urbano. A arborização passou a ser vista nas
cidades como importante elemento reestruturador do espaço urbano, devido ao fato
das áreas bastante arborizadas apresentarem uma aproximação maior das
condições ambientais normais em relação ao meio urbano que possui temperaturas
mais elevadas, particularmente nas áreas com alto índice de construção desprovidas
de cobertura vegetal (GOMES e SOARES, 2003).
Dentro deste contexto, áreas verdes e ecossistemas de transição como mangues e
apincuns em espaços urbanos desempenham ainda importante papel social, ao
favorecer o acesso da população ao lazer e equilíbrio ambiental, sendo
responsáveis ainda por amenizar os efeitos causados pela intensa densificação dos
ambientes urbanos e seus impactos no microclima. Há um grande interesse público
na qualidade de espaços livres urbanos pelo reconhecimento de sua contribuição
para a melhoria da qualidade de vida nas cidades, vale ressaltar que ambientes
providos de vegetação e água, beneficia o microclima incentivando o usos dos
referidos espaços em diferentes estações do ano.
Com base nestes aspectos, o presente estudo tem por objetivo avaliar a política de
revitalização no entorno da Lagoa da Jansen bem como a relação dos seus
usuários, para que futuramente possíveis melhoras na gestão da referida área verde
no município de São Luís no estado do Maranhão possam ser traçadas.
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2 METODOLOGIA
2.1 Entrevistas com os usuários e moradores
Para o estudo da avaliação de impactos por parte dos usuários analisou-se o
conforto humano (percepção ambiental) das áreas estudadas com aplicação de 100
questionários, sendo que para avaliação da percepção do conforto térmico, adaptou-
se o questionário empregado por Costa (2003).
Para avaliação do conforto térmico, os aspectos avaliados num primeiro momento a
caracterização do entrevistado e do local onde a entrevista foi realizada, levou-se
em consideração as seguintes variações: condições do céu no momento da
entrevista (claro, parcialmente encoberto e nublado), gênero do entrevistado, faixa
etária, condições no momento da entrevista se o usuário se encontrava a sol pleno
ou local sombreado, freqüência de uso da área (sempre, raramente, nunca), motivo
pelo qual freqüenta o local (prática de esportes, descanso, lazer, recreação,
tranqüilidade, para prática de caminhada, passeio), quais metas ou infra-estruturas
deveriam ser implantadas nas proximidades dos locais avaliados (mais vegetação,
mais sombra, mais espaços para lazer e outros).
Num segundo momento avaliaram-se as sensações e conforto térmico do usuário no
momento da entrevista, onde se verificou: conforto térmico no momento da
entrevista (muito frio, pouco frio, frio, confortável, calor, pouco calor, muito calor), a
ventilação do local (pouco ventilado, ventilado, muito vento), a umidade na visão do
usuário (clima úmido, clima seco, não opinou ou não sabe), condições do ambiente
(muito escuro, escuro, nem claro e nem escuro, claro e muito claro) e elementos da
paisagem que despertavam a atenção do usuário (piso, vegetação, edifícios e
casas, céu, mobiliário urbano, ou nenhuma das alternativas).
2.2 Imagens de Satélite
Foram analisados materiais cartográficos com a utilização de fotografias aéreas do
satélite Landsat TM 5 do Zoneamento Ecológico Econômico do Maranhão para
construção de mapa temático da área correspondente para avaliação da aptidão do
território para habitação, confecção de mapa de localização da área de estudo do
software ArcMap–ArcInfo EESI e do Google Earth 2011 (software free) para
caracterizar a situação geográfica da área de estudo.
3 A AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS E O PARQUE ECOLÓGICO DA
LAGUNA DA JANSEN
A forma inicial organizada de Avaliação Ambiental apareceu como instrumento de
uma política ambiental pela primeira vez em 1969, nos Estados Unidos, entrando em
vigor 1º de janeiro de 1970 a National Environmental Policy Act (NEPA).
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A NEPA é considerada o principal marco da conscientização ambiental (MAGRINI,
1989), sendo uma resposta às pressões crescentes da sociedade organizada para
que os aspectos ambientais passassem a ser considerados na tomada de decisão
sobre a implantação de projetos capazes de causar significativa degradação
ambiental. O grande mérito foi alterar o conceito de qualidade de vida e associá-lo
ao conceito de qualidade ambiental, uma vez que, até então, o conceito de
qualidade de vida era fortemente ligado àquele de crescimento econômico e ao
consumo de bens.
No Brasil,os Estudos de Impactos Ambientais passaram a ser elaborados a partir da
década de70, por causa das exigências do Banco Mundial, principalmente em
projetos de construções de usinas hidrelétricas. Porém, os estudos ainda não
respeitavam nem um critério padrão e havia muitas dúvidas com relação aos
estudos exigidos pelo governo, seja pelos aspectos metodológicos ou pela falta de
aspectos básicos nos documentos e estudos apresentados. O quadro abaixo
resume a evolução da Avaliação de Impactos no Brasil (Quadro 01).
ANOS ACONTECIMENTOS IMPORTANTES
1980 Lei n. 6.803, que dispõe sobre as diretrizes básicas para zoneamento
industrial nas áreas críticas de poluição.
1981 Lei n. 6.938 instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA.
1983 Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) é criado e recebe a
competência para fixar os critérios para os exigidos estudos de
impacto ambiental
1986 Em Janeiro, a Resolução CONAMA n. 001 estabeleceu as definições,
responsabilidade, critérios básicos e diretrizes gerais para o uso e
implementação da Avaliação de Impacto Ambiental, como
instrumento da PNMA
Quadro 01: Resumo da evolução da Avaliação de Impacto no Brasil. Fonte: Dados da Pesquisa
No processo de Avaliação de Impactos Ambientais indicado pela PNMA, são
caracterizadas todas as atividades impactantes e os fatores ambientais que podem
sofrer impactos dessas atividades, os quais podem ser agrupados nos meios físico,
biótico e antrópico, variando com as características e a fase do projeto, bem como a
revitalização ou recuperação de áreas que sofreram danos ou oferecem risco a
sociedade, com subsídios do governo ou de instituições privadas. É nesse último
caso que é possível a análise de impactos do Parque Ecológico da Lagoa da
Jansen.
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4 O PARQUE ECOLÓGICO DA LAGOA DA JANSEN
Criada em 23 de junho de 1988 pelo decreto-lei n° 4878 a Unidade de Conservação
Estadual denominada Parque Ecológico da Lagoa da Jansen, foi estabelecida como
área de preservação permanente pela ocorrência de ecossistemas de mangue
fundamentais para a manutenção da biodiversidade aquática.
A área hoje onde se localiza a Lagoa da Jansen, na década de setenta era uma
região estuarina coberta por manguezais e entrecortada pelos igarapés da Ana
Jansen e Jaracati, na localidade em foco era notório a existência de mangues,
apicuns, formações de transição e cursos d‟ água com extensão de 196, 5 há. Deste
total existia a segmentação de 160 ha com mangue, 15,6 ha com apicuns, 11,3 ha
associadas aos apicuns estruturando a formação de transição e 9,1 ha sendo
representados basicamente pelo antigo Igarapé da Ana Jansen, atualmente possui
extensão aproximada de 140 ha e com profundidade média de 3,5 metros (SANTOS
e MASULLO 2009).
As fotos aéreas de 1975 da empresa Prospec (Foto 1) mostram que a laguna e a
urbanização da região estavam apenas no inicio a entrada desta região ainda era
restrito, não existindo vias de acesso para a localidade. Os sistemas até então
encontrados na área, com exceção dos igarapés, era de médio-litoral característicos
de áreas que são regularmente expostas e submersas nos ciclo de marés. Na área
da Laguna da Jansen, as modificações da paisagem foram iniciadas com a
ocupação desordenada das áreas de mangues do bairro da Ilhinha, continuadas
com a construção da Avenida do Holandeses e dos conjuntos residenciais
Renascença I e II e Ponta do Farol (Foto 2).
Foto 1: Foto aérea da laguna da Jansen e Ponta d‟ Areia. Fonte: PROSPEC, 1975.
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Foto 2: Foto aérea da laguna da Jansen. Fonte: ZEE-MA, 1999.
A partir da construção da Avenida, a área antes vista como uma simples
comunidade de pescadores passou por um rápido e crescente processo de
especulação imobiliáriacom as mais variadas construções. Outra alteração
significante ocorreu com a implantação de outras vias de acesso intercaladas com a
Avenida dos Holandeses acarretandona alteração da drenagem superficial.
Um dos trechos da Avenida dos Holandeses foi desenvolvido sobre o Igarapé da
Ana Jansen acima do nível da lamina de águae também do coeficiente médio das
preamares de quadratura, ocasionando uma condição de armazenamento de água
salgada permanente, originando um ambiente de laguna e não de lagoa, como é
comumente chamada (SANTOS e MASULLO, 2009).
Atualmente a troca de água na área ocorre somente nas marés de sigízia quando o
nível da maré ultrapassa o piso da galeria, e na estação chuvosa, quando o grande
aporte de água doce garante o fluxo em direção ao mar.
4.1 A Degradação
O projeto de urbanização da Laguna da Jansen, onde viviam sem-tetos em palafitas,
fez com que a Secretaria de Infra-Estrutura do Maranhão indenizasse os moradores
pelas condições de insalubridade, mas sem nenhuma promessa de reassentamento,
o que fez com que boa parte destes moradores se deslocasse para áreas ainda
mais precárias.
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Durante o processo de urbanização na Laguna da Jansen, os espaços permeáveis,
inclusive áreas de manguezais, foram convertidos para locais de superfície
impermeáveis resultando no aumento de volume de escoamento superficial e da
carga de poluentes, resultando em alterações nas características físicas, químicas e
biológicas que ocasionam aumento no volume de escoamento superficial e
subseqüentes cargas de erosão e sedimentos às águas superficiais (ARAÚJO,
2007).
As alterações no fluxo da água salgada causam restrições de renovação do volume,
armazenando esgoto in natura lançado pelas casas e condomínios no entorno, o
que acaba por descaracterizar a localidade de manguezais reduzindo a qualidade
ambiental além de transformar a área em um ambiente anóxico pela elevação do
teor de matéria orgânica deflagrada a qual associada ao acréscimo dos resíduos
sólidos atrelados as modificações antrópicas na bacia de drenagem produziram a
aceleração da colmatação reduzindo a profundidade em até 1metro.
A lâmina d‟água permanente cria um ambiente infra-litoral com áreas não expostas
ás marés diminuindo a taxa de renovação da água estas condições favorecem a
proliferação da macrófita aquática Ruppia Marítima criando substrato para as algas
cianofíceas, que a partir do aumento da decomposição passam a produzir gás
sulfídrico, que somado a decomposição dos sedimentos do fundo da lagoa corrobora
com o odor desagradável da laguna (MONTÃNO, 2002).
A maioria dos impactos que são provocados na área está relacionada à ocupação
desordenada e a falta de planejamento que proporcionam os mais variados tipos de
degradação inclusive a degradação estética e paisagística que trás tanto prejuízos
aos usuários da laguna que são impedidos de fazer usufruto da pesca por causa do
aumento da mortandade dos peixes quanto para as atividades turísticas e
comerciais, que acabam por trazer investimentos financeiros significativos aos mais
variados empreendimentos (RIBEIRO, 1988).
4.2 O Plano de Revitalização
Foram desenvolvidos poucos os projetos para revitalização da Lagoa da Jansen,
onde foram utilizados vários milhões de reais para colocar em vigor a proposta
prevista no Plano Diretor de São Luís (2000) de colocar a mesma como um dos
principais cenários turísticos da cidade. No entanto, os projetos milionários se
mostram apenas paliativos levando em consideração que os mesmos não foram
desenvolvidos integralmente pelo governo vigente.
Atividades desenvolvidas (MARANHÃO e MARANHÃO, 1993):
• Projeto Paisagístico que utilizou atributos estéticos e entretenimento, os quais
tiveram efeitos positivos no que tange a disposição dos resíduos sólidos;
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• Aeradores artificiais colocados para amenizar a condição anóxica da água
• Desvio e tratamento do esgoto jogado na lagoa contribuiriam para conter a
proliferação das macrófitas e da condição anóxica do ambiente, assim
reduziria a decomposição de matéria orgânica na área.
• Aumento da taxa de renovação pelo influxo da maré para a melhoria na
qualidade do corpo d‟água.
4.3 A percepção ambiental dos usuários
Percepção pode ser definida como sendo uma tomada de consciência e
sensibilização do ambiente pelo homem, ou seja, o ato de perceber o ambiente que
se está inserido, aprendendo a proteger, cuidar e usufruir dos atributos do mesmo.
Para a interpretação dos dados, foi feita a caracterização dos usuários entrevistados
e das condições climáticas no momento da entrevista, a fim de observar
características inerentes ao gênero, faixa etária e condições climáticas que poderiam
influenciar nas respostas, tais fatores constituem a percepção que os usuários e
freqüentadores da lagoa da Jansen tem do ambiente(DOBBERT et al, 2009). O
gráfico 1 apresenta o gênero dos entrevistados no presente estudo.
Gráfico 1: Gênero dos usuários entrevistados. Fonte: Dados da pesquisa
Quanto ao gênero dos entrevistados o sexo feminino e o masculino quase se
equipararam, sendo 54,3% dos entrevistados - do sexo feminino e 45,7% do sexo
masculino. A idade e o sexo dos indivíduos têm influencia direta na preferência
térmica, isso devido ao fato de que as pessoas do sexo feminino possuir uma taxa
metabólica mais lenta que as do sexo masculino; assim, as temperaturas ideais para
mulheres geralmente apresenta-se 1ºC acima das temperaturas ideais para homens,
na relação idade e sexo verifica-se que o metabolismo de uma pessoa idosa é mais
lento que o de uma pessoa jovem, as pessoas mais velhas preferem, portanto,
temperaturas mais elevadas, e as mulheres durante o período de climatério têm
preferência por temperaturas mais baixas (GIRALD, 2006).
45,7%
54,3%
Masc Fem
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Dentro dos grupos entrevistados verificou-se uma gama diversificada de faixas
etárias, onde a idade dos usuários variou de 13 a mais de 65 anos de idade dos
usuários, como pode ser observado no Gráfico 2.
Gráfico 2: Distribuição da faixa etária dos entrevistados.Fonte: Dados da Pesquisa
A presença do público mais jovem com idade predominante entre 20 e 44 anos pode
ser constatado na figura 5. O fato de crianças e idosos freqüentarem pouco o parque
pode estar relacionado à questão da segurança local, que tanto para crianças como
para idosos se mostra deficiente devido à iluminação insuficiente no período da noite
e o tráfego de veículos próximo à lagoa, a ocorrência de assaltos, segundo relatos
da guarda local também é fator a ser considerado.
A maioria dos entrevistados declarou que o motivo por estarem no parque seria pela
intenção de melhorar a saúde, através da prática de caminhadas e esportes. Apenas
14,8% declararam ser devido à proximidade de sua residência, o que confirma o
baixo índice de freqüentadores que residem nas moradias mais simples próximas ao
parque.
Gráfico 3: Principais motivos alegados pelos usuários em freqüentar os locais avaliados no presente estudo. Fonte: Dados da Pesquisa
Os usuários entrevistados citaram diversas modificações segundo eles necessárias
para melhora do parque, sendo que mais da metade sugeriu mais espaços para
lazer (55,6%), outra necessidade segundo os entrevistados seria a implantação de
34,6%
8,6%7,4% 1,2% 4,9%
16,0%
27,2%
13-19 20 - 24 25-34 35-44 45-54 55-64 >65
8,6%
17,3%
11,1%
11,1% 14,8%
37,0%
saúde proximidade a residência passeio trabalho outros não opinou
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mais vegetação (24,7%), e (25,9%) sentiu a necessidade de mais sombra, o restante
deu sugestões variadas como bancos, iluminação, segurança entre outros.
Gráfico 4: Principais reivindicações de infra-estruturas segundo os usuários do parque da lagoa da Jansen. Fonte: Dados da Pesquisa
5 CONCLUSÃO
Na maioria das vezes a questão ambiental é trabalhada de forma alarmista, porém
sem grandes políticas de planejamento e fiscalização, o que proporciona certa
impunidade. Mesmo assim grandes avanços técnico-científicos indicam a melhor
maneira de perpetuação ou conservação dos recursos naturais.
Na área da Laguna da Jansen a construção de conjuntos habitacionais ocorreu à
supervalorização da área entrando em contraste com as ocupações desordenadas,
resultando na segregação sócio-espacial, pois não há envolvimento cultural entre
classes e existe uma demarcação social no espaço.
Aliada à criação da unidade de conservação, aos projetos de saneamento ambiental
e de urbanização concorreram para sua revalorização em termos de usos
residenciais, comerciais e turísticos, revelando os contrastes de uma sociedade
desigual uma vez que ocupações desordenadas permaneceram. As ações em
termos de mitigações, por isso, tiveram resultados aquém do divulgado pelo poder
de gestão estadual haja vista que o odor derivado das águas da laguna continua e
se de um lado afugenta o turista, de outro compromete a qualidade de vida do
morador de suas imediações. As relações sociais, com efeito, foram afetadas pela
dinamização econômica das ações induzidas pelo Estado e se expressam pela
introdução de novos usos e valores em que serve como exemplo a especulação de
incorporadoras que almejam à apropriação do espaço geográfico enfatizado.
As melhorias a serem realizadas no local e seu entorno, na opinião dos
entrevistados, seriam: a implantação de vegetação (24,7%), mais sombreamento
para melhoria do conforto climático (25,9%), aumento dos espaços para lazer
77,8%
24,7%
25,9%
55,6%
mais vegetação mais sombra mais espaços p/lazer outros
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(55,6%) e entre os 77,8% dos usuários que solicitaram outras melhorias, destaca-se
a melhoria da segurança (63%), o fator segurança apontado por mais da metade dos
entrevistados aponta a vulnerabilidade do local. A partir desse levantamento pôde-se
constatar que o Parque da Lagoa, por ser pouco utilizado pode não estar cumprindo
de maneira satisfatória o seu papel.
As relações sociais são afetadas pela dinamização econômica destas ações e
especulações de grandes empresas que proporcionam diferenciações na forma de
apropriação do espaço evidenciando contrastes e disparidades sócio-espaciais já
que grande parte do que é proposto no Plano Diretor de São Luís não foi colocado
em prática bem como o Projeto de revitalização da área.
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3 A ROTA DO EMPREENDEDORISMO NO MARANHÃO: MAPEAMENTO DOS
EMPREENDIMENTOS QUE INTEGRAM A ATUAL POLÍTICA DO GOVERNO DO
ESTADO
Bianca Sampaio Correa; Zulene Muniz Barbosa
RESUMO
Este trabalho é fruto de um relatório de pesquisa e tem como objetivo geral mapear
os principais empreendimentos no Maranhão na “nova década,” tendo como foco as
possíveis alterações sócio- econômicas e culturais provocadas pela Refinaria
Premium I, no conjunto de municípios da Micro- Região de Rosário com o propósito
de perceber e compreender os seus efeitos de médio e longo prazo. Mais
especificamente, a partir das discussões teóricas acerca de conceitos sobre
desenvolvimento social, econômico e regional, o trabalho visa perceber as relações
sociais já trazidas pela Refinaria Premium I nesta fase de implantação. É ainda
objetivo do trabalho analisar os impactos sobre as condições socioeconômicas sobre
os moradores e suas relações de trabalho.
Palavras-chave: empreendimentos no Maranhão; Refinaria Premium I; impactos socioeconômicos.
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1 APRESENTAÇÃO
O presente projeto de pesquisa intitulado de impactos sócio- econômicos da
Refinaria Premium I, na Micro- Região de Rosário pode ser remontado ao cenário de
um Estado, onde durante muitas décadas esteve praticamente isolado do restante
dos estados brasileiro. Entretanto na segunda metade da década de 1950 se integra
a dinâmica do desenvolvimento capitalista, e suas crises, vinculadas á lógica do
capitalismo brasileiro. A partir dos anos de 1960 e 1970 foram desenvolvidos
projetos de infraestrutura, sendo construídas linhas férreas e rodovias. O Estado do
Maranhão foi interligado a outras regiões do Brasil, fato que proporcionou o
escoamento da produção e o consequente desenvolvimento articulado à dinâmica
do capitalismo industrial inaugurado nos anos JK. Na década de 1970 houve
investimentos na agropecuária, extrativismo vegetal e mineral, estimulados por
incentivos fiscais das superintendências do desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)
e do Nordeste (SUDENE).
A partir de Carajás, o Produto Interno Bruto do Estado (PIB) triplicou, porém não
contribuiu para o desenvolvimento social do Estado, ao contrario aumentou as
desigualdades sociais e os níveis de pobreza. Hoje, apesar do Maranhão e a sua
capital estarem diante de um dos maiores desafios da sua história, sobretudo, no
que diz respeito a atual política desenvolvimentista do governo. O documento
“Maranhão na nova década” anuncia grandes empreendimentos econômicos, entre
eles destacam-se: a Brascopper (que está instalando uma fábrica de cabos e fios de
alumínio); a termelétrica da MPX Itaqui (em fase final de construção), a Votorantim
Cimentos (grupo formado por empresários italianos e brasileiros também constroem
fábrica de cimento na capital). Destacando ainda nas Regiões Sul e Sudeste do
estado que recebem grandes empreendimentos como a fábrica da Suzano Papel e
Celulose, em Imperatriz; o complexo avícola da Notaro, em Balsas; uma
esmagadora de soja em Porto Franco, além da hidrelétrica de Estreito. No setor de
comércio e serviços, podem-se citar os supermercados Maciel e Mateus ampliam
suas redes. Só o Mateus abriu cinco lojas novas ano passado em São Luís. Diante
de todo esse crescimento e oportunidades pose-se almejar um gigantesco
desenvolvimento como resultado do crescimento econômico em todo o Maranhão.
Todavia, mesmo com a implantação de empreendimentos econômicos o cenário do
Estado de alguns anos atrás se repete, sobretudo, porque como já mencionado
acima as desigualdades sociais e também econômicas ainda imperam. Diante desse
cenário atual do Maranhão a presente pesquisa tem por objeto mapear os principais
empreendimentos para o Maranhão na nova década com foco voltado para a
Refinaria Premium I, na Micro- Região de Rosário – esta é a nossa referência
empírica tendo em vista que a refinaria trará possíveis impactos não só para a São
Luis, mas também para a população da Micro- Região do Rosário das possíveis
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alterações (que já estão em curso), principalmente, quanto à questão sócio-
econômica. Este subprojeto se articula às reflexões do projeto de pesquisa: “A
Modernização Industrial do „Novo Maranhão‟: Impactos Socioeconômicos e
Ambientais da Implantação da Refinaria Premium I na Micro-Região de Rosário”, da
professora Zulene Muniz Barbosa.
O Estado possui inúmeras riquezas e tem grandes oportunidades de crescimento,
mas se ainda existem um número significativo do índice de pobreza isso se deve
aos modelos de desenvolvimento historicamente implantados – riqueza concentrada,
mas também por uma política de pão e circo comandada pelas oligarquias locais
que não corresponde aos interesses da maioria da população maranhense. Este
fato se evidencia, sobretudo, porque, no Maranhão ainda há uma excessiva
centralização de gestão pública; daí um dos motivos do processo de
“desenvolvimento” no Estado ocorrer de forma descontínua. . Pode- se perceber o
paradoxo entre o potencial econômico e as próprias desigualdades; também a baixa
internacionalização de políticas públicas, no interior do Estado. Com a alienação da
população; há um fraco desenvolvimento local, em especial nos municípios, entre
outras.
Não se pode almejar que haja desenvolvimento sócio- econômico somente tendo em
vista o aspecto do próprio crescimento econômico. Celso Furtado (2001), cuja
contribuição foi a de combinar uma concepção ampliada do processo histórico do
desenvolvimento econômico com suas implicações sociopolíticas, afirma que o
desenvolvimento econômico significa mais do que o simples crescimento da
economia ou acumulação de capital, porque, além de representar o incremento da
capacidade produtiva, implica também a irradiação do progresso para o grosso da
sociedade, no sentido de homogeneizá-la e, afirma também que a única alternativa
para a modernização é o desenvolvimento. Milton Santos (2003) vê o
desenvolvimento, como um processo histórico e está associado aos momentos
históricos de cada região. Diante de processos tão complexos de um Estado que,
combina relações capitalistas (modernas) e pré- capitalistas (ditas atrasadas no
plano político) a nossa pesquisa se propõe aprofundar as diversas dimensões do
desenvolvimento. Busca responder o que vem a ser desenvolvimento regional?
A perspectiva é, portanto,examinar se a Refinaria trará ou não o desenvolvimento
regional, o qual segundo Perroux estará sempre ligado ao seu pólo, o qual é o
centro dinâmico de uma região de seu entorno. São Luis por ser uma cidade pólo já
desponta com um portifólio de empreendimentos e, acaba tendo os reflexos de
projetos localizados nas proximidades da Ilha, como é o caso da Refinaria Premium
I, da Petrobrás, em Bacabeira, cidade distante a 60 km de São Luis.
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2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
• Mapear os principais empreendimentos no Maranhão na “nova década,”
tendo como foco as possíveis alterações sócio- econômicas e culturais
provocadas pela Refinaria Premium I, no conjunto de municípios da Micro-
Região de Rosário com o propósito de perceber e compreender os seus
efeitos de médio e longo prazo.
2.2 Objetivos Específicos
• Partindo das discussões teóricas acerca de conceitos sobre desenvolvimento
social, econômico e regional, perceber as relações sociais já trazidas pela
Refinaria Premium I nesta fase de implantação.
• Analisar os impactos sobre as condições socioeconômicas sobre os
moradores e suas relações de trabalho.
3 METODOLOGIA
O processo da pesquisa terá dois momentos articulados. O primeiro se constituirá do
levantamento bibliográfico referentes aos empreendimentos econômicos do
Maranhão, em especial, sobre a Refinaria Premium I, além de leituras no tocante
aos aspectos geográficos, econômicos e políticos do Maranhão e de Bacabeira. Os
resultados obtidos nesta primeira fase da pesquisa serão expostos sobre a forma de
relatório parcial. O projeto prosseguirá no segundo momento com a pesquisa
empírica, a partir da qual faremos o levantamento em toda a área da Micro- Região
de Rosário, especificamente nas áreas próximas de implantação da Refinaria.
Sendo que o recorte espacial usado será o município de Bacabeira, localizado a 60
km da capital. Para a viabilização do trabalho, usaremos de aplicação de
questionários, entrevistas, análise dos dados coletados e dos documentos oficias,
assim como do aprofundamento de leituras.
4. RESULTADOS PARCIAIS
4.1 Leitura e Análise Bibliográfica
No processo de realização da presente pesquisa, procuramos nos deter a leituras
dos documentos referentes tanto à Refinaria Premium I, quanto aos grandes
empreendimentos econômicos e usamos o documento Maranhão na Nova Década e
também, o documento Petrobrás/Abastecimento, de Sandra Lima de Oliveira; Neste
procuramos nos aprofundar sobre conceitos de desenvolvimento, globalização,
Estado nacional, grandes projetos, entre outros.
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Para compreendermos sobre Desenvolvimento, usamos obras como:
Desenvolvimento Desigual, de Neil Smith; o artigo sobre Diálogos Entre Milton
Santos e Celso Furtado (Uma Aproximação de Pensadores do Brasil), de
Eduardo MARCUSO-UNESP/CAMPUS Rio Claro; o livro, uma nova fase do
capitalismo? De Chesnais, Duménil, Lévy e Wallerstein; usamos também a obra O
Capital livro I volume II (capítulo XXIV-que relata o processo de acumulação
primitiva na Inglaterra de Karl Marx; também o livro O Desenvolvimento do
Capitalismo na Rússia volume I, de Lênin que discute o desenvolvimento numa
Rússia Czarista ; a obra A Mundialização do Capital, de François Chesnais; sobre
Globalização usamos a obra Sociologia: Introdução à Ciência da Sociedade, de
Cristina Costa; sobre Estado Nacional utilizamos artigos como: Estado Nacional e
Globalização: O Discurso de uma Crise e a Crise de um discurso, de François
de oliveira Ferreira; e também o artigo A Relação Estado Mercado e o Tipo de
Definição da Ordem Global, de Raquel Lorensini Alberti; sobre Grandes Projetos
um dos documentos usados foi Nordeste: Heranças, Oportunidades e Desafios,
de Tânia Bacelar.
4.2 Participações em Eventos
Durante esse primeiro momento da pesquisa, participamos de alguns debates e
seminários na área das ciências humanas. Participamos, entre outros, do debate
sobre Política de Desenvolvimento, na UEMA e, também dos seminários: Diálogo
de Saberes: As Ciências Sociais e as Novas Epistemologias, na UEMA; VII
Seminário de Dezembro (Formação Humana: Desafios da Contemporaneidade),
no auditório do Ministério Público; XI Encontro Humanístico: Diversidade, na
UFMA. Todos esses debates e seminários participamos como ouvinte.
4.3 Resultados Alcançados
O Estado do Maranhão está situado na extremidade ocidental da Região Nordeste
do Brasil e possui 217 municípios. O clima varia entre o nordestino e o da região
amazônica, além de uma cobertura vegetal recoberta por florestas tropicais,
caatinga e cerrados. Nesta extensão territorial os rios Mearim, Pindaré e Itapecuru
com seus afluentes constituem uma diversificada e rica bacia hidrográfica. Com uma
área de 331.935,507 km, a sua população 6.574.789 (2010) o que corresponde a
uma densidade populacional de 19.81 hab/km.
O Estado está dividido em 07 (sete) Mesorregiões – Norte, Metropolitana, Baixada e
Litoral Ocidental, Centro Maranhense, Leste, Oeste e Sul. Possuiuma base
econômica assentada na produção agrícola, no extrativismo vegetal, nos serviços e,
secundariamente, em atividades industriais que se desenvolveram, principalmente,
no bojo do programa grande Carajás. Por outro lado, se constitui o segundo maior
litoral do Brasil, sendo, pois, uns dos Estados mais ricos em belezas naturais além
de um dos mais diversificados centro histórico, localizado na capital São Luis. O
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Maranhão possui também rico artesanato e uma culinária diferenciada. Em
conformidade com isso, os dados do Brasilsite (2011) “o maranhão aumentou a
produção de grãos, em 2000, e teve significativo crescimento industrial, de acordo
com a SUDENE”, mas apesar disso, está entre os mais pobres do nordeste,
possuindo ainda renda per capita inferior à do Estado do Piauí, conforme o IPEA-
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada.
Diante desse cenário é possível perceber que o Maranhão, desde os anos 1970
passou por diversos surtos industriais (a opção foi o desenvolvimento centrado nos
grandes projetos e ou na modernização industrial quanto aos novos
empreendimentos econômicos citamos alguns deles na tabela abaixo):
Empreendimento Localização Expectativas
Refinaria Premium I Município de Bacabeira Será a maior das américas –
terá capacidade de produzir 600
mil barris/dia e, inicialmente
produzirá diesel, nafta
petroquímica, GLP e querosene
de aviação.
Terminal Portuário do
Mearim
Município de Bacabeira O terminal terá atracadouros
para graneis líquidos e sólidos,
além de um píer específico para
cargas siderúrgicas com
capacidade para atender navios
de 43 a 72 mil toneladas, e mais
uma área de 950 mil metros de
retroporto.
Suzano Imperatriz A sua fábrica terá capacidade
para produzir 15 milhões de
toneladas de celulose de
eucalipto por ano e deve gerar
3,5 mil empregos diretos, sendo
mil na área industrial, além de
15 mil postos de trabalho
indiretos.
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A mineração das empresas
Aurizona e Jaquar Mining
Aurizona - município de
Godofredo Viana e Jaquar
Mining - município de
Centro Novo do Maranhão
As empresas Aurizona e Jaquar
Mining, devem gerar quase três
mil empregos, entre diretos e
indiretos e a área de atuação
destas integra o Cinturão do
Gurupi, que inclui o nordeste do
Pará e o noroeste do Maranhão.
AmBev São Luis A sua duplicação e a construção
de um centro de distribuição
direta em São Luis absorverão
recursos de 144 milhões de um
total de 2 bilhões investidos em
todo o país. Do total destinado
ao Maranhão, 10 milhões serão
utilizados na construção de uma
nova linha de transmissão de
energia elétrica de 60 KV, em
parceria com a Companhia
energética do Maranhão-
Cemar.
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Companhia Siderúrgica do
Mearim e a retomada da
produção de ferro- gusa da
unidade da margusa
A Companhia Siderúrgica
do Mearim será implantada
em Bacabeira e a produção
de ferro gusa da unidade da
margusa será em Açailândia
O projeto da Companhia
Siderúrgica do Mearim- CSM, do
grupo Aurizônia
Empreendimentos inclui um
terminal portuário e a primeira
etapa está prevista para operar
em 2016 e terá capacidade para
produzir 2,5 milhões de
toneladas/ano de placas de aço.
O empreendimento da produção
de ferro-gusa deverá empregar
até 1,3 mil trabalhadores e a sua
unidade de 250 mil metros
quadrados de área construída
vai produzir 500 mil
toneladas/ano de tarugos de
aço.
Brascoper São Luis Pretende, a partir de sua
unidade no Maranhão, tornar-se
competitiva em todo o mundo. A
produção visa atender ao
mercado nacional de
transmissão e distribuição de
energia.
O projeto prevê ainda, em sua
segunda fase a produção de fios
elétricos esmaltados para a
fabricação de transformadores e
motores.
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O Grupo Notaro Alimentos
Outro projeto estratégico
para efetivar o
adensamento da cadeia da
soja no Maranhão é a
implantação da ABC Inco,
empresa da divisão agro do
Grupo Algar,
tradicionalmente voltado
para o setor de
telecomunicações, em
Minas Gerais.
O complexo avícola do
Grupo Notaro Alimentos
será em Balsas; a empresa
ABC Inco e sua unidade de
esmagamento de grãos
será implantada no
município de Porto Franco,
próximo à Imperatriz.
O projeto do Grupo Notaro
Alimentos prevê a criação em
granja de matrizes e pintos,
incubadora, fábrica de ração,
beneficiadora de soja para a
produção de óleo e farelo.
O abatedouro industrial terá
capacidade de abate de 150 mil
aves/dia. Vai gerar 3.800
empregos diretos e indiretos.
Metade da produção será
destinada ao mercado interno e
o restante ao externo.
A empresa ABC Inco tem
capacidade de processamento
de 1,5 mil toneladas de
grãos/dia, representando mais
de 30% da produção da soja no
estado.
Votorantim Cimentos
São Luis A Votorantim Cimentos
produzirá 750 mil toneladas/ano
na sua unidade maranhense.
Empreendimentos
hoteleiros pertencentes a
grupos genuinamente
maranhenses como o grupo
Solare, Veleiros, hotel
Panorama e Ibis.
São Luis A rede hoteleira Solare tem
previsão de três hotéis, o
Veleiros, já está operando com
222 apartamentos e os hotéis
Panorama, com 70
apartamentos e o hotel da rede
Ibis em construção na Avenida
dos Holandeses.
Programa Meu Primeiro
Emprego
São Luis Visa aumentar a quantidade de
jovens iniciantes a terem a sua
carteira de trabalho assinada.
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Shopping Rio Anil e
Shopping da Ilha, este
último empreendimento do
grupo Sá Cavalcante.
São Luis Visam o aumento da massa
salarial e do crescimento de
empregos gerados pelas
empresas que chegam no
Estado.
Grupo Carrefour, Mateus,
Maciel.
São Luis O Grupo Carrefour investiu 35
milhões na construção de um
atacadão. O empreendimento
gerou 900 novos empregos,
sendo 350 diretos.
O Grupo Mateus já
desembolsou 60 milhões em
cinco lojas, sendo quatro em
São Luis e uma em Imperatriz.
O Supermercado Maciel estima
investir cerca de 65 milhões no
biênio 2010/2011.
Obra do Terminal de Grãos
do Maranhão (Tegram) da
Emap.
O terminal de Grãos do
Maranhão ficará na retroária
do berço 103.
A Empresa Maranhense de
Administração Portuária- Emap,
através do projeto Tegram visa
eliminar os gargalos do
escoamento da produção de
grãos de toda uma região
(corredor centro-norte).
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Usinas Termelétricas: UTE
Parnaíba; UTE do grupo
MPX ITAQUI e a Gera
Maranhão do Grupo
Geranorte.
A usina termelétrica
Parnaíba ficará em Santo
Antônio dos Lopes; a
termelétrica ITAQUI em São
Luis e a Gera Maranhão em
Miranda do Norte.
A termelétrica Parnaíba terá um
investimento de 4 bilhões, com
capacidade de 1863 MW e em
sua fase de construção com
3.700 empregos diretos e na
fase de operação com 480
empregos indiretos e diretos.
A Termelétrica ITAQUI tem um
investimento de 1,8 bilhões com
capacidade de 360 MW e 6000
empregos diretos e indiretos.
A Termelétrica Gera Maranhão
tem um investimento de 600
milhões com capacidade de 330
MW, além de 3000 empregos
diretos e indiretos.
Hidrelétrica de Estreito Sudoeste do Maranhão A Hidrelétrica de Estreito possui
4 bilhões em seu investimento e
sua capacidade é de 1.0687
MW, além de 7.500 empregos
diretos na obra.
Fonte: Maranhão na Nova Década
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o levantamento bibliográfico, nesta primeira etapa, a segunda etapa
se centrará na pesquisa empírica, focado no município de Bacabeira. Para tanto nos
utilizaremos de relatos orais, questionários, entrevistas e observação participante. O
objetivo é captar as rápidas mudanças e seus diversos impactos na vida dos
moradores.
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Raquel Lorensini. Artigo A Relação Estado x Mercado e o Tipo de
Definição da Ordem Global.
ARAÚJO, Tânia Bacelar. Nordeste, Oportunidades e Desafios.
ALMEIDA, Lúcio Flávio. Artigo a Mundialização do Capital de François Chesnais
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48
CASTRO, Edna. Artigo Tradição e Modernidade.
COSTA, Wagner Cabral. Artigo Do Maranhão Novo ao Novo Tempo: A Trajetória
da Oligarquia Sarney no Maranhão.
COSTA, Cristina. Sociologia: Introdução à Ciência da Sociedade. 3ª ed. São
Paulo: Moderna,2005.
CIMA, Elizabeth Giron, AMORIM, Luci Suzana Bedin. Artigo Desenvolvimento
Regional e Organização do Espaço: Uma Análise do Desenvolvimento Local e
Regional Através do Processo de Difusão e Inovação.
CHESNAIS, François, DUMÉNIL, Gérard, LÉVY, Dominique, IMMANUEL,
Wallerstein. Uma Nova Fase do Capitalismo? São Paulo: Xamã, 2003.
Documento Maranhão na Nova Década
FERREIRA, François de Oliveira. Artigo Estado Nacional e Globalização: O
Discurso de uma Crise e a Crise de um Discurso.
LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia Volume II.
3ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
MARX, Karl. O Capital. Volume II. Civilização Brasileira.
MUNIZ, Zulene Barbosa. Maranhão, Brasil: Lutas de Classes e Reestruturação
Produtiva em uma Nova Rodada de Tansnacionalização do Capitalismo. Uema,
2006.
MARCUSO, Eduardo. Artigo Diálogos entre Milton Santos e Celso Furtado: Uma
Aproximação de Pensadores do Brasil. UNESP/Campus, Rio Claro.
OLIVEIRA, Sandra Lima. Documento Petrobrás/ Abastecimento.
SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual: Natureza, Capital e a Produção do
Espaço.Bertrand Brasil,1984.
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4 PESCA ARTESANAL EM PAÇO DO LUMIAR, MARANHÃO
Clarissa Pinto Boullosa15, Camila Ribeiro Bittencourt 16, Renato Pereira Ribeiro17, Clarissa
Lobato da Costa18,Isabela dos Santos Mendonça19
RESUMO
As pescarias artesanais, tanto costeiras como fluviais, fornecem alimentos e emprego para muitas pessoas, especialmente nos países tropicais e em desenvolvimento, onde geralmente a maioria do pescado consumido é capturado por pescadores artesanais. Aspectos como o tamanho mínimo da captura, incidência do esforço de pesca sobre poucas espécies de peixes, evolução do poder de pesca, apetrechos de pesca utilizados, conflitos de uso e declínio do recurso explorado, são alguns itens fundamentais para a caracterização do cenário atual, avaliação da sustentabilidade da atividade pesqueira e subsídios para a elaboração de planos de manejos. No Brasil, a produção pesqueira artesanal é maior na região Norte (136.588 toneladas em 2002) seguida das regiões Nordeste (97.240 toneladas), Sudeste (33.400 toneladas) e Sul (14.100 toneladas), sendo que nas regiões Norte e Nordeste os desembarques são predominantemente artesanais. A área de estudo é o município de Paço do Lumiar, 104.881 habitantes, onde a pesca artesanalé uma de suas principais atividades. Na localidade existe uma Colônia de pescadores e um Sindicato dos Trabalhadores na Pesca Artesanal e Aquicultura no município de Paço do Lumiar, que tem em torno de 5.000 associados e está vinculada à Secretaria de Produção e Abastecimento do Município. O presente artigo tem como objetivo a identificação dos pescadores que atuam na região, caracterização da pesca artesanal - enfocando a utilização dos recursos pesqueiros pelos pescadores artesanais -, avaliação da pesca artesanal do ponto de vista de sua sustentabilidade, além do levantamento das principais espécies comercializadas no local. A metodologia empregada foi a aplicação de questionários de linguagem simples, com 28 pescadores maiores de 18 anos sendo estes mais novos e mais antigos na região, seguida de posterior comparação das respostas e análise dos dados.
Palavras-chave: Pesca artesanal, Paço do Lumiar, produção pesqueira
15
Bolsista PIBIC/IFMA – 2011/2012; [email protected] 16
Aluna do Curso de Licenciatura em Biologia IFMA; [email protected] 17
Aluno do Curso de Licenciatura em Biologia IFMA [email protected] 18
Professora Msc. do Ensino Básico Técnico e Tecnológico – IFMA; [email protected] 19
Professora Msc. do Ensino Básico Técnico e Tecnológico – IFMA; [email protected]
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1 INTRODUÇÃO
As pescarias artesanais, tanto costeiras como fluviais, fornecem alimentos e
emprego para muitas populações humanas, especialmente nos países tropicais e
em desenvolvimento, onde geralmente a maioria do pescado consumido é capturada
por pescadores artesanais (Derman & Ferguson, 1995; Lim et al.,1995: in Begossi,
2004). Tais pescarias são de natureza complexa e imprevisível, envolvendo grande
variedade de técnicas de pesca utilizadas e grande diversidade de espécies de
pescado capturadas (Polunin & Roberts, 1996; Sivano et al., 2002: in Begossi,
2004).
Aspectos como o tamanho mínimo da captura, incidência do esforço de pesca sobre
poucas espécies de peixes, atuação da pesca em sítios de reprodução, evolução do
poder de pesca, apetrechos de pesca utilizados, conflitos de uso e declínio do
recurso explorado, são alguns itens fundamentais para a caracterização do cenário
atual, avaliação da sustentabilidade da pesca e subsídios para o plano de manejos
futuros (Souza, 2004). Existem evidencias de que a pesca artesanal pode ocasionar
redução no estoque de peixes explorados, especialmente com relação aos peixes de
interesse comercial. Estudos apontam a necessidade de se efetuar o manejo da
pesca artesanal de forma participativa e democrática, envolvendo a comunidade, de
modo diferente do que ocorre atualmente, onde as estratégias de manejos são
impostas por instituições governamentais nacionais, desconsiderando as
comunidades de pescadores artesanais que possuem maior dependência e
conhecimento sobre os recursos pesqueiros.
Em se tratando de Brasil, a produção pesqueira artesanal é maior na região Norte
(136.588 toneladas em 2002) seguidas das regiões Nordeste (97.240 toneladas),
Sudeste (33.400 toneladas) e Sul (14.100 toneladas), sendo que nas regiões Norte e
Nordeste os desembarques são predominantemente artesanais (IBAMA, 2007).
Estudos realizados por Kalikoski e Silva (2007) apontam que a pesca artesanal no
Brasil está em crise. Essa crise tem como principais indicadores o decréscimo da
abundância dos recursos pesqueiros, além do empobrecimento e a marginalização
histórica das comunidades tradicionais.
A área de estudo, o município de Paço do Lumiar, tem como uma de suas principais
atividades a pesca artesanal. Na localidade existem cerca de trezentos pescadores
e uma Colônia, que contribui na organização da atividade no município, além de um
setor de Aquicultura e Pesca, vinculada à Secretaria de Produção e Abastecimento.
A produção da região abastece o município e uma pequena parte dela segue para
São Luís. Há poucos estudos sobre a atividade pesqueira e o modo de vida do
pescador na região, daí a importância da realização do projeto, no sentido de
caracterizar a pesca artesanal na região.
III SEDMMA conflitos ambientais, mobilizações e alternativas ao desenvolvimento –23 a 25 de maio de 2012,
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2 METODOLOGIA
O Município de Paço do Lumiar situa-se a 2o 30‟ LS e 44o 7‟ LW, na Ilha de São
Luís, Estado do Maranhão, tendo uma altitude média de 15 m. A vegetação
caracteriza-se pela presença de capoeiras e manguezais, sendo intenso o
desmatamento que vem acontecendo nas últimas duas décadas. (IBGE, 1984). O
clima é tropical mesotérmico e úmido, com duas estações bem-definidas. A chuvosa,
de janeiro a junho, concentra, em média, cerca de 94% do total anual das chuvas; a
estação seca, de junho a dezembro, concentra apenas 6%. O total pluviométrico
médio é de 1.900 mm anuais. As temperaturas são elevadas durante o ano todo
(média de 26o C) com variação anual pequena, principalmente nos meses de abril,
maio e junho (IBGE, 1984). De acordo com o censo IBGE 2010 a população é de
104.881 habitantes.
Figura 1: Mapa da ilha de São Luís evidenciando o município de Paço do Lumiar
2.1 Métodos utilizados para obtenção dos dados dos pescadores de Paço do
Lumiar.
Desde setembro até o mês de fevereiro foram aplicados 28 questionários, de
linguagem simples, no município de Paço do Lumiar. Os pescadores (3 mulheres e
25 homens) eram maiores de 18 anos, dentre os mais recentes e os mais antigos na
região. Posteriormente foi feita a comparação das respostas e análise dos dados,
além do levantamento bibliográfico com objetivo de subsidiar informações para a
realização do trabalho.
Alguns aspectos como a importância da pesca artesanal no orçamento familiar,
relação com outras atividades econômicas, tempo de pesca, frequência das
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pescarias, locais utilizados para a pesca, métodos e aparelhos utilizados, espécies
mais capturadas e comercializadas, locais de venda e melhores épocas do ano para
a prática da pesca foram analisados.
Tais entrevistas foram realizadas com pescadores do Sindicato de Trabalhadores de
Pesca Artesanal e Aquicultura do município de Paço do Lumiar, que segundo seu
presidente, tem em torno de 5.000 associados dentre eles catadores de caranguejo,
pescadores e marisqueiras, e ainda da Colônia com sede em Pau Deitado, no porto
de Mocajituba e em outras situações onde os pescadores encontravam-se
desenvolvendo a atividade pesqueira.
3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS
A pesquisa de campo realizada no município de Paço do Lumiar – Maranhão tem
como objetivo o levantamento de dados sobre a pesca artesanal na região, onde
nesta há intensa atividade pesqueira desempenhada por comunidades tradicionais
de diferentes faixas etárias, reunidas em um Sindicato de Pesca e Aquicultura
vinculado à Secretaria de Produção e Abastecimento do Município. Além de
alimentar a própria Colônia de pescadores, sua produção abastece tanto a cidade
quanto São Luís e Raposa.
Um questionário foi aplicado a 28 pescadores no decorrer do segundo semestre de
2011 e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2012, com pessoas do Sindicato
dos Trabalhadores na Pesca Artesanal e Aquicultura, da Colônia de pescadores e
no porto de Mocajituba, a fim de identificar os pescadores que atuam na região,
caracterizar a pesca artesanal - enfocando a utilização dos recursos pesqueiros
pelos pescadores artesanais -, avaliar a pesca artesanal do ponto de vista de sua
sustentabilidade, além do levantamento das principais espécies comercializadas no
local.
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Figura 2: foto do pescador tirada no Porto de Mocajituba – Paço do Lumiar/MA
3.1 Os pescadores artesanais
Os dados abaixo, referentes às informações dos pescadores artesanais do
município de Paço do Lumiar, caracterizam a atividade pesqueira sendo realizada
em sua maioria pelo sexo masculino com diferentes faixas etárias e índice elevado
de pessoas mais velhas, entre 51 e 60 anos. A maior parte dos entrevistados tem o
ensino fundamental incompleto e a renda com a pesca é em média 50% para 1 a 2
salários mínimos. Há ainda aqueles que têm outras atividades além da pesca, onde
39,28% ganha mais que um salário, porém, a maioria dos entrevistados disse que
não realiza outra atividade além da pesca (ver Tabela 1).
Tabela 1: Informações sobre os pescadores de Paço do Lumiar (28 entrevistados).
Dados gerais (%)
Idade
1 a 10 0
11 a 20 3,57
21 a 30 3,57
31 a 40 14,28
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41 a 50 21,42
51 a 60 39,28
61 a 70 10,71
71 a 80 7,14
81 0 Sexo
Masculino 89,3 Feminino 10,71
Escolaridade
Fundamental Incompleto 64,28
Fundamental Completo 10,71
Médio incompleto 7,14
Médio completo 3,57
Analfabeto 14,28
Números de pessoas na mesma casa
1 a 5 67,85
6 a 10 17,85
11 a 15 14,28
16 0
Renda com a pesca
Menor que 1 salário mínimo 39,28
De 1 a 2 salários mínimos 50
Mais de 2 salários mínimos 10,71
Renda com outras atividades
Não há renda 53,57
Menor que 1 salário 7,14
Mais de 1 salário 39,28
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3.2 Equipamentos e técnicas utilizadas
Os equipamentos citados pelos entrevistados foram barco a remo, canoa a motor e
barco a motor, tendo maior porcentagem a canoa a motor (ver Gráfico 1). Segundo
os pescadores, os materiais utilizados na pesca hoje são mais sofisticados em
relação aos anos passados, como exemplo a evolução não malhas de pesca assim
como o uso de canoas e barcos a motor. Os maiores anos de prática na atividade
pesqueira foram entre 11 a 30 anos. Essa atividade é retratada com característica
semanal por 65,85% dos entrevistados, levando em torno de 6 horas de viagem para
ida e mais 6 horas para a volta permanecendo no local por 3 ou 4 dias, trabalhando
tanto com mão-de-obra familiar como com outros pescadores. Humberto de
Campos, Carrapatal (Farol de Santana), Mocajituba e Curupu foram citados como
melhores locais para a pesca. Em relação à melhor época do ano, houve uma
divisão quase que semelhante nos resultados, sendo 46,42% preferindo o tempo
seco, 42,85% tempo chuvoso e apenas 10,71% disse que não há preferência por
tais épocas. Sobre os melhores meses, em sua maioria, 39,28% disseram que
preferem os meses de janeiro a julho, sendo que a hora do dia não influencia na
prática. A maior parte dos entrevistados reconhece que tanto a maré quanto a Lua
influenciam na atividade pesqueira sendo respectivamente melhor a maré cheia e a
Lua Cheia.
Gráfico 1: Equipamentos utilizados pelos pescadores
Equipamentos
28,6%
25,0%
46,4%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
50,00%
Barco a motor
Canoa a remo
Canoa a motor
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3.3 Manejos utilizados
Diferentes tipos de petrechos foram mencionados pelos pescadores, tais petrechos
são caracterizados em porcentagem. A tarrafa foi citada como a mais utilizada com
cerca de 23,07% (ver Tabela 2).
Tabela 2: Tipos de petrechos utilizados
Petrechos
utilizados Quantidade Valor %
Caçoeira 3 0,115384615 11,53
Espinhel 1 0,038461538 3,84
Estaca 2 0,076923077 7,69
Gancho 1 0,038461538 3,84
Linha de mão 3 0,115384615 11,53
Molinete 1 0,038461538 3,84
Rede de arrasto 2 0,076923077 7,69
Rede de espera 4 0,153846154 15,38
Rede de
zangaria 3 0,115384615 11,53
Tarrafa 6 0,230769231 23,07
26 1 100
3.4 Espécies mais capturadas e comercializadas
No diz respeito às espécies capturadas, os pescadores citaram diferentes tipos de
pescado porém, dentre eles, os três mais comentados foram o bagre e tainha, com
igual porcentagem – 38,80%, e peixe prata com 14,81%. O comércio é realizado em
reais, feito simultaneamente para revendedores quanto para a população local (ver
Gráfico 2). Tem como espécies mais vendidas a tainha - 75% e o bagre – 14,28% e
não opinaram – 10,71%, com municípios de destino em sua grande maioria: São
Luis e Raposa. Há ainda relatos de que com o passar dos anos a procura pela
atividade pesqueira aumentou, assim como, a disputa pelo espaço, porém há hoje
maior quantidade de venda, com o tamanho do peixe, em sua maioria,
permanecendo o mesmo.
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Gráfico 2: para quem se vende o pescado
3.5 Quanto ao sindicato, colônia e aspectos sociais e ambientais
Dentre os pescadores entrevistados, 46,42% são associados à colônia, 42,9%
associados ao sindicato pagando uma taxa mensal de R$6,00 e 10,71% não faz
parte de nenhuma das duas cooperativas (ver Gráfico 3). Quanto ao auxílio prestado
pela colônia: 53,84% dos associados disseram que esta não ajuda aos pescadores.
Já ao sindicato, 100% dos associados relataram que há grande contribuição por
parte do sindicato e interesse na solução dos seus problemas.
Gráfico 3: Associados a cooperativas
Para quem se vende o pescado
10,7%
32,1%
42,9%
14,3%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
População
Revendedores
População e Revendedores
Outro
Associados a Cooperativas
42,9%
46,4%
10,7%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
50,00%
Sindicato
Colônia
Não faz parte de
cooperativas
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Abrangendo aspectos sociais e ambientais, 89,28% dos pescadores entrevistados
responderam que em época de defeso não recebem o seguro desemprego tendo em
vista que este só é pago na região àqueles que praticam pesca em águas salgadas.
Em relação ao tratamento de esgoto na região, 89,28% disseram que não há
tratamento e que o abastecimento de água em suas residências é feito por poço –
46,42% e por rede pública – 53,57%. Quanto à moradia: 96,42% têm casa própria e
3,57% tem residência cedida, onde o destino do lixo é: 89,2% queimado, 7,14%
enterrado e 3,57% jogado em rio, lago ou mar.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática da pesca artesanal no município de Paço do Lumiar se mostrou
evidentemente caracterizada. Os entrevistados distinguiam-se em faixas etárias
apresentando predominantemente o sexo masculino e maiores de 40 anos. A
maioria não tem outras atividades além da pesca, portanto, retiram desta em torno
de 1 a 2 salários mínimos como renda familiar. Os melhores municípios e tempo de
pesca foram assinalados pelos pescadores em semelhante referência, passam dias
seguidos comendo e dormindo nos barcos com condições precárias em relação a
recursos financeiros e matérias para a prática da pesca não havendo muita
segurança onde acontece desde acidentes leves a graves.
O município de Paço do Lumiar tem um Sindicato (responsável pela comunidade e
sua qualidade de vida) e uma colônia (responsável pela atividade pesqueira, venda
e intermediação), são cooperativas em que não se pode associar-se ao mesmo
tempo. Ao fazer parte do sindicato os associados pagam uma taxa de R$6,00
mensalmente, 100% deles disseram que a cooperativa ajuda e se preocupa com a
comunidade e 53,84% dos entrevistados associados à colônia acham que esta não
contribui.
Observou-se o pouco investimento em recursos financeiros e materiais dos
pescadores, além do descaso do governo e instituições responsáveis em relação a
saúde, saneamento básico e qualidade de vida. Os pescadores entrevistados do
município, em sua maioria, não têm coleta de lixo e arranjam métodos como queimar
e enterrar para dar fim aos resíduos, não há tratamento de esgoto que resulta em
fossas, o abastecimento é feita por poço e não há hospital na região apenas um
posto de saúde. No ponto de vista da sustentabilidade há poucas ações realizadas
para conscientização e conservação da diversidade biológica dos recursos
pesqueiros assim como conservação da diversidade cultural das populações locais.
REFERÊNCIAS
BEGOSI, A. Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São
Paulo: Huicitec: Nepam/Unicamp:Nupaub/Usp: Fapesp, 2004. 322 p.
INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS
RENOVÁVEIS. Nas redes da pesca Artesanal. Brasília, 2007. 308 p.
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IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1984. Atlas do
Maranhão. Rio de Janeiro: Superintendência de Estudos Geográficos e Sócio-
Econômicos
KALIKOSKI. D. C. & SILVA, P. P. INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E
RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Avanços e desafios na implementação
de gestão compartilhada no Brasil: lições comparativas do Fórum da Lagoa
dos Patos (RS) e da Resex Marinha de Arraial do Cabo (RJ). Nas redes da
pesca Artesanal. Brasília, 2007. 308 p.
SOUZA, M. R. Etnoconhecimento caiçara e uso de recursos pesqueiros por
pescadores artesanais e esportivos no Vale da Ribeira. Dissertação de
Mestrado. Escola Superior de agricultura “Luís de Queirós”. Universidade de são
Paulo. 2004. 120 p.
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5 LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO NO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Darlan Rodrigo Sbrana2021
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados parciais obtidos com a pesquisa sobre os
conflitos socioambientais existentes entre grandes empreendimentos e grupos
sociais por eles atingidos no estado do Maranhão. São apresentadas também
considerações referentes às noticias veiculadas na imprensa, bem como a atuação e
o funcionamento no Ministério Público Federal em situações de conflitos.
Palavras-chave: Conflitos Ambientais. Imprensa. Ministério Público Federal.
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Graduando em História pela Universidade Federal do Maranhão; componente do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente (GEDMMA); Bolsista PIBIC/CNPq.
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1 INTRODUÇÃO
A lógica da industrialização em todos os países que recebem a pecha de
“subdesenvolvido” está marcada pela presença arbitrária do grande capital; pela
atuação do Estado em defesa da grande propriedade privada; pelo convencimento
da população de que o chamado “desenvolvimento” seria fundamental para a
superação da pobreza; e pelo deslocamento compulsório dos povos e grupos sociais
tradicionais que ocupam as áreas flertadas pelos referidos projetos.
No Brasil, tal configuração ganhou forte impulso a partir da primeira metade do
século XX, acompanhando questões de ordem global que foram encetadas com a
Crise Econômica de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Por um lado, esses
acontecimentos fizeram com que a procura por produtos agropecuários diminuísse
consideravelmente, provocando grandes prejuízos à balança comercial brasileira.
Por outro lado, o encarecimento dos produtos industrializados importados,
essenciais para suprir as necessidades nacionais, forçou o Estado a assumir um
caráter intervencionista e, ao mesmo tempo, o obrigou a elaborar um projeto de
fomento à indústria nacional (DOELLINGER, 2010).
Um bom exemplo de como se iniciou o processo de industrialização nas chamadas
“periferias do capitalismo” está na Missão Técnica Estadunidense, que visitou o
Brasil ainda no correr da Segunda Guerra. Conhecida como Missão Cooke, ela
estava incumbida de elaborar um vasto diagnóstico sobre a situação econômica do
país. Suas conclusões, carregadas de forte conteúdo político, concentraram-se em
destacar a deficiência energética, a carência no setor de transportes e a escassez
de matérias-primas básicas à industrialização. Diante dessa conjuntura, o governo
de Getúlio Vargas elaborou um projeto desenvolvimentista que, financiado em
grande parte pelos Estados Unidos, fomentaria a indústria de base e depois a
indústria em geral (TEIXEIRA; GENTIL, 2010).
A partir da década de 1970, sob a égide de uma ditadura militar, a bandeira do
desenvolvimento chegava à Amazônia, tendo como um dos carros-chefes o “Projeto
Grande Carajás”. Destinado a integrar a região à dinâmica econômica do país, tal
projeto visava extrair e comercializar as ricas jazidas de minério de ferro, além do
manganês, do cobre, do níquel, da bauxita, da cassiterita e do ouro da Amazônia
Oriental22. Para tanto, o governo iniciou a instalação da infraestrutura necessária,
como a construção de rodovias e ferrovias; de portos e aeroportos; de usinas
hidrelétricas (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010).
No Maranhão, situado na área de abrangência do referido projeto, podem ser
elencados uma série de implementos estruturais ligados ao processo de
22
A área do projeto é uma das maiores e mais ricas em minerais do mundo, abrangendo terras dos
sudeste do Pará, norte do Tocantins e sudoeste do Maranhão.
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modernização da região. De acordo com Silva, Ribeiro Junior e Sant‟Ana Júnior
(2011), pode-se citar:
Estradas de rodagem cortando todo o território estadual e ligando-o ao
restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando a província mineral de
Carajás (sudeste do Pará) ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de
São Luís, formado pelos Portos do Itaqui (dirigido pela Empresa
Maranhense de Administração Portuária), da Ponta da Madeira (de
propriedade da então Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale) e da
ALUMAR; oito usinas de processamento de ferro gusa nas margens da
Estradas de Ferro Carajás; uma grande indústria de alumina e alumínio
(ALUMAR, subsidiária da ALCOA) e bases para estocagem e
processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do Maranhão;
um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de
Alcântara – CLA); a Termelétrica do Porto do Itaqui (em construção);
projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho, eucalipto) no sul,
sudeste e leste do estado; bem como, mais recentemente, a construção da
Refinaria Premium da Petrobrás e a Usina Hidrelétrica do Estreito.
O espaço físico que recebeu as obras, apesar de ser então considerado pelos
planejadores governamentais como um “grande vazio demográfico” a ser
incorporado à lógica desenvolvimentista, era habitado por povos e grupos
tradicionais (SANT‟ANA JÚNIOR; GASPAR, 2007), o que originou uma situação de
conflito ambiental. Segundo Acselrad (2004, p. 26), este é entendido aqui como:
Aquele que envolve grupos sociais com modos diferenciados de
apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo
menos um dos grupos tem a continuidade de formas sociais de apropriação
do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis (…)
decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.
No entendimento do Antonio Carlos Diegues, as chamadas populações tradicionais,
em geral, vivem em relativo isolamento,possuem pouco poder político, são
analfabetas23e não costumam ter títulos de propriedade da terra24, por isso são
facilmente desapropriadas sem que sejam realmente compensadas pela
expropriação do espaço que habitavam há gerações (DIEGUES, 2001).
23
Entre os moradores da Reserva do Taim, 8% não têm escolaridade; 9% possuem apenas a
escolaridade infantil; 8% completaram apenas o ensino fundamental; e 40% tem o fundamental incompleto. Os dados estão no Laudo sócio-econômico e biológico para criação da Reserva Extrativista do Taim. 24
Laís Mourão Sá (2007) expõe os termos “terra de santa” e “terra de dono”, referentes à organização histórica da propriedade de terras no Maranhão, sendo, originada ou do latifúndio tradicional ou das ordens religiosas.
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No Maranhão, de certa forma, as comunidades tradicionais enfrentam a mesma
história de usurpação de direitos25 e de desmantelamento dos povoados em
benefício dos grandes empreendimentos capitalistas.
Em 2004, quando se travava a discussão a respeito da criação do Polo Siderúrgico
de São Luís, uma deputada, discursando na tribuna da Assembléia Legislativa do
Estado do Maranhão, enfatizava que a instalação da Companhia Vale do Rio Doce
(atual Vale)26 havia provocado o desaparecimento de inúmeras comunidades, como
Boqueirão, Retorno, Irinema, Conceição, Vila Santo Antônio, que hoje jazem apenas
na lembrança dos antigos moradores.27
Naquele mesmo ano, o acesso ao mercado imobiliário em São Luís era permitido a
uma pequena parcela de aproximadamente 10% da população28, o que de certa
forma indica o risco de marginalização que se apresentava às comunidades que
habitam território entre o Porto do Itaqui e o Rio dos Cachorros, que seriam
deslocadas mais uma vez em nome do desenvolvimento. O polo siderúrgico deveria
ocupar inicialmente a área de 2.471,71 hectares. Para concretizar sua instalação,
deveriam ser deslocados cerca de 14.500 habitantes, estabelecidos em doze
povoados: Vila Maranhão, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Taim, Porto Grande,
Limoeiro, Anandiba, São Benedito, Vila Conceição, Parnauaçu Madureira e Camboa
dos Frades.
Um observador desse processo histórico, iniciado no Maranhão a partir da década
de 1970 e ainda hoje inacabado, quando a imprensa começou a divulgar a
implantação do Polo Siderúrgico de São Luís, talvez calculasse que os citados
povoados estivessem próximos de se extinguirem. Contudo, a partir daquele
momento aumentou a resistência e a organização contra tal empreendimento. O
projeto esbarrou em forte oposição por parte de povos e grupos sociais tradicionais,
apoiados também por ambientalistas e por movimentos sociais.
O grito de resistência dos povoados camponeses começou a ecoar nos veículos de
comunicação e no debates políticos e acadêmicos – ambientes especificamente
25
Dois exemplos marcantes são a “lei de terras” de 1969, que colocou à venda as terras devolutas, em grande parte, ocupadas pelos camponeses; e, mais recentemente, em 2004, o projeto de mudança da “Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís”, que pretendia considerar como área industrial todo território almejado para a construção do polo siderúrgico (SANT‟ANA JÚNIOR; GASPAR, 2007; SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010). 26
1976 é o ano do Decreto nº 77.608 que outorgou a Vale a concessão para construção, uso e exploração da estrada de ferro entre Carajás, província mineral localizada no sudoeste do Pará e São Luís, capital do Maranhão (SILVA; RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2011). 27
Discurso pronunciado, no dia 09 de junho de 2004 , na tribuna da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, pela deputada Helena Barros Heluy (PT). Acessível na página eletrônica da Assembleia Legislativa: http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=567. 28
Revista Caros Amigos, numero 158; p. 13. Entrevista com Ermínia Maricato, urbanista ex-Secretária Executiva do Ministério das Cidades; atuou na coordenação técnica da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, entre 2002 e 2005.
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urbanos. Mesmo que predominantemente a favor do polo siderúrgico, a imprensa
daquele período, as redes sociais e os arquivos da Assembleia Legislativa dão conta
da organização das comunidades tradicionais, tendo como maior resultado o
processo de implementação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, que inicialmente
abrangia as comunidades de Parnauaçu, Cajueiro, Porto Grande, Vila Maranhão,
Limoeiro, Rio dos Cahorros e Taim (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010)
2 REPERCUSSÃO NOS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO
Os debates sobre a implantação do Polo Siderúrgico de São Luís (MA) deixaram
registrado (seja na mídia eletrônica, na imprensa escrita, no debate político, nas
ações do Ministério Público, nas leis e nas tentativas de alterá-las, e, enfim, na
memória coletiva dos povos e grupos tradicionais) grande volume de informações
referentes à organização e a resistência das comunidades tradicionais, bem como a
atuação dos grandes empreendimentos capitalistas no decorrer dos conflitos
socioambientais causados pelo desdobramento do “Projeto Grande Carajás”. Pelas
informações de veiculadas desde 2001, quando começaram a divulgar a escolha da
cidade de São Luís (MA) como futura sede do polo siderúrgico (SANT‟ANA JÚNIOR;
SILVA, 2010), podem-se fazer constatações preliminares.
As fontes estudadas apontam, de início, que os setores interessados na
implementação do Polo Siderúrgico começaram a se organizar, a estabelecer
contatos e a reunir forças em prol da realização do projeto. Nesse sentido, em 2003,
foi realizada uma palestra organizada29 pelo Sindicato da Indústria da Construção
Pesada do Estado do Maranhão (Sincopem), que convidou o gerente30 da Indústria,
Comércio e Turismo, Danilo Furtado, para discutir a execução dos trabalhos de
terraplanagem do Polo Siderúrgico. A reunião ocorreu no edifício da Federação das
Indústrias do Estado do Maranhão (FIEMA). Tudo indica que houve um número
elevado de reuniões como essa, já que, em apenas dois meses depois, a palestra se
repetiria, desta vez a convite do Sindicado da Indústria da Construção Civil
(Sinduscon-MA)31.
Na continuidade do processo, enquanto o então prefeito de São Luís (MA), Tadeu
Palácio, justificava, em 2004, o projeto de reformulação da Lei Zoneamento,
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano do Município de São Luís –
MA(1992)32, afirmando que a área teria uma “vocação natural nitidamente industrial”
(SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010), os veículos de informação começavam a
divulgar notícias favoráveis a implantação do Polo. Representantes do governo e
29
http://www.genteenegocios.com.br/2003/09-11-2003/gente.htm 30
Equivalente a secretário estadual, naquele período. 31
http://www.genteenegocios.com.br/2004/25-01-2004/gente.htm 32
Já abordada neste trabalho, a referida lei impedia a construção do Polo Siderúrgico já que
considerava como Zona Rural a área almejada para sua implantação. O projeto de reformulação da lei pretendia transformar a mesma área em Zona Industrial.
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dos grandes empreendimentos, sempre munidos pela ajuda de técnicos do setor
industrial, destacavam o número de empregos, o desenvolvimento econômico, a
superação dos atrasos sociais e a melhoria da qualidade de vida que seriam
propiciados pelo empreendimento.
A ideia de “progresso” e de “superação dos atrasos” fica evidente em frases de
efeito que eram veiculadas juntamente com os dados de perspectiva econômica
previstos com a instalação do Polo Siderúrgico. O então governador, José Reinaldo
Tavares, afirmava no jornal “O Estado do Maranhão” que “A implantação do polo
siderúrgico será um importante fator de desenvolvimento regional que vai mudar o
perfil industrial do nosso estado”33. O então presidente da Federação das Indústrias
do Estado do Maranhão (Fiema), Jorge Machado Mendes, em uma matéria intitulada
de “Maranhão terá Polo Siderúrgico”, ia mais longe e considerava que “com a
construção da siderúrgica em São Luís, daremos um grande salto para nos
firmarmos no cenário nacional”34. Opondo o projeto que traria o “desenvolvimento”
para São Luís ao “atraso” vinculado aos povoados que habitavam o território, o
concessionário local da rede de TV SBT e, atualmente, Senador da República pelo
Maranhão, Edinho Lobão, afirmava que não se podia “perder um projeto de onze
bilhões de dólares por causa de meia dúzia de casas de taipa” (SANT‟ANA JÚNIOR;
SILVA, 2010).
Por essa época, a imprensa começava a divulgar cursos de preparação profissional
para as áreas de engenharia, construção civil, mecânica, metalúrgica,
eletroeletrônica e gestão e controle. A proposta seria capacitar mão-de-obra
maranhense para a realização do projeto. Em setembro de 2004, o “Jornal
Pequeno” anunciava a primeira iniciativa do município de São Luís em capacitar
trabalhadores locais tendo em vista a implantação do Polo Siderúrgico. Em parceria
com Serviço Nacional da Indústria (Senai), deu início ao curso de Eletricista Predial-
Industrial, ministrado a 15 voluntários35.
O número de 15 escolhidos ainda estaria um pouco longe da promessa feita cinco
dias depois pelo governo do Estado, e veiculada no mesmo jornal. Em iniciativa
conjunta com Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale), prefeitura de São Luís,
instituições de ensino de nível médio e superior, entidades de classe da indústria e
comércio, ONGs e empresas, o então governador José Reinaldo Tavares lançou o
Plano Estadual de Capacitação de Recursos Humanos para o Distrito Siderúrgico de
São Luís, que teria o objetivo de capacitar 15 mil profissionais maranhenses para
atender a demanda a ser gerada com a implantação do Polo Siderúrgico36, que,
33http://www.portosma.com.br/syngamar/noticias.php 34
http://www.senai.br/br/home/noticiadetalhe.aspx?id=641 35
http://www.jornalpequeno.com.br/2004/9/16/Pagina5102.htm 36
http://www.jornalpequeno.com.br/2004/9/21/Pagina5317.htm
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curiosamente, também demandava que número parecido de habitantes – cerca de
14,5 mil – fosse deslocado de suas terras para a concretização do projeto.
Parte da estratégia dos representantes do Estado e do grande capital era apontar
que o projeto seria a solução para livrar o Maranhão da condição de um dos estados
mais pobres, com um dos piores IDH do Brasil37. E os números lançados pelos
grandes empreendimentos eram altos. No jornal “O Estado do Maranhão”,
anunciavam 50 mil empregos diretos. A balança comercial maranhense teria um
incremento de 83% nos primeiros anos. A produção anual do polo siderúrgico
significaria um incremento de US$ 650 milhões para o estado38. Por isso, os
problemas sociais que poderiam ser engendrados com o deslocamento dos
povoados, inicialmente passaram despercebidos diante da perspectiva de
crescimento econômico anunciada com a criação do Polo Siderúrgico de São Luís.
Porém, a resistência dos povoados pertencentes à área pretendida para instalação
do projeto, começou a fazer-se sentir. A imprensa registrava os eventos ocorridos
naquele período – como em Audiências Públicas, em discursos na Assembléia
Legislativa, em manifestações sociais – com títulos bem sugestivos, tais como
“Lideranças de Porto Grande rejeitam polo siderúrgico”, “„Rio dos Cachorros‟ resiste
ao Polo Siderúrgico” e “Comunidade do Taim rejeita Polo Siderúrgico”39. A análise
destes registros nos permite fazer algumas considerações sobre a relação que os
representantes do grande capital e o Estado mantinham com os povoados
tradicionais, bem como a forma que estes organizavam para resistir à implantação
do referido Polo.
Emília Pereira, moradora de Porto Grande, demonstrando preocupação com a
implantação do projeto advertia:
Eles deveriam era criar projetos, empregos que tivessem renda para a
pobreza que temos aqui. Eu sou contra o polo porque não vai beneficiar as
nossas famílias. Vai é acabar. A atividade que tem aqui é pescador,
lavrador. Não tem uma estrutura formada para ir para outro lugar, mesmo
que tenha uma indenização (Jornal Pequeno, 2006, Edição 21.799).
A preocupação com o deslocamento do território fica bem evidente no depoimento
da senhora Flor de Liz Santana, de 70 anos, hoje moradora do Taim. Ela foi
remanejada para Vila Sarney nos anos 1980. O marido utilizou parte da indenização
para comprar um carro. Porém, como não sabiam dirigir, contrataram um motorista.
Com o tempo o carro estragou, o dinheiro acabou e eles tiveram que se mudar para
o Taim, onde foram acolhidos pelos moradores. Hoje viúva, dona Flor lamenta a
37
Atualmente o Maranhão, com IDH igual a 0,683, só fica a frente de Alagoas (0,677). 38
http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/03/311298.shtml 39
Respectivamente em: http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm; http://www.riosvivos.org.br/Noticia/+Rio+dos+Cachorros++resiste+ao+Polo+Siderurgico/7521;
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018.
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aventura e não recomenda a indenização para ninguém. “Cada qual pegou uma
mixaria, não deu para enriquecer, não deu para hoje em dia ter nada de lá”40.
Sant‟Ana Júnior e Silva (2010, p.166), analisando o mesmo relato, apontam que as
recordações daquela senhora remetem, por um lado, à insuficiência da indenização
e à inabilidade para lidar com dinheiro em um local com características e
necessidades diferentes das que a família estava acostumada a enfrentar; e, por
outro lado, deixam evidente que “a experiência de deslocamento dos povoados
vizinhos ajudou no processo de resistência ao empreendimento, pois, em geral, os
deslocados acentuavam a forma truculenta com que tiveram que deixar seus
povoados de origem”.
Truculência e injustiça, ainda hoje, parecem estar associadas à forma com que os
povoados tradicionais veem o processo de instalação dos grandes projetos de
desenvolvimento. Maria Máxima Pires, então com 46 anos, uma das lideranças de
Rio dos Cachorros, em uma entrevista a respeito da instalação do Polo Siderúrgico,
criticava a relação autoritária dos gestores do empreendimento com a comunidade.
Ela conta que em 2004, quando a Vale, a empresa Diagonal e o Governo do Estado
iniciaram o cadastro das famílias e o levantamento de bens, numerando das casas
eles “Invadiram as comunidades, informando que tinham até dezembro para limpar a
área. Os idosos e crianças ficaram apavorados”. Para amenizar o impacto, os
técnicos, em outra estratégica comum relacionada aos grandes projetos de
desenvolvimento no Maranhão, lançavam a promessa de que os moradores teriam
prioridade na inscrição para obter emprego no polo41.
Sant‟Ana Júnior e Silva (2010), em estudo sobre o povoado de Taim, apresentam
uma característica na relação entre os agentes do Estado e dos grandes
empreendimentos com as populações tradicionais. De acordo com eles:
Enquanto os Governos Municipal, Estadual e Federal e os grandes investidores veem os territórios como uma oportunidade de bons negócios, por apresentar uma logística formada pelo Complexo Portuário do Itaqui, estradas e ferrovia e por sua localização privilegiada, mais próxima dos centros de comércio norte-americanos e europeus; as populações locais os veem como o lugar em que “nasceram, cresceram, se criaram”, em que construíram uma história, em que mantêm relações de vizinhança, compadrio, amizade, e que lhes é provedor dos meios de sobrevivência obtidos com o trabalho na terra, no mar e nos rios, cuja mão-de-obra é mobilizada através de uma imbricada rede de solidariedade.
Esta contrariedade entre as formas de encarar o espaço físico cria duas formas
distintas de reivindicar um mesmo território. Como já vimos, para iniciar a instalação
do Polo Siderúrgico, seus promovedores, sempre apoiados em estatísticas e na
autoridade de especialistas, divulgavam o desenvolvimento econômico e a
40
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018 41
Idem.
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superação dos atrasos sociais que seriam propiciados pelo projeto. Já as
comunidades tradicionais, para resistir, ressaltavam seus vínculos com a terra, seus
laços afetivos, suas tradições e sua cultura.
Máxima Pires argumentava, depois de conturbada audiência pública42, que “todas as
decisões em torno do Polo Siderúrgico estão sendo tomadas sem que levem em
conta nossos laços afetivos”. A moradora do povoado de Rio dos Cachorros era
incisiva ao estabelecer os vínculos com a terra. “Nós chegamos ali antes da Vale do
Rio Doce, (...) não estamos dispostos a perder nossa identidade”, completava43.
No povoado de Porto Grande, outra moradora, dona Aldenora Cantanhede Gomes,
então com 63 anos, destacava os vínculos com o território ressaltando a cultura e as
tradições. “A cultura aqui é grande. Desde criança saía, as minhas tias botavam Reis
e eu continuei. Eu gosto muito daqui, é o meu lugar”44.
Em outra entrevista, as adolescentes Carla dos Santos Dias, Deusimar Martins e
Graciela Pires da Silva, ao passar pela trilha que liga Rio dos Cachorros ao Taim
diziam:“Esse caminho lembra muito a nossa infância, as brincadeiras e as lendas da
nossa cultura”. Elas passavam pela gruta de pedra erguida no meio da mata onde a
população celebra “Nossa Senhora da Conceição”, uma das tradições festivas do
calendário religioso da zona rural de São Luís45.
Os “caminhos da infância”, as “lendas” e as “tradições culturais” ajudavam que os
povoados tradicionais estabelecessem uma memória coletiva a respeito das origens
do território, reforçando ainda mais os laços afetivos e a solidariedade do grupo.
Outra moradora entrevistada do povoado de Rios dos Cachorros, Rosilda Vera
Gomes, então com 64, contava como o povoado havia recebido o nome.Uma família
que morava na beira do porto havia se mudado, deixando lá só os cachorros.
Quando os pescadores iam embarcar os cães latiam e avançavam. “Então ficou
assim, sair para pescar era no rio dos cachorros”. A moradora ainda contava que até
foi mordida por um deles quando criança46.
3 DEBATE NAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS
As Audiências Públicas em que se discutiam a implantação do Polo Siderúrgico
colocaram frente a frente, para o debate político, os dois lados em conflito: os
representantes do Estado e do grande capital, que buscavam a realização do
empreendimento, e os grupos sociais tradicionais, ambientalistas, movimentos
42 Após Audiência pública realizada no final de maio de 2005, o empresário Edinho Lobão Filho havia declarado na TV Difusora que os participantes das comunidades tradicionais eram baderneiros. 43
http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=839 44
http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm 45
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018 46
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/+Rio+dos+Cachorros++resiste+ao+Polo+Siderurgico/7521
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sociais, professores e estudantes universitários e representantes políticos, contrários
ao projeto. Estes registros nos permitem fazer algumas considerações a respeito
das estratégias de debate, do poder político concentrado nos dois lados em questão
e também a respeito da forma com que os conflitantes compreendiam a outra parte.
Por um lado, pode-se observar pelas fontes da imprensa que os representantes dos
povoados haviam se organizado e passaram a passaram a marcar presença em
todas as audiências. O advogado Guilherme Zagallo, um dos coordenadores do
Reage São Luís47, em entrevista cedida para o Jornal Pequeno, em fevereiro de
2006, explicava que “Pelo menos 16 entidades e grupos de 50 ou mais cidadãos
solicitaram a realização de audiências. Estamos nos preparando através de oficinas
para fomentar a participação das pessoas e entidades nas audiências”48.
Uma das acusações dos moradores dos povoados, que faz alusão à concentração
de poder político nos dois lados conflitantes, era a de que os representantes
favoráveis aos grandes empreendimentos abandonavam as audiências tão logo
terminavam suas falas, sem escutar, assim, a fala da outra parte. De certa forma,
esse modo de agir equivale à forma como defensores do projeto enxergavam o
território a ser implantado o Polo Siderúrgico, considerado como um “grande vazio
demográfico”. Também explica as generalizações que se fizeram à grande
variedade grupos sociais tradicionais que habitam o território, considerados como
“meia dúzia de casas de taipa”. E ainda responde por que quase 15 mil habitantes
pareciam não existir nas matérias da imprensa sobre o Polo Siderúrgico, mesmo nas
que se referiam aos riscos que o projeto traria aos maranhenses.
No episódio em que o Empresário Edson Lobão Filho, depois de se retirar da
Audiência, referiu-se aos povoados como “baderneiros”, Maria Máxima Pires, insistia
em declarar que os representantes dos povoados eram a maioria. Dizia: “Viemos à
Audiência Pública nos defender, (…) e como sempre fomos a grande maioria” ou “O
empresário Edson Lobão Filho não se manifestou porque não permaneceu até o fim
da Audiência. Não há, portanto, o que justifique ele ter ido à televisão nos chamar de
baderneiros e de minoria. Nós somos a maioria”49. A ação da liderança do povoado
de Rio dos Cachorros nos permite uma consideração acerca das relações de poder
que ali se descortinavam. Embora o poder político esteja vinculado ao poder
econômico e este tenda a direcionar as questões políticas50, para os moradores dos
47
Rede que reúne entidades de organização da sociedade civil maranhense que surgiu envolvida nas discussões acerca da implantação do polo siderúrgico em São Luís, no ano de 2004 (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010) 48
http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm 49
http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=839. 50
Há um debate historiográfico acirrado sobre se o “poder político” está ou não associado ao “poder
econômico”. Cita-se, de um lado, Raymundo Faoro, que, em “Donos do Poder”, defende que as elites políticas estão dissociadas das “elites econômicas” e, de outro lado, cita-se Richard Graham, que defendendo uma tradição historiográfica iniciada no Brasil por Caio Prado Junior, afirma que as “elites
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povoados presentes naquela audiência, deveria valer a lógica democrática de que a
maioria é que prevalece sobre as questões políticas. A maioria numérica, na visão
dos camponeses, era prova de que suas reivindicações eram justas51.
4 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
A presença e a atuação do Ministério Público Federal (MPF) também foram
constantes nos registros da imprensa. Parte fundamental desta pesquisa consiste
em acompanhar e registrar estas informações, bem como reunir em um banco de
dados as Ações Civis Públicas movidas por esta instituição. A parte final deste
relatório consistirá em elencar uma série de constatações acerca se seu
funcionamento.
Cabe, ao Ministério Público Federal, “enquanto um agente de transformação a
serviço da cidadania, dos interesses sociais e da democracia”, tomar as
providências necessárias para que se cumpra a lei quando um grupo de pessoas, a
comunidade ou a própria sociedade se sente lesada em algum de seus direitos52.
Como o caso aqui estudado trata-se de conflitos socioambientais, é preciso
compreender os procedimentos necessários até que a informação sobre uma
situação de conflito chegue ao Ministério, seja investigada e, depois de constatada a
pertinência da denúncia, seja aberta uma Ação Civil Pública53.
As denúncias contra os impactos socioambientais, advindos de desmatamento,
invasão de reservas, poluição do meio ambiente, conflitos por território, que chegam
ao Ministério Público Federal (MPF) podem vir por três vias:
• Denuncia anônima, que geralmente vem de cidadãos em sua individualidade;
• Representações formais, de indivíduos ou de instituições;
• Própria ação do Ministério Público.
Destaca-se de início que as “representações formais”54 têm enorme valor para os
estudos de conflitos socioambientais. O interesse nesta categoria de denúncias se
dá porque dela se pode visualizar, nos espaços de conflito, a maneira com que os
povoados, suas lideranças e demais grupos interessados estão se organizando.
econômicas” se confundiam com as “elites políticas”, prevalecendo os interesses da primeira (GRAHAM, 1997). 51
A distância temporal daquele evento nos permite ressaltar o quanto à organização foi e é importante para os povoados que habitam a área pretendida para construção do Polo Siderúrgico de São Luís em todo processo de resistência à implantação do projeto. 52
http://www.mp.ma.gov.br/site/institucional/sobre.jsp 53
De acordo com a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, a Ação Civil Pública tem por objetivo reprimir ou mesmo prevenir danos ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e turístico, por infração da ordem econômica e da economia popular, ou à ordem urbanística. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm. 54
Segundo informações preliminares as “representações formais” de indivíduos não costumam
ocorrer, sendo o maior número delas efetuadas por instituições.
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A terceira via, advinda da ação do MPF, também suscita muito interesse e pode
originar-se, por exemplo, nos casos em que o Poder Público resolve investigar
alguma possível irregularidade que lhe chega pelos veículos de comunicação, o que,
de certa forma, completa os estudos sobre a anterior, pois faz menção à
organização dos povoados em área de conflito, até porque, neste caso, o fato não
viraria notícia se não fosse a resistência dos grupos sociais atingidos. As denúncias
efetuadas através da imprensa são importantes também porque permitem fechar
lacunas com o registro de informações retiradas no “calor do momento” e que depois
poderiam ser perdidas na oralidade dos agentes envolvidos.
As denúncias que chegam ao MPF passam primeiramente pela Procuradoria
Regional dos Direitos do Cidadão55. É feita uma triagem e no caso em que as
denúncias não dizem respeito ao âmbito federal, são enviadas para os órgãos
competentes. Se acontecer, por exemplo, que a denúncia faça referência a uma
questão do Estado, neste caso, será feito um acompanhamento para o Ministério
Público Estadual.
Passado o processo de triagem, é efetuada uma investigação preliminar para se
apurar o caso denunciado. Para isso, os demais órgãos são acionados. Se for
constatada pertinência da denúncia o próximo passo será a abertura do inquérito, e
aqui o processo também pode tomar um de três destinos.
O primeiro é o arquivamento. Este acontece por vários motivos: quando a denúncia
não corresponde; quando não existe dano ambiental de fato; quando o dano é
incerto; quando o causador não é encontrado; quando a causa do dano já foi
resolvida.
O segundo é o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Este ocorre quando o
infrator reconhece o dano ambiental que causou e se compromete em corrigi-lo. O
não cumprimento leva ao acionamento da Justiça.
O terceiro é a Ação Civil Pública. Esta se dá quando o acusado não reconhece os
danos ambientais, mesmo depois de evidenciados. A partir daí o processo passa a
ocorrer na Justiça, podendo levar a absolvição do réu ou a sua punição.
55
De acordo com a Lei complementar Federal n° 75/93, o Procurador dos Direitos do Cidadão agirá de ofício ou mediante representação de qualquer pessoa ou organização da sociedade civil, e poderá, dentre outras medidas, promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos constitucionais da pessoa;requisitar informações e documentos a entidades públicas e privadas; e realizar inspeções e diligências investigatórias.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp75.htm.
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5 CONCLUSÕES
Este trabalho, embora ainda parcialmente completado e necessitando de mais
estudos, nos permite fazer algumas considerações, que mesmo não sendo de
caráter definitivo, abrem amplo espaço à continuidade da pesquisa. Meus primeiros
contatos com o Ministério Público Federal56 e com a pesquisa sobre os conflitos
socioambientais me proporcionaram impressões, indagações e, de certa forma,
constatações que, mesmo incompletas, serão abordadas aqui em forma de
conclusões.
O caminho que vai da denúncia até uma Ação Civil Pública pode se tornar tortuoso e
demorado. Quando, por exemplo, o MPF aciona os demais órgãos para averiguar
uma denúncia, pode ocorrer um entrave na investigação, devido à deficiência dos
demais órgãos ambientais. Assinala-se ainda, neste caso, que o próprio Ministério
Público, pela falta de especialistas para atender a demanda do estado, também
encontra dificuldades para dar suporte técnico às investigações.
Por um lado, a demora em averiguar as denúncias pode gerar na população a ideia
de inoperância e também certa desconfiança no poder público, refletida no pouco
número de representações formais por parte dos cidadãos que acabam
considerando as denúncias um esforço vão. Por outro, assinala-se que a falta de
interesse da sociedade civil, que não controla as instituições públicas e desconhece
as instâncias necessárias para se efetuar uma denúncia no MPF, alimenta um
círculo vicioso que vai dar novamente na inoperância do serviço público. Esta
situação colabora com a criação do fato de que as denúncias tendam a chegar com
mais facilidade pelos veículos da imprensa.
As constatações são ainda preliminares, mas nos permitem, no entanto, ressaltar
que quando as denúncias sobre conflitos socioambientais chegam ao Ministério,
muitas vezes, vêm por outros caminhos. Por exemplo, trazida por um conhecido de
algum funcionário. Desta forma, uma ação pode acabar sendo tratada no âmbito
individual, quando deveria ser coletivizada.
À primeira vista, esta prática pode ser analisada negativamente. Pular as instâncias
necessárias para se efetuar uma denúncia, ao mesmo tempo em que colabora com
o enfraquecimento do poder público, pode tornar o denunciante refém daquele que
se encarregou de levar a denúncia para frente.
Mas a situação é mais complexa e embora a população urbana e industrial tenda a
considerá-la como um obstáculo ao bom funcionamento do Estado, vista pela lógica
dos povos e grupos tradicionais, cujas relações sociais se dão no âmbito da família
56
Visita ao Ministério Público Federal, 12 de dezembro de 2011.
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(SÁ, 2007) pedir que um “conhecido de algum funcionário” leve a denúncia é o
caminho mais esperado, mais confiável e, talvez, o único conhecido.
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1993. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 03/02/12.
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6 REFORMA AGRÁRIA NO NORDESTE: UM ESBOÇO DE DESENVOLVIMENTO
Jane Cavalcante Rodrigues57
RESUMO
Nesse artigo procura-se analisar historicamente as intervenções do Estado na economia, no sentido de solucionar os problemas estruturais a que esteve submetida à sociedade brasileira desde o final do século XIX, conferindo ênfase à região nordeste e os planejamentos ao qual esta região foi objetivo. O projeto de colonização do Alto Turi de um modelo experimental de assentamentos rurais planejados, projeto desenvolvido pela SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) no início da década de sessenta no noroeste do estado do Maranhão. As razões centrais que motivaram a colonização dos vales úmidos maranhenses através de financiamento do deslocamento de famílias no sertão nordestino, foi principalmente a grave crise social que afligia a população empobrecida do semi-árido nordestino que arrasada pelos ciclos sazonais da secas passaram a questionar o acesso a propriedade da terra que historicamente esteve concentrada nas mãos de uma pequena elite latifundiária, surgiram então às primeiras organizações camponesas de resistência, e temendo rebeliões o Estado promove este deslocamento institucional. A outra razão para justificar a primeira foi à expansão da fronteira agrícola para o norte, última linha de fronteira florestal do país, também chamada de vazios demográficos e desta concepção, surge à justificativa secundária de integração nacional, assim como de reforma agrária. Utilizou-se o método dialético, uma vez que o mesmo ofereceu elementos consistentes para o trato da questão central da pesquisa: a questão agrária, baseando-se em um das leis fundamentais desse método que é a interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários, porquanto o que se busca não é apenas negar as experiências e práticas dos sujeitos, mas o exercício de ler nos conflitos das práticas analisadas no espaço geográfico estudado, sinais de inovação e transformação e suas conseqüências. A metodologia utilizada na pesquisa foi leitura de vasta bibliografia, análises de dados secundários disponibilizados pela Da pesquisa conclui- se que o modelo experimental implantado Na região do Alto Turi não foi bem sucedido, mas que o investimento em educação e a organização da agricultura familiar são as melhores formas de superação da pobreza rural.
Palavras-chave: Reforma agrária. Desenvolvimento. Colonização rural.
57 Licenciada em Geografia /Universidade Estadual do Maranhão e aluna especial do Mestrado
Desenvolvimento Socioespacial e Regional - UEMA, São Luis, MA.
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1. INTRODUÇÃO
Entre as funções da ciência geográfica uma merece destaque: “a de fornecer
instrumentos conceituais para a leitura e interpretação da realidade a partir das
relações estabelecidas em sociedade e suas conseqüências no meio natural”
(MAGNOLI, 2000, p.5). O processo de ocupação de “vazios demográficos” requer
planejamento e este deve contemplar não apenas questões básicas de infra-
estrutura, mas também os aspectos humanos, mais especificamente os aspectos
culturais dos beneficiados desta ação. Quando tais aspectos não são considerados,
incorre-se em erros graves, onde a história da ocupação do território brasileiro é
repleta de exemplos.
Desde o final do século XIX, data da primeira grande seca registrada que sofreu o
nordeste, que o maranhão e a Amazônia constituem-se em região receptora de
contingentes populacionais (retirantes), muitas vezes financiadas pelos governos
estaduais, pois o Estado brasileiro na tentativa de redução dos conflitos de terra que
ocorriam em decorrência da problemática agrária, vê nesta transferência uma
alternativa de diminuição das tensões no campo nordestino, além de disponibilizar
uma grande oferta de mão-de-obra para a extração da borracha na Amazônia.
Esses deslocamentos ocorreram durante as primeiras décadas do século XX, mas
foram intensificadas nas décadas de 40 e 50, pois à medida que a pobreza e a falta
de perspectivas cresciam, cresciam também os deslocamentos.
O Brasil, funcionando como colônia de exploração de um país europeu, é construído
e vai se definindo e redefinindo a partir das relações de produção estabelecidas com
o mercado internacional. O país assume o papel de fornecedor de matéria-prima para
atender o mercado internacional, onde o Estado executa as demandas do mercado e
todo o esforço empreendido aqui efetivamente é para não falhar na função que lhe
cabe nas relações comerciais externas. Assim, o papel do Estado e as configurações
que ele assumiu historicamente expressam sua composição ao longo da história
brasileira. Esta dinâmica é traduzida numa espécie de divisão internacional do
trabalho, muito bem caracterizada nos ditames rígidos estabelecidos entre metrópole
e colônia de exploração nos pactos coloniais.
2. DESENVOLVIMENTO
O Estado nacional brasileiro, através das intervenções que promoveu em alguns
períodos de sua história, no sentido de solucionar os problemas emergentes do país,
não atingiu seus objetivos, ou seja, não conseguiu erradicar as desigualdades sociais
a que está submetida historicamente à sociedade brasileira, como o acesso à
propriedade da terra, ao emprego, à educação de qualidade enfim, a melhoria da
qualidade de vida. Na primeira metade do século XX ocorreram mudanças
importantes no sentido de pensar o Brasil para os brasileiros, um conjunto de forças
da sociedade convergia para a construção de um projeto nacional pautado no
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desenvolvimento, e dentre os fundamentos teóricos deste projeto de nação constava
à reforma agrária.
Os estudiosos Celso Furtado e Manoel Correia de Andradeconsideravam que mesmo
tardia, a reforma agrária promoveria um “ajuste” nas disparidades sócio-econômicas
do Brasil e prepararia o país para o desenvolvimento das forças do capitalismo, ou
seja, garantiria as condições básicas para a implantação do parque industrial
brasileiro.
Considera-se, que mesmo a contra gosto, as elites agrárias tenham promovido um
ajustamento na distribuição do uso e posse da terra nos estados do sul e sudeste
entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX mediante a
presença maciça de imigrantes europeus, que ocuparam estas áreas na condição de
complemento da mão – de – obra necessária para a lavoura principalmente do café.
Portanto, o período da história do Brasil, que vai de 1945, final da segunda guerra,
até o início da década de sessenta (1964) é peculiar.
Primeiro por tratar-se de uma convergência inusitada entre os interesses da
burguesia e as intenções de uma elite intelectual que encontrou eco nas
organizações sociais de base do nordeste, onde a região sudeste em franco
processo de industrialização objetivava acelerar a produção de bens com apoio
majoritário do Estado, e depois, por mais que se reconheça que o Estado na sua
essência é quem viabiliza os mecanismos de acumulação de capital para a
burguesia, merece destaque que na aparência a culminância de fatores como a
tentativa de diversificação do modelo exportador brasileiro,assim como toda a
efervescência social e cultural,caracterizou a década de sessenta como períodos de
políticas abrangentes no que tange a questão social.
Até para a consolidação das instituições era imprescindível à época do início da
república, a viabilização de infra-estruturas que garantissem o desenvolvimento do
país. Nesta análise é pertinente apresentar a caracterização feita por Benjamin
(1998, p.26) da perspectiva econômica brasileira.
Depois de 1930 com a opção desenvolvimentista o Brasil chegou a sentir-se
portador de um projeto, pois logrou forjar com certeza uma imagem do seu passado
(base produtiva agrícola, população rural, território fragmentado) e, simetricamente,
uma imagem do seu futuro (base produtiva industrial, população urbana e território
integrado). A contraface desse desenvolvimento nós também conhecemos, ele
manteve-se preso aos limites definidos por aquelas modernizações conservadoras,
recorrentes no Brasil que o mais das vezes mudam para manter.
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Assim, na fase desenvolvimentista da economia, o Estado foi profundamente
conservador nas relações sociais, especialmente no que diz respeito às populações
rurais que permaneceram majoritárias até meados da década de 60.
Furtado (1984) relata que o aprofundamento das desigualdades regionais do país
tinha sua expressão mais flagrante no empobrecimento do nordeste. Portanto, o
crescimento do parque industrial brasileiro e a realização das metas do governo
perpassavam pela resolução da problemática nordestina. Com esta perspectiva foi
instituída a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) criada
pela lei n° 3.692/59 do Congresso Nacional, que tinha o objetivo de promover e
coordenar o desenvolvimento da região.
Um dos seus programas, o Projeto de Povoamento do Maranhão (PPM),
compreendeu a transferência de famílias flageladas pela seca para o noroeste
maranhense, com o objetivo de “absorver parte dos excedentes populacionais do
Nordeste em zonas produtoras de alimentos fora da zona semi-árida, ampliando a
fronteira agrícola da região” (SUDENE, 1969 apud SILVA, 1993). A abertura de
novas áreas para agricultura foi à solução encontrada pela SUDENE para o
problema agrário, uma vez que era muito alta a pressão demográfica, fator de
geração de muitos conflitos.
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Neste contexto, realizou-se na década de sessenta a colonização das áreas
qualificadas como vazios demográficos, na tentativa de promover uma política de
Estado pautado na integração nacional. O projeto piloto de colonização foi
implantado em 1962 na região do Alto Turi, com o nome de Projeto de Colonização
do Alto Turi (PCAT). Este projeto teve como principais acionistas a SUDENE, o
Banco do Nordeste e o Governo do Estado do Maranhão, sendo que este último
participou através da incorporação das terras devolutas, necessárias ao
desenvolvimento do projeto (TROVÃO, 1989). A incorporação de terras devolutas
deu-se a partir de 1972, quando foram entregues 939.000 ha. de terras cortados
pela BR-316. Neste mesmo ano a administração do projeto é transferida da
SUDENE para a Companhiade Colonização do Nordeste (COLONE). E o PCAT foi
dividido em três subáreas e implantado em etapas:
• SUB-ÁREA I: Denominada “área velha ‟‟ou “área de Zé Doca” ocupando
uma área de 240.000ha.
• SUB-ÁREA II: Denominada “área nova”, “área de Nova Olinda”ou do Alto
Turi, ocupando um espaço físico de 250.000 ha.
• SUB-ÁREA III: Denominada “área de expansão” com 450.000 há.
Numa tentativa de fugir do lugar comum do fatoriado cumprimento das etapas do
desenvolvimento apresentadas por (ROSTOW, 1959) sem considerar as condições
específicas de cada país, e principalmente na tentativa de considerar o
desenvolvimento como um processo social, o ponto de partida para um possível
entendimento das desigualdades regionais brasileiras é situada inicialmente na obra
de Gonzalez O que é Subdesenvolvimento (1980). Porque este autor começa por
diferenciar os termos dependência e subdesenvolvimento, de uma maneira simples,
mas elucidativa. Segundo ele, esta palavra foi muito comum nos gabinetes de
políticos da na década de cinqüenta, já foi moda e continua sendo no campo
informal.
Subdesenvolvimento tinha um conceito na década de 50 e meados de 60. Mas,
recebe muitas criticas no final desta década, e passa a ser alvo de inúmeras
tentativas de substituição, com justificativa de novos termos mais apurados, e neste
contexto a palavra “dependência” assume um caráter científico. No entanto, segundo
Gonzalez (1980) “apesar dos estigmas que se colocaram o subdesenvolvimento,
conserva conteúdos muito vivos e estimulantes que o conceito dependência parece
por vezes perder”. Superando a problemática conceitual, estes impasses servem,
sobretudo para caracterizar o contexto histórico em que Celso Furtado apresenta
sua teoria econômica sobre desenvolvimento, apontando as causas do
subdesenvolvimento.
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E no bojo destes acontecimentos e de toda euforia vivenciada no Brasil e na
América Latina fruto do momento áureo do sistema capitalista nos anos cinqüenta,
Furtado apresenta suas idéias para superação do atraso a que estava submetida à
região nordeste. A criação de uma agência desenvolvimentista para a região
nordeste apresenta-se como a materialização de um pensamento, mais que isso, de
uma teoria de dependência, assim chamada onde são lançadas bases para explicar
a razão de atraso de uma região em relação a outras.
Não existe correspondência entre crescimento econômico e desenvolvimento na evolução recente da região nordeste, se uma vez que nos damos conta de que o desenvolvimento não é apenas um processo de acumulação e de aumento de produtividade econômica, mas principalmente uma via de acesso às formas sociais mais aptas para estimular a criatividade humana e para responder às aspirações de uma coletividade, e comprovamos assim com facilidade que um de seus aspectos fundamentais reside na conformação que assume o setor agrário (FURTADO, 1984, p.11).
Embora, ele afirme que os principais aspectos da crise econômica estejam
assentados no setor agrário ele não inclui ou defende e nem ao menos questiona
em sua proposta de elaboração da SUDENE o uso e posse da terra, logo a
propriedade permanece intocada em praticamente todo o Nordeste, esse hoje é um
consenso nas literaturas que se ocupam desta questão, pelo menos a maioria e esta
é talvez a maior crítica que ele também receba. Dentre seus críticos (PRADO JR.
1979) aponta que há um desvio do tema central, seja por parte de intelectuais seja
por parte dos governos no trato daproblemática agrária, onde na maioria das vezes
situa o problema na agricultura, ou seja, na forma de produzir, nas ferramentas
tecnológicas, nos financiamentos etc. Sendo estes para este autor classificados
como assuntos segunda ordem:
Relegando-se a um plano secundário, e posição de simples efeito de uma deficiente política de amparo à agricultura, as condições de vida da população rural e a maneira com que é dado à maioria esmagadora dessa população utilizar a terra (PRADO JR.1979: p.19). (...) Os problemas agrários são aí propostos em termos de que se excluem inteiramente as questões relativas ao próprio em que assentam as atividades agrícolas e pastoris, a saber, a terra e a sua apropriação. Repete-se aí e desta vez com na palavra de uma economista do porte do senhor Celso Furtado, o grave erro de confundir os diferentes setores, categorias e classes sociais diretamente ligadas às atividades agrárias, no conceito genérico de agropecuária. Ora os problemas agrários, como quaisquer outros problemas sociais e econômicos, são antes de tudo humanos (PRADO JR., 1979, p.20).
O projeto aplicado no Nordeste funcionava através de planos diretores e dentre eles
tinha a irrigação de várias áreas no sertão nordestino, Problematizando este ponto
concluímos que se os fazendeiros continuaram de posse das melhores terras, uma
vez que a maneira que eles a adquiriram não foi questionada e os mesmos não
foram obrigados a comprovar tal aquisição e, se foram, é sabido que muitos
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cartórios especializaram-se no Brasil na lavra de documentos falsos, é plausível
afirmar que tal medida governamental ao invés de beneficiar quem realmente estava
precisando só veio nestes casos a fortalecer o domínio da terra e poder dos
fazendeiros, conhecidos como coronéis. A construção de açudes é outro exemplo de
desvio de função dos planos, mesmo muitos sendo de domínio público eram
explorados pelos prefeitos que coincidentemente eram grandes proprietários de
terras. Para Prado Jr. (1979):
O real desenvolvimento passa pela reforma agrária e esta deve representar um grande e natural passo no processo em que se encontra engajado a evolução do País... Processo esse que vem a ser a superação dos remanescentes ainda presentes e atuantes. Latifúndio, superação do modelo de apropriação de mão-de-obra. Logo, relações e condições em geral da produção e trabalho rural. Portanto, para ter sentido em profundidade, o modelo de desenvolvimento consistirá na superação das atuais situações sócio-econômicas, herdadas do passado, e, sobretudo e em particular, as estruturas agrárias que mantém um aparte considerável da população - refletindo-se daí, mais ou menos acentuadamente no conjunto da nação - em miseráveis condições de vida, materiais, culturais, sociais - enfim, humanas Prado Jr. (1979, p.13).
Ainda sob efeito do entusiasmo econômico da década de cinqüenta, da pressão
social, da corrente pró-desenvolvimento e da perspectiva da nova agência que
surgiu no final da década de ouro no Estado brasileiro, uma espécie de euforia e
esperança foi transferida a outros segmentos da sociedade que passou a acreditar
na real possibilidade da diminuição das desigualdades sócio-econômicas entre
sudeste e nordeste. No entanto, é sabido que o golpe militar veio reduzir a
plataforma social que compunha as diretrizes da SUDENE. Mas, a esta altura é
sabido também, que em sua concepção esta superintendência não, privilegiou a
questão agrária em seus compêndios, elemento inerente ao desenvolvimento
idealizado para o Brasil, à luz dos exemplos de outros países que na tentativa de
formar um mercado consumidor consistente promoveram ajustes ou reformas
caracterizados primeiramente e em muitos casos tardiamente, pela reforma agrária.
Aqui residem as principais críticas proferidas ao economista Celso Furtado, no que
concerne a criação da SUDENE muito embora, se reconheça à sua importância
enquanto teórico não só em escala nacional, mas, sobretudo o seu papel de
vanguarda na economia da América Latina. Era necessário deixar que as forças do
capitalismo promovessem tal ajuste, essa era uma máxima difundida enquanto
princípio básico desse sistema, reduzindo assim o papel do Estado enquanto
possível interventor da economia. Magnoli (2000, p.305) relata:
Sob a SUDENE, o nordeste emergiu como região industrial periférica, conectada aos capitais sediados no sudeste [...]. Do ponto de vista geográfico, a SUDENE norteou-se pela teoria dos pólos de desenvolvimento que norteou as discussões sobre o planejamento no pós-guerra. A tese básica consistia na crença de que o desenvolvimento regional podia ser induzido por meio da implantação de estruturas produtivas modernas em
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um ponto determinado do espaço geográfico. As tecnologias e as riquezas geradas nesse ponto iriam difundir-se por todo o entorno, forçando a modificação do arcabouço econômico da região.
A premissa do Estado mínimo é histórica, talvez porque esteja na essência do
sistema capitalista, onde o mercado enquanto condutor dos processos econômicos
fará os ajustes necessários, mas é sabido também que o mercado não dá conta de
promover justiça social, uma vez que a lógica deste sistema é basicamente a
acumulação de capital e a circulação livre deste pelo território, no entanto, para
haver a circulação de capital um mercado consumidor mínimo é necessário. Mas,
para que estes ajustes aconteçam, concessões às classes camponesa e operária
precisam ser feitas, e quem promoverá tais concessões é o Estado, que neste país é
concebido como democrático e de direito, portanto, a propriedade privada é
intocável, inviolável. Pelo menos este tem sido o argumento utilizado pelos
protetores da propriedade. Aqui se instalam as contradições, que embaraçam e
geram dúvidas, porém, considerando que contradição e capitalismo se
complementam fica mais fácil, um entendimento, uma mediação.
O Estado é gerido por governos que outrora foram escolhidos em tese, pelo povo. E
fora eleito pelo povo justamente para representá-lo e defender os seus direitos,
como dito antes: em tese. Porque os governantes antes de assumir o compromisso
com a sociedade precisam selar acordos com os grupos que representam o
mercado. Por exemplo, os compromissos assumidos entre os empresários do Sul,
Sudeste (classe industrial) na década de 60 e com os usineiros e pecuaristas enfim,
das chamadas elites agrárias ou latifundiárias, este é um dos malabarismos que o
governo tem que fazer antes de começar sua gestão. Já as desigualdades no
território brasileiro estavam tão acentuadas, fruto de problemas que vinham se
reproduzindo historicamente, que o Estado não tinha outra saída a não ser intervir
na economia.
Logo, no sentido figurado, ousar deixar a condição de Estado mínimo para assumir
pelo menos na aparência o papel de “intermediário”, uma vez que não pudera ao
menos sonhar com a possibilidade de ser Estado “máximo” para não contradizer
mais ainda o sistema econômico vigente. Mas, o Estado só cometeu tal ousadia por
que o mercado não só permitiu, como solicitou, exigiu por melhor dizer, como fizera
no final do século XIX, quando praticamente obrigou o governo imperial a abolir a
escravidão, pois era emergencial a formação de um mercado consumidor na antiga
colônia portuguesa.
“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionarem-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os
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espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada”. (Marx, 1885, p.19).
E a semelhança de comportamento entre as elites do Brasil imperial e as elites do
dito Brasil republicano, tido como “moderno”, chega a ser univitelina, monozigótico,
talvez fruto de uma eficiente hereditariedade, pois consta nos livros de história, que
as elites da época mais homogêneas é verdade, relutaram até o último momento em
conceder a “liberdade” aos escravos, e como numa espécie de discipulado as teses
de Maquiavel, foram fazendo o “bem” aos poucos, “primeiro a Lei Euzébio de
Queiroz que, pois fim ao tráfico de escravos assinada em 1850, lei ventre livre (Lei
do Rio Branco, em 1871), seguida da lei dos sexagenários (Lei Saraiva - Cotegipe
em 1875 ) e por fim e aos solavancos, a Lei Áurea em 1888 (MOCELLIN,1997,
p.61).
Agora, com as diferenças regionais mais acentuadas, caracterizadas em elite
industrial brasileira “moderna” e elite nordestina “arcaica” como se fossem pólos
contrários de um campo magnético, com interesses opostos, e posturas adversárias,
era inevitável mais uma intervenção externa.
Mas, essa crise estabelecida entre esta classe se configura apenas na aparência,
pois quando as primeiras concessões foram promovidas pelo Estado, em favor da
classe trabalhadora na tentativa de manter sob controle os revoltosos que se
rebelavam justamente diante das primeiras crises do século XX,os governos
chegaram até a serem confundidos com governos comunistas, muito embora não
passando de meros populistas. Furtado (1984) afirma:
Com a criação da SUDENE, a participação do Nordeste no setor industrial saltou de 1,6 para 6% em pouco tempo e os estados da Bahia e Pernambuco, onde foram implantados grandes projetos de irrigação pela SUDENE, compreendem hoje a região mais rica do Nordeste. Entretanto, embora a SUDENE tenha mudado o destino de algumas regiões para melhor, a questão social não foi devidamente enfrentada. FURTADO (1984, p.06).
E a classificação da elite brasileira como conservadora, é resultado justamente da
análise de seu comportamento ao longo história, a exemplo do que fora apresentado
e discutido nesta pesquisa. Sendo no adiamento da reforma agrária, nas
oportunidades que surgiram ao longo do tempo, seja no adiamento da abolição da
escravidão como os documentos históricos comprovam, seja nas pequenas
concessões trabalhistas empreendidas por Getúlio Vargas, seja na ruptura de talvez
o melhor momento, ou melhor, oportunidade que este país já teve de livrar-se das
amarras do atraso, do subdesenvolvimento, superando não o capitalismo, como
muitos equivocadamente supuseram.
As ações da elite amedrontada da década de 60 sufocaram não a instauração de um
novo sistema econômico revolucionário, mas a implantação das condições que o
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sistema capitalista carecia para desenvolver-se como pretendia. Pois os setores da
igreja católica, da classe média e dos militares uniram-se em favor de golpe de
Estado, numa espécie de pacto conservador, por paranóia e medo de uma
revolução fictícia e por outras razões que não serão discutidas aqui, porque o que o
Estado anunciou foi apenas a reforma agrária na Central do Brasil, através de seu
presidente João Goulart em discurso para mais de cem mil pessoas, ele não fez isso
por bondade ou “camaradagem” mais por que via que as condições de vida de
grande parcela da sociedade brasileira eram insustentáveis e se nada fosse feito
seu governo não conseguiria dar continuidade às conquistas econômicas da década
passada, mas as promoções das reformas de base por parte do governo custaram
muito caro à nação brasileira e ainda hoje se colhe os frutos do atraso e
conservadorismo.
Portanto, a leitura que este trabalho faz desse período pré e pós - 64, nem chega a
considerar o Estado como “desenvolvimentista” no “máximo reformista” como afirma
alguns intelectuais, por que até hoje se assiste a atuação decadente de um
congresso corrupto e demente, que adia e negocia a votação das reformas básicas
que o Estado Brasileiro tanto necessita, e a grande prova disso é o agravamento da
questão agrária, em todo o território nacional, principalmente nas áreas de fronteira
agrícola das décadas de sessenta e setenta. Mesmo reconhecendo que a criação da
SUDENE, era uma medida de efetuar reformas no intuito de impedir a radicalização
das lutas sociais na região. Andrade (1998) discorre:
Realmente, a SUDENE foi criada em hora oportuna visando coordenar a aplicação de verbas públicas no Nordeste, salvar a região do flagelo do subdesenvolvimento que, mais que o das secas, a vitimava. Mobilizou o seu corpo técnico visando realizar um levantamento de possibilidades e das necessidades regionais em estudo demorado e criterioso. Desprezou, porém, até certo ponto, os técnicos que há alguns anos já trabalhavam na região e por isso a conheciam razoavelmente. Daí a demora30com a realidade regional. Achamos mesmo que ela se descuidou um pouco do problema humano que, como já salientava o economista Caio Prado Júnior em 1943, era o que primeiramente devia atrair a atenção dos técnicos e dos governos, devendo ter prioridade até sobre certos problemas básicos como a siderurgia e a industrialização. Realmente, não podemos ser um país forte e desenvolvido, com uma população raquítica, subnutrida e analfabeta. Este reparo pode ser constatado quando, lendo o Plano Diretor da SUDENE, se observa que, analisando os problemas regionais, o nosso órgão máximo de planejamento preocupa-se com a ampliação da nossa fronteira agrícola, com a comercialização dos gêneros alimentícios através da reorganização da rede de armazéns e silos, com a industrialização, com a racional exploração dos recursos minerais [...]. E é conveniente salientar que a melhoria das técnicas de produção, o aumento da rentabilidade da terra, sem medidas complementares em defesa do trabalhador do campo, até hoje, no Brasil, apenas tem carreado mais dinheiro para os bolsos dos ricos proprietários, continuando os que mourejam as terras a viver nas mais precárias condições de vida ANDRADE (1998, p.243).
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Então, os ajustes na maneira de distribuição, organização e apropriação das terras
da união, o acesso garantido ao crédito, assistência técnica, estrada para
escoamento da produção, mercado consumidor garantido, educação, saúde,
moradia, são caminhos contínuos na caracterização da reforma agrária. Os últimos
cem anos aproximadamente foram marcados por solicitações dessa natureza.
Solicitações estas expostas através de revoltas populares, obras literárias, músicas,
enfim manifestações artísticas denunciando as atrocidades cometidas e o descaso
dos governantes quanto à qualidade de vida no interior do Brasil e as formas de
apropriação das terras do estado.
Por mais complexos que sejam os problemas estruturais da sociedade brasileira ao
longo de sua história, sendo eles a falta de moradia, desemprego, analfabetismo, em
suma as desigualdade sociais, é inevitável fazer uma correlação com o campo, uma
vez que o êxodo rural bem exemplifica a origem destes problemas, e não tendo
acesso às mínimas condições de sobrevivência nem ao menos terra para plantar, e
quando tem lhes faltam condições para fazê-la produzir, aos lavradores restam
apenas à saída de seu lugar de origem para buscar trabalho e alguns acessos
garantidos pelo Estado.
Desde o final do século XIX, período de grande seca que sofreu o Nordeste, que o
Maranhão e a Amazônia constituem-se em região receptora de contingentes
populacionais (retirantes) e o Estado na tentativa de redução dos conflitos de terra
que ocorriam em decorrência da problemática agrária, vê nesta transferência uma
alternativa de diminuição das tensões no campo. Esses deslocamentos ocorreram
durante as primeiras décadas do século XX, mas foram intensificadas nas décadas
de 40 e 50, pois à medida que a pobreza e a falta de perspectivas cresciam,
cresciam também os deslocamentos, estes considerados “espontâneos”, pois
emigração só era considerada dirigida quando financiada pelo governo que garantia
o deslocamento e quando muito um lote de terra (ARCANGELI, 1987, p.14).
Logo, fica evidenciado que as políticas estatais ao longo da república brasileira não
têm a intenção de promover a formação de uma sociedade justa, onde a população
tenha as mínimas necessidades supridas e não somente garantidas em leis. Isso
porque, as políticas governamentais foram aplicadas no sentido de aliviar os
problemas deflagrados em território nacional, adiando sempre para o próximo
mandato as mudanças necessárias para o desenvolvimento constantemente
anunciado.
Portanto, a falta de políticas públicas para o campo brasileiro gerou e vêm gerando,
ainda fenômenos migratórios excepcionais, que reproduziu e vem reproduzindo
bolsões de miséria nas periferias das cidades do país, sejam elas grandes médias e
pequenas. Em suma, a situação na zona rural de muitos municípios brasileiros é
insustentável sob qualquer ponto de vista. E “a relação que exemplifica isso é a de
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efeito e causa entre a miséria da população rural brasileira e o tipo da estrutura
agrária do País, cujo traço essencial consiste na acentuada concentração da
propriedade fundiária” (PRADO JR., 1979, p.18).
Por isso, é pertinente fazer as diferenciações necessárias, ou melhor, dizendo
classificações, se amparado no trato que Prado Jr. (1979) dá esta questão onde
afirma que:
Os grandes proprietários e fazendeiros, lavradores embora, são antes de tudo homens de negócio para quem a utilização da terra constitui um negócio como outro qualquer [...] do outro lado, para os trabalhadores rurais, para a massa camponesa de proprietários ou não, a terra e as atividades que nela se exercem constituem a única fonte de subsistência para eles acessível. Confundindo na análise da questão agrária situações tão distintas, não se pode ir muito longe. Prado Jr. (1979, p.22)
Então, para este autor, de modo geral, não é possível reformar a estrutura agrária do
país sem intervir diretamente no modelo de produção, logo na economia.
Em resumo, ao longo da história do país o modelo econômico foi amparado na
produção para exportação, logo, em grande escala. Esta prática requer grandes
áreas e muitos braços para fazer a empresa rural funcionar, e a partir daqui é
possível fazer mais uma caracterização. A maneira de apropriação das terras deu-se
no Brasil inicialmente através de doação, depois por herança, e em casos isolados
por disputa, mas o direito de propriedade era concessão da “coroa portuguesa”
(metrópole) que posteriormente envia e/ou escolhe representante locais para
exercer tal atividade.
Os beneficiados além da propriedade das terras têm também o domínio sobre as
mesmas, ou seja, controle sobre todos os bens ou recursos que nelas estivesse
disponível a exemplo disso o acesso a água. Outro fator fundamental neste
processo foi a extensão do território, que por esta razão não ofereceu grandes
concorrências na fase de apropriação. E seguindo esta lógica é possível
compreender as razões que levaram à concentração da terra nas mãos de
pequenos grupos que também ao longo da história foram mudando de nomenclatura
(donatários, senhores de terras, fazendeiros, coronéis, empresários).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, passa-se rapidamente pelo período de coerção da mão-de-obra indígena,
seguida da escrava africana e superada esta, a fase de implantação do trabalho
assalariado ou semi-assalariado, e toda sorte de classificação e divisão das
categorias da mão-de-obra empregada na empresa agrícola.
Então, destas categorias que trabalham na grande empresa rural duas são claramente definidas – os donos das terras, logo do meio de produção, e os não proprietários de terras, vendedores de sua força de trabalho. Essa relação entre ambos e principalmente às condições impostas e
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estabelecidas para o trabalho na grande lavoura são segundo o autor conseqüências do modelo econômico desenvolvido. Seja onde for, e seja qual for à grande exploração de tipo comercial (como é o caso em todos os principais setores da agropecuária brasileira) tende, quando a conjuntura lhe é favorável, a se ampliar e absorver um máximo de extensão territorial e força de trabalho, eliminando lavradores independentes, proprietários ou não, bem como suas culturas de subsistência (PRADO JR., 1979, p.53).
Considerando esta análise conclui-se que nenhuma reforma agrária é possível sem
intervenção na economia e que os programas de governos trataram historicamente
da questão agrária de modo superficial. E também por isso fica claro na tese
defendida por pelo autor o porquê da palavra “questão” como título de sua obra,
porque a pobreza e a miséria da população rural estão na condição de um ponto a
se resolver e para isso são criados artifícios dos mais diversos entre eles a
estratificação de classes, adoção de nomenclaturas do tipo pequeno proprietário,
que para o Estado é muito diferente do trabalhador rural empregado chamado
também de: diarista, assalariado, bóia-fria e uma série de codinomes para
caracterizar uma diferença que na prática é quase nula.
A situação material de ambas é semelhante; as origens de sua miséria se confundem, em última instância, numa causa comum: a natureza da economia rural brasileira, dominada pela grande exploração, e o tipo de estrutura agrária em que essa grande exploração assenta: a concentração da propriedade fundiária (PRADO JR., 1979, p.77).
Como não é possível negar e varrer para debaixo do tapete da nação esta situação
aos governos resta forjar reformas no intuito, segundo eles de superação destas
mazelas sociais e em seus programas emblemáticos duas proposições são
destacadas - a do latifúndio improdutivo seguida da divisão da terra, onde
conseguem chegar ao máximo em uma reforma fundiária, de mera distribuição de
terras.
Estes são os estandartes levantados por vários setores do governo, amparados em
teses acadêmicas e que são muitas vezes adotadas por setores da sociedade civil,
constituindo no mínimo opiniões equivocadas. Por outro lado aqui se reconhece a
imprescindível contribuição de Prado Jr. no trato desta problemática, pois ele
disseca o assunto com o rigor e a propriedade, além do admirável manuseio, que a
questão requer. A saber:
A análise que procedemos e que se destinaram a isso, nos mostrou precisamente onde se encontra o vicio mais profundo da economia agrária do país, responsável imediato pela miséria da população rural brasileira. A saber, a grande exploração agromercantil e a concentração da propriedade fundiária que é causa condição e efeito daquele tipo de economia. Num quadro como esse, “o latifúndio improdutivo” constitui um pormenor de segunda importância [...]. Não nos basta, contudo saber o que o conceito de latifúndio improdutivo inclui. Precisamos também considerar o que ele certamente não inclui. A distinção necessária que se há de fazer na consideração. De qualquer atividade produtiva da agropecuária brasileira, a saber, a diferença entre as categorias de classe a que se destina essa
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produtividade, [...] de nada serve dividir a terra se não se dispensar amparo ao pequeno proprietário (PRADO JR., 1979, p.79).
Estas são controvérsias instauradas pelos governos para formularem propostas de
superação dos problemas oriundos do campo, nenhuma propõe mudanças no
modelo econômico como produção diversificada e atendimento ao comércio interno
do país. Se a função social da terra é produzir alimentos e o artigo 5°da constituição
defendem direitos e garantias fundamentais, o direito de alimentar-se é primordial,
então questionar se as grandes fazendas produzem para sanar a fome de seu povo
ou se sua produção é para atingir metas de mercados é a via principal a ser seguida
em um processo de mudança. Enfim:
O desenvolvimento da tecnologia beneficiou os que controlavam o processo de acumulação, feito através da concentração da riqueza e da acentuação dos desníveis sociais. Parece até que o pensamento do Guido de Lapeduza, em seu livro „o Leopardo‟, foi inspirado no que ocorreu na Região, é necessário que as coisas mudem para que fique como estão (ANDRADE, 1998, p.227).
O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumento sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas - talvez até mesmo à maioria. Às vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, à oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso à água tratada ou saneamento básico (Amartya Kumar Sem, 2000).
Fotos: Jane Cavalcante
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7 O PORTO DO ITAQUI NA DINÂMICA TERRITORIAL DO CAPITAL
José Jonas Borges da Silva58
RESUMO
Este artigo é um ensaio sobre a constituição do complexo portuário de São Luis, em
particular analisando a importância do Porto do Itaqui. O artigo tenta trazer ainda
aspectos da contradição que apresenta tal empreendimento, considerando os níveis
de desigualdade sócias do estado do Maranhão. Entender essa contradição foi o
que me levou a desenvolver a pesquisa de campo realizado no mês de agosto de
2009. A pesquisa foi desenvolvida em três dois momentos distintos: o primeiro
durante a visita inlocus ao Porto de Itaqui, tanto em sua parte administrativa quanto
sua parte externa, correspondente esta ao embarque e desembarque; o segundo
momento foi na visita ao porto intermediário, o Porto Grande, o qual compõe o
complexo portuário de São Luis. Ainda no que se refere à metodologia, pesquisei
fontes acerca do complexo, como sites, jornais impressos e virtuais, e literatura
específica a fim de basear a construção textual ora apresentada. Como resultado, o
trabalho demonstra o antagonismo social existente no Maranhão, no qual se mostra
de forma clara o papel do Estado e sua relação diferenciada com os grupos sociais,
que utilizam os seus serviços públicos para atender interesses privados. Como os
interesses privados prevalecem sobre os interesses públicos, o que é demonstrado
pela pouca preocupação com os impactos ambientais provocados por este tipo de
investimento, o trabalho aponta o descaso com as conseqüências sócio-ambientais
da Ilha, afetando diretamente as camadas mais pobres da população, e de forma
particular as que habitam nas proximidades do complexo portuário. Como conclusão
do trabalho, trago como os grandes projetos no Maranhão têm sido utilizados como
instrumentos políticos para manipulação da opinião pública com a retórica do
desenvolvimento para o estado, mas que na verdade, garantem os interesses do
capital através da exploração sobre as matérias-primas desta região centro norte de
Brasil.
Palavras-chave: Porto do Itaqui; Dinâmica Territorial.
58 Graduado em Geografia - Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campo Presidente Prudente
– SP [email protected]
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1 INTRODUÇÃO
Esse artigo trata da dinâmica territorial do capital em São Luis, capital do Maranhão,
destacando de forma particular o complexo portuário na ilha de São Luis59. O
mesmo resulta de pesquisa de campo apresentada na disciplina Dinâmica Territorial,
ministrada pelo professor doutor Bernardo Mançano Fernandes e pelo professor
doutor Thomaz Junior, no Curso Especial de Geografia, da Universidade Estadual
Paulista – UNESP em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes- ENFF e
a Via Campesina, realizado com o apoio do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária - INCRA através do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária. Para a realização do trabalho foram feitas duas visitas em agosto de 2009
ao Porto do Itaqui e do Porto Grande, ambos de responsabilidade administrativa do
governo estadual.
Na visita tive oportunidade de conhecer a parte administrativa e a parte externa do
Porto do Itaqui e nas duas situações pude estudar sua capacidade e perceber
contradições que se apresentam em um investimento de tal porte em um estado tão
pobre como é o caso do Maranhão, ao mesmo tempo que se constitui fundamental
no atual contexto de disputa pelo mercado marítimo internacional.
Nas oportunidades ficou muito bem demarcado o antagonismo social existente no
Maranhão, no qual se mostra de forma clara o papel do Estado e sua relação
diferenciada com os grupos sociais se utilizam dos seus serviços públicos para os
interesses privado.
Como conclusão do trabalho, aponto a diferença no tratamento dispensado aos
grandes investimentos e às questões sociais. A diferenciação no trato da política
pública quando direcionado às camadas populares e o trato quando esta se
direciona aos grandes investimentos empresariais.
2. COMPLEXO PORTUÁRIO DE SÃO LUIS
O Complexo Portuário de São Luis é composto pelo Porto do Itaqui, Terminal
Pesqueiro (Porto Grande), Porto da Alumar, Porto de Ponta da Madeira (Vale), Porto
da Espera, Cujupe e São José de Ribamar (conforme figura 1), e se constitui o
segundo maior do Brasil em movimento de cargas, chegando a movimentar 65
milhões de toneladas por ano.
Além de cargas no complexo portuário existe um grande movimento de pescado,
como também transporte de pessoas, caminhões, carros, além de variados
produtos, especialmente entre Porto da Espera e o Cujupe, no caso, estes
direcionados para a região da Baixada Ocidental Maranhense, por ser esta umas
59A Ilha de São Luis; é constituída de quatro municípios: São José de Ribamar, Paço do Lumiar,
Raposa e São Luis neste, encontra-se localizados os principais portos do estado do Maranhão, Porto do Itaqui, Porto da Madeira e Porto da Alumar.
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das vias de acesso à capital do vizinho estado do Pará, Belém. Esta via é muito
procurada pelos viajantes por diminuir cerca de 3 horas o tempo de viagem, em
relação à rota rodoviária.
Figura 1: Complexo Industrial e Portuário de São Luis. Fonte: EMAP (2008)
Da estrutura portuária do complexo, destaco o Porto da Ponta da Madeira,
pertencente à atual empresa Vale. O terminal conta com um berço de acostagem
para navios de 450.000 TPB60, um pátio descoberto de 125.000 m² para estoque de
minério de ferro, manganês e um silo horizontal com capacidade de 25.000 t de
grãos. Como se não fosse pouco a Vale o utiliza de forma exclusiva, assim como a
Petrobrás utiliza um dos sete berços do Itaqui numa relação nada transparente entre
o público e o privado.
O Complexo Portuário de São Luís teve, em 2007, uma movimentação geral de 65
milhões de toneladas por ano, em 2010 a movimentação pulou 117 milhões de
toneladas. Desta, o Itaqui respondeu aproximadamente com 15 milhões de
toneladas no ano de 2007, quantidade ainda pequena, se considerada sua
capacidade física e estrutural. Porém, é importante que fique claro que para garantir
a estrutura existente, assim como o fornecimento da matéria-prima, o porto conta
com subsídios de agentes financeiros como o Banco do Nordeste do Brasil – BNB, e
o Banco da Amazônia – BASA, assim como de instituições públicas federais, como a
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM, Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, Banco Nacional de Desenvolvimento
Social – BNDS, e ainda recursos do governo estadual, hoje através do Programa de
Aceleração do Crescimento- PAC. Estas instituições financeiras apontam a relação
entre o Estado e capital privado, que indicam mecanismos de centralização da
60
TPB, conversão internacional para definir a capacidade de carga de cada navio, o que pode variar
muito dependendo do cargueiro.
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riqueza, estabelecidos em proveito dos consórcios financeiros, no quadro de
empréstimos aos Estados, destinados a financiar grandes investimentos de infra-
estrutura (ferrovias, portos) em países semicolonias. (LUXEMBURGO, citada por
CHESNAIS. 1996, p. 49)
Considerando que grande parte desses investimentos financeiros feitos no
Complexo Portuário de São Luis, no sentido de consolidar a estrutura para o
escoamento da matéria-prima dessa região da Amazônia Oriental, são em grande
parte aportes de instituições internacionais, como Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BIRD, Fundo Monetário Internacional – FMI e Banco Mundial,
confirma-se o pensamento acima.
2.1. Porto do Itaqui: gigante pela própria natureza
Encontra-se localizado no interior da Bacia de São Marcos, cerca de 15 km do
centro de São Luís, construído em um canal de 1,8 km de largura, com 27 metros
de profundidade. Com a extensão de 1.616 (um quilômetro e seiscentos e dezesseis
metros) tem instalados 6 berços de atracação, é considerado o quarto porto
brasileiro em termos de importância econômica, conforme informação do diretor de
controle externo portuário. Fazendo-o também, um dos portos mais competitivos do
país.
Estadualizado desde fevereiro de 2001, é responsabilidade da Empresa
Maranhense de Administração Portuário - EMAP, órgão este diretamente ligado à
Secretaria do Estado da Indústria e do Comércio, e mesmo sendo um órgão
estadual, em seu quadro de profissionais, conta com 500 funcionários, sendo 60%
destes terceirizados e os outros 40% apenas contratados pelo Estado ou cargo de
confiança do governo, a EMAP, portanto, no ano de 2009 não dispunha de nenhum
funcionário público concursado atuando em seu quadro.
Mesmo com uma localização privilegiada e profundidade variando de 9m a 21,5 m
distribuídos entre os sete trechos distintos, os quais são denominados berços 101,
102, 103, 104, 105, e 106, são poucos berços, em relação a outros portos nacionais
mesmo assim é considerado “gigante pela própria natureza”, sendo o único porto
brasileiro a receber o navio Berge Stahl, considerado o maior cargueiro do mundo,
cuja rota é exclusiva entre São Luís, no Maranhão e Rotterdan, na Holanda .
Das instalações disponíveis na área do porto existe um armazém com 7.500 m²; 1
armazém (inflável) com granéis sólidos, de 3000 m²; 4 pátios de armazenagem com
areia de 42000 m²; 4 silos verticais com capacidade para armazenar 12.000 t de
grãos; 1 silo horizontal com capacidade de 8.000 t de grãos. Sua estrutura ainda
conta com um berço de uso exclusivo da Petrobrás para receber derivados de
petróleo com disponibilidade de 50 tanques para depósito de granéis líquidos com
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capacidade de 210.000 m², 8 silos verticais com capacidade de 7.200 t, e ainda
existem duas esferas de 8.680 m² de GLP.
Porém, estas qualidades não lhe dão a excelência no mercado mundial, já que suas
cargas, tanto de exportação quanto de importação, são constituídas basicamente
por produtos de matéria-prima. Tal aspecto pode ser observado pela forma como é
transportada a carga, no caso, o Porto tem a maioria de seu material sendo
transportado a granel, sendo muito pequeno o uso de container. Este aspecto é
importante, por ser o principal indicador de capacidade de porto como pequeno nível
de mercado internacional.
Para se ter idéia da importância da movimentação de container para um porto,
segundo os números apontados pelo Superintendente de Estudo de Mercado do
Itaqui, senhor Raimundo Neves, em 2007, o Brasil exportou 6 milhões de TEU‟s 61,
destes o porto de Santos movimentou 2 milhões, sendo o restante distribuídos entre
os outros portos brasileiros, e cuja participação do Itaqui se apresenta ainda muita
tímida, alcançando números inexpressivos. E, para de demonstrar a fragilidade da
movimentação portuária brasileira, basta dizer que apenas o Porto de Singapura, no
Japão movimentou 25 milhões de TEU‟s .
Neste sentido, de acordo com o diretor acima citado, o Porto do Itaqui apresenta
grande potencialidade (ainda não explorada), tendo como justificativa seus recursos
naturais e sua localização privilegiada, cuja exploração pode levar o Porto a
números extraordinários de movimentação.
Hoje, os principais produtos que são movimentados na importação são antracita,
arroz, calcário, fertilizantes, fluoreto, trigo, trilhos GLP e cargas em geral. No
movimento da exportação, encontram-se produtos como derivados de petróleo,
alumínio, manganês, cobre, ferro gusa, etanol e fertilizantes. A movimentação no
ano de 2007 foi apenas de 114 contêneres, cada um com 20 TEU‟s , com uma carga
de 3.000 mil toneladas de alumínio exportada pela Alumar.
A figura abaixo trás o fluxo de carga dos principais terminais do Complexo Portuário
de São Luis, o que demonstra a pouca utilização do Porto do Itaqui nos anos 2001 e
2002, em relação aos outros terminais apresentados, cuja particularidade é o caráter
privado dos mesmos, no caso, a Alumar e a atual Vale, então Companhia Vale do
Rio Doce.
61
TEU‟s é a unidade de medida para containeres, na língua inglesa TEU‟s (twenty foot equivalent units) ou em FEU‟s (forty foot equivalent units.
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Figura -3: Fluxos de cargas através do Porto de Itaqui e dos terminais privativos da CVRD e Alumar –
Maranhão – 2001-2002
Uma das particularidades do Porto é sua localização distante dos centros urbanos, o
que constitui vantagem em relação a outros importantes portos do país por técnicos
portuários. No caso do Itaqui, devido a considerável distância entre ele e
aglomerados urbanos, há maior liberdade para a movimentação ali existente, e toda
a movimentação portuária acontece sem chamar nenhuma atenção por parte da
cidade, que na grande maioria desconhece o que acontece ali. No caso, é de
desconhecimento público, por exemplo, o que acontece em termos de reformas ou
ampliações do porto, e o que isso significará para as populações da cidade; quais
suas conseqüências ao meio ambiente; e quais seus impactos na economia da
cidade.
Importante registrar, no entanto, que o Porto do Itaqui não se encontra no todo em
área isolada, pois existem várias pequenas comunidades nas suas proximidades, as
quais vivem, geralmente, com práticas de atividades rurais e agro-extrativistas.
Por fim é importante destacar a relação do Porto com a rede ferroviária, rodoviária e
hidrográfica que abrange toda a região centro norte do Brasil, a região do Tocantins-
Araguaia, indo até os estados do nordeste especialmente o Piauí e norte da Bahia
chegando até o Mato Grosso, conforme figura número 3. Fato este que comprava a
relação agroexportadora dessa região e a relação direta com a expansão do
agronegócio nestas novas fronteiras agrícolas do país. Algo muito questionado por
organizações de direitos humanos e defesa do meio ambiente, assim também como
motivo de enfretamento dos camponeses aos latifúndios que concentram terras na
região, como aconteceu recentemente com a denuncia da organização Greenpiace
apresentando denúncia de como as empresas de ferro gusa estão destruindo o
ambiente tendo como porta de saída dessa matéria prima o complexo portuário se
São Luís.
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Figura 4: relação do Porto com outras regiões do Brasil. Fonte: EMAP (2008)
3. PORTO GRANDE E O VIZINHO PORTO DA ALUMAR
O Porto Grande como um dos portos que compõem o Complexo do Itaqui é um dos
um dos principais pontos de chegada do pescado que abastecem a Ilha de São Luís,
parte do interior do Maranhão, e parte do estado do Piauí.
Para a EMAP o Porto Grande representa para o estado do Maranhão uma reserva
portuária importantíssima para futuras ampliações do complexo portuário
maranhense, já que seu calado é de 10 metros podendo chegar a 13 metros.Para
um porto secundário como este 13 metros constitui fator de muita importância,
contribuindo para que o Maranhão seja um dos lugares mais propícios para o
serviço de atendimento de grandes embarcações, o que mostra também, o grande
potencial portuário do complexo em pauta.
Como parte do complexo portuário de São Luis o Porto da Alumar-Alcoa (Consórcio
Alumino do Maranhão) tem localização geográfica privilegiada, devido sua
proximidade física dos portos da Vale e do Itaqui. Neste sentido, pude observar a
grandiosidade estrutural deste projeto portuário. Registro, no entanto, que tal projeto
constitui em mais um investimento do capital internacional no Maranhão O canal
utilizado pelo Porto da Alumar é o mesmo canal utilizado pelo Porto Grande. A
Alcoa-Alumar produz principalmente alumínio para exportação, atendendo uma
grande parcela da demanda internacional, cuja exportação em parte é feita pelo
Porto do Itaqui.
Segundo informações colhidas, a Alcoa-Alumar mantêm o porto com seus próprios
recursos e ela mesma, com toda sua estrutura, material e recursos tecnológicos
realiza diariamente a limpeza do canal que dá acesso a seu porto, cujo uso é
exclusivo para embarque e desembarque dos navios direcionados às cargas.
O Complexo Portuário de São Luis passou a possuir a atual dimensão e importância
para atender às exigências da implantação de grandes projetos de
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“desenvolvimento” no Maranhão, como o extinto Programa Grande Carajás. Era a
forma do Estado garantir a infra-estrutura básica para a vazão de empreendimentos
como o Projeto Grande Carajás, o qual
... abrange uma área de aproximadamente 895.000 km em terras do Maranhão, do Pará e do atual Tocantins. Seus objetivos iniciais estão relacionados diretamente ao mercado externo e à geração de divisas para o pagamento da dívida externa brasileira, através dos segmentos minero-metalúrgicos, agropecuária e agroflorestal (SILVA, 1995, p. 56)
Além da estrutura portuária, o Estado também se responsabilizou pela recuperação
e ampliação da malha viária e da construção das ferrovias Carajás e Norte-Sul. Para
garantir a energia demandada pelos grandes projetos foi necessária a construção da
hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, cuja energia é repassada às empresas privadas de
forma subsidiada. Assim, a Alcoa-Alumar, sediada em São Luís e a Albras-Alunorte,
instalada na Vila do Conde, em Barcarena (PA) recebem 60% dos 4250 MW de
energia gerada em Tucuruí (FEITOSA, 1998, P. 132), o que demonstra como o
Estado se encontra a serviço dos interesses do capital.
Nesse último período a Alcoa-Alumar esteve ampliando seu porto, com a expectativa
de aumentar a exportação de alumínio. Com exportação anual de um milhão e meio
de toneladas, deverá passar a exportar cerca de três milhões e trezentos mil
toneladas por ano, o que resulta em mais de cem e vinte por cento de aumento na
exportação. (ALUMAR, 2008).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A respeito da dinâmica territorial de São Luis, tendo como base o complexo portuário
de São Luis pude observar uma clara diferenciação no comportamento do Estado no
que tange ao tratamento dispensado aos diferentes grupos sociais. Se por um lado,
ele se faz ágil quando precisa atender às necessidades do capital, porém quando
precisa atender às demandas populares, entra em ação a morosidade característica
do serviço público do estado burguês.
No que se refere aos grandes projetos, como o caso do complexo portuário do
Itaqui, o mesmo possui toda uma estrutura rodoviária e hidroviária custeada por
recursos públicos, sem discussão com a sociedade civil, sendo todo o planejamento
e execução de seus projetos de quase completo desconhecimento público. A
ressalva mais importante a respeito é que todo o aparato ali existente trata de
apenas atender à demanda de capital internacional, cuidando para que seja
garantida a exportação de matéria-prima para outros países. O contracenso disso
encontra-se na substituição de produtos que atendem à demanda interna, impondo
ao estado a importação de produtos básicos para a população local.
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Concluo assim, que o Estado trabalha com os grandes projetos de interesse
capitalista, mostrando-se ágil, competente e sempre com grandes reservas de
recursos; enquanto que quando trabalha com os setores populares se apresenta
lento, oneroso, burocrático e incompetente.
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8 DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO MARANHÃO E A IMPLANTAÇÃO DA
REFINARIA PREMIUM I: UMA ANÁLISE DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL E
SUAS IMPLICAÇÕES NO MODO DE VIDA E TRABALHO DA POPULAÇÃO
LOCAL
Karênina Fonsêca Silva62
RESUMO
Trata-se de um estudo bibliográfico descritivo, com objetivo de contribuir nas
discussões sobre a política de desenvolvimento do processo de implantação do
Projeto Premium I, na perspectiva de crescimento do Maranhão, considerando as
formas de apropriação territorial pelo projeto e suas implicações no modo de vida e
trabalho da população local, em face do processo de transnacionalização do capital.
A problemática da industrialização nacional surge a partir da situação periférica
residente na dualidade entre a constituição da Nação e a divisão internacional do
trabalho convertida em periferia, numa economia comandada por decisões tomadas
pelos países centrais, para atender a uma demanda externa. Partindo dessa
premissa surgiu os seguintes questionamentos: - Como compreendemos este
processo no Maranhão? - Qual a lógica da implantação de grandes projetos minero-
siderúrgicos nesta região?
Palavras-chave: Desenvolvimento; Trabalho; Cultura; Território.
62
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioespacial e Regional-PPDRS, pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA.
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1 INTRODUÇÃO
A problemática que envolve o tema aponta para pontos de impasse devido a
aspectos que ainda não foram investigados, considerando a implantação da
Refinaria Premium I em Bacabeira e suas alterações no modo de vida e trabalho da
população local.
A questão é se a criação desse novo mercado e das formas de produção irá de fato
absorver os atuais moradores, considerando-se que grande parte da população
apresenta baixa escolaridade e, por conseqüência, dificuldade de inserção nesse
novo contexto.
Historicamente a ocupação territorial do Maranhão segue a uma lógica de mercado
no sentido de suprir as necessidades dos países hegemônicos, devido a sua
localização geográfica e condições naturais favoráveis, destacando-se a abundância
de água, terras férteis e ecossistemas.
O território maranhense encontra-se fora do polígono das secas, situando-se numa
zona de transição entre o Nordeste semi-árido e a Amazônia tropical e ainda
localiza-se em um dos pontos mais próximos dos mercados norte-americano e
europeu.
Conforme Ferreira, (2009) no Brasil, por exemplo, o Estado também desenvolveu
iniciativas visando à ampliação do conhecimento do território nacional através da
“ideologia geográfica” de “unidade territorial” almejando à legitimação nas diferentes
escalas e ao mesmo tempo subsidiar/implementar políticas territoriais indutoras.
Nesse contexto, o discurso das classes dominantes penetra as relações do comércio
de que, face á globalização, os Estados Nacionais perderam a capacidade de
implementar políticas próprias.
No campo observa-se uma modernização conservadora, na qual a expansão
mostrou-se contraditória, à medida que introduz elementos modernos no processo
produtivo, ao mesmo tempo em que mantém a estrutura agrária arcaica,
incentivando a grande empresa agrícola (pecuária, soja e reflorestamento) e
expulsando violentamente pequenos posseiros e comunidades tradicionais,
desorganizando assim formações sociais sem lugar de fato no processo de
acumulação capitalista (MESQUITA et al., 2009).
O Maranhão se insere no contexto do capitalismo neoliberal seguindo a política
desenvolvida no âmbito federal, adotando uma política de investimentos industriais,
visando atrair o capital privado nacional e internacional em troca de vantagens
fiscais e mão de obra barata, rotulada de desqualificada (HARVEY, 2005).
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Nesse contexto, pensar em desenvolvimento regional nos remete a compreensão do
próprio significado de desenvolvimento. Para tanto, buscou como referencial teórico
para Desenvolvimento Furtado (1974), compreendendo o desenvolvimento como um
processo de mudança social, pelo qual um número crescente de necessidades
humanas - preexistentes ou criadas pela própria mudança são satisfeitas através de
diferenciação no sistema produtivo decorrente da introdução de inovações
tecnológicas e Harvey (2004), referindo-se ao desenvolvimento numa concepção
ampliada, além do crescimento econômico e a forma como este é distribuído na
sociedade, considerando a redução da pobreza, a elevação dos salários e de outras
formas de renda, ao aumento da produtividade do trabalho e a repartição dos
ganhos deles decorrentes, à melhoria das condições habitacionais, ao maior acesso
a saúde e educação, melhor qualidade de vida, envolvendo inclusive condições de
transporte, segurança e baixos níveis de poluição.
Dessa forma, todo o processo de pesquisa, no que concerne à temática em questão,
se fundamentou no método materialismo histórico dialético tomando por base a
realidade concreta para investigar os determinantes e determinações de um dado
processo social, enfatizando sua dimensão histórica num determinado contexto.
Considerando a situação da população local, seus modos de vida, padrões, uso dos
recursos, relações com o ambiente, formas políticas e culturais, associando ao
processo de implantação do Projeto e suas implicações no contexto histórico e
político dessa população, bem como o papel do Estado.
Este artigo está estruturado em quatro partes: na primeira e segunda parte faz-se
um breve histórico sobre a ideologia desenvolvimentista sob a égide da
dependência; a terceira situa o Maranhão no cenário industrial enfocando o discurso
do “progresso” e seus efeitos sobre a classe trabalhadora;pontuando a empresa
Petrobrás no contexto da transnacionalização do capital, bem como o processo de
implantação da refinaria Premium I no Maranhão, trazendo uma primeira
aproximação com a realidade local, inclusive apontando algumas implicações
ocorridas no cotidiano da região em estudo, e por fim a conclusão, elencando alguns
comentários e sugestões para o desenvolvimento do Maranhão frente à implantação
do Projeto em Bacabeira.
2 O DESENVOLVIMENTO SOB A ÉGIDE DA DEPENDÊNCIA: UM BREVE
CONTEXTO HISTÓRICO
Há uma vasta literatura que discute as transformações ocorridas no cenário
contemporâneo – da acumulação capitalista, do poder político em escala mundial,
do trabalho e das atuais formas de resistência.
A atual condição do capitalismo global é examinada, sob o pressuposto de que a
chamada “nova ordem” tem por base o que Harvey chama de um “novo
imperialismo”. Para explicar tal afirmação, o autor faz uma contextualização partindo
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do antigo imperialismo exercido pelas grandes potências européias, em sua histórica
luta de base territorial. Assim, avalia que o declínio do império inglês, iniciado no
segundo pós-guerra, cedeu o poder global aos Estados Unidos. A partir daí,
começou a se configurar uma nova forma de imperialismo. O que o imperialismo
atual mostra de novo é, pois, que “nele predomina tipicamente a lógica capitalista,
embora haja momentos em que a lógica territorial venha para o primeiro plano”
(HARVEY, 2005, p. 36).
O império seria, pois, uma nova ordem global que, além de um irreversível processo
de globalização, inaugurou uma nova estrutura de comando, uma nova forma de
supremacia – onde a soberania é exercida por uma série de organismos nacionais e
supranacionais, que se unem por uma regra única.
Não fugindo desta ótica, Miriam Limoeiro Cardoso em 1978, apontava em sua obra:
Ideologia do desenvolvimento, Brasil: JK e JQ, a forma como as sociedades se
organizaram internamente para responder as determinações permeadas por
dominação e disseminadas através da ideologia desenvolvimentista.
A ideologia desenvolvimentista que se instaura no Brasil como uma característica
juscelinista, se estabelece desde o início da década de 50 e se articula no bojo da
conjuntura econômica e dos setores produtivos no país. Na ocasião, coloca-se a
necessidade de atrair o capital estrangeiro para alcançar a prosperidade econômica
e esta ideologia é assumida pela burguesia brasileira em acordo com os grupos
econômicos norte-americanos na condição de sócia minoritária do capital
transnacional.
Esta política de desenvolvimento trouxe grandes impactos na formação social
brasileira, uma vez que redefiniu a economia brasileira na condição de dependência
ao sistema internacional.
Nessa perspectiva, a tese central de Caio Prado Júnior afirma que houve um
sistema colonial brasileiro, sistema de moldes pré-capitalistas, modo de produção
pré-capitalista, ao qual se refere como “velho sistema” que durou do início da
colonização até o final da Segunda Guerra Mundial.
Outro problema enfrentado para que houvesse um desenvolvimento econômico
nacional foi a dependência dos mercados e do capital externo, o que fez com que
nossa economia fosse sempre periférica e voltada para a extração de matéria-prima
do solo colonial para atender as necessidades comerciais européias.
A ocupação da colônia atendia a uma necessidade expansionista do capital
comercial europeu. A decadência da exploração de matéria-prima, principalmente no
que se refere ao Pau-Brasil, foi rápida e teve como principal motivo o esgotamento
das reservas naturais.
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As características geográficas do Brasil e do caráter inicial da formação econômica
brasileira delineou a ocupação do território, ocorrendo a partir do litoral e tornando o
interior economicamente desinteressante devido às questões de localização para o
mercado. A economia passa a ser ligada às plantações de açúcar, produto com
grande mercado na Europa, e a agricultura de subsistência. Surgem, assim, as
primeiras aristocracias oligárquicas regionais do país.
A história latino-americana é de dependência externa pela simples decorrência da
concepção de desenvolvimento desigual da economia mundial capitalista, que se
exprime na relação centro-periferia. Deste modo, registra-se uma sucessão de
“situações de dependência”: dependência colonial, dependência primário-
exportadora e dependência tecnológico-financeira (MELLO,1998, p.24).
A desigualdade do desenvolvimento mundial, reflete-se no descompasso entre as
técnicas produtivas “avançadas” do centro e a capacidade da periferia.
A origem do fenômeno do subdesenvolvimento não é uma fase pela qual tenha
passado as economias que já alcançaram um grau superior de desenvolvimento,
mas um processo histórico autônomo e não linear. O grau de subdesenvolvimento é
dado pela relação entre o setor “atrasado” e setor “avançado”.
Para Cano (2007) o setor avançado cresce sem absorver novos contingentes de
mão de obra e todo o aumento da população é absorvido pelo setor atrasado, o
incremento de produtividade no setor avançado não implicará necessariamente
aumento da participação no produto global. Ou seja, apesar de ter sido elevado o
nível técnico, isso não resulta em alteração do grau de subdesenvolvimento.
De acordo com Barbosa (2006), reportando-nos ao contexto histórico, a economia
brasileira nos anos 50, através do núcleo industrial brasileiro, foi criado com base na
expansão da procura global a partir de industrias ligeiras (tecido e alimentos),
passando a predominar três setores dentro da economia:
• Economia de subsistência – fluxo monetário;
• Atividades ligadas ao comércio exterior;
• Produtos manufaturados ligado ao mercado interno.
Nesse sentido, a compreensão de desenvolvimento deve está associada ao
resultado da interação de grupos e classes sociais que tem um modo de relações
que lhe é próprio, e não simplesmente um modelo a ser seguido.
O desenvolvimento ou “modernidade” é veiculado ideologicamente ao processo
tecnológico e de industrialização. No entanto, a história nos mostra as contradições
e forças políticas contrárias ao que é disseminado, principalmente nos países
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periféricos, oriundos de um processo de colonização desigual e excludente,
proveniente de uma relação de dependência econômica e cultural.
A problemática da industrialização nacional a partir de uma situação periférica reside
na dualidade entre a constituição da Nação e a divisão internacional do trabalho
convertida em periferia, numa economia comandada por decisões tomadas pelos
países centrais, para atender a uma demanda externa (LESSA, 2005).
Partindo deste contexto, como compreendemos este processo no Maranhão? Qual a
lógica da implantação de grandes projetos minero-siderúrgicos nesta região?
Sem recorrer a uma “bola de cristal”, faz-se necessário buscar os aspectos históricos
e correlacioná-los ao contexto regional. Para tanto, far-se-á um resgate histórico da
economia maranhense e suas relações políticas face ao processo de
industrialização e de transnacionalização do capital.
3 O MARANHÃO NO CENÁRIO INDUSTRIAL: (DES)ILUSÕES DO “PROGRESSO”
ECONÔMICO E (RE)ORGANIZAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA
O Maranhão é parte constitutiva de uma totalidade da sociedade brasileira com seus
vínculos de dependência externa e de subordinação internacional. Dessa forma,
afirma-se que há uma articulação entre o local, nacional e o transnacional,
compreendendo que os interesses do capital se movem nessas esferas, e
obviamente, de forma diferenciada.
A partir da década de 80, a força de grandes projetos industriais, a exemplo do
programa Grande Carajás, engendrou um capitalismo industrial no Maranhão com a
combinação de formas modernas (tecnologia) e atrasadas (manual e braçal),
impulsionadas e patrocinadas pelo Estado. Segundo Barbosa (2006, p.89) esta
relação pode ser referenciada desde a Lei Imperial 2.687 de 1875, em que os
governos das províncias deveriam oferecer garantias de ingresso, isenção de
impostos, máquinas, equipamentos e logicamente território, para as companhias que
investissem seu capital nos engenhos de cana. Observa-se assim que o vínculo do
Estado e o capital sempre existiram e à custa da intensa exploração da classe
trabalhadora.
Segundo Holanda (2009) a verdadeira década perdida para o Maranhão foi a
década de 1990, cujo desenrolar foi condicionado pelo esgotamento do ciclo de
investimentos que maturaram no Estado na primeira metade da década de 1980,
com a instalação do complexo metalúrgico-logístico VALE, Carajás e ALUMAR, e
pelo aprofundamento da crise fiscal que se abateu sobre o Estado.
Um aspecto importante a respeito da economia maranhense na década de 1990 é
que esta derivou escasso ou nenhum dinamismo da melhora no cenário
macroeconômico nacional pós - Plano Real. A década de 1990 constituiu para o
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Estado do Maranhão a verdadeira década perdida do ponto de vista do desempenho
econômico conforme dados do IMESC/2009 (tabela 1), sua taxa de crescimento
global encolheu para 1,4% a.a., menos da metade da taxa de expansão da região
Nordeste (3,6% a.a.) e inferior à já medíocre taxa de expansão do país (2,1% a.a.).
O mercado de trabalho maranhense corrobora em sua trajetória nas últimas três
décadas às características essenciais do padrão de acumulação. O aspecto mais
notável nesta dinâmica foi a rápida transição urbana da força de trabalho,
eminentemente rural até o ano de 1992 (69,1%), passou a majoritariamente urbana
em 2008 (65,0%).
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Observa-se na Tabela acima, que no mesmo período a população ocupada urbana
evoluía à taxa de 5,3% ao ano, insuficiente para reduzir o desemprego (crescimento
da população desempregada de 6,94% no período).
Os efeitos da industrialização na população urbana e rural são significativas,
considerando que o crescimento populacional não corresponde ao mercado
ofertado, ou seja, o número de geração de empregos não garante a inserção da
população local. As taxas tendem a se alargarem devido a vários fatores, dentre eles
o nível de escolarização, às migrações internas e externas e as exigências das
empresas multinacionais no Estado.
Deve-se atentar para o fato de que o processo de modernização da economia
maranhense foi e continua sendo em grande medida liderado pelos investimentos
públicos. Este fato, bastante evidente em uma economia ainda caracterizada por
pequena diversificação produtiva e investimentos dos capitais privados, mostra
como se reflete na economia maranhense outro fenômeno do capitalismo
contemporâneo: o Estado torna-se um lugar central da luta pela apropriação do
excedente social, alterando de forma irreversível a maneira de financiar a
acumulação privada.
O Estado passa a financiar a extração de mais valia. Da mesma forma, a
Seguridade passa a fazer parte dos mecanismos de operação do mercado de
trabalho, ou seja, mesmo quando se financia inatividade da força de trabalho, esta
não se constitui inativa do ponto de vista das necessidades da produção capitalista,
(OLIVEIRA, 1981)
O Maranhão se insere no contexto do capitalismo neoliberal seguindo a política
desenvolvida no âmbito federal, adotando uma política de investimentos industriais,
visando atrair o capital privado nacional e internacional em troca de vantagens
fiscais e mão de obra barata, rotulada de desqualificada.
A teoria marxista fornece importantes elementos para o entendimento da correlação
entre as mudanças na estrutura produtiva e o perfil do emprego, pois concede
primazia ao âmbito da produção e do lugar que esta ocupa na sociedade para
determinar o lugar social dos indivíduos (MARX, 1980).
Neste sentido a relação assalariada, específica do modo de produção capitalista, só
se constitui historicamente quando há separação entre produtores e meios de
produção. Destarte, Cardoso (1995) enfatiza que nas relações de produção são os
homens que a constroem ao produzirem os meios de produção e reproduzirem a si
mesmos e à sociedade, não é um mero desenrolar de fatos econômicos e sociais
sem finalidade, possui uma direção consciente.
Na compreensão dos significados e das dimensões das mudanças que vêm
ocorrendo no mundo do trabalho, Antunes (2004, p. 72) aponta que:
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A classe trabalhadora no século XXI, em plena era da globalização,é mais fragmentada, mais heterogênea, e ainda mais diversificada. Pode-se constatar, nesse processo, uma perda significativa de direitos e de sentidos, em sintonia com o caráter destrutivo do capital vigente. O sistema de metabolismo, sob controle do capital, tornou o trabalho ainda mais precarizado, por meio das formas de subempregado, desempregado, intensificando os níveis de exploração para aqueles que trabalham.
Considerando esta discussão, observa-se que a crise capitalista que se manifestou
globalmente desde os anos 70, exigiu uma nova reestruturação produtiva e
encontrou no Toyotismo o poder ideológico de uma ofensiva no âmbito da produção,
em face de mundialização do capital. A ofensiva do capital na produção assume, nos
termos de Gramsci (1978), o caráter de uma revolução passiva que gera no
trabalhador um novo conformismo e a agudização das desigualdades. (grifo nosso).
Ao lado dessas desigualdades encontra-se o próprio modelo contraditório de
desenvolvimento que, ideologicamente, vende um projeto de modernidade, de
avanços tecnológicos e aumentando as crises de desempregos e migrações campo-
cidade, além de uma invasão territorial, desconsiderando a identidade local, como
costumes, modo de vida e trabalho.
Diante do exposto, torna-se necessário compreender o processo de implantação do
Projeto Premium I em Bacabeira frente às atividades de exploração da Petrobrás.
3.1 A Petrobrás e a transnacionalização do capital: a refinaria Premium I no
Maranhão
A Petróleo Brasileiro S/A (Petrobrás) surgiu em outubro de 1953, com a edição da
Lei 2.004, com o objetivo de executar as atividades do setor petróleo no Brasil em
nome da União. Até 1997, a empresa detinha o monopólio das operações de
exploração e produção de petróleo, bem como as demais atividades ligadas ao
setor, à exceção da distribuição atacadista e da revenda no varejo pelos postos de
abastecimento.
Ao longo do Século XX, o petróleo se constituiu num tema sensível para os países
desenvolvidos, tanto pelos interesses econômicos da indústria do petróleo, quanto
pelo fato de que as economias norte-americana e européia dependiam, como
dependem até hoje, de petróleo importado. Alvo inclusive de guerras na disputa pelo
petróleo.
Um cartel conhecido como as "sete irmãs" dominou o mercado mundial do petróleo
até os anos sessenta. Cinco dessas empresas eram norte-americanas, uma delas
era uma empresa inglesa e a última uma empresa anglo-holandesa.
Em 1938, durante o Estado Novo, o Estado Maior das Forças Armadas elaborou um
documento levantando a necessidade de uma política para o petróleo e propondo o
monopólio estatal.
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Após diversos debates sobre o tema no interior do governo, Getúlio Vargas publicou
o Decreto-Lei nº 395 de 29 de abril de 1938, criando o Conselho Nacional do
Petróleo e restringindo a refinação a empresas formadas por brasileiros natos. Em 7
de julho de 1938 era publicado o Decreto-Lei nº 366, que definia a estrutura do novo
órgão, com posição nacionalista e favorável ao monopólio estatal do petróleo.
Em 7 de maio de 1941 o Decreto-Lei 3236 determinou que as jazidas de petróleo e
de gás passavam a pertencer à União.
A campanha em favor do controle nacional sobre o petróleo constituiu-se num dos
movimentos de opinião públicos mais vigorosos da história política brasileira e ficou
conhecida por seu lema: "O petróleo é nosso".
A Petrobrás surge nesse contexto, sendo hoje uma empresa de capital aberto,
contando com mais de 131.000 acionistas. O controle de capital, contudo,
permanece nas mãos da União Federal, que detém 55,7% do capital votante e
32,2% do capital social.
A globalização do capital alcançou um estágio superior e converteu-se em
transnacionalização.
Segundo Massey (2000, p.39) mais do que a junção de fronteiras, trata-se da
passagem por cima das fronteiras, por isso a terminologia de companhias
multinacionais, deve ser substituída por companhias transnacionais. Elas não juntam
Nações, passam por cima delas.
Para (Cano,1937, p.28) a industrialização tem sido proposta, para cada uma das
regiões brasileiras, como solução maior para o problema do desenvolvimento e das
disparidades regionais”. Mas em que condições se dá este processo? Garantirá tal
estimado desenvolvimento? E a população como tem enfrentado tal situação?
A implantação das atividades de exploração da Petrobrás no Maranhão, traz sem
dúvida, impactos sobre a antiga estrutura econômica e modos de vida e trabalho da
população local (Bacabeira e inclusive da capital São Luís).
Do ponto de vista estrutural, as atividades da Petrobrás instauram a existência de
novos grupos sociais, oriundos inclusive de outros Estados da federação e
internacional. Conforme dados fornecidos pela Engenharia da Petrobrás em
novembro de 2011, a mão de obra atual é de 30% de Bacabeira, 25% de Rosário ,
9% de Santa Rita e 15% de São Luís.
A Experiência brasileira diz que a instalação de refinarias está relacionada a uma
grande elevação da renda per capita, mas não cria, por si só as condições para a
distribuição da renda e das oportunidades.
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Há que se pensar os projetos de investimento que serão realizados no Maranhão do
ponto de vista de sua relação com uma determinada territorialidade, cultura e meio
ambiente.
3.2 Derrubando o muro de Bacabeira: uma primeira aproximação com a realidade
local
O entendimento de regiões habitadas por populações locais e por seus modos de
vida como um vazio demográfico e cultural (Mendonça, 2006), servem de discursos
ideológicos desenvolvimentistas para justificar sua apropriação territorial em
detrimento do deslocamento de populações tradicionais que lá estabelecem relações
produtivas, culturais e históricas.
Esses grupos, quando chegam a ser considerados, principalmente quando ocupam
territórios almejados pelos empreendimentos, normalmente são percebidos como
obstáculos para o desenvolvimento, e portanto, devem ser cooptados ou suprimidos.
As populações locais, no entanto, constituem um modo de vida próprio (cultura,
sociabilidade, trabalho), em grande medida adaptado às condições ecológicas,
predominando uma economia familiar e diversificada, ou seja, agricultura, pesca,
extrativismo, artesanato, comum calendário sazonal anual, conforme os recursos
naturais explorados, normalmente, sob o regime familiar de organização do trabalho
(ALMEIDA e CUNHA, 2001; LITTLE, 2002; ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR e
MENDONÇA,2007).
Estas populações tradicionais quando ameaçadas, se unem e criam suas próprias
estratégias de enfrentamento ao modelo desenvolvimentista que lhe são impostos,
seja na condição de sobrevivência e/ou de emancipação.
Parafraseando o professor Frederico Lago Burnett sobre a produção do espaço, o
mesmo afirma a partir de uma análise marxista, que para o capital o espaço precisa
ser abstrato, não possuir proprietário, e caso haja, ele precisa deixar de existir para
que ocorra a exploração do espaço e da mão de obra.
Nessa perspectiva, Lefebvre (1968) afirma que o espaço é ao mesmo tempo um
meio de produção como terra e parte das forças sociais de produção como espaço.
Ele é um objeto de consumo, um instrumento político e um elemento na luta de
classes.
Sendo assim, o processo de apropriação do espaço significa uma relação com a
produção e coexistência de quem produz.
Historicamente a Petrobrás se tornou para uma grande parte dos brasileiros um
símbolo de soberania, progresso e orgulho nacional. Frente a este cenário, constata-
se um relativo silêncio sobre os impactos sócio-ambientais de suas atividades e de
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pouca visibilidade as manifestações contrárias. Aliás, quem se atreveria ir contra o
“progresso”, a oferta de emprego e a auto-suficiência petrolífera da Nação?
No entanto, não se registram publicamente as denúncias dos Movimentos de
pescadores da Baía de Guanabara quanto ao derramamento de petróleo da refinaria
Duque de Caxias em 2000 no Rio de Janeiro, os alertas do sindicato dos petroleiros
da Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão em São Paulo sobre os problemas
ocupacionais de 20% dos trabalhadores contaminados por benzeno, a contaminação
de lençóis freáticos pelos postos Petrobrás em Brasília, denunciados por entidades
ambientalistas, sobre as denúncias do Conselho Indiginista Missionário - (CIMI)
quanto à distribuição de espingardas e munições aos funcionários para reagirem aos
ataques dos índios contra a empresa no Vale Javari (AM) em 1980, e recentemente
denúncias da Comissão pastoral da Pesca na Bahia e no Rio de Janeiro sobre as
atividades de transporte de combustível e refino nessas regiões, têm afetado
diretamente as atividades produtivas que constituíam fonte de renda dessas
comunidades.
Em uma primeira aproximação com a realidade de Bacabeira, registramos a queda
do muro de Bacabeira, terreno que estava sendo cercado pela empresa da
Petrobrás e que antes era um espaço da comunidade, onde se realiza os festejos,
as danças culturais, dentre elas ao do Bumba-meu-boi, quadrilhas e regaae. A
comunidade não consentiu tal processo, embargando o cercamento.
Conforme dados colhidos no blogfacil.net-bacabeira–emfoco: Outra manifestação da
população local, não divulgada na mídia, silenciando os conflitos já existentes no
processo inicial de implantação do Projeto, ocorreu no dia 31/12/2011:
“O tumulto e os comentários na cidade de Bacabeira é grande. Tudo gerado em torno da demissão em massa realizada pelo consórcio GSF, que é responsável pela construção da Refinaria Premium I. Segundo informações de alguns trabalhadores, o número de demissões chega a quase 1.000 (MIL) trabalhadores entre homens e mulheres, o que causou a aglomeração de pessoas nas ruas e nas paradas de embarque e desembarque de passageiros, na cidade. A rotina é igual todos os anos. Com a chegada do período chuvoso no Maranhão, é certo de que os meses trabalhados na refinaria sejam de apenas seis (6) meses durante cada ano, conforme cronograma do próprio Consórcio.”
Entre a realidade e o discurso dominante,existe a tendência a naturalizar tais
situações. O processo de demissão já prevista pela empresa devido situações
climáticas, intitulada de “desmobilização”, não leva em consideração que a
população local modificou as formas de produção mediante a inserção de novas
relações de produção.
De acordo com dados do IBGE (2008), o número de habitantes em Bacabeira é de
14.611 habitantes, e a atividade produtiva da região (Axixá, Bacabeira, Cachoeira
Grande, Icatu, Morros, Presidente Juscelino e Rosário) está em torno do turismo,
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cerâmica, artesanato, pesca, extrativismo vegetal e mineral-areia e brita e na
agricultura- mandioca,arroz e eucalipto.
Nesse contexto, a população é induzida ao novo molde de produção capitalista, que
de maneira avassaladora rompe com sua identidade original, de uma história que o
“vento levou”.
Nessa perspectiva, (Brandão, 2007, p.86) afirma quetorna-se difícil tensionar a
correlações de forças políticas postas no bloco então no poder, de natureza
oligárquico-mercantilista, tendo “camadas baixas” difusas, deserdadas e com fratura
orgânica na falta de propriedade e de direitos.
Diante desta conjuntura, torna-se extremamente necessário observar, discutir e
propor uma política de desenvolvimento para o Maranhão.
Considerando as realidades já vivenciadas por outras localidades, presume-se que
outros impactos estarão por vir em nossa região. O Maranhão assim como outros
Estados da Federação, segue a lógica do projeto neoliberal, financiado por verbas
federais e transnacionais, sem considerar a diversidade regional, cultura e forma de
coexistência de uma população, além do seu direito ao uso do espaço territorial.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendendo a conjuntura atual, face à diversidade política, econômica, social,
ambiental e cultural do Maranhão, vem-se implantando grandes empreendimentos
econômicos no setor minero-siderúrgico na região. Na esfera deste setor vem-se
evidenciando que diversas territorialidades rurais são atingidas, trazendo também
impactos para as zonas urbanas, emergindo conflitos sociais e ambientais,
resultando no surgimento de movimentos sociais que demandam do Estado uma
ação mais abrangente.
A instalação de projetos de grande porte em outros estados da federação mostram
que uma elevada parcela das novas oportunidades é perdida por empresas e
trabalhadores locais como decorrência, do nível de escolaridade e falta de formação
específica para tal setor. Nesse sentido, avalia-se no âmbito do governo estadual e
dos municípios afetados intensamente pelo projeto (Bacabeira, Rosário e a capital
São Luís) a ausência de iniciativas de planejamento econômico e de políticas que
regulem a geração de empregos e renda local e regional, bem como acompanhe o
processo de implantação em observância aos impactos sociais, culturais e
ambientais da região.
Sabe-se que as desigualdades sociais e regionais encontram sua gênese e
legitimação no próprio modelo contraditório de desenvolvimento que,
ideologicamente, vende um projeto de modernidade, de avanços tecnológicos e, por
outro lado, agudizam-se as crises de desempregos e migrações campo-cidade, além
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de uma invasão territorial, desconsiderando a identidade local, como costumes,
modo de vida e trabalho.
As iniciativas de planejamento econômico e de políticas que regulem a questão
ambiental, a geração de empregos e renda local e regional, não acompanha e avalia
o processo de implantação do projeto.
Diante deste contexto, a população local tem sofrido alterações no modo de vida e
formas de produção, considerando a desapropriação de espaços territoriais e da
dificuldade de absorção pela Refinaria devido ao seu grau de escolaridade, e
quando uma pequena parcela da população é absorvida, em situação bem desigual
em termos salariais e garantias trabalhistas.
Deve-se considerar que o Estado do Maranhão historicamente está situado na
periferia do capitalismo mundial, em que as relações se configuram na primazia dos
países e regiões hegemônicas sobre as periféricas, desconsiderando as realidades
e culturas intrínsecas ao local, resultando com um desenvolvimento desigual, sem
considerar as diferentes dimensões e expressões territoriais, redirecionando os
recursos existentes nesta região em favor de um mercado transnacional.
Partindo desse contexto, é importante pontuar que deverá existir algumas medidas
que devem considerar a forma dinâmica desta territorialidade, no sentido a
maximizar os ganhos para o Estado e sua população.
Sem sombra de dúvidas o Projeto está em processo de implantação, não havendo
como negar tal processo. O grande desafio é como utilizar este processo de
implantação no sentido de uma nova articulação da economia maranhense com a
economia nacional e transnacional, permitindo que outras atividades produtivas
possam gerar renda no Estado, de forma a reduzir a pobreza e a exclusão e criar um
Maranhão menos desigual.
REFERÊNCIAS
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tradicionais e conservação ambiental. In: CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro, et.al.
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9 O IMPACTO SÓCIO-AMBIENTAL DA MONOCULTURA DO EUCALIPTO
(EUCALYPTUS) NO ASSENTAMENTO CALIFÓRNIA, MUNICÍPIO DE
AÇAILÂNDIA, ESTADO DO MARANHAO.
Kátia Gomes de Sousa63
RESUMO
O presente trabalho é resultado da pesquisa realizada no Assentamento Califórnia,
Município de Açailândia, Estado do Maranhão, com o objetivo de diagnosticar os
impactos sócios ambientais ocorridos por conta da implantação da monocultura do
eucalipto (Eucalyptus) no entorno deste, pela Ferro-gusa. Para a coleta de dados foi
realizada uma amostra de 50% das famílias abrangendo um total de 100 pessoas,
através de um questionário de perguntas abertas, abordando questões sobre o
impacto sócio ambiental da monocultura, procurando identificar os malefícios
causados às pessoas que vivem no Assentamento, e o grau de insatisfação destas
com a empresa. Os resultados obtidos indicam que a monocultura do eucalipto vem
prejudicando a comunidade, devido vários fatores: a escassez nos lençóis freáticos,
os problemas na agricultura provocados pelo uso de agrotóxicos e vários problemas
de saúde provocados pela fumaça da queima da madeira nas proximidades do
assentamento. Os agricultores em sua maioria demonstram-se preocupados com a
saúde e a preservação do meio ambiente.
Palavras-Chave: Meio Ambiente; Agrotóxico; Impacto Sócio Ambiental.
63
Licenciada em ciências Agrárias – UFPB e especialista em educação do campo – UEMA. E-mail: [email protected].
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho é resultado da pesquisa que teve por objetivo diagnosticar os
impactos sócios ambientais causados pela multinacional Nucor Corporation, Vale do
Rio Doce e a Ferro Gusa Carajás na fazenda Monte Líbano no estado
Maranhão,mais especificamente a região oeste do estado, em ocasião da
implantação da monocultura do eucalipto ao lado do Assentamento
CalifórniaAçailândia. Tendo em vista unir os conhecimentos que possam auxiliar no
enfrentamento da atual conjuntura vivida pela comunidade acima mencionada e para
o fortalecimento de futuras discursões científicas a cerca do trabalho proposto.
Esta pesquisa foi desenvolvida em 2008, como requisito para a conclusão do Curso
de Licenciatura em Ciências Agrárias, realizado através de parceria entre a
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), pelo Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma
Agrária (PRONERA), e contou também com a participação de vários assentados
dentre eles professores, agente de saúde e agricultores.
O método de acordo com João Álvaro Ruiz (apud Gastardi, 1998) consiste na
observação dos fatos tal como ocorrem na coleta de dados e no registro de variáveis
presumivelmente relevantes para posteriores análises.
Como descrito acima, usou-se como coleta de dados a pesquisa oral através de
reuniões, assembleias e seminário. Baseado neste método buscou se colher
informações a partir da espontaneidade dos participantes.
Foi realizada a aplicação de alguns questionários no Assentamento no intuito de
observar, analisar e coletar informações da realidade e registrar informações
relevantes ao estudo.Todo o procedimento de aplicação de questionário durou uns
15 dias, isso porque muitas pessoas moram em seus lotes ou estavam pra cidade.
[...] o informante é competente para exprimir com clareza sobre questões da sua experiência e comunicar representações e análises, prestar informações fidedignas, manifestar em seus atos o significado que tem num contexto em que eles se realizam, revelando tanto a singularidade quanto a historicidade dos atos, concepções e idéias (Chizzotte, 1991).
Foi utilizada também a análise de conteúdo, que se trata da análise das informações
coletadas por meio de estudos realizado, consubstanciadas em outros referenciais.
Nos procedimentos práticos adotados para realização desta pesquisa, fez se
necessário o uso das referências bibliográficas referentes ao tema, no qual o
professor Silvestre e demais amigos puderam contribuir.
Por conhecer e residir na comunidade, fizemos contato com o Sr. Raimundo Marçon,
advogado do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), de
Açailândia e José Mendes Junior estudante de direito pelo MST, filho de Assentado,
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também residente na comunidade, ambos tem acompanhado de perto os problemas
provocados pelo plantio de eucalipto na comunidade, os mesmos realizaram
pesquisas relacionadas a todos os problemas vivenciados e representam legalmente
o Assentamento. E por fim, não menos importante, foi realizada a pesquisa de
campo de forma aleatória.
2. O AGRONEGÓCIO NO OESTE DO MARANHÃO
De acordo com GUAZELE (2006), agronegócio é uma palavra que entrou de vez no
vocabulário nacional. O agronegócio inclui todos os setores relacionados à
agricultura e a criações de animais, como o comércio de sementes, de adubos, de
agrotóxicos, de produtos veterinários, de maquinas e equipamentos. Inclui ainda as
indústrias de processamento, os frigoríficos e abatedouros, o transporte da produção
e as atividades de distribuição dos produtos.
O agronegócio é visto pelos setores do governo, pelo empresariado e por parte da
população como sinônimo de modernidade, de desenvolvimento, de progresso e de
riqueza. Neste contexto, agronegócio é uma palavra associada ao Brasil que da
certo. Mas seu crescimento tem trazido uma série de impactos negativos sobre a
população rural e urbana e sobre o meio ambiente.
Para aumentar a agricultura de exportação no país, grandes áreas de terra
agricultáveis tendem a aumentar para o desenvolvimento do agronegócio se
expandir visando o capital.
O Sistema Florestal Brasileiro (SFB) apresentou para a região de Carajás uma proposta de um Distrito Florestal. Trata-se de uma área de 28 milhões de hectares. Seria plantado um milhão de hectares de eucalipto para sustentar as usinas de produção de ferro-gusa nos pólos de Marabá - PA e Açailândia- MA, onde existe o maior número de siderúrgicas (LIMA, 2006).
Açailândia é a galinha dos ovos de ouro da CVRD - Companhia Vale do Rio Doce,
empresa esta de grande importância mundial no setor de mineração, cujolucro
superou R$ 10 bilhões no ano de 2006. A CVRD e ARACRUZ são detentoras do
poder na região, juntas se interligam dando sustentação aos interesses comuns,
visto que uma depende do produto da outra para se auto sustentar.
A siderúrgica Gusa Norte, é integrante do grupo mineiro Ferroeste Industrial,
pretende investir R$ 11,8 milhões em uma área de 4,1 mil hectare para plantações
de eucalipto clonal no distrito industrial de Pequiá, em Açailândia (MA),uma região
bastante desmatada e que sofre com a degradação ambiental e poluição vinda da
siderúrgica. O Banco do Nordeste do Brasil liberou R$ 8 milhões para a empreitada.
A iniciativa é considerada como uma ação de reflorestamento pela empresa
responsável, mas sua intenção real é usar os eucaliptos como parte principal do
planejamento de auto-sustentabilidade energética da siderúrgica. (LIMA,2006).
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2.1 O impacto da monocultura do eucalipto na agricultura de subsistencia
O eucalipto é destinado principalmente à produção de carvão utilizado como matéria
prima para as siderúrgicas, e traz grandes benefícios para o setor monocultor e para
a geração de lucros, suprindo as necessidades do modelo agroexportador. Embora
a origem do eucalipto tenha se dado na Austrália, vários países propagam-no, para
diversas finalidades. No Brasil o eucalipto vem sendo cultivado em muitas regiões,
com forte tendência a predominância da plantação em varias localidades do estado
do Maranhão, exigindo maior concentração de terras e água. Trata-se de uma
espécie melhorada geneticamente que se desenvolve muito bem em diferentes
climas e solos. E é responsável diretamente pela substituição inviável da floresta
nativa.
Segundo MEIRELLES,(2006) no Brasil, no Cerrado do Norte de Minas Gerais, nas
regiões de Curvelo e Montes Claros, os impactos da monocultura do eucalipto sobre
os recursos hídricos têm afetado diretamente a vida do campesinato regional,
composto por geraiszeiros e varzeageiros. Também no Maranhão, na região de
Varjão dos Crentes, os plantios de eucalipto da CELMAR são narrados como
impactantes da água na região.
O plantio requer um olhar crítico da sociedade, pois estudos relacionados aos
impactos provocados por este modelo indicam que a alta produtividade do eucalipto
destrói a biodiversidade, desagrega as propriedades físico-químicas do solo
tornando - o cada vez menos fértil, ameaçando os lençóis freáticos, expulsando o
homem do campo, comprometendo o bem estar social, ambiental e cultural da
população local.
Segundo ABREU (1994), com a modernização os agricultores passaram a ver a
terra fonte de alimentação, como o lugar de produzir capital.
A importância da terra decresce na medida em que o capitalismo se
desenvolve no conjunto de economia e, em particular, no campo,
eliminando economicamente e socialmente a agricultura de subsistência e
as formas primitivas de produção agrícola destinada ao mercado
(GRASIANO, 1981).
O valor da terra diminui no sentido do fortalecimento capitalista e se desenvolve
economicamente impossibilitando o desenvolvimento da agricultura familiar, hoje a
responsável por alimentar 84% da sociedade brasileira, no entanto, o que vem
ocorrendo no campo por falta de investimento, é o abandono por seus habitantes,
que buscam melhores condições de vida, transferem – se de regiões consideradas
de menos condições de sustentabilidade de forma muito elevada no pais, isto estar
intrinsecamente ligado à colonização brasileira, onde a economia era baseada no
extrativismo e na monocultura.
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Para MOURA (2004), é da própria natureza da produção familiar que os agricultores
realizem sua vinculação com a terra, considerando mais os critérios afetivos do que
indicadores. Infelizmente a falta de aplicação de recursos e novas técnicas por parte
dos governantes tem levado este tipo de agricultura a uma situação grave e
consequentemente, os agricultores a passar necessidade por não produzir um
número esperado, até mesmo para sua sobrevivência. É as custa desta agricultura
decadente e de um extrativismo que quase sempre não conseguiu reverter em
dignidade o esforço e dedicação dos trabalhadores rurais.
A industrialização da agricultura foi efetivada como apoio estatal cujos emblemas passaram a ser chamados de CAIS (complexo agroindustriais), consolidou como padrão “moderno” de desempenho e produtividade, respondendo por um lado, pela implantação do capitalismo no campo sem alterações na estrutura fundiária e por outro lado, pela cristalização de dois padrões da produção rural, visto como polares, quando não excludente o capitalista (dos CAIS) e o da produção familiar, tida como disfuncional incompatível ou simplesmente inviável (STEDILE apud MEDEIROS, 2006).
A modernização da agricultura teve efeitos negativos no campo, com o apoio das
grandes empresas governamentais desta forma modernizando a produção no
campo, implantando o capitalismo de modo geral na agricultura e pecuária, criando
então dois modelos agrários distintos, excluindo a agricultura de subsistência e
potencializando o latifúndio.
O discurso dos que defendem a monocultura do eucalipto perde a veracidade
quando se analisa o potencial de geração de emprego, além de se analisar que,
tradicionalmente a agricultura familiar sempre foi a responsável por garantir emprego
e alimentação a sociedade em geral. Contudo a mesma não recebe investimentos
necessários que garantam as condições adequadas de trabalho dos pequenos
agricultores, sobretudo pelos governos. Isso significa dizer que estar se deixando de
produzir alimentos para se plantar eucalipto, tendo como consequência a redução de
trabalho ao homem do campo. Podendo assim afirmar que a monocultura do
eucalipto produz um estrago cultural.
O processo de construção do crescimento capitalista no campo brasileiro
caracterizou-se como um espaço gerador de profundas desigualdades sociais, por
um regime ditador exibicionista. Segundo Martins, o mesmo defendeu a questão
agrária, respaldando e subsidiando os latifundiários (STEDILE, 2006).
A modernização conservadora da agricultura brasileira dirigida pela classe
dominante funda-se numa racionalidade perversa e injusta, pois não responde às
demandas e interesses da população rural e tão pouco de todo o povo brasileiro
(SOUZA, et.al, 2005).
Ao vislumbrar o campo brasileiro no processo de transformação e modernização,
observa-se um quadro degradante de grandes dilemas e contradições, sobretudo,
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no que se refere à agricultura de subsistência de uma realidade injusta que não se
preocupa com os interesses dos pequenos agricultores. O pacote agrícola do país
mostra nitidamente que estar voltado para atender a demanda e os interesses da
classe dominante.
A expansão da monocultura no campo agrícola brasileiro afeta diretamente a
agricultura familiar, um ponto altamente negativo que está diretamente ligado com
este pacote de destruição. Os agrotóxicos constituíram ao longo desta historia uma
imagem “benéfica” que teima em se contradizer com suas ações a natureza.
De acordo com o Ministério da Agricultura, o hoje Brasil é o maior consumidor de
agrotóxicos do mundo. Só no ano de 2009 foram utilizadas cerca de 800 mil
toneladas de produtos químicos nas lavouras. Esse número, se distribuído aos
brasileiros, dá a cada um 5 litros de veneno por ano. Os prejuízos provocados por
esses produtos são ainda maiores quando são falsificados e vendidos sem registro.
Em 2008, o Brasil tornou-se o maior consumidor mundial de venenos agrícolas
(733,9 milhões de toneladas), ultrapassando os Estados Unidos (646 milhões de
toneladas). A cultura que mais consome agrotóxico é a soja. (MPF, 2012).
3. ASSENTAMENTO CALIFÓRNIA: DANOS CAUSADOS AOS ASSENTADOS E
AO MEIO AMBIENTE RESULTANTE DA MONOCULTURA DO EUCALIPTO.
O Assentamento tem sido um local marcado por grandes historias principalmente no
que se refere à luta dos assentados, contra os vários tipos de injustiças e
desrespeito a classe trabalhadora. O povo mais uma vez persiste e resiste, lutando
para garantia de seus direitos contra os desrespeitos impostos pelos interesses do
capital.
Durante a pesquisa observou-se a participação dos assentados se deu em peso na
mobilização contra o agronegócio e a favor da vida, realizada pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais - MST, em ocasião da Jornada Nacional de Lutas no dia oito
de março de 2008, as “mulheres” interditaram a BR 010, que liga Belém ao Pará, na
ocasião entregaram folder na intensão de informar a sociedade sobre os problemas
que a comunidade vem sofrendo em virtudeda fumaça causada pelos 74 fornos
industriais que fica a 800m do Assentamento Califórnia. É importante ressaltar que
já haviam sido feitas várias denúncias, e até aquele momento não havia respostas
por parte dos órgãos legais. Através desta atividade o problema passou a ter maior
visibilidade, e ser conhecido nacionalmente.
Outra atividade importante realizada no próprio assentamento foi uma Assembleia
na Escola municipal Antonio de Assis E.M.A.A., onde esteve presentes
representantes da secretaria do meio ambiente do Estado MA, Cesar Carneiro e
Dominice que tinham como objetivo esclarecer como estavam as negociações sobre
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os problemas provocados pela fumaça do eucalipto no assentamento, e possível
alternativa para resolver o problema.
A realização de seminário com o tema EUCALIPTO NÃO! Com a participação dos
assentados e estudantes de Serviço Social da UNIVIMA, estas ações fizeram parte
do conjunto de ações que objetivavam despertar a sociedade para os malefícios do
agronegócio na região.
A partir dos questionários realizados, procurou-se registrar os principais problemas
percebidos na visão dos agricultores detentores desta história. Ao analisar o
conteúdo das falas dos entrevistados fez se necessário organizar as fala sobre os
principais problemas que acometem a comunidade. Esta seção apresenta análise e
discussão das respostas fornecidas ao questionário, iniciando com a questão na
qual se procurou identificar de forma direta os fatores que foram detectados pelos
impactos sócio ambientais da monocultura do eucalipto.
De acordo com os questionários, existe um numero bastante elevado da população
que vem sofrendo com a fumaça da queima do eucalipto, ficando assim, uma vasta
porcentagem de pessoas que sofrem problemas graves de saúde, uma vez que isso
vem acontecendo diariamente há quatro anos.
De acordo com as respostas fornecidas, as pessoas entendem que o
reflorestamento não cumpre como o papel que prega socialmente, tendo em vista
que as respostas mostram a veracidade do contexto descrito. Diante das respostas
obtidas, ficou claro que a cultura do eucalipto contribui para o aumento exorbitante
do capitalismo das grandes multinacionais, uma vez que essa empresa esta visando
unicamente o lucro, enquanto que a conservação do meio ambiente e as pessoas
que moram nas áreas mais atingidas pelos impactos desta monocultura ficam a
mercê deste sistema.
Percebe-se que os assentados estão informados do contexto histórico que passa a
região oeste no estado do Maranhão a respeito de todos os problemas que a
monocultura, sobretudo o eucalipto estar causando na vida das pessoas e do meio
ambiente.
Pode-se analisar que os agricultores estão altamente conscientes das
consequências que o eucalipto pode trazer para sociedade principalmente para os
moradores do Assentamento.
As plantações de eucaliptos, dos mais variados motivos, são responsáveis por uma
longa lista de degradação ambiental. Causaram fortes impactos devido à
implementação de altas tecnologias como a construção dos fornos industriais para
queima de madeira e produção de carvão vegetal.
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Figuras. 01 e 02: Carvoaria industrial da Companhia Ferro Gaza Carajás. Arquivo: Rafael.
Por conta do alto índice de fumaça advindo dos fornos industriais o ar respirado é
puramente poluído. Esta fumaça produzida pelo eucalipto contém substancias
tóxicas vem causando problemas de saúde as famílias assentadas.
Muitas denúncias foram feitas: ao Ministério Publico Federal e Estadual, às
secretarias municipais e estaduais do Meio Ambiente, à Vigilância Sanitária entre
outros órgãos e os problemas só tende a crescer. Pois são atos criminosos que as
autoridades ambientais por algum motivo teimam em fechar os olhos.
As grandes máquinas contribuem para o desaparecimento da fauna e da flora,
provocam desmatamento, causam erosões e contribui para compactaçãodo solo,
devido o uso destas máquinas pesadas e do alto índice de agrotóxico que contamina
a água e o solo a sociedade e a natureza só têm a lamentar.
Sobre os problemas dos lençóis freáticos, Sr. Miguel, cavador de poços artesiano e
cacimbão com seus conhecimentos empíricos diz: “a profundidade dos lençóis
freáticos tem tornado a água mais escassa nos últimos anos, isso, tem aumentado
consideravelmente devido a grande plantação de eucalipto vizinho ao
Assentamento”. Pelo exposto, a profundidade da água de acordo com a distância
dos lotes, tem se elevado nos últimos nove anos.
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Poço cacimbão:
100 m.
96 m não encontrou
água
Poço cacimbão; 4
km
55 m encontrou água
Poço cacimbão; 5
km
58 m encontrou água
Poço cacimbão; 6
km
30 m encontrou água
Poço artesiano:12
km
160 m encontrou água
Poço artesiano na
própria vila
220 m encontrou água
Tabela 1: distância relativa entre a vila e os locais onde foram cavados os poços
A implantação do plantio de eucalipto vizinho ao Assentamento levou à perda do
bioma ali existente. O fim da floresta contribuiu ainda mais para a extinção de um
córrego, que muitas vezes foi o lugar de onde mulheres se reuniam para lavar suas
roupas, quando dava problema na bomba que abastece a caixa de água do
Assentamento.
O desaparecimento da mata também significou o fim da paz de todos os moradores
da comunidade, pois, logo com a grande plantação veio os grandes desastres. A
perda da biodiversidade significou a perda de uma grande quantidade de animais,
da mata e, consequentemente, a poluição do ar.
Os agricultores desenvolviam os seus plantios de um modo bem simples. Após a
chegada do eucalipto, com alto índice de produtos químicos, começaram a
prejudicar as plantações da comunidade. O veneno passou a contaminar as
lavouras e o solo fonte de sustento, começou a aparecer muitas pragas uma delas é
a formiga.
Com a chegada da Ferro Gusa Carajas nas proximidades do assentamento, alguns
jovens passaram a desenvolver trabalho na própria empresa, nos grandes plantios
de eucaliptos e após algum tempo na construção de fornos industriais, todos
ganhando migalhas pelo suor de cada dia intenso de trabalho. Isso ocorre pela
necessidade econômica, perda de identidade enquanto agricultor, por influencia e
aculturação da cidade, por falta de politica publica voltada para os jovens e também
por muitos terem uma família a zelar.
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O trabalho desenvolvido por eles funciona a base manual, mas, a maioria das
atividades desenvolvidas na empresa funciona de forma modernizada, as maquinas
fazem o trabalho das pessoas com maior intensidade, uma só desenvolve o trabalho
de 400 homens.
Figura. 03: BR 010. Figura 04: Assentamento Califórnia, Açailândia – MA.
Como é demonstrado pelas figuras acima, o plantio de eucalipto foi feito ao lado do
assentamento no qual a BR 010 os dividem a BR, facilita o escoamento de todo o
carvão vegetal, produzido em fornos industriais que fica ao lado do Assentamento
para serem utilizados pelas siderúrgicas em Açailândia. A plantação de eucalipto
envolve toda área² do Assentamento e isto tem agredido diretamente a lavoura ali
plantada. Os agricultores estão ilhados pelo deserto verde.
Alguns dos problemas explicados empiricamente pelos agricultores como: Chuva
ácida, amarelão nas plantas e a contaminação do solo foram provocados pelo uso
de agrotóxico que muitas vezes foram lançados por aviões nos plantio de eucalipto
pela proximidade da plantação ao Assentamento causando tais consequências.
Sr. Rui Pereira de Oliveira diz: “O eucalipto é um plantio modificado
geneticamente, logo não pode se dizer que ele é um tipo de reflorestamento
verdadeiro não conserva a biodiversidade e o único objetivo da empresa
com este plantio é o lucro” (Assentado. Depoimento feito dia 13/07/08).
Na imensa vastidão sem fim do eucalipto, vive um publico composto por jovens
adultos, crianças e idosos, pertencentes à classe dos trabalhadores rurais sem terra,
que mesmo residindo no meio do deserto verde, transmite noseu semblante um ar
de felicidade e ainda encontram forças para resistirem aos problemas impostos pela
Ferro Gusa.
A Vale do Rio Doce, a Nucor Corporation (siderúrgica norte americana) e a Ferro
Gusa Carajás hoje são as grandes culpadas por muitas pessoas se sentirem
ameaçadas por milhões de pés de eucalipto, sem outras perspectivas de trabalho.
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A fumaça hoje é um dos pontos mais forte discutido em reuniões, assembleias,
seminários, escola comunidade enfim por todos, sobre os problemas de saúde
problemas que afeta diretamente as crianças, idosos, jovens e adultos.
As doenças acometidas por conta da fumaça, comprovadas por laudos médicos e de
maior repercussão na comunidade são: problemas de vista, cansaço, olhos irritados,
lacrimejamento nas vistas, gripe, garganta inflamada, manchas na pele, perca de
sono, problemas respiratório, pneumonia, bronquite, asma, alergia e tosse forte.
4. CONSIDERAÇOES FINAIS
Considera - se que o estudo de impactos sócio ambientais da monocultura do
eucalipto, e as análises destes impactos no Assentamento e região, constituíram-se
numa ferramenta importante, tanto para a avaliação dos problemas provocados pela
monocultura do eucalipto quanto à sistematização de informações relacionadas às
consequências causadas por este modelo.
Constatou-se, portanto, através da história narrada de conflitos entre populações e
empresa de monocultura sob que condições são produzidos o eucalipto e o carvão
no Brasil, visto que a monocultura se impôs sobre um território de grande
diversidade social e biológica.
As siderúrgicas em Açailândia são responsáveis pela destruição da floresta nativa,
pelo trabalho degradante dos trabalhadores que ariscam suas vidas para garantir o
alto sustento nas carvoarias industriais. Fortalece a desigualdade social, a violência
no campo e na cidade, a devastação, a exploração e o latifúndio. Os órgãos
ambientais são coniventes com a monocultura, visto que as políticas aplicadas pelos
governos no Brasil visam o desenvolvimento do capitalismo no campo.
Os movimentos sociais do campo junto aos assentados resistem contra o deserto
verde, pois os grandes plantios de eucalipto diminuem as perspectivas de vida das
pessoas que moram no local.
Foi verificado pelos agricultores que eles estão sendo afetados pela fumaça do
eucalipto, e o agrotóxico pulverizado por avião sobre o plantio. Segundo seu Miguel
as águas do subsolo esta diminuindo no Assentamento. Os agricultores concluíram
que a monocultura do eucalipto pode causar consequências, pois a cultura não é
natural da localidade e suas características estão modificando os aspectos naturais.
Verificou-se que há empregos em condições sub-humanas por salários muito baixos
e a empresa não garante nenhum tipo de cuidado com a saúde dos funcionários, tão
pouco com a educação destes cidadãos. Segundo os agricultores o reflorestamento
com o eucalipto estar causando ainda mais pobreza entre eles e a empresa ao
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contrario ficam cada vez mais rica. Comprovou-se que os impactos negativos da
monocultura do eucalipto causam a expulsão do homem do campo.
Os agricultores constataram o desaparecimento da fauna e flora em virtude deste
modelo homogêneo. Foi constatado que o reflorestamento feito pela Ferro Gusa
Carajás com a monocultura do eucalipto esta afetando significativamente o tão
esperado modelo de desenvolvimento sustentável que deve ser instalado no mundo,
compreendido ecologicamente.
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10 ECOLOGIA POLÍTICA: O CAMPO DE ESTUDO DOS CONFLITOS SÓCIO-
AMBIENTAIS
Lenir Moraes Muniz64
RESUMO
O presente artigo suscita uma discussão sobre a Ecologia Política, uma abordagem
teórica metodológica que tem se consolidado nas ciências sociais, a Ecologia
Política aborda o conceito de conflitos sócio-ambientais, como sendo os conflitos
que surgem a partir da disputa pelo acesso aos bens e serviços ambientais, ou seja,
são conflitos que travados em torno dos problemas do uso e da apropriação dos
recursos naturais; confronto entre atores sociais que defendem diferentes lógicas
para a gestão dos bens coletivos de uso comum. O modelo de desenvolvimento
econômico vigente adota ações e práticas nas quais prevalece a lógica do uso
privado dos bens de uso comum, acarretando danos ao meio ambiente, afetando
sua disponibilidade para outros segmentos da sociedade, prejudicando o acesso e
uso comum dos recursos naturais.
Palavras-chave: Ecologia política; Natureza; Meio ambiente; Recursos naturais;
Conflitos sócio-ambientais.
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Aluna do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal
do Maranhão –UFMA.
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1 INTRODUÇÃO
Vivemos um processo de transformação que se caracteriza como um indicativo da
exigência de uma nova lógica de civilização, baseada em novos modelos e novos
padrões de acumulação. Para Deléage (1997), com a industrialização maciça do
século XX, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, atingiu-se um limiar
nas relações entre os homens e a biosfera e a poluição e a degradação do ambiente
se tornaram um verdadeiro fato de civilização, adquirindo dimensões planetárias.
Uma característica fundamental desse processo é a chamada crise ambiental
evidenciada a partir da década de 1960, a qual suscita a necessidade de novos
padrões de relacionamento com a natureza e seus recursos. A crise ambiental tem
repercutido nos estilos de vida e de consumo, na ética e na cultura, na dinâmica
política e social e na organização do espaço em escala mundial.
Para Leff (2006a), a crise ambiental não se constitui, necessariamente, em uma
catástrofe ecológica, mas nas mudanças do pensamento com o qual temos
construído e destruído o mundo globalizado e nossos próprios modos de vida. Ele a
denomina de uma “crise civilizatória”, a qual se apresenta como um limite no real
que significa e reorienta o curso da história. A crise ambiental se constitui na crise do
pensamento ocidental, da metafísica que fez a disjunção entre “o ser e o ente”, que
produziu um mundo fragmentado e coisificado no controle e domínio da natureza. E,
finalmente, “se expressa como um questionamento da ontologia e da epistemologia
com as quais a civilização ocidental compreende o ser e as coisas; da ciência e da
razão tecnológica com as quais dominou a natureza e economicizou o mundo
moderno” (LEFF, 2006a, p. 288).
Nesse contexto, os problemas ambientais ultrapassaram as fronteiras nacionais e
uma nova categoria de questões ambientais emergiu, ou seja, questões cujas
conseqüências são globais e os autores envolvidos transcendem uma única região
ou país. Dentre as principais, hoje se destacam: a destruição da camada de ozônio,
a mudança climática global, o aquecimento global, a poluição dos ambientes
marítimos, a destruição das florestas e a ameaça à biodiversidade.
A partir da década de 1950, nos países chamados de desenvolvidos, a problemática
ambiental, causada pelo crescimento econômico e pela industrialização, tornou-se
um grave problema. Segundo Leff (2001, p. 49), “La crisis ambiental vino cuestionar
las bases conceptuales que han impulsado y legitimado el crecimiento económico,
negando a la naturaleza”. A intensidade da crise ambiental começou a gestar uma
nova mentalidade, na qual o planeta Terra passou a ser percebido como espaço
comum para todos os seus habitantes.
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De acordo com Vieira (1992), a disseminação de uma “consciência ecológica”
mundial a respeito da questão ambiental intensificou-se a partir da primeira
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo, em 1972. Posteriormente, nas décadas seguintes, aprofundou-se
consideravelmente o conhecimento científico acerca dos problemas ambientais, bem
como, se expandiu a percepção dos impactos sócio-ambientais causados por esses
problemas e, mesmo, da possibilidade de ameaça à perpetuação da vida no planeta.
Para Sachs (2000, p. 118):
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo em 1972, durante a qual o “meio ambiente” surgiu na agenda internacional, foi proposta inicialmente pela Suécia, preocupada com chuva ácida, poluição no Báltico, e os níveis de pesticida e metais pesados encontrados em peixes e aves. Uma assim chamada internacionalização massiva que estaria ocorrendo por mero acaso projetou sua sombra antes de seu surgimento: o lixo industrial escapa à sobra nacional, não se apresenta na alfândega, não usa passaporte. Os países descobriram que não eram entidades auto-suficientes, mas sujeitos à ação de outros países. Assim surgiu uma nova categoria de problemas: as “questões globais”.
É nesse contexto que surge o debate sobre a necessidade de novos padrões de
desenvolvimento econômico, projetando-se, posteriormente, a proposta do
desenvolvimento sustentável65 apresentada como alternativa para a crise ecológica
global. Visando superar as evidentes dificuldades de compatibilizar desenvolvimento
econômico e meio ambiente, o conceito de desenvolvimento sustentável tenta
estabelecer estes dois conceitos como um binômio indissociável, em que questões
sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e ambientaisencontram-se sobrepostas.
Essa proposta assume um significado político-diplomático, à medida que se propõe
a estabelecer os princípios gerais que norteariam um compromisso político em
escala mundial com vistas a proporcionar o crescimento econômico garantindo a
sustentabilidade dos recursos naturais. A noção de desenvolvimento sustentável
compõe e complexifica o amplo debate internacional sobre a questão ambiental e
coloca novos desafios para sua teorização.
Leff (2006a) considera que a complexidade dos problemas sociais associados a
mudanças ambientais ao nível global abre caminho para métodos interdisciplinares
de investigação, buscando articular diferentes conhecimentos para abranger as
múltiplas relações, causalidades e interdependências que estabelecem processos
nas diversas esferas da materialidade: física, biológica, cultural, econômica e social.
Para o autor (2006a, p. 217): “A questão ambiental emerge de uma problemática
65
De acordo com o Relatório Brundtland, também denominado “Nosso Futuro Comum” e que foi
elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) da ONU e publicado em 1987, desenvolvimento sustentável “é aquele que atende às necessidades dos presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p.46).
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econômica, social, política, ecológica, como uma nova visão do mundo que
transforma os paradigmas do conhecimento teórico e os saberes práticos”.
Como já foi mencionado, na segunda metade do século XX, a questão ambiental
alcançou dimensão de problema global, mobilizando a sociedade civil organizada, os
meios de comunicação e os governos de diversos países. Este movimento trouxe
um enfoque eminentemente sociológico para a questão ambiental, contribuindo para
a discussão sobre os processos de constituição de conflitos entre grupos sociais no
embate pelo uso dos recursos naturais, os chamados conflitos distributivos, ou
simplesmente conflitos sócio-ambientais.
Os movimentos sociais surgidos no mundo a partir da década de 1960 foram
acompanhados por debates intelectuais que suscitaram novos desafios para as
ciências sociais. De forma geral, tentou-se superar dicotomias como
objetividade/subjetividade, indivíduo/sociedade e natureza/cultura. Os esforços para
a superação da dicotomia natureza/cultura ligavam-se ao surgimento de uma crítica
ambiental da sociedade industrial emanada de um movimento simultaneamente
político e acadêmico denominado ecologia política e que trouxe para a discussão
acadêmica e intelectual a “crise ambiental”, como resultante do colapso entre
crescimento econômico e a base finita dos recursos naturais.
De acordo com Leff (2006b) o discurso emergente sobre a mudança global incorpora
diversos temas relativos à ecologização da ordem econômica mundial, como a
inovação através de tecnologias “limpas”, adequadas e apropriadas para o uso
ecologicamente sustentável dos recursos naturais; a recuperação e melhoramento
das práticas tradicionais (ecologicamente adaptadas) de uso dos recursos naturais
realizadas pelas comunidades locais; o marco jurídico dos novos direitos ambientais
para a normatividade ecológica das políticas ambientais, tanto a nível nacional como
internacional; a organização do movimento ecologista; a interiorização do saber
ambiental nos paradigmas do conhecimento, nos conteúdos curriculares dos
programas educativos e nas práticas pedagógicas, e o surgimento de novas
disciplinas ambientais.
Na medida em que a questão ambiental e ecológica generaliza-se, obtendo alcance
planetário, a qual diz respeito a todos os âmbitos da organização social, aos
aparatos do Estado e a todos os grupos e classes sociais, isso induz um amplo e
complexo processo de transformação epistêmica no campo do conhecimento e do
saber, das ideologias teóricas e práticas, dos paradigmas científicos. Leff (2006a, p.
282) propõe uma metodologia para construir uma racionalidade ambiental em função
de um novo saber que aborde o diálogo de saberes, através da prática
transdisciplinar. Para o autor:
(...) a construção de racionalidade ambiental implica a necessidade de desconstruir os conceitos e métodos de diversas ciências e campos
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disciplinares do saber, assim como os sistemas de valores e as crenças em que se funda e que promovem a racionalidade econômica e instrumental na qual repousa uma ordem social e produtiva insustentável. Essas transformações ideológicas e epistêmicas não são efeitos diretos identificáveis a partir do questionamento do conhecimento por diversas classes sociais: implicam processos mais complexos, que põem em jogo os interesses de diferentes grupos de poder em relação à apropriação dos recursos naturais, aos interesses disciplinares associados à identificação e apropriação de um saber dentro do qual se desenvolvem as carreiras científicas e profissionais que se desdobram nas diversas instâncias institucionais do poder e na tomada de decisão. Nesse sentido, o saber ambiental abre uma nova perspectiva à sociologia do conhecimento.
Portanto, a construção de uma racionalidade ambiental implica na necessidade de
desconstruir os conceitos de diversas ciências e campos disciplinares do saber,
assim como os sistemas de valores e as crenças em que se funda e que promovem
a racionalidade econômica e instrumental na qual repousa uma ordem social e
produtiva insustentável. Nesta perspectiva, a problemática ambiental não deve
situar-se apenas no domínio das ciências sociais e/ou das ciências naturais. Ao
contrário, deverá observar que estes sistemas estão dialeticamente ligados e
possuem autonomias e interdependências simultâneas. Muito embora, segundo Leff
(2006, p. 284):
As disciplinas mais profundamente questionadas pela problemática ambiental acabam sendo as ciências sociais e as ciências naturais mais próximas das relações entre sociedade e natureza, como a geografia, a ecologia e a antropologia. Essa transformação não apenas implicam disciplinas práticas, como a etnobotânica e a etnotécnica, para recuperar os saberes técnicos das práticas tradicionais de uso dos recursos, mas incluem os paradigmas teóricos de diversas ciências biológicas e sociais
2. O CAMPO TEÓRICO DA ECOLOGIA POLÍTICA
A ecologia política é um campo de discussões teóricas e políticas que estuda os
conflitos ecológicos distributivos, ou conflitos sócio-ambientais. Este campo nasceu
a partir dos estudos de caso locais pela geografia e antropologia, porém ultrapassa
os problemas locais e tem se estendido a níveis nacionais e internacional. Esse
campo teórico se fortalece principalmente a partir da década de 1980, em
conseqüência da crescente articulação entre movimentos ambientalistas e sociais no
enfrentamento da “crise ambiental”.
O campo da ecologia política está agora se movimentando para além das situações rurais locais, na direção de um mundo mais amplo. A ecologia política estuda os conflitos ecológicos distributivos. Por distribuição ecológica são entendidos os padrões sociais, espaciais e temporais de acesso aos benefícios obtidos dos recursos naturais e aos serviços proporcionados pelo ambiente como um sistema de suporte da vida. Os determinantes da distribuição ecológica são em alguns casos naturais, como o clima, topografia, padrões pluviométricos, jazidas de minerais e a qualidade do solo. No entanto, também são claramente sociais, culturais, econômicos, políticos e tecnológicos (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 113).
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A ecologia política amplia a crítica dos fundamentos filosóficos da economia
neoclássica através de questões como os conflitos distributivos e a
incomensurabilidade dos valores ambientais, ao avançar para além da economia
política de tradição marxista, incorporando questões ecológicas no entendimento
das dinâmicas econômicas e de poder que caracterizam as sociedades modernas. E
conflitos ecológicos distributivos, Martínez-Alier (2007, p. 11) define como sendo os
conflitos resultantes da disputa pelos recursos naturais ou serviços ambientais,
sejam eles comercializados ou não. Dessa forma:
A ecologia política estuda conflitos ecológicos distributivos; constitui um campo criado por geógrafos, antropólogos e sociólogos ambientais. O enfrentamento constante entre meio ambiente e economia, com suas vicissitudes, suas novas fronteiras, suas urgências e incertezas, é analisado pela economia ecológica (ALIER, 2007, p. 15).
De acordo com Martínez-Alier (2007, p. 110), a expressão “ecologia política” foi
introduzida em 1972, pelo antropólogo Eric Wolf, muito embora esta já houvesse
sido utilizada em 1957 por Bertrand de Jouvenel. O autor ainda considera que, no
campo da ecologia política, os geógrafos têm sido mais ativos do que os
antropólogos. “Porém a antropologia e a ecologia têm estado largamente em
contato, daí podemos falar em uma antropologia ecológica ou ecologia cultural”.
Leff (2006b) afirma que a ecologia política se constitui em um campo teórico prático
que ainda está em fundação, é a construção de um novo campo do pensamento
crítico e da ação política e faz uma indagação sobre as mudanças mais recentes da
condição existencial do homem. É um campo que “ainda não adquiriu nome próprio”;
portanto, toma emprestado conceitos e termos proveniente de outras disciplina para
nomear os conflitos decorrentes da distribuição desigual e as estratégias de
apropriação dos recursos ecológicos, bens naturais e serviços ambientais. Dessa
forma:
La ecología política construye su campo de estudio y de acción en el
encuentro y a contracorriente de diversas disciplinas, pensamientos, ética,
comportamientos y movimientos sociales. Allí colidan, confluyen y se
confunden las ramificaciones ambientales y ecológicas de nuevas
disciplinas: la economía ecológica, el derecho ambiental, la sociología
política, la antropología de las relaciones cultura-naturaleza, la ética política
(LEFF, 2006b, p. 22).
De acordo com Martínez-Alier (1999, p. 100), em parte, a ecologia política se
superpõe à economia política, que na tradição clássica corresponde ao estudo dos
conflitos relacionados à distribuição econômica, porém muitos outros conflitos
ecológicos situam-se fora da esfera dos mercados reais e, inclusive, fictícios:
La economía política estudia los conflictos distributivos económicos. La ecología política estudiaría los conflictos de la distribución ecológica.
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Pueden coincidir pero, en general, cubren distintos territorios, precisamente porque la mayor parte de la ecología no está en mercados reales ni ficticios.
E, ainda, de acordo com Leff (2006a, p. 303-304):
O campo da ecologia política se abre num horizonte que ultrapassa o território da economia ecológica. A ecologia política se localiza nas fronteiras do ambiente que pode ser recodificado e internalizado no espaço paradigmático da economia, da valorização dos recursos naturais e dos serviços ambientais. A ecologia política se estabelece no campo dos conflitos pela reapropriação da natureza e da cultura, ali onde a natureza e a cultura resistem à homologação de valores e processos (simbólicos, ecológicos, políticos) incorporáveis e a serem absorvidos em termos de valor de mercado.
Os conflitos de distribuição ecológica estão ligados ao acesso a recursos e serviços
naturais e aos danos causados pela poluição a determinada parcela da sociedade.
Portanto, existe uma forte vinculação entre as discussões da economia ecológica e
dos conflitos distributivos analisados pela ecologia política. E por distribuição
ecológica entendem-se as assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais e
temporais no uso humano dos recursos e serviços ambientais, ou seja, está
relacionada ao esgotamento dos recursos naturais, como a erosão do solo e a perda
da biodiversidade. “O conflito distributivo introduz na economia política do ambiente
as condições ecológicas de sobrevivência e produção sustentável, assim como o
conflito social que emerge das formas dominantes de apropriação da natureza e a
contaminação ambiental” (LEFF; 2006a, p. 302).
Nos últimos anos o campo de discussão da ecologia política tem sido revigorado
pela discussão sobre a justiça ambiental, para a qual serve como base teórica ao
analisar os conflitos distributivos a partir das desigualdades decorrentes de
processos econômicos e sociais, que acabam por concentrar as principais cargas de
poluição e demais efeito deletérios do desenvolvimento sobre as populações mais
pobres, discriminadas e socialmente excluídas. Nessa perspectiva, a dialética entre
centro e periferia nos territórios e as tendências históricas para a centralização social
e a hierarquia institucional são repensadas à luz da sustentabilidade.
Para Acselrad; Herculano e Pádua (2004, p. 09):
Por justiça ambiental, portanto, passou-se a entender, desde as primeiras lutas que evocam tal noção no início dos anos 80, o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo. Complementarmente, entende-se por injustiça ambiental a condição de existência coletiva própria a sociedades desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da cidadania.
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Os autores afirmam que os conflitos sócio-ambientais decorrentes da busca pela
justiça ambiental existem no Brasil há vários anos, embora não se tenha utilizado a
expressão “justiça ambiental”. É o caso do conjunto de ações e movimentos sociais
que estiveram em luta contra as injustiças ambientais, como é possível observar, por
exemplo, no movimento dos atingidos por barragens, no movimento de resistência
de trabalhadores extrativistas, como os seringueiros no Acre e as quebradeiras de
coco no Maranhão, contra o avanço das relações capitalistas nas fronteiras florestais
e de várias ações locais contra a contaminação e a degradação dos espaços
ambientais.
Essa dialética pode ser percebida de diversas formas: nas relações comerciais e
políticas desiguais; no espaço político-institucional por meio de processos decisórios
que tendem a excluir a participação e os interesses dos afetados pelas decisões. No
caso do Brasil, os conflitos sócio-ambientais se dão, sobretudo devido à distribuição
injusta de renda e do acesso aos recursos naturais.
Nesta perspectiva, nos conflitos sócio-ambientais pela apropriação da natureza, as
comunidades tradicionais teriam o direito de construir seus próprios estilos de
desenvolvimento, sem serem forçadas a aceitar algo definido e imposto pela lógica
de um sistema dissociado da realidade das pessoas que vivem no lugar. Para Leff
(2006a, p. 307):
Para além de pensar estas racionalidades como opostos dialéticos, a ecologia política olha a constituição dessas matrizes de racionalidade na perspectiva de uma história ambiental, cujas origens remontam a uma nova história de resistências anticolonialistas e antiimperialistas e de onde nascem novas identidades culturais em torno da defesa de uma natureza cultural significada, desdobrando estratégias inovadoras de “aproveitamento sustentável dos recursos” dentre as quais são exemplares o movimento social que levou à invenção da identidade do seringueiro e de suas reservas extrativista na Amazônia brasileira, assim como no processo das comunidades negras do Pacífico da Colômbia.
As populações tradicionais de extrativistas e pequenos produtores que vivem nas
regiões de fronteira de expansão das atividades capitalistas, como os grandes
empreendimentos hidrelétricos, viários, de exploração mineral, agropecuários e
madeireiros, são expropriadas dos recursos ambientais sofrendo as pressões do
deslocamento compulsório66 de suas áreas de moradia e trabalho, perdendo o
acesso à terra, às matas e aos rios dos quais depende sua sobrevivência,ou são
forçadas a conviver com a degradação ambiental e social produzida por estes
empreendimentos. Essa situação reflete um mesmo processo: a concentração de
poder na apropriação dos recursos ambientais.
66Almeida (1996, p. 30) define deslocamento compulsório como sendo “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.
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Para Martínez Alier (2007), o conceito sociológico de “justiça ambiental” abre um
amplo espaço de debate filosófico sobre os princípios de justiça ambiental. Dessa
forma, os conflitos ecológicos distributivos correspondem aos conflitos sobre os
princípios de justiça aplicáveis às cargas de contaminação e ao acesso aos recursos
e serviços ambientais. Como um movimento consciente de si mesmo, a justiça
ambiental luta contra a distribuição desproporcional de dejetos tóxicos ou a
expropriação diante de diferentes formas de risco ambiental ocasionadas a
determinadas camadas da população, como no caso dos Estados Unidos, em que
são atingidas as áreas predominantemente povoadas por populações afro-
americanas, latinas ou indígenas.
Nessa perspectiva, Martínez Alier (2007, p. 274) considera que:
O movimento pela justiça ambiental tem enfatizado a desproporcionalidade com que o peso da contaminação recai sobre grupos humanos específicos. Portanto, explicitamente incorpora uma noção distributiva da justiça. Poderia ser argumentado que a justiça ambiental potencialmente intui um aspecto existencial, qual seja, o de que todos os seres humanos necessitam de determinados recursos naturais e uma certa qualidade do meio ambiente para assegurar sua sobrevivência. Nessa perspectiva, o meio ambiente converte-se em um direito humano.
A injustiça ambiental, que caracteriza o modelo de desenvolvimento dominante no
Brasil, expõe uma parte significativa da população brasileira a fortes riscos
ambientais, seja nos locais de trabalho, de moradia ou no ambiente em que vive.
Estudos como o de Acselrad (2004) demonstram que, em geral, são os grupos
sociais de menor renda os que têm menor acesso ao ar puro, à água potável, ao
saneamento básico e à segurança fundiária. As dinâmicas do crescimento
econômico geram um processo de exclusão territorial e social, levando à
periferização de grande massa de trabalhadores nas cidades; e no campo
impulsiona ao êxodo rural para os grandes centros urbanos.
A noção de justiça ambiental promove uma articulação discursiva distinta daquela prevalecente no debate ambiental corrente – entre meio ambiente e escassez. Neste último, o meio ambiente tende a ser visto como uno, homogêneo e quantitativamente limitado. A idéia de justiça, ao contrário, remete a uma distribuição equânime de partes e à diferenciação qualitativa do meio ambiente. Nesta perspectiva, a interatividade e o inter-relacionamento entre os diferentes elementos do ambiente não querem dizer indivisão. A denúncia da desigualdade ambiental sugere uma distribuição desigual das partes de um meio ambiente de diferentes qualidades e injustamente dividido (ACSELRAD; 2004, p. 28).
A ecologia política é, assim, enunciada como um campo teórico-prático que conduz
ao desenvolvimento de sentidos existenciais e civilizatórios visando à integração de
diferentes conhecimentos. Segundo Leff (2006b), esse campo teórico leva em
consideração não só uma hermenêutica dos diferentes sentidos atribuídos a
natureza, mas, também, o fato de que toda natureza é captada a partir da linguagem
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e de relações simbólicas que implicam em visões, sentimentos, razões, sentidos e
interesses que eclodem na arena política.
3 DA PERCEPÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS SOBRE A QUESTÃO
AMBIENTAL AOS CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS
A problematização da questão ambiental através da questão do uso dos recursos
naturais e de sua inevitável escassez atribui aos elementos da natureza uma
utilização econômica que deve considerar o controle e a proteção dos recursos
naturais como a principal via de resolução da “crise ambiental”. Essa ótica considera
a gestão do meio ambiente como resultante da participação de atores sociais, da
construção de sujeitos coletivos, da constante composição e oposição entre
interesses individuais e coletivos em torno da apropriação dos bens naturais. Assim,
travam-se, em torno de problemas sócio-ambientais, confrontos entre atores sociais
que defendem diferentes lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum.
Na perspectiva de algumas correntes das ciências sociais, não é possível separar a
sociedade e seu meio ambiente, pois essa perspectiva trata de pensar um mundo
material socializado e dotado de significados, no qual sociedade e meio ambiente
são indissociáveis, justificando o entendimento segundo o qual as sociedades se
reproduzem por processos sócio-ecológicos. De acordo com Acselrad (2004, p. 08):
Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras quantidades de matéria e energia, pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada pelos pequenos produtores não traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais biotecnológicos etc. Por outro lado, todos os objetos do ambiente, todas as práticas sociais desenvolvidas nos territórios e todos os usos e sentidos atribuídos ao meio, interagem e conectam-se materialmente e socialmente seja através das águas, do solo ou dá atmosfera.
Dessa forma, objetos, práticas e sentidos interagem e conectam-se material e
socialmente através de água, solo e atmosfera, e, por esse caráter indissociável de
sociedade e ambiente, a reprodução da sociedade se constitui num projeto social e
ecológico ao mesmo tempo. No processo de sua reprodução, as sociedades se
confrontam com diferentes projetos de uso e significação de seus recursos; sendo a
questão ambiental intrinsecamente conflitiva, embora isto não seja sempre
reconhecido. Nesse aspecto, Acselrad destaca o desafio de encontrar instrumentos
de análise para interpretar a complexidade dos processos sócio-ecológicos e
políticos que assentam a “Natureza” no interior dos conflitos sociais.
Considerando o meio ambiente como um terreno contestado material e
simbolicamente, Acselrad considera que os conflitos ambientais são constituídos a
partir de quatro dimensões: a apropriação simbólica e apropriação material,
durabilidade, que seria a base material necessária à continuidade de determinadas
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formas sociais de existência; e interatividade que se constitui na ação cruzada de
uma prática espacial sobre outra. Essas dimensões são essenciais para apreender a
dinâmica conflitiva própria aos diferentes modelos de desenvolvimento. Partindo daí,
Acselrad (2004, p. 26) elabora a noção de conflitos ambientais como:
(...) aquelesenvolvendo grupos sociais com modosdiferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.
Nesse aspecto, tem-se a evidência de que o conflito ambiental se dá no embate
entre grupos e atores sociais de interesse e ação divergentes. Dessa forma, os
conflitos ambientais envolvem grupos e atores sociais com diferenciados modos de
apropriação, uso e significação do território, de modo que um determinado grupo se
sente ameaçado em suas formas sociais de apropriação e distribuição dos recursos
naturais por impactos indesejados ocasionados por outros grupos ou atores.
De acordo com o autor, o ramo da sociologia que estuda a questão ambiental tem
encontrado dificuldade em caracterizar os conflitos ambientais como objeto
científico, devido às suas especificidades. Os conflitos ambientais opõem entre si as
diferentes formas de adaptação dos atores sociais ao mundo natural, juntamente
com suas ideologias e modos de vida respectivos.
Segundo a vertente de alguns autores que analisam os conflitos ambientais através
da ótica econômica:
Os conflitos ambientais seriam, para eles, de dois tipos: o primeiro, o conflito por distribuição de externalidades, seria decorrente da dificuldade dos geradores de impactos externos assumirem a responsabilidade por suas conseqüências; o segundo seria o conflito pelo acesso e uso dos recursos naturais, decorrente da dificuldade de se definir a propriedade sobre os recursos (ACSELRAD, 2004, p. 17).
Os conflitos relacionados com a disputa, apropriação e distribuição dos recursos do
meio ambiente podem ser expressos de diferentes maneiras, de acordo com os
interesses particulares ou coletivos dos diversos atores em jogo. Por exemplo, a
poluição de um rio por uma empreendimento hidrelétrico não é somente uma
“externalidade”67 que poderia ser compensada pelo seu valor econômico
estabelecido em algum mercado real ou fictício. Nesse mesmo contexto, atores
sociais pertencentes a determinadas comunidades tradicionais locais são
diretamente atingidos por essas “externalidades” e reivindicam os direitos de uso e
67
A noção de externalidades é utilizada por Leff (2006, p. 303) da seguinte forma “as externalidades
econômicas que são incomparáveis com os valores do mercado, mas que se assumem como novos custos a serem internalizados pela via de instrumentos econômicos, de normas ecológicas ou dos movimentos sociais que surgem e se multiplicam em resposta à deteriorização do ambiente e à reapropriação da natureza”
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benefícios ambientais oferecido por aquele território e os recursos nele existentes. E
ainda, um movimento ambientalista pode fazer uma passeata para chamar a
atenção para o fato de que todos os seres humanos têm direito ao acesso aos
recursos naturais e a um espaço ecologicamente equilibrado, incorporando, dessa
forma, as lutas a favor da justiça ambiental.
De acordo com Leff (2006b, p. 23), o conceito de distribuição ecológica foi
apropriado da economia ecológica pela ecologia política e é definido como:
(...) una categoría para comprender las externalidades ambientales y los movimientos sociales que emergen de conflictos distributivos; es decir, para dar cuenta de la carga desigual de los costos ecológicos y sus efectos en las variedades del ambientalismo emergente, incluyendo movimientos de resistencia al neoliberalismo, de compensación por daños ecológicos y de justicia ambiental.
Para Leite Lopes (2004, p. 17), o termo “ambientalização”, é utilizado como um
“neologismo semelhante a alguns outros usados nas ciências sociais para designar
novos fenômenos ou novas percepções de fenômenos” caracterizando a
interiorização das diferentes facetas da questão pública do meio ambiente. Para o
autor, trata-se do surgimento de uma nova questão pública: a preservação do meio
ambiente, em que, a incorporação e a naturalização dessa nova questão pública do
“meio ambiente” poderiam ser notadas, a partir das transformações na forma e na
linguagem de conflitos sociais e na sua institucionalização parcial.
(...) os conflitos socioambientais locais promovem uma interiorização dos direitos e dos argumentos ambientais, pressionando por leis e controles estatais e ao mesmo tempo sendo alimentados por tais instrumentos estatais; por outro lado, a ambientalização como processo de interiorização de comportamento e práticas se dá através da promoção da “educação ambiental”, uma atividade explicitamente escolar ou paraescolar, mas também comportando formas de difusão por meios de comunicação de massa (LEITE LOPES, 2004, p. 27).
Para Little (2001) a principal definição de conflitos sócio-ambientais se constitui em
embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de relacionamento
com os recursos naturais, isto é, com seus respectivos meios social e natural.
Portanto, levando em consideração a existência de muitos tipos de conflitos sociais,
podemos classificar um conflito determinado como sócio-ambientalquando o cerne
do conflito gira em torno das interações ecológicas. Essa definição remete à
presença de múltiplos grupos sociais em interação entre si e em interação com seu
meio biofísico.
Little (2006) propôs uma definição de conflito socio-ambiental com base nos
princípios da ecologia política, uma abordagem teórico-metodológica que vem se
consolidando nas ciências sociais, caracterizando-o como um embate entre grupos
sociais que decorre das distintas formas de inter-relacionamentos com seu meio
social e natural, no qual cada agente social possui sua forma de adaptação,
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ideologia e modo de vida específico que se diferencia e se confronta com as formas
de outros grupos lidarem com suas realidades, formando a dimensão social e
cultural do conflito ambiental.
A ecologia política surgiu como uma crítica aos gastos crescentes do sistema
produtivo vigente e, além da análise das contradições do modo de produção
capitalista, procurara denunciar a alienação entre a sociedade industrial e a
natureza. Para Leite Lopes (2004, p. 19):
O ambientalismo poderia proporcionar uma dessas formas de controle do
capitalismo ou caracterizar uma de suas transformações possíveis. O
processo histórico de ambientalização assim como outros processos
similares implicam simultaneamente transformações no Estado e no
comportamento das pessoas (no trabalho, na vida cotidiana, no lazer).
De acordo com o autor essas transformações no Estado e na vida das pessoas são
possíveis a partir de cinco fatores socialmente notáveis: o crescimento da
importância da esfera institucional do meio ambiente a partir dos anos de 1970; a
interiorização de novas práticas resultantes dos conflitos sociais ao nível local; a
educação ambiental como novo código de conduta individual e coletiva; a
“participação”; e a questão ambiental como nova fonte de legitimidade e de
argumentação nos conflitos.
Essa abordagem sobre conflitos sócio-ambientais que vem se consolidando nas
ciências sociais leva em consideração vários elementos da abordagem da ecologia
política, tais como, por exemplo, a necessidade de lidar simultaneamente com as
dimensões social e biofísica, e não simplesmente, o ambiental ou o social de forma
dicotômica, como fazem as ciências naturais e as ciências sociais, respectivamente.
Se a análise social confronta o desafio de incorporar as dinâmicas do mundo
biofísico dentro de sua prática, as ciências naturais enfrentam o desafio inverso: no
seu entendimento dos distintos ciclos naturais teria que levar em conta o mundo
humano e suas estruturas políticas e sócio-econômicas.
Portanto, a pesquisa em ecologia política deve analisar as principais forças
biofísicas, tais como a conformação geológica de uma região, a evolução biológica
da fauna e flora e os recursos hídricos, junto com as principais atividades humanas,
tais como os sistemas agrícolas, os dejetos industriais lançados ao ambiente e a
infra-estrutura de transporte e comunicação instalada na região.
De acordo com essa perspectiva, os intelectuais como os historiadores, por
exemplo, que antes se limitavam a abordar a história social, e os geólogos e
biólogos, que tinham a preocupação de reconstruir a história natural de um lugar,
combinam seus enfoques teóricos e epistemológicos dentro dessa nova linha de
pesquisa que procura entender as mudanças na paisagem natural com base na
análise das distintas ondas de ocupação humana, seus respectivos impactos
ambientais e sociais e a conseqüente disputa pelos recursos naturais.
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Para Scotto (1997), conflitos sócio-ambientais são conflitos que se configuram de
forma implícita ou explícita, com foco e disputa em elementos da natureza e com
relações de tensões sociais entre interesses coletivos e privados, gerados pela
apropriação de espaços ou recursos coletivos por diferentes atores sociais para
atender interesses pessoais. A identificação e análise dos principais atores sociais
envolvidos se tornam elementos fundamentais para o estudo de conflitos sócio-
ambientais, uma vez, que é necessário explicitar os interesses específicos que estão
em jogo no conflito e as interações entre cada um desses atores sociais.
De acordo com Santilli (2005), as discussões em torno do socioambientalismo no
Brasil surgiram a partir da segunda metade dos anos de 1980, em virtude de
articulações políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista, uma
tendência histórica que teve como marco inicial a conferência sobre meio ambiente
promovida pela ONU em Estocolmo, em 1972.
A autora ressalta que o socioambientalismo fundamenta-se na concepção de que
um novo paradigma de desenvolvimento deve promover não somente a
sustentabilidade estritamente ambiental, como também a sustentabilidade social.
Parte do pressuposto de que as políticas públicas ambientais somente têm eficácia
social e sustentabilidade política quando incluem comunidades locais e promovem
uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da
exploração dos recursos naturais. Preconiza ainda que a valorização da diversidade
cultural e o reconhecimento de direitos culturais e de direitos territoriais especiais a
populações tradicionais são a face mais evidente da influência do multiculturalismo
sobre os valores preconizados pelo socioambientalismo.
A análise etnográfica de um conflito sócio-ambiental específico deve começar com a
identificação do foco central do conflito, isto é, o que realmente está em jogo. Em
geral, um conflito tem várias dimensões, movimentos ou fenômenos complexos.
Little (2002, p. 19) caracteriza três tipos de conflitos sócio-ambientais: conflitos em
torno da disputa pelo controle sobre os recursos naturais, tais como disputas sobre a
exploração ou não de um minério, da pesca, do uso dos recursos hídricos, florestais
etc.; conflitos em torno dos impactos sociais e/ou ambientais, gerados pela ação
humana, tais como a contaminação dos rios e do ar, o desmatamento, a construção
de grandes barragens hidrelétricas, por exemplo; e conflitos em torno de valores
culturais e modo de vida, isto é, conflitos envolvendo o uso da natureza cujo núcleo
central reside num choque de valores ou ideologias.
Com relação à etnografia dos conflitos sócio-ambientais, Little (2006, p. 92) aponta a
importância do olhar antropológico, no qual o foco do conflito deve ir “além de um
foco restrito nos embates políticos e econômicos para incorporar elementos
cosmológicos, rituais, identitários e morais que nem sempre são claramente visíveis
desde a ótica de outras disciplinas”. O olhar antropológico nos possibilita enxergar
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conflitos latentes que ainda não se manifestaram politicamente no espaço público
formal, porque os grupos sociais envolvidos são politicamente marginalizados ou
mesmo invisíveis ao olhar do Estado. Dessa forma, a etnografia dos conflitos sócio-
ambientais explicita as bases latentes dos conflitos e dá visibilidade aos grupos
marginalizados. Nesse sentido, o uso de uma metodologia etnográfica representa
um aporte significativo da antropologia à ecologia política.
4. CONCLUSÃO
As concepções que prevalecem no debate ambiental contemporâneo remetem-se à
“crise ambiental” como resultante do colapso entre crescimento econômico e a base
finita dos recursos naturais. Essa análise, na qual se põe em jogo a apropriação dos
recursos de um determinado território, é essencial para se apreender a dinâmica
conflitiva correspondente aos diferentes modelos de desenvolvimento. Para Acselrad
(2004a, p. 27): (...) a cada configuração do modelo de desenvolvimento, tenderemos a
encontrar modalidades específicas de conflitos ambientais predominantes.
E no âmbito de cada combinação de atividades, o “ambiente” será
enunciado como meio de transmissão de impactos indesejáveis que fazem
com que o desenvolvimento de certas práticas comprometa a possibilidade
de outras práticas se manterem.
De acordo com Leff (2006a, p. 282):
A conflitividade social colocada em jogo pela crise ambiental questiona, por
sua vez, os interesses disciplinares e os paradigmas do conhecimento
estabelecidos, assim como as formações teóricas e ideológicas que, como
dispositivos de poder na ordem da racionalidade formal e científica,
legitimam a ordem social estabelecida – a racionalidade econômica e
jurídica que legitimaram e institucionalizaram as formas de acesso,
propriedade e exploração dos recursos naturais –, que aparece à luz do
saber ambiental como a causa última da degradação socioambiental.
Dessa forma, pode-se afirmar que os problemas sócio-ambientais são formas de
conflitos sociais entre interesses individuais e coletivos, envolvendo a relação entre
sociedade e natureza. Assim, travam-se, em torno dos problemas do uso e
apropriação dos recursos naturais, confrontos entre atores sociais que defendem
diferentes lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum, seguindo lógicas
próprias a cada um deles. Em síntese, pode-se afirmar que, durante o processo de
confrontação entre interesses opostos, configuram-se os conflitos sócio-ambientais.
Nesta perspectiva, os conflitos inerentes aos desiguais processos de construção e
atribuição de significados, apropriação e uso dos territórios e seus recursos naturais;
questões relativas à desigual distribuição e acesso aos recursos naturais e a
desproporcional distribuição dos riscos e das cargas de poluição ambiental a
determinadas parcelas da população originam os conflitos distributivos ou sócio-
ambientais.
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De acordo com Little (2001, p. 107):
O surgimento de inúmeros problemas ambientais nas últimas décadas – tais
como contaminação do ar e da água nas cidades, novas epidemias, secas
prolongadas, enchentes devastadoras, intensos incêndios florestais, perda
da qualidade dos solos, desastre nucleares e químicos, falta de água
potável e crescimento do buraco na camada de ozônio, para só mencionar
alguns – teve a função de nos despertar de nossa arrogância humana e
aceitar, mais uma vez, que no fundo somos animais com necessidades
físicas e que a nossa sustentação depende, em última instância, do meio
natural. Assim o retorno da problemática ambiental ressuscitou os velhos
temas da sobrevivência humana e das formas de adaptação, e os colocou
no centro do cenário econômico e político.
Portanto, o debate em torno da questão ambiental tornou-se pauta na agenda
política em escala mundial. Como um campo no qual comparecem diferentes grupos
de interesse, o debate sobre esse tema vem-se constituindo juntamente com a
questão social. Nessa perspectiva, a gestão do meio ambiente é vista como
resultante da participação de atores sociais, da construção de sujeitos coletivos, da
constante oposição e negociação entre interesses individuais e coletivos em torno
da apropriação dos bens naturais.
Para Little (2006: 86), a análise dos conflitos sócio-ambientais se constitui em um
elemento central da ecologia política, entendida pelo autor como um campo de
conhecimento que tem por objetivo “combinar o foco da ecologia humana nas inter-
relações que sociedades humanas mantêm com seus respectivos ambientes
biofísicos com conceitos de economia política que analisa as relações estruturais de
poder entre essas sociedades”.
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11 LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO
Josemiro Ferreira de Oliveira68; Majú do Nascimento Silva69
RESUMO
Os problemas de conflitos gerados devido à implantação de grandes projetos ou em
via de implantação no Maranhão ocorrem desde a década de 1970. Período este,
desde então, marcado por uma maior incidência de organização de grupos sociais
em reação às consequências de grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão.
O relatório em questão visa fazer um apanhado e análise dos conflitos gerados a
partir desta data, mas focando-se no período de agosto de 2011 a janeiro de 2012.
Leva em consideração os conflitos socioambientais atualmente existentes entre
grandes empreendimentos e grupos sociais locais, assim como,outros conflitos
socioambientais no Maranhão. Para isso, buscamos por meio de informações
veiculadas na imprensa escrita e pela internet fazer uma análise dos conflitos
socioambientais, considerando o conjunto dos sujeitos envolvidos.
Palavras-chave: Implantação de projetos de desenvolvimentos; Organização de
grupos sociais; Conflitos socioambientais.
68
Graduando em Ciências Sociais/UFMA. 69
Graduanda em Filosofia/UFMA.
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1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo sistematizar a pesquisa desenvolvida no
período entre os meses de agosto de 2011 a janeiro de 2012, relativos ao período
de duração parcial de bolsa de pesquisa PIBIC/UFMA. A pesquisa está sendo
realizado de acordo com a temática desenvolvida pelo grupo de pesquisa, Grupo de
Estudo Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), e tem como
título “Levantamento de conflitos socioambientais no Maranhão”. Este estudo está
vinculado à pesquisa Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais
no Maranhão do referido grupo de estudo.
O desenvolvimento desta pesquisa objetiva fazer um levantamento de conflitos
socioambientais decorrentes da crescente implantação de grandes projetos de
desenvolvimento no estado do Maranhão. E buscamos, também, identificar os tipos
de projetos de desenvolvimento e as consequências socioambientais causadas a
partir de suas implantações.
De modo geral, nesta pesquisa, objetivamos identificar, acompanhar e analisar
conflitos socioambientais no Maranhão decorrentes de projetos de desenvolvimento
instalados a partir do final da década de 1970 e, atualmente, em vias de instalação.
E como objetivos específicos, buscamos aprofundar os estudos teóricos sobre:
modelos e projetos de desenvolvimento, questões socioambientais, conflitos,
populações tradicionais, legislação ambiental; participar da criação e alimentação
permanente do banco de dados sobre conflitos socioambientais no Maranhão do
GEDMMA; acompanhar e registrar noticiários sobre conflitos socioambientais
veiculado nos principais jornais publicados em São Luís, desde 2007, para mapear
os principais projetos de desenvolvimentos, mapear as áreas de incidência e
identificar os tipos dos conflitos socioambientais;levantar panfletos, relatórios,
documentos, diagnósticos, laudos, páginas eletrônicas, produzidos pelos diferentes
agentes sociais envolvidos em conflitos socioambientais.
O método de trabalho empregado nesta pesquisa se fez a partir de um plano a
atingir o objetivo designado. Então, fez-se necessário, realizar alguns procedimentos
para se cumprir a pesquisa. Primeiramente, foi necessário fazer uma revisão
bibliográfica, acompanhar e registrar noticiários sobre conflitos socioambientais
veiculados na impressa local, para fazer levantamento e um mapeamento dos
principais projetos de desenvolvimento e principais conflitos socioambientais no
Maranhão. Também, foi necessário fazer levantamento por meio de: panfletos,
relatórios, documentos, diagnósticos, laudos, páginas eletrônicas, produzidos pelos
diferentes agentes sociais envolvidos em conflitos socioambientais.
Para o desenvolvimento da pesquisa fez-se necessário cumprir alguns
procedimentos, na qual tal pesquisa tem foco em noticiários de jornais locais e
páginas eletrônicas que tratam de questões de conflitos socioambientais. Dentre
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outras, tivemos como fonte, as seguintes páginas eletrônicas:
http//www.jornalpequeno.como.br, www.oimparcial.com.br
http//territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot, http://www.prma.mpf.gov.br/noticia,
http://blog-do-pedrosa.blogspot.com, www.justicanostrilhos.org e http://alexandre-
pinheiro.blogspot.com.
Nesta pesquisa,conforme citamos anteriormente, as notícias são coletadas dos
jornais locais e páginas eletrônicas. A seleção das notícias é feita de acordo com a
temática proposta pela pesquisa, ou seja, considerando as notícias que tratam de
conflitos socioambientais atualmente existentes entre grandes empreendimentos e
grupos sociais locais, assim como, outros conflitos socioambientais no Maranhão.
O procedimento de registro das notícias no banco de dados do GEDMMA é feito
com o registro dos conteúdos nos seguintes campos na página eletrônica:
REGIONAL/MICRORREGIÃO70; MUNICÍPIO; DATA DA NOTÍCIA; TIPO DO
CONFLITO; FONTE DA NOTÍCIA; TÍTULO DA NOTÍCIA; RESUMO DA NOTÍCIA;
NOTÍCIA.
2 REFERÊNCIAL TEÓRICO
O desdobramento da industrialização no Brasil tem como marco o período após o
golpe militar de 1964. O processo da industrialização se dá pelo modelo de
desenvolvimento investido pelos governos ditatoriais, no sentido de industrializar e,
consequentemente, modernizar o país. Os governos ditatoriais juntamente com
investimentos privados, brasileiros e internacionais, objetivaram integrar
associadamente a Amazônia brasileira ao plano de modernização. Com isso, o
governo passou a investir na formação de infraestrutura básica, construindo grandes
hidrelétricas rodovias, ferrovias, aeroportos e portos. Dessa forma, permitiria com
maior rapidez à ocupação e consequentemente a inserção da Amazônia na rota da
modernização.
O plano de integração da Amazônia ao processo econômico nacional
desconsiderava a existência de inúmeros povos e grupos sociais que ocupavam
região, na qual vinham reproduzindo relações sociais e culturais ao longo de sua
permanência no local.
De todo modo, grandes projetos ainda são implantados ou estão em via de
implantação em áreas onde povos e grupos sociais, ao morarem em determinada
localidade, dependem dos recursos naturais lá existentes, sendo a principal fonte de
sobrevivência para suas famílias, deparam-se com as implantações de grandes
empreendimentos que os atingem e são muitas vezes obrigados a deixar suas
moradias por ocuparem lugares almejados por tais projetos. Mas muitos deles,
70
As definições das regiões de microrregiões do estado do Maranhão informadas neste trabalho
foram consultadas no site Wikipédia.
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diante dessas situações, se mobilizam e formam movimentos de resistência para
não saírem do local, caracterizando, como muitos autores denominam conflitos
sociais que, em algumas vezes, se desenvolvem para conflitos ambientais. Dessa
forma, podem ser caracterizados, conforme Leite Lopes (2004) como “conflitos
socioambientais”.
Tais situações são resultado de confrontos de grupos sociais que têm diferentes
concepções consideradas relação ao meio ambiente. Esta relação, segundo
Acselrad, é derivada dessas concepções que levam os grupos sociais em relação à
natureza, a conceber sentidos distintos:
Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras quantidades de matéria e energia, pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada pelos pequenos produtores não traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais biotecnológicos etc. (ACSELRAD, 2004, p. 07)
Diante de tal consideração, podemos perceber, explicitamente, que são os
diferentes usos do meio ambiente que se relacionam diretamente com as diferentes
concepções da relação homem e natureza. Além disso, observa-se que,dentre
esses conflitos, as comunidades lutam pela sua área de moradia por questão de
sobrevivência, pois são fundamentais para poder garantir o sustento de suas
famílias. E como o que está em questão é a natureza, ela é o cerne dos conflitos, de
modo que Acselrad (2004, p.08) considera, “que no processo de sua reprodução as
sociedades se confrontem a diferentes projetos de uso e significação de seus
recursos ambientais. Ou seja, o uso destes recursos é como sublinhava Georgescu-
Roegen, sujeito a conflitos entre distintos projetos, sentidos e fins”. Em outras
palavras, podemos dizer que todas essas situações se configuram como um conflito
ambiental. Conforme Acselrad afirma:
Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais
com modos diferentes de apropriação, uso e significação do território, tendo
origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas
sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçadas por impactos
indesejáveis - transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos –
decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. O conflito pode
derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de
bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas
mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc. (ACSELRAD, 2004, p.
26).
Consoante Acserald, os conflitos socioambientais gerados por disputa de
“apropriação do mundo material”, podem ser desenvolvidos tanto por controle do
território, ou seja, “pelo acesso e uso dos recursos naturais decorrente da dificuldade
de se definir a propriedade sobre os recursos” (ACSELRAD, 2004, p. 18), assim
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como, atrelados a essa questão, outras práticas sociais podem causar também,
“impactos indesejáveis” ao meio ambiente, o que gera “conflitos por distribuição de
externalidade”, isto é, conflitos em que “o desenvolvimento de uma atividade
comprometa a possibilidade de outras práticas se manterem” (ACSELRAD, 2004,
p.25), este se daria pelos efeitos causados pelas práticas sociais.
O processo de implantação de grandes projetos desenvolvidos pelos governos
ditatoriais, também foi pensado para a Amazônia, dentre eles, o Projeto Grande
Carajás, instalado no sudeste do estado do Pará e o oeste do Maranhão com o
objetivo principal de garantir a exploração e comercialização das gigantescas jazidas
de minério de ferro localizas na Serra de Carajás, no Pará.
O Maranhão também esteve inserido nesse plano desenvolvimentista, o que levou o
estado a implantar a infraestrutura para que pudesse ser feita a exploração e o
escoamento da produção mineral, além de outras produções, assim como os de
outros estados vizinhos. A partir do final da década de 1970, o estado do Maranhão
implantou extensa rede de estrada de rodagem, ligando o estado ao restante do
país. Com essa iniciativa desenvolvimentista outras foram implantadas, tais como: a
Estrada de Ferro Carajás, o complexo portuário de São Luís, a Hidrelétrica de
Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui, entre outros.
Em decorrência dessas implantações que partiram de iniciativas governamentais e
outras não-governamentais, surgiram consequências socioambientais que atingiram
diretamente o modo de vida de populações locais nas áreas envolvidas.
Com base na Constituição Federal de 1988, na legislação ambiental brasileira, na
legislação referente a direitos territoriais de quilombolas e indígenas, muitos destes
povos e grupos sociais reivindicam seus direitos, gerando conflitos socioambientais.
Conflitos estes que, no Maranhão, se iniciam no final da década de 1970 e
continuam até a atualidade. Apesar de o modelo desenvolvimentista utilizar um
discurso de “desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade social
e ambiental”, este modelo, ainda causa impactos socioambientais.
3 RESULTADOS
De acordo com a pesquisa, iremos analisar questões que envolvem apenas o
período de Agosto de 2011 à Janeiro de 2012.Nesta pesquisa, foi observado
através dos noticiários divulgados em páginas eletrônicas, que nos meses
investigados do período de agosto a dezembro de 2011 houve um maior número de
divulgação dos conflitos socioambientais. E percebemos, também, que a incidência
se deu devido a uma maior procura por parte da população atingida em reivindicar
seus direitos, o que foi noticiado nos principais jornais locais.
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Esta pesquisa teve início no mês de agosto de 2011. Apesar de a pesquisa ter início
neste referido mês, foi observado que alguns noticiários tratavam de conflitos desde
o ano de 2007, período em que diferentes empreendimentos foram instalados ou
iniciaram a instalação no estado Maranhão. Embora os conflitos tenham ocorridos
nas diferentes microrregiões do estado, não deixam entre si, de ter algumas
semelhanças. Então, para analisarmos e discutirmos o assunto, foram selecionadas
10 reportagens, cujos conteúdos foram sistematizados conforme foram registrados
no banco de dados.
3.1 Local: Maranhão, Microrregião: Itapecuru, Município: Itapecuru-Mirim
Povoado: Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo. Data da notícia: 23.09.11. Resumo
da notícia: “MPF/MA: duplicação da Estrada de Ferro Carajás em Itapecuru-Mirim
está parcialmente suspensa. Em audiência de conciliação, a Justiça determinou a
abertura de prazo para reavaliar os impactos causados pela obras nas comunidades
quilombolas.
Em audiência de conciliação realizada na Justiça Federal do Maranhão, ficou
decidido que a Vale terá que limitar suas ações de duplicação da Estrada de Ferro
Carajás, no município de Itapecuru-Mirim (MA). Além disto, representantes do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e
Fundação Cultural Palmares, acompanhados do Ministério Público Federal no
Maranhão (MPF/MA) e da Defensoria Pública da União deverão visitar as
comunidades de remanescentes quilombolas situadas na região, e, ainda, realizar
reuniões para discutir os impactos causados pelas obras, visando a um possível
acordo para resolver os problemas identificados”. Fonte da notícia:
http://www.prma.mpf.gov.br/noticia
3.2 Local: Maranhão, Microrregião: Gurupi, Município: Centro Novo
Povoado: Água Azul e Sabiá. Data da notícia: 12.10.11. Resumo da notícia: “MA:
Minerador Canadense Jaguar quer engolir assentados de Centro Novo.Parte dos
assentamentos Sabiá e Água Azul, no município de Centro Novo, estão ameaçadas
de expulsão pela empresa mineradora Jaguar e sua consorciada MCT Ltda.
Mesmo detendo apenas uma licença prévia, concedida pelo SEMA, a empresa
iniciou trabalhos de prospecção no interior dos assentamentos, onde apregoa que
nada impedirá a Empresa de utilizar a área para a exploração de ouro, uma vez
que os assentados não seriam os proprietários da área”. Fonte da
notícia:http://blog-do-pedrosa.blogspot.com
3.1 Local: Maranhão, Microrregião: Chapadinha, Município: Anapurus
Povoado: Formiga. Data da notícia: 24.11.11. Resumo da notícia: “Anapurus(MA):
Suzano derruba casas e desrespeita agricultores com aval da Justiça.A poderosa
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empresa Suzano Papel e Celulose, que cerca Chapadinha com promessas de
milhões em investimentos e milhares de empregos, há muito ronda outros
municípios da região deixando rastro de conflitos agrários, suspeita de dano ao
meio ambiente e denúncias de grilagem de terras, desrespeito e truculência contra
trabalhadores rurais e comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba”. Fonte da
notícia: http://alexandre-pinheiro.blogspot.com
3.2 Local: Maranhão, Microrregião: Chapadinha, Município: Anapurus
Povoado: Formiga. Data da notícia: 30.11.11. Resumo da notícia: “SMDH Intervém
em conflito de comunidade contra a Suzano papel e celulose. A Sociedade
Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), através da assessoria sócio-jurídica do
programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba Maranhense, está intervindo junto a
órgãos e instituições do sistema de Justiça em favor da comunidade de Formiga,
na cidade de Anapurus, distante 284 km da capital São Luís. No último dia 20 de
novembro uma liderança comunitária relatou o ocorrido, por telefone, à entidade: a
comunidade foi alvo do cumprimento de uma liminar de reintegração de posse de
148 hectares, em ação possessória ajuizada pela Comercial Agrícola Paineiras,
empresa de propriedade da Suzano Papel e Celulose”.Fonte da notícia:
http//territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com
3.3 Local: Maranhão, Microrregião: Imperatriz, Município: Acailândia
Povoado: Piquiá. Data da notícia: 07.12.11. Resumo da notícia: “Marcha de
Indignação em Açailândia-MA .Cerca de dois mil moradores do bairro de Piquiá de
Baixo, município de Açailândia/MA, irão protestar na Prefeitura e no Fórum da
cidade.As 350 famílias do Piquiá saem em protesto em razão da última decisão do
Tribunal de Justiça que suspendeu provisoriamente a desapropriação do terreno
escolhido para abrigar as famílias, alegando ter na área 50 cabeças de gado”.
Partes da matéria: “A ideia é fazer uma grande marcha, pois não agüentamos mais
ver nossos moradores adoecendo e morrendo, precisamos urgentemente que o
Tribunal de Justiça resolva nosso caso e nos dê direito de uma moradia
digna”.Fonte da notícia: www.justicanostrilhos.org
3.4 Local: Maranhão, Microrregião: Imperatriz, Município: Acailândia
Povoado: Piquiá. Data da notícia: 07.12.11. Resumo da notícia: MA: População
prejudicada por Polo Siderúgico interdita BR-222. Moradores do bairro Piquiá de
Baixo, em Açailândia, interditaram a BR-222, que liga São Luís ao Sul do
Maranhão. A comunidade, localizada no KM 14,5 dessa rodovia, reivindica a
realocação das famílias que habitam a região para uma nova área. Segundo eles, a
poluição causada pelo Pólo Siderurgico de Açailândia (formado pelas empresas
Fergumar, Gusa Nordeste, Pindaré, Simasa e Viena) prejudica a saúde da
população. Partes da matéria: “Estamos aqui hoje interditando essa rodovia para
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denunciar às autoridades de nosso município e do estado, além da mineradora
Vale, que abastece este pólo siderúrgico, a morte de centenas de pessoas nos
últimos anos por problemas pulmonares”. Fonte da notícia: www.oimparcial.com.br
3.5 Local: Maranhão, Microrregião: Rosário, Município: Cachoeira Grande.
Data da notícia: 18.09.11. Resumo da notícia: “Obras da refinaria vão usar areia
extraída do Rio Munim. Empresa FC Transportes - que presta serviços a
empreiteiras da refinaria que está sendo construída em Bacabeira – retira do rio 20
caçambas de areia por dia. Há mais de um mês, a empresa FC Transportes está
retirando desregradamente areia do leito do Rio Munim, no município de Cachoeira
Grande (a 110 quilômetros de São Luís). A empresa, com sede em Brasília, presta
serviços para empreiteiras contratadas pela Petrobras para construir a Refinaria
Premium, em Bacabeira (cidade vizinha à capital maranhense). O destino a areia
extraída do Munim seria a etapa de edificação da refinaria, que ainda está na fase
de terraplenagem”. Fonte da noticia: http:/www.jornalpequeno.com.br
3.6 Local: Maranhão, Microrregião: Pindaré, Município: Bom Jardim.
Data da notícia: 21.09.11. Resumo da notícia: “Índios denunciam omissão do poder
público contra invasão de madeireiros. Índios Awá-Guajá, acompanhados de
missionários do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e de representantes da
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, no Maranhão
(OAB-MA), participaram de uma reunião no Ministério Público Federal (MPF), no
Bairro da Areinha, para denunciar a omissão dos poderes públicos, em especial a da
Fundação Nacional do Índio (Funai), em relação à ocupação ilegal feita por
madeireiros em terras demarcadas. Os quatro índios, que fazem parte da terra
indígena Caru, estiveram em São Luís. Eles já teriam sofrido violências e estariam
sendo ameaçados de morte”.Fonte da notícia: http:/www.jornalpequeno.com.br
3.7 Local: Maranhão, Microrregião: São Luís, Município: São Luís.
Data da notícia: 29.11.11. Resumo da notícia: “Reunião no Incra-MA tratará de
regularização de terras e violência.Encontro foi definido depois da mais recente
ocupação do órgão, no fim de agosto. Representantes do governo federal e
lideranças indígenas, quilombolas, sem-terras, além de militantes do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) vão se
reunir na manhã da próxima sexta-feira (30) em São Luís. A reunião acontecerá na
sede do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra-MA), no Anil, e o objetivo do
encontro é dar cumprimento ao acordo firmado com os governos federal e estadual,
que trata, entre outros assuntos, da agilidade nos processos de regularização de
terras e do combate à violência no campo”.Fonte da notícia:
http:/www.jornalpequeno.com.br.
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3.8 Local: Maranhão, Microrregião: São Luís, Município: São Luís
Data da notícia: 11.10.11. Resumo da notícia: “Pescadores do Taim, Vila Cajueiro e
Vila Maranhão oprimidos e abusados. A zona rural da ilha de São Luís é lugar de
desmando tanto quanto qualquer terra do Maranhão. Numa visita às vilas do
Taim, Cajueiro e Vila Maranhão o que se vê são terras sendo muradas e expulsão
de agricultores e pescadores de locais ocupados por eles há muitas décadas. E para
surpresa maior verifica-se a „onipresença‟ do agronegócio e de tantas outras
empresas que abusam do meio ambiente sem sequer ouvir um ralhar maneiro da
justiça ou do poder público”.
Fonte da notícia: http//territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com
No geral, consideramos, embora a pesquisa ainda esteja em andamento e fazendo
uma análise partindo desses noticiários, que grande parte dos conflitos gerados
decorre de grandes empreendimentos que visam se instalar em áreas ondeexistem
povoados há décadas ou séculos. Os habitantes desses povoados, por morarem em
locais que consideram de sua propriedade pelo tempo de moradia, mas cuja posse
legal normalmente é instável,são molestados para que deixem o local por tais
empreendedores. Outro problema também constatado é que, em alguns casos, os
conflito, se arrastam porque povos e grupos sociais tentam manter seu modo de
vida, que é reconhecido legalmente como terra indígena, de quilombo ouunidades
de conservação, e são donos de áreas de terras por direito, mas mesmo assim, são
desrespeitados por empreendedores. Como por exemplo, aqueles que vivem em
áreas de preservação legal, no caso dos índios, que vivem ameaçados por
invasores que buscam desregradamente apoderarem-se de recursos naturais
imprescindíveis para a sobrevivência física e cultural dos povos localizados em
terras indígenas.
A leitura feita dos noticiários nos dá também, as configurações de dois tipos de
conflitos: Conflitos por território, que se observa em maioria, e conflitos por
externalidade. O conflito por território se configura quando um determinado povo ou
grupo social busca manter-se numa localidade onde vive há vários anos e, neste
local, mantém relacionamentos sociais em que tem laços culturais que estão ligados
a eles. Mas, muitas vezes, os moradores são ameaçados ou obrigados a deixar
suas moradias para dar espaço para os diversos tipos de empreendimentos que
visam instalar-se no local em que moram. Configura-se assim um conflito pelo
controle do território. Podemos identificar alguns noticiários que apontam essas
características e que foram citados acima e estão identificados com a numeração 1,
2,3, 4,7,8,9 e 10.
No caso de conflitos que se configuram por externalidade, temos aqueles que se
caracterizam quando alguns empreendimentos comprometem de alguma forma, a
qualidade de vida de um povo ou grupo social. Isto é, as práticas investidas por tais
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empreendimentos afetam negativamente a reprodução social, cultural ou religiosa de
um povo. Por exemplo, os grandes empreendimentos podem inviabilizar o cultivo de
uma produção agrícola familiar, a pesca empequena escala, o abastecimento de
água de uma determinada comunidade, ou até mesmo, podem afetar a reprodução
de um povo, no caso dos indígenas. Notícias que se enquadram a este tipo de
conflito são os de numeração5 e6.
No entanto, é importante ressaltar que, embora muitas vezes esses tipos de conflitos
ocorram separadamente, também podem ocorrer de forma conjunta, ou seja, eles
podem ocorrer associadamente tanto por territorialidade como por externalidade.
4 CONCLUSÃO
Nesta pesquisa, embora os resultados sejam parciais, tendo em vista que a
pesquisa ainda está em andamento, constatamos que os conflitos continuam
ocorrendo e a pesquisa permanece fazendo o levantamento e o mapeamento de
conflitos já existentes.
No processo, o trabalho continua sendo desenvolvido buscando notícias nos
principais jornais e páginas eletrônicas. O projeto também está buscando
aperfeiçoar o banco de dados, visando ter uma melhor visibilidade e
acompanhamento dos conflitos ocorridos no estado do Maranhão, para que este
seja uma fonte de informações para futuros pesquisadores do projeto, assim como,
outros interessados na temática.
REFERÊNCIAS
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Dumará, 2004.
LOPES, José Sergio Leite (Org.). A ambientalização dos Conflitos Sociais:
participação e controle público da poluição industrial. Rio de Janeiro: Relume
Dumará: Nucleo de Antropologia da política/UFRJ, 2004.
SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio A. PEREIRA, Madian de J. F. ALVES, Elio de J. P.
PEREIRA, Carla R. A. Ecos dos conflitos socioambientais: a RESEX de Tauá-Mirim.
São Luís: Edufma, 2008.
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12 IMPACTOS DOS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS EM COMUNIDADES DE
PESCADORES DOS LENÇÓIS MARANHENSES: UMA ANÁLISE
SOCIOANTROPOLÓGICA NO MUNICÍPIO DE BARREIRINHAS71
Manuel Sousa Rodrigues72
RESUMO
O presente trabalho apresenta as atividades de estudo e pesquisa referentes ao
plano de trabalho “Impactos dos empreendimentos turísticos em comunidades de
pescadores dos Lençóis Maranhenses: uma análise socioantropológica no município
de Barreirinhas”.Neste trabalho, foram realizados estudos no Grupo de Estudo:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e pesquisas de campo
nas comunidades de Mandacaru, Atins e Vassouras, pertencentes ao município de
Barreirinhas. O referente plano de trabalho tem como objetivo identificar e analisar
os principais impactos socioambientais sofridos pelos moradores do município de
Barreirinhas, mais especificamente os impactos provocados pelos empreendimentos
turísticos na comunidade tradicional de Atins. Entendem-se como impactos as
transformações/relações ocorridas a partir da inserção da atividade turística na
referida comunidade. Buscar analisar os possíveis impactos socioambientais e saber
até que ponto a dinâmica do turismo na tradicional comunidade de Atins ocasionou
mudanças e o que essas transformações representam é o foco da discussão desta
pesquisa em andamento.
Palavras-chave: Turismo; Barreirinhas; Impactos socioambientais.
71
Plano de trabalho apresentado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica- PIBIC. 72
Acadêmico de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão, membro do GEDMMA e bolsista PIBIC.
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1 INTRODUÇÃO
O município de Barreirinhas está localizado na Microrregião dos Lençóis
Maranhenses, esta por sua vez está situada na Mesorregião norte maranhense. O
município está distante 268 km de São Luís, capital do estado do Maranhão. A
cidade de Barreirinhas (sede do município) está localizada na margem direita do Rio
Preguiças, a 42 km de sua foz e de Caburé, sua praia mais conhecida. É porta de
entrada para o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, que ocupa uma área de
155.000 hectares e foi criado em 02 de junho de 1981 pelo Decreto Nº 86.060.
(SEBRAE, 2007).
O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses - PNLM - é uma das regiões ou pólo,
como é chamado pelas gerências do governo maranhense, de maior potencial
turístico do Maranhão, por apresentar uma beleza natural ímpar. É também
conhecido como o deserto brasileiro por se constituir por grande área de areia clara
formando dunas e pequenas depressões que se transformam em lagos e lagoas no
período chuvoso (janeiro a junho). Essa vocação para o turismo nasce com a própria
ideia de Parque Nacional como Unidade de Conservação ambiental, que, segundo o
decreto de fundação, o PNLM “tem por finalidade precípua proteger a flora, a fauna
e as belezas naturais, existentes no local” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2012), que
por sua vez remete ao mesmo sentido da fundação do Yellowstone (Parque
Nacional dos Estados Unidos, localizado nos estados de Wyoming, Montana e
Idaho), o mais antigo parque nacional no mundo, inaugurado em 1º de marçode1872
(WIKIPÉDIA, 2012). Para Célia Maria de Toledo Serrano, na criação de Yellowstone
“a própria ideia de proteção ambiental surge associada à ideia de contemplação, do
lazer e, por extensão, do turismo” (SERRANO, 1997, p.105). Para Diegues (1997), a
criação de parques nacionais surgida nos Estados Unidos se expandiu para o
mundo e tem representado a principal estratégia de conservação da natureza
principalmente em países do terceiro mundo, que além da preservação ambiental,
tem por objetivo oferecer lugares de refúgios, admiração e lazer para as pessoas
urbanas. Como o autor afirma:
A criação de parques nacionais e demais áreas naturais protegidas tem sido a principal estratégia para conservação da natureza, em particular nos países do terceiro mundo. Desde seu início, os parques nacionais foram estabelecidos para oferecer às populações urbanas meios de lazer e contemplação do mundo natural. O objetivo geral dessas áreas naturais protegidas é preservar espaços com atributos ecológicos importantes. Algumas delas, como parques, são estabelecidas para que sua riqueza natural e estética seja apreciada pelos visitantes, não se permitindo, ao mesmo tempo, a moradia de pessoas em seu interior (DIEGUES, 1997, p. 85).
Valendo-se dessas características, o governo do estado maranhense a partir dos
anos 2000 procurou, por meio de alguns projetos, estimular o turismo na região.
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Com o objetivo de dinamizar a economia na região aproveitando melhor as
potencialidades turísticas, em 2002 o governo do estado do Maranhão inaugura a
MA-402, estrada que encurta consideravelmente a distância entre São Luís e o
município de Barreirinhas. A construção da nova estrada faz parte de um grande
projeto para o desenvolvimento do turismo em Barreirinhas. Acompanhando os
investimentos públicos, a iniciativa privada tornou-se protagonista do chamado
desenvolvimento do turismo dos Lençóis Maranhenses. Isso pode ser evidenciado
com a construção de vários hotéis, pousadas e resorts para o recebimento dos
novos visitantes. No entanto, a região dos Lençóis Maranhenses continua com
precárias estruturas para atender a demanda de turismo. No intuito de sanar esse
problema foi lançado em 2000 pelo governo maranhense o Plano de
Desenvolvimento Integral do Turismo no Estado do Maranhão ou Plano Maior, que
consistia em um programa norteador da implantação da atividade turística e
procurando atender as condições de um desenvolvimento sustentável elaborado
pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI). O Plano Maior dividia
o estado em 05 (cinco) polos, a saber: polo São Luís, polo Parque Nacional dos
Lençóis Maranhenses, polo Delta das Américas, polo Chapada das Mesas e polo
Floresta dos Guarás. Apesar dos esforços, este plano não foi executado como
deveria e acabou sendo pouco aproveitado pelas administrações estaduais e
municipais. Contudo, em 2009 foi retomado pelo governo maranhense que
recontratou a mesma empresa estrangeira para reelaborar o programa de
desenvolvimento do turismo maranhense.
Chamado agora de “Plano Maior 2010-2020”, o novo estudo desenvolvido por esse
projeto faz uma redivisão hierarquizando os polos em três categorias derivadas das
prioridades de desenvolvimento, que definem seu papel no composto turístico do
Maranhão. Os quais são: os polos indutores ou prioritários, compostos por São Luís,
Parque dos Lençóis e Chapada das Mesas; polos de desenvolvimento: Amazônia
Maranhense, Cocais e Serras, Guajajara, Timbira e Kanela; e polos estratégicos:
Floresta dos Guarás, Delta das Américas, Munim e Lagos e Campos Floridos.
Segundo Teresa Portela, Supervisora de Controle e Avaliação de Produto da
Secretaria de Estado de Turismo do Maranhão - SETUR- MA, isso aconteceu
porque a “análise dos produtos e recursos na reavaliação do plano Maior 2000
demonstrou que, diferente do que acontecia naquele ano,o conjunto turístico do
Maranhão apresenta-se hoje desigual,” o potencial de atratividade e a própria
capacidade de expansão estava concentrada apenas em parte dos Polos Turísticos.
Desta forma, segundo Teresa Portela seguiu-se esta divisão porque:
Os Polos Indutores: Demonstram capacidade de obter a máxima rentabilidade a partir da melhor otimização da oferta atual e dos produtos existentes em curto e médio prazo. São, portanto capazes de induzir o desenvolvimento turístico no Estado e catalisar o desenvolvimento dos demais polos.Os Polos Estratégicos: São estrategicamente importantes para a diversificação da oferta em médio prazo por seu potencial de
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atratividade e pelas questões de acessibilidade. Já os Polos de Desenvolvimento: Carecem de altos investimentos em desenvolvimento para atingirem os mesmos níveis de rentabilidade dos Polos Indutores. Devem ter a atividade turística monitorada, porém, em cenários orçamentários limitados, deverão ser desenvolvidos apenas no longo prazo. (mensagem enviada por Teresa Portela [online])
É interessante observar que mesmo com as mudanças no plano de desenvolvimento
do turismo no Maranhão, os Lençóis Maranhenses – PNLM - continuam figurando
como central, carro-chefe da atividade turística. Barreirinhas como porta de entrada
para o “deserto brasileiro”, apesar de ser apenas um dos municípios que abriga e o
PNLM, é o município que mais sofre alterações decorrentes dos investimentos do
setor turístico na região. Comunidades distantes da sede de Barreirinhas como
Atins, pacato povoado litorâneo de pescadores artesanais, de difícil acesso, são
constantemente visitadas por turistas dos mais variados lugares do mundo. Alguns
(ou muitos) desses visitantes/veranistas já compraram terrenos e casas nesse
povoado para fazerem casas ou pousadas e restaurantes. Em decorrência desse
processo, os nativos estão sendo expulsos de sua comunidade tradicional, o que
pode indicar uma nova dinâmica nas relações comunitárias, com a natureza e seus
recursos.
Analisar essas novas relações, os impactos socioambientais, saber até que ponto a
dinâmica do turismo na tradicional comunidade de Atins ocasionou mudanças,
impactos socioambientais e o que representam essas transformações, é o que se
propõe o plano de trabalho “Impactos dos empreendimentos turísticos em
comunidades de pescadores dos Lençóis Maranhenses: uma análise
socioantropológica no município de Barreirinhas”.
Inicialmente, o referido plano de trabalho estava previsto para estudar as
comunidades de Atins, Mandacaru e Caburé. Porém, durante as visitas de
pesquisas nessas comunidades percebi que deveria direcionar o foco para Atins, por
apresentar maior dinâmica de turistas com os nativos.
Está sendo realizados estudos a partir de levantamento de material secundário, tais
como: monografias, jornais, planos de governos, livros, artigos científicos e demais
materiais relacionados que possam contribuir na realização deste trabalho. Também
estão sendo feitas pesquisas diretamente no campo investigado, ou seja, na
comunidade de Atins. O trabalho de campo na área de estudo está sendo realizado
por meio de observação do cotidiano e de eventos importantes, conversas informais,
entrevistas; com uso de caderno de campo para registro etnográfico, assim como de
máquina fotográfica.
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2 A FRACA SUSTENTABILIDADE DO TURISMO
Sempre que um novo empreendimento é implantado em determinada localidade,
tanto os agentes do governo (incentivadores), como os agentes responsáveis pelo
empreendimento (representantes do setor privado), usam o convincente discurso do
desenvolvimento para eliminar possíveis oposições a tal investida. É justamente com
esse discurso que agentes dos governos federal, estadual e municipal e investidores
privados exploram o turismo na região dos Lençóis Maranhenses. O termo
desenvolvimento, segundo Esteva (2000), é bastante controverso e sem conceito
definido. Seja como for, esse termo tem grande aceitabilidade em áreas de
concentração de pobreza como o município de Barreirinhas por remeter à ideia de
progresso, de melhoria econômica para uma região de subdesenvolvimento.
Subdesenvolvimento por sua vez, remete à ideia de atraso, etapa para se chegar ao
desenvolvimento. Para Esteva (2000) subdesenvolvimento é uma criação do próprio
desenvolvimento, imposição dos Estados hegemônicos, para justificar suas políticas
intervencionistas.
Situação semelhante ocorre nas comunidades de Barreirinhas. Segundo Carvalho
(2005), mesmo havendo algum mecanismo de discussão, entre setores
governamentais e representantes das comunidades locais, as decisões sobre as
políticas para a região são tomadas arbitrariamente sem atender aos anseios das
comunidades, impossibilitando a participação cidadã. Nas palavras de Carvalho
(2005, p.08): Organismos, como o Banco do Brasil em Barreirinhas, têm tomado algumas iniciativas para promover a participação cidadã. Uma delas é o Comitê do Desenvolvimento Regional Sustentável, do qual participam alguns órgãos e representantes de comunidades. No entanto, esses conselhos funcionam precariamente, reúnem-se de forma esporádica e a sociedade, apesar de ter assento, raramente fala. E quando fala, não consegue falar em uma só voz. São muitos grupos, conseqüentemente, muitos interesses e pontos de vistas divergentes.
Outro termo bastante utilizado é a noção de desenvolvimento sustentável que, assim
como o termo desenvolvimento, não possui um conceito definido. Apenas uma
noção afirmando ser o processo de exploração que“atende às necessidades dos
presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem
suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46). No entanto, esse discurso (no
sentido de campanhas de implementação) parece não ter muito significado para os
moradores de Atins (talvez isso seja porque ainda preservam a forma artesanal de
pescaria- a principal atividade econômica dos moradores- que não representa
atividade de degradação dos recursos naturais, portanto, antes de surgir como
discurso a noção de sustentabilidade já aparece como modo de vida).
Contudo em outras comunidades do município de Barreirinhas a dinâmica pode ser
outra e essa discussão tenha mais relevância. Fato discutido em um artigo do
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Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília – UNB, feito por
João Paulo Faria Tasso, Elimar Pinheiro do Nascimento, Luis Tadeu Assad e Carla
Gualdani, chamado “Produção Associada ao Turismo: Lençóis Maranhenses –
Barreirinhas (MA)”. Nesse texto os autores analisam o discurso do desenvolvimento
sustentável, na perspectiva onde existe uma integração de ganhos mútuos entre
investidores de fora e comunidade local, ou seja, uma reciprocidade no processo de
exploração das potencialidades locais como as lagoas, o rio e suas margens, as
praias e ao mesmo tempo preservando as mesmas, sendo atores ecologicamente
corretos. Para os pesquisadores, no entanto, isso só existe teoricamente; na prática
o procedimento é outro.
Em Atins, a partir das minhas observações e análise (preliminar) das falas dos
moradores em conversas informais, pude perceber que a exploração do turismo na
comunidade ainda não apresenta degradação ambiental que possa comprometer o
modo de vida dos nativos ou extinção dos recursos naturais. A praia e o rio, não
recebem poluentes. O material degradante produzido da comunidade se resume ao
lixo doméstico das casas, pousadas e restaurantes. Segundo os moradores e
representantes de pousadas, o material doméstico sólido é queimado ou enviado
para lixões longe da comunidade. Já a parte líquida do lixo vai para buracos no
chão. Por outro lado, a mesma atividade turística ainda não representa prática
sustentável para a comunidade local. Uma prática sustentável do turismo, segundo
Serrano (1997), tem como princípios básicos:
Uso sustentável dos recursos, redução do consumo supérfluo e do desperdício, manutenção da biodiversidade, introdução do planejamento (global e local), suporte às economias locais, envolvimento das comunidades locais, consulta ao público a às instituições públicas e não-governamentais, capacitação da mão-de-obra e estímulo e desenvolvimento da pesquisa relacionada aos problemas a ele vinculados (SERRANO, 1997, p.18-19).
Embora os três primeiros princípios possam existir (de forma tímida), com os demais
não ocorre o mesmo. Questões como planejamento global e local ou local-global,
não é percebido. Assim como suporte às economias locais, sendo esta uma
reclamação bastante recorrente entre os moradores. Os investimentos em pousadas
e restaurantes que existem partem de iniciativas particulares, o que pode ser um
indicativo para o não envolvimento (no sentido de ter iniciativa como
empreendedores) da comunidade. A participação dos nativos na atividade turística
da comunidade é minimizada a condição de empregados das pessoas de fora que
têm negócios (pousada e restaurante) ou casas de veraneios.
Talvez a venda (com certa facilidade) de terras e casas para as pessoas que não
são da comunidade seja a principal ameaça ao modo de vida dos moradores
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tradicionais, uma vez que os impossibilita de continuar na comunidade, como alerta
o presidente da associação de moradores de Atins.
Analisando a facilidade com que as pessoas se desfazem de seu local de origem e
procuram outro lugar para viver, tornando-se desenraizados, característica da
modernidade como afirma Escobar (2005), parece-me que antes de acionarem o
sentimento de pertencimento e defesa do lugar, esses moradores buscam aproveitar
a oportunidade para melhorar de vida, acreditando que com a venda de seus bens
imobiliários poderão sair da situação de pobreza e esquecimento das autoridades
governamentais. Vendem suas casas para adquirir outra na cidade onde o filho
estuda (a escola que existe na comunidade é bastante precária e de nível
fundamental, até poucos anos atrás; e para que os filhos continuassem estudando,
os pais mandavam-nos para a sede do município), ou para investir no próprio setor
turístico ou simplesmente porque precisam do dinheiro para fazer uma casa mais
confortável na própria comunidade (isso quando têm mais de um terreno). É uma
necessidade do mercado, do mundo global. Segundo o pescador Manoel,eles
(moradores) “Vendem por questão própria mesmo, questão de querer botar dinheiro
no bolso e fazem uma casinha melhor em outro lugar”. (entrevista)
A especulação imobiliária é uma questão bastante visível na comunidade de Atins.
Muitos nativos já venderam o terreno e/ou casa que possuíam na comunidade e se
deslocaram para a cidade ou outra comunidade perto de Atins ou mesmo para
outros lugares mais distantes.Apesar de ser uma característica de regiões com alto
potencial turístico não pode passar despercebido em qualquer estudo sobre os
conflitos socioambientais e/ou uso dos espaços em comunidades como Atins, pois
esse é um processo que pode significar uma nova dinâmica na região, até mesmo
de conflito pelo uso do espaço. Segundo Coriolano (2001) o turismo,
considerado indústria e com objetivos puramente econômicos, colocando muito naturalmente o lucro como prioridade, tem desencadeado um violento processo de especulação imobiliária, uma supervalorização do solo litorâneo com construção de hotéis, estradas e infraestrutura de apoio que desrespeitam as normas e as leis ambientais (CORIOLANO, 2001, p.99-100).
O que acontece em Atins não é muito diferente, segundo relatos de alguns
moradores, pessoas que venderam sua casa e terrenos e saíram da comunidade
depois não conseguem mais voltar, pois o valor de um pedaço de terra já está muito
mais elevado.
Quanto ao turismo, sem dúvida, representa importante fonte de recursos
econômicos no município de Barreirinhas. A economia gerada a partir da circulação
das pessoas, quando existem políticas públicas com responsabilidade social, é
fundamental na criação de empregos para a população local e consequentemente
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distribuição do dinheiro originado. Contudo, a forma como está ocorrendo em
Barreirinhas não permite a socialização dessa renda para as pessoas nativas.
Segundo Carvalho (2005, p.8):
A região dos Lençóis Maranhenses ainda está assentada em bases econômicas da exploração primária de subsistência, que não lhe permitiu acumular capital para investir nos empreendimentos turísticos. A origem do capital aplicado em empreendimentos privados, portanto, é quase totalmente externa (empresários de São Luís, de outros Estados e até mesmo estrangeiros).
Ainda segundo Carvalho (2005, p.8):
Como a estratégia de crescimento implantada não vem conseguindo gerar alternativas econômicas que minimizem o impacto do turismo como monoproduto, as perspectivas poderão ser extremamente nocivas quando o fluxo de recursos em circulação se estabilizar ou decrescer. Não bastasse isso, os investimentos pífios na capacitação de recursos humanos praticamente inviabilizam o atendimento do fluxo contínuo de visitantes. Dessa forma, a distribuição e a troca não proporcionam aos nativos a oportunidade de se beneficiar da retenção da riqueza.
Essa é uma característica geral do município, possibilitando ganhos econômicos
para pessoas de fora que chegam naquele município e conseguem desenvolver seu
empreendimento. No entanto, parece que ainda não foram encontrados os meios
para que a população Barreirinhense seja inserida nesse processo de forma que
tenham retorno, ou seja, tenham participação ativa e ganhos efetivos
proporcionados pela atividade turística da região. Faltam os princípios básicos como
“suporte às economias locais, envolvimento das comunidades locais, consulta ao
público, a instituições públicas e não-governamentais, capacitação da mão-de-obra
e estímulo e desenvolvimento da pesquisa relacionada aos problemas a ele
vinculados” apontados por Serrano (1997, p. 18-19). Fato esse também presente na
comunidade de Atins.
Mesmo não apresentando grandes empreendimentos, Atins possui várias
pousadas que atendem a demanda turística que para lá vai. Esses
empreendimentos geralmente são de moradores recentes (portanto de pessoas de
fora), e, segundo relatos de alguns moradores, chegam a empregar nativos. Apesar
disso, parece ainda não representar uma alternativa viável para a comunidade a
ponto de abandonar sua tradicional atividade de pesca artesanal. Isso não significa
que os nativos desaprovam a atividade turística, ao contrário, dizem que é boa para
a comunidade, pois permite que alguns ganhem dinheiro em troca de alguns
serviços domésticos para os turistas/veranistas.
3 CONSIDERAÇÕES
Durante a primeira etapa das atividades referente ao plano de trabalho “Impactos
dos empreendimentos turísticos em comunidades de pescadores dos Lençóis
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Maranhenses: uma análise socioantropológica no município de Barreirinhas”, que
consistiu em estudo do assunto e inserção no campo de pesquisa para coleta inicial
dos dados, eu pude perceber que existem inúmeras questões problemáticas em
relação à atividade turística na região dos Lençóis Maranhenses. Questões que vão
desde a frágil sustentabilidade turística (como atividade que representa uma saída
efetiva para melhorar a vida das pessoas nativas) até deslocamento de pessoas de
seus lugares de origem provocado por especulação imobiliária. São situações
recentes que requerem análise cuidadosa, e é o que se propõe o referido plano de
trabalho. No entanto, esta pesquisa se encontra em andamento e no momento ainda
não permite analisar tais questões assim como os verdadeiros impactos ambientais.
Atividade que será realizada no decorrer da segunda etapa, período em que serão
realizados entrevistas e estudos mais aprofundados no campo de pesquisa.
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13 OS IMPACTOS DO “DESENVOLVIMENTO” ÀS COMUNIDADES RURAIS, NO
MARANHÃO.
Maysa Mayara Costa de Oliveira73
RESUMO
O presente trabalho faz uma discussão da noção de desenvolvimento que serviu
como modelo de expansão do capitalismo, e como este modelo atingiu
consideravelmente a concepção e os padrões da agricultura, e o modo de vida das
comunidades rurais, afetando-as diretamente e indiretamente. A partir da análise do
termo Desenvolvimento, revelam-se seus principais objetivos, fazendo uma crítica a
este termo e demonstrando como este desempenhou/desempenha um papel
ideológico. Em seguida, a análise da Revolução Verde, como outro fator de
mudança tanto na Economia como na forma de vida no campo, e seus impactos
sobre o modo de concepção da agricultura. A obtenção de dados para a realização
do trabalho ocorreu através de revisão bibliográfica, experiências vivenciadas com
trabalhadores rurais e técnicos, e análise dos inúmeros problemas ocorridos no
Estado. Assim, observa-se que no Maranhão, a organização das comunidades
rurais, na forma de discussão e debate sobre meios alternativos de trabalho no
campo, é necessária na mudança da realidade gerada pela lógica do
desenvolvimento.
Palavras-chave: desenvolvimento; subdesenvolvimento; revolução verde;
comunidades rurais.
73
Aluna do 9º período do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão.
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1 INTRODUÇÃO
A partir das experiências vivenciadas e das leituras sobre determinados temas de
interesse do presente artigo, como dos inúmeros problemas ocorridos no Estado, em
relação a grandes projetos desenvolvimentistas, o objetivo deste trabalho é discutir a
noção de desenvolvimento que serviu como modelo de expansão do capitalismo, e
como este modelo atingiu consideravelmente a concepção e os padrões da
agricultura, como também o modelo de vida das comunidades rurais, afetando-as
diretamente e indiretamente.
A primeira parte do trabalho centra-se na discussão sobre o termo desenvolvimento.
A partir da análise de (Gustavo Esteva, 2000) sobre a proporção que o termo
desenvolvimento trouxe para o mundo, e como ao longo do tempo o termo foi
modificando seu sentido, de acordo como era empregado pela biologia, economia,
até chegar ao discurso do presidente Truman, que usou o termo desenvolvimento
como forma de medir o potencial dos países, referindo-se a hegemonia americana,
como modelo a ser seguido.
A Revolução Verde é um fator que também merece destaque, pois, pertence ao
pacote desenvolvimentista, com a inserção do uso de maquinário e fertilizantes na
agricultura, trazendo sérias conseqüências ao meio ambiente como aos pequenos
agricultores que não podem competir com o grande investimento dessa nova forma
de produção agrícola, voltada inteiramente ao mercado.
Por fim, observando os inúmeros protestos de várias comunidades rurais do Estado
do Maranhão, como a situação de extremo conflito que vive o Estado em meio a
grandes projetos desenvolvimentistas, faz-se uma análise a respeito do que está
sendo vivenciado a partir da lógica do desenvolvimento.
Assim, tanto a questão do uso da ideologia do termo desenvolvimento, como o
projeto da Revolução Verde, são fatores que merecem destaque na discussão da
implantação de projetos desenvolvimentistas que afetaram drasticamente a vida das
comunidades rurais de uma forma geral e especificamente no Maranhão, onde se
verifica um movimento de resistência dessas populações diante destes projetos.
2 A INVENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
O termo Desenvolvimento tão utilizado para designar os ambiciosos projetos
capitalistas, constitui um termo cheio de conotação, e que ao longo do tempo seu
uso e seu sentido deram margem a várias significações, porém, o sentido que o
termo fortemente carrega, e que nos interessa analisar, é o sentido de se chegar a
uma determinada etapa evolutiva, ou seja, uma “evolução”, parte final de
determinado estágio.
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Gustavo Esteva, em Dicionário do Desenvolvimento, faz uma análise histórica do
termo, chamando-a de “história distorcida”, e que não há outro conceito dentro do
pensamento moderno que tenha tamanha influência sobre o modo de pensar o
comportamento humano.
Em sua “história distorcida”, no significado coloquial a palavra desenvolvimento
descreve o processo ao qual são liberadas as potencialidades de um determinado
organismo até sua fase completa (ESTEVA, 2000). A partir dessa metáfora mostra-
se como o termo até hoje tem uma forte ligação com esse sentido, como também na
biologia o conceito de desenvolvimento estava inteiramente ligado com o de
evolução, na concepção de transformação para uma forma mais perfeita. Essa
concepção foi e ainda é fortemente utilizada como referência para a demarcação de
uma desigualdade que justifica a exploração de poucas nações sobre várias.
Com o modo de produção industrial, que era uma, dentre várias formas de vida
social, tornou-se uma referência no estágio de culminação das potencialidades da
vida humana, estando assim o desenvolvimento ligado a essa nova forma de
concepção da vida social. Nesse sentido o termo desenvolvimento tornou uma
hegemonia global de um modo de vida Ocidental e que acabou roubando de outros
povos de culturas diferentes a capacidade de definir a sua cultura e seu próprio
modo de vida. Esta constitui uma primeira fase ao qual o sentido do termo
desenvolvimento vai tomando a forma de influenciar no modo de vida,
principalmente, para justificar a imposição de um modo de vida sobre outro.
Apesar de inúmeros significados que a palavra desenvolvimento teve e tem, e
dependendo da situação ao qual a palavra está sendo empregada, o termo
desenvolvimento não consegue em seu sentido se desprender dos significados de
crescimento, evolução, mudança. Uma mudança que é sempre favorável, e que nos
remete a dar “um passo a frente” ou subir cada vez mais, sempre no sentido de que
partimos de algum lugar e que vamos alcançar determinado topo. Porém, como vai
ser colocado mais adiante, a crítica sobre o que o sentido que o desenvolvimento
propõe, é analisarmos que este topo não existe. E que é a partir das conseqüências
desse modo de conceber o mundo, que a lógica do desenvolvimento começou a ser
criticada.
A segunda fase de como o termo desenvolvimento toma as proporções que até hoje
influenciam o mundo, faz parte de uma campanha política iniciada pelo presidente
dos Estados Unidos, Truman, que após o fim da Segunda Guerra Mundial, e então
centro do mundo, queria deixar a nível global a marca norte americana, nascendo
naquele momento uma nova era do desenvolvimento (ESTEVA, 2000). Assim, ao
usar pela primeira vez em seu discurso a palavra, subdesenvolvimento, Truman
inaugura um novo sentido à palavra desenvolvimento, ou seja, tudo que não era
desenvolvido passou a ser subdesenvolvido, e aí então “do dia pra noite” milhões de
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pessoas passaram a ser subdesenvolvidas. E o que importava agora era sair desta
condição (ESTEVA, 2000).
As conseqüências desse novo projeto, um projeto imperialista, marcaram de forma
definitiva as percepções em relação entre o “eu” e o “outro”, e que de forma diminuta
exclui e define a identidade do outro, não que essa concepção começou a existir
desde então,mas, a partir do momento em que se impõe uma situação de
inferioridade e que se cria um “modelo” a ser seguido, exclui-se uma identidade,
uma forma de vida para que se alcance determinado estágio, começando assim a
corrida para o desenvolvimento, um desenvolvimento que é inventado como o
Subdesenvolvimento e que é contraditório.
Os resultados advindos dessa nova ideologia que em seu sentido só reforçam o que
já existia no mundo, pobreza e “atraso”, deixam de lado a especificidade de cada
nação renegando a história do seu passado. Coincidentemente, os países ditos
“subdesenvolvidos” são os mesmos que séculos atrás foram colônias de exploração
de matéria-prima, e que mais uma vez, só que por outro viés, vão a todo custo entrar
na “corrida” para o desenvolvimento, adaptando-se novamente a uma ideologia
dominante.
3 A REVOLUÇÃO VERDE E SEUS IMPACTOS NO BRASIL
A Revolução Verde faz parte do exemplo de como a ideologia do Desenvolvimento
tomou proporções que afetaram definitivamente a concepção de agricultura, a vida
no campo e os recursos naturais.
Primeiramente a Revolução Verde consiste no processo de modernização da
agricultura, modernização esta que ocasionou grandes impactos no Brasil e no
mundo. Estrategicamente o surgimento deste projeto, ocorreu com o fim da Segunda
Guerra Mundial, quando se viu na agricultura um investimento de grande
rentabilidade e no qual podiam ser reutilizadas muitas indústrias químicas como
também a maquinaria, que foram instrumentos que ficaram com o fim da guerra.
Assim estavam montada as bases para o processo de modernização da agricultura,
juntamente com o discurso ideológico, de que a proposta da Revolução Verde seria
de acabar com a fome no mundo. Porém, é de se estranhar que após uma guerra
onde países que se consolidaram como hegemonia mundial, pelo mercado da
guerra, a custa da vida de milhares de pessoas, estejam realmente preocupados
com a fome mundial.
A verdadeira intenção da Revolução Verde seria vender os pacotes tecnológicos aos
países ditos subdesenvolvidos, para que estes pudessem ter a oportunidade de se
desenvolver. Estes pacotes reuniam todas as inovações técnicas para o plantio e a
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colheita na agricultura, onde se incentivava o uso de todos os tipos de agrotóxicos,
de ferramentas e máquinas como tratores e colheitadeiras.
Segundo George (apud ANDRADES e GANIME,2007):
(...) pode-se entender o raciocínio geopolítico norte-americano segundo a lógica da Guerra Fria no que diz respeito à fome. E mais, a afirmação é excelente, pois deixa claro o aspecto ideológico da Revolução Verde na medida em que a resolução do problema da fome não passa somente por inovações tecnológicas. É notório o aumento da produtividade, todavia a agricultura foi concebida como um meio para reproduzir o capital, ao invés de colaborar para solucionar o problema da fome. (p.47)
Nesse sentido o próprio projeto ideológico da Revolução Verde de acabar com a
fome se contrasta com sua real intenção que é o aumento do capital, através da
venda dos pacotes tecnológicos para a agricultura.
No Brasil, como nos demais países “subdesenvolvidos”, só foi possível ter acesso a
esses pacotes através da ampliação do crédito com parcerias intergovernamentais,
ou seja, o governo liberava o crédito aos agricultores para que estes pudessem
financiar os pacotes.
No Brasil, por ter um histórico de um país de base agrária e de grandes latifúndios, e
também por um grande número de pequenos agricultores, com a adoção ideológica
da Revolução Verde, há a intensificação da competitividade, do lucro e a união entre
agricultura e indústria, onde os pequenos agricultores vão perder cada vez mais as
suas terras para a grande indústria agrícola ou agronegócio, o seu espaço no
campo, e as suas técnicas de trabalho. Uma vez que a ideologia do uso das práticas
de utilização de agrotóxicos e máquinas “acabou” os problemas na plantação e
aumentaram a velocidade da produção. Assim, não há como os pequenos
agricultores competirem com que tem mais recursos para investir nos pacotes
tecnológicos advindos de uma lógica global.
Entretanto, em que sentido a Revolução Verde matou a fome, se com o seu projeto
tirou os meios de subsistência das comunidades rurais brasileiras?
Ao analisar os efeitos da Revolução Verde no Brasil, Zamberlam e Froncheti (apud
ANDRADES e GANIME, 2007), destacam algumas iniciativas tomadas pelo governo
para a implantação desse projeto no país:
divulgação das propostas e investimentos;
concessão de espaços para os organismos internacionais;
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envio de professores, técnicos e pesquisadores para o exterior a fim de serem
treinados e vinda de técnicos desses centros internacionais para efetuarem
treinamentos no Brasil;
atração de empresas transnacionais para o país a fim de produzirem insumos
(químicos), máquinas e equipamentos e de indústrias processadoras de
matérias-primas agrícolas. Chegaram a Ford, Shell, Ciba-Geigy, ICI,
UNILEVER, Du Pont, Bayer,Basf, Stauffer, Dow Química, Pfizer, Unon
Carbide, Hoeschst, Monsanto, Rhodia,entre outras;
criação de centros e órgãos de pesquisa, no Brasil, para 'adequarem os
produtos' à realidade do solo e do clima. Surge a EMBRAPA (Empresa
Brasileira de Pesquisas Agropecuária), EMBRATER (Empresas Brasileira de
Assistência Técnica e Extensão Rural), as EMATERs (Empresas de
Assistência Técnica e Extensão Rural) e as cooperativas fundam seus centros
de pesquisa também com a mesma finalidade;
estímulo ao surgimento de cooperativas de comercialização agrícola para
organizar os agricultores e introduzi-los às novas práticas;
reformulação do papel do Banco do Brasil, passando a ser um órgão
financiador por excelência desse novo modelo. (p.49)
Essas iniciativas para a adoção do pacote tecnológico da Revolução Verde no país
reforçam a teoria de dependência e a relação centro-periferia, destacada por (Celso
Furtado, 2003), como formas características dos países “subdesenvolvidos”, onde a
influência dos países centrais vai agir na difusão da mudança cultural dos povos. A
relação de dependência e centro-periferia se dá uma vez que os países que não
possuem uma estrutura capaz de promover suas próprias técnicas onde importam
estas dos países centrais, adotando assim um padrão de dependência. A
conseqüência disso ocorre na dominação cultural em que os países centrais
exercem sobre os periféricos.
4 OS IMPACTOS DO DESENVOLVIMENTO ÀS COMUNIDADES RURAIS NO
MARANHÃO
Diante das mudanças no cenário brasileiro pela adoção dos pacotes tecnológicos da
Revolução Verde no campo, hoje analisamos as conseqüências que estas escolhas
trouxeram ao campo, na qualidade de vida e principalmente ao ecossistema do
mundo como um todo.
No Maranhão, Estado onde existe um grande percentual de comunidades rurais, a
discussão que se põe em cheque, diante de tantos conflitos existentes devido aos
grandes empreendimentos tanto no setor industrial como no agronegócio, é saber
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como lutar contra o esmagador sistema do capital, que desapropria e mata o homem
do campo.
Entre os dias 04 e 07 de Outubro de 2001, foi realizado em São Luis, capital do
Estado, a 1ª Jornada de Fortalecimento da Agricultura Familiar e Reforma Agrária,
na sede da FETAEMA (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Estado do
Maranhão), onde trabalhadores rurais de todo o Estado, técnicos agrícolas,
agrônomos e sociólogos discutiram de que maneira se pode trabalhar a assistência
técnica com as novas formas de sustentabilidade. Assim, durante quatro dias foram
discutidas, trabalhadas, e planejadas formas de resgatar o trabalho no campo, com
técnicas que antes eram utilizadas dentro das comunidades rurais, e que hoje, foram
tomadas pelas técnicas importadas pelo modelo de modernização da agricultura.
A questão, colocada por muitos trabalhadores, é de uma reeducação no campo, no
sentido de se fazer uma abolição dos métodos utilizados pela agroindústria, e
resgatar antigas técnicas que foram esquecidas devido a esse novo cenário que
apareceu no campo, durante a Revolução Verde no Brasil a partir do período
ditatorial. Assim, questões como sustentabilidade e agroecologia são colocadas em
discussão aos efeitos que o agronegócio no campo, como grilagem, encomendas de
mortes, desapropriação, contaminação dos solos, rios, desmatamento, cultivo de
monocultura, entre outros, são alguns dos inúmeros problemas encontrados pelas
comunidades rurais no Estado, resultante da lógica de “desenvolvimento”, que
acarreta a destruição do sistema natural e miséria no campo, como o Estado em um
todo.
Iniciativas para uma reeducação no campo são políticas que vêem cada vez mais
tomando força, como uma alternativa de minimizar os impactos causados pela
modernização da agricultura, como a Carta de Princípios Agroecológicos, elaborada
pela RAMA (Rede de Agroecologia no Maranhão), em Julho de 1999, da qual
destacam-se os principais pontos:
• Manejo Sustentável do Solo;
• Valorização e resgate de semente tradicionais;
• Controle alternativo de pragas e doenças das plantas e dos animais;
• Conservação e manejo dos ecossistemas aquáticos;
• Integração das criações de animais no sistema de produção familiar
diversificado;
• Conquista de mercados consumidores para os produtos orgânicos da
agricultura familiar;
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• Respeito a produção familiar rural com base na agroecologia;
• Reconhecimento e valorização da mulher agricultora e da juventude rural;
• Desenvolvimento de experiências no Maranhão com bases agroecológicas;
• Mobilização da sociedade para a discussão da agroecologia;
• Efeitos do fogo sobre os agrossistemas.
Apesar do grande esforço das comunidades rurais e das entidades pelo
fortalecimento de uma política que adote medidas alternativas de trabalho no campo,
ainda assim é muito difícil competir com quem possui grandes latifúndios, e o grande
capital.
Um exemplo disso são as plantações de monocultura de eucalipto, para a produção
de ferro gusa, que mudou drasticamente a paisagem do sul do Maranhão.
Figura 1: Monocultura de eucalipto, região próxima à cidade de Açailândia.
74
Este é um cenário cada vez mais comum, no Estado do Maranhão. A monocultura é
caracterizada pelo plantio de um único tipo de produto agrícola. No caso da foto, o
eucalipto se caracteriza como um tipo de atividade industrial. O seu plantio ocorre
como forma de “reflorestamento”, e como meio de fonte de energia (carvão) para a
produção de ferro gusa no Estado.
74
Foto referente a arquivo pessoal da autora.
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Segundo, José Maria de Oliveira, Técnico Agrícola do INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), “a desvantagem da monocultura, se dá pela falta
de alternativa de renda aos pequenos agricultores, pois, se de repente tem uma
praga, o agricultor vai ter prejuízo”. Ele enfatiza a agricultura variada, ou policultivo,
como alternativa amena para a agricultura de subsistência como forma de combater
a monocultura, que é um meio arriscado, e que hoje é mais utilizado pela indústria.
5 CONSIDERAÇÕES
A lógica do desenvolvimento desencadeou mundo a fora, uma disseminação da
identidade cultural de cada povo, cada nação, condicionando assim sua posição de
subdesenvolvido no mundo. Apesar da palavra “desenvolvimento” ter sido bastante
utilizada para expressar diversos significados, na era capitalista o seu sentido é
utilizado para indicar o “avanço” e o “progresso” do mundo. “avanço‟ e “progresso”
estes que trouxeram várias conseqüências, como os pacotes da Revolução Verde,
que espalharam o veneno do imperialismo para mundo.
A lógica do “desenvolvimento” destruiu a dignidade de famílias que há anos
trabalhavam em suas terras e que se vêem obrigadas a abrir mão do único meio de
subsistência. A lógica do “desenvolvimento” destruiu a roça e a transformou em
monocultura, a lógica do “desenvolvimento” marcou alguém de morte, a lógica do
“desenvolvimento”, destruiu reservas, polui o ar, atropelou famílias... A lógica do
“desenvolvimento” espalhou o câncer na sociedade.
No Maranhão, diante de todos esses problemas e conflitos, a organização das
comunidades rurais, na forma de discussão e debate e sobre meios alternativos de
trabalho no campo, são necessários na mudança da realidade e também como
forma de diminuir os impactos gerados por essa “lógica”.
O trabalho de entidade como Justiça nos Trilhos e Fórum Carajás, são
representações que desempenham um papel bastante importante de denúncias das
injustiças cometidas pelos grandes projetos desenvolvimentistas que existem no
Estado, e que como forma de organização dessas minorias que são as principais
vítimas do desenvolvimento.
Essa articulação vem se tornando cada vez mais forte, como forma de denúncia dos
crimes cometidos no campo, e tornando-os mais visíveis a sociedade civil.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Thiago de Oliveira e GANIMI, Rosângela Nasser. Revolução verde e
apropriação capitalista. Juiz de Fora: 2007.
BORJA, Bruno. Cultura e desenvolvimento no pensamento de Celso Furtado.
Rio de Janeiro: UFRJ.
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Experiências Agroecológicas no Estado do Maranhão/Organizadores, Fabio
Pierre Fontenele Pacheco, Jane Carla Garcia Lindoso. – São Luís, 2007
ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang (editor). Dicionário do
desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M
JOSCELYNE, Susana de GYALOKAY e Jaime E. CLASEN. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000. p. 59-83.
Sítios eletrônicos:
http://www.justicanostrilhos.org/
http://www.forumcarajas.org.br/
http://www.fetaema.org.br/
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14 COMUNIDADES TRADICIONAIS EM LUTAS POR DIREITOS
SOCIOAMBIENTAIS NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE: CONCEPÇÕES,
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO, AGENDAS, ESTRATÉGIAS E REDE DE
RELAÇÕES.
Nair Martins Barbosa75 e Roseane Gomes Dias76
RESUMO
Tendo como contexto os conflitos socioambientais no Baixo Parnaíba Maranhense,
o presente trabalho visa compreender as comunidades tradicionais a partir de suas
formas de existência, de reprodução social e processos de lutas pelo
reconhecimento de seus direitos. Em termos específicos, pretende-se: a) identificar
concepções acerca do que caracteriza comunidades tradicionais enquanto um grupo
social com suas particularidades socioculturais e sua relação com o território; b)
compreender suas formas de organização, agendas e estratégias de atuação; c)
identificar redes de relações estabelecidas pelas comunidades tradicionais com
agentes envolvidos em situações de conflitos socioambientais, a saber o Estado,
empresas e movimentos sociais; d) contextualizar a situação dos direitos humanos
econômicos, sociais, culturais e ambientais de comunidades tradicionais envolvidas
em conflitos socioambientais no Baixo Parnaíba Maranhense. A importância do
esforço de reflexão sobre as questões acima é reforçada pelo grave quadro de
privações de direitos verificado nas comunidades tradicionais do Maranhão, cuja
magnitude já pode ser admitida (embora não necessariamente) como um incentivo
ao aprofundamento das lutas pelos direitos ao acesso ao território, aos recursos
naturais e ao reconhecimento legal, político e social de seus direitos.
Palavras-chave: comunidades tradicionais; lutas por direitos socioambientais; baixo
parnaíba maranhense.
75
Assistente social (UFMA) da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), com
especializações em “Direitos Humanos: assistência e proteção a vítimas de crimes e a colaboradores da justiça” (out/2011) e “Planejamento do Desenvolvimento Municipal Sustentável” (fev/2000) 76
Assistente social (UFMA) da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), com
especialização em Gestão em Direitos Humanos (UNIEURO) e Mestrado em Ciências Sociais (UFMA).
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1 INTRODUÇÃO
O esforço de compreender as comunidades tradicionais a partir de suas formas de
existência, de reprodução social e processos de lutas nos remete inicialmente para a
tarefa de conceituá-las e, sobretudo, identificarmos a quem denominamos
“comunidades tradicionais”.
Segundo o Decreto n 5.051 de 19 de abril de 2004 que promulga a Convenção n.
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais,
comunidades tradicionais são compreendidas como
“povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial (Decreto n. 5.051 de 19 de abril de 2004, Art. 1, inciso 1)
Destaca ainda a convenção da OIT que “a consciência de sua identidade indígena
ou tribal deverá ser critério fundamental para determinar os grupos aos que se
aplicam as disposições da presente Convenção. (Decreto n 5.051 de a19 de abril de
2004, Art. 1, inciso 2).
No Decreto n. 6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais compreende-se povos e
comunidades tradicionais como
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição; (Decreto n. 6.040 de 07 de fevereiro de 2007, Art 3, inciso I.)
Destacando aspectos dos modos de reprodução social das comunidades
tradicionais ARRUDA (1999) afirma que
Por falta de classificação mais adequada estamos utilizando a noção de “sociedades tradicionais” para nos referirmos a grupos humanos culturalmente diferenciados que historicamente reproduzem seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em modos de cooperação social e formas específicas de relações com a natureza, caracterizados tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente (...) Exemplos empíricos de populações tradicionais são as comunidades caiçaras, os sitiantes e roceiros tradicionais, comunidades quilombolas, comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais, os grupos extrativistas e indígenas (ARRUDA, 1999).
Numa aproximação inicial as terminologias empregadas nas definições acima (povos
tribais, grupos culturalmente diferenciados, “sociedades tradicionais”), podem
sinalizar para a ideia de que não estamos diante de uma concepção acabada, mas
de concepções que se constroem a partir de determinados contextos políticos, de
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determinados grupos sociais e a partir de determinadas áreas de conhecimento.
Num olhar mais apurado essas diferentes terminologias podem nos indicar a
diversidade interna a esses grupos, ou seja, menos do que indicar indefinições de
compreensão, podem indicar abrangência e diversidade, conforme indica Little:
Essa diversidade fundiária inclui também as chamadas “terras de preto”, “terras de santo” e as “terras de índio” de que fala Almeida (1989). Ainda, há as distintas formas fundiárias mantidas pelas comunidades de açorianos, babaçueiros, caboclos, caiçairas, caipiras, campeiros, jangadeiros, pantaneiros, pescadores artesanais, praierios, sertanejos e varjeiros (Diegues e Arruda 2001). Esse grande leque de grupos humanos costuma ser agrupado sob diversas categorias − “populações”, “comunidades”, “povos”, “sociedades”, “culturas” – cada uma das quais tende a ser acompanhada por um dos seguintes adjetivos: “tradicionais”, “autóctones”, “rurais”, “locais”, “residentes” [nas áreas protegidas] (veja Vianna 1996 e Barretto Fº. 2001b para discussões detalhadas). Qualquer dessas combinações é problemática devido à abrangência e diversidade de grupos que engloba. De uma perspectiva etnográfica, por exemplo, as diferenças entre as sociedades indígenas, os quilombos, os caboclos, os caiçaras e outros grupos ditos tradicionais – além da heterogeneidade interna de cada uma dessas categorias – são tão grandes que não parece viável tratá-los dentro de uma mesma classificação (2002, p.2)
Buscando caracterizar populações tradicionais, Diegues e Arruda (2001, p.26),
destacam características que lhes seriam comuns:
Dependência da relação de simbiose entre a natureza, os ciclos e os recursos naturais renováveis com os quais constroem um modo de vida; conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos, que se reflete na elaboração de estratégias de uso e manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é transferido por oralidade de geração a geração; noção de território ou espaço onde o grupo social de reproduz econômica e socialmente; moradia e ocupação do território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus antepassados; importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implicaria uma relação com o mercado; reduzida acumulação de capital; importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal, e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, pesca e atividades extrativistas; tecnologia utilizada, que é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, em que sobressai o artesanal, cujo o processo o produtor e sua família dominam desde o início até o produto final; fraco poder político, que em geral reside nos grupos de poder dos centros urbanos; auto-identificação ou identificação por outros de pertencer a uma cultura distinta.
Em que pese às semelhanças entre esses grupos, as especificidades que
caracterizam os territórios reforçam a diversidade e as formas de reprodução social
e cultural dos mesmos, ou seja, ainda que esses grupos tenham no território a
condição de sua existência e reprodução social e cultural; ainda que a forma de
aquisição do território se dê por meio de apossamento antigo; e ainda que usem
recursos e território de forma comum e que detenham conhecimentos tradicionais;
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ainda assim, os modos de existência e de reprodução são construídos a partir do
território.
A região do Baixo Parnaíba Maranhense, situada na mesorregião leste do estado e
compreendida neste trabalho como aquela que compõe a área de abrangência da
Diocese de Brejo77, tem influências diretas de grandes projetos78, de modo particular
daqueles vinculados a monocultivos de soja, eucalipto, cana-de-açúcar. Em
pesquisa realizada na região em 1995, ANDRADE (1995, p. 34), identificou “ao
menos sete segmentos camponeses na região”, a saber:
os pequenos proprietários, que detêm o título da terra, em geral os homens
mais velhos; os herdeiros das terras de herança sem partilha; os parentes
desses herdeiros que, embora não tenham direito à terra permanecem
morando e cultivando nas terras dos parentes, nos limites dos povoados; os
parentes desses herdeiros que apenas residem nos limites desses
povoados, mas pagam renda para cultivar em outras terras, de latifundiários
ou de outros pequenos proprietários; os herdeiros de terras de herança que
pagam renda para cultivar a terra em outras propriedades, quando suas
terras encontram-se exauridas, ou que os limites dos povoados só
comportam as residências; os moradores de terras de preto, que as
usufruem em comum; os herdeiros, ou pequenos proprietários que
ocuparam terras de chapada limítrofe às propriedades, tornando-se também
posseiros.
De modo geral, nesses segmentos identificam-se quilombolas, extrativistas,
pescadores artesanais, ribeirinhos, marisqueiras, posseiros antigos que têm sua
existência e reprodução social e cultural assentada num conjunto de atividades
produtivas como a agricultura familiar, a pesca artesanal, o artesanato e
extrativismo, desenvolvidas em espaços demarcados pelos usos dos recursos
naturais. Destaque-se que um mesmo agrupamento social pode assumir
simultaneamente várias identidades, ou seja, uma comunidade quilombola, situada à
margem do rio Parnaíba, pode assumir a identidade quilombola, extrativista e de
pescador artesanal. A produção oriunda dessas atividades é direcionada tanto para
a segurança alimentar das famílias, como para a aquisição de outros bens
necessários. Nessas condições parte da produção é para consumo familiar e a outra
parte que necessariamente não é o excedente, pode ir para o mercado.
77 Essa área é composta pelas microrregiões Baixo Parnaíba, Chapadinha, Coelho Neto e Lençóis
abrangendo 21 municípios: de Magalhães de Almeida, São Bernardo, Santana do Maranhão, Santa Quitéria, Milagres do Maranhão, Brejo, Buriti, Afonso Cunha, Anapurus, Mata Roma, Chapadinha, Urbano Santos, Belágua, São Benedito do Rio Preto, Barreirinhas, Tutóia, Paulino Neves, Araioses, Água Doce. 78
O Grupo João Santos, instalado em Coelho Neto, Duque Bacelar e Buriti; Suzano Papel e Celulose
com plantios de eucalipto em Urbano Santos, Belágua, São Benedito do Rio Preto, Chapadinha, Mata Roma, Anapurus, Santa Quitéria, Santana e São Bernardo. A produção de soja está presente nos municípios de Chapadinha, Mata Roma, Anapurus, Buriti, Brejo, Milagre, Santa Quitéria, São Bernardo e Magalhães de Almeida. Os empreendedores do turismo estão nos municípios de Santo Amaro, Barreirinhas, Paulino Neves, Tutóia, Araioses.
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Outro aspecto que caracteriza essas comunidades diz respeito à forma de
apossamento dos territórios, ou seja, por meio de povoamento antigo. Litlle (2002)
define “territorialidade como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar,
controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico,
convertendo-a assim em seu “território”...”. Assim, na região do Baixo Parnaíba
Maranhense tem-se comunidades que possuem posses centenárias, e onde a
maioria não possui o título de propriedade da terra. Praticamente todas estas
comunidades nasceram, fincaram raízes até imemoriais, exatamente pelo
“apossamento pacífico, manso e incontestado”. A posse, portanto, é visível e
inquestionável – é um instituto jurídico tão válido quanto aquele formalmente lavrado
nos cartórios de registro de imóveis: o registro de imóvel (propriedade). A questão
central aqui é o acesso (ou a falta de) ao judiciário para efetivamente garantir esse
direito (a posse) codificado e raramente reconhecido.
Corroborando a legitimidade da luta das comunidades pelo reconhecimento de suas
posses e desmitificando a superioridade do direito à propriedade, Little afirma,
Os territórios dos povos tradicionais se fundamentam em décadas, em alguns casos, séculos de ocupação efetiva. A longa duração dessas ocupações fornece um peso histórico às suas reivindicações territoriais. O fato de que seus territórios ficaram fora do regime formal de propriedade da Colônia, do Império e, até recentemente, da República, não deslegitima suas reivindicações, simplesmente as situa dentro de uma razão histórica e não instrumental, ao mesmo tempo em que mostra sua força histórica e sua persistência cultural. A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou títulos, mas se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e consistência temporal ao território (Little 1994).
Finalmente, outro aspecto marcante que caracteriza a existência e processo de
reprodução das comunidades no Baixo Parnaíba Maranhense diz respeito às formas
de uso e manejo dos recursos naturais ancestralmente combinadas com a
agricultura de base familiar que se constituem a base de sua reprodução social e
física.
Ao longo de décadas e séculos, essas populações vêm contribuindo para a
conservação e o desenvolvimento in situ de muitas espécies florestais importantes,
por meio de seu conhecimento empiricamente acumulado sobre os habitats naturais,
bem como de suas práticas agrícolas e de subsistência adequadas ao meio
ambiente local, atuando como verdadeiras guardiães do patrimônio biogenético do
planeta. No entanto, a conversão e a degradação das florestas têm sido
acompanhadas da desagregação dessas comunidades, de suas práticas e de seus
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conhecimentos. Ou seja, à perda de biodiversidade tem também correspondido uma
significativa perda de diversidade sociocultural79.
2 COMUNIDADES TRADICIONAIS NO CONTEXTO DE CONFLITOS
SOCIOAMBIENTAIS NA REGIÃO DO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE
As comunidades desta região centenariamente vivem marcadas pela exclusão
social, econômica e política. Porém as mudanças estruturais ocorridas na região, a
partir do final da década de 1980, década em que os grandes projetos implantam-se
na região, primeiramente por meio dos projetos florestais da MARGUSA – Maranhão
Gusa S/A, através de seu braço florestal a MARFLORA – Maranhão Florestadora
Ltda; do Grupo Industrial João Santos através das diferentes empresas que o
integram (ANDRADE, 2005) e posteriormente do monocultivo de soja, provocaram
transformações significativas nas redes de relações e nas formas de organização
política das comunidades tradicionais, frente à lógica instaurada pelo modelo
desenvolvimento pautada na monocultura e na produção de commodities.
As condições favoráveis da região, dentre as quais se destacam as condições para
escoamento da produção de grãos (proximidade com o porto do Itaqui) combinada
com a ausência de uma política fundiária e os incentivos fiscais concedidos pelos
governos estadual e federal favoreceram, ou pelo menos contribuíram
significativamente, para o deslocamento da fronteira agrícola para essa região. Esse
modelo de desenvolvimento gerou impactos danosos às comunidades tradicionais
criando sérias dificuldades para a continuidade de seus modos de vida. Mais que
isso, agravou consideravelmente o quadro de violações de direitos humanos na
região e a emergência de conflitos sócio-ambientais gerados a partir da apropriação
privada, por grupos econômicos particulares, dos recursos e espaços, até então,
coletivamente utilizados pelas comunidades.
Esses conflitos, segundo Antunes, envolvem diferentes lógicas de ocupação e uso
territorial, destacando-se duas diametralmente confrontantes:
1) a lógica do empreendimento, que torna invisíveis os grupos sociais locais e percebe o território como “espaço vazio” e disponível para fortes intervenções ambientais e sociais; 2) a lógica dos grupos locais, que percebe o território como sendo pleno de significados, fonte de subsistência e espaço de realização de modos de vida próprios, tradicionalmente estabelecidos e relativamente pouco impactantes ao meio.
A região que já detinha os piores indicadores sociais do estado, rapidamente tornou-
se palco de um violento processo, físico e simbólico, de expulsão e expropriação das
79
Segundo Albagli (2003), a diversidade cultural – incluindo a diversidade de línguas, crenças e
religiões, práticas de manejo do solo, expressões artísticas, tipos de alimentação e diversos outros atributos do humano – constitui também um componente essencial da biodiversidade, considerando as recíprocas influências entre o ambiente e as culturas humanas. Desse modo, o conceito de biodiversidade vem sendo hoje ampliado para o de sócio-biodiversidade.
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comunidades tradicionais de suas terras. Decorrem também desse processo, o
aumento da grilagem e da concentração da terra80, o aumento das doenças
respiratórias e de pele em decorrência do uso abusivo de agrotóxicos nas
monoculturas, o agravamento da insegurança alimentar e nutricional da população
local, destruição dos recursos naturais, com graves riscos à preservação da
integridade das bacias hidrográficas da região, intimidação da população local,
desrespeito da propriedade das terras e o modo de vida das comunidades
tradicionais, ignorando e desqualificando suas práticas tradicionais de utilização dos
recursos naturais.
Em decorrência desse recrudescimento da questão social no campo e dos conflitos
sócio-ambientais, a partir de então vivenciados, em 2005, as organizações
articuladas no Fórum em Defesa da Vida do Baixo Parnaíba apresentaram denúncia
junto à Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e
Ambientais. Assim, em agosto desse mesmo ano, foi realizada uma missão conjunta
na região pelas Relatorias Nacionais (Direito Humano a Alimentação Adequada,
Água e Terra Rural e a de Meio Ambiente). A visita in loco possibilitou a constatação
das graves violações de direitos humanos que se agravaram com a expansão dos
grandes projetos que resultou num conjunto de recomendações para as diversas
instâncias do Estado, particularmente aos órgãos fundiários e ambientais e ao
Ministério Público. As principais recomendações são:
• Realizar um inventário social, cultural e ambiental da região, do ponto de vista
dos direitos humanos, incluindo o levantamento das cadeias dominiais dos
títulos de propriedade incidentes sobre o território;
• Averiguar denúncias de grilagem de terras devolutas da região, incluindo
denúncias de falsificação de títulos de propriedade com a conivência de
funcionários do ITERMA e de cartórios da região;
• Averiguar denúncias de práticas de incentivo à discriminação contra a
população tradicional local por parte dos grandes produtores agrícolas que se
dedicam à monocultura da soja;
• Averiguar denúncias de irregularidades nas ações e/ou omissões de agentes
do IBAMA e do INCRA;
• Avaliar o impacto já observado do processo de ocupação e desmatamento
desordenado da região do Baixo Parnaíba sobre a população e o meio
ambiente, em especial sobre o bioma de transição Cerrado-Caatinga-Mata
dos Cocais e suas bacias hidrográficas;
• Apresentar propostas de preservação das comunidades agro-extrativistas e
tradicionais existentes na área, no contexto de práticas sustentáveis;
80
Mais de 1 milhão de hectares de terra sob o controle de grandes proprietários rurais
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• Retomar e acelerar o processo de regularização e emissão dos títulos de
posse da terra para as comunidades quilombolas da região, nos termos do
Decreto 4887/2003 e Instrução Normativa 16 do INCRA, os quais atendem
aos imperativos do artigo 68 dos ADCT da CF de 1988;
• Avaliar a possibilidade de alteração na legislação de proteção do cerrado,
com aumento do percentual da terra a ser reservada para preservação
(reservas legais);
• Avaliar a possibilidade de propor a criação de reservas extrativistas e outras
unidades de conservação, inclusive na área cuja exploração possa ser
associada ao turismo comunitário e ao eco-turismo;
A repercussão local, estadual, nacional e até internacional que a missão alcançou,
provocou ações de alguns agentes públicos, em particular do Ministério Público
Estadual que aprovou um provimento orientando a atuação das promotorias no
tocante às denúncias de irregularidades cartoriais e de degradação ambiental na
região. No âmbito do Executivo foi criada uma Comissão Intersetorial e iniciadas
articulações junto à Secretaria Geral da Presidência da República. Esse processo
também favoreceu o enfrentamento e resistência à implantação do projeto de
reflorestamento da GERDAU previsto para iniciar suas atividades em 2007 e,
efetivamente, implantado pelo Grupo Suzano Papel e Celulose em 2009.
Decorridos sete anos, a realidade concreta das comunidades do Baixo Parnaíba
pouco se alterou. A monocultura da soja continuou sua expansão e, a monocultura
do eucalipto que em 2005 era apenas uma ameaça, nos últimos anos, se tornou
mais um fato concreto e perverso para a existência das comunidades tradicionais da
região.
As comunidades do Baixo Parnaíba e dos Lençóis Maranhenses e as entidades que
compõem o Fórum de Defesa da Vida no Baixo Parnaíba81 há tempo vêm realizando
81
Nas ações realizadas pelo Fórum em Defesa do Baixo Parnaíba Maranhense tem participado a
Associação da Comunidade de Bom Sucesso (Mata Roma), Associação da Comunidade de Boqueirão (Duque Bacelar), Associação da Comunidade Matinha (Buriti), Associação de Parteiras Tradicionais de São Benedito do Rio Preto, Associação de Parteiras Tradicionais de Urbano Santos e Belágua, Associação de Proteção do Riacho Estrela e Meio Ambiente, Associação do Bairro Matadouro (Buriti), Associação do Projeto de Assentamento Pé da Ladeira (Buriti), Associação do Projeto de Assentamento Santo Agostinho (Magalhães de Almeida), Associação dos Amigos de Buriti, Associação em Defesa de Chapadinha, Associação Rural dos Povoados Unificados Anajá, Buriti e Gonçalo (Barreirinhas), Cáritas Diocesana de Brejo, Centro Comunitário Santa Maria Bertilla, Centro de Cultura Negra do Maranhão, Centro de Defesa e Promoção dos Direitos da Cidadania de Santa Quitéria, Centro de Direitos Humanos de Tutóia, Centro de Direitos Humanos de Barreirinhas, Comunidades Eclesiais de Base de Belágua e de Urbanos Santos, Fórum Carajás, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento Mata Roma para Todos, Paróquia de Duque Bacelar, Paróquia de Mata Roma, Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Tutóia, Pastoral da Juventude da Diocese de Brejo, Pastoral da Juventude de Magalhães de Almeida, Pastoral Social da Diocese de Brejo, Pólo Sindical do Baixo Parnaíba, Sindicato de Trabalhadores da Agricultura Familiar de Santa Quitéria, Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Anapurus, Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Paulino Neves, Sindicato dos Servidores Públicos
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congressos, marchas, missões, caravanas de direitos humanos. Esses espaços de
encontros, de reuniões, de capacitação e formação vêm ajudando a pensar o projeto
de desenvolvimento que desejam construir.
Porém, como afirmou GASPAR (2008, p. 06)
A expansão da soja e os impactos diversos dessa agricultura, a (re) organização dos projetos de manejos florestal sustentado pela plantação de eucalipto, assim como os contínuos processos de grilagem de terras em áreas extensas do Leste Maranhense possibilitaram contrapartidas de resistências de segmentos vários e interesses diferentes e específicos. Surgem, recentemente, movimentos de mobilização, realizados por entidades tais como associações de moradores e sindicatos rurais em articulação com organizações não-governamentais e integrantes da Igreja Católica, com o objetivo de defender as áreas de cerrado e as condições de vida dos camponeses frente à expansão do agronegócio.
As mobilizações concretizam-se em participações como do Fórum em Defesa do
Baixo Parnaíba através de ações como a realização dos Encontros de
Comunidades, das Marchas em Defesa da Vida no Baixo Parnaíba, do Encontro da
sociedade civil do Baixo Parnaíba com o Governo do Estado do Maranhão,
realizados em fins do ano de 2007.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dos esforços de compreensão sobre as comunidades tradicionais na região do baixo
Parnaíba Maranhense depreende-se o reconhecimento de que não existe uma única
forma de conceituar esses grupos sociais e que ainda carecem de reconhecimento
jurídico para que efetivamente seus direitos sejam garantidos. Ainda há uma
insegurança jurídica no tocante ao reconhecimento legal aos territórios e à
diversidade biológica e cultural.
Em defesa desse reconhecimento as comunidades, assim como as organizações de
apoio às suas lutas, têm desenvolvido processos de resistência e enfrentamentos
aos empreendimentos que ameaçam a integridade e usufruto desses bens coletivos.
Por fim, pode-se afirmar que esses “novos” direitos, em parte conquistados e ainda
reivindicados pelas comunidades tradicionais, exigem o rompimento com os
paradigmas jurídico-formais e a emergência de um outro arcabouço político, jurídico
e cultural.
Municipais de Anapurus, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Coelho Neto, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Duque Bacelar, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santa Quitéria, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Benedito do Rio Preto, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.
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15 O CANTO DA SEREIA: A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL DA
VALE
Neuziane Sousa dos Santos82
RESUMO
Responsabilidade social de empresas (doravante RSE) vem se tornando uma
prática bastante notável com discurso de solução dos problemas sociais. O projeto
Vale Alfabetizar é uma ação de RSE financiada pela multinacional Vale e parceiros
(terceiro setor e Estado) que visa a erradicação do analfabetismo em comunidades
próximas das minas e linha de trem da Vale. Em sua estrutura curricular propaga o
método de alfabetização Paulo Freire, como determinante de transformação social.
Diante das relações constituídas no seio do projeto Vale Alfabetizar, encontram-se
discursos e práticas, que superficialmente parece ser uma ação dotada de um
discurso coerente. Desse modo faz-se necessária uma busca tanto teórica quanto
empírica de suas relações, no intuito de interpretar os discursos da Vale, além de
questionar a tão divulgada qualidade do Vale Alfabetizar, o que por sua vez só pode
ser alcançado com um olhar crítico e epistemológico.
Palavras-chave: Responsabilidade Social Empresarial; Ideologia; Alfabetização.
82 E- mail: [email protected]
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1 INTRODUÇÃO
As inquietações referentes a este trabalho trazem a suposta relação entre
responsabilidade social empresarial (RSE) e a oferta de projetos educacionais no
campo do terceiro setor. Tal relação fora suscitada durante uma experiência
vivenciada no município de Rosário, a partir de 2008. Financiado pela Vale e
executado pela Fundação Vale, em parcerias com Alfabetização Solidaria (alfasol),
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Secretaria Municipal de Educação de
Rosário.
Tendo em vista a apreensão de questões de RSE vinculadas a defasagem
educacional, o interesse por esta pesquisa justifica-se pela visibilidade da inserção
social do empresariado na questão social nacional, o analfabetismo.
Portanto o presente texto questiona em que medida e por que razão uma empresa
privada, a multinacional Vale, cuja lógica de funcionamento é a do mercado se
propõe a oferecer serviços sociais na área educacional. Após a busca de
determinantes históricos e sociais vislumbra-se elementos desmistificadores das
relações (parceiras) legitimadas pelos setores governamentais e não
governamentais, e pelos atores políticos envolvidos no processo educacional do
projeto Vale Alfabetizar, o que nos levará compreender o movimento
aparência/essência direcionados pelas ações de RSE.
2 A MULTINACIONAL VALE E A RESPONSABILIDADE SOCIAL
Privatizada, presente em várias regiões do mundo, a Vale é nascida no Brasil há 68
anos e é uma das maiores mineradoras do mundo, a primeira em exportação de
ferro. No Brasil, a Vale atua em 13 estados: Pará, Maranhão, Sergipe, Tocantins,
Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Mato
Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, além de possuir empresas
coligadas e controladas nos EUA, Argentina, Chile, Peru, França, Noruega,
Bahrain; escritórios em Nova York, Bruxelas, Gabão, Tóquio, Xangai, Moçambique,
Canadá e Nova Caledônia.
Sua atuação, além de a logística e minério, apresenta no cenário social, a prática
de RSE como um trabalho “ético e transparente”, como consta a seguir, a
concepção de RSE, extraído da sua página virtual
Manter um relacionamento ético e transparente da empresa com todos os públicos com os quais se relaciona. Se preocupar com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. Faz parte da estratégia de negócio da Companhia Vale do Rio Doce e permeia toda a operação e relacionamento com a sociedade. Por meio da Fundação Vale do Rio Doce, a Companhia realiza programas sociais que atendem às demandas
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da comunidade de forma participativa, apoiando ações que sustentam o desenvolvimento, em parceria com ONGs, o Poder Público e a sociedade civil organizada (www.vale.com).
Do conceito supracitado inferi-se que a Vale diz apresentar responsabilidade tanto
ambiental quanto social, representados respectivamente pela preservação de
recursos ambientais e execução de programas sociais que, segundo a mineradora,
diz atender às demandas sociais das comunidades próximas aos trilhos por onde
passa o trem ou onde é extraído minério.
A RSE ocorre através das ações sociais planejadas pela Fundação Vale, que
coordena e executa junto a parcerias os programas sociais. A forma de atuação
nas localidades é definida a partir de experiência relacional já existente entre a
Vale e as comunidades, pois, segundo seu discurso são “os diagnósticos que
permitem conhecer melhor as localidades e apontam quais as prioridades de ação
para o desenvolvimento pessoal e social das comunidades”, diz Orlando Goes,
conselheiro da Fundação Vale, entrevista a revista (ALFASOL, 2007, p. 14).
Portanto, importa-nos questionar a formação de tais demandas, que é o alvo dos
projetos sociais, quem são, onde vivem, o que pensam sobre tais projetos, como
vivem, se as necessidades ora apresentadas a empresa são de fato atendidas,
além de assimilar a prática dos projetos com a finalidade das ações e às
necessidades reais dessas demandas.
2.1 Principais impactos gerados pela Vale
Neste ínterim, pretendemos apresentar os impactos apresentados pelas
organizações sociais que acompanha a dinâmica da Vale. Para este fim,
apresentamos o “dossiê dos impactos e violações da Vale no mundo” que reúne um
extenso relatório produzidos por movimentos sociais de diversos países, advogados,
ambientalistas, incluindo populações, comunidades e trabalhadores atingidos
negativamente nas suas formas de vidas e nos seus direitos pela forma de atuação
da Vale (DOSSIÊ, 2010).
Não pretendemos com isso fazer uma análise minuciosa dos impactos realizados
pela empresa, contudo é obrigação mostrar os diversos debates em torno da
empresa e suas ações para que assim possamos compreender as ações de RSE.
Como será demonstrado nos estudos de caso contidos neste Dossiê, as atividades da Vale causam acentuados impactos sobre os territórios e as populações que os habitam, gerando altíssimos custos sociais e passivos ambientais que são raramente divulgados dos documentos oficiais da empresa. Desmatamento, deslocamento de populações, destruição de modelos tradicionais de subsistência, poluição atmosférica, intervenções em mananciais de abastecimento público, contaminação de cursos d‟água são atividades que acompanham o percurso da Vale desde a exploração dos minérios, passando pela transformação e pelo transporte de seus produtos
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até os mercados finais. Esses impactos podem ser observados claramente ao longo da Estrada de Ferro de Carajás, no Pará e Maranhão e no crescimento acelerado das guzeiras em Piquiá, na construção do porto de Pecém no Ceará, nas minas que são exploradas em Minas Gerais e na siderúrgica que vem sendo construída no Rio de Janeiro, entre outros (DOSSIÊ, 2010, p. 27).
Como vimos são vários os impactos com destaque para aqueles realizados em solo
nacional e que vem tendo a participação de movimentos sociais em denúncias do
desrespeito com que a empresa trata o meio ambiente e a sociedade,
Seja por conta da poluição gerada por carvoarias em Açailândia-MA, pela predação ao meio ambiente e a sociedade gerada pelo monocultivo do eucalipto no sul do Estado ou pelos casos de acidentes com trem, muitas vezes com vítimas fatais- sem que a empresa sofra qualquer tipo de penalidade ou arque com indenizações às famílias das vítimas (ORGANIZAÇÕES et al apud PANTOJA, 2010, p. ?).
Iniciemos com a exploração da Mina Capão Xavier83
Com a implantação do empreendimento, ocorreu supressão de uma área considerada prioritária para conservação da biodiversidade. Foi feito um realocamento de uma espécie nova, o crustáceo Branchinecta ferrolimneta. Com o avanço da mina, cavernas e sítios arqueológicos estão em risco de ser destruídos. As águas do manancial de Fechos terão sua vazão natural reduzida em 40% e os mananciais de Catarina e Barreiro, em torno de 20%, além de impactos irreversíveis em sua zona de proteção. A Estação Ecológica de Fechos tem suas águas diminuídas ano a ano. Isso é confirmado pelos moradores do Bairro Jardim Canadá, que relatam que além da redução da água, têm percebido o aumento nos coliformes fecais totais na água, estando à mesma atualmente imprópria para o consumo.
Continua,
Além disso, os moradores relatam ainda a diminuição da água no próprio Bairro, que na época de chuva se mantinham diversas poças de água, mas hoje elas secam rapidamente. Os moradores também sofrem com as detonações das minas, que por estar muito próximo do Bairro, vem trincando as casas, soltando os telhados. Segundo relatos “a casa inteira treme”. Os barulhos são muito altos, impossibilitando os moradores de dormir, pois a empresa trabalha 24hs. Ocorre ainda um elevado índice de partículas em suspensão que vem afetando a saúde dos moradores, principalmente problemas respiratórios. Com esse panorama, o bairro está desvalorizado e vem forçando os moradores ao êxodo (DOSSIÊ, 2010, p.32-33).
83
A região está localizada no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais e faz parte da Área de Proteção
Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte (APA Sul RMBH). Além disso, se localiza na Zona de Amortecimento do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça (PESRM). A mina em si está no Município de NovaLima, mais precisamente próximo ao Bairro Jardim Canadá. Esse Bairro conta hoje com aproximadamente 7 mil habitantes de classe média, além de diversas empresas e indústrias, sendo a maior pagadora de impostos ao município e, segundo moradores, a menos assistida pela Prefeitura. Conta com uma população flutuante, atraída pelo emprego e clima agradável. Ver: Dossiê dos atingidos pela Vale, 2010, p. 31.
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Registra-se que após abril de 2004, período de intensas manifestações como
realizações de caminhadas ecológicas. Infelizmente, a CPI instaurada para barrar a
implantação da mina chegou a beneficiar a própria empresa, pois os deputados que
compunham a CPI se basearam em dados realizado pela Vale (DOSSIÊ, 2010).
Portanto, os malefícios causados ao meio ambiente e as comunidades próximas a
mina, em nada foram amenizados.
Carajás (Pará e Maranhão)84
Os moradores na beira dos trilhos não conseguem conviver com o barulho provocado pelos trens. Um incômodo permanente. As casas mais próximas dos trilhos sofrem com rachaduras. Os acidentes são freqüentes, com um número significativo de mortes por atropelamento de pessoas e animais. Até o instante não existe uma política específica da empresa para lidar com esse problema. Segundo Relatório de Sustentabilidade da própria empresa, o número de acidentes de trem nos últimos anos foram 59 (2005), 63 (2006) e 46 (2007).
Dando prosseguimento, os acidentes nos trilhos ocorrem devido
Uma análise desse tipo é confirmada também pelo fenômeno dos “Meninos do trem”. Trata-se de meninos e meninas que viajam de maneira irregular nos trens de minério da Companhia Vale ao longo da Estrada de Ferro Carajás. São crianças e adolescentes que têm acesso de maneira clandestina ao trem, viajando de Marabá ou Paraupebas até São Luís, ou vice-versa. Quando descobertos pela segurança da Companhia, são entregues ao Conselho Tutelar mais próximo, cuja tarefa será de fazer o registro de ocorrência e devolvê-los (a custo da Vale) às suas famílias em seus municípios de origem (DOSSIÊ, 2010, p. 42).
Registra-se ainda para fins de compreensão e comparação entre a riqueza
arrecadada pela mineradora Vale e o retorno aos municípios que localizam as minas
uma insuficiência em retorno social. Somente em 2008 as vendas de minerais e
metais da Vale alcançaram a soma de 35,9 bilhões de dólares pagando 208 milhões
de CFEM- Compensação Financeira pela Exploração Mineral. Ou seja, pagou o
equivalente a 0,6% das vendas.
A Vale se nega a aumentar o pagamento do royalties e faz um arremedo de
„investimentos sociais‟ nas comunidades, como se estivesse realizando uma obra de
caridade com os municípios (DOSSIÊ NÃO VALE, 2010, p.37). Nesse momento,
flagramos a irresponsabilidade da Vale em acatar com as determinações
governamentais, pois segundo a lei do royalties85cada mineradora deve pagar
mensalmente 10 % da produção da empresa ao município onde está localizada suas
84
Estrada de Ferro Carajás, que liga o sul do Pará a São Luís, no Maranhão. Ali está instalado o Porto Ponta do Madeira, conformando assim o chamado “sistema norte” que compreende o complexo mina-ferrrovia-porto, e é um grande corredor de exportações. 85
Discussão presente na legislação de exploração de minas e petróleo nacional. Art. 47 Cf. <http://www.finep.gov.br/legislacao/lei.asp>. Acesso em 23/03/2012, as 17h45min
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minas. Para que assim o imposto recebido pelo município retorne à população por
meio de serviços sociais básicos.
Em suma é insuficiente para os municípios sediadores de minas garantirem saúde,
educação, e a recomposição do meio ambiente, destruído pela ação da mineradora,
se não tem da empresa um retorno compensatório.
Queremos dizer com isso que o custo de vida nos municípios onde se localizam as
minas da Vale é altíssimo e o déficit habitacional, enfermidades e falta de
saneamento básico provocado pelo crescimento desordenado da mineração são
chagas sociais que não podem ser atacadas somente por insuficiência de recursos
públicos.
Doravante a tantos impactos, lamenta-se o sofrimento do povo situado nos
municípios mineradores, entendemos com isso que não é responsabilidade da
empresa assistir a população em serviços sociais, mas antes, cumprir no mínimo
com as exigências da legislação ambiental e ter mais respeito com as comunidades
próximas.
Os exemplos em destaque servem-nos para conhecer um pouco do que a Vale não
mostra a sociedade. Como multinacional da indústria de mineração, tem falhas em
seu processo de trabalho, contudo enfatizamos que na sua estratégia de
mascaramento dos impactos sócio ambientais persiste o caráter ideológico do
discurso de convencer a sociedade de que a empresa trabalha na lógica ética social
e ambiental.
2.2 Marketing social: a alma do negócio
A Vale utiliza-se maciçamente do negócio da propaganda, pois é o que parece
quando vemos através dela a divulgação de RSE, uma empresa de grande porte
que discursa executar uma grande proposta de erradicar a pobreza e cuidar das
comunidades próximas as suas subsidiárias e linhas de trem.
A empresa utiliza o marketing para divulgar todas suas ações de interesses
socioambientais, que na sua maioria são programas sociais que tem como
finalidade informar e formar a opinião da sociedade sobre uma empresa que diz ser
socialmente responsável, enquanto por outro lado, esconde mazelas ambientais e
sociais produzidas no cotidiano das populações afetadas por seu imenso
desenvolvimento.
A propaganda comercial desempenha a particular tarefa de padronizar as atitudes, introduzir hábitos novos, reflexos condicionantes e conceitos estranhos na mentalidade do povo, submetido com isso a um processo de estúpida massificação. Tão eficiente e sutil é o funcionamento desse processo, cuidadosamente planejado segundo técnicas e leis da
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psicologia que nos vendem, além de bens de consumo, slogans políticos, idéias, gostos artísticos, hábitos e atitudes (Fávero, 1983, p. 21-22).
Ocorre que a Vale, ao trabalhar na perspectiva citada acima, veicula a internalizaçao
de sua imagem socialmente responsável bem como o sucesso de seus projetos
sociais, aparentemente de estrutura inquestionável. Entre esses projetos as ações
sociais tem como finalidade informar e formar a opinião da sociedade sobre uma
empresa que diz ser socialmente responsável. Para efeito de ilustração, a página
virtual da fundação Vale, na rede mundial de computadores (Internet) possui um
discurso de comprometimento com as comunidades, preocupada em diminuir o
índice de analfabetismo. Desta forma, “a política de responsabilidade ambiental da
CVRD aparece mais como uma estratégia de marketing ambiental, para se legitimar
junto à população local e ao poder público” (GRIGATO, 2006, p. 15).
Portanto fica obscuro para a sociedade uma das causas do comprometimento social
da Vale no combate ao analfabetismo. Ou seja, a empresa não realiza
responsabilidade social por ser ética de fato, mas, sobretudo porque precisa mostrar
que faz.
A pressão das comunidades e das ONGs e o receio de processos judiciais são fortes motivadores para ações de ética e responsabilidade social. Num meio cada vez mais sensível à imagem, o medo de ter a marca associada a trabalho infantil, desastres ecológicos e escândalos fazem com que muitas empresas dêem prioridade às questões de ética empresarial (SIMÕES, 2008, p.456).
Por isso a empresa levanta como sua principal missão o marketing na construção da
marca da empresa. Podemos citar o próprio nome da empresa que desde 2007
mudou de Companhia Vale do Rio Doce para o nome fantasia „Vale‟, nome de fácil
compreensão, que podemos encontrar em todos os nomes dos projetos sociais
executados pela Fundação Vale.
3 A DINÂMICA DO PROJETO VALE ALFABETIZAR
O projeto Vale alfabetizar funcionou durante quatro anos no município de Rosário,
de 2005 até o ano de 2008 (este último foi objeto da pesquisa). Após esse período,
por questões políticas a nova prefeitura não continuou com a pareceria com a Vale.
Participavam do projeto, “Alfabetizados” jovens e adultos „analfabetos‟;
alfabetizadores, duas monitoras pedagógicas, uma coordenadora local (moradora de
Rosário) e uma coordenadora Pedagógica (professora da UEMA).
Ao analisar as falas de alguns alfabetizandos, identificamos uma aproximação para
a realização pessoal das letras, e que, portanto aprendendo ou não, o mérito é
individual, como se expressa em algumas falas.
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O relato da alfabetizada de 53 anos, em matéria a revista da Alfasol, conta que
nunca recebera nenhuma orientação na sua juventude: “tinha que vencer as
dificuldades sozinha, por isso tudo que tenho aprendido aqui procuro transmitir para
meus netos para não passar pelo que eu passei”. Observa-se internalizada nesta
fala a apologia direcionada ao Vale Alfabetizar. Pois agora a alfabetizanda não está
mais sozinha, tem ajuda de um projeto de alfabetização. Quando questionada sobre
seu desempenho no projeto, ela responde: “queria ter alcançado mais coisa, mas o
problema é meu mesmo não é da professora, é o problema da cabeça”. Esta fala
encontra-se carregada de uma ideologia falsa, redutora do ser social, que trás para
si (indivíduo) a responsabilidade pelas mazelas sociais.
Percebe-se uma exaltação do sucesso ou fracasso individual de cada participante
no projeto, resgata-se uma analise de exclusão social com base em determinantes
individualistas, que tem como princípio a dedicação, à vontade e a persistência do
individuo.
Quanto aos alfabetizadores, estes parecem ter muitos desafios no dia a dia da sala
de aula, mostrando-se motivador para a permanência do alfabetizando na sala.
O projeto aparece como grande oportunidade de trabalho por conta do desemprego
ser uma realidade de Rosário
O projeto ajudou muitas pessoas, ajudaram n pessoas, os professores, que são os alfabetizadores na verdade. Houve professores que era a primeira vez que estavam trabalhando. A primeira oportunidade de ter um trabalho, apesar de ser uma bolsa que não era um salário, nem nada. Apenas uma bolsa, apenas uma ajuda (Coordenadora local, entrevista 08/01/2012).
A ideologia da autoajuda enfatiza substituição dos empregos públicos por
voluntariado temporário. O que ocorre é uma estratégia de ocupar os indivíduos com
alguma atividade para não deixá-los ociosos, e pra que melhor do que uma atividade
voluntária? Uma vez que esta “ocupação responde a carências singulares e
imediatas, dentro de um mundo dado e aparentemente imutável, naturalizado,
perpetuado” (MONTAÑO, 2008, p.242).
Assim, os indivíduos não terão que reivindicar por empregos e salários justos, pois já
estão em subempregos, na função de voluntários.
Para maior solidez do “Vale Alfabetizar” é estratégico também a execução de
projetos complementares que deixam mais atrativo o projeto e com maior visibilidade
nacional, com a efetivação dos projetos de complementação- Projeto Ver e o
complemento nutricional. O primeiro distribui, gratuitamente, óculos aos alunos e o
segundo oferece merenda no horário de aula. Reunimos aqui todo o aparato de
funcionamento do projeto “Vale Alfabetizar” com a finalidade de conhecermos sua
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estrutura e funcionamento, a fim de proporcionar uma melhor radiografia das
relações construídas no interior do projeto, para melhor analisá-las.
Dessa forma o projeto “Vale Alfabetizar” age no espaço da superestrutura do
cotidiano, exercendo um papel funcional de controle, expresso por uma concepção
de mundo, que se manifesta implicitamente na ideologia do projeto “Vale
Alfabetizar”, com efeito legitimador de carência e pedido de ajuda por parte dos
participantes do projeto.
Percebemos um controle funcional no que tange a propagação de valores, ideias,
normas, e afirmação de conduta. Ou seja, uma maneira estratégica de construção
de percepção da realidade local.
Como podemos perceber o “Vale Alfabetizar” tem uma otimização sólida de
recursos, que se trabalhada de maneira ininterrupta, com uma finalidade
comprometida com a aprendizagem das letras, e não apenas como massa de
manobra, estaria bem mais próximo de alcançar os objetivos expostos na própria
estrutura técnica do projeto.
Como se não bastasse o aparato tecnológico de convencimento, aparece
superficialmente no cotidiano do projeto a ideologia de educação voltada para o
desenvolvimento socioeconômico do país, na superação dos índices de
analfabetismo o que vem melhorar a imagem de um país, estado ou município em
desenvolvimento. No entanto, a essência do projeto carrega uma carga de efeito
performativo.
Sobre isso nos esclarece Marilena Chauí (1981, p.94) que ao interpretar o conceito
de ideologia em Marx, assim nos fala
Para que todos os membros da sociedade se identifiquem com essas características supostamente comuns a todos, é preciso que elas sejam convertidas em ideias comuns a todos. Para que isto ocorra, é preciso que a classe dominante, além de produzir suas próprias ideias, também possa distribuí-las. O que é feito, por exemplo, através da educação, da religião, dos costumes, dos meios de comunicação disponíveis.
Embora a educação oferecida no projeto “Vale Alfabetizar” não seja para qualificar a
força de trabalho, mas é funcional em alienar e perpetuar a cultura do capital
humano econômico, pois são os beneficiados pelo projeto que se encarregarão de
reproduzir em seus lares para seus parentes e amigos a importância da educação
para o mercado de trabalho e a boa imagem da Vale.
Na verdade são várias ideias consensuais produzidas no cotidiano das relações
sociais, o sentido aqui tomado coloca a perpetuação de uma ideia apologética da
educação, fazendo-nos acreditar em uma realidade que não corresponde a real
situação vivida pelos rosarienses.
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4 RSE DA VALE: UM CANTO DE SEREIA
A analogia aqui realizada acerca da RSE da Vale nos remete um efeito comparativo
ao canto de sereia, lenda que descreve o encantamento de pescadores que ao ouvir
o canto eram seduzidos e terminavam por desaparecer em alto mar.
Assim parece ser o discurso da Vale persuasivo e atrativo, pois perfaz o fundo de
esperança daqueles que compõe o seu público-alvo, com função marcada, de agir
no convencimento da sociedade quanto a inculcação da eficácia de seus projetos
sociais e de uma imagem ética.
O que podemos constatar em (DEMO, 2002, p. 148) ao analisar a solidariedade
institucional como efeito de poder em que o discurso “produz a farsa do engodo
atraente, buscando no fundo cultivar a massa de manobra”. Assim age a RSE, de
forma ambivalente, frente a um discurso e uma realidade.
Nesse sentido, compreendemos o campo discursivo de RSE como uma realidade
„ambígua e ambivalente‟ (DEMO, 2002), pois, de um lado há um discurso que
veicula a imagem de empresa comprometida com a oferta de educação e por outro,
seu desenvolvimento econômico tem gerado notáveis (mas, mascarados pela
empresa) impactos ambientais, sociais e culturais em varias regiões do Brasil,
particularmente nos limites maranhenses (FÓRUM CARAJÁS, 2010). Dessa forma,
o discurso de RSE apresenta-se como uma estrutura que não revela um sentido
claro, admitindo sentidos contrários.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das exposições e interpretações realizadas, a RSE por meio de projeto e
Vale Alfabetizar transforma o alfabetizando em “patinho feio”, para que todos tenham
compaixão da sua história de vida. Constamos a construção da cidadania individual,
por meio da prestação de serviços sociais, aulas de alfabetização, que termina por
transportar dignidade para os que não estudaram em tempo hábil. Essa é a idéia
construída socialmente.
A estratégia de situar projetos sociais próximos as área das minas e trilhos da Vale
gera um empoderamento local da empresa sobre a comunidade o que somente
pode resultar em um ação de controle. Daí a idéia de trabalhar com projetos sociais
que impliquem na emotividade solidarista dos indivíduos. Estes são sentimentos
expressos pelos próprios moradores de Rosário, que conhecem apenas a parte
“solidária” da Vale. Em Rosário os alfabetizadores assim como alfabetizandos
desconhecem os impactos sócio ambientais realizados pela Vale.
Em nosso entendimento RSE é um lucrativo mercado da pobreza, que rende não só
capital, mas prestígio a Vale por ter uma imagem socialmente responsável, pois com
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o discurso solidarista e cidadão aproxima-se dos indivíduos e lhes vende à
sociedade que terá compaixão dos “coitados”.
Portanto, a necessidade de demonstrar quão ideológico é a prática do Vale
Alfabetizar, permeado de discurso de mudança, porém cheio de amarras funcional e
instrucionistas, que de sucesso só tem a reprodução de incapacidades de
aprendizado, contido nas falas dos alfabetizandos sobre a incapacidade de leitura
ser um problema individual e a imagem de que tudo vai bem, de que os
alfabetizandos são agora ( após o projeto) pessoas iluminadas.
Entendemos que o projeto “Vale Alfabetizar” surge não somente como uma
resposta, dada às pressões dos agentes externos da Vale, incluindo principalmente
os movimentos sociais, como a ONG justiça nos trilhos que luta arduamente por uma
maior fiscalização das ações da empresa; nem tão somente para legitimar a imagem
de ambientalmente correta frente à percepção dos afetados diretamente por suas
minas, mas, sobretudo, como medida para além dos muros da empresa, para
legitimar a hegemonia burguesa na corrida desenfreada por lucro. Portanto, não é
fortuito que podemos mencionar a célebre frase de Marx e Engels contida no
manifesto comunista “os burgueses tem que revolucionar constantemente os meios
de produção”. Entendemos RSE como uma medida que legitima a revolução da
lógica empresarial, com as características contemporâneas.
Percebemos que os alfabetizandos aparecem como mero produtos da Vale que
levam sua marca. O marketing também serve como maquiagem para um rosto
bonito e sedutor que emite um canto persuasivo.
Não subestimemos o poder do “Vale Alfabetizar”, pois sua pedagogia injeta nas
mentes dos beneficiados regras, valores, normas e comportamentos internalizadores
de subalternidade, pobreza política, cidadania assistida. Colocando em Deus a
origem de muitas das causas da situação social. Como exemplo, o fato de
alfabetizadores nascerem para ensinar jovens e adultos e receber por isso uma
bolsa, que não chega a ser um salário, mas o que mais vale é a intenção.
Finalizamos estas breves considerações sem ser intenção esgotar a temática de
RSE da vale, visto que cresce cada dia ações, projetos e programas sociais, que
merecem um olhar epistemológico dotado de cuidados metodológicos no
envolvimento com a realidade em questão.
REFERÊNCIAS
CARAJÁS, Fórum. Mineração na Amazônia, Estado, empresas e movimentos
sociais. Fórum Carajás, Maranhão, 2010.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1981.
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São Luís- MA (UFMA)
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200
CVRD. Companhia Vale do Rio Doce. Disponível em: www.vale.com.br. Acesso
em 05. Jan. 2012.
DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez, 2002.
DOSSIÊ, impactos e violações da Vale no mundo. Rio de Janeiro, 2010).
FÁVERO, Osmar. Cultura popular: memórias dos anos 60. Rio de Janeiro. Ed.
Graal, 1983.
GRIGATO, Rosemay B. Política Ambiental e Responsabilidade Social
Empresarial da CVRD. Disponível em
http://www.ufes.br/ppghis/agora/Documentos/RevistAcesso em: 18 Jan 2012.
MARX, Karl. ENGELS, Friedrich, Manifesto do partido comunista, Porto Alegre,
L&PM, 2002.
MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social: uma critica ao padrão
emergente de intervenção. São Paulo: Cortez, 5ª Ed, 2008.
PANTOJA. Igor. Planejamento privado social: práticas da Vale em municípios
do Maranhão. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ,
2010.
REVISTA DA ALFASOL. Escrevendo Juntos. n° 35, Jan de 2007.
SIMÕES, Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. Cortez, 2007.
VALE, CÓDIGO DE CONDUTA ÉTICA DA. Disponível em
<http://www.vale.com/ptbr/investidores > Acesso em: 13 jan 2012.
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16 A SUZANO PAPEL E CELULOSE E A IMPOSIÇÃO DA MECANIZAÇÃO E
COLETIVIZAÇÃO DA PRODUÇÃO CAMPONESA EM SANTANA - URBANO
SANTOS.
Renan Gomes Oliveira86; Maristela de Paula Andrade87
RESUMO
Em Santana, localidade do município de Urbano Santos – MA, a Suzano Papel e
Celulose apropriou-se das áreas manejadas pelas famílias ali residentes, que
implantavam seus roçados com base no usufruto comum dos recursos,
açambarcando o principal estoque de terras agricultáveis. Diante dos protestos das
famílias, a empresa implantou para elas um campo agrícola mecanizado
denominando-o de agricultura comunitária e apresentando a experiência como
integrando suas ações de responsabilidade social. Tal intervenção tem
desestruturado um conjunto de regras características da organização tradicional da
produção de alimentos daquele povoado. As características e conseqüências dessa
intervenção e sua repercussão para a segurança alimentar e organização interna
daquelas famílias nortearão as discussões abordadas aqui.
Palavras-chave: Expropriação camponesa; Coletivização da produção camponesa;
Segurança Alimentar.
86 Aluno do Curso de C. Sociais/ UFMA, bolsista de iniciação científica CNPq. 87
Orientadora, docente do PPGCS/UFMA, bolsista de produtividade do CNPq, coordenadora do GERUR – Grupo de Estudos Rurais e Urbanos.
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1 INTRODUÇÃO
A Mesorregião do Leste Maranhense, mais especificamente as microrregiões
homogêneas do Baixo Parnaíba Maranhense e de Chapadinha, conforme a
classificação do IBGE vem sofrendo, nas últimas décadas, diversas transformações
ocasionadas pela expansão do chamado agronegócio88, principalmente em relação
aos plantios de soja e eucalipto. O cultivo de soja é empreendido, principalmente,
pelos chamados gaúchos, categoria válida não apenas para quem veio do Rio
Grande do Sul, mas que engloba um grupo de produtores que veio de diversos
lugares do Brasil e se instalaram na região (PAULA ANDRADE, 2008) (CARNEIRO,
2008) (GASPAR, 2010). Já o cultivo do eucalipto nessa região tem sido efetivado,
principalmente, pelo Grupo Suzano Papel e Celulose e suas terceirizadas. Ao
chegarem à região, esses grupos econômicos não encontram um espaço vazio, mas
se deparam com um sistema de produção local bastante antigo, conceituado por
alguns como caracterizando um campesinato de uso comum (PAULA ANDRADE,
2008) (PAULA ANDRADE, 1995a) (PAULA ANDRADE, 1995b).
Há aproximadamente um ano venho desenvolvendo pesquisas na região e, dentre
os diversos problemas identificados, tem me interessado sociologicamente, desde
as primeiras viagens de campo, as situações em que a agricultura camponesa passa
por um processo de substituição de técnicas ou, dito de outro modo, as situações
em que os trabalhadores passam a lançar mão do uso de maquinário, insumos e
demais fatores estranhos, até então não empregados no processo de produção de
alimentos, historicamente empreendido por aquelas famílias.
Na trajetória percorrida até aqui, através das atividades realizadas no GERUR –
Grupo de Estudos Rurais e Urbanos –, pude observar alguns desses casos, e um
deles me chamou mais à atenção que os demais: um caso de expropriação seguido
da imposição da mecanização e coletivização da produção agrícola camponesa,
através de uma intervenção externa, provocada por uma empresa do ramo de papel
e celulose. Pretendo nesse artigo discorrer sobre este caso, dando ênfase nas
conseqüências dessa intervenção para as famílias de Santana,assim como discutir
as modalidades de trabalho em que estou envolvido, minha inserção no local de
pesquisa e os esforços no sentido de transformá-lo em um objeto de investigação.
2 MODALIDADES DE PESQUISA E INSERÇÃO NO LOCAL
Através do projeto de pesquisa intitulado CAMPESINATO E CRISE ECOLÓGICA –
impactos sociais da sojicultura para segmentos camponeses do Leste Maranhense89
iniciei, como bolsista de iniciação científica, as atividades de pesquisa no chamado
88
Discussões recentes sobre o conceito de agronegócio vêm sendo realizadas por Palmeira, Heredia
e Leite (2009) e também por Grynspan (2009). 89
Coordenado pela orientadora.
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Baixo Parnaíba, expressão de uso vulgar para designar as microrregiões
homogêneas do Leste Maranhense. Minha entrada no campo se deu por uma rede
específica de entidades religiosas, civis e sindicais de apoio e assessoria aos
trabalhadores rurais, como o Fórum de Defesa do Baixo Parnaíba (FDVBPM) e a
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), que se engajam em ações
contrárias às pretensões desses novos agentes sociais interessados na terra.
Por mais que a minha inserção no campo, nos primeiros meses da pesquisa, no
âmbito do projeto citado, tenha se dado por meio de entidades de apoio e assessoria
aos trabalhadores rurais, o que a norteava, até então, eram, principalmente, os
interesses contidos no referido projeto. Tal modalidade de pesquisa se aproxima do
que Burawoy (2009) entende por Sociologia Profissional. Para o autor, a sociologia
profissional consiste primeiramente e, sobretudo, de programas de pesquisa
múltiplos e cruzados, cada qual com suas hipóteses, exemplos, questões definidas,
aparatos conceituais e teorias relacionadas.
Contudo, posteriormente, os mesmos agentes do FDVBPM que contribuíram para a
inserção nos locais da pesquisa, demandaram um estudo relacionado àquele já em
andamento, com o objetivo de buscar informações que municiassem o
enfrentamento das famílias em relação à Suzano. A produção de tal conhecimento
se dá aos moldes de uma sociologia pública (BURAWOY, 2009), ou seja, põe a
sociologia em diálogo com públicos, entendida como agentes que, estão eles
próprios em conversação.
Através das atividades realizadas por meio dessa demanda, a partir da qualpude
estabelecer os primeiros contatos diretos com o meio rural, as situações observadas
passaram a ter relevância não só para esse trabalho, mas, também, para a pesquisa
inicial.Esse foi, então, o modo pelo qual pude conhecer Santana, localidade da zona
rural do município de Urbano Santos em que observo as situações que discutiremos
nesse trabalho. A minha adoção pela família de Pedro Mendes, sua esposa Simone
Araújo, e a mãe da ultima, dona Cléa Dutra, foi condição fundamental para obtenção
das informações dessas pesquisas.Percebe-se, assim, como através de uma única
rede, tive umaentrada no campo que possibilitou o meu envolvimento em dois
trabalhos que não se opõe, mas complementam-se um ao outro.
3 PRIMEIROS OLHARES PARA O OBJETO INVESTIGADO
Nas primeiras viagens de campo, cada um dos alunos envolvidos no projeto de
pesquisa foi encaminhado a dois ou mais municípios, a fim de levantar as primeiras
informações sobre os conflitos socioambientais da região a ser pesquisada. Com
esse intuito, fui aos municípios de Brejo e Buriti.
Em Buriti, ao visitar uma instituição de representação dos trabalhadores rurais e
conversar com alguns membros pertencentes a ela, pude identificar em suas falas
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alguns elementos que me despertaram posteriormente uma forte curiosidade
sociológica. Tratava-se do ideal da “modernização” da agricultura camponesa. Tal
termo era usado por aqueles agentes ao referirem-se a um processo de
transformação da agricultura tradicional através do emprego novas técnicas. Seu
uso, entretanto, trás consigo um conjunto de idéias que põem em evidência um
modo de fazer agricultura em detrimento de outro.
Durante a conversa travada ali, pude perceber que a perspectiva daquela instituição
era fazer com que, por meio do emprego de novas técnicas agrícolas, o agricultor
trabalhe menos e colha mais, ou seja, fazer com que ele tenha o que percebem
como mais produtividade, assim como, também, tornar menos penoso o trabalho da
agricultura camponesa praticada na região.
Dessa forma, para eles, a vontade de transformar o processo de produção do
trabalhador rural, num sentido entendido por eles como de modernização, seria uma
saída, tendo em vista a menor disponibilidade de terras, em decorrência da
expansão do agronegócio. Entretanto, segundo eles, o governo prefere investir
muito mais no agronegócio, no grande latifúndio, do que na agricultura familiar,
como costumam denominar a agricultura camponesa local.
Mesmo que esses agentes mostrassem a face benéfica dessa suposta
modernização, pois esperam muito que o governo volte sua atenção para essas
questões e realize tais mudanças, fiquei a imaginar como seria a inserção de
elementos como máquinas e insumos no processo de produção dos trabalhadores
da região e de que forma as transformações decorrentes desse processo poderiam
intervir na vida social daquelas famílias. Naquele momento, mesmo sem imaginar
que investiria esforços para estudar algo dessa envergadura, aquela curiosidade
lançou as bases do que hoje se tornou para mim um objeto de investigação.
O trabalho feito para o FDVBPM é uma atividade em que vamos aos povoados, ali
permanecendo cerca de dois dias, tendo como objetivo preencher um questionário,
realizar entrevistas, tomar fotografias e marcar pontos com GPS. Em cada município
passamos por vários povoados registrando os problemas que as famílias enfrentam
em relação à Suzano e, também, relacionados aos plantios de soja dos chamados
gaúchos.Dessa maneira é, pois, impossível fazer uma pesquisa mais aprofundada,
realizando observação direta, lançando mão de procedimentos próprios da
etnografia, que corresponderia mais ao estilo de pesquisa praticado pelo GERUR.
Contudo, apesar dessas limitações, o outro contato prévio com o objeto investigado
na minha pesquisa se deu por meio das atividades desenvolvidas nessa demanda.
Na segunda etapa de pesquisas para o FDVBPM, realizada em Urbano Santos –
MA,eu e outros dois colegas fizemos a pesquisa, dentre outras localidades, em um
povoado chamado Marçal dos Onça, onde passamos dois dias. Cada um ficou
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responsável por preencher partes do formulário, ficando eu com a responsabilidade
de colher as informações relativas às atividades econômicas e aos problemas
relacionados às empresas.
Ao perguntar sobre as atividades agrícolas para o trabalhador em cuja casa eu fiquei
hospedado, tive conhecimento de que a Suzano havia feito, com máquinas, algumas
etapas do plantio de várias famílias do povoado, incluindo a dele. Havia desmatado,
providenciado as sementes, porém não forneceu o adubo, conforme prometera.
Visitei esse plantio e algumas das chamadas roças, implantadas pelas famílias aos
moldes tradicionais. O arroz plantado nas roças estava bem mais desenvolvido que
os do plantio que a Suzano havia preparado para aquelas famílias. Segundo um dos
trabalhadores que entrevistei, a Suzano havia derrubado 22 bacurizeiros, gerando
revolta em algumas famílias daquela localidade. Segundo ele, por essa razão, para
agradar a todos, a empresa havia feitoesse chamado campo que não fora
adubado.Tal situação aumentou a minha curiosidade por casos em que há inserção
de maquinários e outros elementos na agricultura camponesa. Essa curiosidade
ganhou maior proporção nos dias seguintes dessa etapa de pesquisa, quando
conheci o povoado Santana.
4 MECANIZAÇÃO E COLETIVIZAÇÃO DA AGRICULTURA CAMPONESA EM
SANTANA, URBANO SANTOS
Em Santana, todas as informações contidas no formulário, do qual dispúnhamos
para traçar um perfil das localidades e dos problemas enfrentados por elas, foram
preenchidas por mim, pois havia ido para lá sem a companhia de algum colega da
pesquisa. Sobre a presença da empresa conversei com praticamente todos os
trabalhadores que entrevistei. Ali a Suzano implantou algo semelhante ao que
ocorreu em Marçal dos Onça: um chamado campo agrícola – área desmatada e
plantada com auxílio de maquinário – para aquelas famílias. Entretanto, em Marçal
dos Onça a empresa deixou de doar um item fundamental que prometera: o adubo,
sem o qual, na ausência da queima da cobertura vegetal, as espécies vegetais
plantadas têm dificuldades para se desenvolver. Para Santana, porém, a empresa
forneceu tudo quanto foi preciso para a viabilização dos plantios com essa
tecnologia.
Santana se diferencia de um considerável número de localidades da região,
pesquisada anteriormente por outros autores, por se localizar em uma área de
chapada. O povoado, aqui entendido como unidade territorial, tinha como principal
fonte de terras agricultáveis aquela da qual Osvaldo Bacelar dizia ser dono, para
quem as famílias pagavam uma renda de acordo com a sua produção. Essas terras
foram vendidas para a Cia. Comercial e Agrícola Paineiras, hoje Suzano Papel e
Celulose.
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A Suzano tem plantios de eucalipto que abarcam grandes extensões e circundam
Santana e outras localidades. Assim que intensificou suas atividades ali, no final de
2009, começou a plantar eucalipto nas áreas antes usadas pelos trabalhadores de
Santana e de povoados vizinhos para implantar suas lavouras. Essas áreas,
chamadas pelos trabalhadores de mata, revelam uma situação de uso da terra
diferente da que tem se observado na literatura sobre o campesinato da região,
conforme tento explicar a seguir.
Carneiro (2008, p. 91), reproduzindo o que escrevera Paula Andrade (1995a), afirma
que o manejo inteligente dos recursos naturais que compõem os diversos
ecossistemas com os quais esses agricultores interagem, de forma sintética,
“manifesta-se na distinção de uso das terras classificadas como de chapadas e dos
baixões, com as atividades agrícolas sendo realizadas nestas últimas, enquanto o
extrativismo e a criação de animais concentram-se nas áreas de chapada”.
Tal modelo, também reproduzido por autoras como Moraes (2009), pode levar a crer
que, aos agentes externos, voltados ao plantio de soja e eucalipto interessem
apenas as áreas de chapada, enquanto às famílias da região, para implantar suas
lavouras, interessem apenas os baixões. A mata, denominação dada pelos
trabalhadores às terras pretendidas por Osvaldo Bacelar, caracterizava-se por
possuir árvores de grande porte, o chamado mato grosso, sendo plana e possuindo
solo fértil. Caracterizava-se, também, pela presença das famílias exercendo uma
apropriação e manejo daqueles recursos com base no usufruto comum. Tal área não
é classificada pelos trabalhadores como baixão. Segundo seu José Mendes, de
Santana, “(...) só tem aquela área assim. É plano, mas não é carrasco nem
chapada”. Compreende-se dessa maneira como essas terras interessam tanto às
famílias de Santana, para a implantação das lavouras, como têm procedido há
sucessivas gerações, quanto à Suzano Papel e Celulose, que tem as transformado
em plantios de eucalipto.
O açambarcamento dessa área foi um golpe para aquelas famílias em relação ao
estoque de terras propícias à implantação de seus roçados.Diante dos protestos das
famílias, a Suzano que vinha lhes prometendo fazer um campo agrícola, o fez
depois de ter sido veiculada a matéria “Veredas destruídas”, no Globo Rural, sobre
os problemas que os plantios de eucalipto têm trazido à região. Dessa forma, os
agentes da empresa que mantêm contatos com os trabalhadores, queriam, a todo
custo, que as famílias abandonassem o modo pelo qual estas implantam os seus
roçados para adotar o modelo de agricultura que começaram a implantar.
A observação em campo demonstrou que essa investida da Suzano refere-se a um
projeto entendido pela empresa como de agricultura comunitária, que, no Maranhão,
envolve cinco das dezenas de povoados afetados pela empresa em toda a extensão
de seus empreendimentos na região. Dois deles são no município de Urbano Santos
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(Santana e Ingá), um no de Santa Quitéria (Capão) e os outros dois no de Anapurus
(Moura e São José).
No caso de Santana, em 2011, a empresa forneceu todos os maquinários e insumos
necessários à viabilização do campo agrícola – desmatou oito hectares, arou,
providenciou sementes, adubo. Sua proposta era de assim proceder em 2012 e,
depois desses dois anos, as famílias deverão se responsabilizar por todas as etapas
do processo de produção. No novo modelo de plantio a cobertura vegetal não é mais
queimada (usam-se maquinário e insumos); as espécies (milho, arroz, feijão,
mandioca) não serão mais plantadas de forma consorciada e todas as etapas serão
socializadas entre os participantes: o preparo do solo, o plantio, os tratos culturais e
a colheita, sendo que o produto final deverá ser partilhado igualmente entre as
famílias que fazem parte do projeto.
A escolha de um tema, segundo Weber e Beaud (2007), têm grande importância,
pois condicionará todo o trabalho posterior. No Curso de Ciências Sociais do qual
faço parte geralmente o pesquisador se dedicará a um determinado tema.
Aprofundará investigações, descobrirá coisas novas, ampliará perspectivas, mesmo
sem (e dificilmente se teria a pretensão de) esgotar todas as questões a ele
relacionadas. Dessa forma, dentro da grande temática “problemas ambientais e
sociais decorrentes da expansão do agronegócio no Leste do Maranhão”, bastante
ampla, me interessei, a partir do que observei de maneira mais acentuada em
Santana – Urbano Santos, por pesquisar um assunto de extensão previamente
reduzida, como sugerem Weber e Beaud (2007).
Pretendi assim, tomar como objeto de estudo esse confronto entre a Suzano Papel e
Celulose e o povoado Santana, como unidade social, que, apesar de,
aparentemente, não se apresentar em forma de conflito aberto, se manifesta, até
então, em níveis de uma violência simbólica (BOURDIEU, 2001),por meio da
imposição de um processo de mecanização e coletivização da agricultura
camponesa, contrastando com o modo local de fazer agricultura aos moldes do que
Chayanov (1924) chamou de exploração com base no trabalho familiar, em que a
“importância do produto do trabalho é principalmente determinada pela dimensão e
composição da família.
Na tentativa de elaborar exercícios de delimitação de um tema para o trabalho de
conclusão de curso, listei como objetivos gerais da minha pesquisa: analisar o
processo de substituição das técnicas agrícolas pelo qual vem passando a produção
de alimentos em Santana; estudar as transformações decorrentes do novo modelo
de agricultura em relação à maneira como uma família camponesa, dessa região, se
organiza (ou organizava) para produzir.
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Os objetivos específicos, ancorados nas principais perguntas da pesquisa, eram:
entender como funciona a dieta alimentar de uma família camponesa; compreender
que fatores são indispensáveis à agricultura mecanizada e se eles estão disponíveis
às famílias; analisar se há confrontos entre as duas lógicas produtivas; entender
como será dividida uma produção “socializada” entre famílias com distintos números
de membros; levantar o que a Suzano diz sobre o “projeto de agricultura
comunitária”; analisar os fatores que levaram a empresa a criar esse projeto e os
que levaram os trabalhadores de Santana a aderir a ele; compreender por que
dentre tantos, foram atendidos com tal projeto apenas cinco povoados; analisar que
categorias nativas referentes aos plantios são substituídas ou deixam de existir com
a imposição do novo modelo de agricultura; levantar quais são as formas tradicionais
de se plantar mandioca; levantar quais seriam as possibilidades de plantar mandioca
com o campo mecanizado; compreender que conjuntos de crenças, relativas ao
plantio, seriam afetados com o advento do novo modelo de agricultura como datas
específicas para plantar determinadas espécies como dias de santo; analisar as
estratégias de aproximação dos mediadores da empresa com o povoado;
compreender como os trabalhadores recebem o discurso da empresa; perceber o
que as famílias pensam sobre essas mudanças.
Essas questões foram elaboradas nos primeiros atos de problematizar o tema
pesquisado, e, apesar de várias delas conterem certapertinência, retratam um
momento específico da pesquisa em que a emissão de certos juízos de valor se
apresentava de maneira mais acentuada. Uma demonstração disso é a idéia,
embutida em algumas delas, de que a inserção das relações capitalistas no meio
rural, através de empresas como a Suzano conseguiria extinguir por completo as
pessoas e as suas relações, como sugere a teoria marxista clássica, quando se
refere ao processo de transformação dos camponeses em proletários. A resistência
do grupo que pesquiso – entendida aqui como a adoção deestratégias para a
permanência e reprodução de um modo de vida, no que se refere à forma de se
organizar para produzir – demonstra que o capitalismo não consegue banir na sua
totalidade as pessoas e as relações existentes no meio rural, embora geralmente
traga danos desastrosos, por vezes irreparáveis, como os que o caso em análise
pode demonstrar.
Algumas das questões acima já traziam uma resposta na própria pergunta, outras,
como demonstrei, reproduziam ideologias recorrentes. Algumas delas ainda estão
por responder e outras já puderam encontrar algumas respostas no decorrer da
pesquisa.Sobre essas respostas e, principalmente, as novas perguntas, advindas
das experiências de campo, é que ainda pretendo falar adiante.
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5 A CHAMADA AGRICULTURA COMUNITÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
SEGURANÇA ALIMENTAR DAS FAMÍLIAS ENVOLVIDAS
Segundo um informativo virtual da empresa, com o programa Agricultura
Comunitária, lançando em 2010 pela Suzano,a Suzano, atualmente, atende seis
comunidades próximas às suas unidades no MA e no PI. O plano é estender o
programa para que o projeto possa acolher um número maior de comunidades e
pequenos produtores no Piauí e no Maranhão, no entorno de seus
empreendimentos.
Sob a égide de um pretenso compromisso com a responsabilidade social, segundo o
informativo, “o projeto é fruto de diagnósticos socioambientais dos quais foi
observada a necessidade em dar apoio às comunidades no que diz respeito à
segurança alimentar das regiões no entorno das Unidades Florestais da Suzano”.
Entretanto os desdobramentos decorrentes dos primeiros momentos da implantação
desse projeto apontam para resultados que contradizem o que é enunciado como
seu principal objetivo: reforçar a segurança alimentar das famílias – o que pretendo
demonstrar na pesquisa.
6 CONCLUSÃO
Após a primeira ida a Santana, no âmbito da demanda para o FDVBPM, pude
realizar quatro etapas de campo, através das quais, passava aproximadamente
entre sete e quinze dias no povoado, guiadas pelos objetivos inicialmente listados
como norteadores da minha pesquisa. Por se tratar de uma pesquisa ainda em
curso, os resultados aqui apresentados têm um caráter provisório, principalmente
tendo em vista o fato de que a pesquisa tem ocorrido no flagrante dos processos dos
quais surgem as relações descritas entre a Suzano Papel Celulose e o povoado
Santana. Por fim, apontarei os próximos passos pretendidos para essa pesquisa.
A agricultura camponesa nessa região, tal como relatei acima, dá-se aos moldes de
uma exploração com base no trabalho familiar(CHAYANOV, 1924).Registra-se,
também, entre essas famílias um coeso sistema de troca de trabalho, chamado troca
dia. Ancorado em uma reciprocidade positiva (SAHLINS, 1983), ocorre em todas as
etapas da produção de alimentos, desde seu início – ao escolher e desmatar uma
área, ao prepará-la e proceder aos plantios e aos tratos culturais – até a colheita.
O modelo de produção imposto pela Suzano Papel e Celulose, através do programa
Agricultura Comunitária, decorre de uma situação aguda de expropriação e quebra
com a lógica de reciprocidade existente entre os trabalhadores, desorganiza as
relações tradicionalmente estabelecidas e cria conflitos entre eles. Do ponto de vista
dos trabalhadores, a regra imposta de dividir igualmente a produção do chamado
campo entre as famílias é injusta, visto que algumas famílias possuem 3, 4
membros, porém outras possuem mais de 10. Além disso, o chamado campo tem a
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extensão de oito hectares, não sendo suficiente para as 24 famílias de Santana que
fazem parte do programa.Constata-se que a situação de insegurança alimentar que
a empresa deseja supostamente combater no povoado foi provocada por ela
mesma, através das suas intervenções no local.
Percebe-se assim, que tal programa, dotado de um caráter autoritário,impõe regras
de cima para baixo, completamente estranhas à lógica da organização da força de
trabalho familiar e não oferece soluções para a necessidade mais básica daquelas
famílias: a segurança alimentar. O curioso é que o subtítulo do programa Agricultura
Comunitária da Suzano é exatamente “investindo na segurança alimentar”,
afirmação que na prática não pode ser observada em Santana.
As últimas etapas de campo apontaram para uma rearticulação das famílias relativa
à produção de alimentos mediante a expropriação: cada família de Santana teve
acesso a outras áreas, para a implantação dos seus roçados. Tal acontecimento me
impulsionou à rearticulação dos objetivos que terei de alcançar nas próximas etapas
da pesquisa.
Dessa forma, pretendo, dentre outras coisas, descobrir: quais foram as estratégias
de rearticulação dos trabalhadores para que, diante da expropriação do principal
estoque de terras agricultáveis, cada família tivesse acesso, nesse ano, a um local
para implantar o seu roçado aos moldes tradicionais; como era a conjugação das
terras de moradia e de trabalho antes da intervenção da empresa, comparando com
a situação atual onde previamente se constata um processo de rearticulação
territorial – as famílias, ao serem expropriadas da mata, hoje tomada pelos
eucaliptais, se descentralizaram em relação à atividade agrícola; e, não obstante,
nossa tentativa será a de mostrar que relações sociais estão em jogo em relação a
essa rearticulação. As próximas etapas de campo terão como objetivo, também, a
coleta de informações que me permitam adquirir mais elementos para compreender
como se dá a forma de organização da produção camponesa, assim como,
compreender a forma de organização imposta pelos técnicos contratados pela
empresa, no chamado campo, para que se recorra a uma comparação mais
qualificada entre esses dois modos de se organizar para produzir.
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17 NOTAS SOBRE O EXTRATIVISMO DE BURITI NO ENTORNO DOS LENÇÓIS
MARANHENSES: FORMAS DE ACESSO, REGIMES DE PROPRIEDADE E
CONFLITO AMBIENTAL
Ricardo Monteles90; Dalva Mota91
RESUMO
A discussão sobre a obtenção dos meios de vida ganha grande vigor atualmente,
tornando-se necessária a compreensão das complexas interações dos grupos com
os recursos naturais disponíveis em seus territórios. Através da observação
participante, buscou-se examinar a apropriação social dos buritizais por um grupo de
moradores do Cantinho, comunidade rural situada no entorno do Parque Nacional
dos Lençóis Maranhenses. O grupo vem experimentando uma progressiva depleção
de seus espaços e recursos naturais de uso comum. A intensificação da dinâmica de
apropriação privada torna evidente a re-definição dos processos socioambientais à
medida que as áreas de coleta se transformam em áreas pauperizadas.Neste
sentido, os saberes associados ao manejo dos recursos naturais parecem ser uma
alternativa plausível no sentido de elaborar práticas sustentáveis de uso desses
recursos. Entretanto, iniciativas etnoconservacionistas, associadas às praticas de
manejo como reflorestamento e cultivo dos recursos biológicos nativos somente tem
sentido se a população tiver garantido o acesso permanente aos recursos naturais
em seu território. O tema dos recursos naturais de uso comum traz um conjunto de
questões complexas, para as quais uma abordagem etnoecológica pode trazer
grande contribuição, integrando conhecimentos de diferentes disciplinas, como a
biologia e a antropologia, extraindo daí, suas relações de interdependência e suas
conexões recíprocas.
Palavras-chave: extrativismo; apropriação social; buritizais; etnoconservação.
90
Etnobiólogo, Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela UFPA. Docente no Colégio Universitário (Colun/UFMA). 91
Doutora em Sociologia pela UFPE. Docente no Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas (EMBRAPA/UFPA).
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1 INTRODUÇÃO
A discussão sobre a obtenção dos meios de vida ganha atualmente grande vigor à
medida que se reconhece a existência de uma crise ambiental, tornando-se evidente
a necessidade de compreender as diversas e complexas interações dos grupos
sociais e os recursos naturais disponíveis em seus territórios.
Em se tratando das populações tradicionais, o debate se amplia, pois se constituem
em grupos que, historicamente estabelecem estreitas conexões, sejam cognitivas,
conflitivas, materiais e imateriais com os recursos naturais, e deles dependem
diretamente para satisfazer suas necessidades vitais.
As palmeiras constituem um dos grupos vegetais mais importantes do ponto de vista
da diversidade biológica e do potencial uso econômico, sobretudo no contexto das
populações tradicionais. Henderson (1995) lista 34 gêneros, 151 espécies e 189
taxa da família Arecaceae, dos quais cerca de 75% são endêmicos da bacia
amazônica, servindo a diversas finalidades. De alimento para a fauna nativa (peixes,
aves e mamíferos roedores) à subsistência de famílias ribeirinhas, seja pela coleta e
comercialização, ou mesmo na alimentação – sua forma de apropriação mais direta
– as palmeiras exercem uma função de destaque nos ecossistemas inundados.
Conhecido por uma variedade de nomes vernáculos ao longo de sua área de
ocorrência natural (aguaje no Peru, moriche na Venezuela, canangucha na
Colômbia, moretes no Equador, palma real na Bolívia), o miriti ou buriti (Mauritia
flexuosa L. f.), como é amplamente conhecido no Brasil, tem a propriedade de
garantir alimento, óleo, fibra, remédio, materiais de contrução e apetrechos de
pesca, além de se constituir em uma rica fonte natural de vitamina A, dentre outros
nutrientes essenciais.
Os buritizais, como são conhecidas as formações monoespecíficas de alta
densidade desta palmeira, consistem ecologicamente em uma fisionomia vegetal
típica de ambientes inundados, onde ocorrem em padrões monotípicos ou em
associação com outras palmeiras como a buritirana (Mauritiella spp.) e a juçara/açaí
(Euterpe spp.), representando um recurso natural de considerável importância
socioeconômica e ecológica no contexto do trópico úmido.
O objeto sobre o qual nos propomos neste artigo consiste na apropriação social de
uma base comum de recursos naturais reconhecidamente importante no contexto
socioambiental das terras úmidas, ecossistemas recorrentes nos diversos biomas
presentes no Maranhão. Neste sentido, busca-se examinar a apropriação social
dessa fisionomia vegetal por um grupo de agricultores-extrativistas, cuja população
vive em uma comunidade rural de nome Cantinho, situada no entorno do Parque
Nacional dos Lençóis Maranhenses, município de Barreirinhas, estado do Maranhão.
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Propõe-se como hipótese que a visceral relação territorial do Cantinho com o
município de Barreirinhas – atualmente um polo turístico de grande projeção no
cenário nacional e internacional – pode estar suscitando o desenvolvimento de um
processo gradual de reestruturação socioambiental em escala local, de maneira que
exerça algum grau de desestruturação nos ecossistemas onde se localizam os
buritizais (Mauritia flexuosa L. f.), recurso natural em disputa entre agentes da
comunidade e agentes externos.
2 MÉTODOS
O trabalho de campo foi executado em três expedições, sendo a primeira –
exploratória – realizada ao longo de três dias durante o mês de junho de 2008. A
segunda expedição consistiu em uma estada de oito dias vivenciando o cotidiano da
comunidade no mês de julho, e a derradeira, com dez dias em interação com o
grupo durante o mês de dezembro do mesmo ano, momento em que tivemos a
oportunidade de ajustar e observar as informações transmitidas pelos interlocutores
da pesquisa.
A observação participante foi o principal método utilizado durante a realização da
pesquisa, que aqui se entende como “o papel perfeitamente digerível pela sociedade
observada que o pesquisador assume, a ponto de viabilizar uma aceitação, senão
ótima pelos membros daquela sociedade, pelo menos afável, de modo a não impedir
a necessária interação” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998).
Conversas em ocasiões informais e entrevistas abertas, guiadas por um esquema
temático elaborado após a primeira incursão a campo foram realizadas. Em algumas
ocasiões, foram efetuadas caminhadas transversais na companhia de informantes-
chave, no intuito de captar informações pormenorizadas sobre os aspectos de maior
interesse na pesquisa.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Direitos de acesso, uso e propriedade
A discussão em torno dos direitos de propriedade fornece alguns desdobramentos
relacionados a dois aspectos, fundamentalmente: a natureza do recurso e os
regimes de propriedade. A natureza do recurso pode ser definida a partir de dois
atributos. O primeiro é a “exclusão”, isto é, a dificuldade ou impossibilidade de
excluir potenciais usuários ou controlar o acesso dos mesmos. O segundo atributo
está relacionado à “subtração”, ou seja, a capacidade que cada usuário possui de
subtrair parte da prosperidade do outro. Neste caso, “o nível de exploração de um
usuário afeta adversamente a habilidade de exploração de outro usuário” (FEENY et
al., 2001).
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Deste modo, Berkes et al. (1989) definem recursos comuns como uma classe de
recursos para a qual a exclusão é difícil e o uso conjunto envolve subtração. A partir
desta definição, compreende-se que esses recursos podem ser apropriados sob
distintos regimes de propriedade, em que propriedade refere-se a um conjunto de
direitos de apropriação sobre determinado recurso.
Feeny et al. (2001) definem quatro tipos analíticos ideais, embora concretamente
esses tipos possam complementar-se entre si, podendo também haver sobreposição
e combinações conflitantes de categorias, além de variações em cada um dos tipos.
São eles, o livre acesso, a propriedade privada, a propriedade comum e a
propriedade estatal.
A base do modo de produção de distintos grupos assenta-se na concepção de
posse e uso comum de espaços e recursos naturais. Tais grupos, ao conceber estes
patrimônios como bens comuns, respondem a regras definidas nos cânones do
direito consuetudinário, historicamente fundador de sua territorialidade.
Almeida (1989) sustenta que as modalidades de uso comum designam situações
nas quais o controle dos recursos não é exercido livre e individualmente por um
determinado grupo doméstico ou por um de seus membros. Tal controle se dá
através de normas específicas instituídas para além do código legal vigente e
acatadas de maneira consensual nos meandros das relações sociais estabelecidas
entre vários grupos familiares que compõem uma unidade social. Estas normas
atualizam-se em territórios próprios, possuindo a territorialidade um caráter
identitário, onde os laços solidários e de ajuda mútua informam um conjunto de
regras firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e inalienável
sobre a qual os grupos garantem a seus membros, direitos estáveis de acesso, uso
e controle dos recursos.
A despeito de se fazerem reais ao redor do planeta, os sistemas tradicionais de
apropriação comum de espaços e recursos naturais sofrem historicamente
processos nefastos de desestruturação. Segundo Diegues (2001), há hoje no Brasil
uma variedade de formas de acesso a espaços e recursos naturais de uso comum,
que por muito tempo foram desconsideradas e até ignoradas pelas formas
hegemônicas de apropriação da natureza.
Conforme Porto-Gonçalves (2006), as formas comuns de acesso e apropriação dos
recursos naturais eram muito mais difundidas do que a propriedade privada, imposta
como modalidade única e exclusiva de organização da sociedade.
No Cantinho, o advento da privatização de importantes áreas de terra e água, a
partir do final da década de 1990, inaugurou uma dinâmica degradante de remoção
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de porções consideráveis das vegetações ciliares e do manguezal para a
implantação de complexos hoteleiros e casas de veraneio.
As formas de acesso aos buritizais influenciam no domínio das práticas, dos
saberes, do uso sustentável e da conservação do recurso. Assim, de modo geral, o
acesso ao buriti obedece a regras de apropriação comum, que por sua vez,
engendram diferentes regimes de propriedade culturalmente reconhecidos.
Para compreender as formas de uso de recursos comuns é essencial distinguir o
que Elinor Ostrom (1990) cunhou de “sistema de recursos” e “unidades de recursos”.
A distinção entre os recursos como estoque e a colheita de unidades de recursos
como um fluxo é útil, notadamente em relação aos recursos renováveis, sobre os
quais é possível definir uma cota de reabastecimento. Portanto, desde que a cota
média explorada não ultrapasse a cota média de reabastecimento, uma fonte de
recursos renováveis pode se sustentar por tempo indeterminado.
O buriti caracteriza-se por se constituir em um sistema de recursos naturais que
fornece um fluxo de unidades de recursos92, os quais não são apropriados
conjuntamente, embora o sistema de recursos em si seja apropriado de forma
comum.
O sistema de acesso parece apoiar-se em uma ética cooperativa, da qual nasce
uma noção endógena de respeito que parece assegurar o usufruto comum do
recurso. Trata-se de um código de conduta pessoal que requer honra e deferência,
configurando-se, portanto, em um aspecto referencial cognitivo associado à
consciência coletiva do grupo.
Conforme Cordell (2001), em um trabalho sobre marginalidade social e apropriação
territorial marítima, este código de honra, intimamente ligado à reciprocidade, forma
e governa as relações pessoais.
A ética associada ao respeito vai além de um cerimonial: ela liga as consciências individuais muito mais fortemente que os regulamentos oficiais. Nas comunidades em que o capital é escasso, o respeito (...) é a medida da dignidade das pessoas (CORDELL, 2001, p. 144).
Análoga à interpretação de Schmitz et al. (2006) para o caso das catadoras de
mangaba no nordeste brasileiro, não há no Cantinho, uma tentativa evidente de
estabelecer um quantitativo máximo permitido de extração. Contudo, a coleta
excessiva dos olhos do buriti sujeita o sistema de apropriação do recurso, uma vez
que pode inviabilizar a reprodução da vida das palmeiras, interditando as
disponibilidades presentes, pois o buriti “dá só um olho de cada vez”, devendo-se
92
Os olhos correspondem às folhas jovens, que, ao ser apropriado por um extrativista, e posteriormente trançado por uma artesã, constituem-se na matéria-prima do artesanato local.
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deixá-lo descansar e esperar a próxima lua (nova) para que possam ser novamente
coletados outros olhos.
Nesses casos, as áreas de coleta são terras públicas, onde os membros da
coletividade podem coletar, desde que acatadas as regras de acesso e uso
localmente estabelecidas.
“Não é todo mundo que pode [coletar os olhos], quer dizer que tem é muita pessoa que não pode (...) mas o cabôco não trata não, à noite ele vai buscar mesmo. Às vez, mei-dia cê tá dormindo, e ele tá lá com a faquinha tirando...” (Eliseu, lavrador e extrativista).
Há também, as normas de exclusão e de acesso aos recursos naturais por parte dos
“de fora”. Estes, por sua vez, podem lograr acesso, desde que, de alguma forma,
passem a fazer parte do grupo, normalmente através de casamentos e relações de
compadrio.
Como esperado, existe uma relativa preocupação local sobre a comercialização de
porções de terras por moradores a especuladores imobiliários. Muitos moradores
criticam os que venderam seus quinhões de terra, apontando que estes fizeram um
mau negócio, tendo que viver em Barreirinhas93 ou “lá do lado de cima”, na porção
mais árida da comunidade.
Com pouca disponibilidade de água, e acessando o rio (e os buritizais) graças à
benevolência dos moradores, parentes ou compadres, essas famílias que se
desfizeram de seus pedaços de terra sofrem atualmente as consequências crônicas
do problema da propriedade, como a escassez de terra para plantar e o
constrangimento em acessar os recursos naturais que antes estavam disponíveis,
literalmente, no fundo de seus quintais.
“Os pessoal mesmo daqui do Cantinho é que vende as terra. Ouve falar de dinheiro, aí acha que dinheiro é tudo, aí pega e vende a casa, o terreno. Em pouco tempo, eles [os compradores] tão aí rico, e quem vendeu suas casa, suas terra tá na pior, sem ter nenhum centavo, e nem casa e nem terra e nem nada. Assim acontece aqui com o nosso povo. A maior parte do nosso pessoal venderam o lado de baixo, que é o lado mais procurado, por causa do rio e ficaram do lado de cima. Ah, tem água pra todo mundo, tal e tal (...) a água acabou, que era dessa caixa [d‟água] bem aí, deu problema, não prestou mais. Agora quem tá do outro lado tá sentindo só o cheiro do rio. Eu, graças a Deus, meu rio tá aqui em casa, passa aqui no fundo do quintal. Vendi uma parte, mas o que eu tenho tá bom ainda pra nós...” (Dona Bebel, professora aposentada, grifo nosso).
O que parece estar ocorrendo, na realidade, é uma tragédia dos comunitários, os
quais tem suas vidas desestruturadas por sua própria expulsão, consensual e
negociada, pela forçosa implantação de uma dinâmica de apropriação e consumo do
93
Cidade que abriga os turistas que visitam os “Lençóis”. É considerada uma das portas de entrada para o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
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lugar, através da atividade turística atualmente praticada em todo o território
nacional.
No transcurso dos anos de coleta do buriti, alguns consensos se estabeleceram
quanto ao que é considerado aceitável naquele sistema extrativo. Utiliza-se aqui o
conceito de instituição como uma prática social ou um conjunto de regras e
procedimentos socialmente reconhecidos, aceitos e sancionados por determinado
grupo. Trata-se de um conjunto de regras de trabalho que determina as permissões
e proibições, quais procedimentos devem ser seguidos, quais informações devem ou
não ser fornecidas, e que benefícios são atribuídos aos indivíduos a depender de
suas ações.
No caso do extrativismo de buriti, as regras referentes à forma de apropriação
comum referem-se às condições de acesso ao recurso por pessoas
reconhecidamente usuárias do recurso (as artesãs que utilizam a fibra ou linho do
buriti, neste caso), ao respeito ao limite da propriedade privada, ao zelo com as
palmeiras e ao limite de extração, embora não claramente estabelecido, ao respeito
aos ciclos biológicos da palmeira, destacando-se o comportamento coletivo de
deixar a palmeira descansar para que possa repor novos olhos, além de evitar
coletar o olho quando este se encontra em estágio imaturo.
Se há regras no extrativismo de buriti, há também exceções, e ainda, o que se pode
chamar de transgressões. Uma exceção bastante difundida, que por vezes pode se
metamorfosear em regra é a coleta de olho dos buritizeiros machos. Segundo as
artesãs, mesmo de qualidade inferior, o linho do buritizeiro macho é igualmente
apropriado ao trabalho artesanal, sobretudo quando as palmeiras fêmeas estão se
recuperando das coletas, notadamente em dezembro, considerado alta estação do
turismo na região.
Nestes períodos de pico de produção artesanal, para evitar a compra da matéria-
prima e tornar possível o desenvolvimento dos trabalhos, os buritizeiros machos são
indistintamente explorados, e mesmo com dificuldade de beneficiamento – pois
fornece um linho mais duro e de difícil tratamento – dão forma às peças artesanais
locais.
A “transgressão” mais evidente é a coleta furtiva nas áreas privadas. Se o
proprietário estiver ausente ou o caseiro94 permitir, pode-se entrar livremente e tirar
os olhos dos minguantes buritis característicos das áreas de apropriação privada.
Contudo, relatos informam que os extrativistas podem entrar às escondidas, em
94
Trabalhador assalariado, normalmente morador e “filho da comunidade”, responsável por zelar pela propriedade de um patrão, este, normalmente empresário radicado na capital maranhense (São Luís), que se faz sazonalmente visitante na região onde possui uma ou mais casas de veraneio.
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qualquer hora do dia (ou da noite), negligenciando as regras impostas pelos
proprietários.
“Eu penso assim: se eu tivesse [dinheiro], eu não ia, né? Eu tenho precisão [necessidade] de tirar o linho pra muié fazer os trabaio, pra comprar uma besteirinha pros minino, porque se eu tivesse, eu não ia, só vou porque não acho outro meio. Isso aqui é dado pela natureza, não foi ele [o proprietário] que plantou... Aí eu não sei se é roubo ou se não é (...) pra mim eu digo que não é, porque esse é meio de caçar um meio de viver” (Eliseu, lavrador e extrativista).
3.2 A deflagração de um conflito ambiental
Semelhantemente ao trabalho de Schmitz et al. (2006), ainda há poucas regras,
nenhuma sanção evidente, nem multas ou instâncias para a resolução de conflitos
referentes ao uso e apropriação social do buriti no Cantinho. A falta de sanções em
torno da coleta do olho do buriti é coerente, porém no caso de ações prejudiciais, a
ausência de mecanismos coercitivos pode revelar um problema de considerável
alcance, uma vez que há um incremento gradual na quantidade de palmeiras
exploradas ao longo dos anos.
Associado a este fato, é importante reforçar que o processo de privatização das
áreas de coleta está em pleno avanço, contando inclusive com o apoio e incentivo
do Estado à medida que garante aos novos proprietários, plenas condições para seu
estabelecimento, a exemplo da ligeireza e facilidade nos licenciamentos ambientais
para construção de parques náuticos e sofisticados resorts à beira-rio.
Mesmo diante das práticas antiecológicas que podem prejudicar o estoque do
recurso, os conflitos seguem silenciosamente, indicando que a pressão nos recursos
e nas condições de reprodução social ainda não obrigou o grupo a se organizar para
determinar sanções e medidas coercitivas que possam contribuir com a manutenção
dos recursos naturais em seu território.
O conflito social de matriz ambiental pode advir da disputa por apropriação de uma
mesma base de recursos naturais ou de bases distintas, mas interconectadas pelas
interações ecossistêmicas. Este tipo de conflito tem como arena as unidades
territoriais compartilhadas por um conjunto de atividades, cujo acordo simbólico é
rompido em função do reconhecimento dos efeitos indesejáveis das atividades de
um agente sobre as condições materiais do exercício das práticas de outros.
Acselrad (2004) sustenta que o conflito se estabelece a partir de embates objetivos
pelo controle material de um recurso, pela sua apropriação, mas também pela sua
forma de uso (ver MANZI e COOMES, 2009). Desse modo, os conflitos ambientais
são aqueles que envolvem grupos sociais com modos diferenciados de apropriação,
uso e significação do território, tendo origem quando, pelo menos um dos grupos
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tem a continuidade das formas sociais de apropriação da natureza ameaçada por
impactos decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.
A despeito das projeções apocalípticas atualmente aventadas pela racionalidade
preservacionista, convém ressaltar que, mesmo havendo um decréscimo
considerável na quantidade de palmeiras, este não deverá ser suficiente para
aniquilar por completo os estoques desse recurso. Ainda neste sentido, o fato de o
grupo investir em práticas de manejo relativamente eficazes não garantem por si, a
conservação e manutenção do recurso, sobretudo em se tratando de um contexto de
expansão da propriedade privada para fins de especulação imobiliária.
A recente dinâmica local de interdição do acesso ao recurso processa-se através da
implantação de pousadas e casas de veraneio. Como consequência, todas as
artesãs entrevistadas assumem estar adquirindo comercialmente a fibra do buriti
oriunda de outras comunidades para que possam realizar seu trabalho.
Por se constituir o artesanato local em um trabalho praticamente feminino, e
considerando o acúmulo de tarefas socialmente impostas às mulheres, notadamente
relacionadas à economia do cuidado é possível que o recente movimento de compra
da fibra esteja mais associado às facilidades representadas pela diminuição do
volume de trabalho, do que ao escasseamento do recurso em si95.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O grupo em estudo representa uma coletividade submetida a uma progressiva
depleção de seus espaços e recursos naturais de uso comum, em virtude das
recentes formas pelas quais vem sendo transformado seu território. Com o advento
da privatização das áreas de coleta de buriti, ocorre uma significativa remoção de
porções das vegetações ciliares para a implantação de complexos hoteleiros e
casas de veraneio.
De modo geral, o acesso ao buriti no Cantinho obedece a regras específicas de
apropriação comum, processadas a partir de distintas formas, sob o domínio do
regime de propriedade comum, no qual o recurso é apropriado por um grupo
identificável de usuários interdependentes que se auto-regulam, ou pelo menos
buscam se auto-gerir em termos do uso e da apropriação do recurso.
O processo de privatização parece se acirrar à medida que se incrementa a
atividade turística na região. Quanto à apropriação do recurso, mesmo havendo
poucas regras, nenhuma sanção ou instância para a resolução dos conflitos
ambientais que se tecem no Cantinho, as regras estabelecidas pelo grupo parecem
95
Embora a coleta do olho de buriti se constitua na maioria dos casos em tarefa masculina, todas as artesãs entrevistadas conhecem a prática da extração e a assumem na ausência do homem.
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ser ainda suficientes, por se tratar de um sistema de recursos tido como abundante,
havendo pouco ou um risco moderado de desestruturação total daquele sistema
extrativo. Entretanto, a ausência de mecanismos coercitivos pode revelar um
problema de considerável alcance, uma vez que se vê aumentado o grau de
exploração das palmeiras ao longo dos anos.
A intensificação da dinâmica de apropriação privada do buriti torna evidente a re-
definição dos processos socioambientais, materializada na depleção da
biodiversidade, à medida que as áreas de coleta se transformam em áreas
pauperizadas em termos de disponibilidade de palmeiras.
Convém, portanto, investir na compreensão dos diversos motivos causais de
conflitos relacionados ao uso dos recursos naturais para que se possa compreender
melhor estas realidades multifacetadas.O tema dos recursos naturais de uso comum
traz um conjunto de questões complexas, para as quais uma abordagem
etnoecológica pode trazer grande contribuição, integrando conhecimentos de
diferentes disciplinas, como a biologia, a botânica, a ecologia e a antropologia,
extraindo daí, suas relações de interdependência e de conexões recíprocas. Neste
sentido, pode-se experimentar uma sensível mudança no grau de compreensão dos
fenômenos socioambientais. A ordem, o absoluto, o determinado, o equilíbrio e os
processos reversíveis se tornam casos particulares onde predominam as complexas
realidades tradicionais dos espaços rurais coletivamente apropriados.
Indicam-se duas tendências que se entrecruzam e formam uma lente por onde se
pode olhar através, a fim de enxergar com alguma nitidez o acesso e a propriedade
em torno do extrativismo de buriti no entorno do Parque Nacional dos Lençóis
Maranhenses. Sejam elas:
4.1 Manutenção das práticas locais de manejo e conservação do buriti
Por si, esta tendência não parece incidir muito significativamente na manutenção
dos estoques desse recurso vegetal, visto que a força da atividade turística tende a
concentrar os buritizais ao mesmo tempo em que processa uma mitigação das
disponibilidades futuras, por se tratar de um sistema ecológico em constante
interação e relação de interdependência entre seus elementos biológicos e
humanos.
4.2 Criação de formas alternativas de subsistência
Esta tendência se processa pela via da agregação de valor aos produtos oriundos
do extrativismo de buriti, totalmente associada ao incremento da atividade turística, e
consequentemente, ao avanço da propriedade privada no lugar. Aqui reside uma
controvérsia principal, se se tomam as formas alternativas de subsistência como
uma estratégia de conservação dos buritizais, uma vez que a capitalização dos
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moradores não necessariamente evitaria a exploração dos recursos, podendo
inclusive, estimular a criação de novos nichos de mercado de produtos e
subprodutos extrativos, incrementando assim a pressão nos recursos naturais como
uma forma de garantir a disponibilidade dos produtos no mercado.
Atualmente, existem condições objetivas para o reconhecimento da existência de um
conflito silencioso entre grupos, e, portanto, entre lógicas distintas de acesso e
apropriação de espaços e recursos naturais na área do entorno do Parque Nacional
dos Lençóis Maranhenses. Deste modo, torna-se evidente que existem diferenças
marcantes entre as formas pelas quais diferentes grupos produzem sentidos e
manifestam suas marcas na natureza.
As populações tradicionais, como se conhecem esses grupos, não apenas convivem
com os recursos naturais, mas nomeiam, classificam, usam e manejam estes
recursos segundo categorias próprias, fundamentando estas práticas em um
processo social por onde se tece uma ciência do concreto (LÉVI-STRAUSS, 1989).
Através do saber – ou em termos de coletividade – o conhecimento tradicional,
associado ao manejo dos recursos naturais parece ser uma alternativa saudável no
sentido de elaborar práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais, uma vez que
em ecossistemas manejados, embora algumas espécies possam ter sua
disponibilidade diminuída, o efeito total da interferência humana pode resultar num
aumento real da diversidade biológica de determinado ambiente, como mostram
estudos com grupos indígenas no Brasil (ver BALÉE, 1989; DESCOLA, 1997).
Nesta direção, iniciativas etnoconservacionistas, associadas às praticas de manejo
como reflorestamento e cultivo dos recursos biológicos nativos somente tem sentido
se a população tiver garantido o acesso permanente aos recursos naturais em seu
território. Trocando em miúdos, sem a base física comum de recursos, a população
não poderia acessar, tornar próprio, conservar ou sequer conhecer o que está
naturalmente disponível em sua área de influência vital.
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18 “É VERDE O ANO INTEIRO”: O DISCURSO E OS CONFLITOS DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
Talita de Cássia Lima Paiva96
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo a análise da concepção de desenvolvimento
sustentável. Este estudo parte da construção do conceito de desenvolvimento e da
sua contradição com a denominação subdesenvolvimento, que revela as
desigualdades do capitalismo e conseqüentemente do desenvolvimento econômico.
Pois, durante o processo histórico das discussões sobre o progresso e
desenvolvimento, a sustentabilidade e desenvolvimento social, que são interligadas,
estiveram distantes desse processo. Mesmo com a inserção dessas questões, por
exemplo, nas agendas 21 dos países, os fatos mostram que o desenvolvimento é
antiecológico e anti-social. Para que houvesse igualdade social precisaria alterar
todo o sistema, pois o próprio Estado revela-se um comitê da classe dominante.
Infelizmente, os países do terceiro mundo são os mais prejudicados com a
exploração e com o próprio fato da sustentabilidade virar mercadoria. Concluindo
nesta pesquisa que é necessário haver vozes em defesa da sustentabilidade e da
diminuição das diferenças sociais, mas a solução não surgirá da conciliação entre
desenvolvimento econômico e desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: discurso; conflitos; desenvolvimento sustentável.
96
Graduanda da Universidade Federal do Maranhão - UFMA
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1 INTRODUÇÃO
A noção de desenvolvimento existe há muito tempo, mas foi no discurso de posse
do Presidente Truman nos Estados Unidos da América que ela foi fortalecida e essa
mesma concepção está presente até hoje; mesmo que o seu uso não expresse
aquilo que realmente significa.
No discurso de Truman, em 1949, desenvolvimento foi idealizado como expansão da
industrialização para áreas subdesenvolvidas baseada em uma distribuição justa e
democrática. Foi a primeira vez que a palavra “subdesenvolvimento” foi usada e com
isso o presidente não somente deu um novo significado ao desenvolvimento, mas
tornou vários povos heterogêneos em uma massa homogênea, ignorando suas
particularidades.
Desde sua construção o conceito desenvolvimento não se distanciou das palavras
com as quais foi criado: crescimento, evolução e maturação. No próprio discurso de
Truman está explicito essa associação, já que mesmo negando o antigo
imperialismo reafirmou outro.
A denominação desenvolvimento foi criada através da concepção do outro, o
subdesenvolvido. È um adjetivo comparativo que prevê a linearidade do mundo e
impede que os povos pensem em seus próprios objetivos, pois são manipulados
para atingir o ideal dos países industrializados. Os países subdesenvolvidos ficam
submetidos à influência da industrialização e de suas conseqüências.
A declaração de Esteva esclarece muito bem este assunto:
“Ninguém parece compreender que „subdesenvolvido‟ é um adjetivo comparativo cuja base de apoio é a premissa, muito ocidental, mas inaceitável e não demonstrável, da unicidade, homogeneidade e linearidade da evolução do mundo. Ela exibe uma falsificação da realidade produzida através de um desmembramento da totalidade de processos interligados que compõe a realidade mundial e a subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes deste desmembramento, isolado dos demais, como ponto de referência geral.” (Esteva, 2000, p. 66)
Desenvolvimento é uma palavra que, como foi dito anteriormente, pode não
expressar tudo o que quer se dizer ou alcançar. Logo, nos primeiros defensores o
desenvolvimento foi reduzido ao crescimento econômico e não a distribuição, ou
seja, não se preocupavam com as questões sociais.
Na verdade, a pobreza, a fome, etc., não eram vistos como conseqüências do
crescimento econômico. E quem mais sofreu e sofre essas patologias do
desenvolvimento são os países atrasados economicamente; isso fortalece a idéia de
que desenvolvimento é igual à democracia e igualdade social.
No entanto, “tornou-se óbvio que o crescimento econômico rápido vinha
acompanhado de desigualdades também crescentes.” (ESTEVA, 2000, p. 68). Não
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se pôde mais ignorar as exclusões do progresso econômico. Aos poucos a
expressão “desenvolvimento social” foi incluída nos relatórios sobre as situações dos
países feitos pelas organizações mundiais.
Dessa forma, na Primeira Década após o discurso de Truman, consideraram-se os
aspectos sociais e econômicos separadamente; na Segunda Década os
personagens do desenvolvimento (teóricos, burguesia etc.) preocuparam-se em
fundir os dois, não por serem bonzinhos ou por estarem preocupados com os
pobres, mas porque para que o desenvolvimento se expanda é necessário eliminar
os obstáculos; as relações financeiras precisam estar livres desses aspectos para
própria manutenção do progresso.
Contudo, “a economia não reconhece qualquer limite a sua aplicação”. (ESTEVA,
2000, p. 74). Não será o desenvolvimento em si que acabará com os problemas das
sociedades. É impossível associar o insociável.
A lei da escassez sobre a qual a economia está baseada é um dos exemplos do
quão distante o aspecto econômico é da sociedade. Como citou Esteva:
“A „lei da escassez‟ foi elaborada por economistas para descrever a premissa técnica de que as necessidades humanas são imensas, para não dizer infinitas, enquanto que seus recursos são limitados, embora improváveis. A premissa pressupõe a necessidade de escolhas sobre a alocação dos meios (recursos). Este „fato‟ define o „problema econômico‟ por excelência, um problema cuja „solução‟, na proposta dos economicistas, encontra- se no mercado ou no plano governamental.” (Esteva, 2000, p. 75)
A solução dos problemas econômicos não é enxergada na sua própria elaboração,
pois é uma idéia capitalista baseada na propriedade privada e na exploração do
homem e da natureza. O governo está mais preocupado em resolver as crises dos
empresários e ignorar os pobres.
Os próprios capitalistas esnobam o Estado quando a situação econômica é
favorável, porém correm para ele como crianças quando estão perdendo o lucro e o
Estado, comitê da classe dominante, tira de muitos para dar a poucos.
O mercado em si é um conflito, por isso a preocupação em expandir o mercado para
sustentar o mais alto possível o nível econômico de certa classe, ironicamente,
social. Este é um ponto importante, já que não são apenas os subdesenvolvidos que
sofrem com o desenvolvimento; mesmo comunidades próximas ao centro ou em
áreas desenvolvidas estão prejudicadas com má distribuição de renda ou pela
exploração dos seus recursos naturais. Da mesma forma a classe A, os mais
favorecidos pelo progresso industrial e econômico são prejudicados, mesmo que em
menor proporção, pois estão na sociedade, agem e são atingidos por suas ações.
Todo o planeta e a natureza, especificamente, é um dos campos que sofre com a
exploração e a industrialização. “Os problemas ambientais, desta forma,
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ultrapassam a fronteiras nacionais, suas conseqüências são globais e os autores
envolvidos transcendem uma única região ou país” (MINIZ e SANT‟ANA JUNIOR,
2009, p. 256).
Apesar da própria natureza não conter seres racionais, ela é causada por eles e os
prejuízos a ela se refletem nas relações sociais, na saúde, nas habitações, na
cultura. “O caráter problemático desses processos adviria do fato de colocarem em
risco a existência da vida na Terra, e, portanto, a sobrevivência da própria
humanidade” (CARNEIRO, 2005, p. 31)
A percepção da incompatibilidade entre os processos produtivos e a preservação da
natureza foi difundida desde o século XVIII, porém intensificou- se após a segunda
metade do século XX. Nesse contexto que surge o desenvolvimento sustentável que
“considera necessário e possível compatibilizar o „desenvolvimento econômico‟
indefinido com a diminuição contínua das desigualdades sociais e a preservação dos
„recursos‟ e equilíbrios naturais” (CARNEIRO, 2005, p. 27).
Anteriormente o desenvolvimento sustentável foi denominado de re-desenvolvimento
e significava “desenvolver outra vez o que foi mal desenvolvido ou já está obsoleto.”
(ESTEVA, 2000, p. 71) A denominação mudou e o significado sofreu algumas
alterações, porém o objetivo continua o mesmo: sustentar o desenvolvimento
econômico e não a manutenção da diversidade natural e social.
Mesmo com todos os males da industrialização e do processo econômico, o
desenvolvimento sustentável demorou muito tempo para ser incorporado na agenda
dos Estados Nacionais.
Em 1987 a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD)
ao concluir os seus trabalhos, propôs que o desenvolvimento econômico fosse
integrado à questão ambiental elaborando uma nova idéia do desenvolvimento
sustentável, contrária ao re-desenvolvimento. A nova concepção seria:
“desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades dos presentes
sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias
necessidades.” (CMMAD, 1991 citado por MUNIZ e SANT‟ANA JUNIOR, 2009. p.
261)
Dessa forma a Comissão “caracterizou o desenvolvimento sustentável como um
„conceito político‟, um „conceito amplo para o progresso social‟” (MUNIZ e
SANT‟ANA JUNIOR, 2009, p. 261). Em 1922, na Conferência das Nações Unidas
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para Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), o conceito foi incorporado
definitivamente nas agendas 2197 dos países.
Este conceito e as justificativas que o construíram estão fundamentados na ideologia
do capital, que explica os problemas sociais e ambientais por fatores externos ao
processo produtivo. Dessa forma, a CMMAD em seu documento defende que a
solução está na diminuição do crescimento populacional ou no modo como os
países atrasados utilizam os recursos naturais.
Estas medidas, como outras que apenas ampliavam as desigualdades, também
foram defendidas na Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio
Ambiente, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 197298. Infelizmente não houve
uma discussão sobre o consumo nos países centrais, que se tornam isentos de
culpa, culpando os pobres pela degradação do planeta. A questão não é a
quantidade que é consumida, mas o modo como se apropriam do meio ambiente e
do próprio homem.
É maravilhoso pensar que pelo menos a parte que foi idealizada sobre as gerações
futuras foi posta em prática, no entanto desenvolvimento econômico e
sustentabilidade não são integrantes, mas contraditórios. Mesmo que, por exemplo,
na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como
Rio + 10, foram apresentados os três pilares do desenvolvimento sustentável:
desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental, como se
fosse possível essa integração, o lucro é o fim de tudo e a sustentabilidade se tornou
uma válvula de escape para mascarar o interesse em acumular riqueza cada vez
mais. Como declara Kurz (1997) citado por Carneiro (2005):
“[...] o conteúdo sensível da produção é submetido a um procedimento econômico
puramente quantitativo com aparência de uma lei física. A moeda trabalha como um
robô social que não é capaz de diferenciar entre o saudável e nocivo, feio e bonito,
moral e amoral. Sob a pressão do mercado, o empresário é obrigado a obedecer,
em todas as decisões, à racionalidade monetária [...] como um neurótico que,
possuído por uma idéia fixa, toma sempre o caminho mais curto entre dois pontos,
sem levar em conta o prazer ou a dor [...]” (Carneiro, 20005, p. 32-33).
Por isso a distinção entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento
sustentável, porque a sustentabilidade não pode ser considerada isoladamente.
Contudo, o crescimento econômico não pode ser traduzido em igualdade social e
em preservação do meio ambiente, já o desenvolvimento sustentável é totalmente o
97
Foi um dos principais resultados da Eco- 92.Estabeleceu a importância de cada país, incluindo
empresas, governo, organizações não- governamentais para cooperar com os estudos de soluções para os problemas ambientais. 98
Embora apareça pela primeira vez em 1987, através da CMMAD, suas bases somente foram instituídas na Conferência de Estocolmo de 1972
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contrário, visa a qualidade ambiental e de vida dos indivíduos. As palavras de Eder
Carneiro esclarecem essa contradição:
“Há, portanto, uma contradição estrutural inarredável entre, de um lado, a
reprodução social orientada para o aumento „indefinido‟ do volume de mercadorias e
de riqueza abstrata, expresso em „quantidades‟ de moeda, e, de outro, a
consideração das „qualidades‟ específicas dos elementos, seres, condições e
processos naturais da biosfera que se prestam a outros usos sociais e à própria
reprodução dessas condições e processos” (Carneiro, 2005, p. 33-34)
A questão é que os efeitos provocados pela demanda dos recursos naturais
(transformados em matéria-prima) e/ou territórios é superior aos investimentos na
conservação desses para as futuras gerações. A exploração ocorre desde o
momento da extração da matéria- prima e o pior é que não é repassado no valor da
mercadoria. É chamado “externalidade” que “exclui do cálculo econômico de
qualquer investimento produtivo suas conseqüências aparentemente relacionadas
ao produto desejado” (MUNIZ e SANT‟ANA JUNIOR, 2009, p. 256)
Então, o investidor se apropria dos benefícios e a população carente deve pagar os
prejuízos (poluição, desemprego, desigualdade etc.). Somente é socializada a
destruição causada pelo capitalismo. Claro que a distribuição da degradação é feita
pela lógica rentável, ou seja, onde há população de baixa renda e que não pode se
defender é despejado os impactos ambientais, desenvolvendo ainda mais pobreza,
pois esses países são praticamente forçados a aceitar os empreendimentos e seus
riscos.
Já que ironicamente rejeitando não se desenvolverão, pois progresso econômico é
sinônimo de industrialização e posteriormente serão prejudicados por estar isolados
do sistema financeiro que administra o mundo, o capitalismo. A palavra de Acselrad
(2004) citado por Carneiro (2005) ilustra muito bem isso:
“O capital [...] mostra-se cada vez mais móvel, acionando sua capacidade de escolher seus ambientes preferenciais e de forçar os sujeitos menos móveis a aceitar a degradação de seus ambientes ou submeterem-se a um deslocamento forçado para liberar ambientes favoráveis para os empreendimentos [...] o capital [dispõe] da capacidade de se deslocar, enfraquecendo os atores sociais menos móveis [...] desfazendo, pela chantagem da localização, normas governamentais urbanas ou ambientais, bem como as conquistas sociais [...] [assim] o capital especializa gradualmente os espaços, produzindo uma divisão espacial da degradação ambiental e gerando uma crescente coincidência entre a localização de áreas degradadas e de residências de classes socioambientais dotadas de menor capacidade de se deslocalizar.” (CARNEIRO, 2005, p. 37)
Assim as grandes empresas transferem indústrias poluidoras para países que não
possuem legislação adequada para se proteger e com poucos recursos financeiros,
porém com muita mão de obra barata; enquanto nos países centrais permanecem
as instituições de pesquisa. Isso ocorre por vários motivos e alguns já foram
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discutidos, como a explicação por fatores externos, também a necessidade de imitar
os países avançados bem como a idéia de que a industrialização pode solucionar os
conflitos ambientais. Quando na verdade é preciso questionar sobre: será que esse
sistema apenas causa problema de reposição ou destrói a natureza?
Enquanto tudo isso ocorre os grandes empresários declaram a idéia de que “é verde
o ano inteiro”, pela concepção e defesa do desenvolvimento sustentável. No entanto,
as medidas em prol desse ambiente são pequenas comparadas com tanto que é
tirado. Concentrado, principalmente, na última etapa de produção, o consumo, por
isso a reciclagem é divulgada como salvadora do mundo quando todo o processo
anterior é camuflado para a maioria da população.
Ou, então, é comum destinar pouco do valor da mercadoria para a preservação do
ambiente ou para projetos sociais. Mas, é claro que já estava calculado para não
prejudicar o lucro e muitas vezes os investidores não fazem essas ações porque
querem, como foi dito anteriormente, compartilhar as benções recebidas. Na
verdade, muitos impostos são retirados ou diminuídos por causa dessas ações e é
uma forma de amenizar os estragos à sociedade, mesmo que o Estado, ou melhor,
a sociedade, tenha que pagar, por isso. Já que, quando se retira o imposto, a
sociedade está novamente pagando por algo que ela já pagou e foi afetada. Ou seja,
o estado paga para que as empresas corrijam os estragos feitos ao meio social
como um todo.
Até mesmo os gastos em políticas ambientais são considerados improdutivos,
apenas necessários para continuação do acúmulo de riqueza. As coisas naturais
são vistas a partir da racionalidade econômica e somente são importantes se forem
convertidas em matéria- prima ou recurso natural para produção de lucro. Como
explicou Eder Jurandir Carneiro:
“uma montanha não é uma referência geográfica ou uma paisagem a que se está afetivamente vinculado [...] sim um conjunto naturalmente produzido de matérias- primas (minérios, madeiras) e condições (o solo, a forma do relevo).” (CARNEIRO, 2005, p.33)
O interesse com o uso das condições naturais para a produção de mercadorias de
forma planejada não se trata de uma invenção das últimas décadas; desde o século
XIX intelectuais e políticos já elaboravam propostas para o uso “racional” dos
recursos naturais e das condições naturais para o desenvolvimento econômico.
Contudo, a destruição ambiental e social que prejudicaram a utilização dos meios
naturais na produção forçou a elite a afirmar e apoiar projetos para o uso “racional”
dos recursos. Apesar das desigualdades construídas pelo crescimento econômico a
visão desenvolvimentista de progresso e incorporação dos países do terceiro mundo
continua; apenas almejam reverter o quadro, ou seja, amenizar, no entanto, não
transformar a estrutura econômica.
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Por esse motivo, o desenvolvimento sustentável é avaliado como doxa , pois como
afirma Bourdieu o doxa “ é um ponto de vista partcular, o ponto de vista dos
dominantes que se apresenta e que se impõe como ponto de vista universal.”
(BOUDIEU,1994, citado por ZHOURI, LASCHEFSKI e PEREIRA ,2010, p.40).
A própria palavra “racional” na expressão “uso racional” deve ficar entre aspas, pois
na verdade é utilitarista e acumulativa. A doxa sustentável e desenvolvimentista
constrói um “inconsciente sobre o silêncio”, ignoram-se as perdas do progresso
econômico para realizar parcerias em busca do capital com a linguagem da
sustentabilidade.
Através da ideologia do desenvolvimento a economia da acumulação e a produção
de mercadorias são distanciadas das discussões. A teoria desenvolvimentista e
sustentável é manuseada por interesses particulares e muitas vezes em uma
linguagem técnica que permite à poucos participar dos debates. Através das lutas
nas quais adversários se declaram fiéis ao desenvolvimento sustentável, tornam-se
cúmplices na medida em que fortalecem a noção de desenvolvimento sustentável e
validam essa noção aquém de qualquer questionamento. Portanto, a doxa do
desenvolvimento sustentável é produto dos conflitos nas questões ambientais.
Além disso, há outros meios de manipular a concepção coletiva de desenvolvimento
e sustentabilidade, como os meios de comunicação de massa. As propagandas da
Vale são exemplos de falsa consciência, quando afirma ações para o benefício do
Maranhão, quando na verdade a exploração é maior e a população não tem
conhecimento do funcionamento da empresa e até mesmo do poder de
convencimento da mídia.
O conceito doxa (crença comum, opinião popular) surgiu em oposição à epísteme
(saber verdadeiro) e expressa os conflitos do desenvolvimento e da
sustentabilidade, como pôde ser analisado durante todo o texto. Portanto,
incorporou-se na consciência coletiva uma falsa idéia de desenvolvimento e
sustentável que permite a reprodução de mercadorias e desse modo não somente
ocorre o consenso entre os adversários no capitalismo como fortalece o discurso e
as práticas pela própria inconsciência, reforçando a doxa.
As estratégias de desenvolvimento sustentável geraram todo um sistema regulatório
e institucional como fóruns internacionais ou nacionais; legislações ambientais;
mecanismos de licenciamento ambiental. Já no setor privado há o desenvolvimento
de novas tecnologias ditas ambientais e empresarias. Na verdade, as parcerias são
as novas estratégias de confronto, sendo que o foco deixou de serem as empresas
em si, mas as políticas ambientalistas prejudiciais ao meio ambiente e as
populações mais atingidas.
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Com o discurso da sustentabilidade, o ambiental vira mercadoria; nas empresas
existem as gestões ambientais que se especializam em desenvolver produtos não
prejudiciais ao meio ambiente. Mas, também, o que se desdobra dessa nova
iniciativa é que essas mercadorias incrementam o mercado, tornando- o mais
competitivo. Com isso há uma tomada de consciência, porém continua contraditório,
pois seguem outros fatores que afetam a vida no planeta.
Com essas medidas até parece que a solução está na mão do mercado, mas na
verdade não está, é muito mais complexo. Quando, na realidade, muitas dessas
empresas não estão preocupadas com a sustentabilidade, mas com o lucro que
esses produtos irão trazer. Como Andréa Zhouri e Klemens Laschefski (2010, p.14)
declararam: “A maior parte das ações ambientalistas tem se concentrado nos
esforços para uma espécie de „pedagogia‟ voltada para o esverdeamento do
empresariado, ou seja, estratégias de convencimento para adoção de planos de
gestão ou manejo ambiental.”
Também as tecnologias inventadas pelos homens são totalmente antiecológicas.
“Assim, por exemplo, a produção e o uso de automóvel pela queima de combustíveis
fósseis, implicam necessariamente a produção de impactos ambientais
extraordinários” (CARNEIRO, 2005, p. 33) Portanto, seria necessário criar novas
tecnologias, o que com certeza muitos não querem fazer; justificativas não faltam:
custa muito caro, demora muito tempo, etc.
De certa forma, necessitaria alterar o próprio sistema, pois o capitalismo não existiria
se não houvesse propriedade privada e desigualdade na distribuição dos lucros e
nas relações de produção. Por exemplo, o desemprego que apenas altera a taxa
para mais ou para menos, porém sempre haverá porque o capital é desigual em si
mesmo.
Órgãos da sociedade civil fazem frente em defesa de uma sociedade mais justa
através de ONGs, movimentos, protestos, votos, etc., Na verdade, esse sistema
ainda não explodiu porque há instituições e pessoas atuando em vários pontos do
processo de produção.
O Estado deveria ser cem por cento em defesa dos pobres, contudo sua atuação é
importante para essa manutenção socioeconômica contraditória. “A mediação
estatal faz-se presente para assegurar o provimento das condições naturais como
condição da produção capitalista, ao mesmo tempo, deve responder às pressões de
classes e grupos sociais interessados em outros usos das condições naturais”
(CARNEIRO, 2005, p. 29).
A posição do Estado é ambígua, “de um lado, surge como implementador das
políticas conservacionistas autocráticas que acirram conflitos ambientais; por outro
lado, surge como mediador que, por vezes, se posta ao lado das populações
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atingidas.” (ZHOURI e LASCHEFSKI,2010, p.17). Esse comportamento do Estado
prejudica as diferentes populações ameaças, pois estas sofrem com a instabilidade
do sistema, já que são considerados como entraves ao desenvolvimento.
Portanto, o Estado fica em cima do muro, só que mais para o lado do capital, como
Weber falou o próprio Estado é uma empresa e nesse sistema não é de todos, mas
de poucos. É uma das estratégias dos empresários é terem defensores no governo,
afinal, o Estado é uma proteção aos investimentos e ao mesmo tempo necessita
destes em seu território. As palavras de Kurz (1997), citado por Carneiro, (2005)
revelam essa integração entre Estado e Mercado: “[...] quanto mais total for o
mercado, tanto mais será o Estado; quanto maior economia de mercadorias e de
dinheiro, tanto maiores serão os custos anteriores, os custos secundários [...] e tanto
maiores serão também a demanda financeira do Estado.” (CARNEIRO, 2005, p. 30).
O Estado repõe constantemente aspectos que são condições para o funcionamento
do sistema como: “o provimento de „agregados infra-estruturais‟; o tratamento dos
„problemas sociais‟ (saúde e seguridade para idosos, doentes, etc.) e ecológicos; a
concessão de subsídios e protecionismo contra a concorrência estrangeira”
(CARNEIRO, 2005, p. 35). E, muitas vezes, é ignorado sendo convocado apenas em
momentos de crise.
Ou, então, por meio da globalização livram-se do Estado, porém isso corrói quem
regula, já que há liberdade dos tributos para a exportação, por exemplo, contudo
enfraquece o Estado para proteger nas condições gerais á continuação do processo
de acumulação. Por isso, o Estado é submisso às normas da economia global o que
dificulta um direcionamento político em defesa da diminuição do ritmo de destruição
do planeta.
Concluindo, realmente deve haver voz em defesa de uma melhor qualidade de vida
e em defesa da natureza. Contudo, é uma ilusão que possa haver um consenso
entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável. Pois, o discurso
sempre está limitado ao econômico; a questão não é a privatização dos recursos ou
as multas pela poluição, está além do econômico. Somente com a “abstração que se
faz a respeito do conteúdo „daquilo‟ que se desenvolve” (CARNEIRO, 2005, p. 36) é
possível acreditar e praticar a integração entre os dois mecanismos.
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, Eder Jurandir. Política ambiental e a ideologia do desenvolvimento
sustentável. In: ZHOURI, André; LASCHEFSKI, Klemens; PEREIRA, Doralice
Barros. A insustentável leveza da política ambiental – desenvolvimento e
conflitos socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. pp. 27- 47.
ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang (editor). Dicionário do
desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M
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2000. PP. 59 -83.
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sustentável: uma discussão crítica sobre a proposta de busca da sustentabilidade
global. In: SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio de Antunes; PEREIRA, Madian J. F; ALVES,
Elio J. P; PEREIRA, Carla R. A (Org). Ecos dos conflitos socioambientais: a
RESEX de Tauá- Mirim. São Luis: EDUFMA, 2009, p. 255-276.
SILVA, Maria das graças e. Questão ambiental e desenvolvimento sustentável:
um desafio ético-político ao Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010. Cap. 3. P. 162-
214.
ZHOURI, Andréa;LASCHEFSKI, Klemens. Desenvolvimento e conflitos ambientais:
um novo campo de investigação. In: ZHOURI, Andréa;LASCHEFSKI, Klemens
(Org.). Desenvolvimento e conflitos ambientais – Belo Horizonte: Editora UFMG,
2010.p 439-462.
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19 LEIS DE TERRAS 1850 (BRASIL) E 1969 (MARANHÃO) E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA POVOS E GRUPOS SOCIAIS TRADICIONAIS:
CONTEXTUALIZAÇÕES, DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS, UMA PERSPECTIVA
HISTÓRICA.
Tamires Rosy Mota Santos99; Polliana Borba100; Horácio Antunes de Sant‟Ana
Júnior101
RESUMO
O modo de colonização do país concretizado através dos movimentos de entradas
das bandeiras, dentre outros, objetivava não somente o conhecimento do território,
mas também a procura de fontes de riqueza para o colonizador. O século XIX
transformará os paradigmas até então conhecidos, a recém-nação independente
viverá seus momentos de adaptação. A valorização da terra presente nos diversos
discursos, na metade do século XIX terá respaldo jurídico com a criação da lei nº
601 de 1850 que estabeleceu o direito agrário brasileiro de modo a disciplinar as
regras da propriedade de terra. Segundo esta lei só poderia ser dono de terras quem
comprovasse haver comprado a propriedade. Esse foi o passo para as demais leis
que tratassem das terras conhecidas como devolutas. No Maranhão, a lei de 1969,
semelhante a lei de terras de 1850, dará continuidade ao processo de expansão e
modernização do Brasil. Nessas premissas cabe observar contextualizações,
semelhanças e implicações dessas leis para povos e grupos sociais tradicionais
envolvidas no processo. O interesse da nossa discussão é que a lei de terras do
Maranhão, da mesma forma que a lei de 1850, concretiza um plano para
modernização da agricultura e assegura a posse da terra aos grandes latifundiários.
Palavras chaves: terra; modernização; expansão agrícola; comunidades
tradicionais.
99
Graduanda em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) coordenado pelo Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Profa. Dra. Madian de Jesus Frazão Pereira e Prof. Msc. Bartolomeu Rodrigues Mendonça (PPGCSoc/UFMA). 100
Graduanda em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) coordenado pelo Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Profa. Dra. Madian de Jesus Frazão Pereira e Prof. Msc. Bartolomeu Rodrigues Mendonça (PPGCSoc/UFMA). 101
Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC/UFMA) e coordenador do
Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda uma temática já discutida por intelectuais da área
sociológica e jurídica, quando trabalha com assuntos que dizem respeito aos meios
de como se obtém a propriedade. O que demonstramos nesse artigo trata-se de
uma abordagem histórica de como as impressões do passado refletem no presente
os efeitos de leis que elaboradas num dado momento da história legam suas
conseqüências na contextualização contemporânea. Cabem observações, então de
como as representações dos discursos utilizados em dado período satisfazem na
forma de construção e legitimação de interesses de uma classe dominante.
De acordo com Linhares,
“No Brasil, a história agrária não tem sido a preferida dos historiadores, e tão pouco do grande público. Afinal de contas é uma história sem heróis, sem grandes políticos e sem batalhas. Seus atores são anônimos trabalhadores do campo, escravos do eito, pequenos ocupantes de glebas quase sempre provisórias. São também grandes fazendeiros e latifundiários. Sua vida, no caso brasileiro, tem sido, no entanto, muito mais marcada pela escassez do que pela abundância. Seus atores foram homens e mulheres, meros figurantes, que ocuparam a fronteira aberta, que povoaram o interior do país e alargaram os horizontes de um novo mundo.” (2002, p.141)
Ou seja, serão deixados de lado os principais atores da construção histórica. No
Brasil por diversos momentos atuaram como meros figurantes, sendo postos a
margem da história e mesmo quando participantes fundamentais nos principais
acontecimentos não foram reconhecidos e sim tidos como desordeiros e subversivos
contrapondo-se a ordem vigente.
Assim reafirmamos as palavras de Linhares (2002), quando ocultamos os agentes
construtores da história agrária. O Brasil suplantará esses agentes não somente de
forma coercitiva, mas também de uma forma constitucionalizada. Para tal afirmação
abordaremos a Lei de Terras de 1850, criada durante o período imperial no Brasil, e
a Lei de Terras de 1969 no Maranhão, conhecida como Lei Sarney.
Ambas comungam do processo de expansão e modernização do Brasil. Sendo
então caso de estudo as contextualizações, semelhanças e implicações dessas leis
para povos e grupos sociais tradicionais. Tais grupos encontram-se no limite de seus
territórios sendo engolidos pelos interesses de determinadas (im) posições político-
econômicas. Com isso expõe-se que a lei de terras do Maranhão, da mesma forma
que a lei de 1850, concretizou de forma mais rápida e legal processos de
“desapropriação” de terras tidas como devolutas seguindo diretrizes de
modernização da agricultura e também como formar de assegurar a posse da terra
aos grandes latifundiários.
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2 TERRA COMO FUNDAMENTO
A expansão ultramarina é o passo primordial para as novas descobertas, o
explorador parte em busca daquilo que melhor seja aproveitado para sua “nação de
origem”. As primeiras descobertas de terras aguçam a ambição dos desbravadores
em busca de riquezas minerais e matérias-primas para serem utilizadas no Velho
Mundo.
O “achamento” da terra que viria a ser chamado Brasil envolveria não somente a
exploração das terras e suas riquezas como também a “domesticação” dos nativos
que viviam no território. O descobridor toma posse da terra e impõe seu modo de
vida e constrói a partir desse momento sua história anulando a dos demais povos.
De acordo com Victor Asselin (2009), o Brasil perde sua autonomia territorial no
momento em que os portugueses aqui aportaram, não falamos somente de território,
mas também de uma gama de histórias que se perdem na ocultação do ser inferior
em exaltação do europeu, o colonizador.
A história será escrita por aqueles que precisam ser lembrados, ou seja, de forma
alguma veremos a resistência dos que lutam por manter-se no tanto no local de
moradia como pela própria sobrevivência, independente do grupo a qual pertença –
o índio, o negro, os menos abastados, entre tantos sem nome – continuaram a
serem excluídos da construção da nação brasileira.
Construção essa que perpassa pelos anseios de muitos, no entanto poucos seriam
os favorecidos. O ponto fundamental da história brasileira encontra-se em saber
quem é dono do que e a quem pertence a terra “descoberta”, a seus habitantes -
nativos sem fé, sem lei e sem rei102 - ou aos “descobridores” - sociedade civilizada?
Nesse momento constitui-se o conflito que por mais de séculos seria resolvido a
ferro e fogo e também a pedra no sapato da nação chamada Brasil.
No decorrer da história, observa-se o quanto a terra será vista como motivo de
extremas disputas, em um primeiro momento entre o nativo e o “descobridor”, em
seguida por demais nações na busca por mais territórios e muito mais tarde entre
empreendimentos desenvolvimentistas e comunidades tradicionais103. A importância
desse bem para as sociedades distingue-se em seus valores ora tida como meio de
subsistência ora como mercadoria, para tais casos, em geral, encontra-se a
resistência daqueles que acreditam fazerem parte da defesa do que se teve em
102
Sobre isso ver MELLO E SOUZA, Laura. História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 103
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais; que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição (...). (Decreto SNUC n° 6040 apud SANT`ANA et all, 2009, p.115)
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algum momento: a liberdade de escolha de moradia e pertencimento ao lugar em
que se vive.
O fundamento primordial das sociedades em se manterem em determinada
localidade encontra-se no que essa pode lhes oferecer, com isso fixam não somente
pessoas, mas além de tudo histórias que se entrelaçam com o meio no qual se
encontra inserido. Torna-se nesse momento difícil compreender como um vasto
território pertence a tão poucos donos, enquanto outra maioria sofre as impunidades
impostas pelos dominantes e pela dura realidade de se viver a mendigar um pedaço
de chão onde se possa trabalhar e sobreviver.
As lutas relatadas na historiografia não tratam apenas de manutenção da ordem,
pois de acordo com Victor Asselin (2009), os vários povos que aqui chegaram, entre
dominadores e escravizados construíram suas histórias em meio ao poder e a glória,
a humilhação, a luta e a sangue, ou seja, não é somente uma questão de espaço
preterido, mas de superioridade e dominação.
3. TERRA COMO MERCADORIA: LEI N° 601 DE 1850, NO BRASIL IMPÉRIO
O século XIX foi um período de modificações no Brasil, pois compreende o
pensamento de construção do Estado Nação a partir de um olhar desenvolvimentista
(progressista) dando enfoquepara as estruturas de poder, para a manutenção das
desigualdades e para a concentração da riqueza nas mãos de poucos, para
iniciativas de fazer e para as repressões desse fazer.
De acordo com Hobsbawm (2011), a terra será motivo determinante para a vida ou
morte dos seres humanos, ainda que essa contextualização não seja de referência
ao Brasil observamos indícios de conflitos em muitas regiões brasileiras, sendo que
suas pontuações não fogem ao período descrito no texto, além disso, recordamos a
intensa necessidade do Brasil em busca do crescimento econômico que de acordo
com o autor citado “a grande camada de gelo dos sistemas agrários tradicionais e
das relações sociais do campo em todo o mundo cobria o fértil solo do crescimento
econômico” (p. 240).
Hobsbawm (2011) chama atenção para as mudanças que precisam ser feitas em
relação aos sistemas descritos acima, categorizando três tipos de mudança, na qual
apenas abordaremos duas:
“Em primeiro lugar, a terra tinha de transformada em uma mercadoria, possuída por proprietários privados e livremente negociável por eles. Em segundo, tinha de passar a ser propriedade de uma classe de homens desejosos por desenvolver seus recursos produtivos para o mercado e estimulados pela razão, isto é, pelos seus próprios interesses e pelo lucro (...).” (p. 240).
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Com isso observamos que o Brasil não era exceção em preocupar-se com as terras
devolutas em seu vasto território, assim como de determinar o legítimo dono da
terra. Essa valorização da terra, presente nos diversos discursos, na metade do
século XIX terá respaldo jurídico com a criação da lei Nº601 - Lei de Terras de 1850
- promulgada pelo Império, que teve como “objetivo disciplinar o sistema fundiário.
Na prática pretendeu-se com isso, discriminar as terras públicas das particulares
liberando, assim, as terras devolutas para empreendimentos governamentais.”
(COELHO, 1990, p.107). A partir de então, a compra de terras passou a ser a única
forma de adquiri-las, possibilitando a posse destas somente aos mais abastados,
oficializando o latifúndio.
A Lei de Terras de 1850 colocaria um “fim às formas tradicionais de adquirir terras
através de posses e através de doação da Coroa” (VIOTTI, 1994, p.140, apud
TAGLIETTI, s/a), assim como pôs em questão preocupações quanto à substituição
de mão-de-obra, pois no mesmo ano tornou-se oficializado o fim do Tráfico de
Escravos Africanos, pela Lei Euzébio de Queiroz, por pressões inglesas. Essa lei
dificultava a reposição da mão-de-obra e a continuidade do sistema de produção.
A Lei de Terras de 1850 teria também como um dos objetivos subentendidos a
expansão da lavoura, que seria prejudicado com a escassez da mão-de-obra, no
entanto, poderia a vir ser suprimido pela importação dessa. De acordo com Pedrosa,
“o novo regime do trabalho livre impunha não somente uma política de importação
de mão-de-obra, como também a manutenção do emergente meio de produção (a
terra) nas mãos dos mesmos privilegiados”. (s/a, p.5) Ou seja, o regime de trabalho
poderia ser diferente, mas continuaria a manter as mesmas posições do regime
anterior, a manutenção da elite.
Segundo o artigo primeiro da lei n°601 de 18 de setembro de 1850, “Ficam proibidas
as aquisições de terras por outro título que não seja o de compra”, instituiu-se a
partir desse momento, a terra como mercadoria, crescendo o monopólio sobre o
latifúndio. A propriedade capitalista não visa a terra como patrimônio comum, como
um bem natural seu princípio baseia-se na exploração que o capital exerce sobre o
trabalhador, este sem instrumentos para auto se sustentar passa a viver sob as
rédeas da ordem capitalista.
Segundo Martins, “o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de
negócios, em terras de exploração do trabalho alheio, quando o trabalhador se
apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho.” (1991, p. 55). Lembramos
que essa mercadoria não estava acessível a todos que dela precisassem as leis até
então não foram criadas para uma minoria, não incluem os índios em sua sociedade
já formada e nem o escravo, tanto o liberto quanto fugitivo, que passam a formar
quilombos em áreas distantes não só como forma de sobrevivência, mas também
como forma de resistência.
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Em contrapartida a propriedade familiar, como as dos pequenos lavradores,
quilombolas, indígenas e arrendatários e outras populações tradicionais que
sobrevivem de sua pequena propriedade, não visam lucro apenas sua subsistência,
esses grupos são dinamicamente envolvidos em seu meio social, “os seus ganhos
são ganhos do seu trabalho e do trabalho de sua família e não ganhos de capital,
exatamente porque esses ganhos não provem da exploração de um capitalista sobre
um trabalhador expropriado dos instrumentos de trabalho.” (MARTINS, 1991, p. 54).
Sendo assim não é de possível compreensão as populações do período o novo
regime de compra de terras, pois beneficiava apenas aos mais abastados,
assegurando-lhes a posse. Os que na terra viviam, na maioria das vezes não
detinham condições de obter-la, ocasionando números de pessoas que continuariam
na terra, mas sob a tutela de um senhor e aos novos trabalhadores livres resta
novamente a submissão.
4 USURPAÇÃO DA TERRA: LEI N°2979 DE 1969 NO MARANHÃO
Na vigência do regime militar, o Maranhão vive o período autodenominado de "Maranhão Novo". O "moderno" aparece como sinônimo de um aparelho burocrático racional e de uma nova ordem político-administrativa voltada para a construção de um projeto para o estado. Esta política do desenvolvimentismo teve o seu ponto alto com a criação da SUDEMA (Superintendência de Desenvolvimento do Maranhão), que se constituiu no espaço de convergência das várias ações do governo (configurada numa infra-estrutura moderna de transportes, construção do porto e modernização conservadora de uma estrutura fundiária, todo este pacote apresentado como condição do desenvolvimento do Estado). (BARBOSA, s/a, p.03)
O contexto maranhense descrito acima é o período em que a nova ordem política
não somente almeja como colocaria em prática seus projetos de modernizar a
agricultura do estado com o apoio de grandes investimentos levariam adiante a ideia
de implantar um padrão moderno de manejo agrícola e pecuário.
O Maranhão do período dos anos 60 é um retrato da pobreza, da fome e do
abandono da população e descaso das autoridades, tornando-se terreno apropriado
para que fosse possível concretizar os anseios de melhoria divulgados nos discursos
da política104. Em contrapartida começa uma verdadeira expulsão em massa dos
camponeses de suas terras, para darem lugar a essas melhorias, ocasionando
também um inchaço populacional urbano da cidade.
Os projetos arquitetados pela ordem política nacional envolveriam também o estado
do Maranhão, foi o tempo da criação da infra-estrutura onde viabilizava a construção
de estradas para beneficiamento dos futuros empreendimentos, com isso
acalentava-se o sonho de mudança da realidade social.
104
Sobre isso ver Rocha, Glauber. Maranhão 66. 1966, documentário.
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Para tais interesses concretizados, fez-se necessário a utilização da legislação
criando-se durante o período de governo de José Sarney a “Reserva Estadual de
Terras, pelo decreto 3.831, de 6 de dezembro de 1968, e seus órgãos as Delegacias
de Terras no interior do estado ligadas a Secretaria da Agricultura, (...). as
delegacias não tiveram outro objetivo a não ser de disciplinar a ocupação e o de
titular as aéreas.” (ASSELIN, 2009, p.152). As terras nesse momento deixam de ser
de domínio publico para serem de domínio privado.
Seguidamente a esse ato é elaborada a “Lei 2.979 regulamentada pelo decreto
4.028, de 28 de novembro de 1969. Com a nova lei, facultava-se a venda das terras
devolutas sem licitação, a grupos organizados em sociedades anônimas, sem
número limitado de sócios podendo requerer cada um até 3.000 hectares”
(ASSELIN, 2009, p.152).
Conseguinte,
A terra como valor de troca foi, sistematicamente, concentrando a maior parte de terras agricultáveis nas mãos de poucos. Prática que ao mesmo tempo expulsa homens e mulheres que se definem como camponeses, deixando-os (as) sem terra e sem trabalho. O processo que mostra a concentração fundiária é o mesmo que mostra a resistência dos trabalhadores e trabalhadoras sem terra, que buscam se organizar para lutarem pelo direito de ter uma vida digna no campo. A realidade conflituosa do campo maranhense revela dois aspectos importantes da questão agrária no estado. O 1º é a concentração fundiária. O 2º é o descontentamento das famílias camponesas que ao serem expulsas do seu lugar de trabalho e de vivência, resolvem lutar pelo direito de viver e trabalhar dignamente no campo. (ALMEIDA, 2008, p.14)
A distribuição das terras, como fica claro na citação acima visa um pequeno grupo
privilegiado de interesses econômicos restritos, a lei legitimava essa distribuição de
terras públicas a particulares sob a alegação da existência de terras devolutas.
Assim como destacará a inexistência de grupos de pessoas no território a ser
desapropriado, sob alegação de serem terras para negócios.
Esse contraponto da inexistência de grupos sociais expõe dois fatores em destaque,
sendo o primeiro conhecido como grilagem (uso privado de terras devolutas) que a
partir dessa lei torna-se regulamentado “formalmente” e o segundo é a intensificação
de conflitos entre grileiros e os que serão denominados posseiros. Sendo assim,
concordamos com Victor Asselin (2009) quando trata a lei de terras como uma forma
de oficializar a inutilidade do lavrador em desenvolver o Estado, pois essa tarefa
seria somente conseguida através dos capitalistas.
A modernização acelerará o processo de violência já presente nas regiões do
interior maranhense, a expulsão das famílias tradicionais nas localidades almejadas
será o ápice para a guerra entre essas e o que se dizem donos das terras. O
desenvolvimento é palavra de ordem, pois,
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Diz o art. 14, caput, da Lei 2.979/69: “Não serão alienadas nem concedidas terras a quem for proprietário rural no Estado, cuja área ou áreas de sua posse ou domínio não sejam devidamente utilizadas com explorações de natureza agropecuária, extrativa ou industrial.” (PEDROSA, s/a, p. 19)
Sendo assim, fica expresso legalmente que os trabalhadores rurais em suas
pequenas posses não estavam incluídos nesse meio desenvolvimentista. O
interesse do Estado mais parecia voltado a satisfazer grupos de investidores, pois o
passo seguinte seria a oferta dessas terras, de acordo com Pedrosa, “as Empresas,
grupos de fora do Maranhão, foram atraídas mediante anúncios de terras
baratíssimas, sem concorrência pública e sem leilão, a preços vantajosos, sem juros
e sem correção monetária.” (s/a, p. 19).
Ou seja, estava fácil demais para as empresas conseguirem apropriar-se das terras
para implantarem seus investimentos. Novamente observamos os interesses dos
privilegiados da ordem política sendo expostos e o discurso do bem comum do
direito a propriedade a todos, ao livre arbítrio dos que mandam e detém o poder.
A Lei de Terras, no Maranhão, ficou conhecida como Lei Sarney de Terras, por ser
uma das principais medidas tomadas durante seu governo que auxiliou na
construção territorial do Maranhão que conhecemos hoje. Devido a essa, muitos
empreendimentos e novas localidades surgiram no território sendo acompanhados
de conflitos fundiários.
5 CONSIDERAÇÕES
Camponeses! Arranquem a máscara desses lobos disfarçados de cordeiros, que vos embalam com belas palavras como “liberdade”, “igualdade”, “unidade da democracia do trabalho”, e que, na prática, defendem a “liberdade” para os latifundiários oprimirem os camponeses, a “igualdade” entre os capitalistas abastados e os trabalhadores e camponeses esfomeados, (...). (LENIN, 1980, p.7)
A respeito dos problemas latifundiários, é possível ressaltar que não são recentes,
no entanto quando observados, em geral satisfazem grupos de pessoas de um
determinado sistema, seja econômico, político ou social. É através do discurso
inferido por esses que se baseiam palavras que alimentaram os anseios de ordem
de qualquer que seja a sociedade.
A legislação adotada durante o período imperial, como vimos, dedicava-se ao fato
da expansão territorial, assim como já demonstrava preocupações com o
desenvolvimento das lavouras, ou seja, em nome de um bem maior - a construção
de uma nação moderna e civilizada - excluem-se os demais não interessados no
processo. Percebe-se, nas políticas desse período, posições de significativa
relevância para resolver a questão, a exclusão total desses elementos do âmbito
legal e social.
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Observamos resquícios do processo legislativo tanto da colônia quanto do Império -
referentes à problematização da terra - como falhas legadas a atual política agrária,
esta que nunca foi elaborada para o bem estar geral da nação, como prever a
constituição. Diante disso, entendemos ser de grande relevância para a história,
assim como para todas as áreas de ciências sociais e humanas, o estudo da
realidade agrária, pois não se trata só de relatar ou fazer-se conhecer os conflitos,
mas entender e dar início a medidas que possam mudar o cenário vivido para que
se possa evitar a repetição.
No entanto, a cada dia o tempo presente desfaz o futuro dos que desejam melhorias
para populações que são excluídos da construção da história ou expulsos do local
de origem na alegação de um bem comum, o desenvolvimento. Nesse momento
necessita-se pensar qual o significado dessa palavra e quando a humanidade
chegará ao fim desse acelerado progresso.
Constatamos que o país esta sempre em busca do desenvolvimento e que o Estado
apoiará processos como a grilagem e a regulamentação de leis que privilegiem
pequenos grupos. As leis expostas no trabalho definem em seu objetivo o quanto o
estado nação estava interessado em acompanhar o ciclo econômico de crescimento
presente nos séculos. Ao entrarem em vigor, as observações fazem se necessárias
devido ao contexto diferente em que se inserem, pois os objetivos ora serão
comuns.
A Lei de terras de 1850 é recorrente de uma crise na mão-de-obra, como vimos logo
se tornaria escassa. Enquanto a Lei Sarney principiava desenvolver o Estado
através da expansão agrícola com o auxílio e implantação de grandes
industrializações. Enquanto a primeira busca assegurar a posse da terra aos seus
donos - ainda que favorecesse apenas o grande proprietário - a segunda tratará de
por a venda qualquer pedaço de chão que não possa participar do sonho de
modernização. Ao longo desses períodos de construções legislativas se nota a
expulsão dos mais diversos grupos sociais de suas áreas de origem, pois esses são
tidos como grandes obstáculos.
Com isso, percebe-se que por vezes as contextualizações diferem, mas os objetivos
possivelmente sejam mais semelhantes que o esperado, pois tanto a lei de 1850,
promulgada durante o Império, quanto a lei de 1969, no Maranhão foram impostas
em um período de modernização da agricultura em que o princípio básico estava
assegurar a posse da terra para a elite dominante.
As aproximações direcionam a se pensar a realidade desse século e o quanto essa
se apresenta sujeita ao passado, observando o quanto regulamentações “tão
drásticas” influenciam na vida de centenas de pessoas e o responsável por ampará-
las, é o principal progenitor dos inconvenientes.
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São Luís- MA (UFMA)
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20 RESERVA EXTRATIVISTA DE TAUÁ-MIRIM: DISTINTOS AGENTES EM
DISPUTA
Tayanná Santos Conceição de Jesus105; Horácio
Antunes de Sant‟Ana Júnior.106
RESUMO
Com a implementação de grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão a
partir dos anos 1970, as populações afetadas pelos mesmos empreendem
diferentes estratégias para preservarem suas vivências, contudo os interessados
nos projetos também criam meios para conseguir seus intentos. O presente trabalho
tem por objetivo analisar as diferentes lógicas dos agentes envolvidos nos conflitos
em torno da constituição da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim (Zona Rural II de
São Luís - Ma), observando que comunidades tradicionais, Estados e empresas
compreendem de modos particulares a sua relação com a natureza. Foram feitas
entrevistas, acompanhamento de notícias relacionadas ao tema, pesquisa de campo
e nivelamento teórico. Conclui-se que, embora situadas num mesmo período
histórico (contemporaneidade) e espaço geográfico (ilha de São Luís), cada grupo
compreende diferentemente o que é o meio ambiente e segundo essas visões
apropriam-se do mesmo, embora nem sempre a fim de preservá-lo.
Palavras-chave: Conflitos ambientais; Reserva Extrativista de Tauá-Mirim
105
Graduanda em História pela Universidade Federal do Maranhão; componente do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente; Bolsista PIBIC/FAPEMA. 106
Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia (Desoc) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, ambos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente (GEDMMA).
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda as diferentes lógicas com que operam os grupos
envolvidos na disputa pelo território referente à Zona Rural II da ilha de São Luís,
correspondente às comunidades Taim, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros,
Vila Maranhão, Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e Tauá Mirim, cujo local vem
sendo pleiteado pelo governo do Estado do Maranhão e empresas como Vale e
Alumar para a instalação de outras empresas com a justificativa de que trariam
benefícios ao Estado, como: geração de emprego, desenvolvimento local e
utilização útil do território compreendido como território despovoado (ALMEIDA,
2004).
Os grupos em disputa compreendidos neste artigo são os que caracterizamos como
empreendedores – Estado e empresas – e comunidades tradicionais – as já
referidas acima. A diferenciação entre esses polos opostos se faz sob muitas
maneiras, e a que desejamos enfocar, como já foi supracitado, é a referente às
lógicas com que esses grupos operam, relacionadas à apropriação do território,
produtividade, preservação do meio-ambiente, continuidade e sobrevivência, entre
outras.
O presente trabalho faz parte de uma pesquisa iniciada em agosto de 2011
vinculada ao Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente
(GEDMMA), coordenado pelos professores Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior,
Bartolomeu Rodrigues Mendonça e Madian de Jesus Frazão Pereira107, que conta
com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão
(FAPEMA) e do CNPq, cujo tema é Análise dos conflitos socioambientais em torno
da constituição da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO: O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
No Brasil sob o regime ditatorial foram criados diversos projetos de cunho
desenvolvimentista, cujo principal objetivo, a partir dos mesmos, era situar o Brasil
entre as nações de primeiro mundo, seguindo a lógica progressista vigente no
período entre os anos de 1964 a 1985 (SANT‟ANA JÚNIOR, 2009).
Um dos principais projetos foi o Programa Grande Carajás, formulado a partir da
descoberta das jazidas minerais na Serra dos Carajás (PA), cuja constituição
possibilitaria a exploração do local e ainda a construção de uma malha ferroviária
para escoamento dos recursos e também transporte de pessoas. Para tanto,
afirmava-se que o território pleiteado para esse projeto era área livre, de
pertencimento nacional e inabitado e que, com a instalação dessas estruturas, uma
107
Os professores Horácio Antunes e Madian Frazão são vinculados ao Departamento de Sociologia e Antropologia (Desoc) da UFMA; o professor Bartolomeu Mendonça integra o quadro docente do COLUN (Colégio Universitário).
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parte do país antes considerada atrasada passaria a ser classificada como
desenvolvida (SANT‟ANA JÚNIOR, 2009).
Entretanto, estudos multidisciplinaresconstataram que as referidas terras
congregavam populações de ancestralidade secular, como sociedades indígenas
anteriores à colonização brasileira108 e sociedades camponesas com um histórico
longo de habitação do território. Portanto, para implantar um empreendimento de tal
abrangência os grupos interessados deveriam realizar estudos mais específicos e
que visualizassem essa outra realidade (ALMEIDA, 2010).
O histórico de conflitos que se desdobrou dos fatos citados é conhecido, embora
muitos dos embates que houveram nem sempre foram noticiados à população
brasileira respeitando a veracidade dos acontecimentos (LÖWY, 2005). Massacres
de populações indígenas e camponesas, áreas extensas desmatadas, degradação
do solo e dos recursos hídricos foram os problemas mais correntes derivados do
confronto entre o “desenvolvimento” e o “atraso”.
Atualmente, em anos posteriores à instalação do Programa Grande Carajás, viu-se a
continuação da busca por “progresso”, já que, apesar da mudança nos gestores do
país, ainda permaneceu a mesma ideia em seus planos de governo, pois o objetivo
continua sendo elevar a posição internacional do Brasil, trazendo-o ao grupo dos
países desenvolvidos, conforme a mudança de nomenclatura.
Para tal intento, numa parceria de governo federal, governo estadual e empresas
privadas, reservou-se ao Estado do Maranhão a instauração de um projeto que
objetivava trazer novas perspectivas e resultados ao Estado, vislumbradas na
construção de um Polo Siderúrgico em parte da ilha de São Luís. Este
empreendimento, enfim, traria ao Estado com os piores índices de desenvolvimento
do país109 um “sentido”110 na corrida desenvolvimentista (SANT‟ANA JÚNIOR et. al.,
2009).
Entretanto, assim como no restante da área onde se constituiu o Projeto Grande
Carajás, a região pretendida para a construção do Polo Siderúrgico era habitada,
também, por comunidades detentoras de modos de vida específicos e cuja
108 Estudos arqueológicos como os de Ana Roosevelt (FAUSTO, 2000) constataram na Amazônia,
especificamente na ilha de Marajó, a existência de sociedades indígenas milenares que possivelmente tenham sido difusoras de conhecimento e cultura para outros locais, até mesmo para a área Inca. Outros estudos identificaram também que em muitos locais da Amazônia, como no Pará, habitaram indígenas anteriormente à época da conquista, cujos descendentes, embora reconfigurando seu modo de vida ainda continuavam partilhando de conhecimentos milenares na área medicinal, por exemplo. 109
Atualmente, o Maranhão é o 25º colocado como Estado com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. 110
Para mais informações ver o capítulo 3 (Tempo do Aço: modernidade, desenvolvimento e progresso na Amazônia Legal Brasileira), especificamente o tópico 3.2 (O “tempo do aço” como vocação natural da Amazônia Legal Brasileira), da monografia de graduado de Bartolomeu Rodrigues Mendonça (2006).
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existência já se fazia a longo tempo111. Os interessados na criação desse polo
deveriam encobrir, nesse sentido, a existência dessas pessoas.
Com o enfrentamento desses grupos (comunidades e responsáveis pelo
empreendimento) surgiram conflitos de cunho econômico, político, social e cultural,
já que além da distinção socioeconômica, havia mentalidades antagônicas em
confronto, cujas noções de progresso e desenvolvimento não possuíam os mesmos
significados (ALMEIDA, 2010).
As comunidades Taim, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros, Vila Maranhão,
Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e Tauá Mirim112, mediante a nova situação,
formularam estratégias para garantir a sua permanência no local que, conforme
Acselrad (2004), constitui-se numa das prerrogativas dos grupos envolvidos em
conflitos113. Para tanto, associaram-se a entidades políticas, grupos universitários,
igrejas etc, com o intuito de conseguirem mais parceiros na resistência.
Seguindo exemplo de outros lugares do país, surgiu no meio das comunidades
afetadas a ideia da criação de uma área protegida por lei para que eles pudessem
continuar mantendo suas formas de vivência. A criação de uma reserva
extrativista114 – a RESEX de Tauá-Mirim – seria o meio mais viável para que o
objetivo dessas comunidades fosse alcançado, garantindo sua sobrevivência face às
novas configurações estruturais pretendidas pela implementação do Polo
Siderúrgico.
Embora o projeto do Polo Siderúrgico não tenha se concretizado115, outros
empreendimentos estão sendo implementados no local ou em suas proximidades, já
que esta é uma demanda dos governos e de multinacionais como a Alcoa e a Vale.
Respondendo a isso, as comunidades continuam buscando a efetivação da reserva
111
Em entrevista concedida às pesquisadoras Ana Maria Pereira dos Santos e Elizângela Maria Barboza em 2008, D. Máxima (Maria Máxima Pires – liderança do Rio dos Cachorros) afirmou haverem famílias que habitavam o local e que chegaram à 5ª geração, correspondendo ao período colonial brasileiro (SANTOS e BARBOSA, 2009). 112
Localizadas na Zona Rural II de São Luís. 113
Refiro-me ao conceito de durabilidade proposto por Acselrad (2004), no artigo As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais, presente na obra Conflitos Ambientais no Brasil. O autor fala de dois conceitos: durabilidade e interatividade, sendo que o primeiro refere-se aos sujeitos envolvidos nos conflitos acionarem no campo das representações “a capacidade de se dar durabilidade às condições materiais de exercício das atividades como um critério de legitimação ou de deslegitimação das práticas de apropriação do território e seus recursos.” 114
Modalidade prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) – Lei Nº 9.985, de 18 de julho de 2000, sendo que “a Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.” (Artigo 18). 115
Um dos motivos principais foi a resistência das comunidades em ceder seu território e ser
remanejadas para outros locais.
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e, observando tal contexto, esse trabalho delineará e analisará alguns conflitos de
cunho social e ambiental que aparecem derivados da necessidade de criação da
RESEX de Tauá-Mirim.
3 AGENTES EM DISPUTA
Segundo Acselrad (2004, p. 26),
Os conflitos ambientais são aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.
No processo de implementação da RESEX de Tauá-Mirim enfrentam-se lógicas
distintas de apropriação dos recursos ambientais, noção de território, contagem de
tempo, entre outras, que são fatores imprescindíveis para se compreender os
embates resultantes desse encontro de grupos variados (MENDONÇA, 2006).
Em primeiro lugar, é necessário destacar a diferença de noção de território que os
grupos envolvidos têm, pois o conceito de território pode abranger múltiplos
significados, desde área delimitada por limites geográficos até limites simbólicos,
como áreas de culto, por exemplo. Os grupos afetados pela chegada de empresas,
segundo Almeida (2004, p. 106), possuem “elementos de autodefinição e de
consciência de suas próprias necessidades. A partir deles pode-se afirmar que
fatores étnicos e identitários mostram-se capazes de delinear suas diferenças em
relação a outros grupos”, como as grandes empresas.
Perpassando o campo do simbólico, as definições que as empresas e as populações
tradicionais dão à natureza não são as mesmas. Se vista de um lado como parte de
sua vivência e ser vivo a quem deve-se respeitar como um igual, por outro é vista
como ser inanimado e que existe apenas como usufruto dos seres humanos,
respondendo à suas necessidades. Tais lógicas não são as mesmas e por referirem-
se a um mesmo elemento geram embates entre os grupos que as apregoam.
Imaginar que essas populações tradicionais não compreendem a lógica e objetivos
das grandes empresas interessadas no local onde vivem seria esquecer que esses
agentes possuem estratégias de sobrevivência116 e que uma delas consiste em
compreender o que as grandes empresas querem fazer no local. Em vários
momentos da pesquisa, percebeu-se uma constante atualização de membros das
116
Relacionado à possível implantação de um polo siderúrgico, Mendonça (2006, p. 76) afirma que “além da ação dos moradores, a partir do ano de 2004 diversos setores da sociedade ludovicense constituídos por professores, estudantes universitários, intelectuais, profissionais liberais, técnicos e políticos locais, em conjunto com lideranças dos bairros que possivelmente seriam deslocados, iniciaram a organização de uma forte resistência à implementação do empreendimento (...)”.
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comunidades em relação aos empreendimentos que chegavam na área. No trajeto
para um encontro de Educação Ambiental117 no dia 10/12/11, uma das participantes,
ao passar no local onde se instalaram os empreendimentos indicou com precisão os
nomes das empresas antigas, das que chegavam e suas especialidades, incluindo
os objetivos das mesmas em relação à área habitada pelas comunidades que
desejam a criação da RESEX.
Assim como os grupos afetados buscam se atualizar em relação ao discurso das
empresas, essas também buscam entender melhor as causas de luta das
populações afetadas, o que não significa que as aceitam como legítimas (ALVES,
2010; ALMEIDA, 2010). Sob o rótulo de empresa “em prol do meio-ambiente” e com
inúmeros selos que “atestam” sua responsabilidade ambiental, os produtos dessas
empresas chegam aos consumidores como frutos de um desenvolvimento
sustentável politicamente correto, que, no entanto, esconde toda a trajetória de
conflitos que envolve a sua fabricação118.
Empresas como a Vale e a Alumar, nesse sentido, criaram parques botânicos
próximos às suas instalações na área para, de certa forma, “compensar” os danos
causados ao meio-ambiente por sua implantação119. Segundo Beto do Taim, se um
membro das comunidades afetadas deseja visitar o local, necessita agendar a visita
com meses de antecedência, sendo que muitas vezes nem consegue agendá-la
(MIRANDA, MAIA e GASPAR, 2009). O parque botânico da Vale, construído sobre
território devastado com a chegada da mineradora, recebe alunos de várias escolas
de São Luís e municípios vizinhos, e um dos principais discursos dos guias
(funcionários da empresa) é o de que a Vale se preocupa com a preservação do
meio-ambiente. Ministrando palestras para os alunos, presenteando-lhes com kits de
“como reciclar o lixo” e mostrando-lhes uma mínima parte de natureza que sobrou
de sua implantação, passam ao público a pseudo-identidade de empresa
ecologicamente correta.
117
Coordenado pelas pesquisadoras Ana Lourdes (GEDMMA) e Walkerlene Soeiro (GEDMMA) nas comunidades que desejam a implementação da Resex de Tauá-Mirim. 118
Segundo Acselrad (2004, p. 21), “a incorporação de preocupações ecológicas pela valorização das capacidades adaptativas da técnica e da eficiência industrial (...) pode ser vista também como um modo de reação discursiva que preserva a distribuição de poder sobre os recursos ambientais em disputa”. 119
De acordo com o § 1º do Artigo 14 da Lei Nº 6.938 de 31 de agosto de 1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), “(...) é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. (...)”, sendo que poluidor, de acordo com a mesma lei, é “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”, e ainda, empresas como a Vale e a Alumar são consideradas, seguindo informações do Anexo VIII da citada lei, como potencialmente poluidoras de nível alto, por serem indústrias relacionadas à extração de tratamento de minerais (Vale) e à metalurgia (Alumar), daí, a criação de parques botânicos como mínima forma de compensação ambiental.
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Contudo, basta conhecer a área pleiteada para a implementação da RESEX de
Tauá-Mirim que compreender-se-á como tais empreendimentos não compartilham
das mesmas lógicas de preservação do meio-ambiente que as comunidades
possuem e que tem sido satisfatórias no longo tempo que habitam o local120. A
maioria dessas empresas, “mesmo fazendo uso de uma retórica de „gestão
ambiental‟ e de um „gerenciamento voltado para a sustentabilidade‟, parece não
estar levando em conta seu elevado poder de destruição dos recursos ambientais”
(ALMEIDA, 2010, p. 104), já que a construção de parques botânicos seria uma
pequena compensação dos inúmeros danos causados por essas empresas ao meio-
ambiente.
Em contraposição temos comunidades com histórico longo de habitação no local e
que, mesmo causando impactos ao ambiente, possuem lógicas de apropriação
desse meio que consistem em utilizar seus recursos sem degradá-lo ao ponto de
não mais poder dispor do mesmo posteriormente. Baseando-se nessa lógica, por
exemplo, a extração de madeira dos mangues da região foi proibida, haja vista que
tal vegetação não poderia ser reposta (SANT‟ANA JÚNIOR et. al., 2009, p. 219).
Convocando reuniões, as comunidades aprendem com grupos parceiros como
melhor aproveitar os recursos ambientais sem degradar o meio ambiente, como a
prática da reciclagem do lixo e também a não jogar o mesmo no rio e nascentes.
Tais práticas muitas vezes são consideradas pelas grandes empresas como
mínimas e inúteis, pois uma das estratégias das mesmas consiste em
(...) desconsiderarem a lógica de utilização destes recursos naturais, seja pelas unidades de conservação familiar, classificadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) como „agricultura familiar‟, seja por povos e comunidades que tradicionalmente ocupam as terras que os interesses dos agronegócios e de mineradoras pretendem incorporar a seus grandes empreendimentos. (ALMEIDA, 2010, p. 105).
Todos esses embates têm em vista um único objetivo que é o de apropriação do
meio-ambiente, visto como sem representação para que se defenda.
4 CONCLUSÕES
Para compreender melhor o contexto em que se inserem todos esses conflitos, é
necessário ressaltar que estão inseridos num contexto maior de crise e
reengendramento do capitalismo, percebendo que tal sistema necessita a cada
crise, seja financeira, política e social, se reformular face às nuances de si mesmo. A
partir disso os grupos sociais, como forma de luta por sua continuidade, passam a
buscar conhecer com maior profundidade esse sistema. As “fraquezas” do mesmo
vêm sendo mostradas claramente e os ditos cidadãos comuns começam a
120
Para melhor entendimento desse enunciado, ver Laudo Socioeconômico e Biológico para criação da Reserva Extrativista do Taim (IBAMA, 2007).
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compreender também as implicações das ações que são executadas pelos “porta-
vozes”121 do mesmo.
Entre as pessoas que começam a compreender melhor o capitalismo, inserem-se as
comunidades tradicionais que passam a não aceitar seu total englobamento por
parte dos grandes empreendimentos que visam lucros, expansão e um falso
“progresso” econômico em detrimento da manutenção da vida dos seres humanos e
da natureza. Tais grupos apregoam o discurso ecológico e começam a criar mais
armas de luta, como fóruns, debates e uma divulgação mais nítida a outras parcelas
da população que até então desconheciam tais situações.
Embora faça parte da estratégia dos grandes empreendimentos a “disseminação de
uma visão triunfalista dos agronegócios articulada com uma imagem hiperbolizada
do Brasil e de seu potencial agrícola” (ALMEIDA, 2010, p. 110), podemos ainda
ampliar tal assertiva de modo que ela englobe outros empreendimentos que não
sejam apenas o agronegócio. Em contrapartida a essa visão, o movimento ecológico
também passa a divulgar os impactos causados por ela e com resultados reais de
como a apropriação consciente do meio ambiente seria mais viável para a
sobrevivência da população humana122. Nesse contexto, situa-se a proposta de
criação da RESEX de Tauá-Mirim, mais uma das reservas brasileiras que propõe
conciliar extrativismo e sustentabilidade, demonstrando pelo histórico de vivência
das comunidades no local que tal opção é possível.
Em suma, tentar compreender ou apenas delinear como pensam os grupos
envolvidos em conflitos ambientais faz parte de outra compreensão que insiste em
afirmar que a dominação, o encobrimento e o esquecimento consciente dos grupos
menos favorecidos na disputa não é algo natural e nem inerente a uma possível
natureza humana. Embora haja uma tentativa constante de se garantir a vitória de
grandes empreendimentos alicerçados em políticas desenvolvimentistas
governamentais, há a contrapartida fundamental dos grupos atingidos e essa
situação faz-se de grande valia na análise dos conflitos ambientais, pois parte
daqueles grupos considerados fracos, atrasados, subdesenvolvidos e primitivos,
mas que, à vista dos fatos citados no decorrer desse artigo, sobrevivem.
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Urbano e Regional, 2008.
121
Entendidos aqui como grandes empresas, governos, indivíduos portadores de grandes fortunas em relação a outros etc. 122
Nesse sentido, demonstrando o sucesso de criação de reservas extrativistas pelo país.
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dá outras providências. Brasília, 1981. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/>.
Acesso em: 28/02/12.
_______. Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1º,
incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza e dá outras providências. Brasília, 2000. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 04/01/12.
III SEDMMA conflitos ambientais, mobilizações e alternativas ao desenvolvimento –23 a 25 de maio de 2012,
São Luís- MA (UFMA)
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PROGRAMAÇÃO DETALHADA DO EVENTO
PRIMEIRO DIA: 23/05/2012 – quarta-feira
09h00 às 18h00 – Credenciamento
16h00 – Sessão de Abertura, com mesa composta por:
Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, do Grupo de Estudos:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente e da Coordenação Geral do
Evento;
Prof. Dr. Fernando Carvalho, Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFMA;
Prof. Dr. Lyndon Araújo, Diretor do CCH;
Prof. Dr. Igor Gastal Grill, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da UFMA;
Prof. Dr. Benevides, Chefe do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA.
Local: Auditório Central da UFMA
17h00 – Conferência: Conflitos Ambientais, Mobilizações e Alternativas ao
Desenvolvimento
Conferencista: Prof. Dr. Henri Acselrad (IPPUR/UFRJ)
Moderadora: Esp. Ana Lourdes da Silva Ribeiro (GEDMMA/UFMA)
Local: Auditório Central da UFMA
19h30 – ATIVIDADE CULTURAL: Apresentação do Tambor de Crioula de São
Benedito, do povoado do Taim
SEGUNDO DIA: 24/05/2012 – quinta-feira
8h30 – 11h30 – Grupos de Trabalho (Auditórios do CCH)
GT 1: Conflitos ambientais (Auditório A – CCH)
Coordenador: José Arnaldo Ribeiro Junior (GEDMMA)
Debatedor: Me. Bartolomeu Rodrigues Mendonça (GEDMMA)
GT 2: Populações tradicionais e território (Auditório B – CCH)
Coordenador: Esp. Ana Lourdes da Silva Ribeiro (GEDMMA)
Debatedor: Dra. Cynthia Carvalho Martins (UEMA/GESEA)
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São Luís- MA (UFMA)
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GT 3: Desenvolvimento e ambiente (Auditório Setorial – CCH)
Coordenador: Manuel de Sousa Rodrigues (GEDMMA)
Debatedor: Me. Elio de Jesus Pantoja Alves (GEDMMA)
14h00 – 15h00 – Apresentação de Painéis (Hall do Auditório Central)
14h00 – 14h45– SESSÃO DE VÍDEOS (Auditório Central)
15h00 – 17h00 Mesa Redonda 1: Conflitos Ambientais e Grandes
Empreendimentos na Amazônia Brasileira (Auditório Central)
Profa. Dra. Edna Maria Ramos de Castro (NAEA/UFPA)
Marly Pereira Ferreira (Presidente da Associação de Moradores de Salvaterra II)
Prof. Me. Elio de Jesus Pantoja Alves (GEDMMA/UFMA)
Coordenadora: Me. Elena Steinhorst Damasceno (GEDMMA/UFMA)
17h30 – 19h30 – Mesa Redonda 2: Experiências de Resistência e Mobilização
Frente aos Modelos de Desenvolvimento (Auditório Central)
Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (GEDMMA/UFMA)
Pe. Dário Bossi (Missionários Combonianos/RJNT)
Mestrando José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior (GEDMMA/UFMA)
Coordenadora: Majú do Nascimento Silva (GEDMMA/UFMA)
19h30 – ATIVIDADE CULTURAL: Recital de poesias de Erinaldo Nunes de Silva e
Darlan Rodrigo Sbrana, realizado por Tayanná Santos Conceição de Jesus e
Erinaldo Nunes de Silva. Apresentação do Filme: Não Vale
TERCEIRO DIA: 25/05/2012 – sexta-feira
8h30 – 11h30 – Grupos de Trabalho (Auditórios do CCH)
GT 1: Conflitos ambientais (Auditório A – CCH)
Coordenador: Me. Sislene Costa da Silva (GEDMMA)
Debatedor: Danilo D‟Addio Chammas (RJNT)
GT 2: Populações tradicionais e território (Auditório B – CCH)
Coordenador: Walkerlene Soeiro (GEDMMA)
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Debatedor: Dra. Carla Regina Assunção Pereira (UEMA)
GT 3: Desenvolvimento e ambiente (Auditório Setorial – CCH)
Coordenador: Me. Elena Steinhorst Damasceno (GEDMMA)
Debatedor: Me. Fernanda Cunha de Carvalho (GEDMMA)
14h00 – 15h00 – Apresentação de Painéis (Hall do Auditório Central)
14h00 – 14h45– SESSÃO DE VÍDEOS (Auditório Central)
15h00 – 17h00 – Mesa Redonda 3: Unidades de Conservação e Conflitos pelo
Controle do Território (Auditório Central)
Profa. Dra. Senilde Alcântara Guanaes (UNILA)
Esp. Walcicléa Purificação da Silva Cruz (PPGED/UFPA/ICMBio)
Alberto Cantanhede Lopes (CAPPAM/Comunidade Taim)
Coordenadora: Mestranda Maiana Roque da Silva Maia (GEDMMA/UFMA)
17h30 – 19h30 – Mesa Redonda de Encerramento: Etnoconservação: para além
dos conflitos ambientais (Auditório Central)
Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (GEDMMA)
Profa. Dra. Madian de Jesus Pereira Frazão (GEDMMA)
Prof. Ms. Bartolomeu Rodrigues Mendonça (GEDMMA)
19h30 – ATIVIDADE CULTURAL: Apresentação do Grupo Afro Akomabu
COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenação Geral: Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Horácio Antunes de
Sant‟Ana Júnior, Madian de Jesus Frazão Pereira, Elena Steinhorst Damasceno
COMISSÕES DE TRABALHO
Comissão Científica: Elena Steinhorst Damasceno (Coordenadora), Bartolomeu
Rodrigues Mendonça, Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Madian de Jesus Frazão
Pereira, Sislene Costa da Silva.
Tesouraria: Bartolomeu Rodrigues Mendonça (Coordenador), Horácio Antunes de
Sant‟Ana Júnior, Manuel Sousa Rodrigues
Comissão de divulgação e atividades artístico-culturais: Walkerlene Cecília
Soeiro Santos (Coordenadora), Emanoelle Lyra Jardim, Majú do Nascimento Silva,
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Elena Steinhorst Damasceno, Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Katianne Almeida
Gomes Garrido.
Comissão de inscrições e certificados: Majú do Nascimento Silva
(Coordenadora), Tayanná Santos Conceição de Jesus, Darlan Rodrigo Sbrana,
Josemiro Ferreira de Oliveira, Maiâna Roque da Silva Maia.
Comissão de infra-estrutura e monitoria: Madian de Jesus Frazão Pereira
(Coordenação), Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Walkerlene Cecília Soeiro Santos,
Manuel Sousa Rodrigues, Josemiro Ferreira de Oliveira.
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(GEDMMA, 2013)
Arte: Raquel Noronha
Diagramação e revisão técnica: Elena Steinhorst