Análise de Imagens - Cidade dos Sonhos

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Uma interpretação do filme "Cidade dos Sonhos" (Mulholland Drive), de David Lynch.

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Page 1: Análise de Imagens - Cidade dos Sonhos

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E

LETRAS DE RIBEIRÃO PRETODEPARTAMENTO DE FÍSICA E MATEMÁTICA

CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO

ARTE, COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO: ANÁLISE DE IMAGENS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DA DISCIPLINA

DOCENTE RESPONSÁVEL:PROFª.DRª. GIULIA CRIPPA

DISCENTE:THIAGO FAVARETTO TAZINAFO

RIBEIRÃO PRETO

DEZEMBRO - 2007

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A Fernanda e Sophia, por toda a força.

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1 - INTRODUÇÃO:

Este documento é o trabalho de conclusão da disciplina “Arte, Comunicação e Informação: Análise de Imagens”, curso ministrado pela Profa. Dra. Giulia Crippa, pelo Departamento de Física e Matemática da USP de Ribeirão Preto. Aos alunos, foi solicitada a tarefa de redigir um texto relacionado a análise de imagens, ficando o tema à escolha do próprio discente. Como se vê, optei por analisar um filme – esse filme, especificamente – o que se deve a duas razões: primeiramente, porque o considero um material muito rico, conforme será demonstrado, para análise de imagens, sendo esse, afinal, o objetivo principal do trabalho; segundo, porque queria escrever algo que as pessoas, de fato, lessem; não somente professores e colegas, mas também amigos, blogueiros etc. Acredito que dificilmente alguém poderia citar um filme tão intrigante quanto “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch. Conheço pessoas demais que o adoram, e tantas quantas que o abominam. O filme foi muitíssimo bem recebido pela crítica, mas friamente acolhido pelo público em geral. Não obstante – ou até por isso – é um cult, tendo angariado um público fiel, no qual devo me incluir. Desde que foi lançado, têm se avolumado, na internet, muitas teorias a respeito, a exemplo do que ocorreu com The Matrix, embora com mais razões para tal e em menor escala de público. Para facilitar a compreensão do filme é que Lynch, o diretor e também roteirista, publicara, no The Guardian, uma lista com 10 pistas para resolver o enigma1. Digo “enigma” porque, quando encarado como um desafio lógico, um mistério que pede para ser decifrado, creio que a obra possa ser melhor apreciada. Diferentemente de “A Estrada Perdida”, que é irremediavelmente impossível de ser explicado, pois, simplesmente, não há solução – e não vejo nenhuma razão para que houvesse uma - “Cidade dos Sonhos” apresenta uma estrutura bastante racional, por incrível que inicialmente pareça.

Para a elaboração deste trabalho, procurei seguir um raciocínio o mais parcimonioso possível, a fim de evitar interpretações alucinadas, as quais já abundam a tempos na rede e dispensam novas contribuições. Para tal, limito-me a analisar as imagens, amparado, por vezes, em alguns dos diálogos mais importantes, de modo a evitar super-interpretações ou conclusões forçadas, embora não saiba dizer em que extensão eu tenha sido bem-sucedido.

1 Cf. http://www.mulholland-drive.net/studies/10clues.htm

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Cidade dos Sonhos - “Mulholland Drive” (EUA-FRA, 2001), de David Lynch (diretor/roteirista)

2 - ENREDO:

A descrição da história é minuciosa, a fim de socorrer a memória de quem quer que não tenha assistido ao filme recentemente.

O filme abre com duas cenas das quais é difícil nos lembrarmos na primeira vez que o vemos e, no entanto, são cruciais para entendermos o que se passa mais adiante: um concurso de dança, à qual se sobrepõem a imagem de Betty (Naomi Watts) entre um casal de idosos, dos quais falaremos mais tarde. Em seguida, há um corte para uma tomada em primeira pessoa de um quarto. A câmera, ora desfocada, afunda no travesseiro.

Fade out, corta para o título e, agora sim, começa a narrativa propriamente dita. Um carro percorre o trajeto sinuoso de Mulholland Drive à noite. O motorista e um colega conduzem a passageira, na verdade, para a morte, pois a viagem é uma cilada encomendada para assassinarem essa mulher, uma atraente e bem-vestida jovem senhora de cabelos negros (Laura Elena Harring). No entanto, o carro é envolvido num acidente, ao qual apenas essa mulher sobrevive. Atordoada e amedrontada, esconde-se no jardim de uma casa e adormece.

Enquanto isso, no local do acidente, investigadores discutem as evidências e concluem que alguém desapareceu da cena.

Amanhece. A misteriosa mulher, da qual sequer sabemos o nome, observa uma senhora carregando umas malas para fora de sua casa – no jardim da qual a mulher cuja história acompanhamos se esconde. Enquanto a senhora e o taxista terminam de colocar as coisas no carro, ela aproveita para esconder-se dentro da casa. A senhora tranca a casa e sai, deixando a intrusa do lado de dentro. Ainda enfraquecida e perturbada pelo acidente, ela volta a dormir. Mais tarde, descobrimos que ela perdeu totalmente a memória, estando incapaz de sequer recordar o próprio nome.

Nesse ponto, a história se desenvolve a partir de algumas tramas paralelas, aparentemente desconexas.

Um jovem homem pede a seu amigo que o encontre numa lanchonete, a Winkie’s. Lá, ele afirma que sonhara com esse lugar. No sonho, o qual tem se repetido, o homem é

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possuído por um sentimento de terror profundo e a impressão de que algo muito ruim está acontecendo. Aparentemente, isso está relacionado com um sujeito que vive atrás da lanchonete. Por isso, o homem pedira a seu amigo para vir, de modo que, juntos, pudessem se certificar de que não há ninguém lá e, assim, o homem possa livrar-se da apreensão que o acomete, desde que começara a ter esse pesadelo. Eles pagam a conta e dirigem-se ao local, apenas para ver que, realmente, existe alguém atrás da lanchonete. Ao deparar-se com a assustadora figura do homem/ monstro, o pobre rapaz entra em colapso.

Em outro núcleo da história, Adam Kesher (Justin Theroux), um bem-sucedido diretor, chega aos estúdios Ryan para uma reunião com a produção de seu novo longa-metragem. Para seu desgosto, descobre que figurões do crime organizado – representados pelos irmãos Castigliani - têm coagido os produtores a escalarem uma protegée da máfia como protagonista (ninguém usa a palavra “máfia” e, no entanto, ela será aqui empregada, para simplificar a linguagem). Um dos irmãos fala, repetindo várias vezes: “This is the girl.”, apontando a foto de uma bela garota cujo nome, lê-se, é Camilla Rhodes.

Adam, talvez subestimando seus desafetos, se enfurece, recusa-se a acatar a ordem e chega ao ponto de golpear a limusine dos irmãos com um taco de golfe. Em seguida, descobrimos que Mr. Roque, o chefão da máfia – um anão aleijado que aparece sempre confinado a uma câmara lacrada – ordena o fechamento do estúdio. Além disso, vemos que ele também parece estar à procura de Rita. Seu imediato dá um recado críptico a alguém no telefone, e essa pessoa liga para um terceiro. Ouvimos tocar, várias vezes, um telefone, sobre uma cômoda iluminada por uma luz vermelha. Ninguém atende...

Betty Elms (Naomi Watts) chega ao aeroporto de Los Angeles. Despede-se de um casal de idosos com quem fez amizade durante o vôo (os mesmos da cena inicial, se prestarmos bem atenção) e pega um táxi até a casa de sua tia, que vive num condomínio em Beverly Hills, mas que saiu de viagem para o Canadá, deixando o apartamento vago para sua sobrinha, a qual pretende iniciar carreira de atriz. Betty chega e se depara com a mulher que, desmemoriada, apresenta-se como Rita (em referência a um pôster de Rita Hayworth que avistara na casa). Rita admite que esteve em um acidente de carro, mas não fala nada a Betty a respeito de sua amnésia, nem quanto a ter invadido o apartamento. Em vez disso, inventa para Betty que é uma amiga de sua tia. Logo em seguida, começa a sentir-se mal e Betty a ajuda a se deitar na cama.

Ao receber, por celular, a notícia de que poderiam fechar o estúdio, Adam decide ir para casa mais cedo, apenas para flagrar sua mulher na cama com o limpador de piscinas. No confronto, acaba sendo espancado e botado para fora de casa pelo piscineiro.

Adam esconde-se num hotel barato no centro da cidade. Sua secretária liga para avisá-lo que, inexplicavelmente, está falido. Diz também que um homem que se apresentara apenas como “cowboy” havia marcado um encontro com ele num local afastado. Supostamente, ele estaria relacionado aos estranhos acontecimentos do dia (exceto a traição da mulher) e, por isso, Adam confirma o encontro.

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Ao mesmo tempo, um homenzarrão a serviço da máfia visita a mansão dos Kesher à procura de Adam. Encontra apenas a mulher e o piscineiro, os quais o atacam, mas são facilmente dominados.

À noite, conforme combinado, Adam encontra-se com o misterioso e ameaçador vaqueiro, que o intimida suficientemente para que ele ceda à pressão dos mafiosos.

Em uma sub-trama paralela, dois criminosos estão conversando amigavelmente no escritório de um deles. O primeiro, que aparenta ser um chantagista profissional, deixa transparecer a seu “amigo” que está com problemas, pois está sendo responsabilizado por um contrato (de assassinato) que não deu certo, uma vez que a vítima fugiu em meio a um acidente de carro (certamente uma alusão a Rita). O outro bandido, um matador de aluguel, atira no colega e faz parecer que foi um suicídio. Numa seqüência de humor negro que lembra o estilo de Tarantino, o assassino ainda se livra de duas testemunhas, rouba o “livro negro” e foge. Nas ruas, coleta informações com as prostitutas, perguntando-lhes se há notícias sobre uma eventual garota nova. Pela descrição, vemos que ele também está à procura de Rita.

Ao ligar para sua tia logo após desfazer as malas, Betty descobre que Ruth não conhece nenhuma Rita. Ao confrontá-la, esta acaba lhe contando a verdade sobre a intrusão e a perda de memória. Rita procura por documentos em sua bolsa, mas, ao invés disso, depara-se com uma grande quantidade de dinheiro em notas, bem como uma estranha chave azul estilizada.

Decidida a ajudar sua nova amiga a recuperar a memória, Betty a convence a fazer uma pequena investigação. Rita tem apenas uma pista: ela se lembra de que estava indo para Mulholland Drive. De um telefone público – ao lado da Winkie’s – as duas amigas fazem uma ligação anônima e descobrem que houve, de fato, um acidente de carro em Mulholland Drive. Pouco depois, Rita se lembra de um nome: Diane Selwyn. Encontram seu nome na lista telefônica e ligam, mas ninguém atende. Por isso, resolvem procurar por ela pessoalmente.

Antes de ir a Diane, porém, Betty visita um estúdio para atender a um teste. É apresentada à equipe de produção, ao ator principal e ao diretor, o qual parece alheio a tudo o que se passa. Os atores fazem a cena, e a equipe fica muito bem impressionada com seu talento. Em seguida, ela é levada ao set de “Sylvia North Story”. Adam Kesher está fazendo os testes para a atriz principal. Por alguns momentos, eles cruzam olhares, e Adam parece encantado com Betty. Na vez de Camilla Rhodes ser avaliada, ele diz o que a máfia exigira que dissesse a seu colega produtor: “This is the girl.”. Betty vai embora para buscar Rita.

Assustadas, as mulheres suspeitam de uns homens que estariam rondando o condomínio onde mora Diane Selwyn. Discretamente, adentram o conjunto habitacional e chamam por Diane. Quem atende, porém, é uma mulher – que, por sinal, não parece conhecer Rita – a qual alega ter trocado de apartamentos com Diane. Essa vizinha

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comenta que a amiga parece ter saído sem avisar, já há alguns dias. Betty e Rita vão ao outro apartamento e tocam a campainha, mas ninguém atende. Resolvem, então, invadir pela janela e, no quarto, descobrem o cadáver putrefato de Diane Selwyn.

De volta ao apartamento de tia Ruth, Rita providencia um disfarce - pois teme pela própria vida – cortando os cabelos negros e colocando uma peruca loira. Nessa noite, as duas acabam dormindo juntas.

Betty acorda com Rita tendo um pesadelo, murmurando coisas em espanhol. Ao despertar, Rita pede a Betty que a acompanhe imediatamente a um lugar – uma espécie de teatro - chamado Club Silencio.

[Agora é que as coisas se complicam...]

Após uma surreal e perturbadora apresentação, um objeto se materializa na bolsa de Betty: uma pequena caixa azul. Elas voltam para casa, no intuito de utilizar a chave azul que haviam encontrado na bolsa de Rita. Quando está prestes a abrir a caixa, Betty desaparece. Rita testa a chave, a caixa se abre – está vazia - e é como se a câmera fosse sugada para dentro da mesma. Rita também desaparece.

[Para fins didáticos, dividiremos o enredo em duas partes, de forma que, agora, começa a segunda parte da história.]

O dia amanhece, e a imagem do cadáver de Diane Selwyn, lentamente, é transmutada para a visão de Betty adormecida, jazindo na cama de Diane, exatamente na mesma posição que a da moça morta. Betty acorda ao som de pancadas na porta. Sua aparência é de uma pessoa desleixada, aborrecida e infeliz, bem diferente de até então. Ela abre a porta. É a vizinha, a mesma que atendera Rita e Betty em uma cena anterior. Nesse ponto, descobrimos que, não somente Betty vive agora na casa de Diane, mas ela própria é Diane.

A vizinha pega um cinzeiro, uns pratos e vai embora. À mesa, vemos uma chave azul – comum, não estilizada como a que abrira a caixa. Diane tem uma alucinação com Rita, a qual chama de Camilla, sugerindo – o que virá a ser confirmado – que Rita é, na verdade, Camilla Rhodes. “Camilla, you’ve come back!”- diz ela, apenas para perceber que, para onde quer que tenha ido Camilla, ela não havia voltado. Em tempo, Camilla, diferentemente de Rita, tem uma postura bastante confiante e sedutora.

A cena seguinte é um encontro amoroso entre Camilla e Diane na casa desta. Em certo ponto, Camilla diz que elas não deveriam mais se encontrar assim. Diane se enfurece, acusando-a de estar tendo um caso com um homem. Esse homem é Adam Kesher, como vemos na próxima cena: no estúdio, Adam utiliza um ensaio como pretexto para beijar Camilla, que não somente retribui, como parece regozijar-se em provocar Diane, a qual os observa desoladamente.

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A cena seguinte é, mais uma vez, no apartamento de Diane. Ela está se arrumando para sair. Sua aparência é melhor, mas não sorridente ou radiante como Betty. Um abajur de luz vermelha ilumina a cômoda onde o telefone toca, a mesma imagem que aparece na sub-trama dos mafiosos. Depois de uma longa demora... Diane atende. É Camilla, agradecendo a Diane por ter concordado em ir a uma festa na casa de Adam, e avisando que o motorista está esperando em frente ao condomínio.

Na tomada seguinte, Diane é conduzida através da Mulholland Drive até a casa de Adam. No entanto, o motorista pára num local diferente (a cena é idêntica ao começo do filme, exceto por Diane/ Betty no lugar de Camilla/ Rita). Camilla surge de uma trilha na vegetação, e ambas adentram a mansão por esse caminho, percorrendo de mãos dadas a “passagem secreta”. Temporariamente, Diane parece realizada, mas em vão. Adam a trata de modo indiferente, enquanto a mãe dele, Coco, parece irritada com seu atraso. Anteriormente, Coco havia aparecido como a síndica do condomínio onde tia Ruth morava; agora, é a mãe de Adam, i.e., outra pessoa, embora com o mesmo nome (e interpretada pela mesma atriz, Ann Miller).

Durante o jantar, Diane conta sua história a Coco: sua tia, Ruth, havia morrido e lhe deixado algum dinheiro, que ela usou para se estabelecer em L.A. e tentar a carreira de atriz, sonho que ela julgara possível após ter vencido um concurso de dança; assim, ela fez um teste para “Sylvia North Story” – o filme que Adam estava rodando na primeira parte da história, quando ele troca olhares com Betty/Diane – mas Bob Rooker deu o papel para Camilla Rhodes; de qualquer forma, elas ficaram amigas, de modo que. Camilla, uma estrela em ascensão, usava de sua influência para obter papéis (menores) para Diane [note que, na segunda parte, o diretor do filme é Bob Rooker e não Adam Kesher].

Após contar brevemente sua história, Diane parece sentir-se humilhada pelo gesto compreensivo de Coco. Em seguida, uma mulher conversa com Camilla e elas se beijam. É a mesma mulher que outrora se chamava Camilla Rhodes e que os mafiosos exigiam que Adam escolhesse para protagonizar seu filme. Diane começa a chorar contidamente. Na festa, além de Coco e a atriz da máfia em “novas versões”, vemos também, pelos olhos de Diane, o cowboy e Luigi, um dos irmãos Castigliani (aquele que é extremamente exigente para com espressos). Adam e Camilla anunciam o casamento, e Diane pranteia indisfarçadamente.

Diane encontra-se com o matador de aluguel na lanchonete. No balcão, avista o homem que, na primeira parte, tem pesadelos com o “monstro”. Diane mostra a foto de Camilla Rhodes/Rita e diz: “This is the girl”. Ela dá o dinheiro ao assassino. Ele avisa que, quando o trabalho estiver cumprido, ela encontrará uma chave no “local combinado”. Ele retira do bolso uma de suas chaves e mostra a ela. É uma chave azul ordinária. Ela ingenuamente pergunta o que essa chave abre, e o matador ri folgadamente.

A câmera em primeira pessoa percorre o exterior da lanchonete até os fundos. O mendigo/ monstro, num ambiente onírico – com lampejos avermelhados – brinca com a

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caixa azul em suas mãos. Ele a põe num saco e o solta. Uma versão em miniatura do casal de idosos sai da caixa.

Diane, em seu apartamento, parece profundamente deprimida. Ouvimos pancadas fortes à porta. O casal de idosos passa por baixo da porta. Diane grita aterrorizada. Agora em tamanho natural, eles a perseguem pelo corredor. Extremamente horrorizada, Diane pula em sua cama, alcança uma arma na cômoda e atira na própria boca.

O quarto se enche de fumaça. Sobrepõe-se a imagem do rosto do mendigo/monstro. Corta para um panorama da cidade, em sobreposição com Betty e Rita, com os cabelos parecidos, deslumbradas com as luzes. Por fim, a mulher de cabelo azul, no camarote do Club Silencio, proclama: “Silencio”.

3 - ANÁLISE E DISCUSSÃO:

3.1 – INTRODUÇÃO:

A chave para a compreensão básica do filme consiste numa concessão: a de que, quando sonhamos, frequentemente mudamos a identidade e a identificação das pessoas que conhecemos. Nos sonhos, fundimos ou dividimos pessoas, trocamos nomes, recombinamos aspectos da personalidade, de forma que as personagens dos sonhos não necessariamente correspondem de forma integral às personagens que conhecemos. Falo deliberadamente em personagens e não pessoas, de forma a aproximar a linguagem onírica à forma de um enredo, ou de uma história de cinema. Parece-me que é isso o que mais interessa a David Lynch: filmar sonhos. Partindo desse ponto, a compreensão de “Cidade dos Sonhos” não é tão difícil.

Como já foi dito, a história pode ser dividida em duas partes: a narrativa “real” e a narrativa “onírica”. A primeira diz respeito às imagens antes dos créditos (ver dica 1) e depois que Diane acorda, i.e., quando Betty desaparece da história. É a parte extraordinariamente triste do filme. É na parte “real” que entendemos as motivações das fantasias de Diane. Estas aparecem em sonho, do momento em que Rita está no carro em Mulholland Drive (créditos iniciais) até quando o cowboy chama Diane de volta à realidade.

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É sensacional a forma como o cineasta recria, por meio da associação de imagens, a verdadeira associação de idéias que operamos, justamente, no sonhar. Um exemplo está em Luigi Castigliani. O dono do estúdio lhe oferece um dos mais conceituados espressos do mundo e, ainda assim, o homem o cospe no guardanapo. Na fase “real” da história, no momento em que Adam e Camilla estão prestes a anunciar seu casamento, Diane está tomando um espresso, quando se depara com um convidado particularmente carrancudo em outra mesa. Ela associa o café ao homem, e assim virá a surgir Luigi Castigliani em seu sonho; de forma semelhante, o misterioso cowboy do sonho é um simples convidado vestido de vaqueiro na festa; A garota que beija Camilla na festa vem a tornar-se a Camilla Rhodes do sonho, aquela que o diretor só escolheu “por força maior” (e não por culpa da própria Diane), e assim por diante.

Podemos desatar os nós e sintetizar a história principal, em ordem cronológica, da seguinte forma:

- Tia Ruth morre e deixa uma certa quantia de dinheiro para Diane- Diane vence concurso de dança- Com o dinheiro da herança, Diane se muda de Ontário, no Canadá, para L.A. - Diane não consegue nenhum papel importante, mas se envolve com Camilla, por

quem se apaixona- Camilla desponta como atriz, parcialmente devido a favorecimentos sexuais para

com homens e mulheres- Camilla e Adam decidem se casar; para tanto, ela deve abrir mão de Diane- Diane, sentindo-se traída, humilhada e possuída por ciúmes e inveja, contrata

um assassino para matar Camilla- O crime é consumado, e Diane é considerada suspeita pela polícia- Dominada pelo remorso e pelo medo, Diane entra em profunda depressão- Diane passa os dias em meio a lembranças, fantasias e alucinações; a primeira

parte da história (cerca de dois terços do filme) se passa nos sonhos fantasiosos de Diane, nos quais ela constrói para si uma auto-imagem ideal e um mundo reparador.

- Vencida pela culpa, Diane comete suicídio.

Analisemos, agora, alguns aspectos de forma mais sistemática.

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3.2 - As Dicas de Lynch:(Transcritas do original e por mim traduzidas.)

1) Pay particular attention to the beginning of the film: at least two clues are revealed before the credits.

1) Preste especial atenção ao começo do filme: ao menos duas pistas são reveladas antes dos créditos.

2) Notice appearances of the red lampshade.

2) Note as aparições do abajur vermelho.

3) Can you hear the title of the film that Adam Kesher is auditioning actresses for? Is it mentioned again?

3) Você consegue ouvir o título do filme para o qual Adam Kesher está testando as atrizes? Ele é mencionado de novo?

4) An accident is a terrible event... Notice the location of the accident.

4) Um acidente é um evento terrível… Repare no local do acidente.

5) Who gives a key, and why?

5) Quem dá uma chave, e por quê?

6) Notice the robe, the ashtray, the coffee cup.

6) Atenção para o roupão, o cinzeiro e a caneca.

7) What is felt, realised and gathered at the club Silencio?

7) O que é sentido, percebido e adquirido no Clube Silêncio?

8) Did talent alone help Camilla?

8) Foi puro talento que ajudou Camilla?

9) Note the occurrences surrounding the man behind 'Winkies'.

9) Note os eventos em torno do homem atrás da Winkie’s.

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10) Where is Aunt Ruth?

10) Onde está a tia Ruth?

Eu havia decidido, inicialmente, não me ater às 10 dicas, pois essas parecem ter sido apenas, segundo boatos, uma exigência da produção para minimizar o fracasso financeiro. Conhecendo seus filmes e tendo acompanhado suas entrevistas, tenho visto Lynch recusar-se a explicar suas reais intenções com este ou aquele filme, preferindo deixar as conclusões para o próprio espectador. Desse modo, não acho que essas seriam as dicas que ele mesmo daria se realmente quisesse explicar alguma coisa, de forma que seria melhor seguir sozinho nessa empreitada. Entretanto, para fins de organização do texto, de modo a deixá-lo menos caótico, serão utilizadas as 10 dicas como um roteiro semi-estruturado de análise, partindo de cada uma delas para expandi-la em diferentes níveis de interpretação.

1) Pay particular attention to the beginning of the film: at least two clues are revealed before the credits.

(Preste especial atenção ao começo do filme: ao menos duas pistas são reveladas antes dos créditos.)

Após a abertura com o concurso de dança, vemos uma tomada em primeira pessoa. A imagem fica ora desfocada e a câmera passeia a esmo pelo quarto. Uma tomada desse tipo ocorre em um dos momentos mais tristes do filme, em que Diane se masturba violentamente. O teto é visto sob seu ponto de vista; a câmera divaga e o foco se perde vez por outra. Ou seja, no começo do filme, temos uma visão em primeira pessoa do ponto de vista de Diane indo dormir. Isso fica evidenciado pelo fato de a câmera afundar-se na almofada. Começa o sonho...

Antes disso, porém, temos a imagem de Diane entre o casal de idosos, sob a luz de flashes e holofotes. É um momento de alegria e glamour, o único que Diane jamais teve. A imagem é sobreposta aos dançarinos, e a montagem é feita de maneira a sugerir uma relação temporal entre as imagens: Diane vence o concurso de dança. O fato de o casal estar presente sugere uma relação de parentesco ou tutelagem, de forma que podemos pensar nos velhinhos como sendo os avós de Diane. Essa hipótese é corroborada pelo fato de serem eles os seus “carrascos” no final, ficando por representar o “peso na consciência” de Diane ou, de um ponto de vista psicodinâmico, o superego. Voltarei a esse ponto mais adiante.

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2) Notice appearances of the red lampshade.

(Note as aparições do abajur vermelho.)

O abajur vermelho ilumina um quarto onde toca um telefone, em ambas as partes da história. Na realidade, é a própria Diane quem o atende mas, no sonho, o telefone não é atendido. Parece que esse elemento exprime o desejo de Diane de jamais ter atendido ao telefonema de Camilla, pois foi por isso que ela acabou indo à festa.

Eu decidi incluir minhas próprias traduções das dicas precisamente por ter me deparado com uma tradução particularmente ruim desse item. “Red lampshade” havia sido traduzido como “sinal vermelho”. Ironicamente, isso me levou a uma descoberta interessante, pois, procurando por qualquer objeto vermelho no filme, pude notar, na seqüência em que o matador luta com a mulher obesa, que essa trabalha num escritório que tem a seguinte placa (vemelha): “Health & Plus Enzymes”. Enzimas? Uma loja de enzimas?! Alguém deve estar sonhando...

3) Can you hear the title of the film that Adam Kesher is auditioning actresses for? Is it mentioned again?

(Você consegue ouvir o título do filme para o qual Adam Kesher está testando as atrizes? Ele é mencionado de novo?)

Sonho: Adam está filmando “Sylvia North Story”. Ele se encanta à primeira vista com Diane mas, de mãos atadas como está, é obrigado a escolher Camilla Rhodes para o papel. É por isso que Betty não consegue o papel. Afinal, talento é o que não falta para Betty, como fica comprovado por seu teste, na qual a única pessoa sem talento parecia ser mesmo o diretor, Bob Rooker.

Realidade: Bob Rooker dirigiu “Sylvia North Story”. Diane atendeu ao teste, mas ele não viu talento nela. Camilla Rhodes conseguiu o papel.

Reparem como Diane se vinga em seu sonho. Bob Rooker é um imbecil. Adam Kesher é sistematicamente frustrado e humilhado: a mulher o trai, ele apanha do amante, perde controle sobre seu filme, vai à falência e, numa vingança especialmente pueril, fica todo sujo de tinta...

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4) An accident is a terrible event... Notice the location of the accident.

(Um acidente é um evento terrível… Repare no local do acidente.)

Essa é um tanto quanto trivial. O local do acidente que sofre Rita é a “passagem secreta” por onde Diane adentra a festa com Camilla. Uma interpretação possível é que o fato de Rita sobreviver à tentativa de assassinato no sonho manifesta o desejo de Diane de reverter sua decisão. Alternativamente, o acidente em que se envolve Rita pode ser uma metáfora para simbolizar o evento terrível que fora, para Diane, a festa.

5) Who gives a key, and why?

(Quem dá uma chave, e por quê?)

O assassino profissional deixa uma chave para Diane como sinal de que o trabalho fora concluído, ou seja, a chave simboliza a consciência de Diane sobre a morte de Camilla.

Quando Diane pergunta o que abre a chave, ele ri. O homem acha graça na ingenuidade de Diane, pois a chave não abre nada, é só um código. Poderiam ser tampinhas ou coisa que o valha. Para Diane, porém, toda chave abre alguma coisa e, assim, quando ela faz a pergunta ingênua, o aparecimento do mendigo na cena seguinte atrás do Winkie’s surge como resposta auto-referente: A chave abre a caixa azul.

6) Notice the robe, the ashtray, the coffee cup.

(Atenção para o roupão, o cinzeiro e a caneca de café.)

Estes são elementos de tempo psicológico. Na seqüência em que aparecem, a vizinha leva o cinzeiro, e um close sobre a mesa onde estava o cinzeiro revela a chave azul. Isso indica que Camilla já é morta. Em seguida, Diane, de roupão, prepara um café e se dirige até a sala. Quando chega, passa por cima do sofá, onde Camilla está deitada nua. Diane, sem o roupão, deixa um copo – de whisky ou refrigerante, mas definitivamente não de café – sobre a mesa, onde vemos o cinzeiro e não a chave. É através desses elementos que Lynch indica tratar-se de um flashback.

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7) What is felt, realised and gathered at the club Silencio?

(O que é sentido, percebido e adquirido no Clube Silêncio?)

O Club Silencio marca o início do despertar de Diane. O mágico afirma várias vezes que nada daquilo que vêem no espetáculo é real. “No hay banda”, é tudo uma ilusão. O clarinetista ergue seu instrumento, mas continuamos a ouvir o som. É tudo uma gravação.

É no clube que a caixa aparece. Comovida pela belíssima interpretação de Rebekah del Rio para “Crying”, de Roy Orbison, Betty abre a bolsa para buscar um lenço, e encontra a caixa. Se esta representa sua tomada de consciência, então, a iluminação azul cintilante do palco simboliza a transição entre estados de consciência.

É, também, o momento de nossa própria tomada de consciência. De certa forma, a narrativa da cena do clube difere das duas partes em que dividimos a história. É, talvez, uma terceira parte, aquela em que o diretor fala diretamente conosco. É como se ele didaticamente nos instruísse a não acreditar em nada do que vimos até então. O interessante é que, por mais que se diga que “no hay banda”, ainda assim nos surpreendemos quando Rebekah desfalece, mas continuamos a ouvi-la cantando.

Parece que o autor vinha nos alertando desde o começo de que nada do que se passava era real. Uma cena extraordinária, e que marca, sem dúvida, a primeira grande “perda de credibilidade” da narrativa, é o teste para “Sylvia North Story”. A cena abre com um close na atriz cantando “Sixteen Reasons”. Lentamente, a câmera se afasta, e descobrimos que estávamos vendo a atriz por um monitor em um estúdio. A câmera se afasta mais, e vemos que o próprio estúdio é, na verdade, o cenário de um filme. A câmera se afasta ainda mais e, para nosso espanto, vemos que o cenário do filme é, por sua vez, o cenário de outro filme: Adam está filmando um filme sobre um filme sobre um estúdio. Convém adicionar que as atrizes estão apenas dublando. No hay banda.

Outras pequenas dicas aparecem anteriormente. Quando Betty recebe a vidente, ela diz “My name is Betty”, a que esta responde “No, it’s not”. Além disso, elas estão conversando através de uma porta de vidro, algo que não percebemos absolutamente, até que Coco abre a porta. Mais um sinal de que não devemos confiar no que vemos.

Mais dois exemplos:

-Na cena em que Betty convence Rita a ligar para a polícia, aquela diz: “Será como nos filmes: A gente finge ser outra pessoa.”

- Quando elas ligam para Diane, Betty diz: “É estranho ligar para si mesma”, ao que Rita responde: “Talvez não seja eu”.

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8) Did talent alone help Camilla?

( Foi puro talento que ajudou Camilla?)

Certamente não. Durante o teste, em que Woody Katz tira vantagem de Betty descaradamente, ele revela que queria fazer igual com a outra garota, “a morena”. Ademais, Camilla parece relacionar-se promiscuamente com outras pessoas, o que sugere que Adam estivesse sendo manipulado por ela em função de seus interesses profissionais.

9) Note the occurrences surrounding the man behind Winkie's.

(Note os eventos em torno do homem atrás da Winkie’s.)

O homem na lanchonete afirma que o mendigo/monstro atrás da Winkie’s é quem está por trás de tudo “isso”. Não fica claro, nesse momento, se “isso” refere-se ao sonho ou à trama como um todo. No entanto, é provável que ambas as opções sejam verdadeiras, se prestarmos atenção à segunda aparição do mendigo. Ele está brincando com a caixa azul e, depois, coloca-a num saco e o solta. De dentro, saem os “avós” de Diane. Se a caixa azul é a consciência, então o homem/monstro inevitavelmente fica por representar o inconsciente de Diane. É um inconsciente horrível, imundo e assustador. A imagem do mendigo/monstro simboliza, assim, a própria deterioração espiritual de Diane.

10) Where is Aunt Ruth?

( Onde está a tia Ruth?)

Tia Ruth está atuando no Canadá. A expressão to act in Canada é uma gíria maliciosa entre cineastas hollywoodianos que significa to be dead. Ou seja, tia Ruth está morta...

Tenha sido esse trocadilho intencional ou não, o que pode provocar confusão é o aparecimento de tia Ruth no momento em que a caixa é aberta. Como dissemos anteriormente, se a caixa é uma metáfora para a consciência de Diane, o ato de abri-la deve corresponder ao despertar. A transição entre o sonho e o despertar de Diane é, a meu ver, a cena mais sutil do filme. Estamos no quarto de tia Ruth, e a câmera está fixa, mirando o corredor e parte da parede. Então, a imagem muda para uma tomada em movimento pelo corredor da casa de Diane, em direção ao seu quarto, exceto por um breve momento, em que retorna a imagem parada no quarto de Ruth. Imagino que

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esse breve retorno represente a tentativa de Diane de retomar o sonho que, afinal, estava tão prazeroso. Por esse ponto de vista, podemos interpretar o aparecimento final de tia Ruth como uma tentativa de retomar o sonho desde o início.

A propósito: Ruth aparentemente fala francês (pois tem um livro cujo título é “Tout Paris”), enquanto Camilla fala espanhol na festa, e essas seriam as conexões com a performance trilíngue do mágico no Club Silencio.

3.3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Um aspecto fundamental da história é a maneira como Diane representa a si e a Camilla no sonho. Betty é radiante, simpática, talentosa e vivaz, cheia de atitude. Dela partem as decisões; é ela quem toma conta de Rita, que aparece frágil, confusa, indefesa.

Um dos momentos mais impressionantes, na minha opinião, é logo depois que Betty se despede de Irene e seu marido, no aeroporto. Dentro do táxi, já longe de Betty, é como se eles não tivessem mais vida própria: permanecem com o sorriso fixo, sem emitir palavra, como se fossem meros autômatos. É como se o mundo só tivesse um sentido funcional ao redor de Betty; distante dela, as coisas não precisam funcionar por conta própria. É como a cena final em “O Show de Truman”, quando o personagem de Jim Carrey se depara com o fim do cenário; ou quando ele toma um caminho alternativo e descobre as ruas vazias porque, supostamente, os figurantes não teriam necessidade de estar ali, já que o protagonista do show deveria estar em outro lugar. Toda a sensação de irrealidade construída ao longo de “Truman Show” é, aqui, canalizada por Lynch em uma única cena. Nada mais justo para Betty/Diane pois, afinal, é o seu mundo.

Diane constrói para si um mundo ingênuo das histórias clássicas de Hollywood. Vemos elementos típicos do gênero policial, como: policiais de sobretudo, gangues de mafiosos, assassinos de aluguel, o eterno clichê da perda de memória etc. Numa interpretação mais ampla, porém, podemos dizer que é o próprio Lynch quem faz uma homenagem ao cinema de Hollywood. Em “Cidade dos Sonhos” há elementos típicos de romance, policial, musical, drama e mesmo horror. Se for este o caso, é sintomática a iconografia das protagonistas, a qual resgata a imagem das divas de Hollywood: Naomi Watts incorpora a imagem da mocinha doce e ingênua, como Doris Day, enquanto Laura Harring perfaz o papel da musa, como Marilyn Monroe ou a própria Rita Hayworth. Por esta linha, pode-se até especular se o calvário de Adam não seria uma crítica sutil de Lynch aos grandes produtores...

Ao voltar da casa de Diane Selwyn, Rita decide mudar a própria imagem. Com a peruca, a semelhança entre ambas é inegável. É como se Diane, em suas fantasias, quisesse não somente submeter e possuir Camilla, mas efetivamente fundir-se a ela, tornar-se uma só com seu grande amor mas, quando Betty se declara: “I’m in love with

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you.” - ela o diz duas vezes - Rita não responde. Tristemente, parece que nem mesmo nos sonhos mais fervorosos de Diane seu amor seria correspondido...

4 - BIBLIOGRAFIA:

CABRERA, J. O Cinema Pensa: Uma Introdução à Filosofia Através dos Filmes. . Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

TIRARD, L. Grandes Diretores do Cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

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