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    III Jornada de Anlise do Discurso da UESC

    A ANARQUIA PARA TODOS - DISCURSO POLTICO EM V DE VINGANA

    Isa Ferreira Lima

    Resumo: Como principal objeto deste estudo, temos o filme V de Vingana (2005, JamesMcTeigue), declaradamente baseado na obra em quadrinhos (1988, Alan Moore e David Lloyd),a partir do qual surge uma reflexo sobre a mscara enquanto lugar de enunciao do sujeitoanarquista. A partir de leituras de Courtine e Foucault, principalmente de suas discusses sobrepoltica e governamentalidade, busca-se analisar como o sujeito anrquico se desdobra porintermdio da mscara e da expanso de seu uso enquanto signo poltico, dando origem a umaespcie de sujeito quimrico: muitos corpos e um s rosto. O estudo ancora-se em imagenspara pensar posicionamentos polticos enquanto prticas de subjetivao/dessubjetivao emodos de resistncia. A hiptese de que a mscara, o objeto em foco, ampara o surgimentode uma rede enunciativa, numa narrativa ficcional distpica e altamente politizada, cujocontedo articula a anarquia enquanto possibilidade de oposio a um sistema imperativo depoderes.

    Palavras-chave:Anlise do discurso. Discurso flmico. Anarquia. Mscara

    Introduo

    Foi no campo poltico onde primeiro se colocaram os discursos emquesto; nele, ocorre a apropriao de certas ferramentas enquanto fatoresque definem posicionamentos, e a partir dele foi possvel pensar um lugar delegitimidade para desenvolvimento desta disciplina, quando ela surge em fins

    da dcada de sessenta. Dentre os componentes deste domnio discursivoesto desde as prticas orais e modos de falar at histrias de vida e maneirasde comportamento. Cada recorte pode, no entanto, ultrapassar seus habitatsnaturais e invadir outros campos. Como sugere Courtine, devemos buscaroutros objetos, outros sentidos, para balanar as estruturas que pensamosestarem definidas. O incmodo se faz necessrio a essa abertura para novasleituras possveis [COURTINE, 2006, p.27]. Assim, unem-se, no presenteestudo, ou melhor, sobrepem-se, a anlise do discurso poltico e a anlise dodiscurso da imagem ou anlise do discurso flmico, se considerarmos tomar aimagem em movimento.

    Por que analisar a imagem? Ao contrrio da poltica, o campo do visual

    demorou a ser reconhecido enquanto portador e produtor de sentidos. Semreduzir outras linguagens, plausvel dizer que a imagem no se torna legvela partir de um manual sinttico. Apesar de o cinema possuir uma fortetendncia tecnicista, por sua natureza mecnica e sempre mediada, o quechega ao analista que a priori um espectador , a imagem em sua formafinal, calculada e recortada em sua continuidade: o filme. a partir daimagem se projetando no olho e do olhar repousando sobre a imagem, que ossentidos germinam. Os modos de mostrar se defrontam com os modos de ver.

    Seguindo por este caminho, o objeto principal deste estudo o filme Vde Vingana, dirigido por James McTeigue e lanado no ano de 2005. Este, porsua vez, foi pensado a partir da histria em quadrinhos homnima, escrita por

    ___________Graduanda em Cinema e Audiovisual, VIII semestre, pela Universidade Estadual do Sudoeste

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    da Bahia. Trabalho de pesquisa iniciado no Labedisco/CNPq Laboratrio de estudos doDiscurso e do Corpo, coordenado pelo prof. Dr. Nilton Milanez: www.uesb.br/labedisco. E-mail:[email protected]

    Alan Moore e ilustrada por David Lloyd, lanada pela primeira vez em umaverso completa no ano de 1988. Faz-se necessrio, ento, apresentar umbrevssimo contexto histrico. Para os fins deste estudo, no entanto, asseguintes colocaes contribuiro no num sentido didtico, mas, sim, paramontarmos o campo associado que permita compreender as condies deapario desta superfcie enunciativa manifesta na figura da mscara. Elamolda-se sobre um rosto em particular: Guy Fawkes, um soldado britnicoexecutado em 1606. Acusado de traio, Fawkes foi capturado na noite anterior execuo dos planos que desencadeariam a Conspirao da Plvora. Aao principal do grupo seria explodir o Parlamento Britnico durante umasesso na qual o rei James I estaria presente. No entanto, o rosto que vemostomar as ruas, hoje, como emblema de protesto ou revolta, sequer pertencia a

    um dos lderes da Conspirao. Ainda que exercesse a funo omissa de vigiados barris de plvora que se destinavam a alimentar a exploso, evidente omotivo de Fawkes ter se tornado a estampa permanente desta causa:

    (...) it was Fawkes who was caught red-handed under the Houses ofParliament, Fawkes who refused to speak under torture, and Fawkeswho was publicly executed. Catesby, by contrast, was killed evadingcapture and was never tried [http://www.bbc.co.uk].

    Fawkes, no entanto, tornou-se mrtir de duas causas. Tendo recebidoum convite por conta de seu largo conhecimento em explosivos, aderiu

    causa, num mbito mais particular, por se opor solidamente ao Protestantismo.A memria de Guy Fawkes tambm evoca um ideal de resistncia de umacorrente extremista Catlica.

    A mscara nos remete, ento, dissimulao da prpria personagem,V, enquanto sujeito poltico. Ela evidencia uma multiplicidade que talvez sejanatural ao sujeito moderno.Progressivamente, este artefato vem encontrandonovos espaos sociais de propagao para citar um exemplo muito prximo,as manifestaes ocorridas no Brasil vinculadas ao Movimento Vem Pra Rua,com maior incidncia durante o ano de 2013 e cujo estopim foi o aumento dapassagem do nibus na cidade de So Paulo. As reaparies destacam o valorhistrico da mscara enquanto uma imagem. Seja pela regularidade ou pela

    irregularidade, um enunciado tem sempre margens povoadas de outrosenunciados [FOUCAULT, 2000, p.110]. Este valor inerente aparece bemexplanado na noo de campo de memria, desenvolvida por Foucault: aamplitude dessas aparies, sem a necessidade de uma rigidez cronolgica,mas seguindo um fio que beneficie o discurso em questo. A aderncia damscara a um movimento como esse retoma apenas uma parcela de seu pesosimblico e a que ser igualmente tomada aqui, para seguir por umcaminho sobretudo poltico, apesar da impossibilidade das desvinculaesideais. Prosseguindo com Courtine (sua fala sobre o discurso comunista,mas deduz uma dinmica cabvel a uma infinidade de recortes discursivos), ouso e a reutilizao da mscara de Guy Fawkes repete e amplifica alguns

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    enunciados, enquanto, simultaneamente, exclui outros de seu campo de viso[COURTINE, 2006, p.30]. A escolha de um corpus consiste em iluminar namesma medida em que reconhece a penumbra que se cria em torno dorecorte. Aqui, para especificar ainda mais, a luz tende a repousar sobre o usoda mscara como metfora visual da anarquia; esta, um mecanismo que

    possibilitaria a liberdade individual a partir da unio. Esta ideia transparece namaterialidade flmica, portanto trechos visuais foram selecionados para fins dedemonstrao. As imagens trazidas devem elucidar o contedo do texto, mas necessrio lembrar que a apario desse discurso est dentro do filme umaobra completa e em movimento, mesclando-se com tantas outraspossibilidades e correndo por dentro da consecutividade das imagens. Opropsito no tomar a mscara por monumento, mas perceber como a []regularidade, casualidade, descontinuidade, dependncia, transformao[FOUCAULT, 2014, p.53] de suas aparies durante o filme permitem oacontecimento do discurso.

    Seguindo o raciocnio, razovel apresentar tambm uma concepo de

    anarquismo. Enquanto movimento, o anarquismo pensa no apenas osobjetivos, mas a maneira de alcan-los reflexo e prtica. Duas ideiasprincipais se oferecem concepo de anarquismo:

    A primeira o descreve como um homem que acredita ser preciso queo governo morra para que a liberdade possa viver. A outra v nele ummero promotor da desordem, que no oferece nada para colocar nolugar da ordem que destruiu [WOODCOCK, 2007, p.8].

    Reina a dicotomia no imaginrio universal: numa construo distanciada,a ausncia de um governo complementar a uma noo de caos; no entanto,se tomarmos descries dos objetivos do movimento anarquista a partir de umaperspectiva mais aproximada, percebemos que estes mesmos conceitos governo e caos so pensados em uma relao de oposio. Existe umpercurso dos usos dos termos relacionados Anarquia que, atravs da histria,tornou possvel tais redues. Esse levantamento escapa ao propsito, mas acincia deste pano de fundo apenas contribui na elaborao do contedoapresentado a seguir.

    A mscara e o rosto

    Redirecionando, ento, chegamos ao protagonista, V, que situa sua

    postura entre estes dois juzos. Num primeiro momento, V se adapta muito bemao esteretipo gerado a partir da segunda ideia relatada por Woodcock, de umassassino a sangue-frio, que ataca com punhais e bombas os pilaressimblicos da sociedade estabelecida [WOODCOCK 2007 p.8]. Ele torna-seum maestro da destruio. Mas se ele destri monumentos do poder, tambmredistribui seus simbolismos, sua responsabilidade, seus efeitos uma clarainverso dos lugares de autoridade, inverso sempre presente na fala dopersonagem V: People should not be afraid of their government, governmentshould be afraid of their people.

    O poder, suas estratgias, se exercem sobre os corpos dos indivduos numa tradicional composio hierrquica, o corpo do monarca e o corpo

    social. A relao povo/Estado intensamente corporal, pois no desenrolar deum processo poltico [] apareceu, cada vez com maior insistncia, o

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    problema do corpo [FOUCAULT, 2013, p.237]. Para melhor compreender estarelao dentro da obra, as imagens se apresentam convenientes.

    Figura 1 Primeira apario do personagem V

    Num primeiro momento de apario, os rostos que protagonizam a trama

    distinguem-se por seus modos de apario, que os colocam em lugaresdistanciados, talvez opostos: a cmera subjetiva para o heri, o superclosepara o vilo. Se primeira vista esta parece uma questo simplesmentetcnica, retomamos que a imagem cinematogrfica, enquanto linguagemdiversa possui, tambm, formaes discursivas e estratgias sui generis. apropriado tomar a tcnica enquanto ttica discursiva, pensando,principalmente, o enquadramento e a repetio para demonstrar a oposioque se apresenta na diferena das maneiras de mostrar estes rostos.

    A mscara apresentada ao espectador diante de um espelho (Figura1). A cmera subjetiva, que simula o olhar do prprio personagem, um conviteao espectador para vesti-la e nela reconhecer-se, durante todo o filme. Ao

    mesmo tempo, a apresentao do personagem se d mediante o reflexo oespectador se enxerga na imagem heterotpica daquela ideia disseminadapela mscara, que o autoriza a ocupar aquele mesmo lugar, o lugar de umrevolucionrio, um lugar de resistncia.

    Para o Chanceler Sutler, no entanto, o enquadramento bastantediferente, gerando efeitos de sentido tambm distintos. Temos um planoconjunto, mais aberto e apresentando vrios corpos em cena;simultaneamente, este plano faz as vezes de um close, dadas as proporesdo rosto do chanceler em cena, e seu enquadramento dentro de quadro sempre mediado por uma tela ou uma moldura. Por vezes, h cortes para umclose, de fato, quando apenas o rosto do magnata permanece visvel. O levecontra-plonge fortalece a hierarquia, bem como o plonge que exprime seuolhar colabora para empoderar sua figura no encadeamento plano-contraplano,ao situar posicionando-a acima de todos os outros, enxergando-os diminutos.Complementando esta leitura, a maneira com que os corpos se dispem nacena (Figura 2) remete visualmente a uma mo, com cinco extenses,comandada pela cabea que o centro do corpo. As cinco extenses, nanarrativa, so os componentes da cabea que desempenham funesespecficas que otimizam o controle: h o nariz, os ouvidos, h a Voz doDestino. Fora dali, multiplicam-se em homens-dedo, instalados nas ruas parafiscalizar e apontar acontecimentos que extrapolem as restries impostas

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    enquanto leis.

    Figura 2 Primeira apario do Chanceler Sutler

    Estas duas maneiras de mostrar, enfim, destacam contradiesideolgicas entre os sistemas encarnados pelas personagens. um tanto

    arriscado partir (agora) para uma discusso conceitual sobre ideologia,portanto, numa reduo, dir-se- que so posicionamentos que se apoiamsobre diferentes tradies discursivas e produzem verdades heterogneas;sendo assim, empregam estratgias distintas para atingir seus fins. No filme,porm, o termo que carrega esta descrio e a apresenta enquantopositividade, ideia: recorrente na obra, a palavra ideia remete doutrina e autonomia, enquanto o exerccio do poder recai como algo negativo ehomogeneizante. Assim, raso, mas vlido, apontar que a obra carregada deum certo maniquesmo, compreensvel dentro de uma lgica de mercado selembrarmos que, alm de objeto desse estudo, o filme um produto odualismo inabalvel assegura um roteiro comercialmente eficaz. Sob um olharfoucaultiano, no entanto, essa estrutura fragilizada quando consideramos queo poder, longe de impedir o saber, o produz, e que a noo de represso, qual geralmente se reduzem os mecanismos do poder, [me] parece muitoinsuficiente, e talvez at perigosa [FOUCAULT, 2013, p. 239]. A oposio semanifesta nas faces que desenhadas na tela aquela que excessivamentevista e que est em todos os lugares, sua visualidade reconhecida enquantoautoridade; e aquela que se omite ao ponto de desaparecer, tornando-se aprpria mscara que a encobre e por meio dela multiplicando-se.

    necessrio sublinhar que o rosto aparece enquanto metonmia docorpo, bem como a letra enquanto sigla da ideia. Quando o poder converge a

    um soberano, o corpo aparece esfacelado e seu funcionamento comprometido. Quando todos so um, organiza-se uma frente de lutaintransponvel. Mas ambos demandam um apagamento do que h de individualno sujeito, ainda que por meios e com fins distintos. O rosto que um diaidentificou um homem dilui-se e a mscara adere superfcie vazia estelugar das incontveis possibilidades do corpo [MILANEZ, 2015, p.97], que sedesdobra em outros, heterotpicos, pesam sobre processos desubjetivao/dessubjetivao. As ideologias, o posicionamento poltico, soprticas integrantes destes processos. A mscara surge enquanto obstculoimediato dado o mais superficial de seus usos, o de encobrir o rosto impedindo, assim, que a ordem da visibilidade se exera por completo. Nesta

    omisso de sua identidade (enquanto modos de identificao individual), oheri se posiciona contra o governo omni-vidente [FOUCAULT, microfsica

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    2013, p.327], e somente pode faz-lo no abandono de sua face por um vulto(figura 3): irreconhecvel, inapreensvel, sem vestgios do que fora antes. Noh antes: diluio do indivduo em favor de um assujeitamento, presentificando-se e reconhecendo-se apenas pela imagem fabricada que se desdobra paraalm de um rosto, num signo que carrega a ideia, e que sequer pertence a

    V. Apesar da apropriao, suas feies ecoam tantos outros, anteriores eposteriores.

    Figura 3 Para o personagem, no h mais um rosto que se escondesob a mscara; a mscara torna-se o prprio rosto: I'mno more that facethan

    I am the musclesbeneath it or the bones beneath them.

    De acordo com uma de suas principais correntes, o anarquismo ()uma doutrina que considera a liberdade individual algo profundamenteenraizado nos processos naturais que deram origem prpria sociedade.[WOODCOCK, 2008, p.118]. Na omisso de suas identidades, diversos rostosse imprimem na unicidade da mscara para reivindicar questes plurais. Aindaque o poder se exera aos modos monrquicos sob uma camuflagem deestrutura coletiva, a resistncia efetiva das pessoas, os pequenos ncleos deluta e oposio, que fazem sempre surgir e ressurgir revoltas contra oolhar[FOUCAULT, 2013, p.340]. Para retomar o mtodo, vemos este gruposurgir nas cenas finais (Figura 4). Os grandes planos areos situam odesequilbrio ao mostrar uma grande massa negra tomar as ruas e avanar emunssono contra os militares mas eles mesmos como um exrcito, numamarcha ritmada para ganhar territrio. Depois, em planos de extremaprofundidade, V infinitamente replicado, e a sua proposta toma grandespropores; Por ltimo, ainda, na retirada gradual das mscaras, a cmera, em

    meio a um passeio pela multido, seleciona closes bastante especficos,salientando a diversidade de rostos, a multiplicidade de sujeitos, para declararque somente quando todos vestem a mesma ideia que seria permitido a cadaum exercer suas individualidades.

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    Figura 4 O corpo social, muitas cabeas e um s rosto, revela suamultiplicidade com a retirada das mscaras.

    Consideraes finais

    O discurso e seus acontecimentos no so tangveis, mas semanifestam materialmente atravs de superfcies de inscrio. O estudo daimagem to vlido quanto o do texto ou de qualquer outro lugar deenunciao, por mais inesperado, pois sempre no mbito da materialidadeque ele (o discurso) se efetiva []; ele possui seu lugar e consiste na relao,coexistncia, disperso, recorte, acumulao, seleo de elementos materiais;[] produz-se como efeito de e em uma disperso material [ FOUCAULT,2014, p.54].

    Todas as associaes aqui realizadas, no entanto, no pretendem

    construir um sujeito unvoco que declame um discurso unssono. A mscara vainos dizer, pelo contrrio e talvez de maneira mais clara, mais visual quequalquer outro objeto , do rompimento e da disperso do sujeito em umapluralidade de posies e de funes possveis [FOUCAULT, 2014, p.55]. Issotraz tona, seguindo ainda a reflexo foucaultiana, a descontinuidade dosenunciados discursivos, desequilibrando sistemas j bem estabelecidos depensamento e organizao espao-temporais. O ato enunciativo sempreplural e

    as camadas de enunciao podem seguir () uma linha dequestionamentos que auxiliam os inquietos com o tempo presente a

    estabelecer, fixar e organizar um campo de emergncia do discurso,assim como identificar e problematizar os discursos que circulam,proliferando ideias, noes e condutas sobre ns sujeitos [MILANEZ,2015.p.97-98].

    A mscara aparece, portanto, enquanto superfcie de enunciao, noenquanto o prprio enunciado. O enunciado que se faz capturar nas retomadasdo artefato este rosto que diz eu sou um sujeito que se ope ao estadovigente das coisas, mais especificamente ao sistema de governo, atualconfigurao do poder. Ainda que os anarquistas se coloquem enquantoapolticos, afirmando que a mquina do Estado no deve ser tomada, masabolida; que a revoluo social no deve levar ditadura de qualquer classe,mesmo do proletariado, mas abolio de todas as classes [WOODCOCK,2008, p.32], seus adeptos posicionam-se em lugares heterotpicosessencialmente polticos, pois

    para poder lutar contra um Estado que no apenas um governo, preciso que o movimento revolucionrio () se constitua () interiormente como um aparelho de Estado, com os mesmosmecanismos de disciplina, as mesmas hierarquias, a mesmaorganizao de poderes [FOUCAULT, 2013, p.239].

    e a essa estruturao homogeneizante que o anarquismo, a princpio,persiste na oposio. A escolha de um grito, de um traje, de um smbolo, muito

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    revela sobre os lugares de fala e acepes histricas. A adoo de um rostoanuncia a presena de uma figura de liderana, mas e se esse rosto recobre-sede uma mscara? Em suas (re)aparies, acompanhada de reprodues de simesma e de outros artefatos que, em conjunto, transparecem apenassimilitudes a camisa enrolada na cabea, a mscara de gs, figuras que

    circulam entre as vontades de destruio e de reconstruo , a mscara de Vcarrega em sua rosticidade um enunciado potencial que abriga multides, eaquele que parece sob ela se camuflar talvez, por vezes, dela se aproprie paradizer eu somos resistncia.

    Referncias

    FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso:aula inaugural no Collge deFrance, pronunciada em 2 de dezembro de 1970; traduo Laura Fraga de

    Almeida Sampaio. 24. ed. So Paulo: Edies Loyola, 2014.

    ______. A arqueologia do saber; traduo Luiz Felipe Baeta neves. 7. ed. Riode Janeiro: Forense Universitria, 2004.

    COURTINE, Jean-Jacques. Metamorfoses do discurso poltico: as derivasda fala pblica; traduo Nilton Milanez, Carlos Piovezani Filho. So Carlos:Claraluz, 2006.

    MILANEZ, Nilton. Modos de enunciar a pele do corpo: quais os lugares deonde vm A pele que habito de Almodvar?. In TASSO, Ismara; CAMPOS,Jefferson (Orgs.).Imagem e(m) discurso: a formao das modalidadesenunciativas. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015. p. 97-118. (Coleo:Linguagem & Sociedade, volume 8).

    WOODCOCK, George. Histria das ideias e movimentos anarquistas v.1:A ideia; traduo Jlia Tettamanzy. Porto Alegre: L&PM, 2007.

    http://www.bbc.co.uk/history/people/guy_fawkes

    V for Vendetta. Direo: McTEIGUE, James. Warner Bros., EUA, 2006.

    Elenco: Hugo Weaving, Natalie Portman. Em DVD.