Anais Mario Miyazawa Diminuir Acidez Do Solo

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NEUTRALIZAÇÃO DA ACIDEZ DO PERFIL DO SOLO POR RESÍDUOS VEGETAIS Mario Miyazawa 1 Julio Cezar Franchini 2 Marcos A. Pavan 1 INTRODUÇÃO as regiões Sul e Sudeste do Brasil a maioria das áreas agrícolas era ocupada por exuberante floresta tropical e subtropical - a Mata Atlântica. Meio século após a derrubada da mata, o uso agrícola prolongado utilizando o revolvimento do solo e a incorporação dos resíduos vegetais geraram condições favoráveis à degradação da matéria orgânica. Como conseqüência, observa-se a diminuição da produtividade agrícola e o assoreamento de rios e de lagos, causando graves danos ambientais, sociais e econômicos. Para manu-tenção da produtividade agrícola, nestas condições, aumenta cada vez mais a necessidade de fornecimento de insumos orgânicos e minerais para solos. N 1 Instituto Agronômico do Paraná - IAPAR. Caixa Post 481. CEP 86001-970. Londrina-PR. 2 Embrapa-Soja. E-mail: [email protected]

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NEUTRALIZAÇÃO DA ACIDEZ DO PERFIL DO SOLO POR RESÍDUOS VEGETAIS

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NEUTRLIZAO DO ALUMNIO DO SOLO POR RESDUO VEGETAL

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NEUTRALIZAO DA ACIDEZ DO PERFIL DO SOLO POR RESDUOS VEGETAIS

Mario Miyazawa1Julio Cezar Franchini2Marcos A. Pavan1INTRODUO

N

as regies Sul e Sudeste do Brasil a maioria das reas agrcolas era ocupada por exuberante floresta tropical e subtropical - a Mata Atlntica. Meio sculo aps a derrubada da mata, o uso agrcola prolongado utilizando o revolvimento do solo e a incorporao dos resduos vegetais geraram condies favorveis degradao da matria orgnica. Como conseqncia, observa-se a diminuio da produtividade agrcola e o assoreamento de rios e de lagos, causando graves danos ambientais, sociais e econmicos. Para manu-teno da produtividade agrcola, nestas condies, aumenta cada vez mais a necessidade de fornecimento de insumos orgnicos e minerais para solos.

Para minimizar estes problemas, nas ltimas dcadas vm se desenvolvendo sistemas agrcolas conservacionistas no Brasil, notada-mente no Estado do Paran. Um destes sistemas chamado de plantio direto, onde os restos culturais permanecem na superfcie dos solos. A permanncia de resduos vegetais na superfcie do solo reduz a eroso, minimiza a perda da matria orgnica e conserva a umidade, contribuindo para a sustentabilidade da produtividade agrcola.

Outro sistema de cultivo o plantio adensado de cafeeiro. Os experimentos sobre densidade populacional do cafeeiro realizados no Estado do Paran constataram que o aumento da populao favoreceu o acmulo de matria orgnica e das concentrao de K, Ca e Mg na camada superficial do solo. Promoveu tambm aumento no valor de pH e a reduo do Al trocvel e da acidez potencial nesta camada de solo (Pavan et al., 1999).

Os resduos vegetais, aps decomposio, contribuem para a formao de cidos hmicos e flvicos, os principais componentes estveis da matria orgnica do solo, os quais apresentam alta densidade de grupos carboxlicos e fenlicos, que sofrem hidrlise com o aumento do pH gerando cargas negativas. Segundo Pavan et al. (1985) e Raij et al. (1982) a matria orgnica pode representar at 80% da CTC dos solos cidos.

Devido pobreza em bases do material de origem de solos cidos e s condies climticas (temperaturas e precipitao elevada) favorveis ao processo de intemperismo e lixiviao, estes solos apresentam baixa saturao por ctions bsicos (Ca, Mg e K) e conseqentemente um predomnio de H e Al nas cargas negativas do solo. Com a aplicao de calcrio, grande parte do H e Al podem ser neutralizados desobstruindo e gerando novas cargas que so ento ocupadas por Ca e Mg.

Deste modo, a adoo de sistemas conservacionistas, como o plantio direto, tem demonstrado reverter o processo de degradao qumica, fsica e biolgica de solos cidos. Isso ocorre porque a principal conseqncia da adoo do sistema de plantio direto o aumento no teor de matria orgnica do solo devido ao ambiente menos oxidativo e ao menor contato dos resduos vegetais com o solo. O novo equilbrio estabelecido no plantio direto altera profundamente vrios processos qumicos no solo influenciando o pH, a capacidade de troca de ctions, a adsoro de fsforo, a toxidez por Al e a mobilidade de ctions polivalentes. Alm disso, os resduos vegetais das culturas comerciais e adubos verdes apresentam composio orgnica bastante varivel, o que proporciona efeitos tambm variveis, dando oportunidade ao uso dos resduos com objetivos diferenciados.

Deste modo, o objetivo deste trabalho apresentar os principais mecanismos envolvidos nestes processos, visando dar subsdios para a tomada de deciso para o manejo adequado de solos to frgeis e dependentes da matria orgnica como os solos cidos brasileiros.

NEUTRALIZAO DA ACIDEZ DO SOLO POR RESDUOS VEGETAIS

A tcnica mais utilizada na agricultura para neutralizar acidez dos solos a aplicao de calcrio dolomtico (CaCO3 + MgCO3) e calctico (CaCO3). As vantagens do uso destes produtos so o baixo custo, o fornecimento de Ca e Mg e a facilidade de aplicao no campo.

A outra tcnica a aplicao de resduos orgnicos na forma de estercos de animais, compostagem() (resduos orgnicos com fermentao controlada) e resduos vegetais.

Vrios trabalhos tm demonstrado aumento de pH do solo pela aplicao de material orgnico (Hoyt & Turner, 1975; Hue & Amien, 1989; Franchini et al., 1999a). Miyazawa et al. (1993) avaliaram vrias espcies de resduos vegetais quanto capacidade de neutralizao do H+ da soluo em experimento de laboratrio. Observaram que os resduos de adubos verdes apresentaram maior capacidade da neutralizao de H+ (feijo-bravo-do-Cear, cerca de 1,0 molc.kg-1) do que os resduos ps-colheita (palha de trigo e de milho: 0,26 molc.kg-1). Hue (1992) verificou que a capacidade da neutralizao do pH por esterco de aves representava em torno de 1/3 da capacidade do Ca(OH)2. Cassiolato et al. (1999) avaliaram a neutralizao da acidez potencial e trocvel do solo por extratos vegetais. Entre os extratos avaliados, os de nabo forrageiro e de tremoo azul foram mais eficientes e o de milheto foi o menos eficiente na neutralizao da acidez potencial (H + Al) e trocvel (Al).

Vrios experimentos realizados no Instituto Agronmico do Paran (Franchini et al., 1999a,b; Miyazawa et al., 1999; Meda et al., 1999; Cassiolato et al., 1999) verificaram que os extratos vegetais percolados nas colunas de solos podem neutralizar a acidez at a camada subsuperficial. A intensidade da neutralizao foi maior para os resduos de adubos verdes, especialmente nabo forrageiro e aveia preta.

A capacidade de neutralizao da acidez do solo por resduos vegetais est associada aos seus teores de ctions e carbono orgnico solvel, que normalmente maior em resduos de adubos verdes, tais como: aveia preta, nabo forrageiro, feijo-de-porco, leucena, mucunas, crotalrias e outros. A menor capacidade de neutralizao foi observada nos resduos de culturas comerciais como a soja, o trigo e o milho, o que esta relacionado reduo dos teores de ctions e carbono solvel com o avano da idade fisiolgica das plantas. Franchini et al. (2000) determinaram os cidos orgnicos dos tecidos de adubos verdes por cromatografia lquida e verificaram que os teores de cidos diminuram gradativamente com a maturao de plantas, de 60 para 120 dias. Os cidos encontrados nestes materiais foram: oxlico, ctrico, mlico, acontico, fumrico, cafico, p-coumarico e ferlico.

As reaes de ligantes orgnicos solveis de resduos vegetais, responsveis pela neutralizao da acidez do solo, envolvem a participao de radicais carboxlicos:

R-COOM + H+ (( R-COOH + Mn+ (1)

onde, Mn+ = K+, Ca2+ e Mg2+ (as cargas das equaes esto omitidas).

Por outro lado, em solos alcalinos (pH superior 7,0) o uso de resduos vegetais tambm recomendado para a neutralizao. Neste caso, as reaes de neutralizao da alcalinidade do solo so desempenhadas pelos radicais amdicos e fenlicos:

R-CNH2-COO- + OH- (( R-CN+H-COO- + H2O (2)

R-OH + OH- (( R-O- + H2O (3)

A natureza anftera da reao de resduos vegetais faz com que aumente o pH dos solos cidos e reduza o pH dos alcalinos, tendendo ao valor de pKa da mistura de diferentes substncias orgnicas. Os valores de pKa dos compostos orgnicos presentes em resduos vegetais se situam normalmente entre 5 e 7.

NEUTRALIZAO DA TOXIDEZ DE ALUMNIO DO SOLO

Entre as espcies solveis de Al encontradas em solos cidos, Al3+, AlOH2+, Al(OH)2+, Al(OH)4-, AlL (L = orgnico) e AlFn, o Al3+ a espcie mais txica s plantas. As principais reaes de reduo da toxidez de Al pela aplicao de calcrio so a hidrlise e formao de precipitado Al(OH)3 e a complexao com cidos hmicos (Al-humato). A formao do ltimo composto favorecida pelo aumento de pH do solo.

A reduo da toxidez de Al por cidos orgnicos de resduos vegetais ocorre por duas reaes qumicas: hidrlise devido ao aumento de pH (equao 5) e complexao por cidos orgnicos (equao 6).

R-COOM + H2O (( R-COOH + OH- + Mn+ (4)

Al3+ + 3OH- (( Al(OH)3 precipitado (5)

R-COOM + Al3+ (( R-COOAl + Mn+ (6)

onde M = Ca, Mg, K (as cargas das equaes esto omitidas).

A neutralizao da acidez e do Al do solo pela aplicao de resduos vegetais e esterco de animais foram observadas por vrios pesquisadores (Hue & Amien, 1989; Miyazawa et al., 1993; Franchini et al., 1999a; Hue & Licudine, 1999).

Muitos estudos tm demonstrado a ocorrncia de cidos orgnicos na soluo de solos cidos com resduos vegetais na superfcie. Hue et al. (1986) encontraram os seguintes cidos na soluo de solo sob floresta de pinheiros: oxlico, ctrico, mlico, malnico, actico, succnico e lctico, com a soma total de cidos atingindo 480 (mol.L-1. Em solos cultivados, no entanto, a diversidade (oxlico, mlico, malnico, frmico e ftlico) e a quantidade de cidos orgnicos foi muito inferior observada no solo sob floresta. Miyazawa (1990) encontrou concentrao total inferior a 500 (mol. L-1 de cidos succnico, acontico, iso-butlico e butlico na soluo de solos cultivados. Slattery & Morrison (1995), em solos da Austrlia, observaram maiores concentraes de cidos ctrico, tartrico, succnico, actico e frmico, alm de quantidades-trao de cidos fumrico, acontico, glico, protocatico, ftlico e p-benzico.

O grau de neutralizao da toxidez de Al por cidos orgnicos determinado pela estabilidade do complexo orgnico formado. Hue et al. (1986) classificaram os principais cidos orgnicos quanto capacidade de amenizao do Al-txico para plantas de algodo (Gossyium hirsutum L.) da seguinte forma: a) forte: ctrico, oxlico, tartrico; b) moderado: mlico, malnico, saliclico, c) fraco: succnico, lctico, frmico, ftlico, actico. Miyazawa et al. (1992) avaliaram neutralizao da toxidez de Al por cidos orgnicos em trigo (Triticum aestivum L., cv. Anahuac), obtendo a seguinte ordem de eficincia: ctrico ( tartrico ( oxlico ( hmico ( malnico ( maleico ( saliclico ( succnico. Por exemplo, a toxicidade de 20 (mol.L-1 de Al3+ foi totalmente neutralizada pela adio de 90 (mol.L-1 de cido ctrico e inalterada para a mesma dose de cido succnico.

Entre as caractersticas dos cidos orgnicos responsveis pela neutralizao da toxidez de Al3+ destacam-se:

a) constante de estabilidade dos complexos (pK): pK maior que 4,5 formam complexos fortes; pK entre 4,5 e 2,5 formam complexos moderados e pK menor que 2,5 formam complexos fracos;

b) molculas de cidos orgnicos que podem formar ligaes qumicas com anis de 5 ou 6 tomos, incluindo o Al, so estveis. Por exemplo, o cido ctrico pode formar complexos com 5 e 6 tomos, sendo um dos mais fortes entre os cidos orgnicos. Os cidos actico, frmico e succnico no formam complexos, porque no podem formar anis.

Alm da toxidez de Al, a manuteno de resduo vegetal na superfcie dos solos cidos reduz tambm a toxidez de Mn. Andrade et al. (1999) avaliaram o efeito da cobertura do solo com resduos vegetais na solubilidade do Mn e observaram maior teor de metal solvel em solo sem cobertura vegetal (73,2 mg.kg-1) em relao ao solo coberto com resduos de aveia preta e folhas de caf (5,2 mg.kg-1).

TRANSPORTE DE CTIONS POLIVALENTES POR LIGANTES ORGNICOS

Considerando a presena de nions inorgnicos apenas, a mobilidade de ctions em solos minerais segue a seguinte ordem: Na+ ( K+ ( NH4+ ( Mg2+ ( Ca2+ ( Mn2+ ( Fe2+ ( Zn2+ ( Cu2+ ( Al3+ ( Fe3+. Os ctions monovalentes so facilmente lixiviados em gua por se encontrarem principalmente na forma inica. Os ctions divalentes e trivalentes sofrem vrias reaes no solo que diminuem sua mobilidade no solo.

As espcies de ctions divalentes no solo so: ons livres, adsorvidos, precipitados, complexos orgnicos e inorgnicos. A ocorrncia de uma espcie de ction divalente no solo depende de vrios fatores, tais como: pH, teor de matria orgnica, teor de argila, temperatura, fora inica e potencial de oxi-reduo. Maior quantidade de ctions divalentes livres encontrada em solos cidos, enquanto as formas de precipitados de hidrxidos e carbonatos so mais comuns em solos alcalinos. Em solos com alta quantidade de matria orgnica aumentam as formas comple-xadas e adsorvidas.

A ocorrncia de ctions trivalentes livres no solo extremamente baixa, devido a sua alta afinidade com os cidos hmicos e flvicos. As formas mais comuns so: xidos, hidrxidos, complexos orgnicos e inorgnicos e adsorvidas no solo. Por isso, em solos minerais a lixiviao de ctions segue a ordem: Na+ , K+, Mg2+, Ca2+ e Al3+.

Uma das condies indispensveis para a lixiviao de ctions no solo a presena de nions solveis, tais como Cl-, NO3-, NO2-, SO42+, OAc-, OFor- e HCO3-. Mesmo os ctions monovalente Na+ e K+ somente so lixiviados na companhia de nions solveis. A reteno de M+ na superfcie do solo ocorre somente quando as cargas negativas dos cidos hmicos e das argilas estiverem livres. Por isso, o fertilizante KCl aplicado no solo rapidamente lixiviado pela gua de chuva. Pode-se observar um acmulo de K na superfcie do solo quando h manuteno de resduos vegetais na superfcie, como no plantio direto e em culturas perenes (Oliveira & Pavan, 1996; Pavan, 1994).

A mobilidade de Ca e Mg na forma de carbonato, presente no calcrio, baixa em solos cidos, sendo observados aumentos do seu teor no solo apenas na camada corrigida (Pavan et al., 1982).

A baixa mobilidade de Ca2+ na forma de carbonato em solos cidos se deve ausncia de nion acompanhante, conforme reaes (7) e (8). O nion CO32- reage com H+ do solo e se perde na atmosfera na forma de gs CO2.

CaCO3 + 2H+ (( Ca2+ + H2CO3 (7),

H2CO3 (( H2O + CO2 ( (8).

Entretanto, Pavan (1994) e Oliveira & Pavan (1996) observaram elevao de pH, diminuio de Al trocvel e aumento nos teores de Ca e Mg at a camada subsuperficial em Latossolo Vermelho Escuro, textura mdia, em reas sob plantio direto e culturas perenes, onde o calcrio foi aplicado na superfcie. Aps 18 meses da aplicao de calcrio, em sistema de plantio direto, no Latossolo Vermelho Escuro, tambm foram observados aumentos nos teores trocveis de Ca e Mg at 80 cm de profundidade (Caires et al., 1999).

Muitos estudos tm demonstrado o transporte de Ca e a neutralizao de Al na camada subsuperficial do solo por meio de processos qumicos. O clcio de sais solveis de Ca(NO3)2 e CaCl2 facilmente transportado em profundidade no solo. Porm, como estes sais so neutros, no aumentam o pH e nem reduzem a toxidez de Al no subsolo. Em anos recentes, vrios trabalhos tm demonstrado a mobilizao de Ca para o subsolo na forma orgnica, principalmente na forma de fulvato de Ca. Watt et al. (1991) foram os primeiros a estudar o transporte de Ca em profundidade no solo na forma de Ca-fulvato, purificado de turfa. Liu & Hue (1995) fizeram estudos semelhante com Ca-fulvato extrado do esterco de aves. Noble et al. (1995) extraram Ca-fulvato de carves minerais e tambm observaram aumento de teor de Ca na camada subsuperficial do solo.

Miyazawa et al. (1996) avaliaram alterao qumica do perfil do solo pela adio de resduos vegetais da superfcie. Os resduos de aveia preta, nabo forrageiro, mucuna cinza e leucena foram os que proporcionaram os maiores aumentos nos teores de Ca e Mg na camada subsuperficial de solos cidos. Franchini et al. (1999b) observaram aumento de Ca e Mg at na camada de 40 cm pela adio de extrato de nabo forrageiro e de aveia preta, e acmulo de K na superfcie do solo.

Foi realizada uma srie de experimentos no Instituto Agronmico do Paran visando compreender os mecanismos responsveis pelo acmulo de K+, Ca e Mg na superfcie, e tambm pelo transporte de Ca e Mg e neutralizao de Al na camada subsuperficial do solo pela aplicao de resduos vegetais (Franchini et al. 1999a; 1999b; Meda et al., 1999; Miyazawa et al., 1998).

Ziglio et al. (1999) adicionaram resduos vegetais misturados com CaCO3 na superfcie do solo e determinaram na soluo percolada os teores de Ca, Mg e K. Os autores observaram que nos tratamentos que receberam resduos de aveia preta e mucuna preta, a lixiviao mxima de Ca e Mg ocorreu antes da lixiviao mxima de K, contrariando a ordem da lixiviao encontrada na literatura. Nos tratamentos controle e CaCO3 na superfcie sem resduos vegetais, a seqncia da lixiviao seguiu a ordem natural, porm em baixas quantidades.

Franchini et al. (1999b), adicionaram solues puras de cidos orgnicos e extratos de resduos vegetais na superfcie do solo e determinaram Ca, Mg, K e Al na soluo percolada. Clcio e alumnio foram os principais ctions extrados do solo aps a aplicao dos extratos de resduos vegetais. O Al foi lixiviado principalmente na forma orgnica, como pode ser comprovado pelo Al-orgnico (AlL0) determinado nos extratos de resduos vegetais. O Al extrado do solo pelo extrato de nabo foi superior ao extrado pelo de aveia e similar ao extrado pelas solues com citrato. Os complexos formados no extrato de nabo tm estabilidade elevada devido ao predomnio de AlL0, mesmo a 40 cm de profundidade. Nos extratos de resduos vegetais o comportamento do Ca foi diferenciado. No extrato de aveia, o Ca foi extrado na mesma proporo em todo perfil de solo enquanto no extrato de nabo, o Ca foi mantido em soluo nos mesmos nveis observados na soluo inicial, mesmo aps a percolao pela camada de 40 cm. MTODOS QUMICOS PARA AVALIAR A QUALIDADE DOS RESDUOS VEGETAIS

A mobilizao de ctions (Ca, Mg e K), o aumento de pH e a imobilizao do Al pela aplicao de resduos vegetais em solos cidos se deve formao de complexos organo-metlicos. A intensidade destas alteraes qumicas do solo depende da quantidade dos resduos, mas tambm da qualidade e quantidade dos ligantes orgnicos presentes nos resduos. A quantidade e as espcies de compostos orgnicos alteram conforme idade, clima e manejo dos resduos vegetais. Por isso, a avaliao da qualidade dos resduos vegetais importante na tomada de deciso do manejo de resduos conforme o objetivo do agricultor.

A seguir esto descritos os principais mtodos qumicos aplicveis para avaliar a qualidade de resduos de plantas. A escolha do mtodo depende da condio do laboratrio, da disponibilidade de equipamento, da demanda de amostras e do treinamento de analistas.

Preparo das amostras - coletar as amostras de resduos vegetais e orgnicos (adubos verdes, casca de caf, bagao de cana, restos culturais, compostado, esterco de animais), secar a 600C na estufa at peso constante, triturar passando em peneira de 1,0 mm e armazenar em frasco de vidro.

Extrao de compostos orgnicos - transferir 1,0 g de amostra para frasco de 100 mL, adicionar 50 mL de gua, agitar por quatro horas e filtrar.

Determinaes analticas:

a) Soma de ctions Ca, Mg e K - determinar os teores de Ca e Mg do extrato por absoro atmica, emisso atmica ou por espectrofotometria, e de K por fotometria de chama e expressar concentrao em mmolc.kg-1. a quantidade de H+ e Al3+ que pode ser neutralizada pelo resduo vegetal. Em solos cidos, os ctions Ca, Mg e K ligados nos compostos orgnicos so substitudos por H+ ou Al3+, formando compos-tos estveis protonados ou complexo Al-orgnico (Cassiolato et al., 1999).

b) cidos titulveis - acidificar o extrato vegetal com a soluo de HCl para pH inferior a 3 e titular com a soluo de NaOH 0,1 mol.L-1 padronizado, no intervalo de pH entre 3,0 e 7,0, utilizando pHmetro com eletrodo combinado de vidro. Expressar o valor em mmol.kg-1 de cidos titulveis. Este mtodo determina os grupos funcionais R-COOH, R-OH e aminocidos responsveis pela neutralizao de H+ e Al3+ do solo (Miyazawa et al., 1993; Cassiolato et al.,1999). A acidificao da soluo com HCl evita solubilizao do gs CO2 da atmosfera na soluo. Caso contrrio, se titular com a soluo de NaOH de pH 7,0 at 3,0, ocorre solubilizao do gs CO2 no extrato antes da titulao, causando um erro positivo.

c) Cromatografia lquida - Determina os teores de cada uma das substncias orgnicas dos resduos vegetais. Os compostos orgnicos da frao solvel (material seco, modo a 1 mm, 1g/50 ml gua) acidificada com HCl (pH 2,5) so extrados sucessivamente com acetato de etila. Aps reduo de volume, em rotavapor, o resduo redissolvido para anlise de cidos fenlicos (AF), flavonides (FL) e cidos orgnicos alifticos (AA), atravs de cromatografia lquida de alta eficincia (CLAE). Para anlise de AF e FL utiliza-se coluna de fase reversa com fase mvel composta por cido actico e metanol. Para a anlise dos AA utiliza-se coluna de troca inica com fase mvel constituda por H2SO4 (0,005 M). A identificao das substncias orgnicas realizada pela comparao dos tempos de reteno e dos espectros ultravioleta com os de padres (Franchini et al, 2000).

CONCLUSES

Com base no exposto anteriormente, a poca de manejo de resduos vegetais de adubos verdes depende do objetivo do agricultor. Para aumentar o transporte de Ca e Mg e a neutralizao da acidez da camada subsuperficial, o resduo vegetal deve ser manejado o quanto antes possvel do florescimento, sem que, no entanto, ocorra um comprometimento dos efeitos pela reduo na produo de matria seca. Isto porque na poca de florescimento o processo de maturao dos tecidos diminui o teor de substncias orgnicas responsveis pelo transporte de Ca e Mg e neutralizao da acidez. A permanncia dos resduos vegetais na superfcie do solo reduz a taxa de decomposio pelos microrganismos, permitindo que a existncia destas substncias orgnicas seja prolongada, aumentando os efeitos. Com a ocorrncia das primeiras chuvas, aps o manejo dos resduos, as substncias orgnicas seriam solubilizadas e reagiriam com ctions e hidrognio no solo.

A menor movimentao de ctions polivalentes no perfil do solo no plantio convencional, em relao ao plantio direto, apesar da produo da mesma quantidade de resduos vegetais, deve-se, principalmente, maior taxa de decomposio dos resduos com a incorporao. O manejo adequado de resduos vegetais na agricultura a aumenta produtividade, reduz o input de material antropognico e sobretudo a contaminao ambiental.

PROPOSTA DE PESQUISAS

1. Anlise de solos - No sistema de plantio direto e culturas perenes (fruticultura, caf adensado, pastagem) h tendncia de acmulo de matria orgnica, fertilizantes e corretivos na superfcie do solo, por isso a amostragem para anlise no deve ser feita na mesma profundidade adotada para o cultivo convencional, ou seja, 0 a 20 cm.

necessrio definir outras profundidades para amostragem de solos em plantio direto e em culturas perenes.

2. Clculo da necessidade de calagem - Os complexos Al-orgnicos so menos txicos que Al3+, no entanto, estas espcies podem ser extradas por KCl 1,0 M e os mtodos de determinao de Al utilizados em todos laboratrios de solos (EAA, EEA, titulao com NaOH) no discriminam espcies de Al, por isso, os valores podem estar superestimados. Alm disso, o clculo da necessidade baseado na incorporao do calcrio at 20 cm de profundidade.

necessrio avaliar: outros extratores de Al, mtodos de especiao de Al, incluir outras variveis para clculo da necessidade de calcrio.

3. Adubos verdes - As composies e os teores de substncias orgnicas solveis de cada um dos adubos verdes so diferentes, isso requer um programa de rotao ou consorciao dos mesmos. Uma nova definio para poca de manejo de adubos verdes para cada fim. O corte na idade da florada de plantas atualmente recomendado pode no ser adequado.

Avaliar novas espcies de plantas que apresentam maior capacidade de neutralizar a toxidez de Al, transportar Ca e Mg at a camada subsuperficial, e manejos de resduos vegetais para prolongar ao mximo estes efeitos benficos.

4. Substncias orgnicas - estudar: cintica e dinmica dos compostos orgnicos solveis no solo; cintica de decomposio e sntese de compostos orgnicos por microrganismos do solo; mtodos de determinao de compostos orgnicos em larga escala.

LITERATURA CITADA

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Foi utilizado este termo para evitar confuso com o termo compostos orgnicos que sinnimo de substncias orgnicas.

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