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ANAIS DO V COLÓQUIO INTERNACIONAL BRASIL – COLÔMBIA: “Educação e América do Sul – Experiências de Brasil e Colômbia” E-book Trabalhos Completos ISBN: 978-85-922051-1-9 Universidade Federal Fluminense Niterói/2016 Dezembro de 2016

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ANAIS DO V COLQUIO INTERNACIONAL

BRASIL COLMBIA:

Educao e Amrica do Sul Experincias de Brasil e

Colmbia

E-book Trabalhos Completos

ISBN: 978-85-922051-1-9

Universidade Federal Fluminense

Niteri/2016

Dezembro de 2016

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Realizao

NUGEPPE (Ncleo de Estudos e Pesquisas em Gesto e Polticas Pblicas em Educao)

Coordenador do Evento

Jorge Najjar (UFF)

Comisso Organizadora

Alba Valria Baensi (UFF)

Andreia Diniz (UFF)

Dbora Quirino (UFF)

Eliane da Matta (UFF)

Gabriela Flix (UFF)

Gisele Coelho (UFF)

Irlla Mary Brito da Silva (UFF)

Karine Morgan (UFF)

Laila Gonalves (UFF)

Lana Mara Fontes (UFF)

Leonardo Dias da Fonseca (UFF/UERJ)

Lucy Rosa Teixeira (UFF)

Marcelo Mocarzel (UFF / UNILASALLE-RJ)

Marisa Fonseca (UFF)

Mnica Nascimento (UFF)

Rejane Tinoco (UFF)

Reginaldo de Lira Pena (UFF)

Silvana Malheiro (UFF)

Snia Martins (UFF)

Solange Santiago (UFF)

Vernica Mattedi (UFF)

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Comit Cientifico

Dra. Cecilia Neves Lima (UFF)

Dra. Elaine Constant Pereira de Souza (UFRJ)

Dra. Prof Dr Flvia Monteiro de Barros Arajo (UFF)

Dra. Iduna MontAlverne Chaves (UFF)

Dr. Jorge Najjar (UFF)

Dra. Luclia Augusta Lino (UERJ)

Dr. Mximo Masson (UFRJ)

Dr. Pablo Silva Machado Bispo (UFF)

Palestrantes

Dr. Luiz Fernandes Dourado

Prof. Dr. Manuel Sierra

Prof. Dr. Jorge Nassim Vieira Najjar

Prof. Dr. Pablo Bispo dos Santos

Prof. Dr. Manuel Sierra

Prof Dr Mary Rangel

Prof Dr Janana Specht de Menezes

e Prof Dr Pedro Ganzeli

Prof Dr Elaine Constant

Prof. Dr. Omar Cabrales

Prof Dr Mrcia ngela Aguiar

Prof Dr Ins Barbosa de Oliveira

Prof. Dr. Omar Cabrales

Prof Dr Flvia Monteiro de Barros Arajo

Prof. Dr Maria Celi Vasconcelos

Editorao

Marcelo Mocarzel

Vernica Mattedi

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Realizao: Apoio:

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Apresentao

Entre os dias 18 e 20 de outubro de 2016, na Faculdade de Educao da

Universidade Federal Fluminense, brasileiros e colombianos se reuniram com a

finalidade de aprofundarem a interlocuo entre pesquisadores, professores e

estudantes (ps-graduandos e graduandos) em torno de questes relacionadas

educao na Amrica Latina. Foi, assim, um espao de formao privilegiado, necessrio

ao fortalecimento da internacionalizao da universidade brasileira e da universidade

colombiana.

O Colquio, que chegou a sua quinta edio, pretendeu construir esta

interlocuo a partir de conferncias e mesas redondas, reunindo conferencistas de

vrias instituies brasileiras e colombianas, mesas redondas compostas por ps-

graduandos colombianos e brasileiros convidados e grupos de trabalho compostos por

pesquisadores, estudantes de ps-graduao, estudantes de graduao e professores

da educao bsica, para a exposio de trabalhos de pesquisa selecionados pelo

Comit Cientfico.

Os Anais que apresentamos retratam um pouco desta experincia rica em

construo e interlocuo de conhecimento e cultura.

Comisso Organizadora

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TRABALHOS APROVADOS PARA AS SESSES

DE

COMUNICAO ORAL

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AS ESTRATGIAS DE COMPREENSO LEITORA EM PRTICAS SOCIAIS DE LEITURA NA

SALA DE AULA DE LNGUA PORTUGUESA: UMA PROPOSTA PARA O NONO ANO DO

ENSINO FUNDAMENTAL

Aline Salucci Nunes [email protected]

Marcela Martins de Melo [email protected]

UERJ/FFP

No que se refere ao ensino de leitura, acreditamos que o papel da escola seja o

de oportunizar aos alunos experiment-la como prtica social para que, dessa forma,

possam se apropriar dos diversos gneros atravs dos quais essa prtica se concretiza.

Isso pressupe o entendimento de que o ensino de leitura deve ser continuado ao longo

da vida escolar (KLEIMAN, 2007), valorizando-se os mltiplos letramentos sociais (ROJO,

2012) que fazem parte da vida do aluno dentro e fora da escola.

Desse modo, tratamos, no presente trabalho, das estratgias de leitura

apresentadas por Sol (1998) e de sua aplicao em prticas de leitura nas aulas de

lngua portuguesa em uma turma do 9 ano do ensino fundamental de uma escola

pblica do estado do Rio de Janeiro. Nosso objetivo apresentar uma proposta para o

desenvolvimento dessas estratgias, visando apropriao dos gneros textuais pelos

alunos que lhes garantir a autonomia para conduzir suas prprias aprendizagens.

As estratgias de compreenso leitora, definidas por Sol (1998) como

procedimentos de carter elevado, que envolvem a presena de objetivos a serem

realizados, o planejamento das aes que desencadeiam para atingi-los, assim como sua

avaliao e possvel mudana (SOL, 1998, p. 70), baseiam-se na perspectiva

cognitivista/construtivista de leitura, que acredita que, a partir do momento em que o

sujeito leitor desenvolve um domnio razovel do cdigo escrito, sua compreenso

leitora passa a depender da clareza e coerncia do contedo dos textos, da

familiaridade ou conhecimento da sua estrutura (SOL, 1998, p. 71); do grau de

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relevncia do conhecimento prvio do leitor para a leitura e das estratgias que ele

utiliza.

Acreditamos que o ensino de tais estratgias favorea a formao de leitores

autnomos capazes de aprender a partir de textos e de conduzir suas prprias

aprendizagens. Desse modo, como explica Sol, o primeiro passo a ser dado pelo

professor na tarefa de auxiliar seus alunos a superarem os obstculos decorrentes da

complexidade da leitura motiv-los para essa atividade. A primeira etapa antes da

leitura deve ser planejada para ativar o conhecimento prvio, estabelecer previses e

promover as perguntas dos alunos sobre o texto.

Alm disso, devem-se estabelecer objetivos claros para a prtica. Em nossa vida

cotidiana, lemos por motivos diversos e uma leitura sem propsitos bem definidos pode

se tornar enfadonha e prejudicar a produo de sentidos.

Outro fator a ser considerado antes da leitura, alm da motivao e da definio

de seus objetivos, a ativao dos conhecimentos que o aluno j possui sobre o texto a

ser lido. Se o texto estiver bem escrito e o leitor possuir um conhecimento adequado

do mesmo, ter muitas possibilidades de poder atribuir-lhe significado (SOL, 1998, p.

103).

Acerca da ativao do conhecimento prvio, Kleiman (2013 [1989]) estabelece

trs tipos sem os quais a compreenso no possvel: o conhecimento lingustico, o

conhecimento textual e o conhecimento enciclopdico ou de mundo. Atravs desses

conhecimentos o leitor capaz de fazer inferncias, a partir dos elementos formais

presentes no texto e assim construir um significado. Nos termos da autora:

o conhecimento lingustico, o conhecimento textual e o conhecimento de mundo devem ser ativados durante a leitura para se chegar ao momento da compreenso [..] O mero passar de olhos pela linha no leitura, pois leitura implica uma atividade de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranas e conhecimentos, daqueles que so relevantes para a compreenso de um texto que fornece pistas e sugere caminhos, mas que certamente no explicita tudo que poderia explicitar. (KLEIMAN, 2013 [1989], p. 30)

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Para a atualizao do conhecimento prvio, ento, antes das atividades de

leitura em sala de aula, Sol afirma ser til dar uma noo geral acerca da temtica do

texto ou informar aos alunos sobre a estrutura textual ou outros aspectos que, quando

combinados aos objetivos pretendidos, possam permitir ao leitor elaborar um

esquema ou plano de leitura que lhe diz o que tem de fazer com ela e o que ele sabe ou

no sabe do que vai ler (KLEIMAN, 2013, p. 105). Tambm vlido chamar a ateno

dos alunos para aspectos lingusticos ou extralingusticos que podem ativar

conhecimentos j construdos e ainda incentivar os alunos a exporem o que j sabem

sobre o tema (p. 106). Deve-se ter em conta, no entanto, que informaes demais

podem desmotivar a leitura, pois, se o aluno j sabe tudo que trazido pelo texto sua

leitura se torna dispensvel.

As estratgias apresentadas por Kleiman (2013 [1989]) para a compreenso do

texto escrito no momento da leitura so o estabelecimento de objetivos e a formulao

de hipteses. Trata-se de atividades de natureza metacognitiva que pressupem

reflexo e controle consciente sobre o prprio conhecimento (KLEIMAN, 2013 [1989],

p. 47) e levam construo de sentidos. Tais estratgias so consideradas por Sol

igualmente importantes para antes da leitura. Assim sendo, embora toda a leitura seja

um processo contnuo de formulao e verificao de hipteses e previses sobre o que

se sucede no texto (p. 107), acreditamos que realizar essa estratgia, assim como

promover as perguntas dos alunos sobre o texto (p. 110), especialmente, antes da

leitura, possa ajudar a promover a motivao para a leitura, uma vez que, apenas lendo,

chegaro s confirmaes de suas hipteses e s respostas s suas prprias perguntas.

Na segunda etapa do processo, a fim de ajudar aos alunos a desenvolver

estratgias para a compreenso de um texto ou para a soluo de problemas que podem

surgir no decorrer da leitura, Sol sugere a exercitao da compreenso atravs da

leitura compartilhada. Nos termos da autora as tarefas de leitura compartilhada devem

ser consideradas a melhor ocasio para os alunos compreenderem e usarem as

estratgias teis para compreender os textos (SOL, 1998, p. 117). Fica, portanto, a

cargo do professor planejar as atividades de leitura de modo que consiga evidenciar as

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estratgias necessrias produo de sentidos e garantir os momentos em que o aluno

possa praticar a leitura autnoma.

Das estratgias que favorecem a construo de conhecimento durante as

atividades de leitura compartilhada, duas so comuns ao momento que antecede o

trabalho com texto: formular previses sobre o texto a ser lido e formular perguntas

sobre o que foi lido (SOL, 1998, p. 118). Outras duas estratgias se juntam a essas

permitindo que o leitor regule a construo dos sentidos: esclarecer possveis dvidas

e resumir as ideias do texto (SOL, 1998, p. 118). Sol explica que a sequncia dessas

estratgias pode variar de acordo com o objetivo que estabelece para a leitura e que os

alunos devem ser ativos nesse processo, para que possam, de maneira progressiva,

control-lo. No devemos esquecer que a finalidade ltima de todo ensino e isso

tambm ocorre no caso da leitura que os aprendizes deixem de s-lo e dominem

com autonomia os contedos que foram objetos de instruo (SOL, 1998, p. 121).

Durante a leitura compartilhada ou independente, podem surgir dificuldades no

entendimento, erros ou lacunas da compreenso. Um leitor autnomo deve ser capaz

de saber o que fazer quando se depara com uma barreira para a compreenso, ou seja,

deve saber que estratgia utilizar para superar esse obstculo. Sol afirma que o erro

ou a dificuldade apresentada pelos alunos durante a leitura um fator importante que

revela acerca do nvel de produo de sentidos sobre o texto.

Cada dificuldade deve receber um tratamento adequado e ao invs de

simplesmente corrigir o aluno, o professor deve aproveitar esses momentos para

evidenciar diferentes estratgias. Em primeiro lugar, de acordo com Sol, deve-se evitar

a interrupo toda vez que um aluno decodifica uma palavra de forma incorreta. Isso

pode significar para o aluno que o controle de sua leitura exercido pelo professor e

que ela no precisa se preocupar em controlar sua prpria ao. Em casos nos quais haja

dificuldade em se construir o significado de uma determinada palavra, Sol sugere que

se opte por permitir que o aluno se aventure a faz-lo pelo contexto, uma vez que essa

estratgia pode contribuir poderosamente para dotar a criana de recursos para

construir o significado e, paulatinamente, controlar sua prpria compreenso (p. 127).

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Em ltimo caso, apenas, deve-se recorrer a uma fonte especializada, j que essa

estratgia a que mais interrompe o ritmo da leitura (p. 130).

Para que o aluno consiga realizar todos esses procedimentos no fluxo de sua

leitura fundamental que as atividades sejam planejadas de modo a garantir sua

aprendizagem.

Pensando na concretizao do processo de construo de sentidos aps a leitura,

a autora aponta para alguns procedimentos que devem ser considerados em sala de

aula como construir a ideia principal, resumir, elaborar e responder perguntas sobre o

texto lido. Conforme Sol (1998, p. 161) qualquer uma das estratgias mencionadas se

constri durante a leitura, embora continue sendo construda durante sua

concretizao, como resultado da leitura. Para que isso acontea, faz-se necessrio que

o professor apresente aos alunos modelos de como realizar essas tarefas fundamentais

para o exerccio da leitura autnoma.

Desse modo, para que o aluno entenda como gerar a ideia principal, o professor

pode, por exemplo, a princpio, explicar em que consiste e qual a utilidade de se criar

uma ideia principal para a leitura; rever o objetivo da leitura, para que o conhecimento

prvio seja ativado, explicitar que o tema est relacionado ao objetivo da leitura, pois,

isso direcionar a ateno dos alunos para que se alcance o objetivo, informar aos

alunos sobre as partes do texto relevantes para que se atinja o propsito traado, no

decorrer da leitura e, ao seu final, discutir a formulao da ideia.

Alm desse procedimento, a elaborao de resumos acrescenta ideia principal

detalhes secundrios que so importantes compreenso, devendo ser, portanto,

objeto de ensino em sala de aula. Para auxiliar no desenvolvimento da competncia de

produzir resumos, outra estratgia para depois da leitura deve ser incentivada: formular

e responder perguntas sobre o texto lido. No apenas perguntas cujas respostas estejam

explcitas no texto, mas aquelas que fazem pensar sobre o tema, que exigem a

associao a outros conhecimentos e perguntas pessoais que tomam o texto como

referncia.

Com base nas estratgias apregoadas por Isabel Sol (1998), realizamos a leitura

de trs textos de gneros distintos em uma turma de 9 ano de uma escola da rede

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estadual situada no municpio de So Gonalo: a crnica A histria de um currculo de

Moacyr Scliar, uma notcia cuja manchete Menor suspeito de morte na Lagoa deixou

a escola aos 14 anos, s viu o pai duas vezes e era negligenciado pela me1 e o conto

O outro de Rubem Fonseca. A escolha da crnica e do conto se deu, pois esses gneros

textuais figuram no Currculo Mnimo do Estado do Rio de Janeiro (2012) como matria

de ensino destinada ao 2 bimestre do ano escolar em questo. A fim de, aps a leitura,

propormos uma atividade de escrita baseada na crnica lida fez-se necessria a leitura

da notcia de jornal.

No texto, o autor Moacyr Scliar elabora uma crnica a partir de uma notcia, na

qual relatada a priso de um assaltante, aps o esquecimento de seu currculo em uma

van de transporte. Antes da leitura, discorremos sobre o trabalho realizado por Scliar de

escrever crnicas ficcionais a partir de notcias de jornais. Para tal, mostramos o livro do

autor intitulado Histrias que os jornais no contam, no qual h outras crnicas que

seguem a mesma estratgia de composio. Sol (1998) discorre acerca da necessidade

de ativao dos conhecimentos prvios para o entendimento do texto por parte do

aluno, j que as vivncias, expectativas e interesses do aluno condicionam tambm a

interpretao que feita do texto. Dessa forma, com os comentrios feitos sobre o estilo

de Scliar situamos os alunos frente leitura que seria realizada.

Na sequncia, instigamos, por meio de conversa informal, que a turma falasse o

que entendia por currculo, o objetivo desse gnero, as situaes em que ele utilizado,

entre outros, a fim de ativar o mximo de conhecimentos prvios possveis, de motiv-

los para a leitura e de faz-los estabelecer previses sobre o texto. Essa atividade

permitiu que, ao final da leitura, a turma pudesse refletir acerca da realizao ou no de

suas expectativas sobre o texto.

Neste trabalho, defendemos o ponto de vista de que a compreenso significativa

de um texto envolve explicitar aos alunos leitores as estratgias adotadas no ato de ler

que tornam o contedo do que lido mais claro ao leitor. Sol (1998, p. 118) chama tais

1 Disponvel em http://extra.globo.com/casos-de-policia/menor-suspeito-de-morte-na-lagoa-deixou-escola-aos-14-anos-so-viu-pai-duas-vezes-era-negligenciado-pela-mae-16230681.html. Acesso 18/11/2016.

http://extra.globo.com/casos-de-policia/menor-suspeito-de-morte-na-lagoa-deixou-escola-aos-14-anos-so-viu-pai-duas-vezes-era-negligenciado-pela-mae-16230681.htmlhttp://extra.globo.com/casos-de-policia/menor-suspeito-de-morte-na-lagoa-deixou-escola-aos-14-anos-so-viu-pai-duas-vezes-era-negligenciado-pela-mae-16230681.html

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estratgias de tarefas de leitura compartilhada por meio das quais o leitor regularia sua

compreenso do texto. A tarefa de organizar a leitura e envolver os outros na mesma

no estaria centralizada apenas na figura do professor, mas passaria das mos deste

para as mos dos alunos. Assim, durante a leitura da crnica, fizemos pausas para que

as ideias discutidas em cada pargrafo fossem explicitadas e orientamos aos alunos que

interrompessem a leitura, quando alguma informao do texto no estivesse clara, a fim

de que as incompreenses fossem discutidas no grupo. Nesse momento tambm,

chamamos ateno para os elementos de referenciao utilizados pelo autor para que

repeties desnecessrias fossem evitadas. Julgamos necessria tal ao, visto que

muitas das pausas feitas pelos alunos estavam relacionadas a tais elementos. Depois da

leitura, fizemos um resumo coletivo do texto, destacando suas ideias principais.

Acerca do resumo, Sol (1998) diz que o resumo exige a identificao das ideias

principais e das relaes que o leitor estabelece entre elas, de acordo com seus objetivos

de leitura e conhecimento prvios (p. 147). S capaz de resumir aquele que tem

compreenso do que foi lido. Da a importncia de todo o trabalho prvio de

entendimento do texto. A autora salienta que resumir uma questo relativa s

exigncias do texto e s escolhas de cada leitor, rechaando a importncia que dada

unicidade de respostas.

(...) resumir no questo de tudo ou nada, mas relativa s caractersticas de cada leitor, s da tarefa em si (que tipo de texto, com que exigncias, etc.) e ajuda que recebe para realiz-la. Isto nos leva novamente necessidade de articular situaes de ensino aprendizagem nas quais se ajude explicitamente a trabalhar com a leitura e nas quais no se d tanta importncia unicidade das respostas, mas sua coerncia e utilidade para a aprendizagem do leitor. (SOL, 1998, p. 149)

O contedo temtico da crnica de Scliar motivou um debate entre os alunos

acerca da violncia, das desigualdades sociais, da reduo da maioridade penal. Por

conta desse debate selecionamos para a aula seguinte uma notcia retirada da pgina

online do jornal Extra sobre a vida de um menor, suspeito de ter matado um mdico na

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Lagoa Rodrigo de Freitas no ano passado. Antes da leitura, discutimos a manchete da

capa do jornal, j que ela antecipava o que seria discutido no texto, pois nela estava

escrito Duas tragdias antes da tragdia: sem famlia, sem escola. Refletimos acerca

da produo de sentido atravs da escolha lexical da palavra tragdia, que pode ser

interpretada na aula de diversas maneiras. No caso da ativao de conhecimentos

prvios para esse texto, retomamos o que os alunos j sabiam sobre o assunto, visto

que a notcia havia sido veiculada em muitos meios de comunicao e muitos se

lembraram do episdio.

Stella Maris Bortoni-Ricardo (2004, p. 167) explicita a ideia de andaime,

conceito metafrico que se refere a um auxlio visvel ou audvel que um membro mais

experiente de uma cultura pode dar a um aprendiz. A concepo de andaimagem foi

til a este processo de ensino aprendizagem, visto que, medida que as leituras dos

textos eram feitas, ns amos esclarecendo dvidas acerca de vocabulrio, de modo que

os significados desconhecidos pudessem ser tidos pelo contexto, pensando as escolhas

lexicais e a organizao textual de cada texto, a fim de propiciarmos um maior

entendimento do texto por parte dos alunos. As prprias reflexes feitas pela turma, ao

longo da atividade, serviam como andaimes, pois, ao passo que comentavam as leituras,

ressaltvamos as respostas dadas, acrescentvamos uma ou outra reflexo sobre ela ou

fazamos uma pergunta para que a discusso da temtica dos textos voltasse a

acontecer. Dessa forma, a leitura dos textos foi feita mais de uma vez.

Em relao notcia de jornal discutimos a composio do texto chamando a

ateno para o momento em que as pessoas envolvidas no relato, o menor e a me,

aparecem como vtimas das desigualdades sociais. Isso foi feito durante a leitura, na

qual ressaltamos o quanto no gnero notcia as escolhas lingusticas direcionam o foco

da leitura para o que se pretende de fato comunicar. Fizemos um contraponto entre

esse gnero e o conto, uma vez que o segundo permite uma multiplicidade muito maior

de interpretaes. Aps a leitura da notcia, pedimos aos alunos que relacionassem as

ideias da crnica ao que foi veiculado pelo texto de jornal. Essa tarefa foi feita

oralmente. Em seguida, orientamos que produzissem um texto escrito luz do que foi

feito por Scliar em sua crnica. Solicitamos que escrevessem uma narrativa ficcional

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discorrendo acerca do que poderia ter acontecido previamente com o menor infrator

at o momento do assassinato do mdico na Lagoa.

O ltimo texto da sequncia de atividades foi o conto O outro de Rubem

Fonseca. Esse conto narra a histria de um executivo estressado com as muitas

atividades que precisa realizar no trabalho e que tem sua rotina alterada pelo encontro

com um sujeito que est sempre a pedir-lhe dinheiro. Para a leitura desse texto,

adotamos as mesmas estratgias dos textos anteriores: ativao de conhecimentos

prvios por meio de conversa informal, reconhecimento das palavras desconhecidas,

identificao das ideias principais de cada pargrafo, verificao dos elementos de

referenciao e de outras categorias lingusticas tais como os adjetivos e advrbios

empregados que atuam na produo de sentidos do texto, resumo do texto lido. Depois

da leitura realizamos uma tarefa escrita de perguntas e respostas, a fim de registrar a

interpretao textual feita oralmente.

Durante a realizao dessas atividades, assumimos em sala de aula a posio de

mediadoras do processo de aprendizagem. Nesse sentido, foi considerado o processo

de construo conjunta (EDWARDS E MERCER, 1988 apud SOL, 1998, p. 75). Acerca

desse processo Sol expe que, atravs dele:

O professor e seus alunos podem compartilhar progressivamente significados mais amplos e complexos e dominar procedimentos com maior preciso e rigor, de modo que ambos tambm se tornam mais adequados para entender e incidir sobre a realidade por exemplo, para compreender e interpretar os textos nela presentes. (SOL, 1998, p.75-76)

Assim, no que tange ao desenvolvimento da competncia leitora,

reconhecemos, a partir das atividades realizadas, que no basta apresentar ao aluno

textos dos mais variados gneros, se no forem explicitadas as diferentes estratgias

que leitores crticos mobilizam durante sua interpretao, bem como os contextos de

produo e de recepo nos quais os gneros se inscrevem. Acreditamos ser ingnuo

pensar que o aluno, por si s, compreender a multiplicidade de sentidos e as intenes

discursivas explcitas e implcitas nos textos orais e escritos, sem que sejam dados a ele

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subsdios para que o faa. No raro, a compreenso do que l prejudicada pela falta

de percepo por parte do educando dos recursos lingusticos utilizados pelo autor ou

produtor do texto.

Dessa forma, o trabalho em questo mostrou que a produo de sentidos se deu

de modo satisfatrio, uma vez que a atitude responsiva dos alunos foi priorizada, e que

estes passaram de meros receptculos de informaes a construtores do conhecimento,

assumindo, enquanto reguladores do processo de leitura, a postura de leitores crticos

e reflexivos.

REFERNCIAS

BORTONI-RICARDO, Stella Maris; FERNANDES DE SOUSA, Maria Alice. Andaimes e pistas de contextualizao: um estudo do processo interacional em uma sala de alfabetizao. In: TACCA, Maria Carmen (org.). Aprendizagem e trabalho pedaggico. 3. ed. Campinas: Alnea, 2014, p. 167 179.

KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura. 15 ed. Campinas: Pontes Editores, 2013 [1989].

____. Letramento e suas implicaes para o ensino de lngua materna. Signo. Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez 2007.

ROJO, Roxane. Pedagogia dos multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. (Orgs.) Multiletramentos na escola. So Paulo: Parbola Editorial, 2012, p. 11-31.

SOL, Isabel. Estratgias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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CAED: uma Experincia de Capacitao em Arte-Educao para Educadores no

Jacarezinho-RJ

Andrea A. A. Bacellar [email protected]

Helio Rodrigues [email protected]

Instituto de Arte Educao IAE Grupo de pesquisa: FRESTAS - UNIRIO

INTRODUO

O objetivo desse artigo apresentar, em linhas gerais, os princpios terico-

metodolgicos que sustentam a proposta de capacitao em Arte-Educao CAED

(Capacitao em Arte-Educao para Educadores) que ocorre dentro da comunidade do

Jacarezinho. Para tanto apresentamos alguns elementos da histria desse projeto e o

contexto em que ele acontece.

O CAED acontece dentro de um projeto maior, o Eu sou, que existe h 10 anos

e tem como principal objetivo reforar a identidade, atravs da arte, de crianas e

adolescentes sujeitos violncia, ao preconceito e invisibilidade social. Os encontros

acontecem dentro das dependncias da Farmoqumica (FQM), empresa que patrocina

o projeto desde o seu incio. A FQM est localizada no bairro do Jacar, na fronteira

com a comunidade do Jacarezinho.

Localizado na zona norte da cidade e junto via frrea, o Complexo do Jacarezinho

um conjunto de favelas que, de to grande, acabou se tornando um bairro carioca.

Atualmente, alm do bairro do Jacar, o complexo tambm se estende pelos bairros do

Cachambi e do Mier, totalizando uma rea de 440 mil m2. Com uma populao de mais

de 36 mil habitantes, segundo dados oficiais do IPP, e estimativa de 90 mil moradores,

segundo a associao de moradores local, a favela do Jacarezinho uma das maiores da

cidade. Apesar disso, a favela do Jacarezinho carente de programas sociais

consistentes e duradouros, principalmente para crianas e adolescentes aps o horrio

escolar.

mailto:[email protected]:[email protected]

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Nesse trabalho, iniciamos apresentando aspectos histricos da criao do Projeto

CAED e em seguida, no item 2, os princpios terico metodolgicos que sustentam essa

proposta.

O NASCIMENTO DE UM LUGAR PARA A CRIAO: A HISTRIA DO CAED NA

COMUNIDADE DO JACAREZINHO E A ESTRUTURA GERAL DO PROJETO

Todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a

arte de viver. (Bertold Brecht)

O CAED um curso baseado no FORMAE, Formao para Arte Educadores, criado

e ministrado pelo artista plstico Helio Rodrigues desde a dcada de 70 em espaos

diversos do Rio de Janeiro. Assim como o CAED, o objetivo do Formae atualizar

profissionais ligados infncia, atravs de aes criativas, ampliando a viso da

educao e da arte.

A ideia de oferecer o CAED dentro do espao do Projeto Eu Sou, para professores

da comunidade do Jacarezinho, foi amadurecendo depois de alguns anos de

funcionamento do Eu Sou para crianas e adolescentes. Percebamos em nossas crianas

mudanas positivas em vrios aspectos: mais auto-estima e autonomia, relaes sociais

e familiares mais ricas e menos estereotipadas, e ainda relatos frequentes de melhoras

no desempenho escolar. Porm, o que eles tambm nos traziam com frequncia eram

queixas sobre como na escola tudo era diferente do Projeto. L, eles nunca podiam fazer

nada do jeito deles, a arte era chata, eles no podiam criar nada, pois s havia um jeito

certo de fazer. E vamos que as 2 horas semanais que passvamos tentando mostrar

para cada um a fora da sua potncia e singularidade, eram muitas vezes ofuscadas por

20 horas de aulas onde o ldico e a sensibilidade no tinham vez, onde s o objetivo da

matria a ser dada era valorizado.

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Se tornou cada vez mais claro para ns, equipe do Instituto de Arte Educao,

que o olhar que oferecamos sobre a arte e sobre o sujeito precisava ser multiplicado

tambm entre os adultos e educadores da comunidade, se quisssemos que os efeitos

nas crianas fossem realmente duradouros. Ento surgiram nossas turmas de artes para

mulheres e a capacitao para professores.

Muitas adaptaes foram necessrias nessa formao, a comear pela carga

horria. Percebemos que o pblico do CAED parecia ter dificuldades com

comprometimentos de longo prazo, a vida muda muito rpido nas comunidades, e a

disponibilidade de cada um tambm. Dessa forma, vimos que o curso poderia ter no

mximo a durao de um ano letivo, de maro a dezembro, de preferncia

acompanhando o calendrio escolar. E a durao das aulas no poderia ultrapassar 2

horas, para facilitar o encaixe nas rotinas carregadas dos alunos. Assim, das 100

horas/aula aproximadas do Formae, passamos para 70 horas/aula.

Outra mudana importante foi a exigncia do estgio de observao, realizado

durante 4 semanas em alguma turma do Projeto Eu Sou. Como nenhum de nossos

alunos-educadores tinha visto na prtica a atuao de um professor apresentando a arte

nesse contexto, de liberdade e legitimidade, ficava muito difcil tentar imaginar como

levar essa prtica para o seu dia-a-dia. Alm disso, muitas vezes so professores

sobrecarregados, em turmas cheias e horrios extensos, que raramente tem a

possibilidade de observar sem atuar. Desde a primeira turma, o estgio foi um sucesso,

um momento de virada no curso, onde as vivncias e discusses parecem comear a

fazer sentido.

Os contedos foram selecionados e organizados em mdulos, sendo o primeiro

e mais longo um mdulo que consideramos de nutrio, chamado Arte e Identidade.

Nesse mdulo, que ocupa metade do curso, abordamos temas como: a formao da

identidade, esttica e beleza, a importncia do processo de criao da criana, a funo

e a no funo da arte, a liberdade e os esteretipos, o acaso e a autoria, o papel dos

opostos na linguagem artstica.

um mdulo de vivncias intensas, contato com materiais diversos, e leituras

dinamizadas dos textos originais do Formae (nosso curso de origem), s vezes em sua

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verso integral, s vezes resumidos ou enriquecidos com exemplos vividos no Projeto e

na comunidade. Frequentemente nesse mdulo os alunos tm seu primeiro contato

com materiais como a argila ou a aquarela, por exemplo, e vo descobrindo dentro de

si a prpria linguagem artstica, desabrochando os prprios smbolos e meios de

expresso. S quando o educador faz esse mergulho em si mesmo que ele capaz de

proporcionar o mesmo para seus alunos, pois passa a considerar precioso o seu espao

de criatividade e potncia. Vemos que o adulto, quando chega at ns, chega com as

mesmas necessidades das crianas, de experimentao intensa, descobrindo na arte

primeiro uma forma de se nutrir emocionalmente, para s ento us-la como veculo de

expresso e comunicao com si mesmo e o mundo.

O fim do mdulo geralmente coincide com o fim do primeiro semestre, e o

retorno s aulas marcado tambm pelo incio do estgio de observao, junto ao

mdulo que discute o papel do professor e da escola. Durante o estgio, cada aula parte

de um tema em comum observado, e os alunos so estimulados a compartilharem suas

observaes. So momentos de muita troca, onde eles tambm so apresentados

prtica de registrarem suas impresses de forma subjetiva, acrescentando ao relato

objetivo proposta apresentada, material as suas sensaes relativas aos alunos, seus

processos e suas produes, a atuao do professor, e seus prprios questionamentos.

Acreditamos que o registro da observao traz para o educador o mesmo benefcio do

registro sensvel de sua prtica. Como observado por Ferreira (2015), o movimento de

registrar suas prticas e pensamentos, de escrever sobre o vivido, aprimora o processo

formativo de diversas maneiras. Possibilita o compartilhamento de inquietaes e

dvidas com os colegas, a reflexo ntima, a forma que cada um elege o que ser narrado

e como o ser.

Observamos que nesse mdulo, os processos plsticos geralmente se tornam

mais ricos e autnticos, alguns comeam a se arriscar para alm dos esteretipos e

produes no estilo mural escolar.

Procuramos usar diferentes linguagens para alimentar essa transformao do

olhar: exerccios cnicos, filmes, msicas, fotos de trabalhos das crianas, alm dos

textos e propostas plsticas que acontecem em todas as aulas.

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Por fim, no ltimo mdulo, podemos trabalhar a relao do desenvolvimento

infantil e sua expresso plstico-pictrica, alm de explorar a relao entre

comportamentos sintomticos e questes subjetivas de baixa auto-estima e fragilidades

diversas, investigando prticas e materiais que podem ser usados na interao com

essas ocorrncias. Neste momento, o trabalho final do curso criar uma proposta

plstica a partir de uma ocorrncia, situao real pinada a partir das impresses

colhidas entre os professores do Projeto Eu Sou. O aluno convidado a pensar

subjetivamente sobre a situao apresentada, montando um plano de aula e

justificando sua escolha. Se possvel, a aula apresentada s crianas da turma onde o

aluno-professor fez seu estgio de observao.

Cada etapa do projeto CAED, cada aula do curso, foi planejada de forma

oferecer para os alunos-educadores oportunidades de viver a arte dentro do espao

escolar de uma forma diferente. A enxergar a arte no apenas como um suporte esttico

para apresentaes e murais, mas como uma ferramenta poderosa de auto-

conhecimento, onde a criana pode se reconhecer, se encontrar com sua potncia

criativa, ampliar seus horizontes e sua capacidade crtica.

A ARTE COMO ENCONTRO COM SUAS POTENCIALIDADES: FUNDAMENTOS DO CAED

Faz-se urgente uma reviso do atual olhar da educao sobre a arte, lembrando-

se que atravs dela pode-se proporcionar a experincia legtima de contato de cada

indivduo com suas potencialidades. Aes artsticas produzem o desenvolvimento de

uma linguagem prpria, por isso mesmo rica. A arte representa a grande ligao entre o

homem e as questes no palpveis de sua vida. Ela a possibilidade de descoberta de

novas formas de ver e pensar as questes que gravitam entorno de toda pessoa. Seu

poder de acessar e lidar com a legitimidade a transforma numa especial facilitadora da

construo da identidade dos indivduos, com a medida o peso e o tempo de cada

um. (Rodrigues, site)

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Sendo assim, o questionamento bsico de onde partimos : para qu serve a

Arte? Qual a sua funo? Nos vemos em convergncia com o pensamento de Hegel

(1998), para quem a arte s existe se o artista tem liberdade e autonomia no seu ato

criativo. Ato esse que no se limita a reproduzir o mundo e a realidade, mas consiste

num movimento simblico do homem de transformar a realidade, e assim transformar-

se atravs dessa sua ao. Como nos diz Helio Rodrigues, no primeiro texto que usamos

na formao:

Quando se experimenta a arte, parece persistir no imaginrio comum uma espcie de vcio que busca funes, significados e tradues. Com essa busca, fragiliza-se a sensibilidade, afasta-se o criativo e impede-se o exerccio pleno da arte como linguagem autnoma. H algo nela que provoca, instiga a reflexo e a ampliao do olhar, tornando-o mais amplo e descomprometido. Se considerarmos o controle que todo individuo contemporneo vem sendo submetido, a arte pode significar o principal contraponto do livre sentir, pensar e agir. Sem as experincias do livre pensar e do livre criar, tornamo-nos meros produtores e consumidores do previsvel. A arte, quando relacionada ao processo educacional, nos traz uma importante questo: Como pais e profissionais contemplam o produto ou o processo criativo de suas crianas? (RODRIGUES, 2015, pg3)

O pensamento de Rodrigues corroborado por Martins (1993), em suas

reflexes acerca da arte como forma de pensamento:

A arte percepo da realidade na medida em que cria formas sensveis que interpretam o mundo, proporcionando o conhecimento por familiaridade com a experincia afetiva. Esse modo de apreenso do real alcana seus aspectos mais profundos, que pela sua prpria imediaticidade no podem ser apresentados de outra forma. A partir dessas ideias, podemos compreender que "Entender a ideia de uma obra de arte mais como ter uma nova experincia do que como admitir uma nova proposio. (MARTINS, 1993, pg 348)

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Experincia, palavra que norteia nossas aes e escolhas nesse percurso. A

prpria durao do curso importante tambm para que no seja uma formao

meramente informativa, um manual de prticas e materiais que deve ser seguido como

uma receita de bolo. No terreno do subjetivo, do ldico, o tempo precioso. Propomos,

como diz Larrosa, pensar a educao a partir da dupla experincia/sentido, ao invs do

par teoria/prtica.

A experincia, a possibilidade de que algo acontea ou nos toque, requer um gesto de interrupo, um gesto que quase impossvel nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinio, suspender o juzo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ao, cultivar a ateno e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentido, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter pacincia e dar-se tempo e espao. (LARROSA, 2002, p. 24)

O autor ainda nos diz que o saber da experincia um saber particular, subjetivo,

relativo, contingente, pessoal. Duas pessoas, frente ao mesmo acontecimento, no

fazem a mesma experincia, logo o saber da experincia no pode ser separado do

indivduo concreto no qual encarna.

E assim acontece. Algumas aulas so extremamente fortes e reveladoras para

alguns, enquanto outros no se afetam especialmente por elas, e vo se sentir

mobilizados mais a frente, numa prtica diferente. Usarei alguns exemplos colhidos do

meu registro de impresses como professora, referentes primeira turma do CAED, de

2012. Essa turma era composta de 5 mulheres, com idades variando entre 18 e 57 anos.

Duas eram professoras da rede particular, uma de uma creche particular no legalizada,

uma era explicadora em um projeto de contra-turno escolar oferecido por uma igreja

evanglica, e uma estava cursando Pedagogia na UERJ, no modelo de ensino distncia.

O tempo de experincia em sala de aula tambm variava, de 15 anos a nenhuma.

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Temos o percurso de Elsa2, professora de uma creche particular dentro da

comunidade. A creche no legalizada, e a diretora segue um mtodo bastante

tradicional de ensino, priorizando aes que fazem os pais acreditarem que a escola

boa porque puxada. Lembrando que estamos falando de crianas de 1 a 5 anos,

que aos 3 j passam a maior parte do dia sentadas em carteiras, tem cadernos, tarefas,

e aos 5 j fazem provas.... Elsa passou a 1 metade do curso muito reservada e calada.

Eu diria que o estgio foi um estopim para ela, ela comeou a conversar mais com as

colegas de turma, e nesses momentos sempre fazia comentrios sobre alguma cena

presenciada nas aulas. Finalmente um dia ela falou bastante dela mesma, dos seus

sentimentos, e isso nunca tinha acontecido! Ela se identificou como uma pessoa rgida,

certinha, com dificuldades em lidar com novidades e diferenas, e que por isso se

fechava muito. Falou ainda que mesmo na escola ela vista assim pelos pais e colegas,

e que sabe que alguns pais no gostam dela, porque acham que ela muita dura e seca

com as crianas. Conta que antes ia dar aulas com um peso no corao, que detestava

tudo, a escola, at as crianas, parecia que ia para um funeral. E de repente tudo

mudou, ela passou a ter muito prazer, mesmo tendo que dar matria, descobrindo

maneiras de brincar, de trabalhar de outra forma com as crianas, com mais leveza, mais

brincadeira. Foi um depoimento intenso! Ela passou a refletir mais sobre a sua prtica,

e fez mudanas sensveis no seu cotidiano, deixando 1 hora por dia sem dar matria

para as crianas, deixando-as brincarem livres na sala de aula.

Dentro dessa mesma turma, minhas prprias impresses como professora do

grupo aps o seu primeiro dia de estgio so reveladoras do turbilho que ali se iniciou

.

contagiante a emoo delas com o estgio, elas esto muito empolgadas, como se agora todo o curso comeasse a realmente fazer sentido. O principal ponto que o Projeto quebra todos os esteretipos de alunos e professores que elas conheciam at aqui. Elas nunca viram (registro do relato do grupo): - professores to amorosos - professores que no gritam e mesmo assim so respeitados - professores que brigam e mesmo assim o aluno se sente amado - professores que brincam

2 Os trechos transcritos foram reproduzidos com prvia autorizao, os nomes so fictcios.

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- alunos que chegam dispersos e no fim fazem tudo o que o professor queria - alunos to felizes - alunos que parecem no estar prestando ateno nem ligando pra nada, e na verdade esto. Ins, que j fala muito normalmente, agora parece uma metralhadora, querendo relatar todas as revolues e desconstrues que acontecem dentro dela. Elsa, minha aluna to rgida, aos poucos vai se soltando. Ontem apareceu de cabelos soltos pela primeira vez no curso. Est apaixonada pela meiguice da professora, desconfio que ela no teve olhos pra mais nada, nem proposta, nem aluno, s o encanto por ela! Edna tem total conscincia da sua transformao, e quer mais, muito mais. Ela diz que nem gosta mais de preto (ela s se vestia de preto e bege), e est considerando usar vermelho! Mostrei os trabalhos de um aluno adolescente e ela se emocionou com a prpria sensibilidade, eu sei que nunca ia achar isso bonito, e agora eu olho e sei que lindo!. Karla est encantada com o professor e seu jeito muito louco. J comeou a imit-lo brincando muito com as crianas da sua turma, que devem estar agradecidas com esse surto que ocorreu nela... Preciso urgente explicar pra ela que no loucura, sensibilidade e espontaneidade, e que a droga que ele toma ldico na veia. Julia no sabe por quem est mais apaixonada, o professor, o assistente ou aquelas crianas lindas e geniais. Ela a que menos fala, mas sua postura est to mais presente, mais inteira, que difcil achar que ela est passando por isso em branco. (BACELLAR, dirio de bordo, registros de relatos do grupo, 2012)

Esse parece ser o momento em que tudo o que foi vivido, experenciado durante

o primeiro mdulo, no nosso tempo de nutrio, pode finalmente virar reflexo e ao.

Comeam a vir as dvidas de toda parte, o trabalho delas vai ficando mais rico, pois

agora elas percebem as ocorrncias dirias nas questes com suas crianas. Aquelas que

tem o enquadre da escola formal por um lado tem algum suporte para lidar com isso,

por outro sentem que a estrutura pode ser mais sufocante do que parceira. E as que

fazem parte do ensino informal, explicadoras dentro dos projetos sociais religiosos? At

esse momento, elas se limitavam a seguir as cartilhas, martelando contas e ditados,

mesmo lidando s vezes com crianas autistas, hiperativas, ou simplesmente com srias

dificuldades de aprendizagem. De repente, percebem que podem dispor de outras

ferramentas para conhecer melhor seus alunos e suas questes, melhorar seu vnculo

com eles e entre eles, e que o prazer pode ser a chave para a aprendizagem.

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Edna, outra educadora que trabalha num projeto religioso, contou sobre seu

aluno-problema, Rodrigo, que no comeo do ano no queria fazer nada de artes, pra

tudo dizia no sei. E para as matrias tambm, no conseguia acompanhar, tinha um

comportamento pssimo (relatos da professora). Ela sente que o olhar dela sobre ele

mudou, e percebeu que foi a que ele mudou tambm. Ele hoje desenha muito, tem um

trabalho bem diferenciado do resto da turma, est melhor nos estudos e com os outros

alunos, alm de ter um vnculo profundo com ela. Sinto que ela tem um amor enorme

dentro dela, uma paixo por essa mgica de ensinar, e que essa sensao de estar

fazendo isso melhor, de estar fazendo a diferena para eles, transformadora nela

tambm.

essa transformao de olhar que buscamos, ao longo do percurso de 9 meses

de curso. Que ao fim dessa gestao possa nascer um professor questionador, crtico,

reflexivo, que possa ver e viver a vivncia artstica como um elo de interlocuo entre

os saberes escolares. A transversalidade do conhecimento fundamental, e a relao

entre os contedos formais e a realidade dos alunos no pode mais ser deixada para

trs. Dentro desse cenrio, habilidades como a capacidade de trabalhar em grupo, a

criatividade e as solues singulares so cada vez mais valorizadas.

Ferreira (2011), citando Sousa (2003) e Duarte Jr (1998), afirma que a

contribuio da vivncia artstica para a formao docente vai alm da sua atuao

cotidiana, aparecendo tambm na forma como encara suas relaes de trabalho e como

problematiza e reflete sobre sua prpria prtica. O professor passa a observar e dispor

no seu dia a dia de diversas formas de apresentar os contedos aos seus alunos,

respeitando ritmos e singularidades, assim como suas diferentes formas de exprimirem

esse saber. Ele no mais simplesmente o detentor do conhecimento, a linguagem

verbal no mais a nica experincia de compreenso e expresso, e o aluno pode viver

o aprendizado de maneira integral.

Assim como no espao maior que a vida, a educao tambm vem se

enrijecendo assolada pelas informaes e comprometida com o excesso de finalidades

e metas. Parte considervel dos espaos educacionais lida e se alimenta quase que

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exclusivamente do concreto. Sem o contraponto das abstraes, perde-se o equilbrio,

e as obviedades e esteretipos se desenvolvem.

Para se dar partida a processos criativos legtimos, consideramos importante o

descomprometimento e o exerccio da impermanncia. Ou seja, os envolvidos com a

arte no devem se deixar aprisionar por hierarquias, valores concretos, poderes sociais

ou medidas formais de qualidade, assim como precisam desfrutar das riquezas contidas

nas mudanas e nas transformaes. Por instigar professores e alunos a essas reflexes,

torna-se visvel o enorme talento que a arte-educao tem na promoo do

desenvolvimento das relaes interpessoais e da tolerncia social.

Consideramos que, quando a educao associada subjetividade da arte,

pode-se mais facilmente transformar informaes em conhecimento. Ou, como nos diz

Ferreira (2011, p. 45), a experincia esttica uma possibilidade de vivncia reflexiva

que amplia a compreenso que se tem da realidade, que a problematiza e a transforma.

Referncias

BACELLAR, Andrea. Dirios de Bordo: registros das aulas do CAED, RJ, 2012. FERREIRA, Luciana Haddad. Arte de Olhar. Illion Editora, 2011. ____. A Formao do Professor por suas Narrativas: Desafios da Docncia. Revista Hiptese, v 1, pg 204-227, Itapetininga, 2015. HEGEL, G.W.F. Curso de esttica: o belo na arte. So Paulo: Martins Fontes, 1996. LARROSA, Jorge Bondia. Notas sobre a experincia e o Saber da Experincia. Revista Brasileira de Educao, n 19, pg 20-28, 2002. MARTINS, Maria Helena Pires; ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introduo Filosofia. Ed Moderna: So Paulo, 1993. RODRIGUES, Helio. FORMAE Curso para Formao em Arte-Educao, apostila de contedos tericos, Rio de Janeiro, atualizada em 2015.

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____. Contedos do site www.heliorodrigues.com.br

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DISCURSOS DOCENTES E A AVALIAO ESCOLAR:

COMPREENSES E RESIGNIFICAES

Andressa Farias Vidal

[email protected] UNIRIO/ GEPAC

Fernanda de Arajo Frambach [email protected]

UFRJ/LEDUC

Introduo

Este trabalho contempla duas pesquisas qualitativas que originaram as

dissertaes3 de mestrado das autoras (VIDAL, 2015; FRAMBACH, 2016): uma sobre a

avaliao escolar e outra sobre formao docente, as quais tm em comum como campo

a cidade de Niteri, localizada no estado do Rio de Janeiro, cujo ensino est organizado

em ciclos desde 1999; a opo metodolgica: pesquisa participante e anlise

documental, baseada nos pressupostos de Brando e Streck (2006), Freire (1981), Flick

(1981 e 2009); alm de uma investigao baseada nos discursos docentes, cuja anlise

dos mesmos apoia-se numa perspectiva bakhtiniana (BAKHTIN, 2005, 2011, 2014a,

2014b), visando compreender o discurso em busca de regularidades discursivas, a fim

de alcanar a explicao sobre a conscincia discursiva dos locutores.

Devido experincia por quase duas dcadas com a docncia, tanto com

discentes quanto com a formao docente, elegemos estes procedimentos de

investigao tendo vem vista compreender o universo educativo pelo vis dos sujeitos

que encaminham este processo: os professores, os quais por meio de entrevistas

forneceram importantes dados, que foram refletidos juntamente com as informaes

3 " Esse j t reprovado!" UM ESTUDO SOBRE A COMPREENSO DOS PROFESSORES EM RELAO REPROVAO ESCOLAR NUMA ESCOLA ORGANIZADA EM CICLOS" e "ENTRE URDIDURAS E TRAMAS: TECENDO REFLEXES SOBRE LEITURA, LITERATURA E (TRANS)FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES ALFABETIZADORES"

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obtidas por meio do levantamento bibliogrfico, o qual foi realizado junto ao Banco de

Teses e Dissertaes da CAPES, das Reunies da ANPEd e do SciELO Brasil, no perodo

compreendido entre 2010 a 2014 e 2011 e 2015, respectivamente.

Nesse contexto, cabe ainda ressaltar o lugar de onde falamos e que nos constitui

enquanto docente e tambm produtoras de diferentes vozes em distintos contextos de

produo de conhecimento, a saber: 2006 - Docncia na Rede Municipal de Educao

de Niteri; 2010 a 2012 Formao Docente no Pr-Letramento Linguagem; 2013 a

2016 Formao Docente e Superviso no Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade

Certa.

Essas experincias foram vivenciadas no lugar que tambm o nosso campo de

pesquisa neste estudo: a cidade de Niteri, cuja rede de ensino conta atualmente com

55 Escolas Municipais (UE), sendo 17 dessas com atendimento de Educao Infantil

tambm; 40 Unidades Municipais de Educao Infantil (UMEI), sendo 4 dessas Ncleos

Avanados de Educao Infantil (NAEI); 25 creches comunitrias; e 3 escolas de

educao integral (UETI) com espaos ambientes de aprendizagem.

Vale ressaltar que a referida rede est estabelecida em ciclos desde 1999, porm

em 2010 esta organizao foi reimplantada com novas nuances e recentemente, em

2014, as discusses sobre o formato do ensino foram novamente retomadas, e

constituram o documento "A escola que queremos" (NITERI, 2014), o qual, assim

como os anteriores, promove uma reflexo sobre as diferentes formas de avaliar os

alunos, buscando uma uniformidade a esse respeito.

Nesse sentido, faz-se necessrio explicitar a concepo de ciclo que vigora

atualmente no municpio de Niteri: Os ciclos no so um mtodo de ensino tampouco

um sistema de ensino, mas sim uma nova concepo de escola, que contribui para a

formao da cidadania e da diversidade cultural (NITERI, 2010, p. 19), por isso,

salientar-se que preciso considerar as mltiplas faces socioeconmicas e culturais dos

alunos da Rede Municipal de Ensino. (...) Os ciclos contribuem na medida em que se

apresentam possibilidades de organizaes de tempo e espao de aprendizagem

adequados s necessidades e possibilidades dos alunos (IDEM).

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Diante disso, importante salientar que em Niteri toda a escolarizao est

estabelecida em ciclos: a Educao Infantil, o Ensino Fundamental e a Educao de

Jovens e Adultos. Ao implementar a organizao do ensino municipal em ciclos, o

referido municpio vem cumprindo uma determinao do Conselho Nacional de

Educao, por meio do Artigo 10 das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental de

Nove Anos, o qual estabelece no Inciso III, 1:

Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia, fizerem opo pelo regime seriado, ser necessrio considerar os trs anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedaggico ou um ciclo sequencial no passvel de interrupo, voltado para ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematizao e aprofundamento das aprendizagens bsicas, imprescindveis para o prosseguimento dos estudos. (BRASIL, 2010)

Entretanto, h muitas controversas entre o que prev a legislao niteroiense e

as variadas prticas docentes cotidianas. Diferentes pesquisas j se debruaram sobre o

tema a fim de compreender sobre como os preceitos de uma organizao escolar em

ciclos mostra-se no cotidiano escolar, por isso, buscamos, por meio das vozes docentes,

compreender como os professores se apropriam e ressignificam os conceitos e formas

de utilizao, especialmente no diz respeito avaliao escolar.

AS VOZES DOCENTES E AS PRTICAS DOCENTES AVALIATIVAS

Na organizao escolar em ciclos um dos pontos de destaque a avaliao, a

qual provoca tanto em docentes quanto nos pais e responsveis uma no aceitao dos

ciclos por compreenderem que no existe avaliao, entretanto, diferentes autores

(ESTEBAN, 2001; 2002; JACOMINI, 2009; MOYSS, 2001; PARO, 2013; 2011; PATTO,

2008; SOUSA 1996; VILLAS, 2013 ) defendem que a avaliao no ensino em ciclos

distinta daquela realizada no ensino tradicional, visto que as prticas de avaliao

classificatrias/quantitativas, baseadas numa perspectiva seletiva/excludente, que

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acarretam na Pedagogia da Repetncia, do lugar a uma avaliao

processual/qualitativa, com uma perspectiva inclusiva e uma pedagogia multicultural,

que respeita as diferenas.

Alm disso, as prticas pedaggicas do ensino tradicional, to enraizadas e ainda

presentes no cotidiano atual, tais como o currculo seriado, o livro didtico seriado e as

prticas avaliativas centradas em provas e testes (FETZNER, 2007), reforam as

dificuldades de renovao do ensino e acarretam numa complexidade de entendimento,

visto que se os ciclos propem uma nova forma de avaliar, como compreender que as

prticas pedaggicas continuam inalteradas? Essa questo provoca incompreenses

especialmente naqueles que no veem os ciclos como uma possibilidade de

compreender e oportunizar com igualdade de direitos e possibilidades, a todos os

alunos, independentemente de suas histrias de vida e especificidades em relao

facilidade ou dificuldade de aprendizagem, visto que entende o aluno e o seu

conhecimento como um todo, sendo esse extremamente importante para dar

continuidade aprendizagem de outros conhecimentos.

No entanto as prticas da escola atual permitem compreender que esta ainda

acredita na chamada lgica da homogeneidade (ESTEBAN, 2002), a qual se caracteriza

pela errnea ideia sobre todos os alunos aprenderem no mesmo ritmo e da mesma

forma, como destacado por uma docente entrevistada: "a aprendizagem envolve o

trabalho entre grupos que possuam o mesmo objetivo de estudo, seja nas dificuldades

ou habilidades" (VIDAL, 2015, p.121).

Alm disso, as prticas pedaggicas, mesmo no ensino organizado em ciclos

ainda pressupem mtodos do ensino tradicional, tais como o conhecimento

fragmentado; conhecimento ordenado em sequncia linear; e instrumentos

padronizados de avaliao (FETZNER, 2007). Numa pesquisa realizada em 2010, Fetzner

tabulou as atividades escolares sem xito, elencadas por professores de diferentes

municpios do Estado do Rio Janeiro. A saber: atividades individuais passivas; cpias sem

significado; dever de casa; memorizao. No entanto essas so as aes rotineiramente

realizadas por professores ainda hoje.

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De acordo com uma pedagoga entrevistada o sistema de ciclos uma proposta

que visa ampliar o tempo destinado alfabetizao para facilitar a aquisio dos

processos de leitura/escrita aos alunos que apresentem dificuldades quanto a estes,

diminuindo o ndice de evaso escolar" (VIDAL, 2015, p.95). No entanto, ao questionar

uma professora sobre o fato de um aluno no saber ler ao final do 1 ano a docente

revela que " lamentvel e muitas vezes, quando isso ocorre, o aluno possui algum

problema que s vezes no percebido pelo professor ou por nenhum profissional da

escola" (VIDAL, 2015, p.97).

Outra docente, inquirida com a mesma pergunta revela: "grave o caso de o aluno

no saber ler ao final do 1 ciclo" (IDEM) e destaca os motivos que levam a no

alfabetizao: "a falta de participao da famlia na vida escolar dos filhos, alunos com

algum dficit na aprendizagem ou distrbio de aprendizagem, a dificuldade de organizar

os reagrupamentos por falta de profissionais" (Idem). Interessante observar que dois

dos trs motivos citados para dois soam como culpa do aluno, e apenas um decorrente

da falta de compromisso por parte da gesto municipal em garantir uma parte essencial

para o funcionamento dos ciclos: recursos humanos - profissionais especializados para

realizar os reagrupamentos por nvel de conhecimento.

Vale destacar que ambas as falas foram proferidas por professoras que

trabalham na rede de Niteri e por isso deveriam compreender que no ensino em ciclos,

estando no 1 ano o aluno ainda teria at mais dois anos para completar a sua

aprendizagem, de acordo com os objetivos propostos para o 1 ciclo, o qual

composto pelo 1, 2 e 3 anos de escolaridade.

A situao se agrava quando o questionamento volta-se para a reprovao, cujas

falas revelam: "tem que reprovar sim, s assim eles ficam com medo e estudam" (VIDAL,

2015, p.20), pois compreendem a reprovao como "uma maneira de dar uma chance

ao aluno a entender ou amadurecer os conceitos trabalhados" (VIDAL, 2015, p.24). Ou

ainda: "a coisa boa do ciclo em Niteri poder reprovar ao menos em alguns perodos,

assim a gente tem a oportunidade de corrigir os problemas do aluno no ter ficado retido

nos outros" (VIDAL, 2015, p.122).

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A situao se modifica quando a questo a avaliao externa, entretanto

dado um status indevido para esta: "daqui a pouco chegam as avaliaes da rede e meus

alunos vo se dar mal, pois apesar deles saberem muitas coisas, porque eu me preocupo

com o ensino, eles no sabem muito responder quelas perguntas daquele jeito que so

cobradas" (VIDAL, 2015, p.113). H ainda outras formas de pensar: "Eu me preocupo

com eles (alunos), como esto entendendo, construindo e interagindo, no ligo para pai

na minha porta e fao questo de explicar como eu trabalho" (VIDAL, 2015, p.113).

Destarte, torna-se fulcral que as prticas docentes no contexto do ensino em

ciclos renovem-se para que possam estabelecer uma harmonia entre o que esta

organizao preconiza, especialmente no que se refere a avaliao escolar, a fim de que

os discursos docentes de fato revelem prticas que visem o aluno como foco do

processo de ensino-aprendizagem.

O QUE PDE SER OBSERVADO

Ao investigar o cotidiano escolar sob o vis das vozes docentes foi possvel

perceber diferentes desafios, especialmente sobre a avaliao escolar, cuja defesa pela

reprovao ainda era entendida como comum, ou um mal necessrio, mesmo

considerando o contexto da organizao do ensino em ciclos de formao. Ao analisar

os discursos docentes foi possvel perceber tambm que os docentes demonstravam

muito interesse em aprender para melhorar suas prticas e obter xito com alunos to

diversos e com anseios e especificidades to distintas, o que se apresentava, por vezes,

como um dilema docente, dada a grandiosidade deste para se abarcar num mesmo

trabalho pedaggico.

Por outro lado, foi possvel perceber tambm uma grande resistncia dos

professores em renovar as suas prticas cotidianas, vistos que estas ainda reproduzem

modelos do ensino tradicional, o qual entende que todos os alunos tem o mesmo ritmo

de aprendizagem e por isso no necessrio mudar as estratgias de ensino para dar

conta de todos, visto que quele que no aprenderem no h nada a ser feito.

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As concluses apontam para importantes necessidade de renovao dos

movimentos dos docentes em relao aos processos docentes e formativos, incluindo a

mudana nas prticas pedaggicas oriundas das diferentes experimentaes

oportunizadas nas atividades realizadas individual e coletivamente ao longo das

referidas pesquisas. Alm disso, as investigaes e seus procedimentos de coleta de

dados revelaram-se como potencializadoras dos discursos e fazeres docentes, uma vez

que foi possvel observar novas prticas, novos pensamentos e a reflexo destes poder

contribuir para a tomada de novas decises em relao compreenso das

potencialidades de um ensino de fato voltado para todos os alunos.

REFERNCIAS

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ARTE, ESTTICA E EDUCAO: EXPERINCIAS NA FORMAO INTEGRAL

Angelina Accetta Rojas

[email protected] Jackson Bentes

[email protected] UniLasalle

A educao do sensvel configura um vasto territrio do qual, sem dvida, a arte-

educao uma de suas componentes. Nos domnios da educao esttica (ou

educao do sensvel) compreendida a educao da sensibilidade que requer

fundamentos, mtodos e parmetros que a favoream. Essa mediao implica em

perceber os apelos por prticas mais criativas que considerem as expresses humanas

de alegria e motivao, de dor, de tristeza, de prazer ou desconforto, num movimento

de contnuas superaes e aperfeioamentos. necessrio, ento, utilizar uma

perspectiva ampla, multidisciplinar, que estude como o ser humano se apropria do

mundo por meio de sua sensibilidade. O sensvel a condio de possibilidade da vida

e do conhecimento. Da a tnica que colocada sobre a [...] experincia esttica:

experincia artstica, stricto sensu, experincia de religiosidade... (MAFFESOLI, 1996, p.

76).

Assim, arte, cultura e educao confluem na chamada educao esttica,

processo no qual intervm todo o conjunto de influncias do ambiente social. Cabe

lembrar, como antecedente histrico, que Schiller (1805) definiu as bases de uma

educao esttica como o despertar da percepo da beleza, do gosto e do impulso

ldico. nesse estado que o homem vivencia suas experincias e desperta sua

sensibilidade.

Entre os processos adotados para atingir os objetivos da educao esttica,

podem ser consideradas, segundo Read (2001), experincias sensveis com a natureza e

com o ambiente social, ampliando possibilidades de percepo do mundo.

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A EXPERINCIA COM A CULTURA

No Brasil, ao final do ensino mdio, os alunos fazem uma prova organizada pelo

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, rgo do Ministrio da

Educao, para aferir a sua aquisio de competncias, com ateno a conhecimentos

e experincias relevantes nesse nvel de ensino. Nessa prova so includas questes

referentes a aspectos cognitivos e questes sobre a experincia cultural oferecida pelas

escolas.

O valor da cultura como aspecto significativo da formao humana ento

reconhecido nesse exame, assim como na seleo de alunos para acesso ao ensino

superior e tambm para o acesso a espaos profissionais. Autores como Freire (1996),

Morin (2000) e Levy (1994) ressaltam o sentido da ao cultural a partir da apreenso

da arte como forma de conhecer o outro. Percebe-se, ento, que a linguagem artstica

frequentemente ultrapassa fronteiras tnicas e se torna universal, sem perder suas

caractersticas originais.

Diferentes experincias, com diferentes representaes, expressam-se de forma

distinta. Freire (1996) ento observa que:

O homem enche de cultura os espaos geogrficos e histricos. Cultura tudo o que criado pelo homem. Tanto uma poesia, como uma frase de saudao. A cultura consiste em recriar e no em repetir. O homem pode faz-lo porque tem uma conscincia capaz de captar o mundo e transform-lo (FREIRE, 1996, p. 30).

A identidade cultural est em constante renovao, no somente pela

mundializao e pela cultura de massa, mas tambm pela prpria dinmica da vida. A

identidade cultural pode e deve ser enriquecida pelo processo de construo do

conhecimento por meio de programas orientados pela tica em ao cultural e por uma

viso social responsvel, por uma identidade autntica e singular, que reconhea e

valorize o conhecimento de outras identidades, ou, como afirmou Morin (2000):

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A grande necessidade a da mudana das mentalidades, de superar o grande paradigma da civilizao ocidental mantendo-se uma mente aberta e crtica, atenta para a grande importncia das experincias imaginativas e sensitivas que constituem o universo das artes [...] fazer convergir e conjugar as diferentes reformas atravs da educao, da sociedade e da poltica, conectando a educao e a cultura [...].

Em relao s mutaes culturais, Pierre Lvy (1994) assinala que, devido ao

mundo estar se expandindo graas aos diferentes meios de comunicao, as

oportunidades de conhecer o outro e, ao mesmo tempo, se conhecer, esto se

multiplicando. O conhecimento acontece, no mais a partir de um centro, mas atravs

de redes, por meio de um aprendizado coletivo.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2015) para a formao inicial em

nvel superior e para a formao continuada, considera-se:

[...] a docncia como ao educativa e como processo pedaggico intencional e metdico, envolvendo conhecimentos especficos, interdisciplinares e pedaggicos, conceitos, princpios e objetivos da formao que se desenvolvem entre conhecimentos cientficos e culturais, nos valores ticos, polticos e estticos, inerentes ao ensinar e aprender, na socializao e construo de conhecimentos, no dilogo constante entre diferentes vises de mundo (BRASIL, 2015, p. 2).

Com base no permanente dilogo intercultural, as Diretrizes enfatizam, ainda,

que os profissionais do magistrio so agentes formativos de cultura e, portanto, h

necessidade de seu acesso permanente a informaes, vivncia e atualizao culturais,

bem como as prticas educativas nas dimenses fsica, cognitiva, afetiva, esttica,

ldica, artstica, tica e biopsicossocial (BRASIL, 2015).

Assim, a experincia dos alunos com a arte e a cultura pode ser pesquisada e

compreendida atravs de suas opinies, que revelam a sua atitude, sua avaliao de

valor da experincia, e sua informao sobre ela, podendo-se, desse modo, perceber,

de acordo com a predominncia de respostas comuns dos alunos, os aspectos mais

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significativos das suas respostas. Esse encaminhamento metodolgico recorrente

teoria de representaes sociais.

TEORIA DE REPRESENTAES SOCIAIS

As representaes sociais expressam, sobretudo, os significados que, a partir de

suas experincias, os sujeitos atribuem ao objeto de suas representaes. Por objetos,

Jodelet (2006) compreende processos, pessoas, papis, atividades, que os sujeitos

vivenciam e sobre as quais dialogam em seus grupos sociais.

A construo da teoria iniciada com Serge Moscovici (1968), nos anos 60, na

Europa, acrescentando-se, posteriormente, outros pesquisadores que aprofundam e

ampliam anlises sobre o seu significado, seus mecanismos, suas dimenses.

Nos estudos de Goffman (2002), Schopenhauer (2001) e Arruda (Org., 1998) enfatiza-

se, especialmente, a repercusso das representaes, no s nos significados que os

sujeitos atribuem aos objetos, como naqueles que atribuem a si prprios, formando suas

autorrepresentaes.

Abric (1998), Flament (2001) e S (1996) aprofundam as questes da estrutura

das representaes, com um ncleo central, onde se localizam os significados essenciais

atribudos pelos sujeitos aos objetos da representao, e os elementos perifricos,

complementares ao ncleo, ou ento, os divergentes dos significados nucleares

atribudos ao objeto das representaes.

Na gnese do debate das representaes sociais (RS), destacam-se dois fatos: as

formulaes iniciais, em Durkheim (2007), e o movimento da Psicologia, nos anos 60, na

direo de pesquisas orientadas por interesses sociais, superando a tradio

behaviorista.

Assim, a discusso do conceito de representaes foi incrementada na Psicologia

Social em razo da insuficincia de modelos clssicos (particularmente o behaviorista)

de explicao das interaes dos sujeitos entre si e com o mundo. Essa discusso ocorre,

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portanto, no momento em que a Psicologia se mobiliza na direo de entender e intervir

na realidade, deixando o plano abstrato de produo do conhecimento, para atuar em

favor da soluo de problemas sociais concretos.

Por isso, Vala (1993, p. 16) reconhece [...] o advento da era das representaes

sociais, influentes na produo, e no apenas na reproduo, de pensamentos e aes.

Renova-se, portanto, o entendimento do significado das opinies, imagens, atitudes,

esteretipos, at ento influenciados por uma viso behaviorista.

Opinies, imagens, atitudes (como veculos e expresses de representaes)

passam a ser entendidas, no s nas influncias que recebem, mas nas influncias que

proporcionam explicao e constituio das experincias, ou seja, dos critrios (e

categorias) de compreenso dos fatos, orientao de comportamentos e identificao

dos sujeitos nos grupos sociais.

Jodelet (1989) observa, ento, que na formao de representaes, ocorre um

processo de elaborao cognitiva e simblica, que tem influncia sobre

comportamentos. nesse aspecto que a noo de representaes d um novo sentido

a outros "modelos psicolgicos" e confere um novo entendimento s opinies, imagens,

atitudes. Nas representaes associam-se processos simblicos, comunicaes,

condutas, vises compartilhadas, reafirmando-se que no curso da comunicao e

interao sociais, atravs de representaes, formulam-se explicaes dos "objetos".

Essas explicaes conduzem-se por "categorizaes" ou "classificaes" que influem na

maneira de pensar e agir dos sujeitos.

APRESENTAO DOS RESULTADOS

Ao apresentarmos os comentrios dos alunos do Curso de Pedagogia do

UNILASALLE RJ, lembramos que a proposta no foi a de distinguir ou comparar

respostas de cada categoria de sujeitos, mas perceb-las em seu conjunto, bem como

no ncleo central de significados e seus elementos perifricos. A percepo deu-se,

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ento, a partir dos significados complementares ao ncleo tranado, assim, um

esquema figurativo da estrutura da representao social: o ncleo e os elementos em

seu entorno.

clara a percepo entre a relao de arte, sensibilidade e conhecimento. Atravs das diversas exposies percebemos culturas diferentes e adquirimos conhecimento Atravs das obras aliadas ao som ambiente da Galeria, podemos perceber a composio e o dilogo com as diferentes expresses Percebo a relao entre arte e o estmulo sensibilidade na busca de conhecimento adquirido academicamente. um ambiente rico e acolhedor. As atividades realizadas na Galeria despertam a curiosidade e o conhecimento atravs do toque, do olhar, do som, fazendo-nos perceber a relao entre arte e cincia. A arte permite uma efetiva educao dos sentidos, portanto estimula e desenvolve a sensibilidade. Algumas obras de arte convidam ao olhar, ao retorno, para ter o privilgio de v-las mais uma vez, e buscar de entendimento sobre suas origens, e sobre aquilo que mobilizam, e isto pode levar construo do conhecimento. A relao entre arte, sensibilidade e conhecimento existe desde os primrdios da humanidade. Complementam-se numa rica mistura entre a emoo da sensibilidade e a teoria propriamente dita. Na minha concepo, Arte nada mais do que o conhecimento das sensibilidades que envolvem seu criador Percebo que as pessoas ficam mais sensveis, pois a arte mexe com nossos sentimentos e que nos leva a refletir sobre momentos bons e ruins, trazendo ao nosso corpo e mente a busca pelo conhecimento culturais e teatrais levando para o meio artstico um cenrio para o mundo da realidade, e tambm onde pessoas vivem em depresso, assim a arte e cultura ajuda a superar os desafios pessoais emocionais em todo aspecto de vida para o ser humano. Eu tenho participado de alguns eventos. Os eventos em si levam a mais conhecimento, mais possibilidade de apreciar sua arte e, consequentemente maior sensibilidade. Alm da arte em si, apresentada na Galeria de Arte La Salle, fala bem forte toda a sua arrumao, a sua iluminao, a sua organizao em geral. O s estar no local, em sua boa iluminao e organizao j desperta para o belo e o bom e faz com que a gente seja elevado ao clima que se pretende. Na convivncia com os alunos percebo que a sensibilidade e o conhecimento tem seus fundamentos na Arte, pois atravs dela, que nossos sentidos despertam em vrios aspectos, entre eles o visual, que nos leva a pesquisa e a novas descobertas.

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O impacto visual atualmente o mais relevante sendo essencial uma Galeria existir dentro da universidade onde as pessoas esto buscando conhecimento. Nada melhor que a arte para inspirar o conhecimento.

Diante das respostas positivas (100%) dos sujeitos, podemos considerar que as

ideias mais frequentes que se apresentaram nas justificativas dizem respeito

percepo da relao entre arte, sensibilidade e conhecimento na apreenso e na

fruio das obras expostas na Galeria de Arte.

Dando prosseguimento apreciao dos dados, a anlise das associaes entre

a palavra arte e cinco outras palavras de livre meno dos sujeitos da pesquisa, foi

possvel identificar os seguintes ncleos de sentidos atribudos pelos sujeitos:

Figura 1: Esquema

perifrico

Fonte: Angelina Rojas

Assim, nos resultados, observamos que os elementos do ambiente do Ncleo de

Arte e Cultura, presentes na Galeria de Arte La Salle, tm proporcionado aprendizagens

que se descortinam, mais ampla e profundamente, luz da viso artstica e das

inspiraes imagticas. As opinies permitiram tambm consolidar o princpio de que,

por intermdio da arte, da imaginao e criatividade, pode-se reconstruir o real e,

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consequentemente, ideias e percepes, com expressivos subsdios construo do

conhecimento. Dessa forma, a relao entre arte, imaginao, sensibilidade e

conhecimento implica um conceito de arte e expresses imaginrias como vetores

significativos de descobertas que aproximam sujeito e objeto do conhecimento com

experincias estticas e sensveis do ir e vir no caminho do corredor cultural, Galeria

de Arte.

REFERNCIAS

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REPRESENTAES SOCIAIS DE INCLUSO:

UMA DISCUSSO ACERCA DAS PRTICAS DE ENSINO

Antnio Eugnio Cunha

[email protected] Alda Judith Alves-Mazzotti

[email protected] UNESA

Introduo

Os movimentos para a incluso dos educandos com necessidades educacionais

especiais no ensino regular ganharam nfase nos ltimos anos em consequncia das

polticas de direitos sociais e das reivindicaes de grupos at ento