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ANÁLISE DA EXECUÇÃO DE SISTEMA CONSTRUTIVO EM PAINÉIS LEVES DE MADEIRA E OSB NO ASSENTAMENTO RURAL SEPÉ- TIARAJÚ Ricardo Dias Silva (1); Ivan Manuel Rezende do Valle; Akemi Ino (3) (1) Arquiteto Ms doutorando em Arquitetura e Urbanismo na EESC/USP, pesquisador do HABIS – Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade EESC/USP e UFSCar (2) Arquiteto Ms doutorando em Arquitetura e Urbanismo na EESC/USP, pesquisador do HABIS – Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade EESC/USP e UFSCar (3) Prof a . Dr a . Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC/USP, coordenadora do HABIS - Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade EESC/USP e UFSCar RESUMO O sistema construtivo em painéis leves de madeira e OSB (oriented strand board) consiste em possível alternativa para confecção de abrigos emergenciais. Utilizado em diversos países na construção de habitações de interesse social tem poucos exemplos de aplicação no Brasil. Este trabalho analisa a experiência de execução de um abrigo emergencial constituído de 19 m 2 no Assentamento Rural Sepé-Tiarajú em mutirão com participação de estudantes de graduação em arquitetura e urbanismo e de trabalhadores rurais, monitorados por equipe de técnicos. O objetivo deste artigo é esclarecer as etapas que envolveram o processo de produção do abrigo emergencial e verificar a viabilidade da aplicação do sistema construtivo de painéis leves de madeira composto por chapas OSB, considerando a facilidade construtiva, o tempo de execução, o custo e as múltiplas dimensões da sustentabilidade. Os dados foram coletados na ação, registrados por escrito e por meio de imagens capturadas durante a realização das atividades de produção dos painéis e de montagem no canteiro. Os resultados indicam a viabilidade de uso do sistema construtivo que incorpora madeira de aproveitamento de serraria, chapas OSB e telhas produzidas a partir da reciclagem de embalagens cartonadas. Ao mesmo tempo, os resultados indicam a necessidade de redesenho do sistema construtivo para melhorar a exeqüibilidade, a redução de patologias e redução do impacto ambiental. Palavras chaves: Abrigo emergencial. Sistema construtivo em madeira. Painéis leves. Habitação de interesse social. Sustentabilidade. ABSTRACT The constructive system in light panels wooden and oriented strand boards (OSB) consists of possible alternative for confection of emergency shelters. Used in diverse countries in the construction of social housing it has few examples of application in Brazil. This work analyzes the experience of execution emergency shelter of 19 m 2 in the rural communitie Sepé-Tiarajú in system built by the architecture students and rural workers, monitored for technician team. The objective is to clarify the stages that involve the process of production of the emergency shelter and to verify the viability of the application of the constituent system of light panels wooden and oriented strand boards, being considered the constructive ease, the time of execution, the cost and the multiple dimensions of the sustainability. The action research study collected given registered for writing and through images generated during the accomplishment of the activities of production of the panels and assembly in the building sites. The results indicate the viability of implantation of the constructive system that incorporates rejected wood and panels and roofing tiles produced from the recycling of Tetra Pak packings. At the same time, it points with respect to the necessity of a new design of the constructive system for better building, pathologies correction and reduction of the ambient impact. Keywords: Emergency shelter, wood constructive system, light panels, social housing, sustaintability - 462 -

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ANÁLISE DA EXECUÇÃO DE SISTEMA CONSTRUTIVO EM PAINÉIS LEVES DE MADEIRA E OSB NO ASSENTAMENTO RURAL SEPÉ-

TIARAJÚ

Ricardo Dias Silva (1); Ivan Manuel Rezende do Valle; Akemi Ino (3) (1) Arquiteto Ms doutorando em Arquitetura e Urbanismo na EESC/USP, pesquisador do HABIS –

Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade EESC/USP e UFSCar (2) Arquiteto Ms doutorando em Arquitetura e Urbanismo na EESC/USP, pesquisador do HABIS –

Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade EESC/USP e UFSCar (3) Profa. Dra. Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC/USP, coordenadora do HABIS -

Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade EESC/USP e UFSCar RESUMO O sistema construtivo em painéis leves de madeira e OSB (oriented strand board) consiste em possível alternativa para confecção de abrigos emergenciais. Utilizado em diversos países na construção de habitações de interesse social tem poucos exemplos de aplicação no Brasil. Este trabalho analisa a experiência de execução de um abrigo emergencial constituído de 19 m2 no Assentamento Rural Sepé-Tiarajú em mutirão com participação de estudantes de graduação em arquitetura e urbanismo e de trabalhadores rurais, monitorados por equipe de técnicos. O objetivo deste artigo é esclarecer as etapas que envolveram o processo de produção do abrigo emergencial e verificar a viabilidade da aplicação do sistema construtivo de painéis leves de madeira composto por chapas OSB, considerando a facilidade construtiva, o tempo de execução, o custo e as múltiplas dimensões da sustentabilidade. Os dados foram coletados na �ação, registrados por escrito e por meio de imagens capturadas durante a realização das atividades de produção dos painéis e de montagem no canteiro. Os resultados indicam a viabilidade de uso do sistema construtivo que incorpora madeira de aproveitamento de serraria, chapas OSB e telhas produzidas a partir da reciclagem de embalagens cartonadas. Ao mesmo tempo, os resultados indicam a necessidade de redesenho do sistema construtivo para melhorar a exeqüibilidade, a redução de patologias e redução do impacto ambiental. Palavras chaves: Abrigo emergencial. Sistema construtivo em madeira. Painéis leves. Habitação de interesse social. Sustentabilidade. ABSTRACT The constructive system in light panels wooden and oriented strand boards (OSB) consists of possible alternative for confection of emergency shelters. Used in diverse countries in the construction of social housing it has few examples of application in Brazil. This work analyzes the experience of execution emergency shelter of 19 m2 in the rural communitie Sepé-Tiarajú in system built by the architecture students and rural workers, monitored for technician team. The objective is to clarify the stages that involve the process of production of the emergency shelter and to verify the viability of the application of the constituent system of light panels wooden and oriented strand boards, being considered the constructive ease, the time of execution, the cost and the multiple dimensions of the sustainability. The action research study collected given registered for writing and through images generated during the accomplishment of the activities of production of the panels and assembly in the building sites. The results indicate the viability of implantation of the constructive system that incorporates rejected wood and panels and roofing tiles produced from the recycling of Tetra Pak packings. At the same time, it points with respect to the necessity of a new design of the constructive system for better building, pathologies correction and reduction of the ambient impact. Keywords: Emergency shelter, wood constructive system, light panels, social housing, sustaintability

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1.0 INTRODUÇÃO

Dentre os diferentes tipos de sistemas construtivos em madeira, aplicáveis na construção da habitação, o sistema de painéis leves apresenta como vantagens a racionalização, a facilidade de transporte e o emprego de componentes de pequena seção que reduzem o custo da madeira e ampliam a possibilidade de aproveitamento de resíduos de serrarias, diminuindo o desperdício de material. No Brasil tem como desvantagens a falta de tradição no uso, a não qualificação profissional para o seu emprego e problemas devido à desarticulação da cadeia produtiva da madeira. Em outros países, como a França e Alemanha, têm larga aplicação e, devido ao seu desenvolvimento tecnológico, é encontrado inclusive em catálogos de produtos para construção civil. Se corretamente aplicado resulta na simplificação do processo construtivo, na organização do canteiro de obras, na redução de custos e, em casos de um número grande de unidades, facilita a seriação. Pelas qualidades citadas também funcionam bem em projetos de auto-construção.

Como parte do sistema construtivo, os painéis em madeira e/ou derivados, podem assumir tanto a função de vedação como de estrutura da edificação. No entanto devem ser dimensionados para isto, de tal maneira que não impliquem em desperdício de material nem em risco para o usuário. Como paramento o painel tem o compromisso de atender a estanqueidade, proporcionar isolamento termo-acústico, segurança estrutural e conforto tátil e visual.

No desenvolvimento do abrigo emergencial para as famílias de trabalhadores rurais do

Assentamento Rural Sepé-Tiarajú na cidade de Serrana, estado de São Paulo, todos estes fatores foram considerados no momento da escolha da solução construtiva para atender o programa de arquitetura. Mas, as principais razões foram rapidez, facilidade construtiva, adaptabilidade aos materiais disponíveis e o baixo custo final.

A execução do abrigo foi realizada a partir de um projeto resultante do diálogo entre os usuários e

os projetistas. A execução em caráter emergencial, foi realizada nas seguintes etapas: levantamento do problema, discussão com as famílias, desenvolvimento do projeto, apresentação e análise das alternativas, redesenho, detalhamento, planejamento da produção, confecção dos painéis e montagem no canteiro. Durante o processo construtivo foi avaliada a adequação e viabilidade do emprego deste sistema como uma possível solução para o problema de moradia de emergência nos assentamentos rurais.

Figura 1: Sistemas construtivos em painéis leves de madeira

2.0 METODOLOGIA O método de pesquisa aplicado neste trabalho foi o da pesquisa-ação, cujo delineamento é bastante flexível. Nestes existe envolvimento direto entre o objeto de pesquisa e os pesquisadores. O objeto consiste na execução de abrigo emergencial em painéis leves de madeira e OSB em sistema de mutirão para família de trabalhadores rurais. O objetivo é esclarecer as etapas que envolvem a construção e verificar a viabilidade da aplicação do sistema, considerando a facilidade construtiva, o tempo de execução, o custo e algumas das múltiplas dimensões da sustentabilidade. Neste aspecto

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foram selecionados requisitos que contribuem para o desenvolvimento sustentável dentro das suas várias dimensões: ambiental, social, econômica, política e cultural. Os dados foram coletados durante a execução, através de registros por escrito e imagens geradas durante as atividades de confecção dos painéis e montagem no canteiro de obras. Ambas as etapas foram precedidas pela definição das equipes de trabalho e pelo planejamento das atividades de execução do abrigo e de registro das informações. Com os dados em mãos, estes foram sistematizados e comparados com os critérios estabelecidos pelos pesquisadores para verificar o atendimento aos requisitos de avaliação (Tabela 1). Trata-se de uma avaliação qualitativa que, após a análise dos resultados, resulta em recomendações para a reformulação do sistema construtivo e para novas práticas na gestão do processo produtivo.

Tabela 1: Requisitos e critérios de avaliação Requisito Critério Facilidade construtiva Capacidade de execução dos painéis por mão-de-obra não especializada Tempo de execução Não superior a uma semana, considerando a urgência de abrigar as famílias Custo Não superior à capacidade de pagamento do usuário ou subsídio estatal

Uso de material proveniente de fonte de energia renovável e/ou de reciclagem Baixo consumo energético na fabricação e montagem do sistema construtivo

Sustentabilidade

Possibilidade de geração de trabalho e renda através da capacitação 3.0 PROCESSO DE PRODUÇÃO

O processo produtivo teve início com o desenvolvimento do projeto na disciplina especial do curso de graduação em arquitetura e urbanismo da EESC/USP Parâmetros para projetos de elementos

de madeira, onde feita uma ampla discussão com as famílias para identificação do problema de moradia e para escolha da melhor solução dentro da realidade local. Após a avaliação dos projetos desenvolvidos pelos alunos, optou-se pela realização de um novo projeto, com participação dos pesquisadores do Habis, que contemplasse os pontos discutidos mas que se configurasse em solução construtiva viável aos recursos, materiais e mão-de-obra disponíveis. Com o novo projeto detalhado partiu-se para o planejamento da produção: definição dos equipamentos e das equipes de trabalho, estabelecimento do cronograma e das atividades de pré-fabricação e de montagem no canteiro. A concretização do abrigo aconteceu nas seguintes etapas: pré-corte das peças de aproveitamento (recebidas por doação), pré-fabricação, armazenagem e transporte dos componentes (painéis com entramado de pinus e revestimento em chapas de OSB) e; montagem do sistema construtivo no canteiro de obras (Figura 2).

Figura 2: Fluxo de produção

A execução das atividades na produção, coube a equipes compostas por voluntários (estudantes de graduação em arquitetura e assentados) assessorados por pesquisadores do Habis e dois carpinteiros, um do assentamento e outro voluntário. Na produção dos painéis as equipes trabalharam em local coberto com piso regular e acesso à energia e instalações de apoio. Cinco grupos foram formados, cada um para fabricação de um tipo de painel: painel piso (PP), painéis porta e janela (PJ), painéis de vedação (PV), painéis de forro (PF) e estrutura de cobertura. Totalizando 25 painéis, (Figura 3). Paralelamente a esta atividade, outra equipe, formada por dois voluntários e dois assentados, executavam o subsistema de fundação em esteios de eucalipto no canteiro.

Desenvolvimento do projeto

Planejamento da produção

Execução dos painéis

Montagem no canteiro

Produção

Pré-corte das peças

transporte

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Figura 3: seleção da madeira, pré-corte das peças e fabricação dos painéis

A fabricação dos painéis foi precedida pela seleção das peças de aproveitamento, buscando a otimização do uso da madeira disponível. Cada equipe foi responsável pelo beneficiamento das peças que compõe o entramado dos painéis. Estes são constituídos por peças de pinus tratado de seção de 3 X 3 cm e pelas chapas de OSB de 9 mm que definem a modulação de 122 X 244 cm. Com exceção da estrutura de cobertura, que não leva chapa de OSB, e dos painéis de piso que têm dimensão de 244 X 244 cm e entramado de tábuas de 15 cm no seu interior e 20 cm nas bordas. Todas as peças foram coladas e pregadas. Somente nos painéis da porta e das janelas o OSB foi cortado para abertura do vão. A estrutura da cobertura foi pré-montada com tábuas de 10 cm e terças de 10 cm, apoiadas sobre chapuz. Após a confecção dos painéis, estes foram armazenados para posterior transporte. A etapa de montagem (Figura 4), teve início com o transporte dos painéis para o canteiro de obras. Os esteios foram enterrados 80 cm e expostos 30 cm acima do solo no ponto mais alto. Na extremidade destes foi feito um recorte para que os mesmos apoiassem os painéis de piso (PP) e permitissem a colocação do vergalhão roscado de 5/16”que ancorou a construção na fundação. Sobre os painéis de piso foram parafusados os painéis de vedação vertical (PV), porta e janelas (PJ), que também foram parafusados entre si. Inicialmente foram colocados dois painéis da fachada menor e dois painéis da fachada maior, um de frente para o outro, Na seqüência, para estabilizar o conjunto, era colocado o painel de forro (PF). Depois do fechamento do canto seguia-se instalando dois painéis verticais de fachadas opostas e o painel forro, até que se fechasse a caixa. A seguir foi colocada a estrutura da cobertura, fixada com auxílio de costaneiras, e as esquadrias, feitas no canteiro com as mesmas peças de madeira de aproveitamento de pinus e chapas de OSB. A colocação das telhas de material reciclado, encerraram o telhado.

Figura 4: Montagem dos painéis pré-fabricados no canteiro: painel piso, painel vedação e painel forro

Anexa ao abrigo foi executada a torre da caixa d’água (Figura 5). Quatro colunas em eucalipto

tratado foram fincadas no solo e travadas com peças de madeira serrada de 5 X 10 cm, parafusadas nos roliços. A 20 cm do solo foi colocado um deck com costaneiras, feito no canteiro. Um fechamento em chapas de material reciclado, o mesmo da telha, foi fixado na estrutura, definindo a área de banho. Acima desta foi pregado o contraventamento em forma de “X” com tábuas e, logo acima parafusadas travessas que apóiam a caixa d’água.

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Figura 5: Montagem da torre da caixa d’água: deck, contraventamento e apoio da caixa

O kit de instalação hidráulica é bastante simples, sendo composto por uma caixa d’água de 250 litros, conectada a um tubo flexível que serve a pia de mármore sintético no interior do abrigo e o tanque de cimento. Este está apoiado por estrutura de madeira improvisada no canteiro. Para o banho foi instalado um chuveirinho. As instalações são aparentes e não contempla o vaso sanitário que será instalado num banheiro seco, construído posteriormente. Instalações elétricas não foram feitas, mas há a previsão de instalação dentro em breve. 4.0 AVALIAÇÃO

4.1 Facilidade Construtiva

Todas as etapas foram realizadas por mão-de-obra não especializada, estudantes de graduação em arquitetura e trabalhadores rurais que não possuíam experiência na execução desta técnica construtiva. Uma vez orientados pelo projeto e pelos técnicos não houve dificuldade em realizar as tarefas. O emprego das chapas de OSB definiu a modulação e facilitou, por tratar-se de componente industrializado, o controle sobre a precisão das medidas durante a montagem dos componentes, servindo de guia. A leveza dos painéis facilitou tanto o manuseio como o transporte. O emprego de ferramentas simples não requereu grande habilidade pelos usuários. Porém, por ter sido empregada madeira úmida (verde) em seguida a sua execução, o painel de piso, ficou pesado, fato contornado após uma semana, quando a madeira secou naturalmente. A instalação dos painéis na obra também teve uma certa dificuldade devido à falta de maior rigidez. A movimentação dos painéis, depois de instalados, e a confecção das esquadrias no canteiro causaram dificuldade na sua colocação, o que resultou em re-trabalho.

4.2 Tempo de execução A execução dos painéis foi programada para ser realizada por cinco equipes sendo que cada

uma destas se responsabilizaria por um tipo de painel. As peças para o entramado eram selecionadas entre as peças de aproveitamento, cortadas na medida desejada na destopadeira ou na serra circular, e depois coladas e pregadas sobre o desenho indicando sua posição, que era feito com lápis sobre a chapa de OSB. Cada equipe tinha cerca de quatro integrantes. Este trabalho levou cerca de oito horas, estando todos os painéis prontos após um dia de trabalho. Considerando a inexperiência da mão-de-obra e as condições de trabalho – os operários tinham de trabalhar no chão, considerou-se bastante satisfatório o tempo para conclusão desta etapa.

4.3 Custo Os painéis foram realizados com resíduo de serraria que foi doado, ferramentas e

equipamentos cedidos ou de propriedade dos construtores e mão-de-obra voluntária em sistema de mutirão, não sendo estes valores considerados no custo final do protótipo do abrigo emergencial executado no município de Serrana. No que se refere ao processo de execução é preciso considerar o custo do material, a energia consumida na fabricação dos componentes e elementos, no transporte e na montagem do sistema construtivo. Nem todas estas informações foram coletadas, sendo indicada a avaliação desta experiência para um outro trabalho de pesquisa. Assim, as informações aqui

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apresentadas consistem apenas em uma referência (Tabela 2), que já indicam a viabilidade, sob o ponto de vista do custo, de se empregar este sistema construtivo como solução para a construção de abrigos emergenciais em assentamentos rurais. Com ajustes no projeto e no processo de produção e o aumento no número de unidades o custo do abrigo tende a diminuir.

Tabela 2: Previsão de custo para construção do abrigo

Especificação Quantidade Valor unitário

Valor final

Madeira roliça de eucalipto tratado – diam 15 cm 126 m linear doação Madeira serrada de eucalipto doação Madeira serrada de pinus tratado 2,5X10 cm 105 m linear 1,20 2,5X15 cm 75 m linear 1,80 2,5X20 cm 21 m linear 2,30

723,60

Costaneira 4 m3 40,00 160,00 Chapas de OSB - 9 mm 30 pç 26,00 780,00 Pregos, parafusos e arruelas - - 189,82 Ferragem - - 42,90 Cola cascorez extra 1kg 5 unid 12,50 62,50 Telha ondulada 20 17,00 340,00 Chapa de mat. reciclado doação Ferramentas 90,96 Kit hidráulico (sem cx d’água) 124,79 Transporte (pinus e costaneira) - 181,60 Mão-de-obra (trabalho voluntário) Barras roscadas 5/16” 8 pç 3,24 25,92 TOTAL 2725,09

Obs.: o custo após a execução foi R$653,13 maior do que o previsto na fase de projeto 4.4 Sustentabilidade Dentre as diversas dimensões que contribuem para o desenvolvimento sustentável, três

aspectos foram considerados nesta avaliação: o emprego de material proveniente de fonte de energia renovável e/ou de reciclagem, o baixo consumo energético na fabricação e montagem do sistema construtivo e a possibilidade de geração de trabalho e renda através da capacitação da mão-de-obra envolvida.

4.4.1 Material proveniente de fonte de energia renovável e da reciclagem

Como material de construção para o abrigo foi priorizado o uso da madeira de floresta

plantada que consiste em fonte de energia renovável e ainda diminui a pressão sobre as florestas nativas e contribui para fixação do CO2 da atmosfera. Na fundação e estrutura da caixa d’água foi utilizada madeira roliça de eucalipto que é mais resistente e, por não ser beneficiada, diminui a quantidade de resíduo e consumo de energia no seu preparo, o que ficou comprovado no canteiro. Também reduz os problemas da cadeira produtiva como perdas e má qualidade devido à secagem e beneficiamento (Yuba, 2001). O pinus empregado no entramado dos painéis, esquadrias e peças da cobertura, tem como vantagens: seu baixo custo, grande disponibilidade, leveza e versatilidade (Calil, 2002). Como desvantagem o tratamento contra o ataque de fungos e cupins.

As chapas de OSB têm como vantagem o fato de serem produzidos com madeira de florestas

plantadas e, por tratar-se de componente industrializado, possuem maior resistência mecânica e rigidez. Sua estabilidade dimensional permite que seja usado como gabarito na fabricação dos painéis. Como desvantagem destaca-se a presença de resina fenólica e uréia formol na sua composição.

O uso de placas e telhas onduladas, produzidas a partir de materiais reciclados, de embalagens

multimarcas (longa vida), trata-se de prática coerente com a busca por tecnologias de construção mais

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sustentáveis. E, nesta aplicação, demonstrou-se adequada. Seu baixo peso resultou em economia na estrutura da cobertura e facilidade de manuseio e transporte no canteiro de obras.

4.4.2 Baixo consumo energético na fabricação e montagem do sistema construtivo

Embora durante as atividades de execução do sistema construtivo não tenha sido adotado

procedimentos para medir o consumo de energia, foi possível observar que tanto na confecção dos painéis quanto na montagem no canteiro, a energia consumida foi pouca. Na primeira etapa foi utilizada energia elétrica apenas para o beneficiamento das peças que compõem os painéis. Uma serra circular manual de bancada, uma destopadeira manual e uma serra tico-tico manual foram utilizadas para o corte dos montantes e travessas na dimensão desejada. A montagem foi toda manual com cola e prego.

No canteiro um motor a diesel forneceu energia para o funcionamento da destopadeira e serra

circular empregadas no beneficiamento das peças utilizadas na construção da torre da caixa d’água, das esquadrias e para o recorte da cabeça dos esteios e costaneiras, empregadas como elementos de fixação da cobertura.. Para fixação dos painéis também foram usadas parafusadeira com bateria recarregável e nas ligações da torre, furadeira elétrica.

Para Cortez (2003) que avaliou o consumo de energia no fluxo produtivo da habitação em

madeira de plantios florestais, a produção de painéis de madeira tem um índice de desempenho energético baixo, o que representa um potencial favorável para seu uso na construção. Na tabela 3, Sokolay apud Cortez (2003), classifica a madeira como material com baixa energia embutida, o que foi comprovado pela pesquisa da autora.

Tabela 3: Conteúdo energético de alguns materiais de construção

Classificação Material Conteúdo energético (KWh/kg)

concreto 0,2 – 0,5 Material de baixa energia embutida (< 1 KWh/Kg) madeira serrada 0,5 – 0,9

tijolo cerâmico 1,0 – 1,2 telha de fibrocimento 2,1

Material de média energia embutida (1 a 10 KWh/Kg)

cimento 2,2 aço galvanizado 10,5

alumínio 46 - 56 Material de alta energia embutida

(> 10 KWh/Kg) PVC 80

Fonte: a partir de Sokolay apud Cortez (2005)

4.4.3 Possibilidade de geração de trabalho e renda através da capacitação

A intenção de capacitar os membros do mutirão para produção de novos abrigos em painéis leves de madeira, durante a produção, não se efetivou da forma desejada. O número de assentados nas duas etapas da construção do abrigo foi pequeno e descontínuo, não estando as mesmas pessoas presentes em todas as fases, com exceção do carpinteiro e de estudantes que trabalharam voluntariamente. A proposta da construção do abrigo não consiste apenas na edificação em si mas na elevação da qualidade de vida da população com aumento de oportunidades para o crescimento econômico e garantias de conservação do meio ambiente. Estes aspectos não foram absorvidos pela comunidade local, seja pela falta de esclarecimentos quanto ao projeto, pela necessidade de um maior tempo de organização ou pela falta de iniciativa dos participantes beneficiários. No entanto, as informações geradas durante o processo possibilitarão a confecção de uma cartilha de construção do abrigo direcionada para este fim, ou seja, a construção de abrigos emergenciais por mão de obra não qualificada.

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5.0 CONCLUSÕES E PERSPECTIVA FUTURAS

Ao se comprometer com a execução de um protótipo de abrigo emergencial para famílias de trabalhadores rurais assentados no município de Serrana mediante ação do programa de reforma agrária do Estado, os pesquisadores vislumbraram uma oportunidade não só de rever algumas práticas de projeto e produção de habitações econômicas de madeira, como de experimentar soluções construtivas e materiais pouco empregados para este fim. O foco era viabilizar a construção do abrigo com o menor custo possível, já que não havia recursos disponíveis, e dar uma solução que incorporasse preocupações com a construtibilidade e o meio ambiente.

A solução encontrada foi um sistema construtivo em painéis leves de madeira e OSB

executado em sistema de mutirão. Considerando a sua realização, ainda que não na sua integralidade, faltou o revestimento externo em costaneira e alguns acabamentos menores, o objetivo principal foi atingido (Figura 6). Quanto aos outros objetivos, o atendimento foi parcial. O sistema escolhido se mostrou viável pelo baixo custo, facilidade construtiva e emprego satisfatório de materiais com baixo impacto ambiental. Mas no seu desenvolvimento não incorporou mecanismos que proporcionassem o controle dos requisitos de sustentabilidade. A experiência da execução do abrigo indicou a necessidade de rever alguns aspectos do projeto e do processo de produção que podem ser listados:

A-) Quanto ao projeto:

• Incorporar as esquadrias no painel porta e painel janela

• Reforçar a estrutura do telhado pensando no transporte do subsistema

• Aumentar a seção dos montantes e travessas para facilitar a fixação dos painéis

• Detalhar o elemento de fixação da estrutura do telhado

• Detalhar o deck e apoio da torre da caixa d’água

• Incorporar, ainda que parcialmente, o revestimento externo na pré-fabricação dos painéis

• Detalhar a execução do kit hidráulico incorporando a fossa séptica

B-) Quanto a produção:

• Incorporar todas as etapas da produção no planejamento e gerenciamento

• Incorporar aos equipamentos bancadas de trabalho para pré-fabricação dos painéis

• Criar um molde para orientar a produção dos painéis

• Pré-definir todos as ferramentas e equipamentos a serem utilizados por cada equipe de trabalho

• Rever o sistema de coleta de informações

• Elaborar um manual para orientação da produção e controle da qualidade durante e após a execução do abrigo

C-) Quanto a capacitação

• Estabelecer compromisso com a comunidade para capacitação de mão-de-obra

• Incorporar o processo de capacitação da mão-de-obra no planejamento da produção

• Elaborar um manual de construção

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Figura 6: Aspecto final do abrigo ainda sem o revestimento externo (jan/2007).

6.0 REFERÊNCIAS

ARRUDA, Maurício Pinto de. Diretrizes para projeto arquitetônico de habitação social em Pinus produzida por multirão. Dissertação (Mestrado). Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Escola de Engenharia de São Carlos. Universidade de São Paulo, 2000. 251 pp.

CALIL JÚNIOR, C. O potencial do uso da madeira de pinus na construção civil. In: Revista Téchne 60, março de 2002, São Paulo: Pini. P. 44-48.

CORTEZ, Juliana Barbosa. Caracterização e avaliação do fluxo produtivo da habitação em madeira de plantios florestais segundo indicadores de sustentabilidade: consumo de energia e resíduos gerados. Tese (Doutorado). Ciências de Engenharia Ambiental. Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2005.

SILVA, Michelle Ramos da. Limites do Processo de Formulação de Propostas de Diretrizes para políticas públicas de habitação social com desenvolvimento local. Caso: Itararé (SP) e região. Dissertação (Mestrado). Engenharia Urbana. Universidade Federal de São Carlos, 2005.

YUBA, Andréa Naguissa. Cadeia produtiva de madeira serrada de eucalipto para produção sustentável de habitações. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.

7.0 AGRADECIMENTOS Equipe envolvida na produção: Sr.Veríssimo, Fabinho, Sr.Júlio, Alexandre Leitão, Bruno Gimeno, Carolina Akemi Morita, Everton Randal Galvino, Felipe dos Santos, Guilherme Dias, Leandro Barbosa, Lisandra Casagrande, Marília de Freitas, Marlon Longo, Nicholas Storani, Paulo Dimas da Silveira Tauyr, Simone Tavares, Tiliâno Martins de Siqueira, Vinícius Falcão e Wagner Jordão. Empresas responsáveis pela doação de material: Ibaplac e Matra. Apoio da EESC-USP pelo transporte da equipe técnica e dos materiais para o Assentamento Rural Sepé Tiaraju. Local para pré-fabricação cedido pelo Centro de Formação Dom Helder Câmara do Movimento dos Trabalhadores sem Terra.

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