Análise de técnica de Orquestração

227
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES – ECA DEPARTAMENTO DE MÚSICA Adriano Del Mastro Contó Análise de técnicas de orquestração da música brasileira na “Suíte Brasiliana n. 1” de Cyro Pereira São Paulo – 2008

description

Dissertação de Mestrado. Análise de técnica de Orquestração da música Brasileira na "Suíte Brasiliana n.1" de Cyro Pereira. Autor: Adriano del Mastro.

Transcript of Análise de técnica de Orquestração

UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES ECA DEPARTAMENTO DE MSICA Adriano Del Mastro Cont Anlise de tcnicas de orquestrao da msica brasileira na Sute Brasiliana n. 1 de Cyro Pereira So Paulo 2008 Adriano Del Mastro Cont Anlise de tcnicas de orquestrao da msica brasileira na Sute Brasiliana n. 1 de Cyro Pereira DissertaoapresentadajuntoaoProgramadeMsica readeConcentrao:ProcessosdeCriaoMusical,da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulocomorequisitoparcialparaaobtenodograude Mestre,sobaorientaodoProf.Dr.RogrioLuiz Moraes Costa. So Paulo 2008 COMISSO EXAMINADORA So Paulo, _____ de _________________ de 2008. FICHA CATALOGRFICA ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES / USP SERVIO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAO Cont, Adriano Del Mastro. Anlise de tcnicas de orquestrao da msica brasileira na Sute Brasilianan.1deCyroPereira/AdrianoDelMastroCont.So Paulo, 2008. 227 p. : fig. Dissertao(Mestrado)DepartamentodeMsica/Escolade Comunicaes e Artes / USP, 29/01/2008. Orientador: Prof. Dr. Rogrio Luiz Moraes Costa. Bibliografia 1.Msicaanliseorquestrao.2.Msicabrasileiraritmos. I. Costa, Rogrio Luiz Moraes. II. Ttulo. CDD 21.ed. 780.865 Dedico este trabalho a Deus e aos meus pais, pelo constante e imenso apoio a este projeto. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Rogrio, pela compreenso e orientaes que me levaram a concluir este trabalho. Ao professor Maurcio Florence de Barros pelos ensinamentos de vida, os incentivos e as reflexes sobre da msica orquestral que me levaram a realizar este trabalho. Juliana Figueiredo pela reviso ortogrfica deste texto. Fabiana Crepaldi pela ajuda na reviso final deste trabalho. Ao maestro Cyro Pereira por sempre estar disposto a dar ateno e realizar conversas que serviram como aulas de orquestrao durante estes anos. Ao baterista Toniquinho da Orquestra Jazz Sinfnica do Estado de So Paulo pelos exemplos concedidos esta pesquisa. Ao Arquivo do Theatro Municipal de So Paulo (em nome dos senhores Everaldo Ormonde de Oliveira, Chefe do Arquivo, e Roberto Bonaccorsi, auxiliar) e ao Museu do Theatro Municipal de So Paulo (em nome do senhor Mrcio Sgreccia) que me atenderam prontamente sempre que necessitei, concedendo cpias de partituras, programas de concerto e auxlio nas pesquisas. Fabiana, arquivista da Orquestra Jazz Sinfnica do Estado de So Paulo, pela concesso das partituras das msicas de Cyro. Aos meus familiares e amigos que conviveram comigo trs nestes anos. CONT,AdrianoDelMastro.Anlisedetcnicasdeorquestraodamsicabrasileira na Sute Brasiliana n. 1 de Cyro Pereira. 2008. Dissertao de Mestrado USP RESUMO Este trabalho de Mestrado prope uma anlise sobre a escrita orquestral da msica brasileira com foco na Sute Brasiliana n.1 de Cyro Pereira, composta em 1962. Assim, contextualiza eapresentaumhistricodaescritadamsicapopularbrasileiraparaorquestra,citando trechosdepartiturasdealgunsarranjosdePixinguinhaeRadamsGnattalinapocade Ourodadcadade1930.Analisacomoosinstrumentosmusicaisnoconvencionaisso inseridos na orquestra e como so utilizados novos elementos rtmicos em obras do repertrio sinfnicobrasileiro,destacandocomposiesdeHeitorVilla-Lobos.Registra,ainda,uma pesquisasobreosritmosbrasileiros:dobrado,toada,choro,valsaebaio.Explanasobre utilizaodosrecursoscomposicionaisedastcnicasdeorquestraonaobradeCyro Pereira, fazendo uso de exemplos construdos tendo como base a partitura da sute na verso adaptada e reorquestrada de 1992. Por fim, valeressaltar que, como partedeste trabalho, foi realizada uma edio revisada da partitura da Sute Brasiliana n. 1 (verso de 1992). Palavras-chave: Cyro Pereira; orquestrao; msica brasileira. CONT,AdrianoDelMastro.Anlisedetcnicasdeorquestraodamsicabrasileira na Sute Brasiliana n. 1 de Cyro Pereira. 2008. Dissertao de Mestrado USP ABSTRACT This fine Masters work aims at analyzing the orchestral score of the Brazilian music focusing at Suite Brasiliana n.1 by Cyro Pereira, composed in 1962. Therefore, it contextualizes and presentsadetailedreportofthewrittencompositionoftheBrazilianPopularMusicfor orchestra,makingreferencetopassagesofscoresfromsomemusicalarrangementsby PixinguinhaandRadamsGnattaliinthepocadeOuro(TheGoldenPeriod)inthe thirties.Itanalyzesboththewaythroughwhichnonconventionalinstrumentsareputinthe orchestra and how the new rhythmic elements of some Brazilian symphonic opuses are used, givingemphasistothemusicalworkcomposedbyVillas-Lobos.Italsoshowsaresearch aboutBrazilianrhythms:dobrado(marchingmusic),toada,choro,valsa(waltz)andbaio. Besides, it explains how the compositional resources and the techniques for orchestration are usedinCyroPereiraswork,givingexamplesfromthescoreofthesuiteadaptedandre-orchestrated in the 1992 version. Finally, it is worth to point out that it was part of this paper tomakearevisedversionofthescoreSuiteBrasilianan.1byCyroPereira(inthe1992 version). Key-words: Cyro Pereira; orchestration; Brazilian music. LISTA DE ABREVIATURAS flt.=flauta / flautas ob.=obo / obos c.i.=corne ingls clar.=clarineta / clarinetas fag.=fagote / fagotes sax.=saxofone / saxofones ten.=tenor bar.=bartono tmp.=trompa / trompas tpt.=trompete / trompetes tbn.=trombone / trombones guit.=guitarra pno.=piano bat.=bateria perc.=percusso vln.=violino / violinos va.=viola / violas vcl.=violoncelo / violoncelos cbx.=contrabaixo / contrabaixos eletr. =eltrico pizz.=pizzicato n.=nmero / nmeros p.=pgina / pginas s.=seguinte ss.=seguintes c.=compasso / compassos Bbm=Si bemol menor G6=acorde de sol maior com 6a C6=acorde de do maior com 6a 17 SUMRIO INTRODUO........................................................................................................................ 19 CAPTULO 1 - A ORQUESTRAO BRASILEIRA........................................................... 24 1.1 Uma Pequena Biografia de Cyro Pereira..................................................................... 24 1.2 A Escrita Orquestral na Msica Popular Brasileira..................................................... 27 1.3 Cyro Pereira, Orquestrador.......................................................................................... 33 1.4 Identificao de Alguns Elementos Nacionais ............................................................ 45 CAPTULO 2 - ASPECTOS DA MSICA BRASILEIRA.................................................... 52 2.1 Alguns Ritmos Brasileiros Mais Comuns ................................................................... 52 2.2 Aspectos da Evoluo Instrumental ............................................................................ 61 2.3 O Uso de Ritmos Brasileiros em Obras De Villa-Lobos............................................. 63 CAPTULO 3 - A SUTE BRASILIANA n. 1 ..................................................................... 69 3.1 Processo Analtico....................................................................................................... 69 3.2 Dobrado ....................................................................................................................... 79 3.3 Toada ........................................................................................................................... 99 3.4 Chro ......................................................................................................................... 108 3.5 Valsa .......................................................................................................................... 119 3.6 Baio.......................................................................................................................... 126 CONCLUSO........................................................................................................................ 138 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................... 143 PARTITURAS CONSULTADAS......................................................................................... 145 GRAVAES........................................................................................................................ 146 ENTREVISTAS ..................................................................................................................... 146 PGINAS VISITADAS NA INTERNET ............................................................................. 146 APNDICES .......................................................................................................................... 147 ANEXOS................................................................................................................................ 204 18 19INTRODUO CyroPereira,compositorgacho,iniciouseusestudosmusicaisaindacrianae comeouatrabalharprofissionalmentecommsicanaadolescncia,somandohojemaisde cinqenta anos de carreira. Tendo atuado como pianista em diversas formaes musicais, tem destaque no meio artstico e jornalstico musical especializado. Dividiu o palco comgrandes nomes da msica e produziu arranjos para os mais variados meios de expresso musical, tais como:trios,bandas,big-bandseorquestras.Algumasdesuasobrasdespertaminteressede estudantes de msica, principalmente nas reas de arranjo e orquestrao. Assim,procurandoregistraralgumastcnicaseprocedimentosdeorquestrao,bem comoproduzirumestudosobreumapossvelevoluodaescritamusicaldomaestro,este trabalhopropeumregistrodastcnicasdeorquestraoutilizadasnapeasinfnicaSute Brasilianan.1.Escritaoriginalmenteem1962,apeafoiadaptadaereorquestrada1pelo prpriocompositor,em 1992,paraaOrquestraJazzSinfnicadoEstadodeSoPaulo,que possuiinstrumentaodiferentedatradicional.Estaorquestraincorporasaxofonese instrumentoseletrnicos(comocontrabaixoeltrico,guitarraeltrica,bateriaepercusso) dentre outros instrumentos musicais comuns na prtica da msica popular. Paraexemplificaressadiferenainstrumental,alistademsicos/instrumentosda OrquestraJazzSinfnicadeSoPaulode1992sercomparadadaOrquestraSinfnica Municipal de So Paulo, do mesmo ano. Noquadrocomparativoinstrumentalabaixofoicitadaadiferenaentreinstrumentos comdesignaoeruditaversuspopularvisandoilustraralgumascaractersticasnecessrias paraqueomsicoocupeavaganaorquestra.Adesignaopopularsugereque,almda leituradapartituraehabilidademusicaleruditadesenvolvidanoinstrumento,omsico tambmpossuahabilidadescomunsnaprticademsicapopular,taiscomo:leiturade acordes/cifras, improvisao e habilidade para prtica em conjunto sobre ritmos populares2. 1Adaptaoereorquestraosoostermosutilizadospelocompositornaassinaturafinaldapartitura homnima na verso de 1992. 2 Estas informaes foram retiradas de programas de concerto conforme o anexo n.06 p.210 e anexo n.07 p.211. 20 Orquestra Naipes Orquestra Jazz Sinfnica do Estado de So Paulo Orquestra Sinfnica Municipal de So Paulo Cordas10 10 6 6 2 Violinos I Violinos II Violas Violoncelos Contrabaixos 161212108Violinos I Violinos II Violas Violoncelos Contrabaixos Madeiras3 1 2 0 5 Flautas Obo Clarinetas Fagotes Saxofones 52320Flautas Obos Clarinetas Fagotes Saxofones Metais3 4 4 0 Trompas Trompetes Trombones Tuba 4431Trompas Trompetes Trombones Tuba Percusso1 0 Tmpanos Percusso Erudita 11Tmpanos Percusso Erudita Outros0 0 0 1 1 1 1 1 Harpa rgo Piano Erudito Piano Popular Guitarra Eltrica Contrabaixo Eltrico Bateria Percusso Popular 11100000Harpa rgo Piano Erudito Piano Popular Guitarra Eltrica Contrabaixo Eltrico Bateria Percusso Popular Do conjunto de obras do compositor que conta com mais de uma centena de ttulos, sendocercade30paraorquestrafoi,criteriosamente,escolhidaumaqueapresentegrande diversidadedeinstrumentos.Atravsdessaobrafoipossvelregistraralgumastcnicasda escritamusical(nosentidodaorquestrao)emmomentosvariadosdesolos, acompanhamentos ou outras combinaes composicionais. 21Considerandotaispremissas,foiescolhidaaSuteBrasilianan.1queobteve destaque em 1963, ainda no incio da carreira de Cyro Pereira, recebendo meno honrosa em um concurso de composio realizado no Theatro Municipal de So Paulo. Este prmio gerou uma importante crtica onde eram destacadas suas qualidades de orquestrador. Quando se procurou encontrar a partitura original, de 1962, da Sute Brasiliana n. 1, foi constatado, consultando-se o compositor, que ele no se preocupou em guardar cpias ou realizarregistrodesuasobras,fazendocomqueodestinodealgumasdelasseja desconhecido. Nocaso desta obra,constatou-se que Cyro no a possua mais3. Em 1992, foi escritaumaoutraversodamesmasute,versoestaqueseencontracomocompositore executada freqentemente. Ainda, pesquisando em arquivos de orquestras da cidade de So Paulo, foi encontrado um nico manuscrito da primeira verso (1962) na Galeria Olido, no arquivo de partituras do Theatro Municipal de So Paulo. Esta partitura foi resgatada4 e devolvida ao arquivo de onde no saa havia aproximadamente 20 anos5. JasegundaversopossuicpiasnoarquivodaOrquestraJazzSinfnicadoEstado de So Paulo. Sobre esta verso de 1992 realizamos uma edio completa da partitura e partes atravsdeprogramadeediomusical.Estaedio6semantmfielaomanuscrito,sendo possvel, assim, o uso de excertos de trechos musicais nesta dissertao. 3 PERPETUO (2005, p.118). Luciana Sayuri diz que espantoso saber (...) que a nica partitura da primeira composio sinfnica de Cyro a Brasiliana n. 1 ficou esquecida nos arquivos do Theatro Municipal de So Paulo de 1962 a 1972, s retornando s mos do compositor por iniciativa de Damiano Cozzella.... Em 2005, no inciodestapesquisa,consultandoocompositorparasolicitarapartituradaSuteBrasilianan.1de1962, embora esta declarao diga que a possua, novamente Cyro disse que no a possua mais. Foi necessrio acessar oarquivodoTheatroMunicipaldeSoPaulo,naGaleriaOlido,paratermosacessopartiturade1962.Na ocasio do incio deste trabalho, Cyro disponibilizou-me apenas a verso de 1992. 4 Na tentativa de assegurar o no desaparecimento total desta verso original de 1962, este manuscrito da Sute Brasiliana n. 1 arquivado na Galeria Olido passou pelo processo de digitalizao com a realizao de fotocpia simples da partitura manuscrita original e a digitalizao (escaneamento) para arquivos em formatos de imagem digitais(formatosTIFF).PelofatodeaspginasapresentaremumtamanhomaiorqueopadroA3,paraa fotocpiadestaversode1962,aorganizaodapartituraexigiuumajustemanual,ondesefeznecessriaa colagem de 2 pginas tamanho A3 para a montagem total da partitura. Aps isso, foi realizada a digitalizao em scanner especfico para o tamanho utilizado. 5NaocasiodoemprstimodapartituranaGaleriaOlido,ainformaodequeapartituranosaadeseus arquivoshaviaaproximadamente20anosfoiobtidaatravsdeconversacomosarquivistasdoTheatro MunicipaldeSoPaulo,Sr.EveraldoOrmondedeOliveira(ChefedoArquivo)eSr.RobertoBonaccorsi (auxiliar). Em minha pesquisa, no encontrei este exemplar de 1962 da Sute Brasiliana n. 1 em nenhum outro arquivo musical. 6 Esta edio, realizada por este autor, apresenta os 5 movimentos da Sute Brasiliana n. 1 e est inserida no 22 OqueconcerneaestetrabalhodeMestradooregistrodealgumastcnicasde instrumentaoeorquestraoutilizadasnaversomaisatual(1992)daobraSute Brasilianan.1deCyroPereira.Portersidorealizada30anosapsaprimeiraeapresentar instrumentao maior, possibilita um estudo da escrita mais madura do compositor. Nestes quase cinqenta anos que se passaram da sua composio, a Sute Brasiliana n.1sefezconhecidapordiversosmsicos,apreciadoresecrticosdomeiomusical sinfnico. A trajetria da obra conta com crticas em jornais e revistas, comentrios e resenhas que a destacaram no repertrio brasileiro. Apresenta cinco movimentos sendo que cada um delespossuiumttulohomnimoaumritmo7brasileiro(gneromusical/estilo)ese destaca em aspectos musicais referentes instrumentao e orquestrao da msica sinfnica brasileira. AlmdascrticasparaaSuteBrasilianan.1,outrascrticas,comentriose homenagens que recebeu em toda sua carreira contribuam para que obtivesse destaque como compositor, principalmente por sua maneira de orquestrar. Um dos reflexos deste destaque foi o convite para dar aulas de arranjo e orquestrao no curso do Departamento de Msica da Universidade Estadual de Campinas8. As disciplinas escolhidas para que Cyro assumisse coincidem com as reas em que se destacouatravs das crticas registradas. Sendoassim,aomesmotempoemqueestetrabalhopodecontribuirporapresentar

apndice deste trabalho. 7 O sentido deste termo em nosso trabalho se aproxima daquele estabelecido por Costa (2000, p.27 e 61) para o termo levada. Levada um termo usado em msica popular e que designa um modelo rtmico-timbrstico que concretizaosdiversosestilospopulares(samba,baio,rock,etc.)equecarrega,amaneiradeumaonda portadora,todososacontecimentosmeldicoseharmnicoselhesdumasustentaortmicaepulsante.A Levada parcialmente aberta, dependendo do universo musical em que se instala, de modo a poder receber, por partes do(s) instrumentista(s) que a executa(m), resolues pessoais altamente caracterstica. Assim, muitas vezes se ouve falar: ... fulano de tal toca o samba de uma maneira xyz, muito diferente de sicrano de tal.. etc.. Logo, neste trabalho ser usado o termo ritmo para exemplificar o estilo musical (dobrado, marcha, toada, valsa, choro,baio,etc.),quediferedotermo rtmica,ondeseentendequeoagrupamentodequaisquerfigurasde nota, cclicas ou no. 8 Cyro Pereira foi professor do Departamento de Msica da Universidade Estadual de Campinas entre os anos de 1990 e 1999. O convite para integrar o corpo docente do curso de Msica Popular foi feito pelo ento diretor doInstitutodeArtes,omaestroBenitoJuarez.CyroconheceBenitodesdeostemposdasorquestrasderdio, onde Benito atuava como violinista sob a sua batuta. 23elementos para um estudo sobre o desenvolvimento da escrita orquestral de Cyro Pereira, uma vez que as 2 verses apresentam diferena temporal de 30 anos, investiga alguns dos motivos que levaram ao seu reconhecimento artstico como orquestrador. 24 Captulo 1 A Orquestrao Brasileira 1.1 UMA PEQUENA BIOGRAFIA DE CYRO PEREIRA Nascido em 14 de agosto de 1929 na cidade de Rio Grande9, no Estado do Rio Grande doSul,CyroMarinPereirainiciouseusestudosmusicaisaindameninonocolgioLiceu SalesianodeArteseOfcioLeoXIIIdesuacidade.Apsreceberorientaesemteatro, banda, coro, rgo e piano: destacou-se nos recitais de piano que realizava. Aos catorze anos, recebeuautorizaodeseupaieaceitouumconviteparaintegraraOrquestraJazz Botafogo,grupoquerealizavabailes;nestes,almdetocarpiano,comeouarealizarseus primeiros arranjos. Depoisdetocarpianoeexperimentararranjosnestaeemoutrasbandaseorquestras de baile de Rio Grande, em 1949, Cyro passou a participar do grupo Nunes e Seus Rapazes esempreimaginavaqueumdiapoderiaintegrarorquestrasoubandasmaiores.Duranteos baileseapresentaesconversavasemprecomseuamigoeacordeonistaLusLaviaguerre (conhecido como Lus Gacho), um msico do mesmo grupo. Cyro ouvia dele boas histrias sobreacidadedeSoPaulo,ondeLusjhaviaestadoporalgumtempo.Aolongodas conversas, entre um baile e outro, as histrias acabaram por incentiv-lo a trabalhar na capital paulista. Em pouco tempo Cyro estava convencido de que este destino seria o melhor. Em 24 de maro de 1950 viajou para So Paulo. 9Segundoocensode1939,acidadedeRioGrandetinhaumapopulaode71.816habitantes.Em2000,o IBGE contou 186.544 habitantes. 25Chegandocapitalpaulista,jnosegundodiaconseguiuempregocomopianistana boate Excelsior. L conheceu aquela que seria sua esposa e me de seus trs filhos, a cantora EstherzinhadeSouza.Aindaem1950,tocoupianonoRegional10daRdioRecordPRB-9, grupoimportanteparaqueCyroviesseaatuarnaorquestradaRdioRecord,ondetambm passaria a arranjar e reger. Sobre o seu regional destaca: ...acho que era o nico regional no Brasil com piano!. 11 Em 1953, Cyro estabelece-se na Rdio Record, onde ressalta ter trabalhado ao lado de msicoscomoomaestroHervCordovil(03/02/191416/7/1979)eomaestroGabriel Migliori(09/11/190902/01/1975).PorMigliori,Cyrotemgrandereconhecimento:o consideraseuprincipalmestreeprofessordemsica,poiscomeleseaperfeioouem composio, regncia, harmonia e orquestrao. Sobre ele, Cyro diz: Eutivemuitasortedeencontrarele!Umpianistaexcelente, umpianistaclssico,eumcaraqueemorquestraoconheciaa orquestra como a palma da mo. 12 Conta,ainda,queaorientaorecebidadoprofessorMigliorinosedeuemaulas formais, mas, sim, em conversas no ambiente de trabalho na Rdio Record, onde diariamente, durante 18 anos (entre os anos de 1953 e 1971), Cyro e Migliori dividiram a mesma sala para a construo de arranjos para a orquestra da rdio. A experincia de escrever arranjos dirios nardioRecordfoiimportanteparaoaprendizadoeaperfeioamentodeumaescritapara orquestra, como conta com grande entusiasmo: ...era na prtica !! Eu tinha a orquestra todo dia para escrever!13 10Oconjuntoregionaltradicionalmenteformadoporumoumaisinstrumentosdesolo,comoflauta, cavaquinho, bandolim, clarineta ou saxofone que executam a melodia; o cavaquinho que faz o centro do ritmo, e umoumaisvioleseoviolode7cordas(atuandocomobaixo)queformamabasedoconjunto,almdo pandeirocomomarcadordoritmo.Mas,comodestacaCyro,noRegionaldaRdioRecordtambmhaviao piano. Extrado do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Choro. 11 Pereira (2006) em entrevista a este autor. (apndice n.01, p. 148). 12 Idem. 13 Idem. 26 Destaca,ainda,algunsmomentosdesuavivnciacomomestreMigliori,relevando sobreaimportnciadoprocessodecriao.Emmeioaessasaulas,arotinaerapraticara escrita e ouvir o resultado na orquestra. Se funcionasse repetia; se no funcionasse no fazia mais. AminhavivncianordioeencontraroMigliori,quefoimeu professor...eucomeceiaescrever.DepoisaRecordmepegoupra fazer arranjo. E era dirio!! Eu tinha a orquestra na frente pra fazer isso, e tudo que eu fosse fazer errado eu no fazia mais. Mas com o Migliori, eu falei assim quando eu comecei: _Maestro, o senhor no quer me dar aula? Ele respondeu: _Ah! Eu no dou aula. Tabomfiqueichateado.Afomostrabalharjuntosnasalaeeu chegava: _Maestro! Aqui eu t com uma dvida...Ele falava: _Ah no!! Voc faz assim, faz assim, faz assim... 14 E assim, por muitos anos Cyro recebeu aulas sem pagar nem um tosto, mas ressalta feliz com a lembrana: _ Porque ele no quis! 15 Em outras palavras, o trabalho na Rdio Record, a convivncia comgrandes msicos (com os quais certamente trocou experincias) e o contato com a orquestra, proporcionaram a Cyro a possibilidade de realizar experimentaes de escrita orquestral em seus trabalhos. Isso contribuiuparaque,aospoucos,empiricamente,encontrassetcnicasprpriasdeescrita sinfnica e estabelecesse seu estilo e identidade musicais. 14 Idem. 15 Idem. 271.2 A ESCRITA ORQUESTRAL NA MSICA POPULAR BRASILEIRA Na escrita orquestral de msicas brasileiras, por muitas vezes, tendo-se como proposta a orquestrao de msicas populares que nunca haviam sido orquestradas, o msico se depara comelementosrtmicosnovossecomparadosaoshabitualmenteutilizadosnaescrita europia.Obedecendoscaractersticasdecadainstrumentosinfnico,esteselementosso transmitidosparaaorquestracomaintenodesereminterpretadospreservandoas caractersticas meldicas e rtmicas do meio de onde surgem. Tratando-sedaescritaorquestraldamsicapopularbrasileira,nota-sequegrande partedosarranjoseramexecutadospelasorquestrasderdioedestinavam-seao acompanhamento de cantores. Para estas orquestras mostrou-se necessria a presena de mais instrumentosmusicais,paraquefossemantidooritmoumacaractersticadamsica popular. Era como uma orquestra sinfnica tradicional somada banda de msica popular (ou big-band16). A partir de 1929, o Brasil vive a chamada poca de Ouro da msica popular. Com o surgimentodomicrofone,osistemadeamplificaoeadisseminaoecrescimentoda msica popular no Brasil, cantores como Orlando Silva e Mrio Reis abandonam o estilo belcanto(utilizadoparainterpretaodasperasitalianas),iniciando,assim,umnovoestilona utilizao da orquestra para a msica popular (MELLO & SEVERIANO, 1997, p.86). Estanovaestticaincentivouabuscadeumnovoestilodeescrita,ondenohavia necessidade de nivelar a intensidade da orquestra com a voz do cantor, pois havia microfones para realizar tal ajuste. AindanoinciodapocadeOurodaMPBdestacam-sedoismsicoscomo arranjadores(orquestradores)paraorquestra:Pixinguinha(23-04-1897a17-02-1973)e 16 A big-band estabeleceu-se como uma formao tpica para a prtica do jazz no sculo XX. Em sua formao esto5saxofones(2altos,2tenorese1bartono),4trompetes,4trombones,piano,guitarra,baixoebateria; ondeoagrupamentodestes4ltimosinstrumentostambmchamadodeseortmica.NoBrasilabig-band mais conhecida para a poca talvez tenha sido a Orquestra Tabajara do msico Severino Arajo. 28 Radams Gnattali (27-01-1906 a 03-02-1988). O primeiro, mesmo no tendo apresentado um vastorepertrioparaorquestrasinfnicanosmoldesdasrdiosbrasileiras17,classificado como arranjador, e junto com Radams, considerado um pioneiro na escrita de msica popular para orquestra. Sobreacriaodessanovaconfiguraoparaagradeinstrumentaldasorquestras utilizadasparaamsicapopular,ondeinstrumentosharmnicostocamacordesaoinvsde conduzirumalinhahorizontalmeldica,esobreautilizaodeinstrumentoscomunsaos gruposdemsicapopularnoBrasil,HenriqueCazesdestacaainserodosinstrumentosde percussocomunsnosgrupospopulares(comoporexemplo,abateria)naorquestra:nas gravaes orquestrais dirigidas por Pixinguinha que a percusso aparece pela primeira vez com destaque. (1998, p.78). A associao da sonoridade da orquestra sinfnica das bandas de msica popular se d, tambm, pela utilizao dos instrumentos de percusso popular nas orquestras. Este fato citado como muito presente j no incio do sculo XX, como temos em "Linda Morena"18 de Lamartine Babo, interpretado pelo Grupo da Guarda Velha acompanhando Mrio Reis. AorquestrautilizadaporPixinguinhanestagravaofoioGrupodaGuarda Velha,dirigidopeloprprioPixinguinhadejaneiroadezembrode1932econstitudopor msicosintegrantesdoncleodaOrquestraVictor(paraaqualPixinguinhafezarranjosde novembrode1929adezembrode1931).NestagravaodeLindaMorenaa instrumentao era um misto de instrumentos sinfnicos e instrumentos pertencentes s rodas dechoro.Erameles:2trompetes,1trombone,3saxofonesouclarinetas,violooubanjo, cavaquinho,bandolimoucontrabaixo,violo,piano,bateria,afox,chocalho,omel, pandeiro, prato e faca (ULHA, et al., 2001, p.353). Emalgumasobrasorquestradas/arranjadasporPixinguinha,ogrupoinstrumental recebeadenominaoorquestra,mesmonoapresentandoumainstrumentaocompleta paraseconstituircomotal.Consultandoalgumaspartituras,pode-senotarqueachamada orquestra,muitasvezes,naverdade,umgrupoquepossuiumabasertmicacondutora 17 Orquestra sinfnica somada a uma banda de msica popular. 18 Marcha gravada em dezembro de 1932 e lanada em fevereiro de 1933 pela Victor (33614/A); relanada no CD 009 da Revivendo: Carnaval, sua histria, sua glria. 29(seo rtmica) e vrios instrumentos sinfnicos realizando solos de diversas maneiras. Dessa forma, citamos como exemplo, na partitura do samba Sem Ela19 de Djalma Ferreira e Luiz Bandeira,oarranjodePixinguinhaondeconstam2saxofonesaltos,2saxofonestenores,1 saxofonebartono,3trompetes,2trombonesepiano(sendoapartedopianooresumoda seortmica).OutramsicaarranjadaporPixinguinha,apartituradeMalmequer...Bem me quer20 de Newton Teixeira e C. Alencar apresenta 1 flauta (flauta / flautim), 2 saxofones altos,2saxofonestenores,1saxofonebartono,3trompetes,2trombones,bateria,piano, guitarraecordas(primeirosviolinos,segundosviolinos,violas,violoncelosecontrabaixos). Em outras partituras tambm se observa instrumentao similar21. AscaractersticasqueconferiramaPixinguinhaessepioneirismodeescritaorquestral estorelacionadascomprocedimentosquediferemdascaractersticasqueseroabordadasno captulo 3 deste trabalho (dedicado obra de Cyro Pereira). Alguns autores consideram a escrita orquestraldePixinguinhaelaborada,tendocomoprincipaiscaractersticasautilizaode tcnicascomo:aestruturatonalcomplexaparaosarranjos,ondehmodulaesnas introduesenossolosinstrumentaisqueseremetemlinguagemdochoroe,emltima instncia,msicaeuropiaesuatradioharmnicamuitopresentenoprpriochoro, inclusive. TalvezasofisticaoconferidaorquestraodePixinguinhaestejapresenteno estabelecimento de uma relao entre letra e arranjo, com a ilustrao musical do significado dotexto(caractersticasquenocoincidemcomoselementosutilizadosporRadamsou tambm por Cyro Pereira) como, por exemplo, em "Chegou a hora da fogueira", de Lamartine Babo,ondehumapassagememqueamsica"sobe"cromaticamentetalqualosbalesna letra22. 19Vide anexo n.13, p. 219. 20Vide anexo n.16, p. 222. 21PesquisarealizadanoacervodepartiturasdigitalizadasdoMuseudaImagemedoSomdoRiodeJaneiro atravs do site http://www.mis.rj.gov.br. 22Isto acontece no trecho da msica "Chegou a hora da fogueira" aps a letra O balo da iluso... Levou pedra efoiaocho...,interpretadoporCarmemMirandaeMrioReis,acompanhadospelosDiabosdoCuna gravaooriginalem78rpmde06/1933equefoilanadoem07/1933comregistro33671daVictor.A subidarefere-seaumamodulaoanunciadaporummotivomeldicoqueserepete14vezesquesobe cromaticamente(tom)acadarepetio.OgrupoDiabosdoCuatuoudenovembrode1929a dezembrode 1931 e tinha a mesma formao instrumental do Grupo da Guarda Velha. 30 Deve-seconsiderarqueosarranjosdePixinguinhatrazemtambmelementosque demonstram sua ateno aos movimentos iniciados pela indstria cultural, como a significativa utilizaoderecursosencontradosespecialmentenamsicapopularnorte-americana,com frases tipicamente "jazzsticas", utilizao de acordes de Io grau com stima para terminar as msicas, etc. Essa mistura de elementos foi um dos fatores que motivou a busca de uma identidade paraa msica brasileiraproposta por Mrio de Andrade no incio do sculo XX. Entretanto, observa-se que a msica popular caminha paralelamente a esse movimento preferencialmente erudito,absorvendoosmaisvariadoselementosmusicaisdediversasfontessemseguirum padropr-estabelecido,etemelementosconsolidadosdevidoconstanteprticados variados grupos desse estilo (popular) que se desenvolviam fora das salas de concerto. Observandoesses elementos e analisandoesse amadurecimento da msica popular, Ulha a caracterizou como uma Msica Hbrida (1998, pp. 61 a 68). Sobre essa diferenciao entreeruditoepopulareautilizaodediversoselementosescreve:oqueocorre(...)a utilizaodemusemas23dediferentes matrizes, desterritorializadosereincorporados em uma nova criao musical hbrida. (ULHA, et al., 2001, p.252). Buscandoclassificarquaisoselementosmusicaisqueproporcionaramdestaque escritaorquestraldePixinguinha,nosprximospargrafosseroapresentadosalguns elementos musicais24 encontrados na construo de um modelo de orquestrao desenvolvido por ele. 23(grifo nosso). O termo musema, utilizado por Ulha, indica o menor elemento musical significativo, seja ele harmnico,meldicoourtmico.Apontaqueautilizao dediferentesmusemasdediversasmatrizesculturais caminha para classificar a msica popular brasileira como uma Msica Hbrida, quando realiza comparao entre objetosmusicais(musemas)utilizando-seda"correspondnciahermenuticaentreobjetos"deTagg(Tagg, Phillip (1982). Analysing Popular Music: theory, method and practice. revista Popular Music 2, pginas 37 a 65) adaptado ao caso brasileiro. 24Numa abordagem distante do termo musema, estes elementos musicais relacionados orquestrao podem ser classificadoscomoelementosmnimos(musemas)paraserealizarumaorquestrao.Emnossotrabalhoos elementos para realizao da orquestrao sero destacados no captulo 3. 31Desta maneira, Ulha afirma que: A partir dos anos 30, as orquestraes de Pixinguinha (...) elaboradas para o acompanhamentodosmaisfamososcantoresdapoca,estocheiasde elementos oriundos das diversas matrizes culturais, numa articulao hbrida demusemasquecontribuiparaafundaodeum"estilobrasileiro"de orquestrao,comoatestamvriosestudiosos.freqenteautilizao,por exemplo, de clulas e motivos militares, como fanfarras nos trompetes e rufos nacaixaclara,especialmentenasmarchascarnavalescas.Aassociao sonoridade das bandas de msica, to importantesnavidamusical brasileira do incio do sculo, imediata. Como exemplo sonoro a introduo de "Linda morena"deLamartineBabo,interpretadopeloGrupodaGuardaVelha25 acompanhando Mrio Reis. (ULHA, et al., 2001, p. 352)26. Sodiversasasmsicasemquetodosesseselementos,aparecemladoaladoou mesmosobrepostos,emumexemploprticodohibridismoqueseconsolidouemum procedimento tipicamente "brasileiro". A msica "Na virada da montanha"27 de Ari Barroso e Lamartine Babo apresenta uma introduortmicaqueprenunciaomotivoquesetornariaemblemticonaintroduode "Aquarela do Brasil" de Ari Barroso, empregado 4 anos mais tarde por Radams28. Inicialmente,podemosdiferenciarainstrumentaodosarranjos/orquestraes/ composies de Radams das de Pixinguinha, devido quelas possurem uma formao maior epordemonstrarem,emsuaescritamusical,maiselementosdalinguagemmusicalerudita. Almdasobraspopulares,Radamspossuiumalistadecomposiesondesenotasua formao erudita. Vasco Mariz aponta caractersticas de Radams Gnattali na dcada de 1930: RegentedaorquestradaRdioNacional,noRiodeJaneiro,desdebemjovemgozouda merecidareputaodeseromelhorinstrumentadordamsicapopularnaBrasil.(MARIZ, 2005, p.264). 25OGrupodaGuardaVelha,dirigidoporPixinguinhadejaneiroadezembrode1932eraconstitudopor msicos integrantes do ncleo da Orquestra Victor (para a qual Pixinguinha fez arranjos de novembro de 1929 a dezembrode1931):BonfigliodeOliveiraeVanderlei(trompetes),VantuildeCarvalho(trombone),Lus Americano,JooBragaeJonasArago(saxofonesouclarinetas),Donga(violooubanjo),NelsondosSantos Alves (cavaquinho), Joo Martins (bandolim ou contrabaixo), Tute (violo), Elsio (piano), Benedito ou Valfrido Silva(bateria),OsvaldoViana(afox),Vidraa(chocalho),TioFaustino(omel),JoodaBaiana(pandeiro)e Adolfo Teixeira (prato e faca). Este artigo tambm foi acessado no site http://www.unirio.br/mpb/ulhoatextos/. 26Citando Vianna, Hermano (1995); Cabral (1997) e Cazes (1998). 27"Na virada da montanha" interpretado por Francisco Alves, acompanhado pelos Diabos do Cu e gravado em 08/1935 e lanado em 12/1935 pela Victor (33995/B). Tambm pode ser encontrada no CD Os grandes sambas da histria vol.2 Editora Globo. 28ULHA, et al., 2001, p.353. 32 Demaneirageral,paraconfeccionarseusarranjosdemsicapopular,Radamsse utilizadaorquestradaRdioNacionaldoRiodeJaneiro,quepossuiumainstrumentao significativamentemenorsecomparadautilizadaemsuasobraseruditas,comonosdois Concertos para Piano e Orquestra bem como no Concerto para Violoncelo e Orquestra de 1941. Devidoaosregistroshistricosmusicaisdegravaesepartituras,econsideradasas diferenasapontadasacimaentrePixinguinhaeRadams,podemosclassificarestesdois msicoscomoorquestradoresdedestaquenoinciodosculoXX,comoregistramMelloe Severiano: Destacam-seotrabalhodedoisarranjadoresPixinguinhaeRadams Gnattalique,consagradoscomoinstrumentistasecompositores,tambm entramparaahistriacomocriadoresdepadresdeorquestraoparaa msica popular brasileira. (1997, p.86). AescritaorquestraldeCyroPereiraseiniciariavinteanosmaistarde.Eletambm seria apontado como um orquestrador de destaque como ser descrito a seguir. 331.3 CYRO PEREIRA, ORQUESTRADOR. Nofinaldosanos50,asorquestraesdeCyroPereiraapresentamorquestras completas(commadeiras,metais,cordas,percussoeseortmica),comonopremiado programa O Maestro Veste a Msica da Rdio Record de So Paulo. Ordiopossuagrandedestaquenadifusodamsicabrasileira,el,Cyro acompanhougrandesmsicosdaMPB.Escreveuarranjosorquestraisparadiversos programasefestivais.Comoreconhecimentodeseutrabalho,em1957recebeuoprmiode melhormaestroorquestradorpeloseudesempenhonoprogramaOMaestroVestea Msica, prmio este concedido pela Associao dos Crticos Radiofnicos de So Paulo. EsteprogramaeraapresentadoporCyro.Comentavacomoasmsicaseram orquestradas,demonstrandoexemplosnopianoe,depois,naorquestra.Explicavacomo realizava sua orquestrao, conforme descrito pelo narrador no incio do programa: ...o maestro Cyro Pereira est ao piano (...) e acompanha cantores (...) com a orquestraD-9regidaporCyroPereiraemarranjosdesuaautoria. Acompanhe,poiscommuitaatenoeverifiquecomoomaestrovestea msica. 29 Tendo em vista as consideraes feitas e retomando a obra escolhida como foco desta dissertao,aSuteBrasilianan.1,pertinenteobservarqueestatemcomottulodo segundomovimento:Toada.Porm,em1957,noreferidoprogramadardio,Cyrohavia escrito uma outra Toada com a qual a Toada da Sute Brasiliana n. 1 se assemelha por apresentar um solo de obo acompanhado por orquestra de cordas. Dessaforma,natranscriodeumtrechodoprograma,observamosaconversaentre umasenhora(representandoumaouvinte)eomaestroexplicandocomoconstruiusua orquestrao sobre a Toada de 1957. 29 Transcrio de um trecho do inicial do programa O maestro veste a msica de 1957 da Rdio Record de So Paulo obtida a partir de um CD concedido a este autor pelo maestro Cyro Pereira. 34 Cyro(...) Bem, o obo vai de um si bemol a um f... O Salvador aqui... ApresentadoraNo estou entendendo maestro CyroIsto aqui uma toada para bo e orquestra de cordas. Eu estou vendo a extenso do bo. Vai daqui (toca a nota Bb2) at aqui (toca a nota F#5) ApresentadoraQuer dizer que se escrever abaixo daquela nota ou acima desta o bo no alcana? CyroPra cima, ainda pode ser que alcance, dificilmente... Mas pra baixo impossvel. ApresentadoraDepende do msico? CyroNo, Depende mesmo do instrumento. uma limitao do instrumento. O Salvador Masano um obo magnfico. Se dependesse do msico ele tocaria. ApresentadoraQuer dizer que voc tem que escrever dentro desta extenso? CyroExatamente. Esta toada uma tentativa de msica mais sria. No a toada popularesca, no a toadinha normal que se canta por a. ApresentadoraDe quem ? CyroMinha. Vontade de fazer algo melhor. A qualidade eu no discuto, discuto a inteno. ApresentadoraObo e orquestra de cordas? CyroExato! Cordas com surdina. Aqui eu quero ver se voc tem ouvido pra msica. No h bateria pra fazer o ritmo da toada. Ento o que acontece? ApresentadoraFica sem ritmo. CyroNo. Metade dos violinos faz o ritmo da toada. Uma parte dos violinos faz o ritmo com o arco, que j um contracanto da melodia feita pelo obo, e a outra parte dos violinos faz a mesma coisa, mas em pizzicato. ApresentadoraPizzicato? CyroSim, Pizzicato isto. (cordas executam escala de d ) ApresentadoraMuito bom! CyroPois ! de muito efeito na orquestrao. ApresentadoraE depois? CyroDepois... no tem mais nada pra falar. Se entrarmos na concepo da msica, vamos at amanh... O melhor mesmo ouvir. Quer ouvir? Apresentadora claro que quero. Estou doida pra ouvir maestro! CyroEnto vamos msica. Chama-se Toada mesmo. assim... (msica) Assim,notextodoprogramaconstata-sequenaorquestrahaviaflautas,obos, clarinetas,fagotes,trompetes,trompas,cordas,etc.Noprogramadardioapresentavam-se cantores acompanhados por esta orquestra do maestro Cyro Pereira, que tambm escrevia para ogruposemapresenadevozessolistasemarranjosconstrudossobrevariadosritmosda msica popular brasileira. 35Ofatodeseutilizaraorquestrasinfnicaparaarealizaodemsicapopularvem sendopercebidodesdeosanos1930,comRadamsGnattali,eatpelosarranjosde Pixinguinha.Aorquestrasinfnica,consideradatradicionalmenteumgrupoquefora constitudoparaexecuodemsicaerudita,agoratambmeraoinstrumentodeCyro Pereira.Estefato,entreoutros,fezcomquealgunsautoresrepensassemaexclusividadeda orquestra para a execuo da msica erudita e tambm sobre a distino entre msica erudita e popular. EmboraPixinguinhaeRadamsGnattalisejamconsideradospioneirosnoquese refere orquestrao brasileira, podemos tambm notar inovaes na obra de Cyro Pereira em muitosprocedimentosutilizadosemcomposiesparaorquestrassinfnicas.Nestesentido, podemos observar que, ao contrrio das de Cyro, as orquestraes de Pixinguinha e Radams noabordavamamsicapopularutilizandocomnaturalidadeelementosmaisrequintados damsicaerudita,comoocontrapontoeoutrostiposdeacompanhamentortmicoou harmnico nos instrumentos meldicos. DevemoslevaremcontaqueCyroPereirasempreesteveemcontatocomamsica popular,nodeixoudeganharexperinciaeserinfluenciadonesseestiloemnenhum momentodesuavida.SuamudanaparaSoPaulonodiminuiseucontatocombandase orquestrasdebaile,issoporque,comojvimos,logoapartirdaprimeirasemanaemque estava na cidade, j passou a integrar grupos com intensa atividade. Em muitas enciclopdias e dicionrios de msica erudita brasileira no encontramos o nomedeCyroPereira.Talvezissosedevasuaescritahbridaouporserconsideradoum compositorexclusivamentepopular.Contudo,ofatodenoestarembibliografias especializadas de msica erudita no impediu que sua msica caminhassee evolussecom o tempo. De tal modo, embora algumas de suas obras apresentem caractersticas que possam ser consideradas eruditas, sua personalidade musical afirma que a necessidade muitas vezes o fez criarsoluestcnicasprpriasdamsicapopular(comonasorquestrasderdio), descaracterizando um carter exclusivamente erudito para tais obras de seu catlogo. 36 Vistoquesuamsicaabrangecaractersticaspopulareseeruditas,Cyrono classificadoexclusivamentecomointegrantedeumnicomovimentoesttico.Numa tentativa de classific-lo em um movimento esttico podemos ler no livro do jornalista Irineu Franco Perpetuo: Sobreessecontedoharmnicoquerevelatambmsonoridadesoriundas damsicajazzsticatranscorrem,emgeral,linhasmeldicasefiguraes rtmicas de traos assumidamente brasileiros. Disso tudo, resulta uma msica de feies nacionalistas. O mais curioso que tais feies so originrias no dapesquisaacadmicadamsicapopular,nemdeopoesttica,masse firmaram por meio da prpria vivncia musical do compositor. Cyro jamais sefiliouanenhumaescolaoutendnciacomposicional;elenemmesmose envolveunoembateentrenacionalistasevanguardistasquedividiuos compositoresbrasileirosnadcadade1950.Nuncasepreocupaemse posicionarouseclassificar,simplesmenterealiza,damaneiramaissincera possvel, a msica na qual acredita (2005, p. 117). Emoutraspalavras,omodocomoconstrilinhasmeldicas,acriaoedistribuio daspartesformais(comosujeito,melodia,parteA,etc.),ascombinaestimbrsticasentre instrumentos,autilizaodenovosinstrumentosnaorquestra(comoaseortmicaeo quinteto de saxofones utilizados nas orquestras de rdio) e outros recursos de mltiplas fontes puderamserexperimentadosedesenvolvidosdurantesuapermannciafrentedaorquestra da rdio Record. Tais habilidades, somadas liberdade que tinha na emissora, s orientaes recebidas do mestre Gabriel Migliori e aos estudos de msica (praticamente s havia livros de msicaerudita),contriburamparaconstituiressehibridismoemsuaescrita,quehoje reconhecida por msicos, crticos e jornalistas como o destaque de sua obra.

Ressaltamosquesuaformacomposicionaledeorquestraofoisemoldandoao mesmotempoemqueaconstanteprticafrenteaorquestrasproporcionavauma experimentaoeaudiodenovastcnicasdesenvolvidasporeleprpriooubaseadasna observaoeestudodeprocedimentosjutilizadosporoutrosmsicosprximosaele. EmboranotenhaconhecidoRadamsGnattali,Cyroafirmouqueoouviamuito,aindaem Rio Grande RS, sintonizando a Rdio Nacional do Rio de Janeiro. O fato de Cyro desenvolver ou criar novas tcnicas de escrita orquestral para a msica brasileira,mesmoquedeformanoproposital,mostra-senatural,poisaescritademsica 37brasileirasednaorquestrasinfnicacominstrumentosdesenvolvidosnaEuropaparaa msicasinfnicatradicionaleuropia.Podemos,assim,traarumparalelocomahistriado jazz, como apontado por Berendt: (...)aliberdadeparadesenvolverumatcnicaouestilo(nocasoa interpretaonojazz)noignoraospadresexistentes,masbusca refernciasparaqueestassejamrepetidasouignoradas,dandoassimuma nova caracterizao, um estilo prprio msica. (1975, p.113) Sobre a utilizao dos instrumentos tradicionais no jazz norte-americano, escreve: A concepo geral de beleza musical europia moldou uma sonoridade que se aplica a todo instrumentista, seja ele solista ou integrante de um conjunto, sejanosculoXVIIouXIX.QuandoseiniciouaedificaodoJazz,os executantesmesmousandoinstrumentos oriundosda tradio europia,no procuraramseintegraremnenhumconceitoestticooumodalidadesonora jexistente.Cadamsicocriavaoseuprpriosom,suaprpria"tcnica vocal", sua prpria forma de expresso, em funo de sua experincia vital e emocional.... Na no estandardizada sonoridade dos improvisadores do Jazz se espelha a personalidade do prprio msico...o som instrumental rude - no filtrado (1975, p.114). Notocantemsicabrasileira,pode-sedizerqueelafoisemoldandoaolongodo tempo pela prtica popular que ocorreu no final do sculo XIX e se estendeu at o sculo XX. Asonoridadetornou-seprpria.Alinguagemeoswing(balanoseacentuaes)hojeso reconhecidos e admirados no mundo todo. O material inicial para que Cyro orquestrasse suas obras,semprefoieste.UmmaterialnovoparaapocanoBrasil.Umanovamaneiradese escrever para a orquestra. Noqueconcerneaoatodedesenvolverouaprimoraratcnicanosinstrumentos, Caselaapontaquealgunsinstrumentosdesenvolveramsuastcnicasdevidoaofatode estareminseridosemumnovocontexto,como,porexemplo,namsicapopularnorte-americana e no jazz. A afirma que os avanos no desenvolvimento da tcnica da clarineta e do trompetesomaisacentuados,quandocomparadosaosdoobo,pelofatodeosprimeiros estarem inseridos em um novo contexto: o jazz. Segundo ele: 38 Enlosltimoscuarentaaoslascaractersticasdeloboenohanvariado mucho.Suscualidadesfundamentaleshanalcanzado,ciertamente,ungran desarroloparaaexpressindenuevossentimientos,perolafisionoma esencialdelinstrumento(...)permanececasiinalterable.Estosedebeen parte a la circunstancia de que slo desde hace muy poco tiempo el oboe ha sido tentado por la tcnica del jazz, y, por consiguiente, no ha conocido - por esta potentsima fuerza alteradora, la evolucin, por ejemplo, del clarinete o de la trompeta. (CASELA, 1948, p.25).30 Damesmaformaquenocasodojazz,aescritadeCyroPereiraparaorquestra sinfnicapodeterdesenvolvidotcnicasprpriasparaamsicabrasileira.Noobjetivo destetrabalhoqualificaraspossveistcnicasdesenvolvidaspelocompositor,massim registr-las de modo a iniciar um estudo sobre o assunto. QuantoscomparaescomasorquestraesdesenvolvidasporPixinguinhaou RadamsGnattaliconsideroqueoestilodeCyroPereiraaproxime-semaisdosegundo, mesmosabendoqueCyronotevenenhumcontatopessoalcomRadams.possvel perceberissonostraosmusicaiseruditospresentesnascomposiesdosdois:aformade construo meldica, frasal, a estrutura formal e as tcnicas de orquestrao. Como j explanado, Cyro tinha uma atividade intensa na rdio Record e nesse perodo, sob incentivo do maestro Gabriel Migliori, participa do Concurso de Composio da Cidade de So Paulo, que tinha como exigncia cinco movimentos para uma composio sinfnica, ondeconstavanottulodecadamovimentooritmoaserusado.Aspartesintitulavam-se: Dobrado, Toada, Choro, Valsa e Baio. Cyronovenceu,masforamescritasdiversascrticasquedestacavamsua orquestrao,eobtevemenohonrosanoreferidoconcurso.ApeaintitulouseSute Brasilianan.1efoiexecutadapelaprimeiravezem29demarode1963,noTheatro MunicipaldeSoPaulo,regidapelomaestroArmandoBelardi31.Nestaestriaestava presenteojornalistaAlbertoRicardi,quedivulgouaseguintecriticasobreapeaeo compositor: 30Estacitaoapresentaasituaodapocaesefezpertinentecomocontextualizaoemnossotrabalho.De 1948 aos dias atuais, muitas consideraes poderiam ser acrescentadas ao texto de Casela devido evoluo da msica contempornea. 31Programa de concerto no anexo n.08 nas p.212 e 213. 39Encerrou o concerto, em 1 Audio, uma obra cuja incluso no programa s sejustificaporterobtidomenohonrosanoConcursoNacionalde ComposioCidadedeSoPaulo,promovidopeloDepartamentode Cultura.Trata-sedaBrasiliana(suten.1),deCiroPereira,pgina(sic) informe,devagaimprovisao,comfrmulasfatigadas.Osfranceses chamam de centon a tal espcie (sic) de composio, a conjuntos feitos de lugarescomuns,chapas,convencionalismos.Aimpressoglobaldeobra intil(sic)emborareveleumautorquesabeorquestrar.Essejovemalgum dia poder ser compositor. (SHIMABUCO, 1998, p. 22). Naocasio,JudithCabette,responsvelpelosprogramasdeconcertodoTheatro MunicipaldeSoPaulo,escreveucaractersticasquetambmressaltaramasqualidadesde orquestradorearranjadordeCyroPereira,bemcomoseurecorrentecostumedeinserir elementos populares na escrita sinfnica. BRASILIANA SUTE N.o 1 CiroPereiranaturaldoRioGrandedoSul.Nasceuemagstode 1929;iniciouseusestudosmusicaisnoLiceuSalesianoLeoXIII,emsua cidade natal, Rio Grande. Transferiu-separaSoPaulo,noanode1950,ingressandonaRdio Record,comopianistaprofissional.InfluenciadopelomaestroGabriel Migliori,quenlereconheceutalento,passouaorient-lo,desenvolvendo seusconhecimentosmusicais.Enveredandopelocaminhoda orquestraoearranjos,conseguiudesenvolverintensotrabalhoqueo levou ao sucesso na Televiso, no Rdio e no Disco. Otrabalhohojeapresentado,SuteBrasilianan.1foipremiada comMenoHonrosanoCONCURSONACIONALDECOMPOSIO CIDADE DE SO PAULO, promovido pelo Departamento de Cultura da PrefeituradoMunicpiodeSoPaulo.compostadecincomovimentos, conformeregulamentodoconcurso.Nosernecessrioafirmarquea msicaestaconstrudasobreritmosemelodiasdecartertipicamente nacional, embora os temas no tenham sido retirados do nosso folclre, mas sim, so originais do compositor. O 1o movimento DOBRADO, consta de uma introduo livre e das trspartestradicionaisdognero.Oautorprocurou,nstemovimento,ser fielscaractersticasdabanda,emboraestilizandoetratando sinfnicamente a orquestrao. O2omovimentoTOADA,compostodeumnicotema,ondeo autor procurou descrever a solido e a beleza do pampa Riograndense. AVALSA,3omovimento,tambmcompostasobreumnico tema,inciando-secomumaintroduoondeascordasveladamenteo anunciam.Escritaemtonalidademenor,nostlgicamente,nelapredominam ossolosdepiano,lembrandoamelancoliaprpriadosnossosseressenti-mentais e romnticos. Segue-seoCHORO,4omovimentocompostodeumaintroduo livre e dois temas, trabalho rtmico e meldico de influncia popular. Na orquestraoopianonovamentepostoemevidnciapoisoautor, 40 intencionalmenterememoraErnestoNazareth,emtodasuasimplicidade,e com todos os requebros de seus dengosos rtmos. No5omovimento,BAIO,ocompositorprocurouconservar,na orquestrao, os instrumentos usados nessa tpica dana do Norte do Brasil. Construdotambmsobreumnicotema,desenvolve-seamplamentee apresentavariaesnosdiversosnaipesdaorquestra,comvertigionosos crescendos, para, no final, atingir frenticas propores. JUDITH CABETTE Redao Musical32 (grifo nosso) Com reconhecido sucesso no concurso pela obra bem orquestrada, nicomotivo pelo qual se destacou aSute Brasiliana n. 1 segundo acrtica de Ricardi,Cyro oportunamente compsem1963aFantasiaparaPianoeOrquestrasobretemasdeErnestoNazareth. Tambmrealizoudiversostrabalhoscomerciais,comojinglesetrilhassonoras,ondea propostanoeratotalmenteartstica.Porisso,cremosquenestasduasobraspodemos encontrar uma escrita mais identificada com os anseios musicais do compositor. Em relao ao seu processo de criao livre ou ao mtodo usado, nota-se que aspectos comunsnaprticamusicalbrasileira(aspectosqueseroabordadosnocaptulo2deste trabalho p.52) so explorados em suas composies; e tratando-se de orquestrao, quando lheperguntadoqualatcnicadeorquestraomaisrecomendadaparaumdeterminado aspecto rtmico ou estilo musical brasileiro, a resposta de Cyro : Eu descobri o meu jeito de fazereachoquefuncionaassim,outrovaifazerdeoutrojeitoeestcertotambm!!. (PEREIRA, 2006). Notocantesuacomposio,pode-sedizerqueelasecaracterizaporumestilo muito pessoal, no se fixando em formas ou tcnicas tradicionalmente usadas, principalmente namsicaerudita.Contudo,odiscursomusicaldeCyroPereiramostrareferncias composicionais baseadas em tcnicas comuns da msica erudita ocidental, tais como as idias detema,variaes,contraponto,etc.Ofatodenoseguirpadresidiomticosnosignifica queocompositornecessariamenteosignore,assim,serodestacadosalgunsprocedimentos tcnicosutilizadosporCyrosemapretensodeseestabelecerrelaescompossveislivros ou mtodos j existentes. 32 As acentuaes do portugus permanecem inalteradas, igualmente ao programa. anexo 08, p.213. 41Sobrealiberdadedeescrita,podemoscitarqueaSuteBrasilianan.1seria, segundo Zamacoes, uma forma um tanto livre de compor. A Sute : (...)ogeneralizadoparadesignarareunio,formandoumtodo,dediversas peas instrumentais independentes entre si, mas combinadas para executar-se em seguida (...) .nos primeiros tempos a constituam exclusivamente canes edanaspopularesdapocamedieval,muitobrevesesem desenvolvimentoalgum(...)poderiadizer-sequeoscompositoresse servemdestadenominao(Sute)paranomearobrasasquaisnose enquadraria a de Sonata nem a de Sinfonia. (1960, pp. 151, 152 e 165) Aproveitando-sedealgumastcnicasdeorquestraojconhecidas,asmsicasde CyroPereirapromovemaintegraodetodaaorquestra,isto,suascomposiesnose resumem a uma linha harmnica como suporte para instrumentos solistas. Dessaforma,aorquestratodaageemgruposdeinstrumentosqueatuamcomosolo (soli),apoioharmnico,apoiortmicooucontraponto.Agrupam-setambmalguns instrumentoseletro-eletrnicos(guitarra,contrabaixo,bateria,etc.)nocomunsorquestra sinfnica tradicional, mas no os utiliza o tempo todo como condutor principal da msica. Autilizaodetaisinstrumentosnoseriaoriginal,poistalinstrumentaojera utilizada nas orquestras das rdios nas dcadas de 1940, 1950 e 1960. No entanto, nas rdios eramproduzidasprincipalmentemsicasdecarterpopular,commelodiacantadae acompanhamento instrumental, diferente do estilo sinfnico utilizado por Cyro Pereira. Destamaneira,estascaractersticas,juntoaofatodenomisturardoisgrupos(ex.: madeiras'versus'metais)comdiferentesfunes(melodia'versus'contraponto)namesma regio(altura),conferempeaclarezanaslinhasmeldicas,contrapontose acompanhamentos.Dessaforma,todaidiamusicalestassociadaauminstrumento,ou grupodeinstrumentos,quenorevezamsuasfunesemumamesmafrase,caracterizando suamsicapelofatodepossuirpartesbemdelineadas,nocomoformapadronizada,mas sees divididas com lugar determinado para o comeo e para o fim. Assim sendo, suas linhas e sees sempre so identificadas pela evidente clareza e aplicao de idias. Em cada seo, geralmente, so construdas as melodias e os acompanhamentos sobre ritmosbrasileiros,ondecadacategoriadesenvolvidautilizando-sedevariaesrtmicas, 42 alteraodamtrica,aumentao,transposio,entreoutrosrecursoscomposicionais.Em cada variao criada uma nova combinao instrumental. Junto a isso, o fato de haver uma seo rtmica que executa uma levada, atuando como condutoradoritmoedaharmonia,conferemaisliberdadeaocompositor,pornoprecisar deslocar instrumentos meldicos para tal conduo/apoio.Isso permite que se utilize de toda orquestra como solista, ampliando e destacando, assim, suas combinaes orquestrais. Somam-seaisso,momentosdetransioondesemprehumaconexosimultnea entre diferentes grupos ou sees. Alm dessas caractersticas tcnicas, Cyro sempre faz com quehajanaturalidade,clarezaefluidezparaaaudiodoselementosbrasileirosdesuas composies,comoritmos,modosgregorianosoumelodiascomdetalhescomo:dinmicas, articulaes de expressividade, entre outros recursos que sero abordados especificamente no captulo 3 deste trabalho. Como parte deste trabalho, foi realizada uma edio completa da partitura e das partes sobreaversode1992daSuteBrasilianan.1atravsdeprogramadeediomusical. Nesseprocessopode-seconstatareconferircadanota,dinmica,acentuao,entreoutros itens.EstaediofoiutilizadacomomaterialdeanlisenestaDissertao,jquetodoseu contedo permanece igual ao manuscrito.

Mello&Severiano(1997,p.86)apontamPixinguinhaeRadamscomocriadoresde umpadrodeorquestraobrasileira.Podemosconsider-loscriadoresporserempioneiros. Contudo,aconstanteprtica,oconhecimentomusicaleaspossibilidadesdautilizaoda orquestraparaessenovotipodeescritasoessenciaisparataldesenvolvimento.Neste sentido, Radams esteve um pouco frente de Pixinguinha, e pela natural evoluo do tempo, Cyro acrescentou elementos orquestrais novos aos pensados por Radams. Oatodeorquestrarrefleteoconhecimentodomsicoquantoatcnicastradicionais, como as organizadas por Rimsky-Korsakov, da mesma maneira que mostra sua capacidade de transportar para os grupos musicais itens de inspirao popular de seu pas. 43AsmsicasdeCyropossuemelementosquesedestacamnamsicabrasileira,sendo muitas delas em forma de orquestrao e outras de composio. Nesta pesquisa de Mestrado noserdiferenciadaaobracompostadaobraorquestrada,porseconsiderarquea orquestraojcontmmuitoselementoscriativosdamesmaformaqueacomposio expressada na orquestra embute uma orquestrao. Tratando-se da orquestrao de Cyro Pereira na Sute Brasiliana n. 1, vale ressaltar a inteno dos organizadores do Concurso Nacional de Composio Cidade de So Paulo em solicitar uma obra com cinco partes cujos ttulos sugeriam uma Sute composta sobre ritmos praticados no Brasil. Esteumfatoqueindicaaimportnciadoritmonamsicabrasileira,poisno regulamentodoconcursoforamdelineadososritmosmaiscomunsemarcantesnamsica brasileira daquele perodo. Assim,fazendoumareflexosobreesseconcursopodemosconcluirquetal regulamento sofrera influncia do Movimento Nacionalista, que teve seu auge em um evento no mesmo Theatro Municipal de So Paulo em 1922 e que buscou valorizar as caractersticas musicais de nosso pas. Aps o movimento de 1922, a Sute para Pequena Orquestra do compositor gacho RadamsGnattali,compostanadcadade1930,apresentaelementosnacionalistasquese baseiam em temas do folclore brasileiro33. No entanto, no possvel encontrar semelhanas musicais significativas entre a obra citada e a Sute Brasiliana n. 1 de Cyro Pereira. Apesar deambasconstaremdecincopartes,aobradeCyrofoiescritaapartirdosmoldesdo regulamentodoconcurso,utilizandoritmosemelodiasdecartertipicamentenacional. Porm,naobradeCyro,ostemasnoforamretiradosdonossofolclore,mas,criados originalmentepelocompositor34.Almdisso,asformaesmusicaisdeRadamseCyro foram diferentes e em pocas e lugares distintos, o que confere diferenas naturais entre eles. 33 Citando MARIZ (2005, p.265). 34 Referncia utilizada no programa de concerto do Theatro Municipal de So Paulo na estria da pea (ver texto na ntegra nas p. 39 e 40 deste captulo). 44 Cyroaindaregistrousuapersonalidademusicalemarranjoseorquestraesna UNICAMP(UniversidadeEstadualdeCampinas),ondelecionounosanos1990.Todavia, aps40anosdecarreiraartstica,houveumacontecimentomuitoimportanteparasuavida profissional:osurgimento,emSoPaulo,daOrquestraJazzSinfnicadoEstadodeSo Paulo. Seus fundadores apresentaram o nome de Cyro Pereira como obrigatrio para integrar a orquestra, como descreve Eduardo Gudin35: Setembrode1989.(...)tiveramaoriginalidiadeformarumaorquestra sinfnicaparamsicapopular(...)Fuiconvocado(...)paraorganizara primeiraformaodaorquestra(...).Deram-mecartabranca,excetonum requisito: o regente tinha de ser o Cyro Pereira S pode ser o Cyro! No queremos outro. Traga o homem. (PERPETUO. 2005, p.109) Com o nascimento da Orquestra Jazz Sinfnica do Estado de So Paulo suas obras tornaram-semaisacessveisparaaaudiodevidoaosconcertosmaisconstantes.A oficializaodeCyrocomomaestroecompositorresidenteproporcionouquesuas composiesagorapudessemserexecutadasealteradasdeacordocomumanovaorquestra profissional. Ademais,osurgimentodanovaorquestrapossibilitouoacessosobrasdo orquestrador, arranjadore compositor, uma vez que estas foram organizadas. Catalogadas as obrasdeCyro,hojepossvelconsult-lasnosarquivosdaOrquestraJazzSinfnicado Estado de So Paulo. 35 Eduardo Gudin citando seu artigo no Suplemento Acontece da Folha de So Paulo em 18 / dezembro / 1997 in PERPETUO (2005, p.109). 451.4 IDENTIFICAO DE ALGUNS ELEMENTOS NACIONAIS NofinaldosculoXVIIIeportodosculoXIX,verificou-seoinciodeuma produo musical erudita nas principais cidades brasileiras como So Paulo e Rio de Janeiro, ondetambmsedifundiaaprticamusicalpopulardecanes,juntoadanaserituais. Naturalmente,essaproduocresceuereveloucompositorescomoFranciscoMignone, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Heitor Villa-Lobos, entre outros. Em suas obras, esses compositoresmanifestamtraosmusicaispopularesque,devidomultiplicidadede imigrantes, entre outros fatores, contriburam para a construo de uma identidade musical no Brasil. ObservandoaobradeCyroPereira,nota-sequehdestaqueparaumaproduo sinfnicademsicapopularaomesmotempoemquefazusodetcnicasdecomposio erudita. Sobre a participao no concurso do Theatro Municipal, Cyro cita um colega violista que o incentivou a participar dizendo: Cyro, acho que voc deve concorrer porque msica popular. (PEREIRA, 2006). Sobre suas preferncias, Cyro revela: ...Eu fazia arranjo pra rdio, pra televiso. Os carasiamcantareeutinhaquefazerarranjo.Euescreviamsicapopular!(...)Eugosto mesmo de msica popular. (PEREIRA, 2006). Emgeral,podemosdizerquemsicaspopularessomelodiasacompanhadas.Isso, porm, no notado nas obras sinfnicas de Cyro, o que atribui ao compositor caractersticas hbridas. Essa mistura de estilos musicais, onde realiza msica popular, tendo como meio de expressoaorquestrasinfnicaerecursostradicionaisdamsicaerudita,confereaCyro Pereira um estilo prprio. Destemodo,aomesmotempoemquenoclassificadocomoerudito,ousode muitosrecursostradicionaisdamsicaeruditaemsuaescritasinfnicacomotemasmais complexos,contraponto,acompanhamentos,resposta,motivos,desenvolvimento,etc. tambm conferem uma no delimitao apenas msica popular. 46 EssacaractersticalivreeintuitivadecomporpodeserobservadanaFantasiapara PianoeOrquestrasobreTemasdeErnestoNazareth.Onomeinicialmentepropostopor CyrofoiConcertoemRMaiorparaPianoeOrquestra.Aidiaparaestacomposio surgiu aps ouvir incessantes incentivos do maestro Gabriel Migliori, levando-o, em 1963, a inscreverapeanoconcursoErnestoNazarethdaAcademiaBrasileiradeMsicadoRio deJaneiro.Em1996,Cyroapresentaummotivoqueressaltasuamaneiradecompor, comentando sobre a mudana do nome de Concerto... para Fantasia.... Onomeconcertosugere,mesmoquemuitosnoapresentem,umaforma mais elaborada (forma sonata). Quando eu comecei a traar esta obra, pensei emestrutur-lacomoumConcerto,porm,asidiasforamsendo desenvolvidascommuitaliberdade.Poristo,parece-memaiscoerente cham-la de Fantasia. (SAYURE, 1998, p.148). Comoobservado,aformaconcertosugerepadres,masomaestronoseprendeua eles. Assumiu sua intuio e concluiu a pea. Aps a concluso da pea, vendo que o material composto no seria um concerto, preferiu mudar o nome da obra a mudar a msica. DelinearaspectoscaractersticosdamsicadeCyroPereira,tentandoestabelecer relaocomalgumestilomusicalespecfico,mostra-selimitado.Dentresuascomposies estomuitasquetmcomorefernciaumestilo(como:barroco,clssico,jazz,etc.)ou compositorespecficos(comoemhomenagensaTomJobim,Edulobo,AstorPiazzolla, Jerome Kern, etc.), no exprimindo com fidelidade caractersticas estilsticas prprias de Cyro mesmoporqueomaterialinicial(nocompostoporCyro)jseapresentacarregadode elementos que sero ressaltados em sua orquestrao. A variedade de ritmos e estilos utilizados pode ser observada em diversos arranjos que se referem ou prestam homenagens a outros msicos. Como exemplo, a Sute Jerome Kern (sobreobrasdocompositornorte-americanoJeromeKern),AdisNonino(tangosobre obrasdocompositorargentinoAstorPiazzolla),SSambas(sobretemasdesambas brasileirosconsagrados),Jobiniana(sobretemasdocompositorTomJobim),etc.Porm, nessasobras,Cyrodelimitabemosritmoseelementosaseremusados,jquepossuem caractersticasprprias(caractersticasqueidentificamocompositorhomenageado).Nos arranjos,porm,acabamisturandoelementosdesuaprpriacriaoqueseacrescentam obra proposta, sem, contudo, descaracteriz-la. 47 Dessemodo,mesmofazendoarranjossobretemasoucompositoresespecficos,h outras composies onde, alm do arranjo orquestral, possvel detectar nas construes dos prpriostemas(dentreoutrosaspectoscomposicionais)umprocessodeidentificaocomo nacionalismo, pois apresenta elementos rtmicos, meldicos, modais, tpicos, entre outros. Por vezes,apresentaumestilocaractersticodedeterminadaregiodoBrasil,que,mesmono estandoregistradaemnenhumdicionriomusical,seencontraconsagradoelegitimadopela tradio popular brasileira36. Umexemplodestatradiopodeserverificadoemmsicascomoritmodebaio, onde muito comum o uso do modo mixoldio, ou at o mixoldio com a 4a aumentada, como obaioAsaBranca,deLuizGonzagaeHumbertoTeixeira,ondenamelodiadaparteB constata-se a construo sobre o modo mixoldio (com a 7a menor). Em sua msicaGonzaguiana, de 1985, Cyro Pereira inicia seu arranjocom o tema da msica Baio, onde em dois momentos expe o modo mixoldio (como na composio original de Luis Gonzaga), somando-se a este o modo a 4a aumentada37. Abaixo,aintroduodamsicaGonzaguiana,interpretadaporfagotesA238, trompas A4, violas, violoncelos e contrabaixos em oitavas. 36Este autor v essa caracterstica de legitimao e consagrao de um tema no meio musical como importante no processo evolutivo da msica brasileira, por considerar que a prtica vem antes do registro. 37A insero da 4a aumentada no modo mixoldio se faz bastante presente na prtica de improvisao da msica popular brasileira. 38Pela prtica realizada por este autor junto s orquestras sinfnicas, esclarecemos que otermo A2,A3 ouA4 quando utilizado indica o nmero de um mesmo instrumento tocando em unssono. 48 AindanaGonzaguianaobserva-se,naexposiodo1oTema(Baio),omodo mixoldio com a 4a aumentada nos fagotes A2 e contrabaixos em oitavas. J em sua composio Rapsdia Latina, prope vrios ritmos presentes em pases da AmricaLatina.Noinciodaobraapresentadaumaintroduolivre,semritmo,ondea melodiaadiantaotemadobaioprimeiroritmoaserexecutadonamsica.Paraa construodestamelodia,tambmnota-seousodeummodoespecfico:oBbmharmnico (comeando pelo IIo grau) abaixo. Trecho inicial da Rapsdia Latina 1 fagote e 1 trompa bouch. Sendoassim,comoexemplonorepertrioeruditobrasileiro,podemoscitaramsica MourodeCsarGuerra-Peixe(18-03-1914a26-11-1993),cujamelodiatambm construda sobre o modo mixoldio, intercalando, porm, o uso de 4a justa e aumentada39. Verifica-se,napartituraacima,queoMourofoicompostonatonalidadedeR Maior.Observa-se,ainda,naintroduo,ummotivoconstrudosobreaescaladeR mixoldio com a 4a aumentada modo hbrido comumente utilizado para msicas tipicamente 39 Partitura na verso revisada por Ernest Mahle. 49nordestinas com o ritmo de baio. A presena das notas d natural e sol sustenido caracteriza este modo. Abaixo, descrita a escala sobre o modo hbrido utilizado por Guerra-Peixe. Almdaescalaespecfica,observamos,apartirdo6ocompasso,autilizaode pizzicato nas cordas executando uma rtmica que resume o ritmo baio, comparvel ao ritmo que ser explanado no captulo 3 (seo 3.6 Baio, p.126). Observa-setambmquehtrechosemqueartmicaescritapelomaestroCyro tambm estabelece relao com um ritmo escrito na obra original. Nestes casos, os elementos comuns brasileiros j esto presentes na obra original. No trecho abaixo, podemos observar a relaortmicaapresentadanamoesquerdanosolodopiano.Amarcaosugeridapor ErnestoNazarethnapartituraoriginaldeTenebroso(exemplo1)tangocaracterstico40. Noinciodo3omovimentodaFantasiaparaPianoeOrquestrasobreTemasdeErnesto Nazareth de Cyro Pereira (exemplo 2) a figura rtmica assemelha-se com a proposta na pea original. Exemplo 1 Trecho original de Tenebroso para piano solo L Maior. 40Pelo prprio desenvolvimento da msica popular brasileira em 1910 (ano em que foi composta Tenebroso), semostrainsipienteadenominaoparaosritmosempregadosemmuitasobras.Tangocaractersticoum exemplo disso, o nome teria sido emprestado de um ritmo do pas vizinho, a Argentina. 50 Exemplo 2 Piano no incio do 3o movimento da Fantasia para Pianoe Orquestra sobreTemasdeErnestoNazarethFMaior41.Nesteexemplohumapausanamo esquerdadopiano,utilizadaparadestacarasfigurasvizinhascomoempregadasporVilla-Lobos em seu Chros n. 2 (descrito nas pginas 64 e 65 deste trabalho). AindasefazpertinentecompararaorquestraoutilizadaporCyroPereiraemsua verso para a msica Tenebroso (3o mov. da Fantasia para Piano e Orquestra sobre Temas deErnestoNazareth)comumarranjoelaboradoporRadamsGnattali(provavelmentepor volta de 1930) para a mesma msica. H grande diferena na instrumentao. Tenebroso E. Nazareth Arranjo de Radams Gnattali42Arranjo de Cyro Pereira Madeiras2 saxofones altos / clarinetas 2 saxofones tenores / clarinetas 3 Flautas (1 flautim); 3 Obos; (1 Corne Ingls); 2 Clarinetas; e2 Fagotes Metais3 Trompetes 4 Trompas; 2 Trompetes;3 Trombones; e 1 Tuba Percusso1 Tmpano; 1 Caixa Clara; 1 Prato; 1 Bumbo CordasViolinosI,ViolinosII,Violas, Violoncelos e Contrabaixos Violinos I, Violinos II Violas, Violoncelos e Contrabaixos OutrosCifra Seo Rtmica (descrita como Guitarra) 1 Piano Solo 13 instrumentos*30 instrumentos* 41A mo esquerda, nesta verso de Cyro, apresenta uma escrita mais especfica quanto ao ritmo e a acentuao (este autor considera este um trao de evoluo na escrita). 42 Anexo n.21, p.227. 51Tambm pertinente citar o compositor francs Darius Milhaud (04-07-1892 a 22-06-1974), que em sua juventude residiu no Brasil e comps obras significativas para sua carreira, como:SaudadesdoBrazil,ScaramoucheouLeBoeufsurletoit.Estaltimafaz refernciasmsicaBrejeiro(1893)deErnestoNazareth.Naexposiodaspartituras abaixopoderemosnotar,almdasemelhanameldica,autilizaodeumritmocomumno Brasil no comeo do sculo XX. Trecho inicial de Brejeiro original para piano. Trecho inicial de Le Boeuf sur le toit orquestra sinfnica (trompetes A2 + violinos I). Cyro arranjou uma seleo de choros sobre temas de Ernesto Nazareth onde faz uso da msica Brejeiro. Na exposio da melodia dessa msica, alterou-a ritmicamente, inserindo ornamentaes da seguinte forma: Compasso 05: Corne Ingls (solo) Compasso 09: 3 Trompas Compasso 13: Flautim A2 + Flauta Soprano + Flauta contralto Com isso, possvel notar na escrita de Cyro Pereira aspectos populares e eruditos que destacamcaractersticasnacionais.Classific-locomonacionalistaseriarestringirsua atividade a um nico estilo. Este trabalho, ao contrrio, sugere o incio de uma tentativa de se estabelecer relaes mais amplas. 52 Captulo 2 Aspectos da msica brasileira 2.1 ALGUNS RITMOS BRASILEIROS MAIS COMUNS ComointuitodecontextualizarestaanliseperanteosmateriaisutilizadosporCyro Pereiraemsuasmsicas,seroapresentadosalgunspadresqueocorremfreqentemente dentro do ambiente musical brasileiro, buscando relacionar algumas idias que fazem da obra orquestral de Cyro Pereira autenticamente brasileira. Um primeiro aspecto que se pode observar no processo de identificao de elementos da msica brasileira o ritmo43. Em outras palavras, constatou-se que a construo de ritmos comoTango-Brasileiro,Polca,Choro,Samba,Maxixeapresentavafigurasrtmicasque apareciam constantemente em obras que tinham como sugesto tais ritmos. NaviradadosculoXX(1900),encontramosnamsicapopularbrasileira denominaesdiferentespararitmossemelhantes.Umexemplodissoo fatoderitmosque poderiam ser agrupados sob uma mesma denominao terem recebido trs nomes distintos em trsobrasdistintas:TangoCaracterstico(em"Batuque"deErnestoNazareth),Samba Estilizado(emCarinhosodePixinguinha)ePolca(emAtraentedeChiquinha Gonzaga).44 Assimcomoessasmsicas,outrastambmapresentavamumalinguagemditaainda popular.Estalinguagemerareconhecidacomobrasileiraprincipalmente,devidoaosfatores rtmicos com articulaes bem marcadas presentes na escrita musical. 43 Ritmo como gnero musical, levada. Observar nota 68, p.74. 44 Tais partituras podem ser encontradas nos anexos deste trabalho. 53 Sobreoritmobrasileirol-seemGonalvesque:...assncopas,deslocamentose acentossomarcantesnamsicapopularbrasileira...(2000,p.26).Partedessesritmos apresentaumaorganizaortmicadasfigurasdenotaqueevidenciaalgumacento,visando representar o balano45 que ocorria na prtica e no costume popular brasileiro. Aponta, ainda, que a sncopa estava presente em uma clula rtmica46 inicial, que podemos reduzir a: Organizao rtmica47: ou na verso reduzida: J os exemplos a seguir foram emprestados de Edgard Rocca e indicam alguns ritmos de uso comum nas prticas musicais populares do Brasil48. Exemplo de Baio: Exemplo de Bossa-Nova: (surge no fim da dcada de 1950) No sculo XX, com a prtica de msica popular tornando-se cada vez mais comum no Brasil, pode-se notar o destaque de alguns msicos populares que iniciaram seus trabalhos no sculoXIX.EntreosprincipaisestoChiquinhaGonzaga,ErnestoNazareth,Anacletode Medeiros,PatpioSilva,ogrupodechoroGrupodoMalaquias,Aurlio CavalcantieMrio Pinheiro (MELLO & SEVERIANO, 1997, p. 17 e 18). 45Balano,nojargobrasileiro,aqualidadeeorganizaodaacentuaortmicademsicasdepulsao sincopada, que apresentam o deslocamento do acento da nota de um tempo forte para antes ou depois do tempo gerando desestabilidade rtmica. (DOURADO, 2004, p. 39 e 318). 46 Assim como GlauraLucas (1999, p.134), adotaremos quea clula rtmica consisteno conjunto de figuras de nota que integram uma pulsao. 47 GONALVES (2000, pg.23). 48 ROCCA (1986, p. 07). 54 Jnocomeodosculoteveincioacomercializaodediscos,quesesomarams partituras para ampliar a difuso da msica. Com isso, essa linguagem popular tambm se fez presentenascomposieseruditas,comopodemosobservaremalgumasobrasdeHeitor Villa-Lobos. Um exemplo disso percebido no Chros n. 2, em que a linha da clarineta49 apresenta acentos nas sncopas. Dessamaneira,algunsritmostradicionalmentebrasileirosdemonstramorganizao dosacentosnasfigurasrtmicas,devido,tambm, aofatodeteremsedesenvolvidojuntos prticasdedanasecostumesdenossopas.Estudosqueapontamaorigensderitmos constataram que, em muitos deles, h a presena de sncopas. Apsbuscarorigensdealgunsritmosbrasileiros,MriodeAndradeafirmasobreo comumaparecimentodasncopanoBrasil:...asncopasurgenasmanifestaesmais especficasnossas(colcheiasentresemicolcheiasformandotempoeantecipao),ecom bastantefreqncia.Ejustifica:...estasincopaomusicalestdiretamenteligada acentuao rtmica do verso potico.... (ANDRADE, 1937, p.170). Andradeaindaafirmaqueestasncopateriasurgidodotextoondehutilizaode uma redondilha maior (7 slabas + uma slaba tona). 50 Abaixo, apresentado, um samba obtido em entrevista com Cyro Pereira. Os valores numricos referem-se ao nmero de semicolcheias. 49ReduortmicadocompassotrsdaclarinetadoChrosn.2deVilla-Lobos.Apartituraeareduo encontram-se nas pginas 64, 65 e 66 deste trabalho. 50 ANDRADE, M. de. O Samba Rural Paulista. (1937, p. 171). Exemplo de sncopa de Mrio de Andrade. 55Sem frmula de compassoExpresso em compasso binrio. ConsiderandoofamososambaexaltaoAquareladoBrasil(1939),deAry Barroso,nagravaocomarranjodeRadamsGnattalieinterpretaodeFranciscoAlves, encontramos semelhana do ritmo citado acima com o apresentado na melodia da msica no momento da entrada do ritmo marcante de samba51. 3 (+1) 2(2*)3 22 23(+1)22... etc. Ou tambm o tamborim no samba apontado por Rocca. (1986, p.45) EmanlisesobreconstruesmusicaisdocongadomineirodosArturoseJatobde BeloHorizonte,GlauraLucastambmconcluiqueoscnticos,embaixadasepadres rtmicossedesenvolvemdeacordocomumadinmicaprpriadouniversodastradies orais. (1999, p. 83).

Nesse contexto, Mrio de Andrade apresenta em sua pesquisa uma organizao rtmica quepodeserobservadaemvriosritmos.Citaaindaqueosamba,bemcomoojongo, apresentaduasmarcaesbsicas,sendoacaixaeobumboosprincipaisinstrumentospara 51TranscriorealizadaapartirdagravaodeAquareladoBrasildeAryBarrosocominterpretaode FranciscoAlvesdaGravadoraOdeon.Gravaon.11768doacervofonogrficodoInstituoMoreiraSalles atravsdositehttp://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/.Otrechorefere-seaproximadamentedo compasso 16 ao compasso 20 da msica. Mesmo havendo semelhanas, devemos considerar algumas adaptaes rtmicas devido ao texto. 56 marcao rtmica. A caixa apresenta sncopas e variaes como as descritas abaixo e o bumbo apresentasempreumamarcaofortenasegundametadedosegundotempodocompasso binrio. Exemplo 1 52 Exemplo 2 Exemplo 3 (onde ocorrem batidas contnuas de semicolcheias, quase como um trmulo). Roccatambmapontacomoaorganizaoeadisposiodefigurasdenotaformam umritmo.DentreosprincipaisritmosbrasileiroscitaoBaio,oSambaeaBossaNovae expe o seguinte sobre a estrutura do ritmo: Todoritmoformaumsentido.Estedadoatravsdeumaseqnciade toques que faz surgir uma clula. Essa clula tem uma funo organizadora e vaicomandaroritmodurantetodaamsica.Nelapodemosnotarqueh realmente,princpio,meioefim.exatamentedevidoaessaestruturaque sentimos o ritmo completo. (ROCCA, 1986, p. 07). Observa-se,nestetexto,queoritmopossuiumabase,sobreaqualsedesenvolvem variaes e/ou acrescentam novos itens. Como j vimos em alguns ritmos da msica popular brasileira a presena de sncopas, deslocamentoseacentos,socaractersticasmarcantesdenossaestruturamusical.Citamos entoosambacomoumdosritmoscaractersticosdoBrasil,ondepodemosencontrara marcaortmicabemdeclaradanosSurdosde1aeSurdosde2a,bemcomoasvariaes rtmicasbasicamenteno2otemponosSurdosde3a,caracterizantesdoritmo. (GONALVES, 2000, p. 20). 52 Exemplos musicais extrados de ANDRADE (1937, p.151). 57 Surdo de 1a grave Surdo de 2a agudo Surdo de 3a mais agudo (variaes) Rocca ainda exemplifica alguns ritmos com os seguintes modelos. 01. Baio: em apenas um compasso binrio53. No baio pode-se tambm notar, como prtica comum, uma ligadura no bumbo, como indicadoabaixo.Esteritmoexecutadotambmnoinstrumentozabumba,ondeabatidano tamborsednalinhainferioreabatidacomobacalhau(varetinhaauxiliar),nalinha superior54.

Estartmicapodesernotadaemumareduodo5oMovimento,oBaio,daSute Brasiliana n. 1 de Cyro Pereira. No compasso 54 as figuras rtmicas so distribudas entre os instrumentos harmnicos e rtmicos. No trecho a seguir, a melodia (no presente no exemplo abaixo) executada por clarinetas A2 e trompas A3. 53 ROCCA (1986, p.7). 54Estesexemplosv.2ev.3sopropostospeloautoreforaminseridoscombaseemaudiesdefonogramase pela prtica musical desenvolvida com grupos de MPB. A rtmica do exemplo v.2 pode ser observada nas cordas em pizzicatto a partir do 6o compasso na msica Mouro de Guerra-Peixe. 58 Nareduoabaixo,asfunesrtmicaspodemserseparadas,verificandoa instrumentao para cada Linha. 55 Linha 1:tringulo(marcaortmicaconstanteemsemicolcheias)idiomticoao tringulo realizar essa conduo rtmica no baio. Linha 2: superior=3flautas,1oboe5saxofonescorrespondemaocontratempo indicado por Rocca. 55 Neste exemplo foi descartada uma semicolcheia escrita no final do primeiro compasso, nota que corresponde a uma variao rtmica apresentada nas madeiras (no exemplo anterior). 59inferior=bumbodabateriaecontrabaixoeltricoigualfigurartmica presente no exemplo de baio acima (verso 2). Linha 3: violoncelo promove uma sustentao harmnica do som pedal do acorde. 02. Bossa Nova em dois compassos binrios56: ABossa-Novasurgiunosanos1950eummovimentoqueapresentaumritmo parecidocomosamba,pormcomandamentomaislento.Contudoascaractersticas harmnicasemeldicasdosdoisestilossedistanciamumpouco,comoressaltaLorenzo Mammi. ABossa-Novadevemuitopoucoaosambadomorro(...)suasrazesso muitomaisclarasesuaposiomaisdefinida.Bossa-Novaclassemdia, carioca(...)Porapresentarumaharmoniamaiselaboradaqueosamba tradicional,aBossa-Novaseriaumsambalentocomharmoniadejazz. (1992, p. 63). Por esse texto, vemos que o que difere um ritmo do outro nem sempre a organizao rtmicadesuasfigurasdenotas:tambmpodeserocontextoinstrumental.Aforma composicional,entreoutrosfatores,deveserrelevanteparataisdiferenciaes.Aindana mesmalinhadeorganizaortmicaencontra-seochoro(ritmoutilizadonoterceiro movimentodaSuteBrasilianan.1deCyroPereira),ondepodemserencontradas caractersticascomo:amarcaoconstanteemsemicolcheias,comobumboacentuandoo segundo tempo. Sendo assim, algumas marcaes que podem ser encontradas em comum nos trs ritmos (Samba, Baio ou Bossa-Nova) podem ser resumidas em: 56 ROCCA (1986, p.7). 60 NoBrasil,autilizaoderitmoscomooxote,obaio,ochorinho,osamba,entre outros, tambm se faz presente na msica erudita orquestral, principalmente aps o incio do sculoXX,sendointensificadoapsoMovimentoNacionalista.Evidnciasestopresentes em obras de compositores como Francisco Mignone (1897-1986), Heitor Villa-Lobos (1887-1959),MozartCamargoGuarnieri(1907-1993),CludioSantoro(1919-1989),CsarGuerra Peixe (1914-1993), Lorenzo Fernandez (1897-1948), Radams Gnattali (1906-1988), Alberto Nepomucemo (1864-1920) e Cyro Pereira (1929). Comojvimosnocaptuloanterior,algumasdestascaractersticasbrasileiraspodem tambm ser notadas em obras do compositor francs Darius Milhaud (1892-1974), que, aps umperodonoBrasil,escreveuOBoinoTelhado,comcitaesderitmosemelodias brasileiras.AlmdosexemplosdeGuerra-Peixe(p.48)eDariusMilhaud(p.51),podemos observar outros exemplos nas msicas anexadas a este trabalho, como Turuna (anexo n.18, p.224), Batuque (anexo n.01, p.205), Atraente (anexo n.02, p.206), Preldio n. 5 (anexo n.03, p.207), Therezinha de Jesus (anexo n.04, p.208) e Chros n. 1 (anexo n.05, p.209), 612.2 ASPECTOS DA EVOLUO INSTRUMENTAL AomesmotempoemqueocorrenoBrasilodesenvolvimentoeadescobertade elementosrtmicosnacionais,observa-seque,principalmentenaEuropaenosEstados Unidos, uma das caractersticas musicais do sculo XX a busca de recursos que apresentem inovaes no que diz respeito forma, harmonia, ao timbre, etc. Neste sentido, um aspecto que conduz a esta investigao se encontra nas reflexes e prticasdealgunscompositorescontemporneos,comoporexemplo,LucianoBerio(1925-2003),compositoritalianoque,apsobservarosdesenvolvimentosinstrumentaisocorridos nosculoXVIII,repensoueexploroupossibilidadesdentrodessesnovosrecursosde aprimoramentoinstrumental.Dessamaneira,escreveuasrie"Sequenza",quejulgaserum pontodepartidaparaodesenvolvimento,sobvriosaspectos(sonoro,harmnico,etc.),da tcnica para diversos instrumentos57. Assim como na obra de Berio, este trabalho aponta que existemrecursosaseremexploradoseinventadosque,svezes,nosocogitadosdevidoa um tipo de pensamento tradicional e conservador sobre tais instrumentos. Ocompositoritalianovisouexploraodasmximaspossibilidadesdecada instrumento,utilizando-sefreqentementedetcnicasaltamenteelaboradaseidiomticas, criando uma escrita detalhada e minuciosa. Desta forma, as Sequenze exploram virtuosismo esonoridadesquegeraminteraoentreomsicoeoinstrumento,abrindo,assim,novas possibilidades para o desenvolvimento tcnico. Partindodeoutrospressupostosebuscandorelaesnosentidodaevoluodesua linguagemmusical,otrabalhodeCyroPereira,desenvolvidoaolongodesuavidamusical, explorou os mesmos instrumentos sinfnicos habitualmente usados para a produo da msica europia.Nessecontexto,podemosperceberodesenvolvimentodealgumastcnicase recursos para que sua produo de msica predominantemente popular brasileira expressasse a linguagem caracterstica nacional, bem como para que os ritmos mantivessem na orquestra sinfnica o balano58 natural dos grupos: regionais, de choro, rodas de samba, etc. 57 Traduo livre de trechos do prefcio das partituras Sequenza de Luciano Berio. 58Dourado(2004)eRocca(1986)consideramqueobalano(ginga)ocorrequandohdiferenciaode acentuao entre as notas para favorecer um ritmo. 62 Nesse sentido, a proposta deste trabalho sobre a obra Sute Brasiliana n. 1 registrar alguns dos procedimentos orquestrais utilizados pelo maestro Cyro Pereira.

Sendoassim,numaprimeiratentativadeexplorarinstrumentoseritmosbrasileiros, sero apresentados textos sobre o compositor Heitor Villa-Lobos, onde se constata que, alm das notas e ritmos nacionais, h grande preocupao para que tais ritmos e os fraseados sejam expressoscomfidelidade,ouseja,comoaquelesgruposerodasdesambaechoro costumavam executar. 632.3 O USO DE RITMOS BRASILEIROS EM OBRAS DE VILLA-LOBOS Em uma fase mais madura de sua carreira, Heitor Villa-Lobos passa a inserir em suas obras elementos regionais brasileiros. Na srie Choros, por exemplo, apresenta, em diversas instrumentaes (solo, duo, orquestra sinfnica, etc.) melodias e referncias ao ritmo popular brasileiro homnimo ao ttulo. No Chros n. 2 para flauta e clarineta nota-se que, alm das clulas rtmicas mais comunsaochoro,oautortevegrandepreocupaoemregistrartodasasnuancesde interpretao (tais como crescendos, ligaduras, acentos, etc.). Dessamaneira,v-sequeessetipodeescritaricaemdetalhes,aproximando-sedo conceitodebalano,ondeocompositortentarpassarparaapartituratodasaspequenas alteraesrtmicasededinmicaqueacontecemnaexecuodeumchorinho.Villa-Lobos vivianasrodasdechoroe,aousaraorquestrasinfnicacomomeiodeexpressodesuas msicas,manifestanosdetalhesaintenodequeosmsicossinfnicosexpressassem semelhante balano. Sobre o uso de elementos brasileiros na msica sinfnica, Maia descreve: Ainserodeelementosbrasileirosnamsicasinfnicatevecomoumdos pioneirosocompositorHeitorVilla-Lobos.(...)MesclouBacheocanto gregorianocomasmelodiasindgenaseosritmosdoschoresdesua juventudecarioca.(...)apresentouemsuamsicasinfnicainstrumentos musicaistpicosdelugaresondevisitoueritmoscolhidospelasdiversas comunidades onde passou quando realizou sua viagem ao interior do Brasil.(2000, p.3) DentrodealgumasobrasdeHeitorVilla-Lobospode-seobservarointuitodo compositor em realizar com preciso o discurso rtmico e interpretativo brasileiro, atravs do cuidado na construo einsero de acentuaesnas melodias. Conformesugerido no nome dasuasrieChros,HeitorVilla-Lobos,contemporneodegrandesnomesdamsica popularedoschores,insereemsuamsicaeruditaaspectosrtmicospraticadosnas rodas de choro. 64 Na partitura a seguir, do Chros n. 2 para clarineta em l e flauta (1924) segundo a edio Max Eschig, observa-se que, aps uma introduo de 23 compassos com tempo livre, a clarinetanonmerodeensaio4apresentanalinhameldicaumaorganizaortmicado choro,destacandoeapoiandonotassegundoritmostradicionalmentebrasileiros,comoo Baio e o Samba: 65 Nestaobra,soobservadasacentuaesqueauxiliamointrpreteemsuaexecuo. Estasacentuaesindicam,comclareza,asintenesdocompositor.Aclarinetanos primeiros compassos do nmero 4 (2o, 3o e 4o compassos do nmero 4) apresenta: 66 Otrechoacimademonstraocomeodalinhameldicadaclarineta.Nota-se,jno primeiro compasso do trecho, o interesse em se deixar bem marcado o pulso, inserindo-se um rff(riforandssimo)nosprimeiroseterceirostempos.Aconstruomeldicaapresentaas notasmaisagudasnosegundoequartotempos.Fazendoumareduo,poderamosteralgo prximo clula inicial do samba, assim: Reduo rtmica da linha da clarineta (exemplo 1) Naharmoniadestetrechoverifica-seumdesenhomeldicocomarpejostonaise consonantesquereforamatonalidadedapea.SoutilizadosI 6(Tnicacomasexta)e V 7.9 (dominante com stima e nona). Noobstante,jnosegundocompassodotrechoacima(3ocompassodonmero4), Villa-Lobos, ainda atravs de arpejos tonais, refora a articulao e a pronncia do ritmo com umapequenamodificaonasfigurasdenota,inserindoumapausadesemicolcheia59para destacarasfigurasvizinhaseaproximar,aindamais,aclulartmicadaclarinetaaduas variantesdaclulainicialdosamba,demonstradasnoSurdode3adeGonalves(p.57deste trabalho). Reduzindo a linha da clarineta neste compasso (3o compasso do nmero 4) poderamos chegar s seguintes clulas (exemplo 2): Exemplo 2 originalReduo rtmica Finalizandoestetrechodetrscompassos,jno4ocompassodonmero4,segue-se umaseqnciadesemicolcheiasquequebraosentidortmicoapresentadonosdois 59EmarranjosobreTenebrosodeErnestoNazareth,CyroPereiratambmadotapausasparadestacarasnotas vizinhas descrito no exemplo na p.50 deste trabalho. 67compassos iniciais. H, tambm, um claro rompimento do desenho harmnico, pois agora se sucedem saltos de trs tons (trtonos). ComovistonoChrosn.2,asmelodiasmuitasvezesapresentamdesenhosque favorecemumpronunciamentomaisdeclaradodeelementoscomunsdosritmosbrasileiros, tendoumcontornomeldicoondeumanotamaisagudaoumaisgrave,maiscurtaoumais longadestacae/ouacentuaumespecficolugardodiscursoritmo,denotandodicoe pronncia caracteristicamente brasileiras. UmoutroexemplodissoemVilla-LobospodeserencontradonamsicaNonetto. Observemos a verso da Max Eschig: Nocompasso42oflautimexprimeumritmoondeamelodiatambmapresentaum contornoquefavoreceaaudiodostemposacentuados,umavezqueanotaagudasoa naturalmentecomumpoucomaisdeintensidadequeasgraves.Apresenadanotamais aguda na metade do primeiro tempo tem, portanto, como efeito, o destaque desse tempo. 68 Somando-seistoaoutroselementos,comoasduasnotasdestacadas(atravsde pausas) no segundo tempo do piano, pode-se sugerir a reduo rtmica abaixo, como indicado na linha ritmo da partitura do Nonetto acima. Estareduoequivalenteaumaaumentaodavariantedacluladosambacitado no Surdo de 3a por Gonalves e Costa60. OutrosexemplospodemserobservadosnasriedeCirandasdomesmocompositor, particularmentenaCirandan.01.AmsicaTherezinhadeJesus...(anexon.04,p.208) apresenta,apartirdocompasso09,umarepetiodaclulartmicaondea presena do acento tenuto ( - ) em todas as notas naturalmente gera um ritmo brasileiro bem caracterstico. Isso ocorre tambm em Chros n. 1 (anexo n.05, p.209) para violo solo. Assim sendo, conclui-se que alm da escrita com detalhes como ligaduras, acentos e contornos meldicos que destacam importantes tempos das clulas rtmicas a interpretao fiel partitura parte fundamental na execuo da obra. Umavezcitados,nestecaptulo,aspectosdamsicabrasileiraemregistros orquestrais,noprximo,abordaremostaisitensnaobraSuteBrasilianan.1deCyro Pereira. 60GONALVES.(2000,p.23).Emexemplodesamba-enredocaixasemcimadasEscolasEstciodeS, Unidos da Tijuca e Viradouro. 69Captulo 3 A Sute Brasiliana n. 1 ANLISE DA ORQUESTRAO DA SUTE BRASILIANA n. 1 3.1 PROCESSO ANALTICO A tcnica adotada nesta dissertao para anlise da orquestrao separar os elementos musicais em diferentes categorias tais como: melodia, acompanhamento, ritmo, etc. e as relacionardeacordocomatcnicadeescritaorquestraladotada.Paratalanliseos instrumentosseroagrupadosemumpentagramaconformesuacategorianamsica.Essas partituras serviro como objeto para que seja descrita a escrita orquestral utilizada. Essascategoriasmusicaisserosimplificadasfrentesdiferenciaesapontadaspor Schoenberg61emitenscomomelodiaversustema,perodoversussentena, acompanhamentoversuscontraponto,etc.Porestetrabalhofocarosprocedimentos orquestrais,taisaspectosnoseroabordadosdetalhadamentecomodescritospor Schoenberg.Porisso,emrelaosformaseelementosmusicais,usaremosotermo categoriasmusicais.Estascategoriasresumir-se-obasicamenteem:melodiaou acompanhamento. Amelodia,quandoseapresentarcomotemaprincipal,independentedoestilo composicional, ser classificada sempre como melodia. 61 SCHOENBERG, Arnold. (1993). 70 Outrascategoriasmusicais,quenosejammelodia(nosentidodetemaprincipal), seroabordadoscomoacompanhamento.Emrelaoaotipodeescrita,os acompanhamentospoderoserdiferenciadoscomo:acompanhamentomeldico, acompanhamento rtmico ou acompanhamento harmnico. Assim,seoacompanhamentoforexecutadoporuminstrumentomeldico apresentando uma variao de alturas que justifique denotar o trechocomo uma frase uma melodia (no tema principal) , ser classificado como acompanhamento meldico. No caso de o acompanhamento apresentarfiguras rtmicas que tenhamreferncia (ou dobram