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SÍSMICA 2007 – 7º CONGRESSO DE SISMOLOGIA E ENGENHARIA SÍSMICA 1 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO SÍSMICO DE CONSTRUÇÕES EXISTENTES EM ADOBE DORA SILVEIRA Engenheira Univ. Aveiro Aveiro-Portugal HUMBERTO VARUM Prof. Auxiliar Univ. Aveiro Aveiro-Portugal ANÍBAL COSTA Prof. Catedrático Univ. Aveiro Aveiro-Portugal SUMÁRIO O adobe foi um material de construção muito utilizado no distrito de Aveiro até meados do século XX. Surge em edifícios rurais e urbanos, alguns de notável valor patrimonial e arquitectónico, e também em muros e poços de água. A maioria destes edifícios foram concebidos e construídos sem preocupações sísmicas, apresentando assim um nível de vulnerabilidade associado elevado, e uma resposta deficiente face a eventuais sismos, podendo sofrer danos estruturais severos, e até colapsar. O estudo do comportamento sísmico das construções em adobe existentes em Aveiro, e do seu reforço, tem vindo a ser desenvolvido na Universidade de Aveiro. Neste artigo são apresentados os resultados mais relevantes do trabalho desenvolvido, nomeadamente: caracterização experimental das propriedades mecânicas do adobe, das argamassas e de muretes, e avaliação experimental da resposta de paredes a acções horizontais cíclicas. São também apresentados os principais tipos de dano nestas construções e as suas causas mais frequentes. 1. CONSTRUÇÃO EM ADOBE EM PORTUGAL Num passado recente, a terra era um material de construção muito comum em Portugal. O adobe e a taipa foram usados durante muitos anos em praticamente todos os tipos de construção, tendo a sua utilização declinado no final da segunda metade do século 20, com a emergência da indústria do cimento. Na Beira Litoral estes dois métodos de construção foram vastamente aplicados. O rio Mondego estabelece a linha de fronteira entre as duas regiões onde os dois métodos eram aplicados: o adobe prevalece a norte e a taipa a sul. Presentemente, de acordo com informação da Câmara Municipal, cerca de 25% dos edifícios existentes na cidade de Aveiro são de adobe. Estima-se que esta percentagem sobe para 40% quando nos referimos a todo o distrito, reflectindo a importância deste sistema construtivo em áreas rurais. O adobe pode ser encontrado em vários tipos de construção: edifícios rurais e urbanos, muitos dos quais são ainda habitados, muros, poços de água, igrejas e armazéns (Figura 1). Um número importante dos edifícios urbanos em adobe é de valor sócio-cultural, histórico e arquitectónico reconhecido, nomeadamente do estilo Arte Nova. O antigo edifício dos bombeiros de Aveiro, a igreja de Quintãs, e o edifício da Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro, entre muitos outros, são exemplos de edifícios em adobe existentes no distrito de Aveiro com importante valor sócio-cultural. Figura 1: Exemplos de construções em adobe existentes no distrito de Aveiro.

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SÍSMICA 2007 – 7º CONGRESSO DE SISMOLOGIA E ENGENHARIA SÍSMICA 1

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO SÍSMICO DE CONSTRUÇÕES EXISTENTES EM ADOBE

DORA SILVEIRA Engenheira Univ. Aveiro Aveiro-Portugal

HUMBERTO VARUM Prof. Auxiliar Univ. Aveiro Aveiro-Portugal

ANÍBAL COSTA Prof. Catedrático Univ. Aveiro Aveiro-Portugal

SUMÁRIO O adobe foi um material de construção muito utilizado no distrito de Aveiro até meados do século XX. Surge em edifícios rurais e urbanos, alguns de notável valor patrimonial e arquitectónico, e também em muros e poços de água. A maioria destes edifícios foram concebidos e construídos sem preocupações sísmicas, apresentando assim um nível de vulnerabilidade associado elevado, e uma resposta deficiente face a eventuais sismos, podendo sofrer danos estruturais severos, e até colapsar. O estudo do comportamento sísmico das construções em adobe existentes em Aveiro, e do seu reforço, tem vindo a ser desenvolvido na Universidade de Aveiro. Neste artigo são apresentados os resultados mais relevantes do trabalho desenvolvido, nomeadamente: caracterização experimental das propriedades mecânicas do adobe, das argamassas e de muretes, e avaliação experimental da resposta de paredes a acções horizontais cíclicas. São também apresentados os principais tipos de dano nestas construções e as suas causas mais frequentes. 1. CONSTRUÇÃO EM ADOBE EM PORTUGAL Num passado recente, a terra era um material de construção muito comum em Portugal. O adobe e a taipa foram usados durante muitos anos em praticamente todos os tipos de construção, tendo a sua utilização declinado no final da segunda metade do século 20, com a emergência da indústria do cimento. Na Beira Litoral estes dois métodos de construção foram vastamente aplicados. O rio Mondego estabelece a linha de fronteira entre as duas regiões onde os dois métodos eram aplicados: o adobe prevalece a norte e a taipa a sul. Presentemente, de acordo com informação da Câmara Municipal, cerca de 25% dos edifícios existentes na cidade de Aveiro são de adobe. Estima-se que esta percentagem sobe para 40% quando nos referimos a todo o distrito, reflectindo a importância deste sistema construtivo em áreas rurais. O adobe pode ser encontrado em vários tipos de construção: edifícios rurais e urbanos, muitos dos quais são ainda habitados, muros, poços de água, igrejas e armazéns (Figura 1). Um número importante dos edifícios urbanos em adobe é de valor sócio-cultural, histórico e arquitectónico reconhecido, nomeadamente do estilo Arte Nova. O antigo edifício dos bombeiros de Aveiro, a igreja de Quintãs, e o edifício da Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro, entre muitos outros, são exemplos de edifícios em adobe existentes no distrito de Aveiro com importante valor sócio-cultural.

Figura 1: Exemplos de construções em adobe existentes no distrito de Aveiro.

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2. COMPORTAMENTO DAS CONSTRUÇÕES EM ADOBE QUANDO SUJEITAS À ACÇÃO SÍSMICA O adobe é um material de construção que apresenta muitas características atractivas: é barato, disponível localmente, reciclável, pode ser produzido com uma vasta gama de solos, apresenta excelentes propriedades de comportamento térmico e acústico, e encontra-se associado a métodos construtivos simples e expeditos que apenas requerem um pequeno consumo de energia. A construção em adobe, no entanto, se não for devidamente concebida e reforçada, pode apresentar uma resposta deficiente quando sujeita a acções cíclicas, como aquelas induzidas pelos sismos, sofrendo danos estruturais severos e atingindo, frequentemente, o colapso. O uso de construção em terra é comum em muitas regiões do Mundo onde a perigosidade sísmica é elevada, como em alguns países da América Latina, África, Ásia (especialmente na Índia), Médio Oriente e Sul da Europa. Vários sismos recentes que afectaram a construção em terra evidenciam a vulnerabilidade sísmica associada a este tipo de construção quando não é devidamente reforçado. Os sismos que ocorreram em El Salvador, em Janeiro e Fevereiro de 2001, e o sismo que ocorreu em Bam, no Irão, em 26 de Dezembro de 2003, são exemplos representativos. Nos sismos de El Salvador mais de um milhão de pessoas ficou sem casa, tendo a maioria dos danos ocorrido em casas de adobe. O desenvolvimento e a aplicação de soluções de reforço sísmico efectivas exigem um conhecimento adequado dos modos de rotura característicos das construções em adobe. De seguida são apresentados os principais modos de rotura dos edifícios de adobe quando sujeitos à acção sísmica, os tipos de fissuras nas paredes a eles associados, bem como as principais causas de dano nestes edifícios. 2.1. Principais modos de rotura Os principais modos de rotura, identificados como resultado da observação do comportamento de edifícios de adobe durante sismos ocorridos no passado e como resultado de estudos experimentais [1] [2] [3] [4] [5], são: a) fissuração extensiva (vertical na intersecção das paredes, nas aberturas, e diagonal); b) desagregação do topo das paredes; c) separação das paredes nos cantos; d) separação entre o telhado e as paredes; e) dano ou colapso para fora do plano de paredes compridas; f) dano por flexão a meia altura da parede. A Figura 2 ilustra alguns dos danos típicos em edifícios de adobe, quando sujeitos à acção sísmica.

Figura 2: Tipos de danos sísmicos observados em edifícios de adobe não reforçados [2]. O modo de rotura mais frequente caracteriza-se pelo movimento da parede, ou de parte da parede, para fora do seu plano, depois da formação de grandes fissuras na intersecção entre paredes [6]. Após formação de fissuras, os grandes deslocamentos fora do plano da parede, conduzirão à sua queda e ao potencial colapso do telhado por falta de apoio.

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2.2. Principais tipos de fissuras Todos os modos de rotura surgem associados à formação de fissuras nas paredes. Estas fissuras podem ser [7]: a) fissuras de tracção na intersecção de paredes; b) fissuras de corte (acções no plano da parede); c) fissuras de flexão (acções perpendiculares ao plano da parede). As fissuras de tracção (Figura 3) surgem associadas à separação vertical entre paredes perpendiculares, e são devidas à deficiente transferência das forças sísmicas entre as paredes. É importante notar que, geralmente, os cantos são as zonas da estrutura mais solicitadas, com concentração de tensões elevadas.

Figura 3: Fissura de tracção na intersecção de paredes [7]. As fissuras de corte (Figura 4) são fissuras tipicamente diagonais que resultam das forças de corte que actuam no plano das paredes, e que dão origem a padrões em forma X devido ao carácter cíclico da acção sísmica. Estas fissuras, que provocam uma diminuição significativa da rigidez no plano da parede, não são particularmente graves para o comportamento no seu plano, a não ser que o deslocamento relativo ao longo das mesmas seja grande. No entanto, facilitam e potenciam o colapso das paredes fora do plano.

Figura 4: Fissuras de corte devidas a solicitações sísmicas no plano da parede [8]. As fissuras de flexão (Figura 5) devem-se aos esforços de tracção por flexão que actuam na parede quando esta se comporta como uma laje, suportada na sua base e na intersecção com outras paredes e com a cobertura, e solicitada pela acção sísmica na direcção perpendicular ao seu plano. Estas fissuras de flexão podem ser horizontais, verticais ou oblíquas.

Figura 5: Alguns exemplos de fissuras de flexão devidas a solicitações sísmicas perpendiculares ao plano da parede [7] [8].

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2.3. Principais causas de dano Para além de ser importante conhecer os principais modos de colapso dos edifícios em adobe, é também essencial perceber as suas causas. As principais causas de dano em edifícios de adobe são: a) propriedades inadequadas dos materiais constituintes da alvenaria; b) falta de coesão entre as unidades de adobe; c) ligação deficiente entre paredes e/ou entre paredes e pavimentos/coberturas; d) ligação deficiente entre panos de paredes; e) ligação deficiente de elementos salientes à estrutura principal; f) elementos impulsivos; g) fundações deficientes; h) assimetrias e irregularidades (em planta e em altura); i) substituição dos pavimentos e cobertura originais por elementos mais pesados; j) criação de grandes aberturas. Propriedades inadequadas dos materiais constituintes da alvenaria A baixa resistência à tracção, a fragilidade, o peso elevado, e a diminuição de resistência após saturação dos materiais constituintes da alvenaria (adobe e argamassas), são aspectos que contribuem para o deficiente comportamento das construções em adobe quando sujeitas à acção sísmica. Falta de coesão entre as unidades de adobe Elementos estruturais em alvenaria com unidades de adobe unidas por uma argamassa fraca são facilmente desintegrados quando sujeitos à acção sísmica. Esta desintegração geralmente tem início no topo das paredes do edifício, onde os baixos níveis de tensão vertical surgem associados às elevadas acelerações. Ligação deficiente entre paredes e/ou entre paredes e pavimentos/coberturas As ligações entre paredes que se intersectam e/ou entre paredes e pavimentos/coberturas são essenciais para a resistência e comportamento global dos edifícios. Quando deficientes, podem conduzir à separação dos elementos estruturais, o que pode provocar o colapso da parede (Figura 6), seguido do colapso dos pavimentos e/ou da cobertura, que perdem o seu suporte.

Figura 6: Colapso de parede de adobe para fora do seu plano devido a ligações deficientes (sismo de El Salvador,

em 2001)[9]. Ligação deficiente entre panos de paredes Em paredes espessas de alvenaria, constituídas por mais que um pano, com insuficiente número ou inadequada distribuição dos elementos de ligação entre os panos, ocorre frequentemente a separação dos mesmos quando a parede é sujeita à acção sísmica (Figura 7).

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Figura 7: Separação dos panos de paredes de adobe (sismo de Bam, no Irão, em 2003)[10]. Ligação deficiente de elementos salientes à estrutura principal Os elementos salientes colocados no topo dos edifícios (como por exemplo pináculos, cornijas, chaminés e parapeitos) que não se encontram eficientemente ligados à estrutura principal dos edifícios colapsam frequentemente, quando sujeitos à acção sísmica. Elementos impulsivos Os elementos estruturais que exercem uma acção impulsiva, como por exemplo, as vigas inclinadas de um telhado ou os arcos que não possuem um sistema efectivo para a contenção de impulsos horizontais na sua base, podem provocar danos severos nos elementos verticais que os suportam. Fundações deficientes Para o bom comportamento global de um edifício, é essencial uma adequada resistência da estrutura de fundação, que garanta que as forças (horizontais e verticais) são transmitidas ao solo. Em certas situações ocorre que edifícios com resistência adequada colapsam ou sofrem danos severos, devido a deficiências associadas às fundações. Assimetrias e irregularidades (em planta e em altura) A geometria de uma casa, em planta bem como em alçado, influencia a distribuição das forças sísmicas nas paredes. Se as paredes não se encontram uniformemente distribuídas em planta em todas as direcções ou se existem mudanças bruscas de rigidez em altura, a alvenaria apresentará um comportamento deficiente quando sujeita à acção sísmica. Substituição dos pavimentos e cobertura originais por elementos mais pesados Uma forma comum de alteração em edifícios de adobe é a substituição de antigos pavimentos e coberturas em madeira por novos pavimentos e coberturas em betão armado. Isto é feito, frequentemente, sem que se reforce as paredes existentes que passam a estar sujeitas a cargas concentradas superiores. Criação de grandes aberturas É frequente em edifícios de adobe a abertura de grandes vãos nas paredes, para criação de espaços como garagens ou superfícies comerciais, principalmente em meios urbanos. A criação destas aberturas provoca, por um lado, uma diminuição da secção resistente da alvenaria que passa, assim, a estar sujeita a tensões superiores sem que, na maior parte das vezes, tenha sido devidamente reforçada, e por outro lado, uma diminuição da rigidez e, eventualmente, uma distribuição irregular em planta da rigidez, alterando assim as propriedades dinâmicas do edifício.

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3. URGÊNCIA DE AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA ESTRUTURAL, E DE REFORÇO DAS CONSTRUÇÕES EM ADOBE EXISTENTES NO DISTRITO DE AVEIRO Portugal tem sido afectado, nos últimos séculos, por vários sismos de intensidade elevada e moderada. O distrito de Aveiro fica localizado numa região de perigosidade sísmica moderada. No entanto, devido à natureza mole dos solos de fundação, eventuais sismos que fustiguem a região poderão ser consideravelmente amplificados. Assim, o risco sísmico associado às construções em adobe no distrito de Aveiro não é negligenciável. As técnicas adoptadas na construção dos edifícios em adobe no distrito de Aveiro eram baseadas na experiência acumulada, transmitida de geração e geração, e não incluíam uma preocupação com a segurança sísmica. Para além disso, a reabilitação e o reforço destes edifícios foram negligenciados durante décadas. Este vasto parque construído não se encontra, assim, adequadamente reforçado para resistir à acção sísmica, sofrendo de anomalias estruturais de vários tipos. A reabilitação estrutural das construções em adobe existentes no distrito de Aveiro é necessária e urgente. Contribuirá para uma melhoria da qualidade de vida daqueles que as utilizam e para um aumento dos níveis de segurança associados, particularmente se for assegurado o reforço sísmico. Apresenta, contudo, dificuldades relevantes, essencialmente devido à escassez de informação relativa às propriedades e características do comportamento mecânico da alvenaria em adobe. São por isso necessários estudos técnicos para a determinação destas propriedades e características. A caracterização mecânica da alvenaria em adobe constitui um instrumento fundamental no suporte aos projectos de reabilitação e reforço, e ainda no suporte à concepção de novas construções em adobe [11]. 4. TRABALHO EXPERIMENTAL DESENVOLVIDO 4.1. Introdução Um grupo de investigação, pertencente ao Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, tem vindo a desenvolver trabalho para caracterização do vasto parque tradicional construído em adobe existente no distrito de Aveiro. Foram conduzidos ensaios para avaliação do comportamento mecânico de unidades de adobe, de argamassas e de muretes, e ainda ensaios para análise do comportamento estrutural de paredes de alvenaria em adobe. 4.2. Caracterização mecânica de unidades de adobe, argamassas e muretes 4.2.1. Ensaios de compressão simples e de compressão diametral sobre provetes de adobe Foi seleccionado um conjunto de amostras de adobe representativo das diferentes tipologias existentes na região de Aveiro, tendo estas sido recolhidas de 8 muros e 8 casas em locais distintos. Das amostras recolhidas foram retirados carotes cilíndricos com diâmetro compreendido entre 60 e 95mm. Estes foram posteriormente cortados com uma altura igual ao dobro do diâmetro. Um total de 101 provetes cilíndricos, 51 procedentes de casas e 50 de muros, foi submetido a ensaios mecânicos: 83 provetes foram submetidos a ensaios de compressão simples e 18 a ensaios de compressão diametral (Figura 8). Uma descrição detalhada dos procedimento e dos resultados obtidos pode ser encontrada em [12] [13]. Os resultados obtidos nos ensaios de compressão simples mostram valores significativos da resistência à compressão das amostras ensaiadas (0.32-2.46MPa), sendo que para a resistência à tracção, igualmente expressivos, os resultados obtidos correspondem a valores de aproximadamente 20% da resistência à compressão respectiva.

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Verifica-se ainda uma clara tendência para que as amostras com maiores fracções de partículas de menores dimensões apresentem valores de resistência à compressão e tracção superiores. a)

b)

Figura 8: Diagramas tensão vs deformação obtidos nos ensaios de compressão a) simples e b) diametral, realizados sobre provetes de adobe.

4.2.2. Ensaios de compressão simples sobre provetes de argamassa 10 provetes de argamassa (2 de reboco e 8 de junta) retirados de 3 casas diferentes foram submetidos a ensaios de compressão simples. A força aplicada pela máquina de compressão foi transmitida através de duas placas quadradas em aço, com 40mm de lado. Obteve-se os seguintes valores para as resistências médias: 1.68MPa (casa 1); 1.07MPa (casa 5); e 0.45MPa (casa 12). 4.2.3. Ensaios de compressão, perpendicular e diagonal, sobre muretes Com o objectivo de determinar a resistência ao corte e compressão das paredes tradicionais de alvenaria de adobe foram realizados 13 muretes com 17×17×10cm, a uma escala reduzida (1:3), e ensaiados à compressão perpendicular às juntas de assentamento e à compressão diagonal (Figura 9). Uma descrição detalhada dos procedimento e dos resultados obtidos pode ser encontrada em [14]. Na construção dos muretes utilizaram-se pequenos blocos rectangulares extraídos a partir de unidades originais de construções existentes, e uma argamassa com composição análoga à usada tradicionalmente. Os ensaios de compressão perpendicular e diagonal às juntas de assentamento realizados sobre os muretes mostram valores de resistência à compressão e ao corte que variam entre 0.77 e 1.57MPa, e entre 0.05 e 0.19MPa, respectivamente. Para os muretes constituídos por adobe de menor resistência à compressão obteve-se menores resistências à compressão e ao corte.

Casa 2

0,000,20

0,400,60

0,801,00

1,201,40

0 5 10 15

Extensão (/1000)Te

nsão

(MP

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H_02_a01c

H_02_a02c

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0,00

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Extensão (/1000)

Tens

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Pa)

H_01_a02cH_01_a03c

H_01_a04c

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O módulo de elasticidade transversal e a resistência ao corte, para cada série de muretes ensaiada, é cerca de 1/10 dos correspondentes módulo de elasticidade e resistência à compressão avaliados nos ensaios de compressão perpendicular às juntas.

a)

b) Figura 9:: Diagramas tensão vs deformação obtidos nos ensaios de compressão a) perpendicular e b) diagonal às

juntas de assentamento, realizados sobre muretes de adobe. 4.3. Ensaios sobre paredes de alvenaria 4.3.1. Introdução Foram conduzidos ensaios sobre paredes de alvenaria de adobe, em laboratório e in situ, com o principal objectivo de caracterizar o comportamento mecânico desta alvenaria quando sujeita a acções cíclicas, como aquelas induzidas pelos sismos. Uma descrição detalhada dos procedimento e dos resultados obtidos pode ser encontrada em [15]. 4.3.2. Ensaios realizados em laboratório A parede ensaiada em laboratório foi construída com unidades de adobe retiradas de construções existentes e com uma argamassa com composição análoga à usada tradicionalmente. A parede tem as seguintes dimensões: 1.08m de altura, 1.02m de largura e 0.185m de espessura. As condições de apoio evitam deslocamentos laterais e rotações. As frequências naturais nas duas direcções horizontais (transversal e longitudinal) foram medidas com um sismógrafo. Mediu-se uma frequência de 10.94Hz na direcção transversal e, a partir da mesma, estimou-se um módulo de elasticidade médio de 316MPa. Posteriormente, foi aplicada uma carga vertical de 2.86kN no topo da parede, para simular uma parede com o dobro da altura, e foram impostas forças horizontais no plano, em ciclos

0,000,200,400,600,801,001,201,401,601,802,00

0 5 10 15 20

Extensão (/1000)

Tensão (MPa)

H_05_w01pH_05_w02pH_10_w01pW_10_w01pW_10_w02pH_05H_10W_10

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0 5 10 15

Extensão (/1000)

Tensão (MPa)

H_05_w03dH_05_w04dH_05_w05dH_10_w02dH_10_w03dW_10_w03dW_10_w04dW_10_w05d

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de amplitude crescente, até se atingir o colapso (Figuras 10 e 11). Foi aplicada uma força horizontal máxima de 3.2kN. O modo de rotura caracterizou-se pela abertura de uma fenda horizontal na base da parede.

Figura 10: Esquema do ensaio cíclico realizado no plano da parede, em laboratório: pórticos de reacção,

transdutores de deslocamento, dinamómetro, e sistema de aplicação de forças horizontais na parede. a)

b) c)

Figura 11: Resultados do ensaio cíclico realizado no plano da parede, em laboratório: a) diagrama força horizontal vs deslocamento de topo; b) perfis de deslocamento para as forças horizontais de pico; c) evolução da

energia dissipada. 4.3.3. Ensaios realizados in situ A parede ensaiada in situ foi primeiramente sujeita a um ensaio dinâmico. Mediu-se uma frequência de 2.20Hz na direcção transversal e, a partir da mesma, estimou-se um módulo de elasticidade médio de 101MPa. Para os testes cíclicos não se considerou uma carga vertical adicional. Inicialmente foram impostas forças horizontais no plano, em ciclos de amplitude crescente (Figuras 12 e 13). Numa segunda fase, foram aplicadas

-4

-3

-2

-1

0

1

2

3

4

-6 -4 -2 0 2 4 6Deslocamento (mm)

Forç

a (k

N)

0,0

0,5

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-5 -3 -1 1 3 5

Deslocamento (mm)

Altu

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)

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5

10

15

20

0 50 100 150

Incremento

Ener

gia

diss

ipad

a (k

Nm

m)

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forças fora do plano, também em ciclos de amplitude crescente, mas sem inversão do sentido da força, até se atingir o colapso (Figuras 14 e 15). Foi aplicada uma força horizontal máxima no plano de 10.7kN. Esta força não foi levada a um nível superior para que se pudesse conduzir, de seguida, o ensaio fora do plano. Foi aplicada uma força horizontal máxima fora plano de 0.69kN. O modo de rotura caracterizou-se por uma rotação da parede pela base, com a zona intermédia muito fragilizada.

Figura 12: Esquema do ensaio cíclico realizado no plano da parede, in situ: pórticos de reacção, transdutores de

deslocamento, dinamómetro e sistema de aplicação de forças horizontais na parede.

a)

b) c)

Figura 13: Resultados do ensaio cíclico realizado no plano da parede, in situ: a) diagrama força horizontal vs deslocamento de topo; b) perfis de deslocamento para as forças horizontais de pico; c) evolução da

energia dissipada.

C1

C2

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C4

C5

C6

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5

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15

-3 -2 -1 0 1 2

Deslocamento (mm)

Forç

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N)

0

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2

-3,0 -2,0 -1,0 0,0 1,0 2,0

Deslocamento (mm)

Altu

ra (m

)

d+ (1º ciclo)d- (1º ciclo)d+ (2º ciclo)d- (2º ciclo)d+ (3º ciclo)d- (3º ciclo)d+ (4º ciclo) 0

2468

101214161820

0 10 20 30 40 50

Incremento

Ene

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dis

sipa

da (k

Nm

m)

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Figura 14: Esquema do ensaio cíclico realizado para fora do plano da parede, in situ: transdutores de

deslocamento, e sistema de aplicação de forças horizontais na parede.

a) b)

Figura 15: Resultados do ensaio cíclico realizado para fora do plano da parede, in situ: a) diagrama força horizontal vs deslocamento de topo; b) evolução da energia dissipada.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E TRABALHO EM DESENVOLVIMENTO O trabalho apresentado neste artigo faz parte de um projecto de investigação focado na reabilitação e reforço do parque construído em adobe no distrito de Aveiro. Neste projecto a seguinte metodologia tem sido seguida: a) caracterização detalhada das construções existentes e das suas patologias estruturais e não estruturais mais comuns; b) caracterização mecânica dos materiais; c) caracterização estrutural e avaliação da segurança estrutural; d) desenvolvimento de soluções de reabilitação e reforço. Para além do trabalho que tem sido desenvolvido de caracterização mecânica de paredes em alvenaria de adobe, foi também iniciado trabalho para o estudo de soluções de reforço para este tipo de alvenaria. A parede testada em laboratório foi reforçada com uma malha polimérica e revestida com uma camada de argamassa com composição semelhante à usada tradicionalmente nas construções existentes (Figura 16). A resposta estrutural da parede reforçada, quando sujeita a deslocamentos horizontais cíclicos, está a ser investigada. A melhoria de comportamento alcançada com a solução de reforço será avaliada. Esta análise constitui apenas o início de um trabalho que pretende desenvolver soluções de reforço efectivas e económicas para as construções em adobe.

Figura 16: Reforço da parede de adobe com malha polimérica e com argamassa de revestimento.

0

2

4

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8

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0 2 4 6 8 10

Incremento

Ener

gia

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ipad

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Nm

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00,10,20,30,40,50,60,70,8

0 5 10 15 20

Deslocamento (mm)

Forç

a (k

N)

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6. AGRADECIMENTOS Os autores expressam os seus agradecimentos a Henrique Pereira, João Almeida, Tiago Martins, Hugo Rodrigues, Orlando Sousa e Nuno Vicente, pela sua colaboração no trabalho experimental aqui sumariamente apresentado; à CIVILRIA, S.A. pelo transporte das unidades de adobe para o laboratório; à MARTIFER, S.A. pela oferta dos pórticos de reacção utilizados nos ensaios cíclicos realizados sobre as paredes de adobe; e a todas as pessoas que gentilmente abriram as suas casas para a recolha de amostras e ensaio de paredes. Este artigo refere investigação realizada com o apoio financeiro da "FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia", Portugal. 7. REFERÊNCIAS [1] Blondet, M., Garcia, G. and Brzev, S. (2003) Earthquake-resistant construction of adobe buildings: a

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